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ESTADO, GOVERNO E MERCADO Ricardo Corrêa Coelho Ministério da Educação – MEC Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES Diretoria de Educação a Distância – DED Universidade Aberta do Brasil – UAB Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP Especialização em Gestão Pública 2012 2ª edição

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ESTADO, GOVERNO E MERCADO

Ricardo Corrêa Coelho

Ministério da Educação – MEC

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES

Diretoria de Educação a Distância – DED

Universidade Aberta do Brasil – UAB

Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP

Especialização em Gestão Pública

2012

2ª edição

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expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanções previstas no Código Penal, artigo 184, Parágrafos

1º ao 3º, sem prejuízo das sanções cíveis cabíveis à espécie.

1ª edição – 2009

C672e Coelho, Ricardo Corrêa Estado, governo e mercado / Ricardo Corrêa Coelho. – 2. ed. reimp. – Florianópolis :

Departamento de Ciências da Administração / UFSC, 2012.114p. : il.

Especialização – Módulo BásicoInclui bibliografiaISBN: 978-85-61608-81-1

1. Administração pública. 2. Política e governo – História. 3. Gestão pública. 4. Educaçãoa distância. I. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil). II.Universidade Aberta do Brasil. III. Título.

CDU: 35

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

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DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDÁTICOSUniversidade Federal de Santa Catarina

METODOLOGIA PARA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIAUniversidade Federal de Mato Grosso

AUTOR DO CONTEÚDORicardo Corrêa Coelho

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR – CAPES

DIRETORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

EQUIPE TÉCNICA

Coordenador do Projeto – Alexandre Marino Costa

Coordenação de Produção de Recursos Didáticos – Denise Aparecida Bunn

Capa – Alexandre Noronha

Ilustração – Igor Baranenko

Projeto Gráfico e Editoração – Annye Cristiny Tessaro

Revisão Textual – Sergio Luiz Meira

Créditos da imagem da capa: extraída do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

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SUMÁRIO

Apresentação.................................................................................................... 7

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado,Governo e Mercado

Introdução.............................................................................................................. 11

Conceitos Básicos.................................................................................................. 13

A Dinâmica Pendular das Relações entre Estado e Mercado................................. 22

Duas Matrizes Teóricas para a Interpretação das Relações entre Estado e Mercado:

a liberal e a marxista............................................................................................ 26

A Formação da Matriz do Pensamento Liberal..................................................... 29

A Matriz Marxista................................................................................................. 38

As Mudanças nas Sociedades Capitalistas no Final do Século XIX e seus Impactos

sobre as Matrizes Marxista e Liberal..................................................................... 50

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

Introdução............................................................................................................ 71

O Estado Liberal................................................................................................... 73

O Estado Socialista............................................................................................... 81

O Estado de Bem-Estar Social.............................................................................. 86

O Estado Neoliberal.............................................................................................. 98

Referências.......................................................................................................... 109

Minicurrículo........................................................................................................ 112

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Estado, Governo e Mercado

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7Módulo Básico

Apresentação

APRESENTAÇÃO

Caro Estudante!

A disciplina que dá início a este curso aborda uma dasquestões mais controversas do mundo contemporâneo: a da relaçãoentre Estado, governo e mercado. Essa questão não apenas seapresenta no dia a dia do gestor público, como é debatida em todasas disputas eleitorais – sejam elas nacionais, estaduais oumunicipais –, além de figurar diariamente nas páginas dos jornais.Para ela não há uma resposta conclusiva.

Por mais que se tenha buscado – e ainda se continuebuscando – encontrar o ponto de equilíbrio entre a intervençãoestatal e a liberdade de mercado, esse equilíbrio não poderá sermais que temporário.

Por essa razão, por meio desta disciplina pretendemos quevocê, gestor público, que já se encontra no exercício da função ouque almeja exercer uma função pública, compreenda algunsconceitos, teorias e informações históricas que lhes possibilitarãonão só acompanhar e participar dessa discussão, mas, sobretudo,desempenhar as funções do gestor público com mais segurança emaior conhecimento do terreno em que atua.

Com esse objetivo e preocupação, organizamos os temas aserem tratados nesta disciplina em duas Unidades. Na Unidade 1vamos tratar das teorias que explicam as relações entre Estado,governo e mercado; e na Unidade 2 estudaremos as mudanças nasrelações entre Estado, governo e mercado durante o século XX.

O domínio de conceitos-chave envolvidos na discussão dasrelações entre Estado, governo e mercado é essencial para quematua ou pretende atuar na esfera pública, mas não é suficiente.

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8Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Além dele, é necessário ao gestor público conhecer e identificar asmatrizes teóricas que animam esse debate e que se encontram –conscientemente ou não – presentes no raciocínio e no discurso detodos aqueles que trabalham no Estado, prestam-lhe serviços ou aele se opõem e apresentam suas reivindicações.

Assim, ao dominar conceitos e conhecer as teoriassubjacentes ao debate e às posições e reivindicações de uns e outros,o gestor público terá melhores condições de entender o raciocíniodos seus inúmeros interlocutores e tomar decisões esclarecidas eorientadas pelo seu próprio discernimento.

Mas para que as suas decisões e ações sejam, de fato,conscientes e bem informadas, como desejam todos – dos governanteseleitos e partidos políticos que os acolheram em suas legendas paradisputar as eleições e se eleger, aos cidadãos e eleitores que lhessufragaram nas urnas –, o gestor público precisa ainda estar beminformado sobre como as relações entre Estado, governo e mercadoestabeleceram-se e modificaram-se ao longo do tempo.

Sem o conhecimento da experiência acumulada, seria difícilao gestor público compreender por que o setor público brasileiro écomo é, entender os lentos, mas contínuos, processos de mudançaque se operam nas relações entre Estado, governo e mercado – quetêm impacto direto no funcionamento da Administração Pública –e posicionar-se frente a questões que envolvem conflito tomandodecisões esclarecidas conforme o interesse público.

Esperamos que os temas tratados nesta disciplina lhepropiciem elementos para melhor conhecer o espaço em que atua eidentificar os seus interlocutores, as demandas que lhe são feitas,os desafios que lhe são propostos para – enfim – poder, conscientee livremente, tomar as suas decisões em um campo que se encontramuito sujeito a influências ideológicas, as quais nem sempre sãoas melhores conselheiras para as ações mais sensatas, mas quefrequentemente orientam as ações dos agentes públicos.

Comecemos, então, nosso estudo.

Professor Ricardo Corrêa Coelho

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9Módulo Básico

Apresentação

UNIDADE 1

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade, você deverá ser capaz de: Definir os conceitos de Estado, governo e mercado; Compreender a lógica interna de cada matriz teórica, distinguindo os

seus principais conceitos; Identificar a influência dessas matrizes no pensamento e discurso

dos atores políticos; e Avaliar comparativamente as potencialidades e limites explicativos

de cada matriz.

PERSPECTIVA TEÓRICA PARA A

ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE

ESTADO, GOVERNO E MERCADO

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Estado, Governo e Mercado

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11Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

INTRODUÇÃO

A extensão dos poderes do Estado sobre a sociedade é umtema que suscita grandes controvérsias, em torno das quais não sepode, rigorosamente, falar de consenso ou da existência de umaposição dominante. Por se tratar de questão que emana do âmagoda reflexão e da prática política, as formulações, que venham a serproduzidas a respeito carregarão, sempre, um forte viés ideológico,alimentadas por diferentes visões de mundo, concepções e valores dosquais todos os indivíduos das sociedades contemporâneas, semexceção, são portadores, conscientemente ou não.

O reconhecimento desses vieses não nos deve desencorajara enfrentar o desafio, nem tampouco nos autoriza a fazer qualquertipo de formulação, numa espécie de vale-tudo. Ao longo de séculos,a civilização ocidental vem recorrentemente colocando-se questõesrelativas ao Estado, ao exercício do poder e às relações entre Estadoe sociedade. Será essa reflexão socialmente acumulada que nosservirá de base para refletirmos sobre as complexas relações entreEstado, governo e mercado no mundo contemporâneo.

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12Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Há duas matrizes principais no pensamento políticocontemporâneo que procuram explicar essas relações:

a liberal, que tem raízes no pensamento dos filósofosiluministas, do século XVII, e dos economistas daescola clássica, do século XVIII; e

a marxista, que se inspira no pensamento do filósofoalemão Karl Marx, que foi o mais contundentecrítico do pensamento político, filosófico eeconômico vigente à sua época.

Mas antes de estudarmos as teorias queexplicam essas relações e analisarmos acontribuição de uma e de outra para acompreensão da dinâmica do mundocontemporâneo, convém precisarmos algunsconceitos básicos que serão utilizados nestadisciplina e que serão recorrentes durante todoo curso: os de Estado, governo e mercado.

Karl Marx (1818-1883)

Filósofo alemão e teórico

do social ismo. Em 1848,

Marx e Engels publicaram o

Manifesto do Partido Comunis-

ta, o primeiro esboço da te-

oria revolucionária que, anos mais tar-

de, foi denominada marxista. Embora

praticamente ignorado pelos estudiosos

acadêmicos de sua época, Karl Marx é

um dos pensadores que mais influenci-

aram a história da humanidade. Suas

ideias sociais, econômicas e polít icas

tiveram grande influência sobre o mun-

do do século XX. Fonte: <http://

e d u c a c a o . u o l . c o m . b r / b i o g r a f i a s /

ult1789u149.jhtm>. Acesso em: 2 jul. 2009.

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13Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

CONCEITOS BÁSICOS

Quando nos referimos ao Estado, grafado com inicialmaiúscula, estamos tratando da organização que exerce o podersupremo sobre o conjunto de indivíduos que ocupam umdeterminado território. E quando falamos de exercício do poder,estamos nos referindo à capacidade de influenciar decisivamente aação e o comportamento das pessoas.

Estado e poder são, portanto, dois termos indissociáveis. Masa capacidade de uma organização exercer o poder sobre o conjuntode indivíduos que ocupa um território não é suficiente para definiro Estado. Se isso bastasse, teríamos – por exemplo – de reconhecercomo Estado as organizações criminosas que controlam algumasfavelas do Rio de Janeiro e outros bairros das periferias de grandescidades brasileiras, uma vez que são a força dominante que dita asregras de comportamento a serem seguidas por todos os seushabitantes. Ou então teríamos de reconhecer como Estado asorganizações guerrilheiras que ocupam e controlam parte doterritório da Colômbia.

Para diferenciar o poder exercido pelo Estado do poder de

outros grupos que controlam territórios e indivíduos com base

no uso da força física, é necessário introduzir a noção

fundamental da legitimidade.

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14Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

De acordo com o sociólogoalemão Max Weber, o que caracterizao Estado é o monopólio do exercíciolegítimo da força em uma sociedade.Enquanto máfias e outras organizaçõesarmadas disputam entre si o controlesobre territórios e indivíduos pelosimples uso da força, o Estado sediferencia dessas pela legitimidadecom que se encontra investido paraexercer, em última instância, a forçafísica sobre os indivíduos.

Isso significa que apenas as organizações estatais – e nenhumaoutra – têm o reconhecimento da população para estabelecer regrasa serem obedecidas por todos, administrar a justiça, cobrar impostos,julgar e punir os infratores das regras comuns.

Em todas as sociedades, há ainda outras formas de poder,que são exercidas por outros meios, que não a força física, e poroutros tipos de organizações. Por exemplo: grandes empresasinfluenciaram o comportamento das pessoas por meio dos bensque possuem e dispõem; as igrejas e os grandes meios decomunicação de massa influenciam o comportamento dosindivíduos por meio das ideias e princípios que pregam e sustentam.As primeiras exercem poder econômico, as segundas, poderideológico e ambas influenciaram o comportamento dos indivíduosde forma concomitante e concorrencial.

O Estado não admite concorrência e exerce de formamonopolista o poder político, que é o poder supremonas sociedades contemporâneas.

Maximillian Carl Emil Weber (1864–1920)

Sociólogo, historiador e polít ico alemão

que, junto com Karl Marx e Émile Durkheim,

é considerado um dos fundadores da soci-

ologia e dos estudos comparados sobre

cultura e religião. Para Weber, o núcleo da

análise social consistia na interdependência entre

rel igião, economia e sociedade. Fonte: <http://

w w w . n e t s a b e r . c o m . b r / b i o g r a f i a s /

ver_biografia_c_1166.html>. Acesso em: 2 jul. 2009.

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Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

Além do caráter monopolista do poder do Estado, ressaltadopor Weber, o pensador italiano Norberto Bobbio iria ainda pôr emdestaque duas características distintivas do poder estatal:

Universalidade: o Estado toma decisões em nome detoda a coletividade que ele representa, e não apenas daparte que exerce o poder.

Inclusividade: em princípio, nenhuma esfera da vidasocial encontra-se fora do alcance da intervenção doEstado. Isso, no entanto, não significa que o Estadotenha de intervir ou regular tudo – apenas os Estadostotal i tários têm essa pretensão –, mas que éprerrogativa do Estado definir as áreas em que irá ounão irá intervir, conforme o tempo, as circunstânciase o interesse público.

Mas o caráter inclusivo emonopolista do poder do Estado nãoo impede de exercer suas diferentesfunções por meio de diferentesinst i tuições. De acordo comMontesquieu, o Estado possui trêsfunções fundamentais, sendo todas assuas ações decorrentes de uma, oumais, dessas funções:

Legislativa: produzir as leis e o ordenamento jurídiconecessários à vida em sociedade.

Executiva: assegurar o cumprimento das leis.

Judiciária: julgar a adequação, ou inadequação, dosatos particulares às leis existentes.

Tendo em vista evitar que o Estado abusasse do seu poder,tornando-se tirânico com os seus súditos, Montesquieu formulou a

Barão de Montesquieu (1689–1755)

Charles-Louis de Secondat, conheci-

do como barão de Montesquieu, foi

um dos grandes filósofos políticos do

Iluminismo. Autor de O espírito das leis,

livro fundamental da filosofia política

contemporânea. Fonte: <http://educacao.uol.com.br/

biografias/ult1789u639.jhtm>. Acesso em: 2 jul. 2009.

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16Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

teoria da separação funcional dos poderes, que deu origem àseparação entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, talcomo os conhecemos hoje.

Da mesma forma que o poder do Estado pode serfuncionalmente distribuído entre diferentes instituições sem perderas suas características monopolistas, ele também é passível de serexercido por diferentes esferas.

Diferentemente dos Estados unitários – como a França, oChile e Israel –, onde o poder do Estado é exercido por instânciaspolítico-administrativas nacionais e as autoridades locais não têmautonomia normativa, nos Estados federativos esse poder encontra-se ainda subdividido entre a instância nacional e as instânciassubnacionais.

No Brasil, como nos Estados Unidos, na Rússia, no Canadá,na Índia e em outras federações existentes no mundo, o poder doEstado (grafado com inicial maiúscula) e suas funções executiva,legislativa e judiciária são exercidos de forma compartilhada pelaUnião e pelos estados federados (grafados com inicial minúscula).No Brasil, em particular, a Constituição de 1988 chegou a elevaros municípios e o Distrito Federal à categoria de membros daFederação – antes circunscrita à União e aos estados – criandoassim uma federação sui generis composta por três entes federativos:o federal, o estadual e o municipal. Na Índia, o poder do Estadochega ainda a ser distribuído em até cinco esferas administrativasdistintas.

Essas variações na organização formal dos Estadoscontemporâneos devem-se antes à história e às conveniênciaspolítico-administrativas de cada país, em nada alterando as suascaracterísticas fundamentais, funções, poderes e prerrogativas.

Qualquer que seja a forma assumida pelo Estado – unitáriaou federativa –, em todas elas o Poder Executivo (ou – maisprecisamente – o governo e o conjunto de instituições que exercemas funções executivas) terá papel preponderante. Essa importânciae ascendência do Executivo sobre os demais Poderes nada tem aver com a relevância das suas funções.

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17Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

Segundo Rousseau, o PoderLegislativo é, indubitavelmente, opoder central e fundamental doEstado, já que lhe cabe aelaboração das leis a seremseguidas por toda a coletividade.

Para Montesquieu, as trêsfunções do poder do Estadodevem ser distribuídas por trêscorpos distintos para evitar que oPoder Executivo – desde sempreo predominante – exorbitasse dassuas funções e exercesse o poderde forma t irânica sobre oscidadãos. Na arquiteturainst i tucional pensada porMontesquieu, é o Poder Judiciárioque desempenha o papelfundamental de mediar a relação entre aquele que manda (ogovernante) e aqueles que legislam (a assembleia).

O que explicaria, então, a preponderância do Executivo sobre

os demais poderes do Estado?

Uma resposta simples a essa questão é a de que o PoderExecutivo – que a partir de agora passaremos a chamar de governo– é que dispõe dos meios coercitivos do Estado. Embora não crieas regras gerais que balizam a vida dos cidadãos (função legislativa),nem decida sobre a adequação dessas regras aos casos particulares(função judiciária), é o governo que, por meio do seu aparatocoercitivo, garante o cumprimento das decisões dos outros poderese executa as políticas do Estado.

É ao governo que compete recolher os impostos quesustentam o funcionamento de todos os poderes do Estado –

Jean-Jacques Rousseau (1712–1778)

Nasceu em Genebra, na Suíça. Es-

creveu o Discurso Sobre as Ciências e

as Artes, tratando já da maioria dos

temas importantes em sua filoso-

fia. Em 1755, publicou o Discurso

Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens.

Em 1761, veio à luz A Nova Heloísa, romance

epistolar que obteve grande sucesso. No ano

seguinte, saíram duas de suas obras mais im-

portantes: o ensaio Do Contrato Social e o trata-

do pedagógico Emílio, ou da Educação. Em 1762,

foi perseguido por conta de suas obras, consi-

deradas ofensivas à moral e à religião, e obriga-

do a exilar-se em Neuchâtel (Suíça). Fonte: <http:/

/ e d u c a c a o . u o l . c o m . b r / b i o g r a f i a s /

ult1789u420.jhtm>. Acesso em: 1 jul. 2009.

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18Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

v

Esse tema será

examinado e tratado

detalhadamente na

disciplina O Público e o

Privado na Gestão

Pública.

recolhimento que é sempre compulsório e respaldado pelo uso daforça se necessário for.

São as instituições do governo que garantem a segurançainterna dos cidadãos – entendida como a proteção da suaintegridade física, liberdade e bens – e os protegem das agressõesexternas; também é o governo que exerce o poder de polícia doEstado, que vai da fiscalização do cumprimento das normas àpunição dos infratores.

Enfim, é o governo que transforma em atos a vontade doEstado, o que é suficiente para fazer dele o poder preponderantesobre todos os demais e exigir dos legisladores um contínuoaperfeiçoamento das normas que regem o funcionamento do Estadoe regulam as suas relações com a sociedade, e dos tribunais aconstante vigilância da adequação dos atos de governo à legislação,sem o que o poder do governo se tornaria tirânico.

