miolo ldq - thiagobechara.com.br · Simetria que, tão alta, hoje me falta às mãos. (18/01/2001)...
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Surpresa
(de Delvayr Mazzucato Sogayar)
Pensava em ti, profundamente, quando chegaste;
e, ao ver-te, apenas te sorri contente!
E quedei duvidando se eras tu realmente que chegavas,
ou se era em pensamento que te via!
À guisa de prefácio
Thiago, de início sua poesia me tomou por inteiro. Como um
rodopio. Aos poucos ela mesma me deu um alerta para que
eu, geminianamente, não me apressasse. Como se me dissesse:
“Vai com calma, tem muito para descobrir. Não se deixe levar
pela primeira inspiração. Trabalhe. Borde”.
Entendi, então, nessa compassada arqueologia, o que é des-
cobrir um poeta que se descortina pouco a pouco, além da
simples leitura descompromissada. Qual é nossa identidade,
o que temos em comum: a memória! A memória das velhas
paredes, a memória das flores que a natureza capta e retém,
transcende, volátil em estações quase breves, se pensar-
mos no eterno que ela preserva como perfumes em caixas
e versos.
Momentos, extratos de tempo perceptíveis para viajantes
eleitos como você que transforma esse material em poesia.
A memória de muros que libertam a imaginação e prendem
por Leda Senise*
por isso mesmo, porque nos dá dimensões diferentes em
sua palidez nua... a memória das sensações despertadas
pelo ruído da chuva a escorrer nas calhas dos casarões da
infância, o que imediatamente me trouxe a memória cinzenta
das tardes de inverno paulistano na casa paterna, quando
uma chuva interminável molhava dias inteiros e eu, criança,
matava o tédio soprando o meu hálito nas janelas fechadas
onde gotas escorriam ininterruptas, escrevendo a palavra
CHUVA no vapor da respiração no vidro.
A memória que traz um raio de sol. A memória sem a qual
não existimos concretamente. Não nos transformaríamos
em expressão dela sem o poder que você tem de capta-la,
homenageada, transformada em poesia. A memória não só
de fatos, mas de sensações. Estou certa? A memória, essa
miríade de estrelas que transforma o céu que nos protege
(parodiando Paul Bowles, sorry) paradoxalmente em nossas
raízes e nos permite transitar por esse espaço, para muitos,
abstrato. Para nós, axial e experimental. Equilibristas!
Penso há dois dias nesta capa. Imagens pouco claras me
vinham à cabeça, até que, num lampejo, lembrei-me de duas
fotos que fiz no sul da Itália, uma em Nápoles, a outra num
vilarejo da Sicilia. Vou anexar as duas e explicar o que eu
gostaria de fazer. Imprimi-las no papel que eu normalmente
uso para impressão dos desenhos: Hanemuehle German
Etching 310g, um papel muito bonito, fosco, de boa gramatura
e de impressão texturizada. Impressa a foto, eu trabalharia
nela como se fosse um desenho meu.
Os tons seriam naturalmente brancos, brancos sujos e sé-
pias, evitando contrastes gritantes para servir de bom fundo
ao título ou outras informações gráficas. Bordando, costu-
rando, recriando texturas, aquarelando etc. Os meus desenhos,
como bem disse o Naum [Alves de Souza], têm um lado ar-
queológico. Ele tem razão, e esse lado arqueológico é quase
como a busca e a captura de tempos e memórias imemoriais,
sem os quais eu não consigo viver. E você também, pelo visto.
Anexo vão as fotos. É uma ideia para começarmos a dis-
cutir. Eu prefiro a segunda.... Beijos. Leda.
* Poeta, artista plástica e figurinista.
07 de maio de 2013.
Literatura de Quintal 13
Pequena reflexão
A escuridão até então não vinda
põe nos seus muitos bocejos um ainda...
(03/01/2002)
Ai de ti, que não viu
o jardim que o poeta descreveu.
Ai de mim, que não pude
outro jardim que não o meu.
(20/02/2002 – Ribeirão Claro – PR)
Thiago Sogayar Bechara14
Autorretrato
A própria liberdade de prender-se e as grades da prisão quando soltar-se.
Sou minha canção que foge lenta.
Sou meu sentimento deste instante.
Um cheiro qualquer, mais lancinante
que o da brisa mansa da tormenta.
Sou quando tu abres as janelas
e as poças de luz que, ao chão, derramas.
Todo este rumor que há nas capelas
e o amor por ti de alguém que amas.
Sou somente espectro, refúgio;
este é meu mais fiel amuleto.
E de todos os meus eus, dos quais só fujo,
não fugi desta certeza que me deu
(e enchi de alma e pranto este soneto):
De que tudo o que me assalta sou só eu!
(02/04/2002 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 15
Monólogo dos ventos
Poesia é um vento do poeta;
um exato alimento.
(17/8/2001)
Os ventos...
Um poeta
e seus ventos...
Os poetas
ao vento.
E suas metas...
Sem tempo,
sentido, nem reta.
A estrada é correta:
O oposto da seta
nos leva ao alento.
E o real que se veta.
Numa nuvem me sento
e componho um poeta!
(19/05/2002 – São Paulo – SP)
Thiago Sogayar Bechara16
Testemunhar-se
A cor do acorde deste fato
Da mais sombria
e anoitecida das paredes;
da mais densamente enevoada
pela bruma,
aos poucos desenhou-se seu formato:
O de uma mulher feita só de luz e raios.
Depois, em seu sorriso, vi que ela guardava
um bom sentimento que me destinara
e só hoje me entregava...
Como a promessa que enfim se cumpria;
e novamente então eu me acalmava
e, em seu processo oposto, a parede dormia...
E, ao ver que tudo se normalizava,
cerrava eu os meus olhos... e morria.
(06/12/2002 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 17
Saudade
Simetria que, tão alta, hoje me falta às mãos.
(18/01/2001)
Parece um sonho brilhante
em que, a cada imagem tua que a mente produz,
é uma luz que alumia e cerca,
e pega e te açambarca...
E traz-te inteira a mim...
Basta que brilhe o sonho,
sempre que incerto de esperar
meu coração feneça,
temendo que a distância me anoiteça
e o leve às beiras de seu triste fim.
Thiago Sogayar Bechara18
Cidade oculta
Nas vozes da madrugada,
os diálogos do sol poente.
Sinto tudo se esvair e nada!,
nada se completa inteiramente,
ou se reencontra...
Meu poema vive o resto de qualquer amor
e prova o sabor de nascer pela madrugada...
Vivo a solidão de um quarto e ouço minha voz, calado!,
nesta simples noite fria.
Sei que fria alma, alma vazia!
(05/09/2003 – Ribeirão Claro-PR)
Literatura de Quintal 19
Interiores
I
Brisa de sonhar os interiores ideais
e de trinar os cantos
ao bailar das copas às sibipirunas!
Tarde de ranger as folhas dos portais
e de varrer as dos quintais!
De não parar jamais pelas esquinas
e de ventar nas preferenciais...
É lá que somos os nossos sertões...
E por que não nos adentrarmos mais?
Thiago Sogayar Bechara20
II
Sonho de adentrar os interiores dos portais.
Pela avenida tortuosa, a sina:
Cruzarmos nossas preferenciais!
E de adentrarmo-nos os interiores,
é então que o sonho torna-se capaz...
e se liberta toda a nossa essência
pelos sertões de nós, nossos quintais...
E ainda assim, se entrarmos mais um pouco,
eis que são lá, nossas cidades ideais!
