MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República na ... · de baixa renda e, após...

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República na Paraíba Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão EXMO. SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA __ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA. REF. : NOTÍCIA DE FATO MPF Nº. 1.24.000.001917/2014-48 JGBS Nº. /2014 - MPF/PR/PB O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da República abaixo subscrito, no exercício das suas atribuições constitucionais e legais (arts. 129, incs. II e III, da Constituição Federal e 5º, da Lei Nº. 7.347/1985), vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA em face da: UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser citada no endereço Avenida Maximiano Figueiredo, N°. 404, Centro, CEP 58.013-470, João Pessoa- PB e da AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES (ANTT) , autarquia federal, vinculada ao Ministério dos Transportes, inscrita no CNPJ sob o número 04.898.488/0001-77, com sede no Setor de Clubes Esportivos Sul - SCES, lote 10, trecho 03, Projeto Orla Polo 8 - Brasília – DF, CEP: 70200-003, com lastro nos fatos e fundamentos a seguir: 1. LEGITIMIDADE ATIVA DO PARQUET FEDERAL

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALProcuradoria da República na Paraíba

Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão

EXMO. SENHOR DOUTOR JUIZ FEDERAL DA __ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DA PARAÍBA.

REF. : NOTÍCIA DE FATO MPF Nº. 1.24.000.001917/2014-48 JGBS Nº. /2014 - MPF/PR/PB

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por intermédio do Procurador da República abaixo subscrito, no exercício das suas atribuições constitucionais e legais (arts. 129, incs. II e III, da Constituição Federal e 5º, da Lei Nº. 7.347/1985), vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

em face da:

UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, podendo ser citada no endereço Avenida Maximiano Figueiredo, N°. 404, Centro, CEP 58.013-470, João Pessoa-PB e da

AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES (ANTT), autarquia federal, vinculada ao Ministério dos Transportes, inscrita no CNPJ sob o número 04.898.488/0001-77, com sede no Setor de Clubes Esportivos Sul - SCES, lote 10, trecho 03, Projeto Orla Polo 8 - Brasília – DF, CEP: 70200-003, com lastro nos fatos e fundamentos a seguir:

1. LEGITIMIDADE ATIVA DO PARQUET FEDERAL

A Constituição Federal de 1988, ao definir o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbiu-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127). No artigo 129, foram estabelecidas suas funções institucionais, destacando-se:

Art. 129...II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

A legitimidade do Ministério Público Federal vem ainda assegurada pela Lei de Ação Civil Pública, Lei n. 7.347/85, que reza:

Art. 1º - Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:(...)II - ao consumidor;IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;(...)

Art.21 - Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.”

Salienta-se que o Título III do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – que coordena-se com a Lei de Ação Civil Pública - é composto pelos artigos 81 a 104, no qual são definidos os interesses ou direitos difusos, dispondo ainda o artigo 82: “Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público;”.

Com base nisso, o Ministério Público Federal possui legitimidade para atuar no presente feito, por se tratar de interesse difuso, eis que toca direitos transindividuais, de natureza indivisível, o qual são titulares os jovens de baixa renda (pessoas indeterminadas) e ligadas por circunstâncias de fato (qual seja a negativa de lhes concederem o direito de viajar para outro Estado gratuitamente ou mediante abatimento de 50% [cinquenta por cento] do valor original da passagem), inteligência dos art. 1º, inc. IV, da Lei 12.852/13 c/c art. 81, inc. I, do CDC.

Tal conduta da autoridade pública constitui omissão ilegal e também inconstitucional, pois a pretensão concerne aos direitos sociais do jovem de baixa

renda de gozar dos benefícios assistenciais concedidos pela Lei, como o transporte interestadual gratuito – encontrando esteio no princípio da dignidade humana, no combate à pobreza e à marginalização social e nos direitos sociais, econômicos e culturais; cunhados, respectivamente, no art 1º, inc. III; art. 3º, inc. III; e art. 6º, da CRFB/88.

Para finalizar, cumpre ainda lembrar os arts. 5º e 6º da Lei Complementar n° 75/93 - Lei Orgânica do Ministério Público da União – também consagram expressamente essa legitimidade.

2. DOS FATOS

De saída, cumpre salientar que a Notícia de Fato 1.24.000.001917/2014-48, anexada, consubstancia-se no lastro probatório necessário para o ajuizamento da presente Ação Civil Pública.

