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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM MINAS GERAIS Rua Pouso Alto, nº 15 – Serra (esquina com Av. do Contorno) – Belo Horizonte/MG – CEP 30240-180 /fax 2123-9046 EXCELENTÍSSIMO(A) SR(A) DR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ------- VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS. INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN, Autarquia Federal instituída pela Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, inscrita no CNPJ sob o nº 26.474.056/0001-71, sediada em Brasília/DF, neste ato representado por sua 13ª Sub-Regional, vinculada ao Ministério da Cultura, gabinete de representação na cidade de Belo Horizonte, na rua Bernardo Guimarães, nº 2.551, Santo Agostinho, CEP 30140-082, por seus produradores ex lege, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, por seus representantes ao final assinados, vêm, perante V. Exa., com fundamento no art. 129, III, da Constituição da República, art. 6º, VII, b, e XIV da Lei Complementar n.º 75/93, e arts. 1º, I e 5º da Lei n.º 7.347/85, propor a presente: AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIO AMBIENTE, COM PEDIDO DE LIMINAR em face de: 1) BRUMAFER MINERAÇÃO LTDA., estabelecida na Rua Mina do Brumado, s/nº, no Distrito de Ravena, Sabará, Minas Gerais, CNPJ: 16.565.897/0001-30, endereço para correspondência: caixa postal, nº 36, centro, Caeté/MG, CEP: 34800-000, telefone: (31) 799-2527;

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Rua Pouso Alto, nº 15 – Serra (esquina com Av. do Contorno) – Belo Horizonte/MG – CEP30240-180

����/fax 2123-9046

EXCELENTÍSSIMO(A) SR(A) DR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA -------VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO EARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN, Autarquia Federal instituídapela Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, inscrita no CNPJ sob o nº26.474.056/0001-71, sediada em Brasília/DF, neste ato representadopor sua 13ª Sub-Regional, vinculada ao Ministério da Cultura, gabinetede representação na cidade de Belo Horizonte, na rua BernardoGuimarães, nº 2.551, Santo Agostinho, CEP 30140-082, por seusproduradores ex lege, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL eMINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, porseus representantes ao final assinados, vêm, perante V. Exa., comfundamento no art. 129, III, da Constituição da República, art. 6º, VII,b, e XIV da Lei Complementar n.º 75/93, e arts. 1º, I e 5º da Lei n.º7.347/85, propor a presente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO MEIOAMBIENTE, COM PEDIDO DE LIMINAR

em face de:

1) BRUMAFER MINERAÇÃO LTDA., estabelecida na Rua Minado Brumado, s/nº, no Distrito de Ravena, Sabará, Minas Gerais, CNPJ:16.565.897/0001-30, endereço para correspondência: caixa postal, nº36, centro, Caeté/MG, CEP: 34800-000, telefone: (31) 799-2527;

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2) FUNDAÇÃO ESTADUAL DO MEIO AMBIENTE – FEAM, pessoajurídica de direito público interno, integrante do Sistema Estadual de MeioAmbiente, com endereço à Av. Prudente de Morais, 1671, Bairro Santa Lúcia,em Belo Horizonte/MG, CEP 30380-000, fone 0xx31 3298-6522,

3) ESTADO DE MINAS GERAIS, pessoa jurídica de direito públicointerno, cuja Advocacia-Geral localiza-se na Praça da Liberdade s/n - Edifícioda Advocacia-Geral do Estado - andar térreo - CEP 30140-912, pelas razõesde fato e de direito a seguir expostas.

I – DOS FATOS

A Brumafer Mineração Ltda. vem explorando minério deferro em grande escala na Serra da Piedade1, nos Municípios de Caeté eSabará / MG desde a década de mil novecentos e setenta.

Para tanto, ao longo dos anos, a referida empresa obteve as seguintesconcessões de pesquisa e lavra perante o Departamento Nacional de ProduçãoMineral - DNPM e licenças ambientais perante o Conselho de PolíticaAmbiental do Estado de Minas Gerais – COPAM:

� concessão de lavra de minério de ferro através do Decreto delavra nº 78.589/76 (processo DNPM 818.387/71) e Licença de Operação comcondicionantes perante o COPAM (Certificado 229/97; processoadministrativo 151/87/02/97) em 30/10/97 (doc. 2);

� concessão de lavra de minério de ferro através do Decreto delavra nº 79.469/77 (processo DNPM 807.527/72) e Licença de Operação comcondicionantes perante o COPAM (Certificado 230/97; processoadministrativo 151/87/03/97) em 30/10/97.(doc. 3);

� autorização de pesquisa de minério de ferro através do Alvaránº 1.859/97 (processo DNPM 831.015/94) com validade de três anos (doc. 4);

� autorização de pesquisa de minério de ferro através do Alvaránº 1.860/97 (processo DNPM 831.016/94), com validade de três anos (doc.4)2;

1Embora a Brumafer Mineração Ltda. faça referência à area de suas minas como sendo “Serra do Brumado”, taldenominação não é reconhecida pelo Instituto de Geociências Aplicadas, tratando-se, na verdade, da própria Serrada Piedade (doc. 1)2Registre-se que, em relação às autorizações do DNPM para pesquisa mineral nos locais relativos aos processos

831.015/94 e 831.016/94, o empreendedor pleiteou perante o COPAM as respectivas Licenças de Operação paraPesquisa Mineral, apresentando inclusive Plano de Controle Ambiental e Relatório de Controle Ambiental –PCA/RCA, não tendo, no entanto, logrado êxito em obtê-las (doc. 5).

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� autorização de pesquisa de minério de ferro através do Alvaránº 1420/2001 (processo DNPM 831.501/99), com validade de três anos (doc.6);

� autorização de pesquisa de minério de ferro através do Alvará343/2001 (processo DNPM 832.102/2000), com validade de três anos (doc.7).

Ocorre que os locais correspondentes às referidas concessões de lavrae autorizações de pesquisa mineral (onde também são pretendidas novasconcessões de lavra) estão inseridos na área do Conjunto Arquitetônico ePaisagístico da Serra da Piedade, o qual, em razão da magnitude da suarelevância histórica, paisagística e cultural é, atualmente, objeto de trêstombamentos e duas unidades de conservação, conforme representaçãocartográfica anexa (doc. 8) :

a) Tombamento Federal do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico doSantuário de Nossa Senhora da Piedade: Livro do Tombo Histórico – volumeI, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, fls. 53, númerode inscrição: trezentos e dezesseis, processo nº: 526-T-55, data de inscrição:26 de setembro de 1956 (doc. 9);

b) Tombamento Estadual da Serra da Piedade: Constituição do Estadode Minas Gerais/1989, art. 84 do ADCT e Lei 15.178/04 – (doc. 10), cujasdiretrizes foram deliberadas pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico eArtístico de Minas Gerais em 26/09/2005 (doc. 10-A);

c) Tombamento Municipal do Conjunto Cultural, Arquitetônico,Paisagístico e Natural da Serra da Piedade: Lei Orgânica do Município deCaeté/MG, art. 202 (doc. 11);

d) Unidade de Conservação Estadual na categoria MonumentoNatural: Constituição do Estado de Minas Gerais/1989, art. 84 do ADCT eLei 15.178/04 (doc. 10);

e) Unidade de Conservação Municipal na categoria Área de ProteçãoAmbiental – APA Água Serra da Piedade: Lei Municipal 2.335/2003 (doc.12).

Com efeito, segundo Estudo dos aspectos culturais e paisagísticos daSerra da Piedade elaborado em complementação ao Estudo de ImpactoAmbiental apresentado no processo de licenciamento das novas frentes delavra da Brumafer,

“(...) a história da Serra da Piedade está intimamente ligada àocupação do território mineiro, sendo um dos referenciais utilizados pelosprimeiros aventureiros para se locomoverem nos sertões desconhecidosrepletos de mistérios, índios e ouro. (...)

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Sua vocação mística iniciou-se a partir da lenda da menina muda,considerada muito piedosa que, avistando no alto da Serra da Piedade, afigura da Virgem com Jesus nos braços, começou a falar, contando oocorrido. Nossa Senhora reapareceu várias vezes para a menina, que, mudade nascença, foi curada. Outros registros falam da aparição da Virgem adonzelas que passavam pela Serra.

Segundo o historiador Antônio Olyntho dos Santos Pires, a lenda daaparição da Virgem encantou o rico oficial de cantaria, Antônio da SilvaBracarena, natural da Freguesia de São Pedro de Bracarena, Portugal, quedecidiu construir uma capela em homenagem à Nossa Senhora, no alto daSerra da Piedade. Para esse fim, contou com o apoio do Dr. Manoel CoelhoSantiago na aquisição da provisão, assinada pelo Cônego Ignácio Corrêa deSá, para a ereção do Templo, datada de 30 de setembro de 1767.

Em 26 de setembro de 1956, devido à importância histórica e culturaldo templo para a comunidade nacional, o IPHAN, órgão federal responsávelpela preservação do patrimônio Cultural do país, tombou o Santuário (...)

Dois anos depois, em 20 de novembro de 1958, a imagem de NossaSenhora da Piedade do Santuário, foi proclamada padroeira do Estado deMinas Gerais, pelo Papa João XXIII.

Em 1989, a Constituição Estadual, nos Atos das DisposiçõesTransitórias, art. 84, tombou a Serra da Piedade(...)

Paralelamente, também os municípios de Sabará e Caetéreconheceram a importância da Serra. Em Caeté, a Serra foi oficialmenteeleita Símbolo de Caeté em setembro de 2001, por 3080 eleitores. Em Sabará,o Plano Diretor, aprovado em 8 de janeiro de 2004, definiu o Conjunto daSerra da Piedade como Área de Interesse Ambiental II – AIA II.”

E mais adiante conclui:

“O acervo cultural mais expressivo é, sem dúvida, o próprio conjuntoarquitetônico e paisagístico do Santuário e da Serra da Piedade, patrimôniocultural do Estado de Minas Gerais e do país, que incorpora valores degrande importância arquitetônica, artística, histórica, natural e paisagística.A esse conjunto se soma o patrimônio imaterial, simbolizado pela grandemanifestação religiosa-popular do Jubileu, que há mais de cem anos ocorreno local. Este marco da ocupação do território mineiro é referênciageográfica e cultural da saga desta civilização interiorana, impregnada devalores místicos e ambição materialista. A Serra e o seu Santuário sintetizama contradição do homem mineiro e sua alma barroca.” (destacou-se) 3

Inegável, assim, a importância da Serra da Piedade, tanto porsignificar um referencial da sociedade mineira, hoje palco de inúmerasromarias e comemorações religiosas, como por abrigar um expressivo valornatural e paisagístico.

3Ecodinâmica: Consultores Associados Ltda. Estudo de Impacto Ambiental -Aspectos Paisagísticos e Culturais –Serra da Piedade. Sabará e Caeté/MG. Vol. 2. Outubro/2004, pg. 26-47 (doc. 13)

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Ressalte-se que o Santuário da Serra da Piedade foi objeto detombamento voluntário, sendo que um dos fundamentos apontados pelo reitordo Santuário Nossa Senhora da Piedade, em 17 de junho de 1955, parajustificar a necessidade do tombamento, foi justamente a existência de umamineração inquietante na base da serra, de forma que, pelo fato das jazidasserem finas, a destruição se estendia rapidamente, enfatizando a necessidadede reflorestamento.

De fato, as atividades desenvolvidas pela Brumafer têm se mostradototalmente incompatíveis com a necessidade de proteção do referidopatrimônio histórico e paisagístico, em face da própria natureza da atividademinerária, cuja execução está, necessariamente, associada à destruição davegetação, do solo e do subsolo, e ainda em face da destruição permanente dapaisagem pela forma como a referida atividade, no caso concreto, vem sendoimplementada.

Conforme mencionado, a Brumafer Mineração Ltda. possui duasminas de lavra de minério de ferro ativas, localizadas em áreas diferentes enão contínuas, correspondentes às duas concessões de lavra/DNPM erespectivas licenças ambientais de operação/COPAM.

Além disso, em 18/04/2001, referido empreendimento formalizouprocesso de licenciamento ambiental junto à FEAM/COPAM, objetivando aobtenção de licenças ambientais para expandir sua área de exploração deminério de ferro para novas áreas, correspondentes àquelas em que possuisomente Alvará de Pesquisa (processos DNPM 831.015/94, 831.016/94,831.501/99 e 832.102/00), tendo obtido manifestação técnica favorável daFEAM, mas permanecido suspenso o processo, no aguardo de manifestaçãodo IEPHA e do IPHAN (doc 14).

No entanto, a exploração das áreas de lavra (DNPM 818.387/71 e807.527/72), por si só, já é responsável pelo comprometimento da integridadedo conjunto paisagístico da Serra da Piedade, tanto no que se refere aoaspecto histórico quanto ao que se refere aos aspectos paisagístico eambiental.

Em primeiro lugar, cumpre asseverar que, embora a FundaçãoEstadual de Meio Ambiente - FEAM tenha afirmado no Relatório Técnico nº099/2003 (doc. 15) que “a Brumafer Mineração Ltda. vem cumprindo oprevisto no PCA em relação aos trabalhos de revegetação/recuperação dasáreas degradadas, através do plantio de espécies vegetais nas áreas que foramafetadas pela atividade de lavra, ou seja, áreas merecedoras de recomposiçãovegetal como medidas de mitigação do impacto ambiental causado”,relativamente às áreas dos processos DNPM 818.387/71 e 807.527/72,vistorias posteriores realizadas inclusive por outros órgãos constataram umarealidade diferente.

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Com efeito, a execução das referidas atividades de lavra bem como daimplantação de eventuais medidas de controle e recuperação foramacompanhados de perto pelo Ministério Público Estadual, por meio do Centrode Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa do MeioAmbiente, Patrimônio Cultural, Urbanismo e Habitação – CAO-MA.