(16/11/2003 – São Paulo-SP)
Literatura de Quintal 21
Sílaba
I
A vida que, em mim, cintila,
pulsa a sílaba que me arrebata.
E não permite apenas eu senti-la,
pois dá-se a mim, como se me desmata!
E o cheiro; o sol; e o som de toda vinda
de tudo a mim, é que meus eus desata,
pois me decifra em tudo; me lapida...
como fecunda-se e engravida a mata.
Thiago Sogayar Bechara22
II
A vida que, a mim, dá senti-la,
permite o cheiro, o sol e o som da mata.
Permite a sílaba que me engravida!
Quando me pari outro, me refrata...
É tudo simples vida que cintila;
que se nos ama, é que nos arrebata.
E ela, então, dá-nos dom de despi-la:
Poesia é vida que não se desata!
(22/11/2003 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 23
Decomposição
Eis-me só:
E não sei bem se ser poeta
é mundo adentro ou mundo afora.
Vou seguindo,
sentindo a decomposição da luminosidade em minha pele,
revelando qualquer coisa de cheiro ou de alma,
mas espargindo o mundo em mim.
(22/12/2003 – Ribeirão Claro – PR)
Thiago Sogayar Bechara24
Primavera
Poemas - são quem mais entende
das mais íntimas noções do agora.
São-me eternos, pois em meus encontros,
sou-lhes a primavera quando flora.
Por tanta gravidez,
despojam flores que sobrecarregam cachos
e tingem as ruas e os ares
em pequenas pinceladas
coloridas.
Não passo de um captador de indícios
do mundo
que mais verta elementos pr´esta conversão.
Serei de caule e cerne e seiva e folha;
E a poesia, em mim, de eterna mansidão.
Me amansa ver o não iluminado
E viver dentro desta solidão!
Literatura de Quintal 25
Marés
O mar é tanto,
pois que guarda o pranto
de seu sal chorar.
Servo dos ventos, senhor dos alentos,
amar é tanto
que se finda em pranto
desse mar vazar.
E é fundo,
tanto quanto o mundo
tenta-o compreender.
Quiçá do mar, amar o acaso das marés...
e não ser servo dos relentos,
mas senhor dos ventos!
Remando contra o pranto de eu me afogar.
Vazio de amor, porém cheio de mar.
Do meu vazio de amar, o mar recheio;
quiçá nas águas eu me consolar.
(11/01/2004 – Ribeirão Claro – PR)
Thiago Sogayar Bechara26
Raíz
A força da terra imprime à vida
a cor de que carece ser a mata.
Rege a tendência à imprecisão das formas.
Dá o temporão à vez que faz-se exata.
E, ao soerguer as almas que hão de colorir-se,
embrutece em seu cerne a luz de toda mágoa.
É dadivosa oferta; entalhe e profusão
pelo que a pura e sólida matéria incita.
O movimento em propulsão da vida
ante um cenário de respeito mudo
em cujo dom de germinar deságua.
(12/01/2004 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 27
Figura
O mundo é uma grande ave sobre meu repouso
Sou álibi e aliterações aliadas
ao fascinante aroma das sinestesias.
A carne exposta sempre às contrações
da crua ausência de uma anestesia.
Sou sempre hipérboles de sensações,
o mundo é sempre um balde d´água fria,
em que, se amor em mim, são projeções,
n´outro desfêmico recanto é ironia.
Sou metafórico, sou paradoxo,
sou sem razão de ser:
Sou a figura dessa poesia!
(12/01/2004 – Ribeirão Claro – PR)
Thiago Sogayar Bechara28
Sonho
Assim como amanhece outro o dia, mas com o mesmo
sol sempre raiando.
Lembrei de um lugar que minha imaginação criou há
algum tempo atrás
e agradei-me dele como, nem da primeira vez em que lá
estive, gostara.
Descobri que não havia tempo algum entre minha criação
e minha segunda visita
a esse lugar. Eu sempre estive lá, morando anonimamente
em seu jardim secreto.
Percebi também que não havia espaço algum pra que esse
lugar existisse,
pois morava em mim. E eu nele!
Acho que gostei mais dele da segunda vez, não por ter
revisto algo de belo
Literatura de Quintal 29
ou de já contemplado,
mas por descobrir que o fato de ele ser imaginário não faz
com que deixe de existir em mim, caso esquecido.
Ele continuou em mim. Guardado. E sempre existirá, sem
tempo, sem lugar,
mesmo que apenas duas vezes visitado.
(10/02/2004 – São Paulo – SP)
Thiago Sogayar Bechara30
Teto
Assim é que ficava
o teto do meu quarto
sempre que era noite.
Cheio de feixes brancos e compridos,
da luz incontida pela janela
e traduzida nestas luzes fixas
no teto dos meus olhos tão atentos.
E sempre que passava um carro
eu sabia,
pois, além de seu barulho,
ele encobria
de sombra, todo meu pensamento!
Literatura de Quintal 31
Nevoeiro
Nem sempre o mar reluz teus olhos
na calmaria das águas praieiras...
Vezes que rouba, para si, teu brilho,
e a te restar a opacidade do mistério
faz nevoeiro em meu conhecimento dos teus cantos ermos.
(26/02/2004 – Ribeirão Claro – PR)
Thiago Sogayar Bechara32
Desarranjos
Poesia é um semitom da sociedade;
É a retina do poeta;
E, na canção da vida, como ela destoa,
apressa minha reclusão do mundo!
Não sabem que há beleza, tanta, nesses desarranjos;
e vivem de dançar a própria música!
Eu canto a minha...
e deixo aos afinados, a mesquinhez que assiste em se
igualar às formas.
Meu semitom se afina à unicidade
e, se há um cárcere somente ao meu pecado,
serei só, pois eu é que o cometo, mais ninguém!
E que se iludam desta liberdade que os convém;
que afina um solo mau-acompanhado!
(09/03/2004 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 33
Atemporalidade
Reside em mim, a união dos três tempos.
Ares de vidas passadas e de futurismo em mim
que vivo agora por equívoco ou sutil sabedoria!
Meu corpo é hoje, mas minh´alma... vaga lentamente,
passeando nos já idos da memória,
nos prenúncios de um futuro que já houve um dia.
Por equívoco ou sutil sabedoria...
Serei passado que amanhã viria
se não fosse o exato momento de uma voz
que assume ser atemporal na unicidade de uma poesia...
(09/03/2004 – São Paulo – SP)
Thiago Sogayar Bechara34
Relatar-se
O momento mais lindo da vida de uma pessoa é a hora de
sair correndo para o varal, quando a chuva se anuncia.
Fico tentando reter
Qualquer coisa da chuva
pra usar num poema...
Mas a água cai, passa por mim,
me leva, me lava.
Passa e cessa;
me seca. E quando fiz este poema...
não chovia!
Literatura de Quintal 35
Sobre o reconhecimento
Um olhar por tudo,
neste mesmo quarto...
Sempre a sequência de objetos e emoções
já visitados antes.
Os quatro velhos cantos da cidade
[dão ali;
se edificam sobre mim;
as mesmas velhas lajes são de há muito
[na lembrança...
Um olhar por tudo,
neste mesmo quadro...
e é a mesma imagem que reduz minha atenção
à ampliação daquela cena.
Noite embevecida por toda a cidade.
Eu estou inteiro em cada canto dela.