Assim, consoante procedimento em epígrafe, em 02/09/2014, o noticiante, XXXXXXX XXXXXXX XXXXX, compareceu à sede desta Procuradoria da República (Manifestação nº 66579), noticiando a inobservância, pela empresa de viação Nordeste, de Lei que garante a gratuidade de transporte para jovens de baixa renda (fls. 3-4).

Segundo consta do depoimento prestado, o noticiante teria se dirigido ao Terminal Rodoviário de João Pessoa com o intuito de reservar um assento no ônibus da Empresa Nordeste, com destino a Natal/RN, com o objetivo de participar de um congresso naquela cidade.

O atendente da empresa, contudo, afirmou desconhecer a garantia de gratuidade de passagem para jovens de baixa renda, solicitando que o declarante procurasse a sala de atendimento da Agência Nacional de Transportes Terrestres ANTT.

Ao ser atendido pelo servidor da ANTT responsável, seu pedido foi negado, sob o argumento de que: a) desconhecia qualquer regulamentação da lei nº 12.852/2013, que estabelece a citada garantia; e b) o representante não se enquadraria nos critérios legais, por não haver comprovado ser de baixa renda, condição exigida pela referida norma (f. 3), mesmo tendo o noticiante esclarecido que se enquadra nas condições estabelecida na lei, eis que a renda per capita de sua família é abaixo de um salário mínimo (f. 4).

Juntou, ainda, a Certidão de Ocorrência Policial nº 4780/2014, por meio da qual registrou os fatos narrados nesta representação (f. 8).

Instada, por este ente ministerial, no Ofício nº 4897/2014 (fls. 14-16), a conceder a gratuidade determinada pela Lei ao noticiante, a demandada se negou, sob o argumento de que a o citado dispositivo carece de regulamentação por Decreto (f. 18).

No decorrer do tramite procedimental, nova notícia de fato (Manifestação 91431) foi realizada por XXXXX XXXXXX XXXXX XXXXX, nesta Procuradoria da República, noticiando prejuízo à comunidade com a falta de regulamentação do mesmo art. 32 do Estatuto da Juventude (fls. 26-27).

3. RESUMO DA PRETENSÃO DO AUTOR MINISTERIAL

A norma que estabelece a gratuidade de passagens em veículos de transporte coletivo interestaduais (art. 32, inc. I e II, da Lei 12.852/13) permanece sem regulamentação mesmo passados mais de um ano da sua efetiva vigência, causando prejuízo à sociedade, sobretudo aos jovens de baixa renda.

Com efeito, o referido dispositivo não requer regulamentação infralegal para exercer efeitos autonomamente, de modo que a negativa da autarquia demandada de conceder o benefício ao jovem carente é ilegal, pois viola o citado dispositivo; e inconstitucional, eis que os direitos constitucionais do jovem de baixa renda restam lesados, como i) princípio da dignidade, art. 1º, inc. III; ii) direito ao território e à mobilidade (liberdade de ir e vir), art. 5º, XV; iii) a erradicação da marginalização, das desigualdades sociais e econômicas e da discriminação, art. 3º, inciso III e IV; iv) princípio da igualdade material, art. 5º, I; v) princípios da ordem econômica, art. 170, VII; vi) objetivos da assistência social, de promoção da integração das pessoas de baixa renda integração das pessoas de baixa renda e o amparo às crianças e adolescentes carentes, contidos no art. 203, inc. II.

Dessa forma, requer a ação adquira efeitos nacionais, para obrigar a ANTT, através de seu poder normativo, a elaborar Resolução, com eficácia em todo o território brasileiro, obrigando as entidades que prestam serviços de transporte coletivo interestaduais a reservarem 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para jovens de baixa renda e, após esgotadas, que reserve 2 (duas) vagas por veículo com desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os jovens de baixa renda (conforme art. 32 da Lei 12.852/13).

Outrossim, determina que a ANTT, e respectivas concessionárias, cumpram os termos da lei, utilizando como parâmetro para a definição de baixa renda o mesmo proporcionado pela Lei de Assistência Judiciária Gratuita e/ou a Lei de Registros Públicos, os quais prescrevem apenas a declaração por escrito, assinada pelo próprio interessado e por testemunhas, de situação de pobreza.

