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Ministério Público Federal Procuradoria da República no Município de Santarém EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA _ VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTARÉM/PA IPL 0336/2012 o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, com fulcro no art. 129, I, da Constituição da República, assim como no art. 6°, V, da LC 7511993, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, oferecer DENÚNCIA em face de: MANOEL FERREIRA DE OLIVEIRA - brasileiro, paraense, filho de _ portador do RG •••••••• 7 •• 7. e do CPF residente e domiciliado à g , Óbidos-PA; LUIZ CARLOS FERREIRA - brasileiro, casado, filho de_ , portador do RG n° _ ___ e do CPF n° _ residente e domiciliado à ________....... ...__11" CEP •••• , Santarém-PA; pela prática da conduta delituosa narrada a seguir. I-DOS FATOS 93 3523 2651 - www.prpa.mpf.gov .br Aven ida Cuiabá, 974, Salé - CEP 680 40-400 - Santarém/PA

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Ministério Público FederalProcuradoria da República no Município de Santarém

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA _ VARA DA

SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SANTARÉM/PA

IPL n° 0336/2012

o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República

signatário, com fulcro no art. 129, I, da Constituição da República, assim como no art.

6°, V, da LC 7511993, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, oferecer

DENÚNCIA em face de:

MANOEL FERREIRA DE OLIVEIRA - brasileiro, paraense,filho de _

portador do RG n° ••••••••7••7. e do CPF n°

residente e domiciliado à

g , Óbidos-PA;

LUIZ CARLOS FERREIRA - brasileiro, casado, filho de_• , portador do RG n° _

___ e do CPF n° _residente e domiciliado à

________....... ...__11" CEP

••••, Santarém-PA;

pela prática da conduta delituosa narrada a seguir.

I-DOS FATOS

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Consta nos autos de IPL que os denunciados, de forma livre e consciente,

com unidade de desígnios, reduziram inúmeros indígenas da etnia Zo'é à condição

análoga à de escravo, nos anos de 2010, 2011 e 2012.

o primeiro denunciado, MANOEL FERREIRA DE OLIVEIRA,

conhecido como "Negão", é castanheiro e ocupante de um lote de terra na região dos

Campos Gerais (município de Óbidos-PA), no qual realiza a colheita do produto e

mantém barracões em condições precárias (vide mídia contendo fotos, anexa fls. 35/36 ­

grampeada ao fim dos autos em capa azul) onde os coletores permanecem "alojados"

enquanto realizam o trabalho (com duração de cerca de 3 meses, fls.141).

o segundo denunciado, LUIZ CARLOS FERREIRA, é missionário

ligado à Igreja Batista de Santarém e possui uma "base missionária" no interior do

lote/fazenda do primeiro denunciado (fls. 13). Ressalta-se que, na década de 1980,

ambos os acusados foram membros da Missão Novas Tribos do Brasil, uma agência

missionária que tem como função primacial a evangelização de povos indígenas 1. A

aludida agência pratica, portanto, o que se denomina de "proselitismo religioso",

expediente de todo condenável, uma vez que viola frontalmente o princípio da auto­

determinação dos povos indígenas e o direito à manutenção de suas culturas próprias,

que, por sua vez, encontram inequívoco abrigo normativo na Constituição Federal de

1988, na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito dos Povos Indígenas e na

Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho. Importante frisar, a

propósito, que o Supremo Tribunal Federal, através do julgamento do Recurso

Extraordinário n° 611.037/DF (fls. 71/76), determinou que a Funai atuasse no sentido de

impedir que a Missão Novas Tribos do Brasil retornasse à Terra Indígena Zo'é, da qual

foi expulsa em 19882•

Data da década de 1990 as investidas de Manoel Ferreira no sentido de

recrutar indígenas para o trabalho de extração das castanhas. Contudo, foi a partir de

outubro de 2010 que se verificou a prática delituosa narrada, oportunidade em que 96

(noventa e seis) indígenas Zo'é foram seduzidos por Luis Carlos Ferreira para trabalhar

nos Campos Gerais em troca de mercadorias industrializadas (panelas, roupas velhas,

redes, etc)(vide Nota Técnica da Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente

1 Vide link: http://www.novastribosdobrasil.org.br/2 A TI Zo'é está devidamente demarcada e

http://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenas.regularizada. Vide:

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Contato- CGIRC, datada de 22.03.2012, fls. 11/16 e Relato de ocorrência de fls. 21/25).

Cumpre destacar que a etnia Zo'é é considerada um povo de recente

contato e possui significativas dificuldades de comunicação com a sociedade

envolvente. Dinheiro para os índios Zx:'é não passa de indubitável abstração, sendo,

portanto, algo totalmente alheio à sua cultura peculiar. A vulnerabilidade dessa etnia é

fato inafastável.