Thiago Sogayar Bechara36
Vinde a mim as ruas, os coretos,
[os outonos, as saudades;
sem que eu esteja num lugar que exista,
mas não perdendo esse quarto de vista -
que é, no meu íntimo, a minha cidade!
(25/03/2004 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 37
Tardes de outono
É também do tempo ser fora dele!
Tardes de outono,
atemporais e raras!
Trazem às pessoas, ruas
sua luz difusa, dissoluta pelo ar...
Facho de vida que restara -
e só restara no jazer daquelas tardes -,
mas não se extinguem...
Então me sinto amado,
confortado neste abraço,
aceito em seu terno sorriso...
São essas tardes de um outono lasso
o olhar materno de que mais preciso.
(02/04/2004 – São Paulo – SP)
Thiago Sogayar Bechara38
Transmutação
O interior das coisas e dos seres
comove incondicionalmente o lado exposto!
O homem foi quem inventou viver-se oposto
ao que seu íntimo, ao nascer, diz-te deveres!
Porém teu átomo de sentimento sobreposto,
à sombra sofre a tentativa de o perderes...
posto que a máscara é, sem tu saberes,
do mesmo átomo que tens no rosto!
Por isso o interior das coisas e dos seres
comove incondicionalmente o lado exposto!
E não se prestará mais aos poderes
que nos tornaram tão mentiras quanto esboços
de um mundo cheio de exteriores sem seus seres,
buscando átomos de amor para seu rosto!
(09/04/2004 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 39
Inexistência
Cada instante desta vida é outra
Quero avistar de um alto monte meu passado;
como, em seu cume, ir semear o meu futuro
pois este guarda um céu todo estrelado
e me devolve à inexistência em seu escuro!
Nele me assisto e avisto frutos germinados
nascendo a cada vez que for relido
e, como se plantando meu passado,
visasse aos frutos que não pude ter colhido,
tentasse meu futuro inatingido
por não poder eu tê-lo contemplado
(pois que uma escuridão tem-me suprido)...
Thiago Sogayar Bechara40
Mas sempre à luz retornarei, fadado
a esperançar aquele que, iludido,
não creia mais em seu futuro melhorado...
(como eu não cri, por ter morrido).
(29/05/2004 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 41
Iracema
I
O mar bravio ondeia-se infinito ante mim,
tão solitário em existir profundo
até quebrar-se em Iracema...
II
Por cá, de noite, em altivez soturna,
testemunhando a imensidão da eternidade,
balançam levemente, dando à brisa da cidade,
teus coqueirais, a flacidez noturna...
III
Torna-se vento, a brisa descansada...
E em Beberibe, os pés de carnaúbas,
e xique-xiques de-beirar-estradas
Thiago Sogayar Bechara42
(calhando às vezes de umas macaúbas)
cochicham novos dias às jangadas:
Águas das quais Iemanjá não se muda!
IV
É tempo de flor nos cajueiros!
E o mesmo vento que carrega os pés
carrega em si a areia fina e branca...
V
O mar bravio ondeia-se infinito
Tão solitário a existir profundo
Até quebrar-se em Iracema...
(10/07/2004 – Fortaleza – CE)
Literatura de Quintal 43
Vozes
A vida, eu sinto ir me vivendo;
a voz das poesias me compondo.
As notas das canções me decompondo a voz
que a cada tom descobre um novo instante
que passou...
A vida, tempo a tempo, vai se consumindo,
e qualquer coisa dita,
constrói mais uma parte do edifício inacabado...
e a voz me reverbera a alma;
a luz faz-me senti-la ouvida.
E a estrela que cintila a vida
Também ressoa pelo mundo afora!
(16/10/2004 – São Paulo – SP)
Thiago Sogayar Bechara44
Flores
A flor desprendera-se alta de um galho
e descera...
bailando, boiando na brisa ao encontro das águas.
Quando o seu leve e sublime dorso,
pousara,
girou como carrossel lentamente em seu leito
à lagoa.
Levava esta flor marinheira, consigo, na proa,
o amor de uma voz que clamava por outra pessoa
que, na superfície intocada, sobre a barcarola,
girasse também, como a sua, o balé das corolas.
Mas qual não lhe fora a tristeza em saber que a lagoa
guardava sua calma pra última flor e que, agora,
seguira sozinha, sem voz, sem amor, nem Pessoa!
(Flores que nunca nascem brotam junto ao meu viver;
Sou contra tudo o que a verdade endossa!)
(05/12/2004 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 45
Gotas
Brilho nas folhas, pingo das calhas e já está é seco
novamente (2004).
De cada gota das calhas de meu quintal;
da chuva que acabara de cessar,
vem, como o eco do meu grito de alegria de estar vivo,
o ar da inenarrável sensação, como quando se ao mar,
perdidos nos ondeios e marulhos inativos
letárgicos chovêssemos também por vaporar
da solidão do sal que, sem nenhum convívio,
não se entristece de se respirar!
Vem como o eco do meu grito de alegria de estar mudo,
a inexplicável sensação de redobrar
as forças que farão meu ar não ser mais rarefeito.
Thiago Sogayar Bechara46
A chuva, novas nuvens pendurar,
pr´agora o sono nos chegar ao peito
e novamente à noite se sonhar,
podendo o mar não ser mais tão estreito
quanto o que é, pouco, pra me vaporar!
Mas dessa vez é por sorrir que deito, não por chorar!
(21/12/2004 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 47
Tempo
Os tempos já passados são utopia?
(10/12/2001)
Este início de poema é teu presente
que, já passado, num segundo verso,
volta a ser futuro novamente,
caso haja a intenção de ser relido.
O futuro deste verso
já é de volta teu presente agora!
Mas não se torna início de poema novamente...
Há seu fim, que ainda é meu futuro,
e desconheço!
Tu, se já leste o poema, sabes!
Mas eu, que ainda o faço,
perco a noção do tempo!
Thiago Sogayar Bechara48
Temo reler poemas, como voltar ao passado.
Por isso, estes meus versos são futuro,
mesmo já escritos!
São outros tempos.
(2005)
Literatura de Quintal 49
Jabuticabeira
Havia lá, bem no meinho da invernada,
uma grandona mesmo, mas sozinha;
e era por isso a dona e a rainha
da plenitude toda da boiada.
Tinha fiéis seus marimbondos, escudeiros
sempre à vigia de nenhum fruto pilharmos.
E para o caso de nada tentarmos,
recompensavam-se no que lhes tinha
a grande flor do pasto em meio ao nada:
Bichando algumas jabuticabinhas.
Thiago Sogayar Bechara50
Sobrado
Canção deste sobrado antigo
em cujas portas vive a dor da antiguidade;
em cujo espaço vão de seus limites,
vagueia a insípida impressão de uma presença!
Nessa canção, meu prédio inteiro a mim retorna;
retomo o mundo então suspenso nesse ofício
que é reerguer a cada letra este edifício
dentro de mim, pois isto é o que me orna.
Este sobrado de velhas paredes grossas...
são meus conceitos de viver atado
àquela antiga alvenaria em que me fiz
concreto, preso, compartimentado.
Ele me habita e então, desesperado,
sinto alegria em vê-lo por um triz.
(04/03/2005 e 08/01/2012 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 51
Giovanna
Momentos em que o desejo da tua voz me faz tremer
de esperança
Fruto do amor que a natureza concilia,
Giovanna é flor desabrochando a paz.
Sobre a pureza intacta da luz, nos traz
a gota límpida de orvalho e de alegria.
Sobre a corola de Giovanna, a luz
que seu perfume esparge em calmaria.