Da mesma maneira que as diferentes formas assumidas peloEstado não alteram a sua essência, as diferentes formas de governotampouco alteram substantivamente o seu poder no conjunto doEstado. Assim, as diferenças entre parlamentarismo e presidencialismodizem respeito à forma como Legislativo e Executivo se relacionam,mas nada indicam sobre a maior ou menor força do governo sobum ou outro regime.

No presidencialismo, há uma rígida separação entreExecutivo e Legislativo no que diz respeito à duração dos mandatosdo presidente e dos parlamentares. Sob o presidencialismo, nem opresidente tem o poder de dissolver o parlamento e convocar novaseleições, nem o parlamento pode destituir o presidente do seu cargo,exceto no caso extremo de impeachment* por crime deresponsabilidade.

Já sob o parlamentarismo, nem o governo, nem osparlamentares têm mandatos rigidamente definidos. Na verdade, ogoverno do primeiro-ministro não tem mandato temporalmentedefinido, durando o seu governo enquanto a maioria do parlamentolhe der sustentação. Os parlamentares, por sua vez, têm um mandatocom duração máxima estipulada, mas não rigidamente estabelecidacomo sob o presidencialismo, pois é facultado ao governo dissolver

*Impeachment – Proces-

so político-criminal ins-

taurado por denúncia no

Congresso para apurar a

responsabilidade, por

grave delito ou má condu-

ta no exercício de suas

funções, do presidente

da República, ministros

do Supremo Tribunal ou

de qualquer outro funci-

onário de alta categoria.

Cabe ao Senado, se pro-

cedente a acusação, apli-

car ao infrator a pena de

destituição do cargo.

Fonte: Houaiss (2007).

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Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

o parlamento e convocar novas eleições quando o plenário não forcapaz de formar uma maioria capaz de eleger um novo primeiro-ministro e dar sustentação ao seu governo. Essa separaçãoclaramente mais flexível entre os poderes Executivo e Legislativosob o regime parlamentar não significa – de forma alguma – que asfunções executivas e legislativas do Estado encontram-se misturadase sob o mesmo comando. Uma vez escolhido o primeiro-ministropela maioria parlamentar, este monta o seu gabinete ministerial eexerce as funções executivas de forma completamente independentedo parlamento. Ao governo, caberá governar e à sua maioria noparlamento, lhe dar sustentação e aprovar as leis do seu interesse,exatamente como ocorre sob o presidencialismo. Portanto, a forçade um governo não pode ser derivada da sua forma. Outros fatoresmerecem destaque.

Em um regime democrático – em que os governantes sãoeleitos e têm seus atos constantemente submetidos ao escrutínio*da opinião pública e dos formadores de opinião – a força de umgoverno depende, em grande parte, do apoio que suas propostaspolíticas e proposições legislativas encontrarem no parlamento; dasintonia entre suas ações e as expectativas dos eleitores; e da relaçãomantida com os diferentes grupos organizados da sociedade – meiosde comunicação, sindicatos e associações, empresas e ONGs etc.

Importante!Democrático ou não, um regime se legitima pelasrespostas que dá à sociedade.

Em todos os regimes, democráticos ou não, a força dogoverno dependerá também da sua capacidade de identificarnecessidades e anseios sociais e transformá-los em políticaspúblicas que produzam resultados na sociedade, dando respostasefetivas aos problemas que pretende enfrentar. Para isso, o governodepende também de um aparato administrativo capaz detransformar as suas diretrizes em atos e da capacidade de alocar

*Escrutínio – Processo de

votação que utiliza urna.

Fonte: Houaiss (2007).

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20Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

recursos sociais para realizá-los. Todo esse complexo conjunto deexigências foi denominado de requisitos, ou elementos, dagovernabilidade.

Mais recentemente, surgiu um novo termo – governança*– que procura dar conta de outros elementos envolvidos nacapacidade de intervenção do Estado na sociedade e que pareciamnão estar adequadamente recobertos pelo termo “governabilidade”.Ainda que não suficientemente definido e consolidado, o novo termopõe em destaque as interações entre o Estado e os vários agentesnão governamentais para se atingir resultados de interesse público.O foco deixa de ser a capacidade interventora e indutora do Estadoe passa a se concentrar no seu papel de coordenador dos diversosesforços – públicos e privados – para produzir benefícios coletivos.Independentemente de quão frágil ou promissor seja esse novoconceito, ele tem a virtude de voltar a atenção para as relaçõesdesejáveis entre Estado e sociedade.

Repensar as relações entre Estado e sociedade foi a questãocentral dos filósofos iluministas, à qual a teoria econômica clássicaintroduziu um novo conceito que veio para ficar: o de mercado.A partir de então, as relações entre Estado e sociedade passaram aser pensadas e analisadas sempre – mas não exclusivamente – comouma relação entre Estado e mercado.

O mercado pode ser definido como um sistema de trocas doqual participam agentes e instituições interessados em vender oucomprar um bem ou prestar ou receber um serviço. Todos osmercados – seja o imobiliário, de capitais, de trabalho, de grãos,de energia etc. – estão sempre sujeitos a alguma forma de regulação.Os mercados não existem na natureza, sendo resultado da interaçãohumana que requer sempre regras e princípios para funcionar. Maspor mais variados que sejam os mercados e os princípios e regrasque os regem, existem algumas regularidades comuns a todos.

*Governança – É um ter-

mo de origem recente

que surgiu procurando

explicar as complexas re-

lações entre Estado e so-

ciedade nas sociedades

contemporâneas. Fonte:

Elaborado pelo autor.

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21Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

De acordo com o f i lósofo eeconomista escocês Adam Smith, o mercadoé regido por determinadas leis que estãodiretamente associadas ao caráter egoísta doser humano.

Guiados pelos seus interesses egoístas– que no plano econômico se traduzem nodesejo de maximizar os ganhos individuaisao realizar uma troca –, os indivíduosentrariam em concorrência uns com osoutros, e da competição generalizada resultaria o equilíbrioeconômico e o bem coletivo, com a produção e oferta de bens eserviços requeridos pela sociedade em quantidade e preçosadequados. O mercado seria então um mecanismo autorregulável,que dispensaria a intervenção estatal, pois a lei da oferta e dademanda seria suficiente para regular as quantidades e preços debens e serviços em uma sociedade. Assim, ao Estado caberia apenasassegurar a concorrência para o bom funcionamento do mercado,impedindo que os produtores – movidos pela avidez – se organizemem cartéis, distorcendo os preços e beneficiando apenas a si mesmosem detrimento da coletividade.

A existência da concorrência é, portanto, condiçãoindispensável para o funcionamento do mercado.

Mercado autorregulável e concorrência são a pedra de toquedo liberalismo econômico*. Da adequada relação entre Estadoe mercado dependeriam o crescimento econômico e o bem-estarsocial. No entanto, esse ponto de equilíbrio entre liberdadeeconômica e intervenção do Estado nunca foi encontrado, fazendocom que a história das sociedades capitalistas – sobretudo a partirdo século XX – fosse marcada por um movimento pendular: oramais liberdade de mercado, ora mais intervenção do Estado.

Adam Smith (1723–1790)

Economista escocês, com formação

filosófica, lecionou em Glasgow e

publicou duas obras importantes:

A Teoria dos Sentimentos Morais e

A Riqueza das Nações. Fonte: <http:/

/www.coladaweb.com/economia/adam.htm>

Acesso em: 29 jun. 2009.

Saiba mais

*Liberalismo econômico

– Doutrina que advoga o

uso maior possível das

forças do mercado para

determinar as decisões

dos agentes econômicos.

Fonte: Lacombe (2004).

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22Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

A DINÂMICA PENDULAR DAS RELAÇÕES

ENTRE ESTADO E MERCADO

Embora a história seja um movimento constante detransformação – mais lento em determinados momentos, maisacelerado em outros –, as mudanças e os avanços produzidos aolongo do tempo fazem-se, aparentemente, em zigue-zague, mascertamente não em linha reta. No que se refere especificamente àsrelações entre Estado e mercado nas sociedades capitalistas,observa-se um movimento pendular, em que figuram como as duasprincipais referências ordenadoras da vida social:

Estado, situado à esquerda; e

Mercado, à direita – quando a sociedade é o própriopêndulo a oscilar entre os princípios opostos. Veja aFigura 1:

Figura 1: Movimento pendular das sociedades capitalistasFonte: Elaborada pelo autor

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23Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

A partir de um determinado momento em que o pêndulochega ao seu ponto máximo à direita, e os mecanismos de mercadomostram-se insuficientes para estimular o investimento privado, odesenvolvimento econômico e o bem-estar social, a sociedadecomeça a inclinar-se à esquerda, buscando cada vez mais aintervenção do Estado como forma de corrigir as falhas de mercado,sanar as suas insuficiências e recriar as bases para a retomada dosinvestimentos, a expansão da economia e o aumento do bem-estar.

No momento em que o pêndulo chega ao seu ponto máximoà esquerda e a intervenção do Estado na regulação da vida social eeconômica não se mostra mais capaz de promover o crescimentoeconômico e o bem-estar dos indivíduos – passando a ser percebidocomo um empecilho ao investimento privado, que é a condiçãonecessária para a expansão econômica nas sociedades capitalistas–, tem início o movimento oposto da sociedade em direção à direita,com a retração do Estado em favor dos mecanismos de regulaçãode mercado.

A imagem metafórica do pêndulo social, oscilando entredireita e esquerda, pode bem ilustrar a alternância entre osprincípios dominantes de organização das relações sociais, mas éinsuficiente para explicar como, em cada momento específico, asrelações entre o Estado e o mercado, de fato, estabelecem-se. Paraesse movimento, a figura mais adequada é a da espiral, que agregauma outra dimensão nesse movimento.

Além de oscilar entre os princípios opostos à direita e àesquerda, as relações entre Estado e mercado assumemconformações distintas no espaço ao longo tempo, de forma quenão se possa, rigorosamente, falar de retorno a um ponto de partida,como seria o caso do pêndulo de um relógio. Dito de outra forma,as relações entre Estado e mercado nunca se repetem no tempo,renovando-se constantemente.

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24Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

A alternância contínua entre os princípios opostosexplica-se pela impossibilidade de se encontrar oponto de equilíbrio entre ambos e pelas virtudes evícios de cada um, além das transformações dopensamento sociopolítico de cada sociedade emdeterminada época.

A história tem mostrado que os mecanismos de mercadosão bastante favoráveis ao aumento da produção, dodesenvolvimento tecnológico e da riqueza em uma sociedade. Noentanto, a experiência histórica mostra também que o notávelaumento da riqueza social ensejado pelo livre curso das leis domercado acaba concentrado-a nas mãos de uns poucos.

A lógica do mercado não só permite como estimula os indivíduosa arriscarem os seus recursos privados em empreendimentoseconômicos diversos na procura de satisfação econômica. Por meioda competição, que é a regra básica do mercado, e da busca dolucro, que é a sua mola propulsora, o mercado acaba selecionandoos “melhores” – isto é –, aqueles que são economicamente maisfortes, mais produtivos, que fabricam produtos e prestam serviçosde melhor qualidade e que oferecem preços mais baixos, eliminandoassim os mais “fracos” e menos produtivos e competitivos.

Essa lógica levaria inexoravelmente à concentração crescenteda riqueza nas mãos de um grupo cada vez menor, se não houvessequalquer intervenção do Estado no funcionamento do mercado.E essa contínua concentração da riqueza levaria à situação demonopólio que, por sua vez, levaria ao fim da concorrência e,consequentemente, do próprio mercado.

Assim podemos afirmar que o mercado é, portanto, ummecanismo bastante eficiente para acumular riquezas, mas requersempre algum grau de intervenção do Estado para evitar a suaautodestruição. Como mecanismo que enseja o crescimentoconcentrado da riqueza, o mercado engendra e agudiza asdesigualdades sociais, requerendo também a intervenção do Estado

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25Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

para criar um mínimo de igualdade entre os indivíduos, sem o quea vida em sociedade estaria comprometida.

O Estado figura como o contraponto indispensável aomercado nas sociedades capitalistas.

A história também tem mostrado que,se por um lado, o Estado apresenta grandecapacidade distributiva, por outro, tem semostrado bem menos eficiente que o mercadopara produzir e ofertar bens e serviços, e que,a part ir de um determinado grau deintervenção no mercado, ele passa a inibir aatividade produtiva. Podemos dizer ainda queo mercado assemelha-se à “galinha dos ovosde ouro”, da fábula de La Fontaine (1621–1695): se viva, produz constantementeriqueza, mas uma vez morta lega apenas umpequeno estoque de valor que ao serdistribuído rapidamente se consome.

Jean de La Fontaine (1621–95)

Nasceu na França. Seu pai

queria que ele fosse ad-

vogado, mas alguns

mecenas (homens ricos e

nobres que patrocinavam

os artistas) se interessaram por ele. As-

sim, pôde se dedicar à carreira l iterária.

Suas fábulas escritas em versos elegantes

deram-lhe enorme popularidade. “Sirvo-me

dos animais para instruir os homens”, di-

zia ele. Os animais simbolizavam os ho-

mens, suas manias e seus defeitos. Ele

reeditou muitas das fábulas clássicas de

Esopo, o pai do gênero. As mais famosas

são: A gansa dos ovos de ouro (e não a gali-

nha) e A lebre e a tartaruga . Fonte:

<www.portaldascuriosidades.com>. Acesso

em: 1 jul. 2009.

Saiba mais

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26Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

DUAS MATRIZES TEÓRICAS

PARA A INTERPRETAÇÃO DAS

RELAÇÕES ENTRE ESTADO E MERCADO:A LIBERAL E A MARXISTA

No mundo contemporâneo, existem diferentes correntesteóricas que procuram explicar as relações entre Estado e mercadonas sociedades capitalistas e orientar a ação coletiva. Contudo,para efeito de análise, podemos identificar duas posições principaisque aglutinam essas diferentes visões: a liberal e a marxista.

As correntes l iberal e marxista se formaramcombatendo as ideias e a ordem vigentes à sua épocae propondo novas e mais justas formas de organizaçãoda sociedade.

Com base no pensamento de filósofos ingleses e francesesdos séculos XVII e XVIII, o liberalismo iria se estruturar em oposiçãoao poder absoluto exercido pelas monarquias hereditárias daEuropa, que invocavam o direito divino como fonte de sualegitimidade. O marxismo se estruturaria como crítica e alternativaà sociedade burguesa e à ordem liberal vigentes no século XIX,tomando por base o pensamento do filósofo alemão Karl Marx.

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27Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

Mas diferentemente do liberalismo, que ao longo do séculoXIX se impôs completamente ao pensamento conservador, varrendo-o do cenário político e reorganizando as sociedades europeiasconforme os seus princípios, o marxismo não conseguiu derrotar oliberalismo e a ordem burguesa durante o século XX, estabelecendo-se como forte concorrente, mas não substituto, do pensamento e daordem social aos quais se opunha. Nessa disputa, as duas correntestiveram de oferecer respostas a, no mínimo, duas questõesfundamentais que envolvem a ordem política. São elas:

Qual é a natureza do domínio exercido pelo Estadosobre a sociedade e do uso da coerção física sobre osindivíduos?

Como são as relações entre maioria e minorias nasociedade e como essas se relacionam com o Estado?

Caro estudante: essas duas questões devem orientar a sua

leitura do texto a seguir.

As respostas à primeira pergunta constituíram o núcleo durode cada matriz, permanecendo praticamente inalteradas ao longodo tempo. Já as respostas oferecidas para a segunda pergunta iriamvariar consideravelmente, conforme as provas e contraprovas dahistória.

Em mais de um século de coexistência e competição, ospensamentos liberal e marxista tiveram de rever alguns de seuspressupostos para continuarem explicando um mundo em constantee acelerada transformação e assim poderem nele seguir disputandoa condução da ação coletiva.

Por essa razão, parece que a melhor forma de se compreendero significado e a contribuição de cada matriz para explicar adinâmica do mundo em que vivemos e o comportamento políticodos diferentes agentes sociais seja o seu estudo comparado econtextualizado no tempo.

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28Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Para tanto, começaremos analisando o surgimento do

pensamento liberal como crítica aos fundamentos da ordem

vigente nos séculos XVII e XVIII e como proposta alternativa

de organização da sociedade. Depois, estudaremos a formação

da matriz marxista a partir da crítica formulada por Marx à

teoria da economia política e à sociedade capitalista do século

XIX, para a qual ele também formularia uma nova proposta

de organização social. Por fim, examinaremos como as

mudanças políticas, econômicas e tecnológicas ocorridas entre

os séculos XIX e XX impactaram cada matriz, promovendo a

revisão de determinados princípios e prognósticos, levando à

renovação do seu quadro conceitual.

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29Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

A FORMAÇÃO DA MATRIZ DO

PENSAMENTO LIBERAL

O pensamento liberal funda-senuma corrente f i losófica que foipredominante na Europa durante osséculos XVII e XVIII: o Jusnaturalismo.Contrariamente a toda tradição filosóficaque lhe antecedeu e que viria a lhesuceder – que tem o grupo como pontode partida –, o Jusnaturalismo buscou noindivíduo a origem do Direito e da ordempolítica legítima.

Entre os vários e diferentespensadores dessa corrente filosófica, quatrotiveram influência decisiva na formação dopensamento liberal: Thomas Hobbes, JohnLocke, Charles Louis de Secondat, barãode Montesquieu (1689–1755), e Jean-Jacques Rousseau (1712–1778).

Tomados separadamente, opensamento de cada um desses autoresé bastante singular e, em muitos pontos,até oposto um ao do outro. Com exceçãode Locke, o pensamento dos outros trêsnão pode ser considerado propriamenteliberal. Mas tomados em conjunto, elesformam o alicerce sobre o qual se fundou o liberalismo, cuja

Thomas Hobbes (1588–1679)

Nasceu na Inglaterra. Descobriu os

“Elementos”, de Euclides, e a geome-

tria, que o ajudaram a clarear suas

ideias sobre a Filosofia. Com a ideia

de que a causa de tudo está na di-

versidade do movimento, escreveu seu primeiro li-

vro filosófico, Uma Curta Abordagem a Respeito dos Pri-

meiros Princípios. Em 1651, publicou sua obra-prima,

o Leviatã. Fonte: <http://educacao.uol.com.br/bio-

grafias/ult1789u395.jhtm>. Acesso em: 2 jul 2009.

John Locke (1632–1704)

Nascido na Inglaterra, caracterizou

a maior parte de sua obra pela opo-

sição ao autoritarismo. Para ele, o

que dava direito à propriedade é o

trabalho que se dedica a ela. E,

desde que isso não prejudique alguém, fica as-

segurado o direito ao fruto do trabalho. Foram

esses um dos princípios básicos do capitalismo

liberal. Disponível em: <http://tinyurl.com/

m2883g>. Acesso em: 1 jul. 2009.

Saiba mais

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30Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

influência seria decisiva na dinâmica política das sociedadesocidentais, do final do século XVIII até os dias de hoje.