4. DOS FUNDAMENTOS

I – Do omissão ilegal e inconstitucional na falta de regulamentação do art. 32 do Estatuto da Juventude

Em 2013, foi promulgada a Lei 12.852, de 5 agosto de 2013, a qual concede aos jovens de baixa renda o direito de adquirir gratuitamente duas vagas no

transporte coletivo interestadual e, esgotadas, a redução de 50% (cinquenta por cento) do valor original da passagem, conforme dispõe:

Art. 32. No sistema de transporte coletivo interestadual, observar-se-á, nos termos da legislação específica:I - a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para jovens de baixa renda;II - a reserva de 2 (duas) vagas por veículo com desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os jovens de baixa renda, a serem utilizadas após esgotadas as vagas previstas no inciso I.Parágrafo único. Os procedimentos e os critérios para o exercício dos direitos previstos nos incisos I e II serão definidos em regulamento. (Grifo nosso).

No entanto, decorrido mais de 1 (um) ano, não houve qualquer regulamentação infralegal estabelecendo os procedimentos e os critérios para o exercício desses direitos.

Nesse sentido, a comunidade composta por jovens de baixa renda que poderia e deveria se beneficiar da gratuidade do transporte, fazendo jus à liberdade de ir e vir, suporta mais de um ano de prejuízo e constrangimentos, sem nenhuma expectativa de que o benefício possa algum dia se tornar realidade, porque jamais a administração pública efetivamente – sabe-se lá por quais motivos - deu qualquer indicação de pretender colocá-lo em prática.

Ressalta-se que essa parcela da população encontra dificuldades para o exercício do direito ao território e à liberdade de ir e vir, justamente pela situação de hipossuficiência advinda da condição de baixa renda.

In casu, a garantia de transporte interestadual gratuito para o jovem de baixa renda assume natureza de direito fundamental decorrente do regime e dos princípios adotados pela Constituição de 1988 (art. 5º, § 2º).

Isso porque é forma de i) cumprimento do objetivo fundamental da nossa república de erradicação da marginalização, das desigualdades sociais e econômicas e da discriminação, art. 3º, inciso II, III e IV; ii) aplicação do princípio da igualdade, art. 5º, I; iii) acesso ao direito da livre locomoção, art. 5º, XV; iv) atendimento aos princípios da ordem econômica, art. 170, VII; e v) atender aos objetivos da assistência social, de promoção da integração das pessoas de baixa renda e o amparo às crianças e adolescentes carentes, contidos no art. 203, inc. II.

Desse modo, a norma que institui o passe livre requer seja a sua interpretação realizada de modo a se obter a máxima eficácia e a mais imediata aplicabilidade do seu comando, conforme disposto no §1º do art. 5º da Constituição Federal.

É o que leciona José Afonso da Silva:

“... que valor tem o disposto no § 1º do art. 5º, que declara todas de aplicação imediata? Em primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nela garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes.” (Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 3ª ed.., Malheiros. São Paulo: 1998)

Conquanto a aplicabilidade imediata do art. 32 do Estatuto da Juventude, a Administração Pública vem negando a concessão do referido benefício, conforme se constata da Notícia de Fato anexada, sob o argumento de que a falta de regulamentação impede o exercício desse direito.

Na esteira da argumentação sustentada a seguir, não existe qualquer empecilho ao gozo do direito ao passe livre que requeira, de forma indispensável, a regulamentação.

Frisa-se que, nos dias de hoje, tal regulamentação cuidaria – como a própria lei leciona – de normas procedimentais, e.g. sobre quem deve emitir e como devem ser obtidas as passagens.

Nem se alegue, outrossim, que a regulamentação seria necessária para indicar a fonte de recursos para o custeio dessas passagens rodoviárias, primeiramente porque essa é uma questão a ser enfrentada entre o Poder Público e as empresas – sendo matéria absolutamente estranha ao cidadão que faz jus ao passe livre.

Segundo porque nada obsta que a lei imponha esse ônus às próprias empresas de transporte interestadual. Com efeito, enquanto política destinada à inclusão do jovem de baixa renda, o passe livre caracteriza-se pela natureza jurídica de uma ação de assistência social, nos exatos termos do artigo 203 da Constituição.

Nesse deambular é certo que essas ações de assistência social integram a seguridade social, que, nos termos do artigo 194, 'compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade'.

Em acréscimo, o artigo 195 determina que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta”, sendo o caso sob exame típica hipótese de fixação de custeio direto, através da assunção do custo do transporte desses passageiros.