Nos anos de 2002 e 2003, o CAO-MA juntamente com uma forçatarefa composta por representantes da sociedade civil organizada e membrosdos CODEMAs de Sabará e Caeté, bem como técnicos do DNPM, IGAM,FEAM, IEF, IBAMA, IEPHA e IPHAN, além de consultores técnicos doempreendimento, realizaram vistorias técnicas nas áreas de lavra da Brumafersituadas na Serra da Piedade (doc. 16).

Na primeira vistoria, realizada em 23/10/2002, verificou-se a possívelinterferência da área do Decreto de Lavra nº 78.589 (DNPM 818.387/71),invadindo área do Alvará de Pesquisa nº 1.859 (DNPM 831.015/94), o quenão foi possível se confirmar, à época, em razão da ausência de marcostopográficos delimitativos das áreas de pesquisa/lavra e do perímetrotombado.

Constatou-se, ainda, que na área referente ao Decreto de Lavra nº79.469 (DNPM 807.527/72), as atividades de mineração encontravam-sequase paralisadas e, segundo informações da empresa, aguardando a outorgada concessão de lavra para a área do Alvará de Pesquisa nº 1.860 (DNPM831.016/94), para retorno das atividades, onde, porém, foi constatada a efetivaexecução de atividades de exploração mineral em avançado desenvolvimentoe de forma totalmente irregular (lavra clandestina) em face da ausência deConcessão de lavra pelo DNPM e de licença ambiental pelo COPAM, alémde ter ocorrido de forma tecnicamente inadequada. Segundo informações doempreendedor, a execução de tais trabalhos deveu-se à antiga arrendatária,MIPRISA.

Por ocasião da segunda vistoria, ocorrida em 28/05/2003, focou-seprincipalmente as áreas relacionadas aos processos DNPM 831.016/94 eDNPM 807.527/72, onde foi constatado a existência de um imenso passivoambiental localizado no entorno da área de tombamento federal e dentro daárea de tombamento estadual, bem como do monumento natural, tendo aBrumafer, novamente, imputado a responsabilidade pelo referido passivo àMIPRISA.

Confirmou-se, ainda, nessa oportunidade, a invasão da lavraexecutada com permissão no Decreto 78.589 (DNPM 818.387/71) na área doAlvará de Pesquisa 1.859 (DNPM 831.015/94), isto é, que as operações delavra da Brumafer vinham sendo executadas fora da área autorizada peloDNPM, onde somente havia autorização de pesquisa, configurando, assim,lavra clandestina.

Aliás, em novembro de 2001, o DNPM já havia constatado a referidairregularidade, ao realizar vistoria da Serra da Piedade nos locais deconcessão de lavra e de autorização de pesquisa da Brumafer:

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“Há a constatação de apenas uma concessão de lavra em situaçãoativa, datada de 1972, relacionada ao processo nº 807.527. Os demaisprocessos são de autorização de pesquisa. (...) Pesquisa mineral é entendidacomo a execução dos trabalhos necessários à definição do depósito mineral,à sua avaliação e à determinação da exeqüibilidade do seu aproveitamentoeconômico. Em caráter excepcional, é admitida a extração de substânciasminerais na fase de pesquisa, através da guia de utilização, mediante préviaautorização do DNPM, desde haja acordo com o proprietário do solo, se foro caso, e apresentação da licença de operação para pesquisa mineral, nostermos da resolução CONAMA nº 09/90. (...) concluímos que a empresaBrumafer Mineração Ltda. está explorando em área onde apenas possui umaautorização de pesquisa conforme visualizado em mapa que também segueem anexo” (grifei) (doc. 17)

Outrossim, o pedido de licenciamento das novas frentes de lavraperante a FEAM/COPAM (DNPM 831.015/94, 831.016/94, 831.501/99 e832.102/00)4 despertou forte reação da comunidade local, de forma quesignificativas manifestações em defesa da Serra da Piedade foram realizadas.Um abaixo-assinado, com exposição de motivos foi encaminhado à FEAM eao COPAM, solicitando anulação de audiência pública, realizada em 25 dejulho de 2001, cuja finalidade foi dar conhecimento e possibilitar a análisepelas autoridades, bem como pela sociedade de Caeté a respeito do novolicenciamento de lavra de minério de ferro pretendido pela Brumafer. Alémdisso, o CODEMA de Caeté/MG encaminhou abaixo-assinado à FEAM,contra o EIA/RIMA que acompanhou o pedido de licença para lavra deminério de ferro nas novas áreas, por vincular a recuperação do passivoexistente ao novo licenciamento pretendido.(doc. 18)

Em junho de 2003, o Ministério Público Federal expediuRecomendação (nº 02/2003) dirigida ao IBAMA e à SEMAD no sentido deque nenhuma licença ambiental fosse concedida a empreendimentos queinterferissem em bens tombados sem a exigência de prévia demonstração deautorização dos respectivos projetos pelos órgãos de proteção do patrimôniohistórico e cultural (IPHAN e IEPHA) e em setembro do mesmo ano, novaRecomendação (nº 06/2003) dirigida ao DNPM para que não outorgasse àempresa Brumafer nenhuma concessão de lavra minerária que permitisse aexpansão das atividades pela mesma desenvolvidas na Serra da Piedade, atéque todas as áreas já degradadas pela empresa estivessem devidamenterecuperadas (doc. 19)

Recentemente, em fevereiro de 2005, o IPHAN e o IEPHA semanifestaram, em um parecer conjunto, contrariamente à exploração deminério de ferro nas novas áreas pretendidas, em síntese, devido à degradaçãoambiental já causada e o maior comprometimento das áreas de tombamento eabrangidas pelo Monumento Natural Serra da Piedade (doc. 20).

4Falar que em relação à última, houve desistência... localizar na documentação do PAC

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Sabe-se ser condição inafastável do licenciamento desse tipo deatividade, de caráter essencialmente preventivo, a adoção de medidasmitigadoras e reparatórias, simultâneas ao desenvolvimento da mineração.Tais medidas são adotadas justamente com o fito de minimizar o desgaste e adegradação a ela inerentes e, por isso mesmo, inevitáveis.

Entretanto, a atividade minerária até então exercida pela Brumafer naSerra da Piedade não se pautou nos critérios necessários de prevenção emitigação de impactos, culminando na existência de um imenso passivoambiental.

Com maior razão, o licenciamento pretendido nas novas áreas mostra-se totalmente descabido, tanto formalmente, diante da ausência sequer deconcessão de Outorga de lavra perante o DNPM, além dos impedimentoslegais supervenientes que decorreram dos tombamentos e da criação doMonumento Natural, quanto materialmente, considerando os impactosnegativos previsíveis, que colocam a Serra da Piedade em risco de destruiçãoirreversível e mutilamento permanente. Aliás, as grandes alteraçõesproduzidas na paisagem da serra da Piedade em razão da exploraçãomineraria já realizada pela Brumafer, por si só, já demonstram a totalincompatibilidade de tal atividade naquela região.

O próprio EIA/RIMA5 apresentado pelo empreendimento em face daformalização do processo de licenciamento ambiental das novas lavras apontadiversos reflexos da atividade pretendida tais como: alteração da paisagemnatural da Serra da Piedade; intensificação do tráfego de veículos pesadoscom deterioração de rodovias (circuito turístico); focos de erosão;assoreamento; geração de efluentes sanitários e industriais; geração deresíduos perigosos, doméstico, ambulatorial; geração de ruídos e vibrações;geração de material particulado; afugentamento/atropelamento da fauna;alteração da vazão dos corpos d’água; potenciais efeitos resultantes dasdetonações, pelos riscos e inconvenientes que representam ao patrimônio,inclusive histórico, e também para os usuários e freqüentadores do Santuárioda Serra da Piedade e proximidades; a ocorrência de projeção de fragmentosde rocha a longas distâncias (ultralançamento) trazendo riscos para aintegridade física e do patrimônio, notadamente em razão da relativaproximidade entre as frentes de lavra que serão abertas nas áreas novas,particularmente nas áreas dos processos DNPM nº 831.015/94 e 832.102/00,posicionadas mais para leste, e as edificações da CEMIG e TELEMAR, alémda estrada de acesso a estas e ao Santuário da Serra da Piedade; o aumento nonível de poeiras geradas no ambiente da mina e nas suas vias de acesso, quepoderiam alcançar aglomerações humanas não muito distantes; alterações nazona de recarga dos aqüíferos locais, dentre outros (doc. 21).

5 Estudo de Impacto Ambiental vinculado ao Relatório de Impacto ao Meio Ambiente relativo à lavra e

beneficiamento de minério de ferro nas novas áreas ( processos DNPM 831.015/94, 831.016/94, 831.501/99 e

832.102/00)

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Cumpre ressaltar que, em setembro de 2003, o Ministério PúblicoEstadual celebrou com a Brumafer um Termo Preliminar de Compromisso deAjustamento de Conduta (doc. 22) no qual se ajustou que a referida empresadeveria, em síntese:

� promover a demarcação dos Decretos de Lavra 78.589/76 e79.469/77 (processos DNPM 818.387/71 e 807.527/72), materializando-oscom marcos de concreto, devidamente numerados, a fim de se possibilitar avisualização de todo o contorno das poligonais, sem a utilização de qualquerequipamento, no prazo de sessenta dias a contar da assinatura do Termo;

� suspender de forma imediata os trabalhos de lavra nas áreasonde não houvesse a devida autorização para extração de minérios;

� não realizar trabalhos de lavra ou qualquer outro que causedegradação dentro da área do tombamento da Serra da Piedade, apresentandoPlano de Recuperação de Áreas Degradadas (PRAD) relativamente ao interiordo polígono da área tombada, no prazo de 180 dias, tendo considerado comopoligonal da área de tombamento aquela constante dos arquivos do DNPM;

� apresentar Plano de Recuperação de Áreas Degradadas –PRAD, no mesmo prazo, referente a todos os passivos ambientais decorrentesda atividade minerária, existentes nas áreas dos decretos de lavra e alvarás depesquisa das quais seja detentora;

No entanto, a Brumafer não cumpriu fielmente com suas obrigaçõessendo de se destacar que:

a) O relatório técnico do Instituto de Geociências Aplicadas,datado de 31 de agosto de 2004, (fls. 240/242) informa que haviam marcosnão implantados, marcos com numerações trocadas, marcos colocadosincorretamente e marcos com numerações erradas, o que impossibilitouinclusive a verificação do cumprimento da obrigação de não lavrar em áreasnão autorizadas.

b) O PRAD por ela apresentado pretende condicionar areabilitação das áreas degradadas à concessão das novas licenças ambientais,o que se mostra como absurdo, uma vez que a recuperação das áreas primevasé obrigação inequívoca da empresa mineradora e obviamente que independeda concessão de novas lavras ou de novas licenças ambientais paraexplorações futuras. (fls. 92).

Aliás, verifica-se que a Brumafer sequer cumpriu integralmente ascondicionantes impostas pelo COPAM em 31 de outubro de 1997 nas licençasambientais para exploração de minério na Serra da Piedade (LO 229 e LO230) uma vez que até a presente data sequer foi protocolada junto ao órgãoambiental competente a proposta completa de instituição de ReservaParticular do Patrimônio Natural nos limites da propriedade da empresa,sendo que o prazo para tanto encontra-se expirado há mais de sete anos, o quebem demonstra a falta de compromisso da empresa ré em relação aocumprimento de suas obrigações ambientais. (fls. 65/67, 385, 471/473).

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Por derradeiro, é de suma importância ressaltar que as recentesdiretrizes estabelecidas pelo IEPHA para o perímetro da área tombada emnível estadual, dentro da qual encontram-se os empreendimentos daBrumafer, estabelecem:

ÁREA TOMBADA

Deve haver licenciamento pelo IEPHA de qualquer atividade eintervenção que forem propostas para a área. Não serão permitidasquaisquer intervenções descaracterizantes. Mesmo aquelas intervençõesjulgadas necessárias que se harmonizem com o conjunto tombado, bem comoaquelas que visem diretamente a sua conservação, valorização esalvaguarda, observadas as restrições do Plano de Manejo e Preservação.

As formações florestais e rochosas devem ser preservadas e aconectividade entre fragmentos florestais remanescentes deve ser estimuladaa partir de políticas públicas, possibilitando a formação de corredores paradispersão e refúgio da fauna;

A exploração de recursos minerais na Área Tombada é incompatívelcom os objetivos e diretrizes de proteção, uma vez que o Conjunto tombadopassa a ser considerado área de relevante interesse ambiental e paisagístico;bem como quaisquer intervenções que gerem impacto de relevânciasignificativa e que interfira negativamente no conjunto;

Ficam obrigados a recuperar o meio ambiente degradado osempreendimentos detentores de decretos de lavra e de licenciamento para aexploração de recursos minerais, em atividade, de acordo com soluçãotécnica exigida pelo órgão público competente, consoante determina aConstituição Federal de 1988, Artigo 225, § 2°;

Apesar de todos esses óbices técnicos e jurídicos, verifica-se que aFundação Estadual de Meio Ambiente (FEAM) e o Conselho de PolíticaAmbiental (COPAM), órgãos integrantes do Sistema Estadual do MeioAmbiente, continuam a processar os pedidos da Brumafer no que tange àobtenção de licenciamentos ambientais para exploração de recursos mineraisna Serra da Piedade, colocando em evidente risco a integridade dos valoresnaturais e culturais que foram objeto de especial proteção por parte do PoderPúblico, como acima demonstrado (docs xxx).