Iluminada, és tu quem raia o dia,
tingindo a vida e o céu com seus azuis.
Ah, doce amor de nossas vidas ternas;
ter nas modernas formas de alegrias
a tão singela plenitude que acalanta.
Thiago Sogayar Bechara52
Pois com tua cálida presença, nos consternas,
não sendo apenas tema de quem canta,
por seres tu mesma, tua poesia!
(25/04/2005 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 53
Festejo
(Este primeiro abril que a chuva nos reserva;
este primeiro amor que a bruma descortina
vê neste instante, ao céu, a estrela que cintila,
e teme vacilar como ela.)
Em dias de festejo, nessa terra,
os casarios abrem-se, rua afora,
dando-se ao mundo - tão gentis...
E, às largas vozes, por seus peitoris,
deitam suas lânguidas risadas, as senhoras,
deixando à mostra, as arcadas senis!
Nestes dias,
a luz da vida alegra a paz da aurora,
dando aos sobrados o ar de não senis...
Gargalham junto às prosas peitoris,
sempre que dada sua devida hora,
os estridentes sinos da Matriz!
Thiago Sogayar Bechara54
Por fim, a paz da procissão se encerra,
como os ipês que, em certo tempo, floram,
deixando as folhas que se vão sutis...
Tornam a ser, os sobrados, senis,
e, a cada folha, um botão se decora
da cor pungente dos nossos abris!
(05/05/2005 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 55
Cigarras
Romper da aurora...
Legítimo arrebol candente...
Por sobre a vida, pousa transparente,
a mão da tarde se acabando em sol.
O som dolente
da flauta doce vibra inexistente,
dentro do peito cuja luz se sente;
converte em leito, a paz de seu bemol.
Dentro dos ninhos,
dorme o gorjeio e, a cada passarinho,
o arrulho triste de se estar sozinho,
conforta as almas pela madrugada.
Lá fora, o vento
respira a calma das águas serenas;
balouça as folhas dos canaviais e as penas
das juritis por suas revoadas!
Thiago Sogayar Bechara56
Dos coqueirais,
tem-se o cochicho das folhas macias
e o transcorrer das vidas fugidias
até que, ao mar, deságue a flor do sal.
Vapora a noite que adormece a terra
tornando ao céu, dando que enfim se encerra
o ciclo inevitável que, ao romper do dia,
revitaliza-se na mata escura
cuja umidade traz em si tão pura
a destilada voz da calmaria.
(08/07/2005 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 57
Amor de rio
Sou filho do amor que as coisas todas trazem em si
mesmo sem nunca terem sido amadas.
Perdido na pulsão inexplicável do correr de um rio.
(10/07/2005 – Ribeirão Claro – PR)
Thiago Sogayar Bechara58
Fecundação
(É na força estridente dos trovões que eu me conforto
e recarrego minha vida. Sinto-me parte da natureza
em seu tumulto e primitivo estado. A chuva em de-
sespero, amor descontrolado. Entregue aos raios e às
autoridades superiores. Sentenciada na simplicidade
com que tudo escorre.)
Chove lá fora enquanto a noite deita,
com seu rigor, o alívio da invernada.
Dosadas gotas pela bica estreita
avolumando o jorro da enxurrada.
Chuá das fontes, brilho das colheitas...
chovem lá fora as nuvens penduradas.
Dão-se beijinhos às floreiras feitas
das prestimosas mãos da chuva amada.
Resta nas calhas o eco das tormentas
distanciando o instante que, sem nada
que as faça ter qualquer instante que as alenta,
Literatura de Quintal 59
traga consigo a vida esperançada.
Chove lá fora enquanto a terra espreita
seu fecundar inerte, apaixonada.
(25/07/2005 – Ribeirão Claro – PR)
Thiago Sogayar Bechara60
Aquarela
Vem das faveiras o encanto do amarelo
que nos inunda o dentro com seu sol.
Quando floresce o dia do singelo raiar das flores
é que vence o elo
entre o que a terra expira e esta canção!
Vem do oceano, o encanto do azulado
que traz à tona o gosto de seu sal.
Do azul viria um pranto amargurado
(não fosse a paz de seu corpo salgado
exorcizando a mágoa, o mineral)!
Vem desta noite o encanto das cores;
da ausência delas pra que o dia enfim se pinte.
Do breu da terra faz-se a vida dessas flores.
É a natureza em paz no seu requinte.
(27/07/2005 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 61
Angústia
Sou muito cético, mas há coisas em que finjo acreditar.
Réstia de luz que, difusa, vagou pela tarde;
noite que banhou de ausência a mirada diurna...
e há, se nos foge do tato a aspereza soturna,
um outro recurso da noite que em nós todos arde.
Pulsa a lembrança freneticamente da vida
daquilo que só se suspenso nos dói como lança;
e fere tão mais que o que vive, o que, simples, descansa,
que em todos a plena vontade de haver é suprida!
(18/01/2006 – São Paulo – SP)
Thiago Sogayar Bechara62
Infância
Retorno ao seio nu de minha fonte;
beber da límpida canção que brota.
Que serpenteia pelos vãos das grotas
regando de esplendor os altos montes!
E se balouça a folha de um capim da encosta,
é que me lava novamente de esperança.
É que me orvalha a alma de criança;
que minha voz nesse canto se imposta.
Retorno ao seio nu de minha infância;
beber da límpida esperança que me atava.
Mas inda lá o meu pranto rolava
por vir da fonte que ao chorar se amansa;
pois quem nunca deságua não descansa:
Nem mesmo o mar é o que se procurava!
(25/02/2006 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 63
O silêncio
Aguçar os ouvidos procurando misteriosamente a menor
partícula de silêncio.
O silêncio é uma promessa!
É ser eternamente isso e não ousar.
Assim como o ócio de um campo pronto para o cultivo,
a folha em branco só promete
o seu primeiro traço,
sem nunca sujar-se nas tintas do comprometimento.
A noite é uma promessa em mim
de traço!
E eu lembro sempre de momentos lindos
e jamais vividos;
com o maior amor; com o maior carinho;
com o maior orgulho; com a maior promessa
de que existam, um dia...
Mas como o dia sempre raia,
a vida segue longe das promessas do silêncio!
Thiago Sogayar Bechara64
Como guardar a folha na gaveta;
como deixar tomar, o mato, o campo fértil.
Que é como ser eternamente isso e não ousar...
crendo no silêncio!
(21/07/2006 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 65
Bem-te-vi
Toda manhã nos olha por ingênuos olhos
de ares frescos e dispostos
a encherem-nos o peito, em seus frescores.
Vaga por minh´alma agora
um som da vida. E passa e pousa
e alça e ousa e canta distraidamente,
e me embala.
Thiago Sogayar Bechara66
Uirapuru
Sonhando foi que dei com esse riacho
todo estrelado
por roubar do céu
a luz da lua seresteira;
em sua paz ribeira é que descanso eu...
Remando num céu marinheiro
singrei teu cruzeiro do sul.
E que mal há, se for desfeito pelas águas?
Também turvo por suas magoas vê-se triste
um Uirapuru!
(11/11/2006 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 67
Leveza
Pássaros que pousam nas árvores que plantei.
Fui eu quem lhes deu esse pouso. Amo vê-los...
sem isso, jamais sentariam por ali...
nem eu pousaria, em mim, esse descanso!
(30/11/2006 – Ribeirão Claro – PR)
Para Sandra Borghi
Thiago Sogayar Bechara68
Juriti
Um arrulho
nunca é só da árvore em que pousa,
mas do pássaro que o entoa.