Apesar das muitas diferenças, há elementos fundamentaisem comum no pensamento dos quatro autores:

a ideia de que a vida em sociedade não é o ambientenatural do homem, mas um artifício fundado em umcontrato;

o contrato social que funda a sociedade civil foiprecedido por um estado de guerra (exceto para Locke)e um estado de natureza, no qual as relações humanaseram regidas pelo Direito Natural*;

que o Direito Natural constitui a única base legítimado Direito Civil; e

que somente por meio da razão seria possível conheceros direitos naturais para, com base neles, estabeleceros fundamentos de uma ordem política legítima.

A partir desses pressupostos e utilizando o método racional,as obras de Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau trataramextensamente do Direito Público e dos fundamentos e natureza dopoder do Estado, estabelecendo, pela primeira vez na história, umaclara separação entre Estado e sociedade civil, entre esfera públicae esfera privada, que até hoje se constitui na referência básica doEstado de Direito.

De acordo com o pensamento liberal, todos osindivíduos são iguais por natureza e igualmenteportadores de direitos naturais aos quais eles nãopodem, em hipótese alguma, abdicar: os direitos àliberdade e à propriedade.

No estado de natureza, isto é, naquele em que não houvesseum poder estatal constituído regendo a relação entre os homens, os

*Direito Natural – Conjun-

to de regras inatas à natu-

reza humana, às quais to-

das as pessoas devem

obedecer. Fonte: Lacombe

(2004).

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31Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

indivíduos gozariam da mais plena liberdade e usufruiriam de tudoaquilo que pudessem possuir. Naquelas condições, não haveria nem“bem”, nem “mal”, nem a noção de justo ou injusto, pois nenhumaconvenção havia ainda sido estabelecida entre os homens,determinando e diferenciando o certo do errado, assim comotampouco haveria qualquer lei – além das da própria natureza – aregular as suas relações.

Se a condição humana no estado de natureza era a de plena

liberdade e independência, o que, então – perguntaria você –,

teria levado a humanidade a abandoná-la para viver em

sociedade e sob o domínio do Estado?

Apesar de conceberem a passagem do estado de naturezapara o estado civil de formas distintas, todos os quatro autoresderam uma única resposta a essa pergunta: por segurança e paraproteção dos bens e da vida de cada um.

Hobbes conceberia dramaticamente o estado de naturezacomo um estado de guerra de todos contra todos:

[...] tudo aquilo que é válido para um tempo de guerra, emque todo homem é inimigo de todo homem, o mesmo éválido para o tempo durante o qual os homens vivem semoutra segurança senão a que lhes poder ser oferecida porsua própria força e sua própria invenção. Numa tal situa-ção, não há lugar para a indústria, pois o seu fruto é incer-to; consequentemente, não há cultivo da terra, nem nave-gação, nem uso das mercadorias que podem ser importa-das pelo mar; não há construções confortáveis, nem ins-trumentos para mover e remover as coisas que precisamde grande força; não há conhecimento da face da Terra,nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não hásociedade; e o que é pior de tudo, um constante temor eperigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária,pobre, sórdida, embrutecida e curta. (HOBBES, 1979, p.76).

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32Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Seria, portanto, essa condição miserávelda humanidade no estado de natureza que a terialevado a celebrar um pacto, dando origem aoEstado. Ao transferirem o direito natural deutilizar a própria força para se defender esatisfazer os seus desejos para um ser artificiale coletivo – o Leviatã –, os homens estariamtrocando a liberdade natural pela liberdade civile a independência pela segurança, obrigando-se mutuamente a se submeter ao poder doEstado.

Montesquieu e Rousseau discordariam deHobbes, pois consideravam o estado denatureza distinto do estado de guerra. ParaMontesquieu,

[...] logo que os homens estão em sociedade, per-dem o sentimento de suas fraquezas; a igualdadeque existia [no estado de natureza] desaparece e oestado de guerra começa. (1979, p. 27).

Já para Rousseau,

[...] a guerra não representa, de modo algum, umarelação de homem para homem, mas uma relaçãode Estado para Estado, na qual os particulares sóacidentalmente se tornam inimigos, não o sendocomo homens, nem como cidadãos, mas como sol-dados. (ROUSSEAU, 1987, p. 28).

O estado de guerra seria, portanto, um estágio degenerado eposterior ao estado de natureza, que, por ser nocivo à sobrevivênciae felicidade humanas, teria levado os homens a celebrar um pactosocial a fim de restituir a paz.

Locke, por sua vez, discordaria de todos os três, pois sequerconsideraria a existência de um estado de guerra na origem dopacto que criaria o estado civil:

Leviatã

É um monstro bíbli-

co que servir ia de

inspiração para o

título da obra de

Hobbes sobre a na-

tureza e funções do

Estado moderno. A

diferença entre o

monstro da bíblia e

o Leviatã moderno é que este seria cria-

do e composto pela união e força de to-

dos os homens que pactuaram em for-

mar o Estado para lhes proteger. Na ilus-

tração de capa da primeira edição da

obra de Hobbes, publicada em 1651, o

Leviatã moderno é representado pela

figura de um rei gigantesco que protege

a cidade, portando a coroa sobre a ca-

beça e empunhando a espada na direi-

ta, cujo corpo e armadura são formados

por todos os homens que compõem a

sociedade e se encontram submetidos ao

seu poder. Fonte: Elaborado pelo autor.

Saiba mais

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33Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquerrenuncia à liberdade natural e se reveste dos laços da soci-edade civil consiste em concordar com as outras pessoasem juntar-se e unir-se em comunidade para viverem comsegurança, conforto e paz umas com as outras, gozandogarantidamente das propriedades que tiverem e desfrutan-do da maior proteção contra quem quer que não faça partedela. Qualquer número de homens pode fazê-lo, porque nãoprejudica a liberdade dos demais; ficam como estavam naliberdade do estado de natureza. (LOCKE, 1983, p. 71).

Quaisquer que tenham sido as motivações que levaram ahumanidade a deixar o estado de natureza para ingressar no estadocivil, a questão fundamental para todos é que sob a ordem civil osdireitos naturais dos indivíduos têm necessariamente de serpreservados. A renúncia a qualquer desses direitos – ainda quevoluntária – seria sempre ilegítima, pois equivaleria à abdicaçãoda própria humanidade.

Por se tratar de direitos humanos inalienáveis, apreservação da liberdade e da propriedade dosindivíduos seria considerada pelos liberais comocláusula pétrea de qualquer contrato social. Todaameaça ou tentativa de usurpação desses direitosseria sempre espúria, pois contrária à razão daexistência do próprio Estado.

Afinal, os homens teriam abdicado de utilizar a sua própriaforça física em favor do Estado justamente para que este garantissea sua liberdade e propriedade, e não contra elas atentasse. Assimsendo, a ação do Estado que se opuser a esses direitos básicos serásempre ilegítima, e a um poder ilegítimo nenhum indivíduo seencontra moralmente obrigado a se submeter.

Essa gênese do Estado, descrita pelos liberais, não encontraqualquer comprovação histórica. A Arqueologia e a Antropologia

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34Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

nunca apresentaram qualquer indício de que o homem tenha, emalgum momento, vivido isolado, e não em grupos. Tampouco háprova da existência de um estado de guerra generalizado anterior àformação do Estado, nem de pacto fundador da união política.

No entanto, a ausência de uma base factual para essa teorianão apresentaria qualquer constrangimento para os filósofosjusnaturalistas, pois o seu método de trabalho é inteiramenteracional e dedutivo, dispensando comprovações empíricas.

Hobbes rejeita a objeção que poderiam lhe formular osadeptos do método histórico da seguinte forma:

Poderá porventura pensar-se que nunca existiu um tal tem-po, nem uma condição de guerra como esta [de todos con-tra todos], e acredito que jamais tenha sido assim, no mundointeiro. [...] Seja como for, é fácil conceber qual seria ogênero de vida quando não havia poder comum a recear,através do gênero de vida em que os homens que anterior-mente viveram sob um governo pacífico costumam deixar-se cair, numa guerra civil. (HOBBES, 1979, p. 76).

Rousseau desdenharia da comprovação histórica com aspalavras as quais inicia o primeiro capítulo do l ivroO Contrato Social:

O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se aferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de sermais escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ig-noro-o. Que poderá legitimá-la? Creio poder resolver estaquestão. (ROUSSEAU, 1987, p. 22).

Ao rejeitarem a história como fonte do conhecimento danatureza e dos fundamentos de uma ordem política legítima eaterem-se estritamente à razão, os pensadores liberais romperiamfrontalmente com a tradição como fonte de legitimação do poder,que então se constituía na base de justificação da dominação dosreis e príncipes da Europa até o século XVIII.

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35Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

vPara conhecer mais

sobre a Declaração

Universal dos Direitos

Humanos, acesse <http:/

/www.onu-brasil.org.br/

documentos_direitoshumanos.php>.

Ao imaginar como seria, viveria e agiria o homem fora doconvívio social e cultural, a teoria jusnaturalista buscaria encontrara fonte original do poder político aplicável a toda a humanidade,independentemente das circunstâncias temporais e dos costumesdos diferentes povos.

Essa pretensão é que animaria inicialmente a elaboraçãoda Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pelosrevolucionários franceses de 1879, e que culminaria com a adoçãopela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, da DeclaraçãoUniversal dos Direitos Humanos.

Ao universalismo intrínseco dos valores liberais estaria aindaassociado um radical humanismo, que romperia com o princípiodo fundamento divino da lei e do poder dos governantes, tambémvigentes até o século XVIII. A ideia de que a união política surge deum pacto de submissão, por meio do qual cada indivíduo abre mãodo uso legítimo da sua força física, transferindo-o ao Estado,repousa sobre a noção, até então desconhecida, de representaçãopopular como fundamento do exercício do poder político.

Essa inovação faria com que o poder exercido por todo equalquer governante – mesmo o das monarquias hereditárias –passasse a ser concebido como poder delegado pelos governados,e não mais por unção de Deus, como sustentavam os adeptos doDireito divino.

Essa inversão do princípio da representação abriria ocaminho para o surgimento da democracia nos Estados liberais navirada do século XIX para o XX, entendida essa como o governodo povo, consagrando o princípio da soberania popular.

Mas até que a democracia fosse admitida pelos liberaishaveria um longo percurso. Inicialmente, liberalismo e democraciaeram vistos como princípios inconciliáveis. Como vimos, de acordocom o liberalismo todo indivíduo é portador de direitos irrevogáveis,que devem ser respeitados por qualquer governo: seja o governo deum só, de poucos ou de muitos. Já a democracia, desde a Antiguidade,repousa, pura e simplesmente, no princípio do governo da maioria,que desconhece qualquer limite além da vontade desta.

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36Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Ora, se para o liberalismo o poder doEstado deve ser sempre limitado pelos direitosnaturais, então existiria uma incompatibilidadefundamental entre os seus princípios e a práticademocrática. Sobre esse ponto, o julgamento dofilósofo e economista liberal inglês John StuartMill seria peremptório:

A democracia não será jamais a melhor forma de gover-no [...] a não ser que possa ser organizada de maneira anão permitir, que nenhuma classe, nem mesmo a maisnumerosa, possa reduzir todo o resto à insignificânciapolítica (MILL, 1980, p. 87).

O temor da tirania da maioria não eraexclusivo dos liberais, mas compartilhado pormuitos outros pensadores havia muitos séculos.Aristóteles considerava a democracia atenienseuma forma degenerada de governo, pois nela amaioria governaria de acordo com o seu própriointeresse, e não para o interesse de todos, comodeveria fazer o bom governo.

Para evitar esse r isco, os l iberaisrecomendariam não só a restrição do direito departicipação política às classes educadas eproprietárias, como também a garantia de direitode expressão para as minorias na assembleia derepresentantes.

A primeira recomendação iria cair porterra com o advento da democracia, comoexaminaremos mais adiante na Unidade 2; asegunda, no entanto, iria se tornar em uma dascláusulas pétreas das democracias liberais.

John Stuart Mill (1806–1873)

Nasceu em Londres, Ingla-

terra. Teve a sua educação

orientada e dirigida, desde

cedo, dentro do utilitarismo

e das obras de Jeremy Bentham, para

quem o egoísmo, a ação uti l itária e a

busca do prazer são princípios capazes

de fundamentar uma moral e orientar

os comportamentos humanos na dire-

ção do bem. Fonte: <http://

educacao.uol .com.br/biograf ias/ john-

stuart-mill.jhtm>. Acesso em: 2 jul. 2009.

Aristóteles (384 – 322 a.C.)

Nasceu na Macedônia. Aos

17 anos foi enviado para a

Academia de Platão em

Atenas, na qual permane-

ceu por 20 anos, inicial-

mente como discípulo, depois como pro-

fessor, até a morte de seu mestre, se

tornando um grande filósofo grego. Au-

xi l iado por Alexandre, fundou o Liceu

(334 a.C.) no ginásio do templo de Apolo.

Aristóteles fez de sua escola um centro

de estudos, em que os mestres se dis-

tribuíam por especialidade, inclusive em

ciências positivas. É considerado o dis-

cípulo mais i lustre de Platão. Fonte:

< h t t p : / / w w w. p u c s p . b r / p o s / c e s i m a /

s c h e n b e r g / a l u n o s / p a u l o s e r g i o /

biografia.html>. Acesso em: 1 jul. 2009.

Saiba mais

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37Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

Mas antes que o pensamento liberal tivesse de rever algunsde seus pressupostos e previsões para se adaptar às circunstânciascriadas pela democratização das sociedades liberais entre o finaldo século XIX e início do século XX, uma outra poderosa correntede pensamento iria surgir na Europa em oposição a ele, fazendouma contundente e profunda crítica à sociedade e economiacapitalistas: o marxismo.

Atividades de aprendizagem

Para verificarmos seu entendimento até aqui, separamos uma

questão para você.

1. Aponte três aspectos fundamentais da matriz liberal.

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Estado, Governo e Mercado

A MATRIZ MARXISTA

O marxismo iria se inserir na longa tradição organicista dafilosofia política, posta em suspensão apenas nos dois séculosanteriores de predomínio do jusnaturalismo no pensamentoeuropeu.

A dinâmica das sociedades voltaria a ser compreendida eanalisada a partir das relações estabelecidas entre os seus grupossociais concretos, e não mais a partir de indivíduos abstratos.A história – relegada pelos jusnaturalistas a um plano secundário –passa a ser o objeto central da reflexão dos filósofos e economistasalemães do século XIX, entre os quais se encontraria Marx.Inspirado pela dialética hegeliana, Marx iria fazer tanto a crítica doidealismo no pensamento de Hegel (1770–1831) quanto daeconomia política inglesa, dialogando, a um só tempo, com ambasas correntes de pensamento, até então apartadas uma da outra.

A história não seria uma mera sucessão temporal defatos e de diferentes formas de organização social daprodução, dominação e representação do mundo, masteria um motor – a luta de classes – que a conduziriaa uma determinada finalidade.

De acordo com essa concepção, o movimento da histórianão seria aleatório ou indeterminado, nem tampouco contínuo, masse desenvolveria por meio de contradições, isto é, dialeticamente.Na teoria de Marx, o movimento dialético da história não se dariano nível das ideias, como para Hegel, mas no plano concreto das

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relações de produção da riqueza social. É por isso que o métodopor meio do qual Marx iria interpretar e explicar o movimento dahistória seria chamado por ele de materialismo dialético. Vejaa Figura 2.

Figura 2: Operários em greveFonte: <http://bocadotrombone.files.wordpress.com/2009/06/

20_mhg_pais_greve.jpg>. Acesso em: 2 jul. 2009.

As classes sociais são um conceito-chave do pensamentomarxista e seriam identificadas e definidas por sua inserção noprocesso produtivo, resultante da divisão social do trabalho. Emcada período da história, as classes fundamentais de uma sociedadeseriam aquelas diretamente ligadas ao modo de produçãodominante.

O conceito de modo de produção – central na periodizaçãomarxista da história da humanidade – iria resultar da combinaçãode dois fatores:

as forças produtivas, isto é, o trabalho humano, osmeios de produção – tais como a terra, as máquinas eequipamentos – e as tecnologias empregadas naprodução; e

as relações de produção, que se estabelecem entre asdiferentes classes sociais e que envolvem: a

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propriedade sobre os fatores de produção e sobre oproduto do trabalho; e o mando e controle sobre oprocesso de produção.

Embora o interesse principal de Marx fosse dissecar ecompreender a lógica e o funcionamento do modo de produçãocapitalista, que emergiu nas sociedades europeias, sua pretensãode elaborar uma teoria geral da história da humanidade o levoutambém a examinar os modos de produção anteriores ou estranhosà civilização ocidental.

Antes que surgissem as primeiras civilizações, o modo deprodução predominante teria sido o do “Comunismo primitivo”.Sob este, a humanidade viveria organizada em tribos, não haveriaEstado, divisão social do trabalho, classes sociais nem propriedade.A produção e o consumo seriam coletivos, não havendo excedentede riqueza. No comunismo primitivo, os homens viveriam na maisabsoluta igualdade, mas também na escassez e na miséria.A produção de um excedente econômico só seria possível a partirda invenção da agricultura e da divisão social do trabalho, quetraria consigo a divisão do grupo social em diferentes classes, asquais, por sua vez, iriam se apropriar de forma distinta da riquezaproduzida, ensejando assim o surgimento de uma classe dominantesobre uma ou mais classes dominadas. Seria a partir dessemomento que surgiria o Estado com a função de garantir adominação de classe.

Na teoria marxista, a garantia da preponderância daclasse dominante sobre a classe dominada seria aprincipal razão do surgimento e manutenção do Estado.

Ao sair do comunismo primitivo, característico da Pré-História, começariam as lutas de classe. Seria precisamente por issoque Marx definiria a história da humanidade como a história daslutas de classe. A história teria conhecido quatro modos de produçãodominantes: o asiático, o antigo, o feudal e o capitalista.

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Sob a denominação de modo de produção asiático, Marxenglobaria todos os modos de produção estranhos à civilizaçãoocidental, sendo, por isso, o conceitualmente mais frágil econtroverso. Esse modo de produção teria predominado entre ascivilizações surgidas nos vales do Nilo, no Egito, do Tigre e Eufrates,na Mesopotâmia, e do Rio Amarelo, na China (por isso chamadode “asiático”). Essas civilizações desconheciam as relações deescravidão e servidão, características do Ocidente pré-capitalista,e fundavam-se na exploração de tribos e comunidades rurais poruma classe dominante que normalmente exercia funções religiosase comandava a construção das grandes obras, como as pirâmidesdo Egito; os grandes templos da Mesopotâmia, Pérsia e Índia; e aMuralha da China.