Diante desses fatos, outra opção não restou aos autores senão propor apresente ação civil pública, objetivando evitar, em sede de tutela de urgência,que: não sejam concedidas licenças ambientais para a exploração de recursosminerais a área protegida; que a primeira ré interrompa a atividade mineráriaem andamento, e, ao final, que recomponha os prejuízos causados aopatrimônio histórico, cultural e ambiental da Serra da Piedade.

Torna-se premente, também, que se indenize em forma de medidacompensatória os danos causados, independentemente dos trabalhosmitigatórios de recuperação da área impactada irreversivelmente.

II – DO DIREITO

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2.1 - Da incompatibilidade da atividade minerária com otombamento da Serra da Piedade e do Santuário Nossa Senhora daPiedade

A Recomendação da Conferência Geral da Organização das NaçõesUnidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Relativa à Proteção da Belezae do Caráter das Paisagens e Sítios. Paris, 12 de dezembro de 1962 jádispunha que:

“... em todas as épocas o homem algumas vezes submeteu a beleza eo caráter das paisagens e dos sítios que fazem parte do quadro natural de suavida a atentados que empobreceram o patrimônio cultural, estético e atémesmo vital de regiões inteiras, em todas as partes do mundo (...).

(...) por sua beleza e caráter, a salvaguarda das paisagens e dossítios [...] é necessária à vida do homem, para quem são um poderosoregenerador físico, moral e espiritual e [...] por contribuírem para a vidaartística e cultural dos povos, como o demonstram inúmeros exemplosuniversalmente conhecidos (...)

A violação das normas de salvaguarda das paisagens e dos sítiosdevia redundar em perdas e danos e ou na obrigação de repor os sítios emseu estado primitivo, na medida do possível. Sanções administrativas oupenais devem ser previstas no caso de danos causados voluntariamente àspaisagens e aos sítios protegidos.

Recomenda-se aos Estados Membros que as medidas para asalvaguarda das paisagens e dos sítios devem (...) consistir essencialmente nocontrole dos trabalhos e atividades susceptíveis de causar dano às paisagense aos sítios, especialmente, entre outros fatores, a exploração de minas epedreiras e evacuação de seus resíduos.”

Internamente, nossa Constituição Federal de 1988 dispôs em seu art.216, V :

“Art. 216 Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens denatureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto,portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentesgrupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

.................................................................................V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico,

artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.(destacou-se)

Comentando o referido dispositivo, registra Édis Milaré:

“Sob a denominação Patrimônio Cultural, a atual Constituiçãoabraçou os mais modernos conceitos científicos sobre a matéria. Assim, opatrimônio cultural é brasileiro, e não regional ou municipal, incluindo benstangíveis (edifícios, obras de arte) e intangíveis (conhecimentos técnicos),considerados individualmente e em conjunto; não se trata somente daqueles

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eruditos ou excepcionais, pois basta que tais bens sejam portadores dereferência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos que formama sociedade brasileira.”6

Note-se que, a par de reconhecer a existência de valores próprios aosconjuntos urbanos e sítios relevantes para preservação da memória nacional, omencionado dispositivo constitucional considera tais paisagens comoelementos integrantes do patrimônio cultural brasileiro independentemente dequalquer ato de tombamento, protegendo assim as funções nos mesmosexistentes pelo seu valor intrínseco. O tombamento não constitui, mas apenasdeclara a importância cultural de um domínio específico. Através da AçãoCivil Pública os legitimados poderão buscar a tutela de um bem ainda queestivesse desprotegido por omissão do Poder Público.

Mais adiante, o referido dispositivo constitucional disciplina atitularidade da proteção do patrimônio que se quer resguardar:

“Art.216 ......................................................................................§1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade,

promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio deinventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outrasformas de acautelamento e preservação.

.................................................................................§4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na

forma da lei.” (destacou-se)

Assim, a proteção do patrimônio cultural será promovida pelo PoderPúblico, através da adoção de formas específicas de acautelamento epreservação, dentre as quais se inclui o tombamento, instituto jurídico criadopelo Decreto- Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, recepcionado em suaintegralidade pela ordem constitucional.

Nessa esteira, referido diploma legal, ao tornar efetiva a proteção aopatrimônio cultural brasileiro, conferiu especial regime protetivo não só aosbens tombados mas também à sua vizinhança ou entorno, nos termos dos arts.17 e 18, in verbis:

“Art. 17 – As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum, serdestruídas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial doServiço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ser reparadas,pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinqüenta por cento do danocausado.

Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico eArtístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazerconstrução que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúnciosou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto,impondo-se nesse caso a multa de 50 % (cinqüenta por cento) do valor domesmo objeto.”

6MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2 ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

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A esse respeito, afirma Sônia Rabello de Castro:

“A restrição que se impõe à vizinhança é decorrente da própriaexistência de um bem tombado, logicamente bem imóvel, no intuito de queseja ele visível e, conseqüentemente, admirado por todos.

É interessante ressaltar que a visibilidade do bem tombado exigidapela lei tomou, hodiernamente, interpretação menos literal. Não se deveconsiderar que prédio que impeça a visibilidade seja tão-somente aquele que,fisicamente, obste, pela sua altura ou volume, a visão do bem; não é somenteesta a hipótese legal. Pode acontecer que prédio, pelo tipo de sua construçãoou pelo seu revestimento ou pintura, torne-se incompatível com a visão dobem tombado no seu sentido mais amplo, isto é, a harmonia da visão do bem,inserida no seu conjunto que o rodeia. Entende-se, hoje, que a finalidade doart. 18 do Decreto-lei 25/27 é a proteção da ambiência do bem tombado, quevalorizará sua visão e sua compreensão no espaço urbano.”7

Com muita lucidez, Paulo Affonso Leme Machado também seposiciona:

“A vizinhança da coisa tombada acarreta limitações ao direito depropriedade. (...)

Procurou-se proteger a visibilidade da coisa tombada, sejamonumento histórico, artístico ou natural. O monumento ensina pelapresença e deve poder transmitir uma fruição estética mesmo ao longe. Nãosó o impedimento total da visibilidade está vedado, como a dificuldade ouimpedimento parcial de se enxergar o bem protegido.”8

Confira-se, ainda, o posicionamento dos nossos Tribunais:

“ DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL.BEM TOMBADO. CONSTRUÇÃO IRREGULAR NO ENTORNO. CF, ART.5O, XXII E XXIII. DECRETO-LEI 25/37, ART. 18 E LEI 3.924/61, ARTS. 1O E2O .

A construção irregular, em área próxima de bem tombado em razãode suas características históricas e arquitetônicas, justifica a decisãojudicial de destruição, pois o interesse individual do proprietário deve cederdiante do interesse social do Poder Público na preservação do bem cultural.”9

Nesse caso, mesmo havendo o apelante aduzido desrespeito ao seudireito de propriedade constitucionalmente garantido, alegando que aconstrução não prejudicaria nem reduziria a visibilidade do monumentohistórico, o egrégio Tribunal entendeu pela ilegalidade e inconveniência da

7CASTRO, Sônia Rabello de. O Estado na Preservação de Bens Culturais – OTombamento. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 118.8MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. rev. atual. e ampl.São Paulo: Malheiros, 2002.

9 Tribunal Regional Federal, 4a Região, Apelação Cível 91.04.01871-0/RS –1a Turma, relator Juiz Vladimir Freitas,j. 12.11.1992; Revista de Direito Ambiental, vol. 17, jan-mar, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 284.

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referida obra em face de um valor de maior peso e de interesse público, qualseja, a preservação do monumento histórico. Para tanto, o ilustre relator, emseu voto, pelos demais magistrados acompanhado, ponderou que apropriedade não pode mais ser concebida como um direito sagrado, “nosmoldes do existente no Século XIX.” Além disso, ressaltou a importância dapreservação do meio ambiente e o aspecto social que este envolve e que deve,in casu, “à toda evidência, prevalecer sobre o interesse individual doproprietário.” 10

Para ele, uma proibição que pudesse parecer, à primeira vista, umaafronta à garantia constitucional da propriedade consiste, na verdade, emlegítimo limite ao exercício desse direito individual em face do resguardo deum interesse que a ele se sobrepõe, cuja titularidade pertence a um númerodifuso de pessoas, inclusive as gerações futuras.

Não se pode perder de vista, portanto, que o entorno de um bemtombado também deve ser igualmente resguardado sob pena de secomprometer a finalidade mesmo do ato de tombamento, bem como aintegridade do bem principal.

Por outro lado, segundo entendimento sempre pacífico de nossosTribunais, a autorização prévia do IPHAN para execução de intervenções nasáreas especialmente submetidas à proteção do Decreto-Lei nº 25/37, écondição inafastável para início da obra ou atividade, conforme expôs, cominegável precisão e acerto, o eminente Ministro do Tribunal Federal deRecursos, José Cândido, no acórdão proferido nos autos da Apelação Cível nº50078, in verbis:

“...Somente com o parecer prévio do IPHAN através do órgão local,poderia o apelante promover a reconstrução do prédio.

.................................................................................Se o apelante fez tabula rasa das restrições para se alterar a feição

da arquitetura no local tombado, infringiu a lei específica.Ante o exposto nego provimento à apelação, para confirmar

integralmente a sentença.”11

No mesmo sentido o acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal Federalde Recursos, na lavra do eminente Ministro Carlos Madeira, nos autos daApelação Civil nº 40130, cuja ementa assim dispõe:

“Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. TOMBAMENTO. Otombamento pode atingir apenas determinado prédio ou conjunto de prédios,impondo a restrição a quantos sejam proprietários na área tombada.

A edificação na área tombada deve estrita obediência à fiscalizaçãodo IPHAN.”

10 Tribunal Regional Federal, 4a Região, Apelação Cível 91.04.01871-0/RS –1a Turma, relator Juiz VladimirFreitas, j. 12.11.1992; Revista de Direito Ambiental, vol. 17, jan-mar, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.286.11

RDA vol. 155, págs. 237/235.

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E ainda observe-se o voto do eminente Ministro M.ª Villas-Boas,consignado no acórdão proferido pelo STF no Recurso Extraordinário nº41.279, in verbis:

“A Constituição manda que o poder público (isto é, as Autoridadesadministrativas) resguarde a integridade de obras, monumentos edocumentos de valor histórico (art. 175).

A lei confiou essa importante tarefa, de inquestionável interessenacional, a funcionários especializados do Ministério da Educação e Cultura.

A proteção constitucionalmente estabelecida começa com o examedos projetos de edificações nas proximidades da coisa tombada.

É àqueles servidores, de proclamada idoneidade, que incumbeapurar, antes de tudo, se determinada construção impede ou reduz avisibilidade dessa coisa.

Não é possível que o Poder Judiciário, mesmo com o propósito derealizar a equidade altamente conferida a órgão de outro Poder, possa fazerjustiça com os pareceres de peritos de sua escolha.

Do ponto de vista legal e também constitucional, o critérioprevalecente havia de ser o da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico,pois a lei faz da sua Autorização condição “sine qua nom” para o início dasobras.”

Nos mesmos autos, também se manifestou o Ministro Hermes deLima neste sentido:

“Senhor Presidente, pedindo licença para rejeitar os embargos aoeminente Ministro Pedro Chaves, cujo voto ouvi com a maior atenção, querofaze-lo pela razão jurídica de que faltou à construção licença inicial daDiretoria do Patrimônio Histórico. A Prefeitura não podia conceder licençasem permissão do Patrimônio por se tratar de obra nas vizinhanças doOuteiro da Glória, e a lei proibia que se construísse nessas condições.” 12

Por outro lado, a atividade minerária, por sí só, já é necessária ealtamente impactante para o meio ambiente em todas as suas dimensões –natural, cultural e artificial - tendo em vista que necessita destruir avegetação, o solo e o subsolo para lavrar o minério. Nessa linha, é impossívelrestabelecer a área minerada ao seu status quo, isto é, uma vez realizada amineração, não há como se recuperar os atributos naturais do solo, davegetação e da paisagem ao seu estado original. O que pode haver, nomáximo, é uma recomposição paisagística artificial do local, cuja essênciaestará para sempre perdida.

Nesse sentido, o próprio Relatório de Impacto Ambiental – RIMAapresentado pelo empreendimento no processo de licenciamento das novasáreas reconheceu que:

“Os trabalhos de lavra a céu aberto resultam invariavelmente emmodificações da topografia, que são mais intensas na medida em que são

12

RDA – Vol. 84 – Págs. 115/165.

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mais volumosas as movimentações de material, sendo em muitos casosirreversíveis, como no caso do minério de ferro, que em razão dos grandesvolumes retirados, formam grandes cavas” (destacou-se).13

Ora, salta aos olhos a incompatibilidade da atividade minerária comos especiais cuidados que decorrem de um tombamento.

Nesse sentido, a lição do mestre Paulo Affonso Leme Machado:

“ (...)O tombamento é regido, notadamente, pelo Decreto-lei 25/37 que, em

seu art. 17, primeira parte, diz que 'as coisas tombadas não poderão, em casonenhum, ser destruídas, demolidas ou mutiladas'.

As florestas ou outras formas de vegetação e o solo que integrem umsítio tombado não poderão, portanto, ser destruídos pela exploração derecursos minerais, ainda que se proponha uma futura recuperação. O sítioprivado ou público que for tombado merece a integral proteção naquilo queele contém atualmente, que não pode ser modificado antropicamente, a nãoser para cuidados de manutenção.”14 (destacou-se)

Confira-se, ainda, a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal deJustiça/MG, reconhecendo a incompatibilidade de atividades minerárias coma necessidade de conservação de um patrimônio cultural, palenteológico eespeleológico:

“ MEIO AMBIENTE. SÍTIO ARQUEOLÓGICO. LICENÇAAMBIENTAL PARA INSTALAÇÃO, NAS PROXIMIDADES DO SÍTIO, DEEMPRESA DEDICADA À MINERAÇÃO DE CALCÁRIO.INADMISSIBILIDADE.