II – Da não necessidade de conformação regulamentar do art. 32 da Lei 12.852/2013 para que exerça efeitos imediatos

Cumpre ressaltar, de saída, que o plenum do Supremo, no bojo do RE nº 567.985-RG, Redator para o acórdão Min. Gilmar Mendes, Dje 3/10/2013, entendeu inconstitucional o conceito de “baixa renda” definido pela Lei Orgânica da Assistência Social (previa que a renda per capita da pessoa deveria corresponder a um quarto do salário mínimo); uma vez que, em se tratando de fatos sociais relevantes e mutáveis, estabelecer critérios taxativos e tão específicos, produziria um retrocesso social e, acima de tudo, resultaria em flagrante injustiça.

Em suas razões, o STF declarou o processo de inconstitucionalização do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 (Lei da Organização da Assistência Social), decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas, provocadas por sucessivas mutações na legislação nacional relativa ao aspecto econômico para se identificar o critério de baixa renda.

Na hipótese, a Corte Constitucional considerou que foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso a Alimentação; Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97. Adicionalmente, considerou que a produção normativa tende a se chegar ao real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.

In verbis, preconiza o Supremo:

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E AO DEFICIENTE. ART. 203. V, DA CONSTITUIÇÃO. 1. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do

alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.(STF – RE 567985 / MT - MATO GROSSO. Relator p/ Acórdão: Min. Gilmar Mendes. Julgamento: 18/04/2013. Órgão Julgador: Tribunal Pleno). (Grifo nosso).

Diante do posicionamento constitucional sobre o tema, torna-se evidente que qualquer norma infraconstitucional tendente a estabelecer critérios taxativos e específicos na definição de baixa renda recairá em flagrante inconstitucionalidade.

Frente aos argumentos supra em relação à Lei da Organização da Assistência Social, resta fazer a análise em paralelo concernente ao Estatuto da Juventude (Lei 12.852/2013), especificamente o art. 32, para se comprovar a

inconstitucionalidade do parágrafo único, que visa estabelecer critério de definição de baixa renda.

Na redação, determina:

Art. 32. No sistema de transporte coletivo interestadual, observar-se-á, nos termos da legislação específica:I - a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para jovens de baixa renda;II - a reserva de 2 (duas) vagas por veículo com desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os jovens de baixa renda, a serem utilizadas após esgotadas as vagas previstas no inciso I.Parágrafo único. Os procedimentos e os critérios para o exercício dos direitos previstos nos incisos I e II serão definidos em regulamento. (Grifo nosso).

Com efeito, o dispositivo traz à baila, em geral, três aspectos para a concessão do benefício à pessoal, quais sejam: i) existência de 2 (duas) vagas no veículo de transporte; ii) ser jovem; iii) ser de baixa renda.

Dessarte, são critérios objetivos (capazes de serem comprovados de forma imediata) a existência de 2 (duas) vagas no veículo de transporte e a condição de ser jovem, pois a simples contagem da quantidade de pessoas no veículo de transporte comprovaria a existência de vagas; enquanto que a mesma lei define jovem como sendo as pessoas entre 15 (quinze) e 29 (vinte nove) anos, conforme art. 1º, § 1º, pressuposto suprido com a apresentação de identificação, como o RG, que provaria a idade da pessoa beneficiada.

Assim, os dois critério objetivos dispensam a regulamentação de outra espécie normativa, pois são autonomamente capazes de exercer efeitos de imediato.

Por outro lado, o critério da baixa renda não foi definido pela Lei, levando o intérprete a crer que se faz necessária a existência de norma regulamentar que defina o conceito de baixa renda para que o dispositivo, como um todo, exerça efeitos de imediato.

Contudo, a decisão do STF no RE nº 567.985-RG que, como visitado anteriormente, declarou inconstitucional o conceito de “baixa renda” definido pela Lei Orgânica da Assistência Social, considerou que qualquer definição taxativa e específica com relação a esta definição produziria um retrocesso social, devendo ser expurgada do ordenamento jurídico pelo processo de inconstitucionalização experimentado pelo referido dispositivo.

Frisa-se que o conceito de “baixa renda” deve ter uma definição de textura aberta, para evitar injustiça social, pois qualquer conceituação limitaria o

pleno exercício de direitos fundamentais mínimos e poderia excluir pessoas em flagrante situação de miserabilidade, conforme entendimento do Pleno do Supremo.

Dessa forma, o parágrafo único, do art. 32, da Lei 12.852/2013, deve receber interpretação conforme à Constituição, porquanto os procedimentos e critérios estabelecidos por qualquer norma infraconstitucional, tendente a estabelecer o conceito de baixa renda de forma taxativa e específica, vai de encontro aos standards reconhecidos no citado leading case paradigma.