Literatura de Quintal 69
Amor de criança
Criança de braços longos,
me abraça no calor da tua mente;
tu és pro´eterno sorrir de toda gente;
tu és pra´eterna lembrança!
Me abraça, ó terna criança,
que eu sou teu filho!
Criança de olhares longos,
de rir-se de si por descrente;
tu és da eterna esperança;
tu´alma é, por si, transparente!
Me olha, criança, e me sente,
que eu sou teu filho!
Derrama dos teus lábios quentes
a bênção na voz luzidia;
protege-me que, a mim, me guias;
conduza a tão mais que teus entes;
sem ti noss´alma é vazia!
Para Tia Cida
Thiago Sogayar Bechara70
Criança de olhares ternos, maternos.
De abraços profundos...
mal crês que és tu mesma no mundo,
o brilho do fim deste inverno!
És tu que esquecida (tão leve),
nos leva a te amar nesta vida...
tão filha de Nossa Senhora,
és tu - como somos agora -,
teus filhos, Senhora tia Cida!
(11/01/2007 – Ribeirão Claro- PR)
Literatura de Quintal 71
Companhia
Ainda me encontro comigo
em noites chuvosas de domingo (como esta).
Esta pequena noite de insetos no lustre.
Nela crescem plantas sem que ninguém note.
E, em mim, continua havendo nada...
Nem mesmo o vácuo de canções amigas!
E estas dolentes horas que se vão, apaziguadas...
Somente o luxo de estar só quando se pode ter a vida partilhada...
E a companhia de paredes tão antigas!
(18/11/2007 – Ribeirão Claro)
Thiago Sogayar Bechara72
Reflexo
E olhos vidrados no frio da janela
Desta janela,
cada quintal
é uma parte desta gelosia.
E, cada qual, com sua esperança e sua melancolia,
a reservar-nos a incerteza de qualquer procela
e a escuridão tão própria deste dia!
Literatura de Quintal 73
Vinte anos
Há vinte anos de poesia em mim.
Nem todas escrevi, claro!
Por não tê-las compreendido.
Mas as que não deixei escapar,
moram todas no meu canto,
que mora no ar!
E está no mundo todo antes que eu cante...
Antes do gesto de escrever que é respirar!
(21/11/2007 – Ribeirão Claro – PR)
Thiago Sogayar Bechara74
Quadrinha de mangueira
Brotou de novo um outro galho que outra noite
calmamente ergueu (2004).
Meu pezinho de rainha
carregadinho de amor:
Nesta noite sem estrelas
você é um céu de mangas!
(27/12/2007 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 75
Profusão
Um silêncio escrito com letras bem miudinhas.
Se é silêncio,
é porque todas as vozes, juntas, clamam!
Todas as vozes e rumores;
e todos os arco-íris e rubores, juntos, clamam!,
se o branco são todas as cores.
Thiago Sogayar Bechara76
Hoje
Hoje fez aquele céu de preguiça...
Aí fiquei assim, pendurado nas ideias,
com a voz retalhada.
E o coração com a bronquite atacada!
(27/01/2008 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 77
Tarrafas
O vento em Ribeirão
chicoteando a noite
silenciosa e morna!
A paz do meu quintal
no arrasto desses golpes de tarrafa
serpenteando junto às ondas que há no céu
e que nos banham numa praia que flutua
Essas ondas vão... e... vêm,
espumando a areia com suas mãos;
mãos brandas de pescador que joga a rede
e colhe as folhas da mangueira aqui de casa;
mãos que bailam majestosas...
Thiago Sogayar Bechara78
Lá fora está ela!
Dignamente sobre si mesma
(e enterrada como sempre no jardim)
enquanto suas folhas
boiam no ar...
(27/01/2008 – Ribeirão Claro – PR)
Literatura de Quintal 79
Literatura de quintal
Ribeirão Claro. Noite fecunda dos meus olhos. Meu poente!
Que nem literatura de cordel,
tem universo de quintal.
E minhas peraltices todas
pulam a janela e põem-se ante mim!
É assim que me chegam.
Da varanda dos meus pensamentos.
Zunindo, travessas, piões, gritaria.
Livres, quando sobem galhos.
Livros, quando acaba o dia.
(28/01/2008 – Ribeirão Claro – PR)
Thiago Sogayar Bechara80
Veleiros
Poema apresentado na abertura do show musical de
Gabriel Cunha Fabbri, no Villagio Café, dia 02/12/2008,
em que Thiago Sogayar Bechara participou cantando
duas canções.
Meus veleiros já partiram deste cais!
Agora é tarde pra pedir que fiquem
e cedo pra esperar que voltem.
Estou em alto mar!
É lindo! E um pouco assustador também.
Mas esta voz... ela nasce de um momento profundo
chamado futuro.
E quer alçar voo, certa de encontrar resposta
vinda das ondas!
O braço também é meu e é ele quem, na proa,
dita o rumo de um novo amor.
Nesta profusão de sons em que estamos,
o silêncio é longo e perigoso.
Literatura de Quintal 81
Quando a primeira nota for ferida,
não haverá mais como anulá-la.
Estará escrita em todos.
Ela nasce de uma longa história chamada paixão.
É tarde pra pedir que cale,
cedo pra que a nossa música termine.
É lindo e um pouco assustador também!
Mas o espetáculo está no seu começo
e como o show de todo artista,
tem que conti...
no...
...ar...!
(17/11/2008 – São Paulo – SP)
Thiago Sogayar Bechara82
Rio e vida
Sentir o córrego correr sua presença...
Lembrar de ti, prazer da minha essência...
(06/02/2005)
Vem o céu beber nesse rio.
Vai-se o dia prosseguindo a vida.
Inzoneiro como corre o rio.
Displicente como ocorre a vida.
Sem prever onde é que morre o rio,
nem saber onde deságua a vida.
Se o ventre de onde brota o rio
é o mesmo que gerou a vida;
permitiu que renascesse o rio;
deu ao rio o poder dessa vida,
essa vida é um pedaço do rio.
Esse rio é o começo da vida!
Literatura de Quintal 83
Correspondência
Ontem,
a parabólica de casa
era uma taça nos meus pensamentos!
E a lua estava dentro -
como a cereja de um drink...
Quando passei pelo quintal,
foi que entendi que a noite
brindava teu nome imerso no meu,
e meu nome embriagado do teu!
Uma sucessão de nossos doces inquéritos
contornaram teu olhar:
Essa alma entre cílios me detém,
atento ao que ainda não é
mas que é como se fosse, desde sempre.
Foi bem debaixo de um ipê - que não havia -
e nosso pé de manga está lá fora.
Mas quando exatamente?
Ele floria,
mas podia não ser setembro...
Thiago Sogayar Bechara84
Ele sorria,
e foi tão bom que eu nem me lembro.
Você me diz que eu te conduza
e eu te respondo vamos dançar ao sol?
Este frevo de mil pernas e sorrisos-guarda-chuvas.
Dentro de nós, e fora!
Selando a correspondência entre destinatários imaginários,
quando um poema astral de aquário
beijar teus ouvidos
e revelar a existência de ambos!
(Os dois se encontraram porque os dois existem
ou sabem que existem por terem se encontrado agora?)
Este poema gira em carrossel de sonhos coloridos
cuidadosamente pendurados
sobre cada cavalinho deste circo-teatro,
enfeitando as crinas, e as lonas.