Uma vez atendidos os requisitos da verossimilhança das alegações doMinistério Público quanto ao caráter irreversível dos danos ao meioambiente e ao patrimônio cultural, palenteológico e espeleológico daexploração minerária de extração de calcário em área contígua a outra jásujeita a embargo judicial, impõe-se a confirmação da decisão pela qual foiconcedida antecipalação de tutela no sentido da abstenção, pelos Órgãosambientais, de proceder aos atos administrativos preparatórios dolicenciamento ambiental do empreendimento.”15

Logo, no caso concreto, tal incompatibilidade evidencia-se no fato deque a mineração exercida pela Brumafer na Serra da Piedade vem exercendoinfluência visual e ambiental negativa na área tombada bem como no seuentorno, comprometendo a integridade do patrimônio histórico e também domeio ambiente, violando as disposições contidas na legislação federal econstitucional mencionadas, além da inequívoca infringência ao Decreto-Lei

13Doc. 2114MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:Malheiros,2002.15 TJMG, Ag 1.0000.00.350774-6/000, 8ª Câmara, Re. Desembargador Fernando Bráulio, DOMG 05.05.2004 inRevista de Direito Ambiental – vol. 36; abr.-jun/2005, Ed. Revista dos Tribunais, p. 293.

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nº 25, de 30/11/37, tendo em vista que a atividade mineraria se iniciou sem adevida aprovação do IPHAN e do IEPHA.

2.2 - Da incompatibilidade da atividade minerária com osobjetivos das Unidades de Conservação que abrangem a Serra daPiedade

Do Monumento Natural Serra da Piedade

Conforme já noticiado nesta peça, a Lei Estadual nº 15.178/2004regulamentou o § 1º do art. 84 do ADCT da Constituição Mineira, definindo aárea geográfica de abrangência da unidade de conservação MonumentoNatural Serra da Piedade, que coincide com a do tombamento estadual,conforme coordenadas constantes do Anexo da referida lei, devidamenterepresentadas no mapa em anexo (doc.8).

As unidades de conservação consistem em espécies do gênero“espaços territoriais a serem especialmente protegidos”, a que faz alusão aConstituição Federal de 1988, ao dispor em seu art. 225, § 1º, III:

“ Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo paraas presentes e futuras gerações.

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao PoderPúblico:

III – definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriaise seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e asupressão permitida somente através de lei, vedada qualquer utilização quecomprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.”(destacou-se)

Logo, considerando que, antes do advento da Constituição Federal de1988, vários diplomas legais já dispunham sobre a criação de espaços a seremespecialmente protegidos, estes foram recepcionados pela nova ordemconstitucional, se adequando ao novo e mais abrangente regime protetivo porela estabelecido.

Na esfera federal do ordenamento jurídico, a Lei 9.985/2000 (Lei doSNUC – Sistema Nacional das Unidades de Conservação) veio cumpririmportante papel ao regulamentar o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII dotexto constitucional, reunindo toda a regulamentação anteriormente previstaem diplomas esparsos e estabelecendo normas gerais sobre o tema.

No mesmo sentido, a Lei estadual 14.368/2002, dispondo sobre aspolíticas florestal e de proteção à biodiversidade no Estado de Minas Gerais,

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criou o Sistema Estadual e Unidades de Conservação - SEUC, elencando ascategorias de unidades de conservação e definindo seus objetivos.

Assim é que, com o advento da Carta Magna de 1988, as unidades deconservação de proteção integral, assim definidas nos arts. 8º da Lei9.985/2000 e 23 da Lei 14.368/2002 são as Estações Ecológicas, ReservasBiológicas, Parques, Monumentos Naturais e Refúgios de Vida Silvestre epossuem regimes próprios de fruição e por objetivo básico “preservar anatureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais”,conforme disciplina o art. 7º, § 1º da lei do SNUC.

Tratando especificamente do Monumento Natural, unidade deconservação eleita pelo Poder Público no Estado de Minas Gerais paraqualificar a Serra da Piedade, o art 12 da Lei 9.985/2000 prescreve que:

“ O Monumento Natural tem como objetivo básico preservar sítiosnaturais raros, singulares ou de grande beleza cênica.

§1º: O Monumento Natural pode ser constituído por áreasparticulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidadecom a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelosproprietários.”(destacou-se)

Por sua vez, a Lei estadual 14.368/2002 disciplina em seu art.23, IV:

“ O Monumento Natural, assim considerada a área ou o espécimeque apresentem uma ou mais características específicas, naturais ouculturais, notáveis ou com valor único devido à sua raridade, que podemestar inseridos em propriedade particular, desde que seja possívelcompatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dosrecursos naturais do local pelo proprietário;” (destacou-se)

Observa-se que a Lei do SNUC estabelece como finalidade precípuadas unidades de conservação de proteção integral a preservação, isto é,“manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas porinterferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributosnaturais” ( art. 2º, VI, Lei 9.985/2000), enquanto as unidades de usosustentável objetivam a conservação do meio ambiente, que possui umconteúdo um pouco menos restritivo.

Assim, as unidades de conservação de proteção integral, sejam elasfederais, estaduais ou municipais, aí incluído o Monumento Natural, sãototalmente incompatíveis com a exploração econômica que implique autilização direta dos recursos naturais existentes em seus limites, tanto quesomente poderão estar inseridas em propriedades particulares se o exercíciodo domínio for compatível com os objetivos de proteção integral. Casocontrário, tais propriedades serão regularmente desapropriadas pelo PoderPúblico, para que se possa assegurar a correta destinação e proteção daunidade (§ 2º, art.12, Lei 9.985/2000 e art. 23, IV, Lei 14.368/2002).

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Ocorre que, em total incoerência com a referida orientaçãoconstitucional, as áreas de lavra da Brumafer – tanto as que se encontram emplena atividade quanto aquelas em que a empresa possui somente autorizaçãode pesquisa mas que pretende explorar, tendo dado início ao processo delicenciamento – encontram-se totalmente inseridas nos perímetros doMonumento Natural Serra da Piedade, o que pode ser facilmentecomprovado pela análise do mapa em anexo (doc. 8).

Ora, na qualidade de unidade de conservação de proteção integral, jáestá mais do que evidente que a atividade de mineração mostra-se totalmenteincompatível com os objetivos protetivos do Monumento Natural Serra daPiedade.

O próprio Estudo de Impacto Ambiental evidencia as limitaçõesinerentes às unidades de conservação de proteção integral:

“ A CF/88 determina que, uma vez instituída a unidade de proteçãoambiental, fica vedada qualquer utilização que comprometa a integralidadedos atributos que justifiquem a sua proteção. (art 225, § 1º, inciso III).

Conforme já ressaltado, o Monumento Natural integra a categoriadas unidades de conservação de proteção integral, que diferentemente dasunidades de conservação de uso sustentável, requerem mais do que o simplesmanejo adequado dos recursos ambientais, exigindo, conforme registraRicardo Carneiro, a completa afetação de todos os atributos naturais decertas porções do território.

Nestas circunstâncias, ressalta ainda este autor, as unidades deconservação de proteção integral representam uma espécie de espaçosprotegidos que permitem a destinação integral de determinada área àproteção ambiental, não admitindo a exploração dos recursos naturais,salvo quando compatível com a categoria de manejo atribuída no ato de suacriação.” 16(destacou-se)

Da APA Municipal Água Serra da Piedade

Por fim, saliente-se que a Serra da Piedade também encontra-seabrangida por uma Área de Proteção Ambiental – APA municipal, nos termosda Lei municipal 2.335/2003: “APA Municipal Águas Serra da Piedade.”

Quanto a isso, cumpre asseverar que outra espécie do gênero “espaçosterritoriais especialmente protegidos” constitucionalmente previstos, são asunidades de conservação de uso sustentável, assim definidas no art. 14 daLei 9.985/2000 e no art. 24 da Lei 14.309/2002 a Área de ProteçãoAmbiental – APA, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta, ReservaExtrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e aReserva Particular do Patrimônio Natural, também com regimes de fruiçãoespecíficos e com objetivo básico de “compatibilizar a conservação da

16Ecodinâmica: Consultores Associados Ltda. Estudo de Impacto Ambiental -Aspectos Paisagísticos e Culturais –Serra da Piedade. Sabará e Caeté/MG. Vol. 2. Outubro/2004. (doc. 13)

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natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais” (art. 7,§ 2º, Lei 9.985/2000).

A Lei 9.985/2000 definiu a Área de Proteção Ambiental em seu art.15 como sendo:

“ uma área em geral extensa, com um certo grau de ocupaçãohumana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturaisespecialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar daspopulações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidadebiológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidadedo uso dos recursos naturais.”

Por seu turno, a Lei estadual 14.309/2002, definou em seu art. 24, I:

“ A área de proteção ambiental, assim considerada aquela dedomínio público ou privado, de extensão significativa e com ocupaçãohumana, dotada de atributos bióticos e abióticos, paisagísticos ou culturaisespecialmente importantes para a manutenção dos processos ecológicos epara a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, em cujo atode criação, fundamentado em estudo prévio e consulta pública, estejaprevisto prazo e alocação de recursos pelo poder público para o zoneamentoecológico-econômico e cujo uso tenha como objetivos básicos proteger abiodiversidade, disciplinar o processo de ocupação, assegurar e incentivar asustentabilidade do uso dos recursos naturais que se deseja proteger;”

Tendo em vista a necessidade de conciliar a possibilidade deexploração e utilização dos recursos naturais existentes no interior dasunidades de conservação de uso sustentável com o seu objetivoconservacionista, a lei impôs a necessidade de se desenvolver um Plano deManejo da unidade, documento técnico mediante o qual “com fundamento nosobjetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seuzoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dosrecursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessáriasà gestão da unidade” (art. 2º, XVII, Lei 9.985/2000).

Assim, em regra, é o Plano de Manejo da APA que dirá quais oslimites das atividades que exploram os recursos naturais ou, de qualquerforma, causam algum tipo de impacto ao meio ambiente, conforme art. 27 daLei 9.985/2000 e, até que este venha a ser definido, obviamente, as atividadesexistentes no interior da unidade deverão se pautar pela proporcionalidadenecessária à conservação dos atributos naturais da região e pela qualidade devida das populações locais.

No caso específico, a APA Água Serra da Piedade.........(VERIFICARSE EXISTE PLANO DE MANEJO DA APA SERRA DA PIEDADE).

Concluindo, uma vez mais é forçoso reconhecer a incompatibilidadedas atividades minerárias da Brumafer na Serra da Piedade, desta vez, no quetange às limitações inerentes à Área de Proteção Ambiental que a abrange,considerando que, conquanto admitidas atividades de exploração e utilização

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dos recursos naturais, é imprescindível que estas ocorram de formasustentável e regrada, o que a Brumafer não vem fazendo, o que se podeconstatar pelo imenso passivo ambiental existente na área de sua atuação,quando medidas mitigadoras e preventivas deveriam ter sido adotadas desde oinício das atividades.

2.3 – Princípio da Função “sócioambiental” da propriedade

O direito de propriedade é classificado pela doutrina civilista comoum dos direitos reais, e dentre eles, o mais amplo direito de senhorio sobreuma coisa, já que reúne as faculdades de usar, gozar e dispor de um bem eainda de reivindicá-lo de quem injustamente o possua.

No entanto, reconhecer o caráter de instituto pleno, absoluto,exclusivo e perpétuo que a propriedade possui desde o Estado Liberal,absorvido pelo nosso Ordenamento Jurídico (consubstanciado no CódigoCivil de 1916 e pelo novo Código Civil de 2002), não significa dizer que omesmo não se submeta a limitações impostas pelo interesse social. Naverdade, essas restrições sempre existiram, e continuam aumentando,gradativa e simultaneamente em relação às exigências sociais.

É o que ocorria, por exemplo, em menor grau no Direito Civil,consubstanciado no Estatuto de 1916, com as limitações do direito devizinhança (no que se refere ao uso nocivo da propriedade, ao direito deconstruir, dentre outros), e, em maior grau, agora por determinação do novoCódigo Civil de 2002, ao prever a observância das finalidades econômicas esociais no exercício da propriedade, bem como o interesse social. Também noDireito Administrativo, através de limitações administrativas que visem amanter a ordem pública e, finalmente no Direito Constitucional, com a funçãosocial da propriedade, à qual encontra-se vinculado o direito subjetivo dapropriedade, sob pena de este não ser garantido, embora seja garantidaenquanto instituição.

De fato, foi na Constituição de 1988 que a propriedade realmenteassumiu uma nova roupagem, sem que com isso, deixasse de ser garantido oseu exercício; o direito individual do proprietário uniu-se ao de função social,deixando de ser antagônicos, para comporem, juntos, o conteúdocontemporâneo do instituto17.

Nesse sentido, a lição de Roxana Cardoso:

“o atual direito de propriedade é direito subjetivo mais funçãosocial. O direito subjetivo não se transforma em função. (...). Sujeito, porém,a condicionamentos que têm se alargado no tempo.”18

17 Com esse perfil marcado pela destinação de cumprimento de uma função social é que se encontra a propriedadereconhecida na Constituição Federal, nas disposições dos artigos 5o, XXII e XXIII, 170, II e III, 176, 177 e 178,182, 183, 184, 185, 186, 181 e 222.18 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr, 1999, p. 81.