Ressalta-se que, em não havendo regulamentação infraconstitucional de textura aberta estabelecendo a amplitude do conceito de baixa renda no caso do art. 32 do Estatuto da Juventude, pode-se recorrer à analogia para suprir a lacuna presente no ordenamento jurídico, conforme art. 4º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB).

Nesta trilha, entende-se que a Lei de Assistência Judiciária Gratuita (Lei nº 1060/50) seria o instrumento normativa idôneo como parâmetro de supressão da lacuna existente, por ser a lei mais favorável aos pobres; consoante interpretação pro homine, que rege os direitos fundamentais. O texto normativo estabelece, ipsis litteris:

Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.

§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais. (Grifo nosso).(...)

Portanto, mediante aplicação analógica da Lei de Assistência Judiciária Gratuita, uma vez que exista vaga no veículo de transporte, a pessoa que comprovar ser jovem e se declarar pobre, mediante declaração assinada por escrito, pode ser considerada de baixa renda para os fins legais e gozar do direito concedido pelo art. 32 do Estatuto da Juventude (Lei 12.852/2013).

Aliás, o mesmo ocorre com outros diplomas legais que também flexibilizam a comprovação de cidadãos nessa condição.

É o caso, por exemplo, da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73, com a redação dada pela Lei nº 9.534/97), que prevê, por força de norma constitucional (art. 5º, LXXVI), a gratuidade, para os reconhecidamente pobres, das certidões extraídas pelos cartórios dos registros civis. De fato, dispõe o art. 30 e especialmente os seus parágrafos:

“Art.30 - Não serão cobrados emolumentos pelo registro civil de nascimento e pelo assento de óbito, bem como pela primeira certidão respectiva.

§ 1º - Os reconhecidamente pobres estão isentos de pagamento de emolumentos pelas demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil.

§ 2º - O estado de pobreza será comprovado por declaração do próprio interessado ou a rogo, tratando-se de analfabeto, neste caso, acompanhada da assinatura de duas testemunhas.

§ 3º - A falsidade da declaração ensejará a responsabilidade civil e criminal do interessado.” (grifamos)

Esses, portanto, são critérios legais, aplicáveis a caso semelhante de exercício de um direito fundamental e que, sem nenhum óbice jurídico ou prático, pode ser estendido para a concessão do passe livre.

Nessa esteira, não existe qualquer empecilho ao gozo do direito ao passe livre que requeira, de forma indispensável, a regulamentação.

Dessa forma, apesar de não existir norma infralegal que regulamente o art. 32 do Estatuto da Juventude, as pessoas jurídicas que prestam serviços de transporte interestadual coletivo devem, imediatamente, reservar 2 (duas) vagas para que os jovens de baixa renda possam viajar gratuitamente ou mediante abatimento de 50% (cinquenta por cento) do valor original da passagem, conforme inc. I e II do citado dispositivo.

Ad argumentandum tantum, o art. 6º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB) estatui que “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”, ou seja, o Estatuto da Juventude (Lei 12.852/2013) tem efeito geral e imediato, devendo servir para conceder direitos aos jovens, sobretudo aqueles que se encontram em situação de miserabilidade.

Assim, reitere-se, não há necessidade de conformação regulamentar, pois além de produzir efeitos autonomamente, trata-se de norma de direito fundamental, extensiva do supra principio da dignidade da pessoa humana.

III – Da eficácia constitucional reflexa do art. 32 do Estatuto da Juventude

A Constituição Brasileira, em seu art. 5º, §1º, afirma que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata”.

A monografia de José Afonso da Silva, Aplicabilidade das Normas Constitucionais, reforça a ideia de que todas as normas constitucionais são dotadas de aplicabilidade, variando o grau de aplicabilidade por elas apresentado. Sob este enfoque, as normas constitucionais são classificadas em normas de eficácia plena, contida e limitada.

O campo dos direitos econômicos, sociais e culturais é, com efeito, o campo que mais necessita de elaboração de leis infraconstitucionais para que tenham a eficácia planejada pelo constituinte. Nesse passo, torna-se inconcebível a inércia do legislador em conferir plena eficácia aos direitos econômicos, sociais e culturais, mediante leis integrativas.

Em decorrência disto, pode-se concluir que, ao assegurar tais direitos, a norma constitucional tem como destinatário, pelo menos em um primeiro momento, o Estado, à medida em que tem ele como dever desencadear o processo legislativo, de forma a disciplinar o cumprimento de ditos direitos.