E a serragem do picadeiro. E o nosso coração
pelo som das vozes,
pela cor das luzes,
pelo olhar de atrizes...
Agora,
já amanheceu e eu recebi seu bom dia
com um tremor de alegria pelo corpo...
Mas teu nome ainda está na lua
Literatura de Quintal 85
e as minhas mãos irreais ainda nas tuas,
como um poema sobre um quadro em movimento;
a parabólica de casa
enxerga tudo... sabe tudo
(vantagens de ser uma antena).
Mas guarda para si o que eu apenas sinto – que pena!
E é tão simples como brincar de tricotar um cachecol com
amor,
cor de amora!
E brindar a lua...
... com o por vir!
(13/06/2009 – Ribeirão Claro-PR)
Thiago Sogayar Bechara86
Resposta ao porto
Exercício em oficina de poesia
I
Vim de uma terra de risos e prantos,
e esses versos, colhi num ipê...
Ele ergueu sobre mim sua dignidade!
Voltei tão certo de que Ribeirão é o rio das minhas lágrimas
(mesmo se o choro é de rir),
que ousei flagrar a noite na busca da raiz dos meus anseios.
E entendi pouca coisa daquilo o que senti
- E que foi tanto!
Mas soube trazer dessa dor consciente que é o amor da
noite,
A lembrança de amizades recém-amanhecidas
Na campina orvalhada em que se torna às vezes meu peito,
Quando não é pela vida magoado!
Literatura de Quintal 87
Este balaio de versos tão sem jeito,
pescado em mim, riacho em cujo leito
vive Fernanda de Almeida Prado...
Thiago Sogayar Bechara88
II
Este segundo instante é um samburá
repleto de recém-nascidas sensações...
é um dueto de unicidade nunca prometido.
Apenas sentou-se e tomou comigo seu café!
Bailamos pela alma humana
como quem não pertence a esta tribo...
Mas o que trago verdadeiramente neste samburá
é um peixe cuja escama brilha
somente à luz de tão remotas inundações internas...
Momentos que nunca vivemos e que, no entanto,
tão bem sabemos!
Mora neste samburá
Tudo aquilo o que não foi nem será dito
porque não se partilha senão no olhar de uma amizade.
Literatura de Quintal 89
Está cá, tudo o que esta pesca em Ribeirão me oferta.
E esta segunda estrofe da canção
É de Roberta...
Thiago Sogayar Bechara90
III
Paro diante deste véu de noiva
que se quebra nas pedras de uma solidão.
Ele deságua a força e a energia de Oxum,
dando a dimensão que os homens na realidade não
possuem
porque o ser humano é apenas parte desta festa!
E como se pretende anfitrião...
Diante desta realeza,
penso na força natural que há em seu olhar,
e nesta quase que mania de serenidade.
Colhi mais versos deste Ribeirão,
e estes são para Fátima Andrade.
Literatura de Quintal 91
IV
Como eu queria conhecê-la
para escrever-te uma dezena...
Mas este é só o segundo encontro!
Mais alguns dias e, tão pronto,
farei mais versos para Helena.
Thiago Sogayar Bechara92
Pastorinha
Buscar palavras
e ter de conformar-se com a ausência delas!
Há fluxos de inconsciência amorosa
que ainda não puderam ser escritos
e que seremos sempre incapazes de registrar,
senão na própria pele.
Uma pele ao avesso
porque é uma pele de dentro.
Porque fluxo de amor só se grafa por dentro.
E é rigorosamente deste amor que falo;
um tipo de amor particular a uma pessoa;
uma pessoa cuja alma tem olhos azuis!
Há por vezes nela
de acontecer-lhe cor de mel pelos cabelos
e este mel escorre,
banha-lhe as orelhas,
desce-lhe pelo pescoço,
gruda-lhe as mãos...
E todos a querem provar!
Para minha avó Delva
Literatura de Quintal 93
Ela deixa...
ela é um pé de rainha plantado no centro do meu quintal
E às vezes suas lágrimas são mangas
[picadas...
Esta mulher é uma selva!
E tem por dentro a força de guardá-la
como quem guarda pelo sono de uma pluma.
É uma leoa, senhora de seu descabido amor.
Esta é sua maior arma
contra quem fustigue seu reinado;
ela é uma postorinha de estrela Dalva
e, nós todos!, seu rebanho
a quem se tange com palavras de por favor...
A sua Bênção!
Em nome da trupe,
na ausência de melhor palavra!
(1º/08/2009 – São Paulo – SP, seu aniversário)
Thiago Sogayar Bechara94
Minhas janelas
Fechei meus olhos
como quem abre a janela...
E então te olhei, como à espera do imprevisto.
[Me enamorei,
pois que também me havias visto!
Beijei as tuas mãos como quem ora...
Sofri, tanta que foi minha alegria,
[pois te amei tanto,
tu que eu nem bem conhecia!
Se nos casamentos, já não sei;
dane-se a lei! Só sei que eu...
beijei teus lábios com a fúria de um tormento.
Gritei ao vento o que se diz ao pé da orelha
e na centelha em que nasceu meu sentimento,
abri meus olhos,
[como quem fecha a janela!
(02/10/2009 – São Paulo – SP)
Adaptada e musicada por José Domingos
Literatura de Quintal 95
Das leituras
Fechar os olhos e entregar-se ao vento
igual àquele que se entrega ao mundo.
Que boa hora pra morrer – compreendo!
E este sol me faz haver profundo;
haver um eu que ocupe este segundo
e que em seguida já será do mundo.
Fui para o sol, de livro e espontâneo desejo
a ler uns versos de Quintana – almejo
fazê-los muitos, meu quintal de sonhos.
E como ideias que me agradem me pertençam,
tomei as suas como tão corretas
que me ocorreu também ser dos que pensam
que apenas lê-los, faz-me estes poetas!
(30/10/2009 – Ribeirão Claro – PR)
Para Mario Quintana
Thiago Sogayar Bechara96
Clarense
Tão teu quão teus cafezais, tuas quiçaças, teus canzis.
Sou das taiúvas e timburís. Das gralhas, de todos os
teus. (19/03/2001)
Um dia volto e serei teu pra sempre,
beber das águas que ofertais a todos,
num puro gesto de abraçar a filhos.
Sou sabiá que se aninha pelos galhos;
como as faveiras de dezembro, florescidas...
sou cada raio de prover a vida
pelas manhãs em gotas de orvalho.
Sou todo a paz que traz em ti, despida.
Sou ribeirense como as águas,
clarense, como as pontes e os oiteiros pelos pastos.
Meu jeito é interiorano...
Literatura de Quintal 97
Um boêmio abstêmio
Eu sei que ainda de saudades faço um tango!
Um tango de pinheirais...
Um tango de ribeirões!
Ou então marchas de amor e paz.
Queria versos e Carlos nestas vãs canções
- Isto é o que eu queria mais! –
Queria ouvir os mil estados
(que havia nos seus Jograis)
Queria um último canto ainda resignado
por conviver com seus infindos Paranás.
Queria flores nestes cafezais
de um matuto que seus versos inda canta
pois sabe ter na alma uma garganta
que nos ensina a reencontrar na vida
a melodia pura e quase santa
- Esta mulher, tão linda e prometida –
já que ser só, não quero saber mais!
Thiago Sogayar Bechara98
Não quero mais declives em minh´alma
feito canções que eu não possa escutar
pois há desejos submersos nesta calma
que os nossos olhos sabem bem como ocultar.