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Logo, segundo Maria Helena Diniz, no direito contemporâneo, apropriedade, enquanto direito individual, somente se legitima se atendidos osrequisitos necessários ao cumprimento de sua função social. Deve sercompreendida, portanto, na vertente da sujeição do seu exercício às limitaçõesimpostas em razão do interesse público ou da coexistência do direito depropriedade de outros titulares.19

A esse respeito, observa CRETELLA JR. que o caráter nitidamenteindividual presente nas Constituições anteriores, hoje substituiu-se por umsentido social:

“ se a propriedade, ‘total sujeição jurídica de uma coisa’, ‘domíniocompleto de um objeto corpóreo’ (Puchta), foi, até fins do Séc. XVIII,considerada como um direito subjetivo do proprietário, nos dois últimosséculos passou a ter função eminentemente social.” 20

Assim, na Constituição de 1988, que integra o ConstitucionalismoContemporâneo, no que tange à propriedade, não mais persiste a idéia de quea mesma se limita aos três elementos essenciais: homem, coisa e vínculojurídico. A partir de agora, a esses três elementos adiciona-se o interessesocial, que se traduz como manifestação do interesse público, coletivo.Podemos afirmar que a ausência de qualquer um desses quatro elementosresulta na ausência do instituto da propriedade.

Por um lado, a Lei Maior garantiu a inviolabilidade do direito depropriedade no caput do art. 5o e no inciso XXII novamente o garantiu comoum direito fundamental (o que significa que limitou o poder do Estado nocampo econômico), assegurando a existência desse instituto e proibindo,portanto sua supressão, salvo por meio de desapropriação. Por outro lado,logo em seguida, também garantiu a função social da propriedade, elevando-a a princípio fundamental dos indivíduos e da coletividade. É o que dispõe oinciso XXIII do mesmo art. 5o .

Ademais, a concepção de que a função social da propriedade operavasomente por meio de imposições negativas está afastada. Noconstitucionalismo atual, o instituto atua principalmente pela via deprestações positivas, a cargo do proprietário, sem que isso signifique,obviamente, abandono às imposições negativas. A função social dapropriedade traduz o sentido global do conteúdo e do exercício do referidoinstituto, além dos seus limites. Corresponde a uma concepção ativa,comissiva do uso da propriedade, no sentido de que fica o seu titular obrigadoa fazer, ou seja, a valer-se de seus poderes e faculdades, no sentido do bem-comum, o que não descarta a possibilidade também de uma condutaabstensionista por parte deste, no sentido de não utilizá-la de forma aprejudicar a coletividade. Portanto, a função social acarreta prestações tanto

19 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. vol 4: Direito das coisas. 17 ed. São Paulo: Saraiva,2002, p. 108.20 CRETELLA JUNIOR, José. Elementos de Direito Constitucional. 3a ed. revista, atualizada e ampliada. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 208

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de fazer como de não fazer ao seu titular, embora, geralmente, se manifestepela conduta positiva.

Nesse sentido, Álvaro Luiz Valery MIRRA salienta que deve oproprietário não somente se omitir em utilizar sua propriedade de forma anti-social, mas deve adotar comportamentos positivos:

“a função social e ambiental não constitui um simples limite aoexercício de direito de propriedade, como aquela restrição tradicional, pormeio da qual se permite ao proprietário, no exercício de seu direito, fazertudo que não prejudique a coletividade e o meio ambiente. Diversamente, afunção social e ambiental vai mais longe e autoriza até que se imponha aoproprietário comportamentos positivos, no exercício de seu direito, para quea sua propriedade concretamente se adeque à preservação do meioambiente”.21

Além disso, a partir da Constituição de 1988, a proteção do meioambiente passou a consistir em pressuposto de legitimação da propriedade,nos termos dos arts. 170, 186, II e 225. É dizer, a proteção ambiental foiprevista pela Carta Magna como um dos pré-requisitos para a configuração documprimento da função social da propriedade. O exercício dos direitosdecorrentes da propriedade em inobservância às normas de proteção ao meioambiente a tornam ilegítima.

Portanto, no regime constitucional vigente, a proteção ambiental éinerente ao exercício do direito de propriedade. É a função social queconforma e garante a propriedade. Ora, encontramos uma verdadeira funçãoambiental inserida na função social. Portanto, a proteção ambiental encontra-se inserida no exercício constitucional da propriedade. Nesse sentido, ensinaAntônio Herman Benjamin que a tutela do meio ambiente, quandoconfrontada com o direito de propriedade, em geral, lhe é logicamenteantecedente. É dizer, inexiste direito de propriedade pleno na ausência desalvaguarda ambiental. Isso porque a proteção do meio ambiente no nossosistema constitucional não consiste em incumbência imposta sobre o direitode propriedade, mas uma função nele inserida e dele sendo fragmentoinseparável.22

Daí, verificamos no texto Constitucional a existência de uma funçãoambiental da propriedade que decorre da função social, como um de seusrequisitos. Portanto, ao se falar em função ambiental da propriedade, estamosnos referindo à função social, no que tange aos requisitos de proteçãoambiental.

Não se trata de simples limitação decorrente de intervenções atinentesao poder de polícia. Ou seja, a proteção do meio ambiente não se trata de

21 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do Direito Ambiental. Revista de Direito Ambiental. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, n. 2, 1996, P. 59-60.22 BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos . Reflexões sobre a hipertrofia do direito de propriedade na tutela dareserva legal e das áreas de preservação permanente. Revista Forense. Rio de Janeiro, Forense: 1997, vol. 340, p.48-49.

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mera incumbência imposta sobre o direito de propriedade, mas uma funçãoinserida no direito de propriedade, dele fazendo parte inseparável.

Roxana Cardoso considera a função ambiental da propriedade comodupla, por proteger não apenas os interesses difusos de defesa do meioambiente, mas também o do particular, enquanto proprietário, de seuspróprios abusos.23

Observe-se, assim, que a afirmação da função social e ambiental dapropriedade tem por pressuposto o reconhecimento de que as coisas, enquantobens jurídicos, apresentam o que se pode denominar de um potencialaxiológico, ou seja, apresentam, de acordo com sua natureza específica, aqualidade de promover a realização de valores jurídico-sociais consagrados naordem constitucional. É esse reconhecimento que faz com que o ordenamentoacople ao plano da função pessoal, o plano da função social, afirmando,assim, que não basta ao proprietário, ao realizar seu direito, buscar asatisfação de seus interesses pessoais. Através desses, deverá promovertambém a realização dos valores sociais hábeis a serem alcançados emrazão do potencial axiológico específico do objeto da situação jurídica deque é titular – e no caso dos autos temos que destacar mais uma vez que aSerra da Piedade, além de ser objeto de três tombamentos, encontra-seinserida em um Monumento Natural.

Com efeito, no caso dos autos, não é outra, senão a funçãosócioambiental, que deixou de ser atendida pela Brumafer quando deu início àexploração minerária sem a prévia aprovação dos órgão de proteção histórico-cultural, quais sejam – IPHAN, IEPHA e Municipalidade, além de promovera referida exploração de forma desordenada e sem adotar os critérios mínimosde prevenção e mitigação de danos, causando, assim, sérias lesões aopatrimônio histórico e natural da Serra da Piedade.

Logo, a proteção do patrimônio histórico, cultural, paisagístico enatural da Serra da Piedade, direito transindividual em sua vertente difusa,tendo como titulares um número indeterminável de pessoas, posto que suatutela visa resguardar interesses inclusive das gerações futuras, deveprevalecer, in casu, sobre o direito individual de propriedade daBrumafer.

Nesse sentido, pertinente transcrever a lição de Gustavo Tepedino, aojustificar a sobreposição dos valores sociais aos individuais em circunstânciascomo as ora enfrentadas:

“Quando se trata do direito de propriedade, entre defender o valorindividual e defender o valor social, o direito brasileiro fez uma opção clara:defendeu o valor social (dimensão valorativa:função social).

O direito de posse e propriedade existem e devem ser garantidos eprotegidos somente quando atendida a função social (aplicação imediata dosdireitos e garantias fundamentais).(...)

23 BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Função Ambiental da propriedade rural. São Paulo: LTr, 1999, p. 99.

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Dessa forma, propõe-se um conceito técnico-jurídico dúctil edinâmico da função social, com base nos valores constitucionais, forjado nãode forma abstrata e genérica, mas no âmbito da relação concreta em que seinsere o domínio, em face das demais situações jurídicas com queinterage.”24 (destacou-se).

2.4 - Princípio da Precaução

Um dos princípios basilares do Direito Ambiental consiste,precisamente, no princípio da precaução, o qual informa o ordenamentojurídico no sentido de condicionar a atuação dos agentes públicos e privados àbusca da redução máxima do risco de degradação do meio ambiente,exigindo-se, assim, do Poder Público e dos agentes econômicos, que atuemaquém de uma faixa de constituição do perigo de dano aos recursosambientais. Por conseqüência, em sede de formulação e implementação depolíticas ambientais, não basta afastar-se a possibilidade concreta de danoambiental, é preciso que tais políticas orientem-se no sentido de nãoestabelecerem situações de risco, de probabilidade dessa espécie de dano.

Nota-se, portanto, que, segundo o princípio da precaução, cabe àAdministração Pública, por intermédio dos órgãos ambientais, estabelecerrigoroso padrões de controle ambiental, que afastem não só a eventualidadeconcreta de situações de degradação ambiental, como também o própriorisco de surgimento de tais situações. Em outras palavras, por esteprincípio, não se admite que o Poder Público, assim como os agenteseconômicos, “joguem dados com a sorte”, submetendo os bens, recursos evalores sócio-ambientais a riscos de deterioração. Tal princípio encontraconsagração expressa no art. 225, §1º, V e VII, da Constituição da República,que dispõe:

“Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo paraas presentes e futuras gerações.

§1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao PoderPúblico:

....................................................................V — controlar a produção, a comercialização e o emprego de

técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, aqualidade de vida e o meio ambiente;

......................................................................VII — proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as

práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinçãode espécies ou submetam os animais a crueldade.” (destacou-se)

24TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. O Papel do Poder Judiciário da Efetivação daFunção Social da Propriedade in Questões Agrárias-Julgados comentados e pareceres, p. 91-131.

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Observe-se que tais dispositivos constitucionais demonstram asubordinação dos atos dos órgãos ambientais e da conduta dos agenteseconômicos a um dever geral de cautela, quando, de tais atos ou condutas,possam decorrer interferências negativas no patrimônio sócio-ambiental dacoletividade. Por outro lado, a expressa consagração do princípio daprecaução induz uma modificação substancial da postura do Estado face àsatividades potencialmente poluidoras, consubstanciada no abandono datolerância às práticas que venham a gerar riscos ambientais, em prol de umaapuração rigorosa e antecipada das interferências possíveis que tais atividadesvenham provocar nos sistemas sócio-ambientais. Como adverte Álvaro LuizValery Mirra,

“(...) é importante compreender que a adoção do princípio daprecaução significou a consagração definitiva de um novo enfoque nacriação, na interpretação e na aplicação do direito ambiental, que é oenfoque da prudência e da vigilância no trato das atividades potencialmentedegradadoras do meio ambiente, em detrimento do enfoque da tolerânciacom essas atividades.

Observe-se que essa visão, apesar de ter sempre contado com o apoiodos estudiosos na matéria, vinha, na verdade, encontrando muitasresistências, seja por parte do legislador, ao cuidar do assunto na sua esferade atribuição, seja por parte do administrador público na execução dalegislação e dos programas de ação na área ambiental, seja, finalmente, porparte de juízes e tribunais, ao resolverem os litígios nos julgamentos dasdemandas que envolvem a proteção do meio ambiente.

A partir da consagração do princípio da precaução, é bem de ver,não pode mais haver dúvidas de que o direito ambiental no Brasil é o direitoda prudência, é o direito da vigilância no que se refere à degradação daqualidade ambiental e não o direito da tolerância com condutas e atividadeslesivas ao meio ambiente. Esse o enfoque que deve prevalecer em todaatividade de aplicação do direito nessa área, inclusive na esfera judicial.”25(destacou-se)

Assim, o que o ordenamento jurídico pretende ver inibido não são sóas técnicas e condutas causadoras de dano ao meio ambiente, mas assimaquelas que submetem o mesmo a risco de dano, privilegiando-se posturaspreventivas que sejam também cautelosas. Em outras palavras, o parâmetroadotado pelo Estado, na formulação e implementação de políticas e decisõesconcernentes à utilização de bens, recursos e valores paisagísticos-ambientaisnão é o da plausibilidade do evento danoso mas sim o do risco desurgimento desta mesma situação de plausibilidade.

Não por outra razão, observa Paulo Affonso Leme Machado que oprincípio da precaução ordena “agir no presente, para não se ter que chorar elastimar no futuro”, devendo estar presente “para impedir o prejuízoambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissõeshumanas”.26

25 MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Direito Ambiental: O Princípio da Precaução e sua Aplicação Judicial.in: Revista de Direito Ambiental, a. 6, n. 21, jan-mar. 2001, p. 9826 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

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Impondo o princípio da precaução, ao Poder Público, rigor noexercício de suas competências ambientais, surge, em conseqüência, para osórgãos ambientais, a obrigação de não permitir o desenvolvimento deatividades modificadoras do meio ambiente, caso haja dúvida sobre suaviabilidade ambiental e cultural. De outra parte, esse mesmo princípio,refletindo-se sobre a esfera jurídica dos agentes econômicos, impõe-lhes, demodo inafastável, o ônus de demonstrar cabalmente que suas atividades nãoprovocarão degradação do meio ambiente ou provocarão impactospaisagísticos-ambientais insusceptíveis de prevenção, mitigação oucompensação, como adverte Édis Milaré:

“(...) a “Conferência da Terra” — ou ECO 92 — adotou em seuideário o conhecido princípio da precaução, segundo o qual a ausência decerteza científica absoluta não deve servir de pretexto para procrastinar aadoção de medidas efetivas visando a evitar a degradação do meio ambiente.Vale dizer, a incerteza científica milita em favor do ambiente, carregando-seao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarãoconseqüências indesejadas ao meio considerado.”27

Ora, o procedimento do Estudo de Impacto Ambiental e respectivoRelatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), de assento constitucional(CR/88, art. 225, §1º IV), define-se exatamente como o meio fundamentalpelo qual, no direito ambiental brasileiro, se efetiva o princípio da precaução.Nesse sentido, define-o José Afonso da Silva, para quem o EIA/RIMA podeser concebido como “um meio de atuação preventiva, que visa evitar asconseqüências danosas, sobre o ambiente, de um projeto de obras, deurbanização, ou de qualquer atividade”28.