É importante lembrar que a Constituição de 1988, é essencialmente uma Constituição Dirigente, reforça a necessidade da participação estatal, particularmente no campo social, consagrando, a concepção intervencionista de Estado, voltado ao bem estar social.

Nesse sentido o entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet:

Outro desdobramento estreitamente ligado à perspectiva objetivo-valorativa dos direitos fundamentais diz com o que se poderia denominar de eficácia dirigente que estes (inclusive os que precipuamente exercem a função de direitos subjetivos) desencadeiam em relação aos órgãos estatais. Nesse contexto é que se afirma conterem os direitos fundamentais uma ordem dirigida ao Estado no sentido de que a este incumbe a obrigação permanente de concretização e realização dos direitos fundamentais (A eficácia dos direitos fundamentais, 2007, p. 163)

Verifica-se, no caso, que o Poder Executivo queda-se inerte no que toca à elaboração do regulamento necessária à efetiva implementação de direitos constitucionalmente garantidos. Tal inércia está se constituindo em impedimento expresso ao exercício do direito pelo representante, que requer, ao Ministério Público Federal, a tutela deste direito no caso concreto.

Para que se possa invocar o imperativo de tutela, na defesa de um direito fundamental, preliminarmente deve haver o efetivo direito fundamental material invocado pelo indivíduo. Assim, somente aquele que efetivamente tenha sido ofendido em sua honra poderá invocar o imperativo de tutela para buscar o

direito de resposta. O mesmo se dá em relação aos direitos prestacionais: se não há violação do direito fundamental material invocado, não há que se cogitar do imperativo de tutela; também, se o valor ou direito contraposto é superior ou investe o outro indivíduo em posição jurídica mais forte, igualmente resta afastado este princípio.

É preciso verificar, então, se as condições estão presentes no caso dos autos: a) se o direito que se busca tutelar existe efetivamente no caso; b) se as condições para o seu exercício estão preenchidas; e c) se a recusa na prestação representou violação a esse direito.

A existência do direito é incontestável, eis que inscrito no art. 32 da Lei nº 12.852/2013, acima citado.

As condições para o exercício desse direito, definidas pelo texto normativo, são:

1. Enquadramento no conceito legal de “jovem”, assim entendidas pela Lei eu seu art. 1º, §1º, “as pessoas com idade entre 15 (quinze) e 29 (vinte e nove) anos de idade”. Não há, neste caso, lacuna a ser preenchida, eis que o critério, determinado expressamente pela lei, pode ser objetivamente aferido: Tendo o representante nascido em 17/5/1990, conta, na data de hoje, com 24 anos, enquadrando-se, portanto, no critério legal.

2. Observância do limite de vagas estabelecido pela norma: duas vagas gratuitas e duas vagas com desconto de 50%. É fácil perceber, a partir da narrativa que embasou a representação, que não tendo havido, até o momento, aplicação da norma legal, não houve nenhuma concessão de gratuidade ou desconto a partir deste comando legal, não tendo, consequentemente, sido ultrapassado o limite legal.

3. Comprovação de baixa renda. Quanto a este aspecto é que se pode entender necessária a regulamentação citada no §1º do artigo, tendo em vista a multiplicidade de normas que estabelecem tais critérios, para fins de concessões de benefícios e isenções. Contudo, conforme explicitado, a mora na edicação da norma não pode implicar na ausência de efetividade da garantia.

Assim sendo, relembre que o Supremo Tribunal Federal se debruçou sobre essa questão no julgamento dos Recursos Extraordinários nº 567.985 e 580.963 e da Reclamação 4374, posicionando-se pela inconstitucionalidade do critério de baixa renda adotado.

Como se percebe, não é permitido ao administrador esquivar-se ao cumprimento de suas obrigações legais em virtude da ausência da norma regulamentado, cabendo a ele, no caso concreto, analisar sua incidência, a partir dos parâmetros fixados pela Constituição e pela legislação vigente.

No caso concreto, o representante afirma que a renda per capita de sua família é inferior a um salário mínimo, acrescentando que, no núcleo familiar composto por três pessoas, é o único que dispõe de renda. Não há razoabilidade em

colocar em dúvida a incidência da norma nesse caso, em especial levando-se em conta que não há outros pleiteantes do benefício.

O preenchimento das condições acima identificadas torna o requerente destinatário do direito pleiteado, configurando-se ilícita a recusa em ofertá-lo, no caso concreto, a merecer reparação pelo órgão responsável.