E se há porões nesta vasta campina,
se há sertões na úmida retina
é que este tango feito de saudade
traz a enxurrada que, ao contrário, ensina
como inundar-se de sua própria sina
pra não morrer de amor toda a cidade!
(22/04/2010 - São Paulo-SP)
Literatura de Quintal 99
Zé Tobias
Palavra é cerne
que esculpe seu madeireiro;
talha o mundo num terreiro,
dá-lhe às mãos o de comer!
Verbos-gamela, cumbucas-cuias-pronome.
De um gesto em que o pranto some
nasce um homem que, a escrever,
dedilha matas, soletra arrulhos
[tristonhos;
com juritis voam sonhos
pra narrarem num sem fim
este caboclo que, em versos mudos,
se encanta
ao notar, certo,
que planta suas palavras em mim.
Para José Domingos
Thiago Sogayar Bechara100
Viver roceiro,
artesanato abecedário;
ser poeta é o relicário das paixões do lenhador
que esculpe as formas de arrulhar
[seus sentimentos
e entrega à rosa dos ventos
suas pétalas de amor!
(01/11/2011 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 101
Refletir-se
... E não de súbito,
mas fruto de um processo,
retribuí-me o sorriso que eu me dedicara
ao me espelhar.
E precisei me ver de fora, tão somente,
sem nem saber do que em mim se passara...
mas não!
Fui muito além desse meu gesto:
Soube do anseio que me dominara!
Thiago Sogayar Bechara102
Para Carlos Paraná
A Música paira mesmo quando não é ouvida;
é o que faz vibrar aquilo o que em nós repousa.
Está no ar, sem o qual não se canta
Pois é de ar que se servem os cantores.
Ar é música em potencial,
Espalhada ao nosso redor,
Antes mesmo de ser proferida.
Primeiro canto
Meu nome é meu estado!
Luiz Carlos...
...Paraná!
Se vim da terra como o grão
[brotado;
dos céus num embornal fui semeado;
Literatura de Quintal 103
se da madeira fez-se o odor da minha canção;
se escorri lento feito regato na pedra
e me deixei levar pra onde tudo medra;
se me fertilizei a mim quando lavrei à mão;
se quando de enxadão em punho segui
[cegamente
a voz do coração de um pai-semente;
se também neste pai se fez valente o violão;
se nesta valentia subjugada
à sorte dos mourões da estrada
havia também nela um coração.
E se no coração deste meu velho
frutificou a imagem que, no espelho,
ele viu refletida quando a filha perdeu
também nós três, eu e meus manos,
nos vimos refletidos, por engano,
e a voz da nostalgia nos colheu.
E se também fomos colhidos em ondas curtas;
se houve na encosta a réstia de um cantor
[irradiado;
se também nós colhemos corações granados;
Thiago Sogayar Bechara104
se o sonho a nossa solidão encurta;
se se nos encurtara a realidade
sonhar com casas e automóveis de cidade;
se, no entanto, houve felicidade;
se nas vitrolas vi girar meu pensamento
que me levou às estradas de acostamento;
se tudo, enfim, formou o espírito da crença,
acreditei naqueles sonhos de criança
e fui lançar também minha voz
[ao vento!
Segundo canto
Ventei!
Como venta todo invento.
Todo invento sopra pra bem longe...
Desloca...
Toda a certeza do mundo!
Desloquei meu corpo,
transferi meus olhos,
nervos, plexo...
Literatura de Quintal 105
Reencontrei já longe dos meus pinheirais
o meu convexo.
Reencaixei as peças da minha alma...
Mas não podendo conter a trepidação da calma,
cantei!
Como se canta ao vento,
para o vento,
paro o tempo
[nas cordas de um pinho encantado.
Curitiba-biratan-Lustosa.
Seu auditório e eu,
na Marumby a sós!
Nos defrontando, eles a mim,
nos decifrando,
e eu aos meus dós...
Meus dós...
[Dó menor, minha canção;
[dó maior no coração.
E a lembrança de tantos amores...
fizeram-se eles meus senhores.
A terra, os pais, os manos,
Thiago Sogayar Bechara106
as moças e os enganos...
Toda a saudade foi-me colorindo
a aquarela da voz;
A voz...
A voz...
Sopro de contentamento;
ser o som, a tessitura, o próprio movimento,
o início da vida a que se chama
[nascimento...
Ventei, reencaixei, cantei...
[agora nasci!
Acho que só agora.
Da fagulha de um torrão, que outrora
me deu o sentir
e o inspirar
O ar...
Mas de dentro pra fora...
O ar...
Me inspirar... a mim!
Retorno ao cerne do me deslocar
e alço novo voo
Literatura de Quintal 107
porque todo voo é dizer a nós mesmos:
SIM!
Terceiro canto
Rebentei da mais remota tradição
que meus antepassados me legaram.
Brotei da terra fértil
e, num átimo,
se me transplantaram
[os anseios.
Vi-me habitando o outro lado de mim;
uma existência oculta,
fecundada num sertão para desabrochar no asfalto.
E como eu era o mesmo sendo outro...
Muito à vontade...
aprendendo a coabitar
com meu próprio devaneio...
E com a saudade!
Fui me embrenhando pela noite,
Thiago Sogayar Bechara108
sacudindo o pó da estrada
e alçando o canto de uma voz calada,
silente em minha discrição de lavrador,
mas erigindo sobre ela um templo
das cordas e sertões vocais!
Foi assim que compuseram-se os Jograis;
as vaias e os aplausos festivais!
Notas reverberando nos jornais.
E eu me fazendo de meu próprio lenhador
(17/10/2012 – Ribeirão Claro-PR)
Literatura de Quintal 109
Interior
A vida plantada nas bilhas;
e a força toda do chão, nos balaios!
Os céus no embornal semeados
cultivam sua terra fecunda;
germinam esperança no seio das matas!
Num desses dias de luta,
o amor por rever, novamente,
o fácil elemento da gente:
Que é vida a jorrar pelas mãos!
Tanger no cabresto, a boiada,
laçar num só golpe, a invernada,
ferir no alvião!
Thiago Sogayar Bechara110
Deseo
Quiero escribir con las voces de la tierra,
sangrando a cada verso y empapando la vida.
Grano por grano del suelo.
(10/01/2013 – São Paulo-SP)
Para Ana Chacana
Literatura de Quintal 111
Segunda
Segunda de ar lavado
pela chuva da noite.
Sol fresco,
vastidão da aurora...
A vida é mesmo uma sábia senhora.
(11/03/2013 – São Paulo – SP)
Para Maria Regina Moiana
Thiago Sogayar Bechara112
Enxergar
Vivi muito tempo, o que eu quis;
satisfiz
todos os caprichos.
Caminhei, de quatro,
feito os bichos;
e minha coluna então desenrolei.
Hoje enxergo do alto do meu tronco
as pétalas vertidas.
Sombreadas,
pela copa da memória
que mira o cume, sem cessar
- e que a história, ao se esquecer,
semeará!
(02/04/2013 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 113
A hora
Quando chegou nossa vez na fila
e o autor, caneta em punho, perguntou
para quem seria a dedicatória,
eu lhe entreguei o livro e respondi,
sem nem pensar,
que para mim e para ela.
Foi quando entendi,
enfim,
o sinal de que eu estava,
finalmente,
pronto para me casar!
(07/04/2013 – São Paulo – SP)
Thiago Sogayar Bechara114
Ágora
Foste, Cleyde,
[antúrio
no furor da selva...
foste garra, relva.