Da mesma maneira, posicionam-se Édis Milaré e Antonio Herman V.Benjamin:

"O objetivo central do estudo de impacto ambiental é simples: evitarque um projeto (obra ou atividade), justificável sob o prisma econômico ouem relação aos interesses imediatos de seu proponente, se reveleposteriormente nefasto ou catastrófico para o meio ambiente. Valoriza-se, naplenitude, a vocação essencialmente preventiva do Direito Ambiental,expressa no conhecido apotegma: é melhor prevenir que remediar (mieuxvaut prévenir que guérir)."29

Nesse sentido, forçoso se faz concluir que o procedimento em questãoorienta-se pela idéia de estabelecer as bases seguras para se concluir pelaviabilidade cultural-ambiental de planos ou projetos de obras ouatividades modificadoras do meio ambiente.

27 MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. São Paulo: RT, 2000, p. 103.28 SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Ambiental. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 196-729 MILARÉ, Édis e BENJAMIN, Antonio Herman V. Estudo Prévio de Impacto Ambiental: teoria,prática e legislação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 13

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De fato, para garantir a efetiva implementação dos escoposfundamentais da Política Nacional do Meio Ambiente, a Lei Federal n.º6.938/81, em seu art. 9º, estrutura uma série de instrumentos de atuação doPoder Público, dentre os quais, além da “a avaliação de impactos ambientais”(art. 9º, III), destaca-se “o licenciamento e a revisão de atividades efetiva oupotencialmente poluidoras” (art. 9º, IV). Mais adiante, seu art. 10 delineia odiploma a natureza específica do procedimento de licenciamento em questãoao preceituar que:

"Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento deestabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais,considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sobqualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de préviolicenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacionaldo Meio Ambiente — SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente edos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA, em caráter supletivo, semprejuízo de outras licenças exigíveis."

Regulamentando tal dispositivo, o art. 19 do Decreto Federal n.º99.274, de 6 de junho de 1990 dispõe que o Poder Público, no exercício desua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:

I — Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento daatividade, contendo requisitos básicos a serem atendidos nas fases delocalização, instalação e operação, observados os planos municipais,estaduais ou federais de uso do solo;

II — Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação,de acordo com as especificações constantes do Projeto Executivo;

III — Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificaçõesnecessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seusequipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nasLicenças Prévia e de Instalação.

Nota-se, pois, que, no tocante às atividades econômicasmodificadoras do meio ambiente, o ordenamento jurídico estabelece umregime que subordina seu desenvolvimento regular à obtenção deautorizações específicas do Poder Público.

E, assim, tendo como paradigma o princípio da precaução acimaexposto repisamos algumas questões:

1) um primeiro ponto que deve ser ressaltado é a exigência de préviaautorização dos órgãos de proteção do patrimônio histórico e cultural (entesfederal, estadual e municipal), diante da determinação dos arts. 17 e 18 doDecreto-Lei nº 25/1937, para a realização de intervenções em bens tombadosou localizados nas proximidades de bens tombados;

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2) observa-se, ainda, que o Município de Caeté/MG, através da Leinº2.335/03, criou a APA Municipal Águas Serra da Piedade. Assim, além daparticipação dos órgãos de proteção histórico, paisagístico e culturalmunicipal, estadual e federal, o Município de Caeté/MG, ainda que não seafigure a Municipalidade como competente para o licenciamento ambiental,dele participa emitindo anuência prévia, nos termos da Resoluçãonº10/1998 do CONAMA que assim dispõe em seu art.7º:

“Art. 7º - Qualquer atividade industrial potencialmente capaz decausar poluição, além da licença ambiental prevista na Lei n. 6938 de 31 deagosto de 1981, deverá também ter uma licença especial emitida pelaentidade administradora da APA.” (destacou-se).

3) O ilustre jurista Paulo Affonso Leme Machado preceitua que

“A Constituição Federal, com grande acuidade, previu que as'autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas outransferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder cedente'(art.176, §3º). Assim, o DNPM tem o dever de não permitir a cessão ou atransferência da propriedade e ou gestão das minas para 'empresa-fantasma' ou que não tenham capacidade econômica-financeira deexecutar integralmente a recuperação.”30.

Desta feita, temos que se no momento da concessão feita pelo DNPM- e aqui acrescentamos a FEAM e o COPAM - deve ser analisada a condiçãoeconômico-financeira da empresa o que dirá da importância desta análise noprocedimento de licenciamento ambiental.

No entanto, oficiada pelo Ministério Público Federal para informar sea empresa Brumafer comprovou, nos procedimentos de licenciamentoambiental, ter capacidade econômico-financeira de arcar com a recuperaçãodas áreas por ela mineradas, tanto as que compõem o seu passivo ambiental,quanto aquelas cujo licenciamento ora se pleiteia, a Fundação Estadual deMeio Ambiente – FEAM – informou que não foi exigida ou pesquisada acapacidade econômico-financeira da Brumafer no momento de análise econcessão das licenças ambientais para mineração na Serra da Piedade eque, embora a Brumafer tenha apresentado, em 24/03/2003, Plano deReabilitação das Áreas Degradadas – PRAD das áreas situadas no entornoimediato à área de tombamento do Santuário da Serra da Piedade(tombamento federal), não foi mencionado tal aspecto. (doc. 23)

Ademais, em uma análise das informações prestadas pelas ReceitasFederal e Estadual, Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e Advogado-Geral do Estado no que diz respeito à existência de inúmeros créditostributários inscritos em dívida ativa, procedimentos fiscais em curso ouprocessos de natureza fiscal contra a Brumafer (doc. 24) em contraposiçãocom o atual patrimônio da referida empresa, declinado na sua últimaDeclaração de Imposto de Renda (doc. 25), constata-se que a Brumafer 30MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo:

Malheiros, 2004, p.656/657.

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Mineração Ltda. não possui patrimônio suficiente para responder com oscustos de recuperação ambiental das novas minas que pretendeexplorar.......Aguardando resposta da Receita Federal.

2.5 – Princípio do Poluidor-Pagador

A vida em sociedade pressupõe um complexo de relações decorrentesde interesses de toda ordem.

Quando um interesse protegido pelo Direito é injustamente lesionado,imperioso torna-se seu ressarcimento por quem o feriu, configurando-se,assim, o instituto da responsabilidade civil, que encontra fundamento no doDireito das Obrigações, consubstanciado no brocardo neminem laedere (nãolesar o próximo), podendo originar-se de ato ilícito, não cumprimento decontrato firmado, ou na própria lei, implicando em uma reparação civil (dolatim, reparare, restabelecer, restaurar), consistente na recomposição do danoou na indenização pelo prejuízo causado.

Nesse sentido o Código Civil de 2002 dispõe que:

“Art. 186: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligênciaou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda queexclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano aoutrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano,independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando aatividade normalmente desenvoldida pelo autor do dano implicar, por suanatureza, risco para os direitos de outrem."

Logo, no ordenamento jurídico brasileiro atual, coexistem duasespécies de responsabilidades civis: uma tradicionalmente fundada na culpa(subjetiva), e outra objetiva, decorrente de uma necessidade verificada pelopróprio Estado, ao longo do tempo, em prestar uma tutela adequada adeterminadas relações travadas no seio da sociedade para as quais atradicional responsabilidade subjetiva não se mostrava eficiente.

Com efeito, à medida em que as atividades humanas se expandem,menos controláveis se vão tornando. Daí porque a responsabilidade civilcomeçou a exorbitar de seus domínios, deixando , agora, de implicar, para ocidadão, a responsabilidade, tão somente, para aqueles fatos que se encontremem seu derredor, para ir abranger, também, aqueles outros, muitos, que jáfogem a seu controle e a sua guarda. É o direito civil rumo ao direito público,o social primando sobre o individual. Nesse contexto, tendo em vista, ainda asinúmeras situações de inconveniência da responsabilidade subjetiva, havendonecessidade de demonstração de culpa ou dolo do agente, mesmo em

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circunstâncias em que a parte prejudicada já estaria em posição dedesvantagem em relação ao agente, em face do tipo de atividadedesenvolvida, e, ainda, tendo em vista a contribuição de juristas edoutrinadores, surge a teoria objetiva da responsabilidade civil, baseada naausência de culpa, ou na “teoria do risco”.

Segundo a “teoria do risco”, o indivíduo que, ao criar e desenvolversua atividade, cria, juntamente, riscos para terceiros, fica, então, obrigado areparar qualquer dano àquele causado, ainda que sua atividade e sua atitudeestejam isentos de culpa. Mesmo um industrial que desenvolva atividadespotencialmente lesivas ao meio ambiente e, esteja precavido com relação àocorrência dos danos, devidamente licenciado perante o Podr Público eadotando os sistemas de segurança exigidos, e, ainda assim, ocorra o dano,terá o dever de indenizar ou recuperar. O próprio exercício da atividade já trazem si a probabilidade do dano, ou o risco do dano. E é justamente essapossibilidade latente de dano que possibilita à vítima a garantia da respectivareparação.

Assim é que, no ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilidadecivil decorrente de danos causados ao meio ambiente é objetiva, fundada nateoria do risco, exigindo, em regra, tão somente a comprovação do dano e donexo de causalidade.

Nesse sentido, confira-se a previsão constitucional do § 3º do art. 225,e ainda, o art. 14, § 1º da Lei 6.938/81, que trata da Política Nacional do MeioAmbiente, recepcionada pela Carta Magna e 1988:

“Art. 225 .....................................................................§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente

sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais eadministrativas, independentemente da obrigação de reparar os danoscausados.

Art. 14............................................................................§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é

o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ureparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por suaatividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidadepara propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causadosao meio ambiente”

Em se tratando, especificamente, de atividade minerária, o mesmo art.225 da Constituição Federal em seu § 2º, reforça ainda mais aresponsabilidade do causador do dano:

“§ 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado arecuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnicaexigida pelo órgão público competente, na forma da lei.”

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Por sua vez, o art. 19 da Lei 7.805/89, que alterou o Decreto-Lei227/67 (Código de Minas) dispõe que:

“o titular de autorização de pesquisa, de permissão de lavragarimpeira, de concessão de lavra, de licenciamento ou de manifesto de minaresponde pelos danos causados ao meio ambiente.”

De outra parte, o art. 47, VIII do Decreto-lei nº 227, de 28 defevereiro de 1967 (Código de Minas) também estabelece a responsabilidadedos que se dedicam à exploração minerária, de responder pelos danos eprejuízos a terceiros, que resultarem, direta ou indiretamente, da lavra.

Ora, uma das justificativas que levaram o legislador a disciplinar umaresponsabilidade objetiva para os danos ambientais é justamente a naturezadestes.

Com efeito, o dano ambiental, em regra, é irreversível, atinge umnúmero difuso de titulares e possui efeito que se prolonga no tempo,restringindo, assim, a qualidade de vida de várias gerações.

Sendo assim, com mais razão se afirma a responsabilidade objetivaem face de danos ambientais causados por atividades minerárias, já que estas,por sua própria natureza, implicam, necessariamente, na ocorrência de danosao meio ambiente. Nesse sentido, Paulo Affonso Leme Machado leciona que:

“ A abertura de cava – escavação em terreno plano ou em morro,executada para a lavra mineral – vai ensejar a obrigação da recuperação daárea, pois modifica a fertilidade do solo, a topografia e a paisagem da área.De um lado, buracos vão sendo abertos e, de outro lado, pilhas de estéreis ede rejeitos vão sendo feitas. O empreendedor pode apresentar um projeto derecuperação, que, entretanto, dependerá da concordância do órgãocompetente. Conforme a Constituição Federal não basta recuperar o meioambiente degradado consoante a opinião de quem explora o recursoambiental, mas é necessário que a recuperação seja feita de acordo com asolução técnica indicada pelo órgão público.”31

Outrossim, entende-se que o instituto da responsabilidade civil pordano ambiental representa a aplicação do princípio do “poluidor-pagador”,segundo o qual a responsabilidade imputada ao agente poluidor ocupa-se dareparação dos danos causados ao meio ambiente. Seria, desta forma, umatécnica puramente reparatória. Contudo, a doutrina moderna, tem apontado aprevenção de danos futuros como o principal objetivo da responsabilidadecivil.

Nesse aspecto o princípio do “poluidor-pagador” deve sercompreendido em um sentido mais amplo, impondo, previamente, além daresponsabilidade pela reparação de danos, o dever de internalização doscustos relativos externos de deterioração ambiental pelo empreendedor. Ou

31MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

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seja, o causador da poluição deve arcar com os custos necessários àdiminuição, eliminação ou neutralização deste dano. Ele pode inclusive,desde que isso seja compatível com as condições da concorrência nomercado, transferir estes custos para o preço do seu produto final. Impõe-seao sujeito econômico (produtor, consumidor, transportador), que nesta relaçãopossa causar um problema ambiental, arcar com os custos da diminuição ouafastamento do dano. Tais medidas passando a ser obrigatórias, mesmo para olicenciamento e início de atividades econômicas degradadoras do meioambiente, tomam um caráter preventivo e, a longo prazo mais benéfico evantajoso para o Empreendimento que as adota, visto que a indenização queteria que arcar, no caso de ocorrência do dano, por não haver adotado asmedidas de cautela, poderia vir a ser infinitamente maior do que oinvestimento dispendido para adequação de seu negócio de acordo comasexigências “limpas”, mesmo porque o dano, não raras vezes, é irreversível, e,portanto, insuscetível de valoração econômica.