IV – Das atribuições regulamentares da ANTT

Com efeito, a Agência Nacional de Transportes Terrestres é uma agência reguladora, instituída pela Lei N.º 10.233/01, com amplas atribuições regulamentares, as quais se consubstanciam na prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e possibilitar seu efetivo sentido e o modo de execução.

Consoante doutrina de José dos Santos Carvalho Filho:

A essas autarquias reguladoras foi atribuída a função principal de controlar em toda a sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo Governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização. (Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. até a Lei n.º 12.587, de 3-1-2012. São Paulo: Atlas, 2012, p. 484/485). (grifo nosso)

Nessa perspectiva, não há controvérsia na doutrina ou na jurisprudência no sentido de que o poder em evidência é a prerrogativa conferida à Administração Pública para, visando complementar e minudenciar as normas da lei, editar atos gerais que permitam a sua aplicação.

Assim, em se tratando de agência reguladora – tal como ocorre com as autarquias em regime especial – a ANTT executa atividades típicas da Administração Pública e, por conseguinte, detém poder regulamentar.

Noutro norte, conforme dispõe a doutrina, a Resolução é o ato administrativo normativo que parte de autoridades superiores, mediante decisão colegiada, que disciplinam matéria de sua competência específica.

Nessa esteira, dentro do poder regulamentar da ANTT, encontra-se o de expedir norma relativa à exploração de vias e terminais, para, com isso, garantir a isonomia na utilização do serviço de transporte, conforme art. 14 c/c 24, inc. IV, da Lei N.º 10.233/01, in verbis:

Art. 14 (...)I – (…)j) transporte rodoviário coletivo regular interestadual e internacional de passageiros, que terá regulamentação específica expedida pela ANTT;

Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais: (...)IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais, garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem como à prestação de serviços de transporte, mantendo os itinerários outorgados e fomentando a competição;

No mesmo passo, posiciona-se a jurisprudência sobre a atribuição da ANTT para a elaborar normas reguladoras:

ADMINISTRATIVO. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE PASSAGEIROS. AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES (ANTT). DESCRIÇÃO DE CONDUTA INFRACIONAL POR MEIO DE RESOLUÇÃO. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA NORMATIVO. AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO. MULTA. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. DESPROVIMENTO. 1. A Resolução n. 233/2003, da Agência Nacional de Transportes Terrestres, foi editada com base no poder regulamentar conferido à autarquia por meio da Lei n. 10.233/2001 e, ainda, nas disposições constantes da Lei n. 8.987/1995, regulamentada pelo Decreto n. 2.521/1998, não havendo que se falar em ofensa ao princípio da reserva legal. 2. Caso em que, ademais, a parte autora foi autuada por realizar transporte rodoviário de passageiros sem a necessária autorização, não logrando êxito em elidir os atributos que militam em prol do ato de fiscalização. 3. Sentença confirmada. 4. Apelação desprovida.

(TRF-1 - AC: 18669 MG 0018669-12.2005.4.01.3800, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL DANIEL PAES RIBEIRO, Data de Julgamento: 30/05/2011, SEXTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.041 de 20/06/2011)

Dessa forma, tendo natureza jurídica de agência reguladora, a ANTT – através de seu corpo de diretores – tem a atribuição de expedir Resolução de caráter nacional para garantir a isonomia na utilização do serviço de transporte, conforme dispositivo referenciado acima, determinando às

concessionárias do serviço de transporte coletivo terrestre a reserva de 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para jovens de baixa renda e, após esgotadas, que reserve 2 (duas) vagas por veículo com desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os jovens de baixa renda, com respeito ao art. 32 da Lei 12.852/13.

5. DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

A possibilidade de concessão de medida liminar em ação civil pública encontra previsão legal expressa no artigo 12, caput, da Lei Nº. 7.347/1985. Ante a ausência, no regramento próprio, de previsão acerca dos requisitos para o deferimento da medida liminar, aplicam-se as regras do Código de Processo Civil atinentes à tutela antecipatória, especialmente a seguinte, verbis:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.§ 1º. Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.§ 2º. Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.§ 3º. A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A (…).

Percebe-se, sem muita dificuldade, que os requisitos legais exigidos para a concessão da tutela antecipatória assecuratória aqui requerida estão efetivamente presentes.