No Ocidente – mais precisamente em torno do Mar Egeu ena bacia do Mediterrâneo – teria se desenvolvido o modo deprodução antigo, predominante durante a Antiguidade Clássica.Esse seria fundado na escravidão e caracterizado por uma divisãode classes em que a classe dominante seria proprietária de todosos fatores de produção, inclusive dos homens, mulheres e crianças– seus escravos – destituídos de toda propriedade e de qualquerdireito. Nas sociedades organizadas sob esse modo de produção,as classes sociais fundamentais seriam a dos proprietários dos meiosde produção – a dos patrícios, na Roma republicana e imperial – ea dos escravos. A contradição fundamental dessas sociedadesresidiu na relação entre senhores e escravos, sendo as frequentesrevoltas dos cativos – como a comandada por Espártaco (109 a.C.–71 a.C.) e celebrizada na literatura e no cinema – um exemplo daluta de classes na Antiguidade.

Sucedendo o modo de produção antigo viria o modo deprodução feudal, predominante durante a Idade Média na Europa,em que as classes fundamentais seriam, de um lado, a da nobrezasenhora de terra e, de outro, a dos servos da gleba. A dominaçãodos primeiros sobre os segundos dar-se-ia por meio de um complexosistema de obrigações e direitos mútuos e desiguais, fundados nouso da terra – que era um bem comum, da qual os servos eram

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uma emanação e sobre a qual os senhores exerciam o seu poder –e na apropriação da produção agrícola.

Por fim, viria o modo de produção capitalista, predominantenas sociedades industriais, em que as classes fundamentais seriama burguesia – proprietária de todos os meios de produção – e oproletariado – dono apenas da sua força de trabalho.Diferentemente dos modos de produção anteriores, em que a classedominante dispunha de meios legais para coagir a classe dominadaa trabalhar em seu benefício, sob o modo de produção capitalistaos trabalhadores seriam formalmente livres e venderiamvoluntariamente sua força de trabalho para os industriais burguesesem troca de um salário livremente contratado entre as partes nomercado. Marx iria mostrar em sua obra que a igualdade formalentre burgueses e proletários perante o Estado e no mercado estariaa mascarar, de fato, a dominação e a exploração dos primeirossobre os segundos. Destituídos de todas as posses, aos proletáriossó restaria vender a sua força de trabalho à burguesia parasobreviver, não havendo, portanto, verdadeiramente liberdade eescolha para aqueles que nada possuíam.

Portanto, sob a ordem liberal dominante na sociedadecapitalista – aparentemente livre e igualitária e pretensamentefundada nas leis da natureza – existiria de fato uma ordem burguesa,ou seja, que atenderia, antes de tudo, aos interesses econômicosda burguesia, assegurando o seu lugar de classe dominante nasociedade.

A essa aparente naturalidade das relações sociais estabelecidas

no mercado Marx chamaria de fetichismo da mercadoria.

Por que “fetichismo”, você sabe?

Ao transformar todos os fatores de produção em mercadoria– a terra, o capital (dinheiro, fábricas, máquinas e equipamentos)e a força de trabalho – a serem livremente trocadas no mercado, ocapitalismo transformaria as relações sociais subjacentes a essas

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trocas – isto é, as relações de produção, que são relaçõesessencialmente humanas – em relações entre coisas (mercadorias),em fetiche*.

A essa visão de mundo, dominante nas sociedades liberaisdo século XIX e dominada pelo fetichismo da mercadoria, Marxchamaria de ideologia.

Segundo Marx, a ideologia dominante em uma determinadasociedade seria também a ideologia da sua classe dominante.Portanto, nada mais natural que nas sociedades capitalistas aideologia dominante fosse a burguesa, isto é, aquela quecorrespondia à visão que os burgueses tinham da sociedade comoum todo a partir do ponto de vista que tinham devido à sua inserçãoeconômica na sociedade e seu interesse de classe. Para Marx,haveria então uma relação direta entre a representação que oshomens têm da realidade e a sua inserção econômica nessarealidade. A primeira seria chamada de superestrutura e a segundade infraestrutura ou, simplesmente, estrutura.

De acordo com a perspectiva de Marx, a estrutura seriadeterminante sobre a superestrutura, isto é, a inserçãoconcreta dos homens no processo econômico é quedeterminaria a sua forma de ver e de conceber omundo.

Essa determinação da superestrutura pela estrutura derivarialogicamente do materialismo dialético, método de investigação einterpretação da realidade criado e utilizado por Marx em seutrabalho. Ao examinar as relações materiais estabelecidas entre oshomens na sociedade capitalista, isto é, as relações estabelecidasentre eles no processo de produção industrial, Marx iria formular asua teoria do valor e identificar uma série de leis que regeriam ocapitalismo.

A teoria do valor de Marx é complexa, extensa e demonstradapor meio de fórmulas, assim como também o são as leis do

*Fetiche – de fetichismo,

no mercado, as mercado-

rias pareceriam ter uma

dinâmica e uma lógica

próprias, independente

da vontade e da ação das

pessoas, cujo valor de

troca seria definido pela

lei impessoal da oferta e

da demanda. Fonte: Ela-

borado pelo autor.

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capitalismo por ele identificadas. O seu adequado estudo ecompreensão extrapolam em muito os objetivos desta disciplina.

No entanto, compreender em linhas gerais a concepção deMarx sobre o funcionamento do capitalismo é fundamental paraentender como e por que ele chegaria à conclusão de que o sistemacapitalista é baseado na exploração do proletariado pela burguesiae de que a revolução proletária e as passagens, primeiramente docapitalismo para o socialismo e finalmente deste para o comunismo,não apenas seriam desejáveis como necessárias para o progressoda humanidade.

Em A riqueza das nações, publicado em 1776, Adam Smithjá havia identificado o trabalho humano como fonte geradora dariqueza de uma sociedade, que independeria dos recursos naturaisdisponíveis no seu território. Marx, em sua investigação, iria darum passo além: identificaria na força de trabalho a origem de todacriação de valor. Para Marx, o capital não seria outra coisa senãotrabalho morto, isto é, a parte do valor produzida pela força detrabalho, ou seja, pelos trabalhadores, que não lhes foi paga sob aforma de salários, mas acumulada pelo capitalista e reinvestida naprodução.

Essa parte do valor criado pelo trabalho humano e nãoapropriada pelos trabalhadores Marx chamaria de mais-valia*.A lógica dos capitalistas seria sempre extrair mais mais-valia dosseus trabalhadores, acumulando capital para reinvestir na produçãoe aumentando assim constantemente a sua riqueza. Essa lógica deacumulação incessante de capital independeria da vontade doscapitalistas individualmente, mas seria inerente à sua condição declasse e à sua sobrevivência no mercado. A concorrência entrecapitalistas levaria estes a procurar aumentar constantemente aprodutividade de suas empresas, investindo cada vez mais emmáquinas, equipamentos e tecnologia e, proporcionalmente, cadavez menos em trabalho humano.

Essa lógica implacável do capital teria diversasconsequências, entre as quais cabe destacar duas:

*Mais-valia – conceito

fundamental da teoria

marxista. Criado por Karl

Marx para caracterizar a

exploração do proletari-

ado pelos capitalistas.

Na sua concepção origi-

nal, era definido como a

diferença entre o valor

dos produtos que os tra-

balhadores produzem e o

valor pago à força de tra-

balho vendida aos capita-

listas. Fonte: Lacombe

(2004).

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a tendência à concentração do capital, por meio daqual os capitalistas cujas empresas fossem maisprodutivas acabariam eliminando do mercado oscapitalistas e empresas menos produtivas – o que nolongo prazo levaria a uma situação de oligopólio e,f inalmente, de monopólio, exterminando aconcorrência; e

a redução proporcional do número de trabalhadores eo aumento crescente de desempregados, chamadospor Marx de exército industr ial de reserva.A combinação dessas duas tendências, levadas àsúltimas consequências, resultaria no fim do própriocapitalismo, já que o meio para a sua sobrevivência éo mercado – que desapareceria sob uma situação demonopólio – e a condição para a constanteacumulação e valorização do capital seria a mais-valiaextraída da força de trabalho, cujo contingente seriacada vez mais reduzido.

Frente a essas contradições inerentes ao capitalismo einsuperáveis sob esse modo de produção, a humanidade iria se ver– conforme a projeção de Marx – frente a duas alternativas:socialismo ou barbárie. A barbárie resultaria naturalmente dacrescente acumulação da riqueza nas mãos de uns poucos eextensão crescente da miséria, pois o desenvolvimento docapitalismo tenderia a dissolver as demais classes sociais existentesna sociedade em apenas duas: a dos proprietários capitalistas e ados proletários. O socialismo, no entanto, não resultaria assimnaturalmente, mas da ação deliberada do proletariado organizadoem partido como força política para tomar o poder e implantaruma ordem social conforme os seus interesses de classe, que seriamtambém o interesse da maioria.

A mudança da ordem social por meio de uma revolução declasse não seria uma novidade na história, já que teria ocorridoanteriormente quando a burguesia emergente derrubou a monarquiafrancesa, pondo fim ao Antigo Regime e instituindo a ordem liberal

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e burguesa, primeiro na França e depois em toda a Europa.A revolução burguesa, no entanto, não se fez sem um novo projetode mundo e de organização social, que foi construído pelospensadores liberais como alternativa à velha ordem e às velhasideias dominantes. Esse mesmo percurso deveria ser então seguidopelo proletariado industrial.

Tal como a burguesia construiu uma visão de mundo,conforme os seus interesses de classe, a qual foi posteriormenteassimilada pelas demais classes da sociedade, tornando-se ideologiadominante, o proletariado deveria fazer o mesmo. Mas para isso,ele deveria, antes, desenvolver a consciência dos seus própriosinteresses de classe para que pudesse transformá-los em interessescolet ivos. A tomada de consciência seria um processoeminentemente político, não derivado automaticamente da inserçãoeconômica de uma classe social no processo produtivo. Para explicaressa diferença, Marx subdividiria o conceito de classe social em“classe em si” e “classe para si”.

Uma classe em si seria constituída por aquele grupo dehomens e de mulheres que se encontravam sob condiçõeseconômicas idênticas, mas que não havia desenvolvido aconsciência dos seus próprios interesses. Esta seria a condição dooperariado industrial e também dos camponeses, servos da gleba,durante a Idade Média, e dos escravos, na Antiguidade. A diferençaseria a de que, nem servos nem escravos dispunham no seu tempodas condições de desenvolver a consciência dos seus própriosinteresses, que lhes permitissem passar da condição de classe emsi para a de classe para si.

Antes do advento da sociedade industrial, os indivíduospertencentes às classes exploradas encontravam-se espalhados peloterritório sem contato uns com os outros, o que não lhes teriapermitido desenvolver uma consciência de classe e formular umprojeto de organização de toda a sociedade, conforme os seuspróprios interesses.

Segundo Marx, essas condições já existiriam para osproletários industriais no século XIX, na medida em que odesenvolvimento da grande indústria os havia concentrado num

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mesmo local, sob condições idênticas de vida e de trabalho. O papeldo part ido comunista seria precisamente o de organizarpoliticamente a classe operária, desenvolver a sua consciência declasse e conduzi-la na tomada do poder.

Para Marx, a tomada do poder do Estado pelo proletariadoporia fim à propriedade privada dos meios de produção e à ordeme dominação burguesas, instituindo a ditadura do proletariado. Aoutilizar o termo “ditadura”, Marx não estaria propugnando umaforma de governo mais dura ou autoritária que a dos governosl iberais e monarquias parlamentares do seu tempo, massimplesmente indicando que aquele seria um governo de classe, enão um governo de todos.

Para Marx todo governo em uma sociedade de classesseria sempre uma ditadura da classe dominante.Portanto, da mesma forma que sob a ordem capitalistase vivia sob a “ditadura da burguesia” – qualquer quefosse a forma assumida pelo Estado burguês –, sob osocialismo iria se viver sob a ditadura do proletariado.A diferença é que, sob o capitalismo, a sociedadeviveria sob a ditadura da minoria – a da burguesia –,enquanto que sob o socialismo iria se viver sob aditadura da maioria – o proletariado.

O Socialismo, no entanto, seria apenas uma fase transitóriado capitalismo ao comunismo, durante a qual o proletariadoutilizaria toda a força do Estado para acabar com a sociedade declasses. A missão histórica e libertadora do proletariado seriaprecisamente essa: acabar com as classes sociais, restabelecendoa igualdade inicial entre os homens. No entanto, à diferença docomunismo primitivo, em que todos seriam iguais na pobreza, soba sociedade comunista pós-capitalista os homens iriam ser iguaisna abundância, podendo finalmente desenvolver plenamente o seupotencial humano. Quando as classes tivessem sido finalmenteabolidas, o próprio Estado deixaria de existir, pois teria perdido

vManifesto do Partido

Comunista – de Marx.

Disponível em: <http://

www.scielo.br/

scielo.php?pid=S0103-

40141998000300002

&script=sci_arttext>.

Acesso em: 2 jul. 2009.

Para conhecer mais

sobre a teoria da

revolução de Marx, leia

O Manifesto do Partido

Comunista.

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completamente a sua função, que seria a de garantir a dominaçãode uma classe sobre as demais.

Segundo Marx, a sua teoria da revolução e da tomada dopoder pelo proletariado nada teria de utópica, mas estariacientificamente embasada. Por isso, Marx iria chamar o socialismopor ele propugnado de “socialismo científico”, diferenciando-odas demais formas de socialismo propostas por outros filósofos doseu tempo, que, por não estarem fundamentadas na avaliação dahistória conduzida pelo método do materialismo dialético, seriamutópicas. Por ser científico, o socialismo de Marx não poderia serinstituído em qualquer sociedade nem sob quaisquer circunstâncias,mas dependeria de determinadas condições objetivas. Essascondições seriam precisamente as do capitalismo industrialplenamente desenvolvido.

Para Marx, o capitalismo teria desempenhado um papelprogressista na história da humanidade ao libertar o homem dascondições de dominação existentes nas sociedades tradicionais esoltar as amarras que até então impediam o pleno desenvolvimentodas forças produtivas nas sociedades humanas. Somente sob ocapitalismo é que teriam sido criadas as condições para o aumentocrescente da riqueza social e consequente superação do quadro deescassez a que a humanidade, até então, vivia submetida.

Portanto, a perspectiva de Marx não pode jamais ser tomadapor anticapitalista, como a de alguns socialistas utópicos, mas simpor pós-capitalista. A partir do momento em que a burguesia tivessecumprido o seu papel histórico de promover o desenvolvimento docapitalismo, subvertendo completamente a ordem das sociedadestradicionais, e que o capitalismo não estivesse mais trazendoqualquer progresso à humanidade, esse deixaria de serrevolucionário para tornar-se reacionário. Essa parecia ser asituação das sociedades capitalistas industrialmente desenvolvidasda Europa, como a Inglaterra e a Bélgica.

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Para Marx, o pleno desenvolvimento do capitalismoera uma condição necessária para a implantação dosocialismo.

Caberia então ao proletariado tomar o poder e conduzir ogênero humano à sua libertação, cumprindo a sua missão histórica.Foi com essa convicção que Marx participou da fundação, em 1864,da Associação Internacional dos Trabalhadores, em Londres, queposteriormente seria mais conhecida por I Internacional. No entanto,o desenrolar dos acontecimentos políticos e econômicos na Europae nas sociedades capitalistas, em geral, iria tomar uma direçãodiferente da imaginada por Marx.

Atividade de aprendizagem

Avançamos mais um tópico em nosso estudo. Se vocêrealmente entendeu o conteúdo, não terá dificuldades deresponder à questão a seguir. Se, eventualmente, aoresponder, sentir dificuldades, volte, releia o material eprocure discutir com seu tutor.

2. Cite três características distintivas de cada corrente de pensamento

até aqui analisada.

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Estado, Governo e Mercado

AS MUDANÇAS NAS SOCIEDADES

CAPITALISTAS NO FINAL DO SÉCULO XIXE SEUS IMPACTOS SOBRE AS

MATRIZES MARXISTA E LIBERAL

No fim do século XIX, a sociedade e a economia capitalistaspassariam por profundas transformações que iriam obrigar tantoos pensadores marxistas quanto os liberais a reverem alguns deseus prognósticos e paradigmas.

No plano político, a mudança mais impor tante foi ademocratização das sociedades liberais, com a adoção do sufrágiouniversal masculino. Contrariamente à expectativa de todos, osquais acreditavam que o governo da maioria e a economia demercado fossem incompatíveis, a experiência do século XX iriamostrar que democracia e capitalismo poderiam muito bemconviver numa mesma sociedade. Essa contraprova da história iriadesafiar ambas as correntes a explicar os mecanismos que tornariampossível a coexistência de um sistema econômico com um sistemapolítico, baseados em princípios aparentemente contraditórios.

No plano econômico, a virada do século traria importantestransformações tecnológicas e organizacionais, cujos impactossobre o conjunto das sociedades seriam enormes, causando diversasmudanças que foram sentidas ao longo das décadas e levando àreestruturação e reorganização da produção. A Segunda RevoluçãoIndustrial produziria profundas mudanças na composição da força detrabalho e seria acompanhada pelo desenvolvimento das sociedades

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por ações que modificariam o padrão de organização e gestãoempresarial, assim como a inter-relação das empresas no mercado.

Essas transformações não foram presenciadas por Marx, quemorreu em 1883, mas o surgimento das empresas de capital aberto– por ele assistido – seria erroneamente interpretado como indicadorde uma fase de transição do capitalismo para o socialismo, e nãocomo de mudança do padrão de funcionamento do própriocapitalismo. “Aos olhos de Marx [escreveria Raymond Aron (2005,p. 630), um dos maiores conhecedores da sua obra] as grandessociedades por ações [que começavam a surgir já no seu tempo]representavam uma primeira forma de negação do capitalismo euma forma transitória entre o capitalismo e o socialismo”.

Por isso, toda a teoria de Marx encontra-se baseada no estudoda dinâmica das sociedades capitalistas do século XIX, e seusprognósticos calcados na projeção das tendências nelas entãoobservadas.

Em meados do século XIX, os Estados liberais europeus eramdirigidos por governos constituídos com base na representaçãopopular e escolhidos por meio do voto censitário. Tanto nasmonarquias constitucionais, como as dos Países Baixos e do ReinoUnido, quanto nas repúblicas, como as da Suíça e da França após1870, o direito de voto era sempre restrito às classes proprietáriase educadas. Por essa razão, Marx afirmaria sem hesitar que, qualquerque fosse a forma assumida pelo Estado, todo governo seria sempreuma ditadura da classe dominante. Ainda que a burguesia governassea si própria democraticamente, pois todos os seus membros tinhamdireito a voto, seu governo sobre a massa trabalhadora excluída doprocesso eleitoral seria sempre uma ditadura.

Figura 3: Locomotiva utilizada no século XVIIIFonte: <http://www.gutenberg.org/files/20417/20417-h/images/image447a.jpg>.

Acesso em: 2 jul. 2009.