Confira-se a lição de Antônio Herman Vasconcelos Benjamin:

“Ao obrigar o poluidor a incorporar nos seus custos o preço dadegradação que causa – operação que decorre da incorporação dasexternalidades ambientais e da aplicação do princípio do poluidor-pagador –a responsabilidade civil proporciona o clima político-jurídico necessário àoperacionalização do princípio da precaução, pois prevenir passa a sermenos custoso que reparar”32

Oportuno, ainda, mencionar os ensinamentos de Celso AntônioPacheco Fiorillo:

“ Este princípio reclama atenção. Não traz como indicativo 'pagarpara poder poluir', 'poluir mediante pagamento' ou 'pagar para evitar acontaminação'. Não se podem buscar através dele formas de contornar areparação do dano, estabelecendo-se uma liceidade para o ato poluidor,como alguém pudesse afirmar: 'poluo, mas pago'.

O seu conteúdo é bastante distinto. Vejamos.Podemos identificar no princípio do poluidor-pagador duas órbitas

de alcance: a) busca evitar a ocorrência de danos ambientais (caráterpreventivo); e b) ocorrido o dano, visa sua reparação (caráter repressivo).

Desse modo, num primeiro momento, impõe-se ao poluidor o deverde arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente que asua atividade possa ocasionar. Cabe a ele o ônus de utilizar instrumentosnecessários à prevenção dos danos. Numa segunda órbita de alcance,esclarece este princípio que, ocorrendo danos ao meio ambiente em razão daatividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação.”33

Logo, em se tratando de mineração, tal atividade deve sercuidadosamente planejada e tão-logo iniciada a sua execução, devem ser

32BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos. Responsabilidade Civil por Dano Ambiental.Jurinformática Wide Soft (http://www.jurinforma.com.br)33FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4 ed ampl. São Paulo:Saraiva, 2003.

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adotadas medidas mitigadoras que continuarão por todo o processo produtivo,simultaneamente a este. Assim, ao final, os impactos gerados,antecipadamente previstos, serão mínimos e, em conseqüência, a suareparação representará um custo menor para o empreendedor e um prejuízotambém menor para a sociedade.

É por esta razão que a conduta da Brumafer no desenvolvimento deatividade minerária na Serra da Piedade deveria ter se pautado minimamentepela adoção de medidas mitigadoras e preventivas adequadas, considerando agravidade da repercussão de suas atividades, a fim de minimizar os impactosnecessários e até mesmo irreversíveis.

No entanto, conforme já explanado, a realidade que se verifica nolocal de exploração minerária da Brumafer na Serra da Piedade é outra. Os jámencionados Laudos de Vistorias realizados por inúmeras instituições,inclusive o Ministério Público Estadual, por meio do Centro de ApoioOperacional às Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente,Patrimônio Cultural, Urbanismo e Habitação – CAO-MA, constataram apresença de um grande passivo ambiental. Nesse sentido, a conclusão doLaudo de Vistoria elaborado pelo CAO-MA (doc. 16):

“Cumpre-nos tecer que, tendo em vista a situação presente, faz-senecessário que sejam tomadas providências visando a imediata recuperaçãodas áreas degradadas pela lavra executada de forma “clandestina”, bemcomo, das áreas que apresentam os imensos passivos constatados e que seencontram paralisadas e sem manutenção, provocando uma degradaçãocrescente com o tempo. Tal recuperação ambiental, bem como areconformação topográfica desses terrenos deverão ser executados atravésde projetos específicos aprovados e fiscalizados pelos órgãos públicoscompetentes.”

De fato, uma vez que a referida empreendedora não adotou asmedidas preventivas adequadas na execução de suas atividades, tendo geradoum considerável passivo ambiental na localidade de exploração, impõe-se,neste momento, no mínimo, a efetiva recomposição paisagística, emobediência às diretrizes a serem estabelecidas pelo IPHAN e pelo IEPHA,independentemente de outras a serem fixadas por órgãos públicos quedetenham competência para autorizar no processo de licenciamento. Semfalar, ainda, na indenização pelos danos irreversíveis.

Agravando ainda mais a situação, verifica-se que a ré desrespeitouflagrantemente ordem exarada pela autoridade competente, qual seja, anotificação extrajudicial promovida pelo IPHAN que determinou arecomposição paisagística da área em questão. (doc. 26).

Ora, a empresa vem procedendo à exploração da lavra na região hámais de trinta anos e mesmo notificada em 05 de setembro de 2001 paraproceder à devida recomposição paisagística alega que a mesma já seencontra prevista no EIA/RIMA, sem contudo efetivá-la, optando pela

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simples e arbitrária desobediência ao comando proveniente do IPHAN, emexercício legítimo do poder de polícia administrativa .

Assim, impõe-se não só impedir a continuidade de todas asirregulares atividades da mineradora, como também impeli-la àreconformação da área da maneira mais adequada à garantia de preservaçãodo patrimônio cultural envolvido, na forma determinada pelo IPHAN e pelosórgãos ambientais, bem como à compensação de eventuais danos porventurairreparáveis.

Cumpre ressaltar, ainda, que devem ser totalmente afastadas asjustificativas apresentadas pela Brumafer no momento em que foramrealizadas vistorias na área de sua exploração minerária, no sentido deimputar a responsabilidade da recomposição de algumas áreas degradadas aantigos trabalhos de lavra realizados por terceiros, no caso, a MIPRISA, emface do caráter propter rem da obrigação de reparação.

É com base nesse entendimento que Édis Milaré invocaposicionamento jurisprudencial no sentido de se impor ao proprietário rural odever de recomposição da vegetação em áreas de preservação permanente ereserva legal, ainda que não tenha sido ele o responsável pelo desmatamento,é válido dizer, sem constatação do nexo de causalidade. Caracteriza talobrigação como portadora de caráter real – propter rem -, ou seja, umaobrigação que se prende ao titular do direito real, seja ele quem for, bastandopara tanto sua simples condição de proprietário ou possuidor.34

Confira-se a orientação emanada da Corte Superior de Justiça:

ADMINISTRATIVO. RESERVA FLORESTAL. NOVOPROPRIETÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA.

1 . O novo adquirente do imóvel é parte legítima passiva pararesponder por ação de dano ambiental, pois assume a propriedade do bemrural com a imposição das limitações ditadas pela Lei Federal.

2. Cabe analisar, no curso da lide, os limites da suaresponsabilidade.

3. Recurso provido.”35

O relator do referido acórdão, Ministro José Delgado, defendeu emseu voto o entendimento de que ocorre a transmissão para o novo adquirentetambém das obrigações inerentes ao imóvel rural que adquiriu. Assumiu osfundamentos desenvolvidos pela Procuradoria-Geral de Justiça do Paraná,apelante, nos seguintes termos:

“(...) Os requerido vêm causando dano ambiental em suapropriedade, infringindo o que dispõem os arts. 2o e 16 do Código Florestal,Lei 4771/65. (...) Em nosso sistema legal está pacificamente assentado oprincípio de que todo dano qualquer que seja sua espécie, deve ser

34 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 2 ed. rev. , atual. e ampl. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 121.35STJ, Resp 222.349/PR, Primeira Turma, Rel. Ministro José Delgado, DJ 02.05.2000.

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indenizado ou reparado, seja no plano civil (art. 159) ou no âmbito doDireito Ambiental, seja a nível constitucional. (...) Vige assim, segundoAntônio Herman V. Benjamin, o princípio do poluidor-pagador, onde, ‘Oprincípio poluidor-pagador não é um princípio de compensação dos danoscausados pela poluição’. Seu alcance é mais amplo, incluídos todos oscustos da proteção ambiental, e ‘quaisquer que eles sejam’, abarcando, anosso ver, os custos de prevenção, de reparação e de repressão do danoambiental, assim como aqueles outros relacionados com a própriautilização dos recursos ambientais, particularmente os naturais, que têmsido historicamente encarados como dádivas da natureza, de uso gratuitoou custo marginal zero.’ (Antônio Herman Benjamin, dano ambiental,reparação e repressão, São Paulo, RT, 1993, vol. 2, p. 231). Desta forma,não há que se falar em ausência de responsabilidade pelos danos causados,tampouco argüir ilegitimidade passiva ad causam, mesmo porque osTribunais têm se manifestado, reiteradamente, no sentido de que todo danodeve ser recuperado independente da existência ou não de culpa, daí advém apossibilidade jurídica do pedido(...).(destacou-se)”36

Na mesma esteira, se seguiram os julgamentos dos RecursosEspeciais 282.781, 343.741, 217.858 e 263.386, em que foram relatores osMinistros Eliana Calmon, Franciulli Netto e João Otávio de Noronha,respectivamente:

“ADMINISTRATIVO. DANO AO MEIO AMBIENTE.INDENIZAÇÃO. LEGITIMAÇÃO PASSIVA DO NOVO ADQUIRIRENTE.

1 – A responsabilidade pela preservação e recomposição do meioambiente é objetiva, mas se exige nexo de causalidade entre a atividade doproprietário e o dano causado ( Lei 6938/81).

2 – Em se tratando de reserva florestal, com limitação imposta porlei, o novo proprietário, ao adquirir a área, assume o ônus de manter apreservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenhacontribuído para devastá-la.

3 – Responsabilidade que independe de culpa ou nexo causal, porqueimposta por lei.

4- Recurso especial provido.”37

“RECURSO ESPECIAL. FAIXA CILIAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃOPERMANENTE. RESERVA LEGAL. TERRENO ADQUIRIDO PELORECORRENTE JÁ DESMATADO. IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃOECONÔMICA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. OBRIGAÇÃOPROPTER REM. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA.

As questões relativas à aplicação dos artigos 1o e 6o da LICC e, bemassim, à possibilidade de aplicação da responsabilidade objetiva em ação

36STJ, Resp 222.349/PR, Primeira Turma, Rel. Ministro José Delgado, DJ 02.05.2000.37 STJ, RESP 282.781, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ 27.05.2002.

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civil pública, não foram enxergadas, sequer vislumbradas, pelo acórdãorecorrido.

Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade,incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, demaneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonasnão podem servir como pastagens.

Não há cogitar, pois, de ausência de nexo causal, visto que aqueleque perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outrem está, ele mesmo,praticando o ilícito.

A obrigação de conservação é automaticamente transferida doalienante ao adquirente, independentemente deste último terresponsabilidade pelo dano ambiental.

Recurso especial não conhecido.”38

“RECURSO ESPECIAL. ALÍNEAS “A” E “C”. PROPRIEDADERURAL. ATIVIDADE AGRO-PASTORIL. RESERVA LEGAL. TERRENOADQUIRIDO PELO RECORRENTE JÁ DESMATADO. AÇÃO CIVILPÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ADQURENTE DOIMÓVEL. EXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 16, ALÍNEA “A” E § 2ºDA LEI 4.771/65; 3º E 267, IV, DO CPC. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOART. 535, II DO COPA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃOCONFIGURADA.

Tanto a faixa ciliar quanto a reserva legal, em qualquer propriedade,incluída a da recorrente, não podem ser objeto de exploração econômica, demaneira que, ainda que se não dê o reflorestamento imediato, referidas zonasnão podem servir como pastagens.

Aquele que perpetua a lesão ao meio ambiente cometida por outremestá, ele mesmo, praticando o ilícito. A obrigação de conservação éautomaticamente transferida do alienante ao adquirente, independentementedeste último ter responsabilidade pelo dano ambiental.

Na linha do raciocínio acima expendido, confira-se o RecursoEstpecial n. 343.741/PT, cuja relatoria coube a este signatário, publicado noDJU de 07.10.2002.

Recurso especial provido para afastar a ilegitimidade passiva adcausam do requerido e determinar o retorno dos autos à Corte de origempara exame das demais questões envolvidas na demanda”. 39

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RESERVAFLORESTAL. NOVO PROPRIETÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

A responsabilidade por eventual dano ambiental ocorrido em reservaflorestal é objetiva, devendo o proprietário das terras onde se situa tal faixaterritorial, ao tempo em que conclamado para cumprir obrigação dereparação ambiental e restauração da cobertura vegetal, responder por ela.

38 STJ, RESP 343.741/PR, Segunda Turma, Rel. Ministro Franciulli Netto, DJ 07.10.2002.39STJ, RESP 217.858/PR, Segunda Turma, Rel. Ministro Franciulli Netto, DJ, 19.12.2003.

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A reserva legal que compõe parte de terras de domínio privadoconstitui verdadeira restrição do direito de propriedade. Assim, a aquisiçãoda propriedade rural sem a delimitação da reserva legal não exime o novoadquirente da obrigação de recompor tal reserva.

Recurso especial conhecido e improvido”.40

De qualquer forma, o que não se pode perder de vista é que aalienação do imóvel contendo passivo ambiental não pode representar umentrave à sua recuperação. O proprietário responde pela situação de suapropriedade. Se esta é irregular, contrária aos dispositivos legais, então, cabea ele regularizá-la. Além do mais, se este se sentir prejudicado, de acordo comos direitos das obrigações, disposto no vigente Código Civil, poderá reclamardireito de regresso contra o verdadeiro causador do dano. Mas essa é outraquestão que será resolvida posteriormente, entre adquirente e alienante.

Assim, impõe-se a recuperação das áreas degradadas pela Brumafer, oque deve ocorrer de acordo com critérios e diretrizes a serem aprovados efiscalizados pelo IPHAN, IEPHA, e demais órgãos ambientais competentes,de modo a preservar as características e formações peculiares da serra daPiedade.