A verossimilhança vem demonstrada pela exposição fática e jurídica até o momento exposta, corroborada pelo conteúdo probatório que acompanha a inicial – a Notícia de Fato Nº. 1.24.000.001917/2014-48 – donde se extrai senão a prova inequívoca dos fatos narrados, mas elementos suficientes para a formação do convencimento provisório do Juízo de que a demandada não reserva 2 (duas) vagas gratuitas para jovens de baixa renda viajarem em transporte interestadual, conforme dispõe o art. 32, inc. I, do Estatuto da Juventude.

Demais disso, não faria sentido que, em sede de antecipação de tutela, se exigisse um grau de certeza ainda maior do que o propugnado pelos próprios

princípios do direito processual civil, sabendo-se que sequer para a sentença que julga o mérito é necessária a demonstração da verdade real.

Certa, também, é a responsabilidade da União e da Agência Nacional de Transportes Terrestres, ora requeridos, ao impedir, de forma totalmente desarrazoada, o gozo deste direito, com a vedação do acesso de jovens de baixa renda ao transporte interestadual gratuito, e ainda, criar fortes entraves burocráticos para impedir o gozo do direito, como a necessidade de regulamentação infralegal.

No tocante ao perigo da demora, de maneira nenhuma poder-se-á duvidar do atendimento ao requisito da existência de "fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação", pois os jovens em condição de miserabilidade permanecem sem usufruir do transporte gratuito, não tendo acesso à níveis mínimos de dignidade, como a liberdade de ir e vir.

Nesse contexto, conclui-se que a antecipação dos efeitos da tutela é medida que se impõe, haja vista que o seu não deferimento acarretará em prejuízos irreparáveis às pessoas que necessitam desse serviço, devendo este juízo compelir a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES que expeça norma ou regulamento gerais, com vigência em todo o território nacional, – valendo-se do poder regulamentar concedido pelo art. 24, inc. IV da Lei N.º 10.233/01 – determinando às empresas que prestam serviço de transporte coletivo interestaduais a reservarem 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para jovens de baixa renda e, após esgotadas, que reserve 2 (duas) vagas por veículo com desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os jovens de baixa renda (conforme art. 32 da Lei 12.852/13).

Para tanto, requer liminarmente a aplicação de multa diária na ordem de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) em razão de eventual descumprimento da determinação acima;

6. DOS PEDIDOS

Em face do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:

a) a concessão de antecipação de tutela para determinar a ANTT que, sob pena de multa diária no valor R$ 500.000,00 expeça norma ou regulamento gerais, com vigência em todo o território nacional, determinando às empresas que prestam serviço de transporte coletivo interestaduais, a reservarem, de forma imediata, 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para jovens de baixa renda e, após esgotadas, que reserve 2 (duas) vagas por veículo com desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os jovens de baixa renda (conforme art. 32 da Lei 12.852/13), e que utilize, como critério de comprovação da situação de carência, uma declaração assinada pelo usuário e por duas testemunhas, comprovando condição de pobreza;

b) a citação dos demandados, nos endereços mencionados, para, querendo, responder aos termos da presente ação, sob pena de revelia;

c) provar o alegado por todos os meios em Direito admitidos, especialmente, juntada posterior de documentos, oitiva de testemunhas;

d) por fim, a procedência do pedido, para:

d1) confirmar a tutela antecipada, condenando a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES em obrigação de fazer, para que, através de seu poder regulamentar, expeça Resolução, com eficácia em todo o território nacional, obrigando as entidades que prestam serviço de transporte coletivo interestaduais a reservarem 2 (duas) vagas gratuitas por veículo para jovens de baixa renda e, após esgotadas, que reserve 2 (duas) vagas por veículo com desconto de 50% (cinquenta por cento), no mínimo, no valor das passagens, para os jovens de baixa renda (conforme art. 32 da Lei 12.852/13), estabelecendo multa diária no valor de R$ 500.000,00 em caso de descumprimento;

d2) determinar que a ANTT, no bojo da Resolução, utilize como parâmetro para o critério de baixa renda o mesmo proporcionado pela Lei de Assistência Judiciária Gratuita e/ou a Lei de Registros Públicos, os quais prescrevem apenas a declaração por escrito, assinada pelo próprio interessado e por testemunhas, de situação de pobreza;

e) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, na forma do que dispõe o art. 18 da Lei Federal nº 7.347/1985, e no artigo 87, do Código de Defesa do Consumidor;

f) a condenação das rés nos ônus de sucumbência eventualmente cabíveis;

g) Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para fins fiscais.

João Pessoa, 19 de dezembro de 2014.

JOSÉ GODOY BEZERRA DE SOUZAProcurador da República