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Quanto ao padrão tecnológico vigente no tempo de Marx,conforme Figura 3, esse era ainda o mesmo da primeira RevoluçãoIndustrial, iniciada nas últimas décadas do século XVIII e baseadona máquina a vapor como motor propulsor dos engenhos fabris,navios e locomotivas, no carvão como combustível e nas ferroviascomo principal meio de transporte terrestre. Essa tecnologiaempregava intensivamente mão de obra, o que implicava noaumento constante do contingente de trabalhadores industriais –embora Marx já houvesse observado a tendência de substituiçãodo trabalho humano pelo das máquinas. Em relação à dinâmicado mercado e à gestão dos negócios, as empresas interagiam emum mercado l ivre, desregulado e competit ivo, erammajoritariamente de propriedade individual ou familiar, e dirigidasdiretamente pelos seus próprios donos.

Seria a partir da observação dessa realidade e das tendênciasnela identificadas que Marx iria formular os seus prognósticos sobreo futuro do capitalismo. O uso intensivo de mão de obra sobre oqual se baseava a acumulação e expansão capitalista levou-o aimaginar que as demais classes sociais existentes – como a pequenaburguesia e o campesinato – tenderiam a desaparecer com aabsorção dos seus membros pelas classes fundamentais: a burguesia– cada vez menor e mais rica–; e o proletariado – cada vez maisnumeroso e tendendo a se tornar majoritário na sociedade. Nessecenário, a polarização e a luta de classes lhe pareceriam inevitáveis.Dado o controle familiar dos meios de produção e a crescentedesigualdade de riqueza entre as classes, os membros da burguesiaseriam facilmente identificáveis, não só pelo seu nome e sobrenome,mas também pelo seu estilo de vida, cada vez mais opulento econtrastante com o dos trabalhadores.

Essa situação iria mudar substantivamente após a morte deMarx. Com o surgimento da democracia, iria se abrir aos operáriosindustriais a oportunidade de participar do processo político,elegendo seus representantes, influenciando a ação do Estado dedentro do parlamento e, eventualmente, chegando ao poder pelavia eleitoral. Assim, “a escolha crucial [que se pôs para asorganizações dos trabalhadores] foi entre participar ou não [do

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processo eleitoral e do jogo parlamentar]”(PRZEWORSKI, 1985, p. 19). Não sendo umaescolha nada fácil, ela iria provocar a primeiragrande cisão no seio do movimento operário esocialista internacional. Uma parte iria aceitar asnovas regras do jogo e participar das eleições,trocando a revolução por concessões de benefíciossociais aos trabalhadores, essa mesma partetambém aceitaria a luta pela cooperação entreclasses e admitiria a propriedade privada e aeconomia de mercado. A outra rejeitaria aproposta de adesão à democracia burguesa,mantendo-se f iel ao ideário da revoluçãosocialista e à tomada do Estado sem concessõesà burguesia. Os primeiros iriam herdar ou fundaros partidos sociais-democratas e socialistas doOcidente, e dominar a II Internacional, fundadaem 1889 pelos marxistas após a cisão da IInternacional; os segundos iriam organizar-se nospartidos comunistas mundo afora e promover arealização da III Internacional, em 1919, e, comoLênin, chamar os sociais-democratas de sociais-traidores. Lênin (s/d, p. 175) assim se referiria às liderançasoperárias que haviam renunciado à revolução socialista:

Esa capa de obreros aburguesados o de “aristocraciaobrera”, enteramente pequeño burgueses por su género devida, por sus emolumentos y por toda su concepción delmundo, es el principal apoyo de la II Internacional, y, hoydía, el principal apoyo social (no militar) de la burguesía.Porque son verdaderos agentes de la burguesía en el senodel movimento obrero, lugartenientes obreros de la clasede los capitalistas, verdaderos vehículos del reformismo ydel chovinismo.

As mudanças ocorridas no processo de produção e deorganização das empresas iriam igualmente transformar o cenário

Lênin (1870-1924)

Vladimir I l l itch Ulianov

nasceu na Rússia, onde

iniciou sua atividade re-

volucionária na década

de 1890, quando formou

um grupo marxista em São Petersburgo.

Tinha como objetivo para si provar que

– ao contrário das teses de Marx – uma

revolução comunista era possível tam-

bém num país como a Rússia, onde o

capitalismo mal dava seus primeiros

passos. Além disso, propôs a tese do

“centralismo democrático”, segundo a

qual os marxistas podiam discutir l i-

vremente entre si antes de agir, mas,

na hora da ação, sua obrigação era

obedecer, com disciplina militar, à li-

derança partidária. Fonte: <http://

e d u c a c a o . u o l . c o m . b r / b i o g r a f i a s /

ult1789u486.jhtm>. Acesso em: 1 jul. 2009.

Saiba mais

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Estado, Governo e Mercado

econômico e as perspectivas para a classe operária. Com o adventoda Segunda Revolução Industrial na virada do século XIX para oXX, marcada pela invenção do motor a explosão, pelodesenvolvimento da energia elétrica e das indústrias mecânica,química e eletrônica, e pela utilização do petróleo como combustível,o processo de produção iria se tornar muito mais complexo e umasérie de novas atividades e postos de trabalho requeridos pela novasociedade industrial iria proliferar em detrimento do crescimentodo operariado fabril. Assim, a expectativa de que o proletariadoindustrial viesse a se tornar a classe social majoritária na sociedadeacabou sendo frustrada. Mais que isso: o operariado passaria aregredir proporcionalmente ao conjunto da população, como nosmostra Przeworski,

[...] de 1890 a 1980, o proletariado continuou a perfazeruma minoria do eleitorado. Na Bélgica, o primeiro paíseuropeu a estabelecer uma indústria significativa, a pro-porção de operários conseguiu, de fato, quebrar o encantodo número mágico da maioria, atingindo 50,1% dos vo-tantes em 1912. Desde então, sua porcentagem declinousistematicamente, chegando a 19,1% em 1971. Na Dina-marca, a proporção de operários no eleitorado nunca ul-trapassou 29%. Na Finlândia, jamais excedeu 24%.Na França, essa proporção declinou de 39,4%, em 1893,para 24,8% em 1968. Na Alemanha, os operários comoproporção do eleitorado passaram de 25,5% em 1871 para36,9% em 1903, desde então constituindo cerca de umterço dos eleitores. Na Noruega, os operários constituíam33% do eleitorado em 1894, e sua proporção atingiu oauge – 34,1% – em 1900. Na Suécia, a porcentagem detrabalhadores no eleitorado cresceu de 28,9% em 1908para 40, 4% em 1952; a seguir, declinou até 38,5% em1964. (PRZEWORSKI, 1985, p. 38).

Assim, mesmo na hipótese de toda a classe operária votarunida no partido que representasse os seus interesses exclusivos,sem alianças e concessões a outras classes e grupos sociais

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representados por outros partidos políticos, a sua chegada ao poderde Estado pela via eleitoral iria se mostrar numericamente impossível.

Além disso, as sociedades por ações iriam se impor comoforma principal de organização das empresas capitalistas, emresposta à maior quantidade e concentração de capitais requeridaspelo padrão tecnológico da Segunda Revolução Industrial. Com aproliferação das grandes empresas capitalistas industriais,comerciais e financeiras, durante o século XX, a sua gestão teriade se profissionalizar, saindo das mãos dos proprietários – cadavez mais difíceis de identificar, sobretudo nas sociedades anônimas– para as de administradores profissionais. Nessa nova, maiscomplexa e diversificada estrutura produtiva, iria aumentarsignificativamente a proporção de indivíduos cuja inserção noprocesso produtivo não seria passível de ser classificada nem comopertencente à burguesia, nem como integrante do operariadoindustrial. Com isso, as car tas do jogo político concebidoestritamente em termos de luta de classes iriam embaralhar-se.

As profundas mudanças produzidas na estrutura efuncionamento das sociedades capitalistas iriam exigir novasexplicações não encontráveis na obra dos pensadores do séculoXIX, nem na de Marx, nem na dos liberais. No campo marxista, iriase afirmar a percepção de que o capitalismo havia mudado de padrão,deixando de ser um sistema concorrencial – em que as empresasdisputavam um mercado em relativa igualdade de condições – parase tornar num sistema monopolista – em que grandes conglomeradosdominariam, de fato, a produção, numa concorrência desigual comas empresas familiares e de menor porte. Para explicar essa novafase, Lênin escreveria em 1916 o ensaio Imperialismo, fase superiordo capitalismo, explicando-a da seguinte forma:

La propriedad privada fundada en el trabajo del pequeñopatrono, la libre competencia, la democracia, todas esasconsignas por medio de las cuales los capitalistas y su prensaengañan a los obreros y a los campesinos, pertenecen a unpasado lejano. El capitalismo se ha transformado en unsistema universal de sojuzgamiento colonial y de

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Estado, Governo e Mercado

estrangulación financiera de la inmensa mayoría de lapoblación del planeta por un puñado de países“adelantados”. El reparto de ese “botín” se efectúa entredos o tres potencias rapaces, y armada hasta los dientes(Norteamérica, Inglaterra, el Japón), que dominan el mun-do y arrastran a su guerra, por el reparto de su botín, atodo el planeta. (LÊNIN. s/d, p. 177).

A atualização pretendida por Lênin da teoria do capitalismode Marx não seria influenciada apenas pela observação dastendências gerais do capitalismo nos novos tempos, mas tambémpelo seu particular envolvimento na luta política do seu país – aRússia – que ocupava uma posição periférica no sistema capitalistainternacional. Contrariamente a Marx, que imaginava que arevolução iria começar nos países capitalistas mais desenvolvidos,e deles se alastrando pelo mundo, Lênin acreditava que a revoluçãoteria lugar justamente nos países menos desenvolvidos, uma vezque sob a fase imperialista do capitalismo, as nações capitalistasdominantes, por meio da superexploração do mundo, conseguiriamcooptar e corromper as lideranças operárias nacionais. Dada aincipiente industrialização da Rússia e, portanto, do reduzidotamanho da classe operária do país, Lênin iria propor a aliançaentre operários e camponeses – que constituíam a maioria do povorusso – contra a burguesia –, aliança que, para Marx, pareceriaabsurda, uma vez que, aos seus olhos, o campesinato era uma classeconservadora e reacionária.

Após a revolução de outubro de 1917 e a tomada do poderna Rússia pelos Bolcheviques, Lênin iria dar especial atenção aopapel do Estado soviético, sob o seu comando, e à sua forma degoverno:

Sin embargo, seria la mayor torpeza y la más absurda utopíasuponer que se puede pasar del capitalismo al socialismosin coerción y sin dictadura. La teoría marxista ya se hapronunciado hace mucho, y del modo más rotundo, con-tra este absurdo democrático-pequeñoburgués y anarquis-ta. (LÊNIN, s/d, p. 439).

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Assim, a ditadura do proletariadoassumiria na União Soviét ica e nopensamento de Lênin um significado bemmais forte do que no de Marx, pois no tempodeste inexistia democracia no mundo, aopasso que no de Lênin essa já era a forma degoverno dos países capitalistas maisdesenvolvidos da Europa e dos EstadosUnidos. A rejeição da democracia e a defesaintransigente da ditadura como forma degarantir as conquistas da revolução socialistairiam separar claramente as correntesmarxistas de orientação leninista, ligadas à IIIInternacional, que ocupariam maior espaçoentre a esquerda dos países da periferia do mundo capitalista, e ascorrentes marxistas dos países capitalistas centrais.

Ocupando uma posição intermediária entre a de Lênin e aque os marxistas da Europa Ocidental iriam assumir no pós-guerraencontra-se o pensamento de Antonio Gramsci. Gramsci assistiriaa ascensão do fascismo no seu país, sendo encarcerado em 1926.Foi no cárcere que ele escreveu boa parte de sua obra e passou amaior parte dos seus dias até a morte. Seu pensamento seriafortemente influenciado pela situação do seu país natal, divididoentre um norte industrializado e um sul atrasado e arcaico, edominado pelo fascismo, que havia surgido como um movimentode massas em meio a um regime democrático e levado a Itália aototalitarismo. Os papéis da cultura e da liderança políticas seriamobjetos centrais da sua reflexão e temas de muitos dos seus escritos.A partir do conceito de hegemonia de classe, utilizado por Lêninpara indicar a liderança do operariado industrial na condução darevolução socialista, Gramsci criaria o conceito de “hegemoniacultural”, por meio do qual iria explicar a manutenção do Estadocapitalista e as razões pelas quais a revolução socialista, imaginadacomo inevitável pelos marxistas do século XIX, não teria ocorridono século XX.

Antonio Gramsci (1891–1937)

Uma das referências essenciais

do pensamento de esquerda no

século XX. Membro fundador e

principal teórico do Partido Co-

munista Italiano (PCI). Promoveu

o casamento das ideias de Marx com as de

Maquiavel, considerando o Partido Comunis-

ta o novo “Príncipe”, a quem o pensador

florentino renascentista dava conselhos

para tomar e permanecer no poder. Fonte:

<ht tp : //educacao.uo l . com.br/b iograf ias/

ult1789u379.jhtm>. Acesso em: 1 jul. 2009.

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58Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Segundo Gramsci, o Estado não se manteria nas sociedadescapitalistas apenas pela força, mas exerceria o seu poder por meioda ideologia, isto é, da hegemonia cultural dos valores burgueses,compartilhados inclusive pela classe operária. Após a morte deGramsci, a liderança intelectual sobre o Partido Comunista Italiano– PCI – iria ser exercida por Palmiro Togliatti (1893–1964),fornecendo a base teórica e ideológica para o surgimento doEurocomunismo nos anos de 1970 e 1980, que passaria a ser aorientação dominante na maior parte dos partidos comunistas daEuropa Ocidental. O Eurocomunismo iria se afastar ideologicamentedo Partido Comunista da União Soviética ao declarar fidelidade àsinstituições democráticas, renunciar à revolução social como formade construção do socialismo e procurar representar outras forçassociais além do operariado industrial, como os funcionários do setorpúblico, as classes médias e os novos movimentos sociais.

Na Europa Ocidental, capitalista e democrática do pós-guerra, os pensadores marxistas não l igados aos partidoscomunistas dos seus países acabariam logo deixando de lado aquestão da revolução e do Estado socialista para refletir sobre opapel do Estado nas sociedades capitalistas. Assim, a discussãosobre as relações entre Estado e mercado voltaria com força nocampo do marxismo. Entre os diversos pensadores marxistaseuropeus, iria se formar o consenso de que, sob as condições domundo contemporâneo, o mercado não seria mais o meio suficientepara o capitalismo vicejar e se reproduzir – como acreditava Marx,com razão, ao analisar a dinâmica do capitalismo nas sociedadesliberais do século XIX. Nas sociedades industriais e democráticasdo século XX, o Estado desempenharia um papel essencial paragarantir as condições de acumulação e legitimidade sob constanteameaça em função de seis principais fatores, apontados porPrzeworski:

(1) a competição entre as firmas é incapaz de assegurarque todas as atividades necessárias para a produção capi-talista continuada sejam espontaneamente realizadas;

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(2) a taxa de lucro declinou, pelasrazões antecipadas por Marx ou porpressões salariais;

(3) a economia capitalista não forne-ce bens públicos suficientes e sua es-cala se elevou acima das capacida-des de provisão privada;

(4) a população excedente não funci-ona suficientemente como um exérci-to industrial de reserva; os salários ex-cedem o nível de subsistência e ame-açam a lucratividade;

(5) o sistema capitalista é ameaçadopela organização política de todosaqueles que explora ou oprime;

(6) as condições não econômicas ne-cessárias para a continuada produçãoe troca capitalista – como educação,padrões familiares, motivações etc. –não são espontaneamente geradas,pelo simples fato de que o sistemaeconômico é organizado como umsistema econômico capitalista.(PRZEWORSKI, 1995, p. 90).

Contrariamente ao que Marx haviaobservado na sociedade capitalista do século XIX,em que todas as relações sociais encontravam-seencobertas pelo fetichismo da mercadoria, isto é,reguladas como que naturalmente pelas relaçõesde troca entre coisas no mercado, sob o capitalismocontemporâneo essas relações estariam cada vezmais na dependência da regulação artificial doEstado. Segundo alguns marxistas alemães, comoo filósofo Jürgen Habermas e o sociólogo Claus Offe, o Estado nãoestaria apenas a corrigir e sanar as falhas de mercado, como osliberais classificariam a intervenção do Estado no mercado durante

Jürgen Habermas (1929)

Filósofo alemão e princi-

pal estudioso da segun-

da geração da Escola de

Frankfurt. Ensinou Filoso-

f ia primeiro em

Heidelberg e depois se

tornou professor de Filosofia e Socio-

logia na Universidade de Frankfurt.

Suas obras abordam temas da

epistemologia, da política, da ética e

da comunicação. Introduzindo uma

nova visão a respeito das relações

entre a linguagem e a sociedade, em

1981 publicou sua obra mais impor-

tante: Teoria da Ação Comunicativa. Fon-

te: <http://educacao.uol.com.br/bio-

grafias/ult1789u391.jhtm>. Acesso em:

2 jul. 2009.

Claus Offe

Nasceu em Berlim, é

diplomado em Sociologia

e ensina atualmente Ciên-

cia Política e Sociologia na

Universidade de Bielefeld (Alemanha).

De seus inúmeros trabalhos foram pu-

blicados na Itália Lo Stato nelcapitalismo

maturo; Ingovernabilitá e mutamento delle

democrazie e, em colaboração com Y.

Lenhardt, Teorie delle stato e política sociale.

Fonte: <http://tinyurl.com/mhoa8d>.

Acesso em: 3 jul. 2009.

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60Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

o período do pós-guerra, mas a substituir omercado como mecanismo regulador ereprodutor do sistema capitalista. Offe veria,inclusive, uma certa inversão de princípiosno funcionamento do mercado e do Estado,com a “mercantilização da política e apolitização da economia privada”, o queexplicaria a compatibilidade observadaentre democracia e economia de mercado:

A lógica da democracia capitalista é de contami-nação mútua: infunde-se autoridade à economiaatravés do gerenciamento da demanda global, dastransferências e da regulamentação, de forma queela perde cada vez mais seu caráter espontâneo eautorregulador; e introduz-se uma contingência demercado no Estado [através da competição políti-ca entre partidos no mercado eleitoral], compro-metendo, assim, qualquer noção de autoridadeabsoluta ou de bem absoluto. [...] Desta forma,uma das vias pela qual se atinge a compatibilida-de parece ser a infusão de parte da lógica de umdomínio no outro – i.e., a noção de ‘competição’na política e a ideia de ‘alocação autoritária devalores’ na economia. (OFFE, 1983, p. 33).

A atenção que os pensadoresmarxistas passariam a ter com o Estado apartir do século XX não iria se restringirao seu papel econômico de fiador epromotor das condições de acumulaçãocapitalista. Suas funções e importâncianos planos da dominação e legitimaçãopolítica e ideológica iriam ser postas em

destaque por alguns pensadores marxistas da França, como o filósofoLouis Althusser e o cientista político de origem grega Nicos

Louis Althusser (1918–1990)

Nasceu na Argélia. Em 1939 in-

gressou na École Normale

Superieur (ENS) de Paris. Mas

antes mesmo de iniciar os seus

estudos foi mobilizado para lu-

tar na Segunda Grande Guerra e acabou sen-

do prisioneiro dos alemães, permanecendo

em um campo de concentração de 1940 a 1945.