Urge salientar a notória influência exercida pelo segundo denunciado

face os Zo'é, eis que após contato com a etnia na década de 1980, manteve relação de

"amizade" com o grupo de M'Biri Zo'é, sendo pessoa que inspirava confiança, o que

levou os indígenas a retornarem aos Campos Gerais em 2010 e nos anos seguintes.

Segundo o próprio M'Biri Zo'é, na chegada ao Campos Gerais (em 2010),

especificamente na área de Manoel Ferreira, o mesmo missionário estava esperando o

grupo e os presenteou com cuias.

No mesmo ano de 2010, uma equipe da FUNAI se deslocou até o local,

quando se constatou péssimas condições de trabalho. Os indígenas permaneciam

acampados em meio ao mato, em barracas de lona e de palha, havendo dentre eles

alguns doentes (fl. 29). Estas condições podem ser visualizadas pelas imagens

constantes nas mídias juntadas aos autos.

Em setembro de 2011, houve novo deslocamento de índios Zo'é para o

lote pertencente ao primeiro denunciado, repetindo-se no ano subsequente. Importante

esclarecer que todas as vezes que as vítimas permaneciam nos Campos Gerais o

missionário estava presente, como se vê na notícia de fls. 17, datada do mesmo período

destes fatos.

Em janeiro de 2012, o servidor da Funai

••••••••11 (fls. 28/30) esteve na fazenda multicitada e verificou a presença

de 35 indígenas. Segundo relatos, no local faltava comida e os índios estavam

visivelmente magros, alguns deles doentes. Em fevereiro de 2012, um indígena que lá

estava foi deslocado às pressas para atendimento médico apresentando quadro de

pneumonia grave.

Registre-se, por fim, que as águas que as vítimas consumiam provinham

de um pequeno igarapé, contaminado por fezes de porcos. Ademais, os índios

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defecavam (fls. 64) próximo ao local onde se alimentavam e dormiam, restando patente

o ambiente insalubre a que estavam expostos.

Em suma, a partir das provas do caderno apuratório é possível

depreender: Manoel Ferreira de Oliveira e Luiz Carlos Ferreira mantinham um acordo

mútuo, qual seja, sedução dos Zo'é a se deslocarem até os Campos Gerais, e, uma vez

estando no local, serviriam de mão de obra escrava ao primeiro denunciado e de alvos

fáceis ao proselitismo religioso do segundo denunciado, que, obviamente, foi partícipe

da conduta delituosa ora denunciada.

Dessa maneira, os denunciados reduziram os indígenas à condição

análoga à de escravos, eis as circunstâncias degradantes de trabalho a que eram

submetidos, com ausência de alimentação adequada, expostos a intempéries, sem

mesmo fornecer-lhes água potável, culminando com quadro preocupante de doenças.

II - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

O delito descrito no arte 149, do CP, enquadra-se na categoria dos crimes

contra a Organização do Trabalho, de competência da Justiça Federal, conforme arte

109, VI, da CF. Ademais, envolve violação a direitos indígenas, fazendo incidir,

concomitantemente, o arte 109, inciso XI, da Carta Magna.

III - DA CAPITULAÇÃO LEGAL

Dessa forma, a conduta dos denunciados MANOEL FERREIRA DE

OLIVEIRA e LUIZ CARLOS FERREIRA amoldam-se ao tipo penal previsto no

artigo 149, do Código Penal c/c arte 29, do mesmo diploma, c/c com a circunstancia

agravante prevista no arte 59 do Estatuto do Índio:

Código Penal

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer

submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer

sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por

qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o

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empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena

correspondente à violência.

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas

penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.

Estatuto do Índio

Art. 59. No caso de crime contra a pessoa, o patrimônio ou os

costumes, em que o ofendido seja índio não integrado ou comunidade

indígena, a pena será agravada de um terço.

(grifo nosso)

A incidência da circunstância agravante acuna se deve aos efeitos

deletérios que a prática delituosa objeto destes autos causou (e ainda causa) sobre todo o

povo Zo'é. Ademais, foram, no mínimo, 96 (noventa e seis) indígenas as vítimas diretas

do crime ora denunciado. A população atual dos Zo'é não ultrapassa 300 (trezentas)

pessoas.

Posto isso, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL oferece denúncia

em desfavor de MANOEL FERREIRA DE OLIVEIRA e LUIZ CARLOS

FERREIRA pela prática delitiva prevista no Art. 149 c/c arte 29 e 71, ambos do CP c/c

o arte 59, do Estatuto do Índio, com posterior recebimento da denúncia e, ao fim,

condenação conforme a culpabilidade aquilatada no curso do processo.

Santarém/PA, 30 de março de 2015.

Luís DE CAMÕES LIMA BOAVENTURA

Procurador da República

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