Fustigaste a finitude,
Elevando-se humana
[sobre os campos,
se espraiando nos canteiros,
sorrateira,
silente,
fotossintética,
vegetalmente dramática.
Espiritualmente
[cênica, sintética, sintática
nas ribaltas, nos sonhos, nas galáxias,
nos léxicos semânticos da semiótica.
Tua palavra é som do mundo encapsulado.
Teu dom é a gramática do silêncio mais sábio
Para Cleyde Yáconis
Literatura de Quintal 115
[decifrado,
desarmado,
decodificado.
Transmutado... em seiva.
Em olhos atentos,
em mãos luminosas,
em grega Ágora!
Foste, Cleyde, não!
És:
Agora!
(17 e 18/04/2013 – São Paulo-SP)
Thiago Sogayar Bechara116
O livro
Quanto mais se brinca,
mais se desgasta o brinquedo,
ao passo que, quanto mais gasto,
mais novo ele fica.
Quem explica?
(03/05/2013 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 117
Imã
Qual o teu segredo, hein?
Quem é mesmo você,
pequena dama deste meu dia?
Grande terra sem fronteiras,
minha ave de rapina.
Você é peixe, sereia do meu deserto.
Eu só queria beijar teus seios,
teu pescoço entregue;
eu só preciso dos teus seios, please,
me negue
e depois me queira.
Eu só preciso do calor dos nossos umbigos;
saber a que perfume transcendente
tua pele cheira.
Me diz agora, hein,
qual é o teu segredo?
Thiago Sogayar Bechara118
Teu imã, tua cegueira,
teu modo de desejar tão natural;
a infantilidade tão deliberada
com que me fazes homem!
Quero ser teu dono, teu macho, teu filho.
Quero a tua fertilidade na minha
- porque quero! -;
tua boca na minha,
tuas pernas inteiras,
roliças, tenras, duras, ternas;
maternas, fecundadas pelo momento em que
me embrenho
nas tuas viscosidades mais preciosas.
No abraço mais profundo que nos demos;
na violência febril com que debateremos,
enfim, nossas forças represadas
de anos, nossos corpos!
Quem é você, onde está agora?
Terei teus seios cheios ainda esta noite?,
suspensos no ar, boiando anexos à
[tua realeza?
Por favor, me diz, é apenas disso
Literatura de Quintal 119
que eu
preciso para conseguir dormir!
Gozarei no teu peito e tu repousarás então
no meu,
deitada sobre ele?,
tua mão pousada sobre ele?,
teus cabelos meu cobertor?,
tua respiração quente nos meus mamilos,
sincronizada à intensidade desse nosso sonho!
Mas please, dime, mujer, me diz,
antes que acordes:
De onde vens, morena, quem tu és,
qual é o teu segredo
que me morde?,
me acorrenta, me liberta,
te enche do meu corpo,
te faz farta
da pura eternidade
de que é feito o teu segredo.
(02/07/2013 – São Paulo – SP)
Thiago Sogayar Bechara120
Selvageria
Tenho tesão demais
para entregar assim na bandeja
pra você, em forma de poema,
minha alma.
Eu sou apenas um menino-mendigo,
perdido de desejo.
Crava tuas unhas em mim,
o mais fundo que podes.
E, enquanto eu te penetro,
te possuo,
tu fodes a carne das minhas costas
lanhada pela tua selvageria;
que eu vim ao mundo, tão somente,
para te domar.
Humilhar teu orgulho.
Depois partir.
(03/07/2013 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 121
A cama
Enfim, meu reino,
meu real descanso,
o leito onde faço amor
com as estrelas.
Gesto minhas poesias
e as possuo, ardentemente,
fêmeas de meu próprio reconhecimento.
Terra de meus gestos
largos; gozo
ressonando sob o lençol.
É este o verdadeiro anzol
com que me fisga a vida.
(03/07/2013 – São Paulo – SP)
Literatura de Quintal 123
Um ribeirão em constante claridade
Octavio Paz relembra Rimbaud em sua máxima de que
a poesia o que quer é transformar a vida sem pensar em
embelezá-la (como pensam os estetas e os literatos) e sem
querer torná-la mais justa ou boa (como sonham os mora-
listas), e que “mediante a palavra, mediante a expressão de sua
experiência (…) procura fazer do mundo um lugar sagrado”.
E tudo isso porque a poesia também pode ser tida como um
testemunho do êxtase, do amor ditoso, do desespero, e como
pode ser uma prece, também pode ser uma blasfêmia.
Quando leio Thiago Sogayar Bechara, essas questões sur-
gem e vão mais além: me levam a Heidegger, que em sua obra
busca sempre retornar à origem, tem uma nostalgia por um
mundo que às vezes parece imemorial por aquele mundo que
é aldeia, que é campo, que é cidade, que tem a poesia de um
ribeirão em constante claridade. Há em sua poesia um espaço
habitado que contém a essência do conceito de lugar, porque
ali se unem memória e imaginação.
por Luís Avelima
Thiago Sogayar Bechara124
Ah, esses poetas, onde a alma é uma morada de recordações
e de fundação do ser! Sim, a poesia, já disseram, é o nomear
fundacional do ser e da essência de todas as coisas, fundação
do ser pela palavra. E Thiago Sogayar Bechara, que conheci
na leitura de uma biografia do ribeirão-clarense Luiz Carlos
Paraná (1932-1970), tem essa alma plena de poesia, já denota
história, conserva em si o que acumula em sua vida, tem
o tempo de sua primeira lembrança, é o que foi e o que está
sendo em sua juventude de bom poeta, é um exemplo de que
a poesia é uma arma carregada de futuro, lembrando o poeta
espanhol Gabriel Celaya.
Thiago Sogayar Bechara surge diante de mim como um
bom poeta, um poeta que será visto futuramente como os
dos bons de sua geração. Basta ler apenas um naco do que
produz para se ter ideia de sua dimensão: “(...) Sem prever
onde é que morre o rio,/ nem saber onde deságua a vida./ Se
o ventre de onde brota o rio/ é o mesmo que gerou a vida (...)”.
Luís Avelima
Poeta, tradutor e músico
Agosto de 2013.
AGRADECIMENTOS
A quem me dá poesia na vida...
Ana Beatriz Chacana, Ana Lucia Torre, Claudia Alencar, Claudia Mello,
Daniela Rigotto, Fernanda de Almeida Prado, Giovanna Crispim
Costacurta, Giselle Sogayar Bechara, Heródoto Barbeiro, Imara Reis,
Jaime Jorge Bechara, José Domingos, Leda Senise, Lilian Blanc,
Luis Avelima, Maria Regina Moiana, Marisol Saucedo Revollo,
Roberta Vaz, Sandra Genes Borghi, Silvana Dacca, Tato Fischer,
Telma Sogayar, Vera Lucia Casare.
Esta obra foi composta em Jura em agosto de 2013 para a Editora Patuá.
No princípio era o Verbo.
Cada noite de trabalho foi como retomar ao grau zero de escritura,
como diz Imara, grande atriz e amiga minha. A cada novo Verbo
é como um novo princípio, nova noite de trabalhos escritos.
A cada começar, um nascer outro. E o Deus que eu sou
se faz carne a cada instante, porque há a Palavra.
E a cada nova Palavra, Deus também nasce Outro!
Está aí todo o conflito de sobreviver do próprio verbo,
eterno anseio renovado a cada página; este é o ofício do escritor.
Tiragem de 100 exemplares