Após o conflito, passou a estudar filosofia na

ENS. Althusser padeceu de sucessivas crises

psíquicas, que o acompanharam por toda a sua

carreira. Em 1948 ingressou no Partido Comu-

nista Francês, tendo já há algum tempo des-

locado-se de suas posições católicas anterio-

res para o marxismo. Fonte: <http://

w w w. m a r x i s t s . o r g / p o r t u g u e s / a l t h u s s e r /

index.htm>. Acesso em: 1 jul. 2009.

Nicos Poulantzas (1936–1979)

Filósofo grego, teórico marxista e

estudioso do Estado, nas suas úl-

timas obras, alargou a tese de que

o poder político, na Modernidade,

embora assentado no econômico,

assume importância cada vez maior. O ponto

nodal dessa análise é que o poder político se

materializa e se concentra no Estado. Para ele,

o Estado é mais que o epicentro do poder; é o

campo decisivo da luta de classes, onde a soci-

edade estrutura os seus contornos definitivos.

Fonte: <http://www.leitequente.com/index.php?

pgID=5184>. Acesso em: 3 jul. 2009.

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Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

v

Ao longo do século XX, a

matriz do pensamento

marxista iria sendo

enriquecida com outras

contribuições e aportes

analíticos, de forma a

poder continuar

explicando um mundo

cuja dinâmica não era

mais passível de ser

compreendida apenas

pela ótica do próprio

Marx. Algo semelhante

iria se passar também no

campo do pensamento

liberal.

Poulantzas. Althusser iria procurar reler Marx e resgatar sua teoriada deformação que lhe haveria imposto o stalinismo.

Opondo-se a todo reducionismo econômico, que via nasestruturas políticas do Estado mero epifenômeno das relaçõeseconômicas estabelecidas entre as classes sociais no processo deprodução da riqueza material de uma sociedade, Althusser iria pôrem destaque não apenas o papel repressivo do Estado namanutenção da ordem capitalista pela força, como sobretudo a suafunção na manutenção da coesão ideológica da sociedade, por meiodo que ele chamaria de “aparelhos ideológicos de Estado”.

Os aparelhos ideológicos poderiam, ou não, estardiretamente ligados e subordinados ao Estado, mas estariam sempredesempenhando uma função importante para a manutenção elegitimação da ordem capitalista e do Estado burguês. Entre essesaparelhos ideológicos Althusser classificaria as escolas, as igrejas,a família, a imprensa, os partidos e sindicatos, enfim, toda umasérie de organizações que não tinham ligação direta nem com osistema produtivo, nem com a repressão do Estado, mas que sãofundamentais na transmissão e manutenção dos valores em umasociedade.

Poulantzas não apenas reconheceu, como Althusser, odesempenho pelo Estado de outras funções além da repressiva,como também concebeu a ação estatal como dotada de uma“independência relativa” em face dos interesses da classedominante. Para Poulantzas, o Estado não poderia ser maisconcebido de forma reducionista como o “comitê executivo daburguesia”, tal como um dia o definiu Marx, no Manifesto do PartidoComunista, pois suas funções na sociedade contemporânea seriamvariadas e complexas e não meras correntes transmissoras eexecutoras da vontade da classe dominante, e os agentes do Estadoseriam dotados dos seus próprios interesses.

Para os liberais, duas importantes mudanças ocorridas nassociedades capitalistas durante o século XX, que desafiavam ainterpretação liberal dominante no século XIX, precisariam serexplicadas: a compatibilidade entre democracia e economia de

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Estado, Governo e Mercado

mercado, e a convivência entre esta e a crescente intervenção doEstado no domínio das relações econômicas.

No campo da teoria econômica, o pensamento predominanteno período do pós-guerra seria o do inglês John Maynard Keynes(1883–1946), para quem o capitalismo contemporâneo não poderiafuncionar no seu ponto máximo de eficiência regulado apenas pelasleis do mercado, necessitando, para tanto, da influência eintervenção deliberadas do governo. Embora o Estado não sejacapaz de impedir o movimento cíclico da economia capitalista –em que períodos de expansão econômica são seguidos de períodosrecessivos, durante os quais a economia se retrai até encontrar umponto de equilíbrio entre oferta e demanda, ensejando a retomada dociclo expansivo –, a intervenção do governo no mercado poderia tornaros ciclos descentes menos profundos, aliviando os seus efeitos deletériossobre o emprego e o bem-estar coletivo. Para Keynes, o Estado deveriadesempenhar o papel de agente anticíclico nos períodos recessivos,induzindo os investimentos privados por meio da redução das taxasbásicas de juros e aumentando o gasto público sob a forma deinvestimentos diretos em infraestrutura e obras públicas.

Ao lançar mão desses mecanismos, o Estado acabariaestimulando os agentes privados a investir, criando empregos egerando demanda para as empresas. Segundo Keynes, a intervençãopolítica nos mercados não deveria se limitar à ação dos Estadosnacionais para estimular e regular suas economias domésticas, masdeveria levar à criação de instituições internacionais voltadas paraa coordenação monetária e macroeconômica entre os diferentespaíses. Essa proposta acabaria sendo adotada na conferência deBretton Woods, em 1944, que deu origem à criação de organismoseconômicos internacionais, como o Banco Mundial e o FundoMonetário Internacional (FMI).

Embora predominante, a posição de Keynes nunca foiconsensual no meio liberal, encontrando a oposição de algunsimportantes economistas, como o austríaco Friedrich von Hayek(1899-1992) e o americano Milton Friedman (1912–2006), que semantiveram fiéis aos princípios do liberalismo econômico clássicoe firmes na convicção de que ao Estado basta ter uma política

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monetária austera para que os mecanismos de mercado façam osajustes necessários à economia.

Como economista formado no campo do pensamentoliberal, Keynes não deixaria de concordar que, no longoprazo, o mercado acabaria ajustando a economia, maso problema a ser enfrentado, sobretudo em conjunturasrecessivas, era de curto prazo, pois – segundo a suafrase que se tornaria célebre – “a longo prazo, todosestaremos mortos”.

Essa percepção da urgência e oportunidade da ação doEstado levaria inclusive Milton Friedman, seu maior opositor, aafirmar que “num certo sentido [no curto prazo], todos [isto é, oseconomistas liberais] somos keynesianos agora; mas em outro [nolongo prazo], ninguém mais é Keynesiano”. Outra contribuiçãoimportante para a compreensão do capitalismo contemporâneoseria dada por Joseph Schumpeter (1883–1950), que cunharia aexpressão “destruição criadora” para explicar a dinâmicaeconômica do sistema. Segundo o economista austríaco:

O capitalismo é essencialmente um processo endógeno demudança. Na ausência de mudanças, a sociedade capita-lista deixa de existir. Se o motor do capitalismo parar, todoo sistema se desintegrará. A chave que liga o motor e omantém funcionando é a inovação [e] a expressão capita-lismo estabilizado é uma contradição em termos.(SCHUMPETER apud LEITE JÚNIOR, 2009, p. 29-30).

A análise de Schumpeter sobre a dinâmica do capitalismonão se restringiu ao funcionamento do sistema na esfera econômica,mas se estenderia à esfera política. Schumpeter prestou umaimportante contribuição para explicar a coexistência entredemocracia e economia de mercado nas modernas sociedadescapitalistas, tida como impossível pela teoria liberal clássica. Para

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Estado, Governo e Mercado

tanto, ele deu novo significado ao termo democracia, tirando deletodo conteúdo substantivo e circunscrevendo-o em termosestritamente processuais. Ao invés de conceber a democracia comoum sistema, por meio do qual o povo delibera sobre questões deinteresse coletivo, Schumpeter descreveu-a simplesmente como umsistema de competição entre elites que disputam o voto popularcom o objetivo de exercer as funções de governo, e de seleção dosgovernantes entre as elites por via eleitoral. Por essa razão, aconcepção de democracia de Schumpeter é também conhecidacomo teoria elitista da democracia.

A concepção schumpeteriana de democracia seria, aos olhosde seu autor, mais realista e apresentaria a vantagem de reconhecera importância vital da liderança política, negligenciada pelaconcepção tradicional. Essa nova definição não negligenciaria, emabsoluto, os genuínos interesses dos grupos sociais; ao contrário,os colocaria na posição que eles realmente teriam, isto é, de desejosque, ainda que fortes e definidos, poderiam permanecer latentesdurante décadas, até que um líder viesse a dar-lhes vida,transformando-os em fatores políticos.

Entendida como competição pela liderança, a democraciarequereria, no entanto, a livre competição entre elites pelo voto livredos eleitores. Embora estritamente processual, a concepção deSchumpeter não classificaria como jogo democrático a competiçãofraudulenta ou cerceada por um outro poder. A democracia suporiaainda não só a capacidade de o povo eleger, por maioria, os seusgovernantes, como também de destituí-los, ainda que pela simplesnegativa em reelegê-los e pela formação de nova maioria.

Portanto, o império da lei e a preservação da liberdadeindividual, assim como a liberdade de manifestação ede imprensa e a possibilidade de a minoria vir a setornar maioria e ocupar o governo – consideradoselementos fundamentais de uma ordem políticalegítima pelo pensamento liberal clássico –, seriamigualmente fundamentais para Schumpeter considerarum sistema político democrático.

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Outra contribuição relevante à teoria contemporânea dademocracia veio do cientista político americano Robert Dahl, que,segundo Sartori (1994, p. 211), implicou em “reservar a palavrademocracia para o ‘sistema ideal’ e usar ‘poliarquia’ como suaaproximação no mundo real”. Embora as concepções de Dahl eSchumpeter tenham muitas coisas em comum, entre as quais umasérie de procedimentos, a definição de Dahl iria pôr o acento nocaráter pluralista do exercício do poder na sociedade. Portanto, otermo por ele cunhado de poliarquia estava relacionado àdistribuição do poder nas mãos de várias pessoas, e não do poderconcentrado nas mãos de um só, como na monarquia, ou igualmentedistribuído pelo povo, como na definição clássica de democracia.

Nas modernas sociedades capital istas consideradasdemocráticas, o que de fato se observaria, segundo Dahl, seria que,apesar da extrema desigualdade na distribuição do exercício e docontrole do poder, nenhuma liderança exerceria um graurelativamente alto de controle sobre os demais líderes, donde adefinição desse sistema como uma poliarquia (poli = vários, arquia= poder).

Como Schumpeter, Dahl também enumerou uma série decondições e características para que se pudesse considerar umaforma de governo poliárquica, entre as quais caberia destacar: ade que a maioria dos adultos em uma sociedade tenha direito avoto e o exerça livre de coerção; que os votos de cada membro dacomunidade eleitora possuam o mesmo peso, e não pesos diferentesconforme a renda e educação do eleitor, como acontecia nassociedades liberais do século XIX; que as autoridades não eleitasdo Estado estejam subordinadas aos líderes eleitos, e que estes,por sua vez, fiquem subordinados aos não líderes, isto é, à votaçãopopular; que existam fontes alternativas de informação disponíveispara a população e livres de constrangimento; e que seja garantidoo direito de oposição àqueles que aceitarem e respeitarem todasessas regras.

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66Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Atividades de aprendizagem

Chegado a esse ponto do estudo, procure responder às duasquestões que orientaram as reflexões de l iberais emarxistas. Caso tenha dificuldades, faça uma releituracuidadosa dos conceitos ainda não entendidos ou, senecessário, entre em contato com seu tutor.

3. Qual é a natureza do domínio exercido pelo Estado sobre a socie-

dade e do uso da coerção física sobre os indivíduos?

4. Como são as relações entre maioria e minorias na sociedade e

como essas se relacionam com o Estado?

Complementando......Complemente seus estudos através das leituras propostas a seguir:

Democracia na América – de Tocqueville (apud WEFFORT, 1996, p.172-

3) aqui você vai aprender mais sobre as restrições dos liberais àdemocracia.

A Riqueza das Nações – de Adam Smith. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

A democracia partidária competitiva e o welfare state keynesiano –

fatores de estabilidade e desorganização. In: Dados, revista de ciênciassociais, v. 26, n. 1, Rio de Janeiro: Campus, 1983 – de Claus Offe.Com esta obra você vai aprofundar seus conhecimentos sobre acompatibilidade entre capitalismo e democracia e a crise da formaassumida pelo Estado nas economias capitalistas desenvolvidas noúltimo quarto do século XX.

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67Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

ResumindoNesta Unidade você viu que, ao longo do século XX, a

teoria da democracia iria abandonar o conteúdo substanti-

vo clássico de “governo do povo, para o povo e pelo povo”

para ganhar contornos mais estritamente processuais e com-

patíveis com os princípios liberais.

Além de Schumpeter e Dahl, muitos outros economis-

tas, filósofos, sociólogos, cientistas políticos e intelectuais,

em geral, cujo pensamento tem raízes no liberalismo, trou-

xeram suas contribuições para atualizar a matriz liberal e

explicar as mudanças do mundo contemporâneo. Embora as

divergências entre as posições dos pensadores de uma mes-

ma matriz sejam inevitáveis, pode-se afirmar que, no cam-

po liberal, a anterior crença em um mercado autorregulado

deu lugar ao reconhecimento da necessidade de interven-

ção do Estado na economia, embora a extensão dessa inter-

venção viesse a se tornar no grande ponto da discórdia. De

forma análoga, a ideia anteriormente consensual de que

governo da maioria e economia de mercado seriam incom-

patíveis iria se desfazer, chegando inclusive ao seu oposto.

Se a democracia dos antigos era, de fato, incompatível com

o liberalismo, a democracia dos modernos passaria a ser vis-

ta como indissociável do liberalismo, tanto quanto os direi-

tos civis e políticos que já compunham a sua matriz. Assim, a

democracia do século XX passaria a ser adjetivada de liberal

e defendida ferrenhamente pelos liberais em contraposição

não mais à democracia dos antigos, mas a uma outra con-

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68Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

cepção de democracia que iria surgir no campo de pensa-

mento adversário: a que se opunha à democracia formal,

dos países capitalistas, a democracia popular, ou substanti-

va, dos países socialistas.

Mas antes de começarmos a analisar como as muta-

ções experimentadas pelas matrizes de pensamento liberal

e marxistas influenciaram e foram influenciadas pelas for-

mas historicamente concretas de articulação entre Estado,

governo e mercado ao longo do século XX, que serão objeto

da segunda Unidade desta disciplina, convém fazermos um

balanço dos conteúdos trabalhados nesta Unidade.

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Módulo Básico

Unidade 1 – Perspectiva Teórica para a Análise das Relações entre Estado, Governo e Mercado

UNIDADE 2

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade, você deverá ser capaz de: Identificar as quatro diferentes relações entre Estado, governo e

mercado nas sociedades ocidentais ao logo do século XX; Relacionar as mudanças produzidas nas formas de Estado ao longo

do tempo com as matrizes teóricas estudadas; e Compreender os desafios colocados às relações entre Estado e

sociedade no início do século XXI.

AS RELAÇÕES ENTRE ESTADO,GOVERNO E MERCADO

DURANTE O SÉCULO XX

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70Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

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71Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

INTRODUÇÃO

As relações entre Estado e mercado conheceriam situaçõesextremas ao longo do século XX. Do apogeu do liberalismo naEuropa e nas Américas no início do século, em que o Estado poucointervinha nas relações entre os seus cidadãos, a Europa iriaconhecer o seu oposto nos anos que imediatamente se seguiram àPrimeira Guerra Mundial. Sobre o território e os povos que, até1917, compunham o Império Russo, seria instituída a União dasRepúblicas Socialistas e Soviéticas, onde o Estado passaria aassumir o controle de todo o processo produtivo e o mercado iriapraticamente desaparecer como instituição ordenadora das relaçõessociais. Nas Américas, a partir de 1930, e na Europa Ocidental,sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, iria surgir umacombinação híbrida entre Estado e mercado como agentes eprincípios reguladores da vida econômica e social, na qual o Estadoteria certamente papel preponderante sobre o mercado, mas sempretender destruí-lo e garantindo com a sua intervenção as condiçõespara a acumulação privada do capital. A partir dos anos de 1980,começaria no Ocidente uma onda de desestatização das relaçõeseconômicas e sociais e de revalorização do mercado como instânciaregulatória, que na década seguinte iria crescer e espalhar-se pordiversas partes do mundo, atingindo, inclusive, a União Soviética.

Ao longo do século passado, o movimento em espiral entreEstado e mercado ocorrido no interior de cada sociedade iriaproduzir tantas combinações distintas entre essas duas instituiçõesde regulação das relações sociais quanto era o número de naçõesentão existentes. Mas independentemente da trajetória singular decada país, é possível identificar claramente quatro padrões de

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72Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

relação entre Estado e mercado que foram sucessivamentedominantes em todo o mundo: o Estado liberal até a Primeira GuerraMundial; o Estado de bem-estar social e o Estado socialista, quesão contemporâneos um do outro; e o Estado que iria emergir dodeclínio de ambos, por muitos chamado de Estado neoliberal.

As mudanças de um tipo de Estado para outro se explicampor uma série de fatores, cujo peso específico é difícil de precisar.De um lado, houve profundas mutações na estrutura produtiva dassociedades industriais na virada do século XIX para o XX – járeferidas na Unidade anterior – que, segundo Schumpeter,acompanham inexoravelmente o desenvolvimento do capitalismo.De outro, houve o acirramento do embate entre as diferentes forçaspolíticas no interior das sociedades e a confrontação entre as naçõesindustrializadas movidas por seus interesses econômicos – umas àprocura da ampliação de mercados consumidores para a colocaçãodos seus produtos, e outras na defesa dos seus mercados cativos –disputa essa que levou o mundo a duas grandes guerras na primeirametade do século XX. Após a Segunda Guerra Mundial, emergiriauma nova ordem global, caracterizada por uma rígida e belicosaseparação entre um bloco ocidental e capitalista e um bloco orientale socialista. Por fim, as contradições internas tanto do mundocapitalista, quanto do socialista, associadas a novas mudançastecnológicas com impactos diretos na estrutura produtiva dassociedades, ocorridas no final do século XX, iriam levar à dissoluçãodo bloco socialista – e consequentemente ao fim da Guerra Fria – ea mudanças profundas nas relações entre Estado e mercado nointerior dos países industrializados.

Examinemos, então, mais detidamente cada uma das quatro

formas de Estado conhecidas pelo mundo durante o século

XX, atentando para as características distintivas e específicas

de cada uma e para os diferentes fatores que levaram à sua

emergência e declínio.