DOS DANOS MORAIS COLETIVOS

Sem prejuízo da indenização pelos danos materiais irreversíveisimpõe-se no caso vertente, também, a condenação da Brumafer àreparação dos danos extrapatrimoniais (danos morais coletivos)resultantes de sua ação degradadora do patrimônio cultural e ambientaldo país, com conseqüentes repercussões negativas para toda acoletividade.

Como se sabe, todos são titulares do direito de fruição dos bensambientais e culturais, direito humano fundamental, de natureza difusa,já que aqueles se constituem em bens de uso comum do povo,essenciais à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações e àgarantia da dignidade da pessoa humana.

Por conseqüência lógica, obviamente que a coletividade, diantede um prejuízo ambiental, sem qualquer sombra de dúvidas, pode serafetada quanto a seus valores imateriais, face ao sentimento coletivo dedesapreço, à intranqüilidade, à angústia e à dor por ele gerados no seiode determinada comunidade, donde surge o dever de reparação pelosdanos morais coletivos.

Carlos Alberto Bittar Filho disciplina que dano moral coletivo"é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é aviolação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos",citando como exemplo de dano moral coletivo o dano ambiental, o qual

40STJ, RESP 263.386/PR, Segunda Turma. Rel. Ministro João Otávio de Noronha, DJ 22.08.2005.

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consiste "na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e àsaúde da coletividade".41

Marco Antonio Marcondes Pereira, por sua vez, conceitua odano moral coletivo como "o resultado de toda ação ou omissão lesivasignificante, praticada por qualquer pessoa contra o patrimônio dacoletividade, considerada esta as gerações presentes e futuras, quesuportam um sentimento de repulsa por um fato danoso irreversível, dedifícil reparação, ou de conseqüências históricas"42

Nessa matéria, é expressiva ainda a lição de YUSSEF SAIDCAHALI, para quem, tanto na linguagem leiga como em acepçãojurídica, a noção de dano "é absolutamente conexa à idéia de umadiminuição do bem-estar, seja moral, seja material", podendo surgirum dano moral, suscetível de reparação, da ofensa a qualquer direitoprotegido em lei43.

A Lei Federal 6.938/81, ao dispor em seu art. 2º, Inc. I, que omeio ambiente é "patrimônio público a ser necessariamenteassegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo", já assegurava aproteção a esse interesse difuso, inclusive a reparação de eventuaisdanos a ele causados, impondo penalidades administrativas, a par daobrigação de reparação dos danos, conforme o disposto em seus arts.4º, Incs. VI e VII; 9º, Inc. IX; e 14, § 1º.

Assim, o dever de indenizar imputado à Brumafer é indiscutíveluma vez que a sua ação de danificar gravemente o aspecto paisagísticoda área protegida da Serra da Piedade, sem prévia autorização dosórgãos culturais competentes, redundou em um dano extrapatrimonialcoletivo, visto que intolerável que a coletividade seja privada do plenoexercício dos direitos culturais, do acesso às fontes da cultura, enfim,da fruição desses bens difusos, direito da qual é titular.

A propósito, é precisa e esclarecedora a lição da Promotora deJustiça do Estado de São Paulo, Liliane Garcia Ferreira, em seubrilhante artigo intitulado: O dano moral à coletividade decorrente dosdanos causados a bens ambientais culturais, assim como da privaçãodo direito de fruição desses bens:

Bastante clara é a presença de um dano não patrimonial, uma vezque se trata de ofensa a um direito não econômico da coletividade, ou seja,ao direito de todos à fruição dos bens ambientais culturais (materiais ouimateriais) em seus diversos aspectos: exercício, acesso, participação nasdecisões, conhecimento, etc.

41 Pode a coletividade sofrer dano moral? In Repertório IOB de jurisprudência nº

15/96. São Paulo, 1996.42 Dano moral contra a coletividade: ocorrências na ordem urbanística. In Temas de

Direito Urbanístico. São Paulo, 2001, IMESP.43 Dano e Indenização, Ed. Revista dos Tribunais, 1980, pág. 12.

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Dessa forma, sempre que, em conseqüência da degradação de bensambientais culturais ou do não cumprimento do dever de promoção dessesbens, por ação ou omissão, a coletividade ficar privada do acesso a essasfontes da cultura, a par da obrigação de recuperação, restauração econservação desses bens, bem como indenização pelos danos patrimoniais eextrapatrimoniais irreversíveis, decorrentes de sua perda parcial ou total, sefor o caso, caberá, ainda, indenização por danos extrapatrimoniaisdecorrentes da lesão ao direito de todos ao pleno exercício do direito.44

Discorrendo sobre a avaliação dos danos morais, Hugo Nigro Mazzililembra que "tendo sempre presente que a finalidade da lei é a preservação oua restauração dos bens jurídicos nela objetivados, vemos que o valorpecuniário da condenação, ainda que seja cercada de naturais dificuldadessua fixação, deverá corresponder em regra ao custo concreto e efetivo daconservação ou da recomposição dos bens lesados".

E prossegue o mesmo autor no sentido de que "mesmo quandoimpossível restaurar diretamente o bem ou o valor atingido, é cabível acondenação em pecúnia, cujo produto reverterá para o fundo de que cuida oart. 13 da Lei da Ação Civil Pública. Sua adequada aplicação irá permitir aconservação ou a restauração de outros bens e valores compatíveis emqualidade com o interesse efetivamente lesado"45

A propósito, já decidiu o TJMG em sede de Ação Civil Públicaproposta pelo Ministério Público Estadual:

DANO AMBIENTAL - MATA ATLÂNTICA - DESMATAMENTO -REPARAÇÃO DEVIDA - Verificado, mediante laudo pericial técnico, odesmatamento de mata atlântica, área de preservação que constituipatrimônio da coletividade, a reparação dos danos morais e patrimoniaiscausados ao meio ambiente é imperativo legal, devendo a indenizaçãocompreender também o período em que a coletividade ficará privada daquelebem e dos efeitos benéficos que ele produzia. (TJMG - Apelação Cível nº1.0183.03.062431-0/001 Relator: Des. Nilson Rei – j. 23/11/2004).

Para a determinação do quantum indenizatório, que requerem osautores seja fixado por arbitramento, deverão estar "presentes os princípiosbásicos da satisfação integral dos interesses lesados e da estipulação devalor que iniba novas investidas, como balizas maiores na determinação dareparação devida."46

III – DO PEDIDO LIMINAR

Pelos elementos acima relatados, resta muito evidente estar presente,in casu, o fumus boni iuris, caracterizado pela farta comprovação, porintermédio dos documentos trazidos aos autos juntamente com a exordial — 44 Disponível em: http://www.mp.sp.gov.br/caouma/Doutrina.45 A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, Saraiva, 1996, págs. 462/463.

46 CARLOS ALBERTO BITTAR Reparação Civil por Danos Morais". RT,1994, pág. 225.

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todos eles dotados da presunção de veracidade e legalidade típica dos atosadministrativos —, de que a atividade minerária desenvolvida pela ré na Serrada Piedade e no entorno do seu Santuário é absolutamente ilícita, nãoautorizada pelos órgãos competentes e danosa ao bem cultural objeto detombamentos e abrangido por unidades de conservação.

Da mesma forma, está bem demonstrado o periculum in mora,consubstanciado na urgência de se impedir a continuidade da exploraçãominerária pela Brumafer sob pena de se descaracterizar, de forma irreversível,os atributos necessários à compreensão cênica da Serra da Piedade, referêncianatural e cultural da sociedade mineira.

Tal conclusão pode ser facilmente alcançada pela simples natureza daatividade mineraria, de alto potencial destrutivo, e, por isso mesmo,totalmente incompatível com a necessária proteção do valor histórico,paisagístico e natural inerentes à Serra da Piedade e seu Santuário, já que,uma vez ocasionados os impactos negativos próprios da mineração(verdadeiros danos), dificilmente, quando não impossível, será a suarecomposição ao status quo.

De tal sorte, requerem os autores, nos termos do art. 12 da Lei nº7.347/1985, a concessão de medida acautelatória, ex limine, para determinar:

a) à Brumafer, a imediata cessação da exploração minerária na Serrada Piedade e de quaisquer outras atividades que impliquem na modificação dapaisagem e degradação do meio ambiente;

b) à FEAM e ao Estado de Minas Gerais, por intermédio doCOPAM – Conselho Estadual de Política Ambiental, a obrigação de nãofazer consistente em se absterem de praticar qualquer atoadministrativo tendente à renovação das Licenças de Operação nº229/97 e 223/97 e à concessão de licenças prévias relativamente aospedidos constantes dos processos COPAM 151/1987/005/2000,151/1987/006/2000, 151/1987/007/2000 e 151/1987/008/2000 ou aqualquer outro que importem em degradação da área protegida da Serrada Piedade.

c) seja estabelecida multa diária no valor de R$ 1000.000,00 (cem milreais), aplicável na hipótese de descumprimento dos referidos provimentosliminares deferido por V. Exa.

IV – Dos pedidos

Por todo o exposto, requerem os autores seja a presente ação civilpública, ao final, julgada procedente, para:

a) condenar a Brumafer a realizar a recomposição paisagística daambiência do bem tombado, mediante formulação de novo projeto por

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especialista na matéria (Plano de Reabilitação de Áreas Degradadas - PRAD),contendo detalhes operacionais bem como cronograma de execução, a serapresentado ao IPHAN, IEPHA e FEAM, no prazo de 60 dias, paraaprovação;

b) condenar a Brumafer na implantação do projeto mencionado naalínea “a”, às suas expensas, com execução das medidas determinadas pelasentidades mencionadas, em prazo a ser fixado por V.Exa.;

c) condenar a Brumafer à compensação dos danos patrimoniaisirrecuperáveis e extrapatrimoniais, nos seguintes termos.

No que tange ao danos materiais irrecuperáveis:

– desenvolvimento e implementação de projeto de educaçãoambiental em todas as escolas de Caeté e Sabará bem como da comunidadeem geral, inclusive turistas, utilizando-se de imprensa escrita e falada e, ainda,da elaboração, orientada pelo IPHAN e IEPHA, de vídeos, livros e cartilhaspara professores e alunos, com no mínimo 30 páginas e tiragem de 20.000exemplares;

– criação de Reserva Particular do Patrimônio Natural com nomínimo 400 hectares, nos domínios da propriedade da empresa, a serlocalizada próximo a área tombada, a fim de impedir qualquer atividademineraria no entorno imediato da área tombada;

– elaboração, às expensas da empresa, de projeto de sinalizaçãoturística, conforme normatização do IPHAN, a ser implementado em toda aárea onde seja permitido o acesso turístico na Serra da Piedade e seu entorno;

– patrocinar programa de pesquisas arqueológicas, históricas epré-históricas na área da Mata do Camboeiro, conforme legislação em vigor –Portarias IPHAN 230/2002 e 07/88;

No que tange aos danos extrapatrimoniais causados:

– Pagamento de indenização em importe não inferior a R$200.000,00 (duzentos mil reais) a ser revertida em benefício do Fundo deProteção do Patrimônio Cultural do Estado de Minas Gerais (FUNPAT) ou aoFundo de Direitos Difusos Lesados, nos termos do art. 13 da Lei 7.347/85.

d) estabelecimento de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais),aplicável na hipótese do descumprimento de quaisquer das obrigaçõesimpostas;

e) Condenar a FEAM e o Estado de Minas Gerais, porintermédio do COPAM – Conselho Estadual de Política Ambiental, aobrigação de não fazer consistente em se absterem de praticar qualquerato administrativo tendente à renovação das Licenças de Operação nº229/97 e 223/97 e à concessão de licenças prévias relativamente aospedidos constantes dos processos COPAM 151/1987/005/2000,151/1987/006/2000, 151/1987/007/2000 e 151/1987/008/2000 ou aqualquer outro que importem em degradação da área protegida da Serra

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da Piedade, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais),aplicável na hipótese do descumprimento de quaisquer das obrigaçõesimpostas;

e) condenar os réus ao pagamento das despesas processuais ehonorários de sucumbência.

Rogam pela citação dos réus para, querendo, apresentarem defesa,sob pena de revelia.

Protestam pela produção de provas, no momento oportuno, por todosos meios admitidos em Direito, além dos documentos trazidos juntamentecom a petição inicial.

Não obstante inestimável, dá-se à causa, para os fins legais, o valor deR$ 10.000,00 (dez mil reais).

Nestes termos, pedem deferimento.

Belo Horizonte, 24 de outubro de 2005.

Zani Cajueiro Tobias de Souza Procuradora da República em Minas

Gerais

Genésia Marta Alves CameloProcuradora Federal

OAB/MG 98.275 Mat:. SIAPE1175327

Cristiano Sales CúrcioProcurador Federal

OAB/MG 89.073 Mat.: SIAPE 1480185

Lenise Boaventura Cançado Jordão Procuradora Federal

OAB/MG 71.477 Mat.:SIAPE1.312.479

Alex Fernandes SantiagoPromotor de Justiça

Coordenador-Geral das PromotoriasAmbientais da Bacia do Rio São

Francisco

Marcos Paulo de Souza MirandaPromotor de Justiça

Coordenador das PromotoriasAmbientais das Sub-bacias dos

Rios das Velhas e Paraopeba

Fernando A. Nogueira Galvão da RochaPromotor de Justiça

Coordenador das Promotorias de Justiçade Defesa do Patrimônio Cultural do

Marta Alves LarcherPromotora de Justiça

Coordenadora Auxiliar dasPromotorias de Justiça de Defesa do

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Estado de Minas Gerais Patrimônio Cultural do Estado deMinas Gerais

Cláudia Neto Comelli

Promotora de Justiça da Comarca deCaeté - Curadora do Meio Ambiente

José Ricardo Rodrigues de Souza

Promotor de Justiça da Comarca deSabará - Curador do Meio Ambiente