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73Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

O ESTADO LIBERAL

O Estado liberal iria ganhar suasformas definidas ao longo do século XIX eacabaria por se impor na Europa Ocidentalapós um longo e tortuoso período de lutas:primeiro, contra o poder ilimitado dos reis,que reivindicavam o exercício do poderabsoluto como um direito divino; depois –quando as monarquias absolutas já haviamdado lugar a monarquias constitucionais,em que o poder exercido pela realeza passoua ser limitado por uma constituição ecompartilhado com o parlamento – contrao que os liberais julgavam ser uma excessivaintervenção do Estado nas relações entre osindivíduos na sociedade. As críticas a essaintervenção “indevida” do Estado não seresumiam às medidas protecionistas queimpediam o livre comércio, mas se estendiam à proteção social garantidaaos pobres.

Na Inglaterra, a Lei dos Pobres (Poor Law), que desde oséculo XVI proporcionou auxílio financeiro às pessoas indigentes eincapazes de garantir o seu sustento com o próprio trabalho, passoua ser severamente criticada pelos intelectuais liberais, como ofilósofo utilitarista Jeremy Bentham (1748–1832); o demógrafo

Jeremy Bentham (1748–1832)

Nasceu em Londres, Inglaterra. É

conhecido como o criador da filo-

sofia polít ica conhecida como

Util itarismo. Ficou famoso em

toda a Europa e na América após

publicar, em 1789, uma introdução aos princí-

pios da moral e da legislação. Seu pensa-

mento foi completado pela obra póstuma,

Teoria dos deveres ou A ciência da moral, de 1834,

na qual concluiu que a sociedade será ideal

quando permitir a real ização da fel icidade

do indivíduo, sem que esta comprometa o

bem-estar coletivo. Fonte: <http://

e d u c a c a o . u o l . c o m . b r / b i o g r a f i a s / j e r e m y -

bentham.jhtm>. Acesso em: 2 jul. 2009.

Saiba mais

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74Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Thomas Malthus; o economista DavidRicardo; e o pensador e precursor dodarwinismo social, Herbert Spencer. Paraeles, a Lei dos Pobres era mais umagravante do problema da pobreza do queum alívio, ao perpetuar uma situação dedependência dos indivíduos em relação aoEstado que só o mercado poderia solucionar.Para Malthus, o caráter mais pernicioso daLei dos Pobres seria o de estimular oaumento da população em um ri tmosuperior à capacidade de se produziralimentos. Para Spencer, ela contribuía paraproduzir uma população de baixaqualidade, ao distorcer a lei natural segundoa qual apenas os indivíduos mais aptossobrevivem. Já para Ricardo, o auxíliofinanceiro oferecido pelo Estado aos maispobres acabava por distorcer o valor dossalários no mercado, mantendo-os abaixo donível de subsistência. Todos concordavam,no entanto – independentemente dosmalefícios identificados na quantidade equalidade da população e no valor dossalários –, que a Lei dos Pobres eracontrária ao princípio da independência (ouautodependência) dos indivíduos em umasociedade livre.

Sob a influência das ideias liberais,a pressão dos seus intelectuais e o apoioda burguesia que se fortalecia e enriqueciacom o desenvolvimento da indústria, foiformado o Estado l iberal, tambémconhecido como Estado mínimo.

Thomas Malthus (1766–1834)

É conhecido pela formulação a

respeito do futuro da humani-

dade. Para Malthus, a popula-

ção cresce em progressão geo-

métrica e a produção de al i-

mentos cresce em progressão aritmética. Des-

sa forma, a tendência é a fome, criando bar-

reiras ao crescimento populacional. Fonte:

<http://tinyurl.com/lbetsn>. Acesso em: 2 jul.

2009.

David Ricardo (1772–1823)

Nasceu em Londres, e após ter

l ido A Riqueza das nações , de

Adam Smith, passou a interes-

sar-se por questões de econo-

mia. Escreveu um tratado teóri-

co geral sobre a economia, Os Princípios de Eco-

nomia Política e Tributação, publicado em 1817,

constituindo-se assim um marco teórico de-

cisivo para o desenvolvimento da economia

política clássica. Fonte: <http://tinyurl.com/

lf63jj>. Acesso em: 1 jul. 2009.

Herbert Spencer (1820–1903)

Natural da Inglaterra, onde a par-

tir de 1860 iniciou a publicação do

que chamou de “sistema de f i lo-

sofia sintética”, tentativa de

estruturação, num sistema coeren-

te, de toda a produção científica e filosófica

de seu tempo, centrada na ideia de evolução.

Fonte: <http://educacao.uol.com.br/biografi-

as/herbert-spencer.jhtm>. Acesso em: 1 jul.

2009.

Saiba mais

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75Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

Por liberal, designa-se uma ordem política sob a qualtodos os indivíduos são livres e independentes, nãosubmetidos ao poder de nenhuma outra pessoa, mastodos igualmente submetidos à lei; e por Estadomínimo designa-se a organização política queinterviria apenas naquilo que fosse estritamentenecessário para garantir a liberdade e igualdade doscidadãos, ficando todas as demais dimensões da vidasocial a cabo da regulação do mercado. Essasdefinições de Estado liberal e Estado mínimo iriam serrecorrentemente invocadas no debate político ao longodo século XX.

Neste Estado, cabia ao poder público a manutenção da lei eda ordem para que os indivíduos pudessem se dedicar aos seusinteresses privados e suas atividades no mercado. Por meio dasforças armadas nacionais, o Estado garantiria a defesa do país dasagressões externas e a integridade do seu povo e de seu território, asegurança dos seus portos e das rotas de comércio pelos mares.Um corpo de diplomatas profissionais asseguraria o contato e asboas relações com as demais potências estrangeiras, defendendoos interesses do país e dos seus cidadãos no mundo. Internamente,por meio dos tribunais, o Estado distribuiria a justiça, dirimindo osconflitos entre as partes, julgando os crimes e impondo penas. Pormeio de seu sistema prisional, encarceraria e puniria os condenados.Ao Estado cabia ainda assegurar o direito e usufruto da propriedade,a proteção da vida, o direito de ir e vir dos seus cidadãos e a ordempública. Para isso, teria de zelar pela administração e cumprimentodas leis, manutenção dos registros de bens e direitos, conservaçãoe segurança das estradas, policiamento das cidades e espaçospúblicos e repressão física, quando necessário.

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76Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

*Mercantil ização – de

mercanti l izar, fazer

transações mercantis,

comerciais; exercer o

comércio; mercar, co-

merciar, negociar. Fon-

te: Houaiss (2007).

Para manter tudo isso, o Estado necessitavarecolher impostos, administrar o patrimônio eas finanças públicas, além de emitir a moedaque seria utilizada como meio de troca pelosagentes privados no mercado.

Como se pode perceber, o Estado mínimodos liberais não era tão mínimo assim, emborafosse bem menor do que as demais formas deEstado que iriam lhe suceder.

A ideia subjacente ao funcionamento doEstado liberal – e coerente com os princípios doliberalismo – era a de que o mercado seria umainstituição autorregulável, não necessitando daintervenção do Estado para funcionar bem, o quede certa forma garantia autonomia ao campoeconômico em relação ao campo político. AoEstado, caberia apenas aquelas tarefas descritasno parágrafo anterior, que não poderiam serconfiadas ao mercado e que seriam atribuições

exclusivas da autoridade política. Todo o restante deveria serconfiado ao mercado. Foi sob essa forma de conceber a organizaçãoda vida coletiva que a humanidade experimentou o processo maisextremado de mercantilização* das relações sociais. O pensadorhúngaro Karl Polanyi iria observar que, em toda a históriaeconômica, seria apenas sob o Estado liberal que os três elementosfundamentais da produção – trabalho, terra e dinheiro – iriam setransformar em mercadorias. Para Polanyi, mercadorias são “objetosproduzidos para venda no mercado”, de forma que trabalho, terra edinheiro não são, de fato, mercadorias, mas mercadorias fictícias.Assim sendo – escreveria o autor –, se o mercado dirigisse essasmercadorias fictícias, a sociedade desmoronaria (POLANYI, 1980).

Na Inglaterra do século XIX, por exemplo, o trabalho infantilnas minas de carvão só iria ser proibido em 1842, e a jornada detrabalho feminina “reduzida” para 12 horas diárias apenas dois

Karl Polanyi (1886–1964)

Seu pensamento-chave ex-

plica que, ao invés das rela-

ções sociais definirem as re-

lações econômicas, como

ocorrido na maioria das cul-

turas que se conhece, no capitalismo

houve uma inversão: são as relações

econômicas que definem as relações

sociais. Historicamente, Polanyi argu-

menta que a nova classe dominante,

burguesa e mercanti l , atuou conjunta-

mente com o Estado a fim de consolidar

as novas forças, através de uma legisla-

ção adequada e do uso do poder do Es-

tado para garantir a segurança do status

quo desta nova classe. Fonte: <http://

w w w . g e o c i t i e s . c o m / C o l l e g e P a r k /

G r o u n d s / 3 3 7 5 / E c o n o m i s t a s /

polanyi.htm>. Acesso em: 1 jul. 2009.

Saiba mais

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77Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

anos mais tarde. Somente em 1874 o direito de greve iria serreconhecido, embora o Estado liberal não obrigasse ninguém atrabalhar. No entanto, a mendicância era proibida, assim como oauxílio direto aos pobres sob qualquer forma – dinheiro, comida,roupas ou outros bens –, a não ser por intermédio de certasinstituições, as workhouses*, onde os pobres incapazes de sesustentar podiam morar, comer e trabalhar, mas em condiçõessuficientemente duras que não os levassem a se acomodar àquelavida e os estimulassem a procurar trabalho no mercado, tornando-osindivíduos independentes. Esse tratamento reservado aos pobresnão guardava nenhuma relação com a responsabilidade que oEstado e as “classes superiores” tinham em relação às “classesinferiores” na sociedade tradicional europeia pré-capitalista, nemderivava de uma ideia de direito natural ou abstrato dos indivíduosou cidadãos, mas repousava em um cálculo estritamente utilitário.Em 1875, por meio do Factory Act*, a contratação coletiva detrabalhadores nas fábricas seria finalmente permitida pelo Estado,algo que até então era considerado como incompatível com o bomfuncionamento do mercado, pois sob a ótica estritamente liberal, oEstado só deveria reconhecer indivíduos, e não grupos ouassociações desses, que deturpariam a igualdade fundamentalexistente entre os homens no mercado.

Mas as mudanças introduzidas pelo Estado liberal não serestringiram aos direitos civis (como o de ir e vir) e econômicos(liberdade de profissão e de trabalho no mercado) dos seus cidadãos,e teriam também um importante componente político. Sob o Estadoliberal, a participação dos cidadãos nas decisões públicas seriagarantida por meio de seus representantes eleitos (democraciarepresentativa), e não diretamente, como na Grécia Antiga, e ogoverno passaria a ser responsável e ter de prestar contas de suasações perante a assembleia de representantes. Essas inovações nãosurgiriam naturalmente nem de uma só vez, mas se baseariam nareflexão, observação e teorização da atividade política. EmConsiderações sobre o governo representativo, John Stuart Milldiscorreria sobre questões diversas, como o significado e os

*Workhouses – são Casas

de Trabalho estabelecidas

na Inglaterra no século XVII.

Segundo a Lei dos Pobres,

adaptada, em 1834, só era

admitida uma forma de

ajuda aos pobres: o seu

alojamento em casas de

trabalho com um regime

prisional; os operários

realizavam aí trabalhos

improdutivos, monóto-

nos e extenuantes. Fonte:

< h t t p : / /

w w w . m a r x i s t s . o r g /

portugues/dic ionar io/

v e r b e t e s / w /

workhouses.htm>. Aces-

so em: 2 jul. 2009.

*Factory Act – em 1833 a

Lei das Fábricas implicou

as medidas de proteção

aos trabalhadores. Em-

presas começaram a con-

tratar médicos para o

controle de saúde, no lo-

cal de trabalho. As deplo-

ráveis condições de tra-

balho e vida predominan-

tes na cidade eram res-

ponsáveis pelo fato de

haver taxas de doença e

mortalidade mais eleva-

das do que nas regiões

circunvizinhas. Fonte:

<www.sindipetro.org.br/

saude/saude-trabalho/

saudetrabalho02.htm>.

Acesso em: 02 jul. 2009.

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78Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

mecanismos da representação, a forma de votar, a duração dosmandatos e a extensão do sufrágio, entre várias outras.

Em relação à extensão do sufrágio, ou seja, às condiçõespara habilitação dos cidadãos a votar e serem votados comorepresentantes, o Estado liberal seria, na maior parte do tempo,bastante restritivo. De acordo com Stuart Mill, era absolutamentenecessário para o bom governo que o sufrágio fosse “o maislargamente distribuído”. Contudo, sendo a maioria dos eleitoresconstituída de "trabalhadores manuais [...] o duplo perigo de umbaixo nível de inteligência política e de uma legislação de classecontinuaria a existir em um grau considerável" (MILL, 1980, p. 92).Para evitar esse risco que aterrorizava a todos os liberais, alegislação dos Estados liberais manteria restrições ao acesso dasclasses populares à participação eleitoral até o final do século XIX,por meio de mecanismos como o voto censitário – já referido naUnidade anterior e que estabelecia patamares mínimos de rendapara que os cidadãos pudessem ter acesso aos processos eleitorais,os quais eram cada vez mais elevados conforme a importância doscargos eletivos – e o voto plural – que conferia peso maior ao votodos eleitores mais educados.

Foi somente na virada do século XIX para o XX que osEstados liberais iriam se transformar em democraciasrepresentativas, com a adoção do sufrágio universalmasculino. A partir de então, todo cidadão do sexomasculino passaria a poder votar e ser votadoindependentemente da sua renda, e o seu voto teria omesmo peso que os votos dos demais cidadãos.

Mas se o Estado liberal sobreviveu ao advento da democraciae, contra todas as expectativas, mostrou haver compatibilidade entresufrágio universal e economia de mercado, ele não resistiria à crisefinanceira, econômica e social que eclodiria com a quebra da Bolsade Nova Iorque, em 1929. A complexidade da economia e da

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79Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

sociedade capitalista havia chegado a tal ponto que mesmo os maisconvictos liberais não eram mais capazes de acreditar que omercado fosse autorregulável, dispensando a intervenção do Estado.A partir daquele momento, uma onda antiliberal começaria a seespalhar pelo mundo, ainda que de forma e com intensidadediferentes conforme a região do planeta, sendo menor nos paísesonde o liberalismo havia criado raízes mais fortes na mentalidadepopular e das elites econômicas e políticas, e maior onde a suapenetração havia sido mais limitada.

E o Brasil – Como você acredita que o País se insere nesse

quadro?

Embora o Brasil não tenha conhecido, no mesmo período,um Estado tipicamente liberal como a Europa Ocidental e os EstadosUnidos, muitas das características daquele Estado se fizerampresentes no Estado brasileiro. O que nos impede de classificarmoscomo liberal o Estado vigente durante o Império e a PrimeiraRepública são, basicamente, dois fatores: a escravidão, que é anegação da liberdade e igualdade civis que caracterizam oliberalismo, e que marcaria todo o período monárquico; e aausência de participação efetiva dos cidadãos no processo políticoe de controle do governo pelo parlamento sob a Primeira República,que caracterizam a liberdade política sob o Estado Liberal. Emborao advento da República no Brasil coincida com a democratizaçãodos Estados liberais, o novo regime brasileiro não foi mais que umsimulacro dos regimes liberais-democráticos europeus, devendo sermais rigorosamente classificado como uma república oligárquicado que como uma democracia liberal. Apesar da adoção do sufrágiouniversal masculino nos processos eleitorais para a escolha dosgovernantes e representantes em todas as instâncias de governo, osresultados eleitorais eram manipulados pela oligarquia dominantee o império da lei não era mais que aparente.

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80Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

O Estado brasileiro durante a Primeira República eraapenas formalmente um Estado liberal-democrático,sendo de fato um Estado oligárquico, em que osresultados do sufrágio universal eram manipuladospela elite dominante que, dessa forma, se perpetuavano poder.

Contudo, se no plano político a Primeira República não foinem mesmo liberal e muito menos democrática, no que se refere àsrelações entre Estado e mercado no plano da regulação das relaçõeseconômicas e sociais o Estado brasileiro foi equivalente aos estadosliberais. Percebe-se assim que, apesar das particularidades doprocesso de formação e de transformação do Estado brasileiro, oque ocorreu aqui não estava descolado do que se passava norestante do mundo ocidental. Afinal, o Brasil sempre manteveestreitas relações econômicas, políticas e culturais com a Europa eos Estados Unidos. É justamente por esta razão que devemosinicialmente examinar os processos ocorridos nas sociedadescapitalistas centrais para podermos melhor compreender assemelhanças e diferenças do que iria se passar no Brasil. Sem aanálise histórica e comparativa, não seria possível ao gestor públicobrasileiro compreender adequadamente a realidade contemporâneae tomar decisões consequentes e orientadas para o futuro nos planoslocal, regional ou nacional.

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81Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

O ESTADO SOCIALISTA

Antes que ficasse claro que o Estado liberal encontrava-seem inapelável declínio no Ocidente, surgiria na Rússia o primeiroEstado socialista da história. Diferentemente do Estado liberal, queemergiria de um longo processo histórico, cheio de idas e vindas, duranteo qual se produziram profundas modificações na morfologia social eeconômica dos países onde ele iria finalmente se implantar, o primeiroEstado socialista surgiria de uma revolução inspirada na doutrinamarxista-leninista, que pretendia subverter completamente as basesda organização social, política e econômica da Rússia czarista*,e que, em poucos anos, conseguiu, de fato, fazê-lo.

As características do Estado socialista são facilmenteidentificáveis, pois contrastam fortemente com as do Estado liberal.Se sob este o pêndulo social atingiria o seu ponto máximo à direita– com o mercado desempenhando historicamente o maior papelna regulação das relações sociais e o Estado, o menor –, sob oEstado socialista o pêndulo chegaria ao seu ponto máximo àesquerda com o Estado ocupando o maior papel já desempenhadona regulação da vida social e o mercado, o menor.

A primeira característica fundamental do Estado socialistaé o controle estatal de todo o processo produtivo. Independentementeda forma de propriedade – estatal, no caso de fábricas, bancos egrandes estabelecimentos comerciais; ou coletiva, no caso dealgumas terras (como os chamados kolkhozes, na União Soviética)–, o fato é que todas as atividades econômicas – produção edistribuição de bens e prestação de serviços – encontravam-se sobrígido controle do Estado. Nessas circunstâncias, em que o espaçopara a competição e a iniciativa privada iria praticamente

*Rússia czarista – o

czarismo, até o início do

século XX, foi uma auto-

cracia absoluta. Partidos

políticos, uma Constitui-

ção e um parlamento

(Duma) só foram legaliza-

dos, a contragosto, du-

rante a chamada Revolu-

ção de 1905. Na prática,

o regime era autoritário,

pois o czar podia dissol-

ver a Duma a qualquer

momento, havia censura

à imprensa etc. Fonte:

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autor i tar ismo_.html>.

Acesso em: 2 jul. 2009.

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Estado, Governo e Mercado

desaparecer, o mercado iria igualmente sucumbir sob a regulaçãoestatal. Consequentemente, o direito à propriedade privada e àliberdade econômica, característicos do liberalismo, seriam valoresfrontalmente negados pelo Estado socialista.

Diferentemente do Estado l iberal, que se pretendiaequidistante das classes sociais e neutro em relação aos seusinteresses específ icos, o Estado social ista reivindicaria arepresentação dos interesses da maioria trabalhadora – dos campose das cidades –, antes oprimida pelos capital istas. Essarepresentação se daria por meio do Partido Comunista, únicolegítimo representante dos seus interesses. Sob a ordem do Estadosocialista, toda discordância em relação à sua atuação e à direçãodo partido comunista iria ser considerada desvio e traição e, comotal, seria punida. Essas características do Estado socialista logoiriam ser percebidas por alguns analistas e estudiosos da política,como Hannah Arendt e Raymond Aron, que formulariam o conceitode totalitarismo para definir o regime político vigente, inicialmente,na União Soviética, e depois adotado por outros países socialistasem todo o mundo.

A essência do totalitarismo estaria na intenção decontrolar todas as instâncias da vida social – a pontode diluir as fronteiras entre o Estado e a sociedadecivil – e na reivindicação do monopólio da verdade.

Essa pretensão monopolista é revelada no próprio nome dadoao jornal oficial do Partido Comunista da União Soviética, “Pravda”,que em russo significa nada menos e nada mais que “verdade”.O conceito de totalitarismo não se restringe ao Estado socialista, masrecobre também as formas de estado vigentes na Alemanha nazista ena Itália fascista durante o período de entreguerras.

Com todos os recursos econômicos e sociais reunidos sob ocontrole do Estado e direção do Partido Comunista, a UniãoSoviética pôs em prática a primeira e provavelmente mais bem-

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sucedida experiência de planejamento central de Estado: os planosquinquenais de investimento e de desenvolvimento industrial. Empraticamente duas décadas, a União Soviética deixou de ser umpaís basicamente agrário e dotado apenas de uma indústriaincipiente para se tornar uma potência industrial, capaz de enfrentare se tornar a força decisiva que iria derrotar militarmente o exércitodo mais rico e mais bem armado país europeu: a Alemanha nazista.

O avanço militar da União Soviética sobre o território depaíses até então ocupados pelos exércitos nazistas, ao final daSegunda Guerra Mundial, levou consigo sua forma de Estado e degoverno, que foi imediatamente implantada nos territórios libertadosdo controle alemão. Assim, se tornaram estados socialistas a Polônia,a Hungria, a Tchecoslováquia, a Romênia, a Bulgária e a parteoriental da Alemanha. Outros países iriam ainda se tornar socialistas– não por ocupação, como esses que iriam integrar o Pacto deVarsóvia, sob a coordenação da União Soviética –, mas por meiode suas próprias forças de resistência à ocupação nazista – como aIugoslávia – ou de processos revolucionários internos, como a Chinasob a liderança de Mao-Tsé-tung; a Coreia do Norte, Vietnã, Laos eCamboja, no sudoeste da Ásia, nos anos seguintes; Cuba, no Caribe;e Angola e Moçambique, na África. Note-se que, excetuando algunspaíses que se tornaram socialistas por ocupação militar – como aAlemanha, Tchecoslováquia e Hungria –, nenhum dos quechegariam ao socialismo por seus próprios meios conheciaanteriormente uma ordem liberal-democrática.

Orientados mais pelo princípio da igualdade social do quepelo da liberdade individual, os estados socialistas conseguiramefetivamente produzir sociedades bem mais igualitárias, do pontode vista do acesso dos seus cidadãos a bens e serviços, do que osestados nas sociedades capitalistas. Em poucos anos após aRevolução Cubana, o nível educacional e de saúde da populaçãode Cuba ultrapassaria em muito o de qualquer outra sociedadelatino-americana. A União Soviética faria notáveis progressostecnológicos, rivalizando com os Estados Unidos na corrida espaciale conseguindo colocar o primeiro homem no espaço. E a Chinachegaria ao seleto clube das potências nucleares. No entanto, em

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Estado, Governo e Mercado

nenhum país socialista – nem mesmo nos mais ricos – a escassezde produtos básicos de alimentação e de higiene pessoal seriasuperada.

Se nos primeiros anos após a Segunda Guerra Mundialo padrão de consumo, saúde e educação doshabitantes da Europa Ocidental e capitalista e daEuropa Oriental e socialista diferia pouco, com opassar dos anos a diferença aumentaria muito emfavor dos ocidentais. Enquanto o bem-estar materialdestes havia crescido incessantemente durante trintaanos desde o fim da Segunda Guerra, o dos seusvizinhos orientais encontrava-se estagnado já hábastante tempo.

No final da década de 1970, o padrão de vida dos europeusocidentais também parou de se elevar, mas o patamar em que onível de consumo dos ocidentais se estagnou foi bem superior aodos orientais. Para retomar o processo de expansão econômica ede crescimento da renda, alguns governos ocidentais começaram,então, a realizar reformas orientadas para o mercado, pois, no seuentender, era o excesso de intervenção do Estado na economia quehavia inibido a atividade econômica.

O que dizer então do que se passava do lado oriental, onde o

Estado havia ocupado todo o espaço da iniciativa privada e o

crescimento econômico estagnado bem antes?

Nesse momento de impasse foi quando surgiu, pela primeiravez na história da União Soviética, uma iniciativa governamentalde abertura do sistema. O último presidente da União Soviética,

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Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

Mikhail Gorbatchov, propôs ao seu paísuma dupla e arrojada reforma: a glasnost,que signif ica “transparência” e quepretendia retirar os rígidos controlespolíticos sobre os seus cidadãos, dando-lhes mais oportunidades de expressão; ea perestroika, que significa a abertura daeconomia para a introdução de algunsmecanismos de mercado. A glasnostavançou desde o início das reformas, masa perestroika veio a ser um rotundo fracasso.

Com a descompressão política daglasnost, a oposição e contestação aoregime cresceram enormemente, tanto nointerior da União Soviética, quanto nospaíses do Pacto de Varsóvia. No entanto,com o insucesso da perestroika , odescontentamento popular só aumentou,comprometendo de vez a estratégia de mudança do regime por dentro.No final dos anos de 1980, começaram a cair, um a um, os regimessocialistas na Europa Oriental, até que no início dos anos 1990, aprópria União Soviética iria desmoronar como um castelo de cartas.

Outra tem sido a sorte das reformas de mercado introduzidasna China e no Vietnã, onde nenhuma abertura política foi concedidae o sistema de mercado tem avançado em regiões específicas edelimitadas, com efeitos positivos sobre o conjunto da economiados países. Mas até quando a abertura dos mercados chinês evietnamita com adoção de pluralismo econômico poderá avançarsem colocar em questão o controle monopolista do poder políticoexercido pelos respectivos partidos comunistas é uma questão quesegue em aberto.

Deixemos agora de lado a antípoda do Estado liberal para

examinarmos aquela forma de Estado que viria a substituí-lo

no Ocidente, e que teve grande inf luência sobre as

transformações do Estado brasileiro.

Mikhail Gorbatchov (1931)

Nasceu na Rússia. Fez carreira no

Partido Comunista da União Sovié-

tica (PCUS) e foi secretário de seu

Comitê Central. Foi nomeado secre-

tário-geral e fortaleceu seu poder

ao renovar a cúpula dirigente do partido. Em

1986, anunciou a perestroika (em russo,

reestruturação) na economia e a glasnost (aber-

tura e transparência) na política. Foi eleito pre-

sidente da República em 1989 e terminou com

a Guerra Fria. Renuncia à Presidência. Desde

então começou a fazer conferências e escrever

para vários jornais do mundo. Fonte: <http://

w w w. a l g o s o b re . c o m . b r / b i o g ra f i a s / m i k h a i l -

gorbatchov-mikhai l-gorbachev.html>. Acesso

em: 2 jul. 2009.

Saiba mais

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86Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

A forma de Estado que começaria a se desenhar no Ocidenteapós a crise econômica de 1929, e que ganharia os seus contornosmais bem definidos após a Segunda Guerra Mundial, recebeudiversos nomes: o sociólogo alemão Claus Offe a chamou deWelfare state keynesiano; o seu colega francês Pierre Rosanvallon,de Estado providência; outros ainda a designaram como Estadoassis tencial , ou Estado de bem-estar social . No entanto,independentemente dos nomes dados, todas essas denominaçõesfazem referência a uma forma específica de relação do Estadocom o mercado que iria suceder o Estado Liberal e que usaria aforça estatal, por meio da implementação de políticas públicas,visando intervir nas leis de mercado e assegurar para os seuscidadãos um patamar mínimo de igualdade social e um padrãomínimo de bem-estar.

O Estado de bem-estar social sucede o Estado liberal,intervindo por meio de políticas públicas no mercadoa fim de assegurar aos seus cidadãos um patamarmínimo de igualdade social e um padrão mínimo debem-estar.

Assim como o caminho que levou o Estado absolutista aoEstado liberal se revelou longo e tortuoso, o que levaria o Estadoliberal ao de bem-estar social tampouco seria um caminho reto einequívoco. Enfim, da mesma forma que foram necessários muitosanos de luta contra a Lei dos Pobres para que se pudesse implantar

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87Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

vEm que a igualdade

social passasse a ser

valorizada, e a

interferência do Estado

nas relações sociais

vista como necessária e

positiva, e não mais

como um estorvo.

um sistema regulado pelo mercado na Inglaterra, não seria de umahora para outra que se passaria de uma ordem de livre mercadopara uma outra em que a intervenção do Estado seria constante ecrescente. Mudanças como essas supõem profundas mudançasde cultura, que costumam ser bastante lentas, pois implicam narevisão de todo um sistema de crenças. Tal como o Estado liberalsó pôde se implantar plenamente depois que a secular cultura deresponsabilidade das classes ricas pelas mais pobres tivessecedido lugar a uma outra, em que todos os indivíduos passassema ser vistos como cidadãos iguais, independentes e responsáveispelo seu próprio sustento e destino, o Estado de bem-estar socialsó se firmou quando a cultura individualista, que havia seconsolidado nas sociedades liberais e que via no Estado um malnecessário, cujas atribuições deveriam se restringir ao mínimoessencial para viabilizar a vida em coletividade, cedeu lugar auma outra cultura mais solidária.

Essa mudança de mentalidade coletiva teve também de serprocessada no interior do campo do pensamento liberal, atravésda revisão de certos paradigmas e de relações causais estabelecidas– como abordado na Unidade anterior. Até o século XIX, os liberaisacreditavam que a pobreza fosse resultado da insuficiência dedesenvolvimento econômico, e que este emergiria naturalmente domercado livre e autorregulado. No entanto, o tempo mostrou que,apesar da liberdade de mercado, do crescimento econômico e donotável avanço industrial nas sociedades capitalistas, a pobrezapersistiu e por vezes aumentou. Esse revés da história acabou porlevar à reversão da equação liberal: ao invés de a pobreza resultarda insuficiência de mercado, seriam as insuficiências do mercadocomo instituição reguladora que levariam à reprodução da pobreza.Assim sendo, coube ao Estado suprir essas deficiências parapromover o bem-estar nas sociedades ricas e industrialmentedesenvolvidas.

Na Europa, a Primeira Guerra Mundial colocou os estadosnacionais no papel central de organizadores e alocadores dosrecursos sociais e econômicos, abrindo assim espaço na mentalidadecoletiva para a posterior aceitação da gerência estatal no

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Estado, Governo e Mercado

funcionamento cotidiano da sociedade. Nos Estados Unidos, foisomente com a crise econômica de 1929 e seus efeitos catastróficossobre todas as classes sociais, com a destruição de fortunas do diapara a noite e a produção de desemprego em massa, que perduroupor anos a fio, que os americanos começaram a aceitar a intervençãodo Estado na sua vida diária. Mas não sem antes oferecer granderesistência.

Quando o presidente Roosevelt lançou um programa deassistência social para dirimir os efeitos deletérios do desempregosobre a classe trabalhadora (o Federal Emergency Relief Act, em1932), as maiores resistências à sua iniciativa vieram justamentedos sindicatos dos trabalhadores – e não do dos empregadores,como poderíamos imaginar à primeira vista. Segundo declarou umdos líderes do poderoso sindicato dos marinheiros, à época:

Às vezes é melhor deixar que os feridos morram; às vezes émelhor deixar os velhos morrerem do que sacrificar o fogoda luta e a habilidade de vencer batalhas. O que são essesapelos por pensão para idosos?... por seguro-saúde? [...]seguro-desemprego? [...] nada mais que sentimentalismosque obstruem o caminho da verdadeira luta.(RIMLINGER,1971, p. 84).

É notável que mesmo no auge da crise da década de 1930,quando havia 13 milhões de desempregados nos Estados Unidos,o movimento sindical se opusesse à criação de um seguro-desemprego, já que nenhuma razão econômica ou política poderiaexplicar tal resistência. Na Alemanha de Bismark – por exemplo –as organizações dos trabalhadores repudiariam os seguros criadospelo governo, não apenas por razões ideológicas, mas porque, alémdos benefícios trazidos pelos seguros sociais à produtividade dotrabalho, aquelas medidas tinham o claro intuito de enfraquecertanto o partido social-democrata entre os operários, quanto a açãoda burguesia liberal alemã. Já na América do Norte, a situação erabem outra. Não só a burguesia liberal já se encontrava devidamenterepresentada no Estado, como as organizações operárias não

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Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

sofriam a ameaça do “perigo vermelho”, como na Alemanha. Alémde razões eminentemente ideológicas e do profundo apego dosamericanos de todas as classes aos valores liberais, o repúdio aosseguros sociais por parte dos sindicatos poderia ainda ser, em parte,explicado pela memória dos desastrosos efeitos produzidos pela Leidos Pobres na antiga metrópole. No entanto, apesar das resistênciasiniciais, o avanço do Estado sobre a regulação da vida econômicae social prosseguiu do início dos anos de 1930 até o final dos anosde 1970, nos Estados Unidos e em praticamente todo o mundo.

Em todo o mundo ocidental, independentemente dosregimes políticos ou da orientação ideológica dospartidos governantes nas democracias, o Estado iriaexpandir sua ação interventora e regulatória sobre omercado.

Com o New Deal (literalmente, “novo acordo”), Rooseveltcolocou o Estado americano, a partir da sua posse em 1932, nacondição de promotor do desenvolvimento econômico nacional edo bem-estar social. No Brasil, a partir da mesma década, GetúlioVargas – por meio de uma ditadura – começou a aparelhar o Estadobrasileiro para intervir na regulação da vida econômica e socialdos brasileiros e promover o desenvolvimento nacional. Na EuropaOcidental, após o fim da Segunda Guerra Mundial, todos osEstados, fossem eles governados por partidos de esquerda – comoos sociais-democratas, nos países escandinavos e na Alemanha,ou o trabalhista, na Inglaterra – ou por partidos de direita, – comoa França e a Itália – intervieram fortemente na economia dos seuspaíses, por meio da regulação, estatização de empresas privadas ecriação de empresas públicas, além de desenvolver sistemas deproteção social abrangentes, elevando substancialmente o nível devida dos seus habitantes.

A grande diferença entre o Estado da Europa e demais paísescapitalistas desenvolvidos e o Estado de bem-estar social brasileiro,criado durante o governo Vargas, é que, no Brasil, além da regulação

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Estado, Governo e Mercado

do mercado e da promoção do bem-estar por meio de políticaspúblicas de educação, saúde, previdência, habitação etc., o Estadotambém teve o papel de promotor da industrialização do país. Senos países capitalistas centrais a era da industrialização coincidiracom o Estado liberal e antecedera a era das políticas sociais, trazidaspelo Estado de bem-estar social , no Brasi l as fases deindustr ial ização e de criação de polí t icas sociais foramconcomitantes e coincidentes com o Estado de bem-estar social.Por isso, essa nova forma de Estado foi aqui chamada,preferencialmente, de Estado desenvolvimentista. Mas as diferençasnão pararam por aí. No Brasi l , a construção do Estadodesenvolvimentista não viria apenas acompanhada de políticassociais e de desenvolvimento econômico, mas também de umaimportante ruptura política. A Revolução de 1930 pôs fim ao Estadooligárquico e ao sistema de organização institucional sobre o qualele se baseava. Coube então ao novo Estado construir, a um sótempo, as novas bases de desenvolvimento econômico e acumulaçãocapitalista e de legitimação de uma nova ordem política no país,com a incorporação das massas no processo político.

Para compreendermos adequadamente o processo deconstrução do Estado desenvolvimentista no Brasil, as categoriasdesenvolvidas pela matriz marxista para explicar as relações entreEstado e mercado no século XX – estudadas na Unidade anterior –poderão ser bastante úteis. Façamos, então, uma análise dosurgimento, desenvolvimento e crise do Estado desenvolvimentistano Brasil, considerando as relações entre Estado e mercado do pontode vista das necessidades da acumulação capitalista e dalegitimação do poder de Estado junto às classes sociais quecompunham a sociedade brasileira.

Como foi salientado, a montagem do Estado desenvolvimentistae a implementação das políticas sociais no Brasil estavam diretamenterelacionadas ao desenvolvimento industrial do país. Ainda que asprimeiras leis sociais brasileiras datem do final do século XIX – quandoo país ainda estava longe de iniciar o seu processo deindustrialização –, aquelas seriam casuais e isoladas, não podendoser consideradas como pertencentes a uma política social. Seria

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Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

somente a partir de 1923, com a promulgação da Lei Eloy Chaves,que instituiria as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs), que senotaria a emergência de uma certa preocupação, por parte do Estado,com a questão social – antes considerada “caso de polícia”, conformedeclararia, certa vez, o presidente Washington Luís.

Os anos que precederam a Lei Eloy Chaves foram marcadospor diversos movimentos grevistas e intensa agitação operária, oque nos leva a crer que essas tenham sido as causas que teriamlevado o Estado a dar algum tipo de resposta à questão social. Alémdisso, antes de 1930, só formaram as suas CAPs os setores operáriosmais organizados, ficando a maior parte da classe operáriabrasileira fora desse sistema de seguro.

Assim sendo, seria difícil sustentar a interpretação de que o

surgimento das CAPs tenha sido uma resposta do Estado

brasileiro às necessidades do processo de acumulação.

Seria apenas a partir de 1930, quando se iniciou o processode industrialização propriamente dito do Brasil, que as políticassociais começaram a ter uma ligação mais estreita com o processomais amplo de acumulação, mas não apenas com os interessesestritos da acumulação de capital. Se a regulação da jornada detrabalho, do trabalho feminino e de menores, que data de 1932, e ainst i tuição do salário-mínimo, em 1940, contemplaraminequivocamente os interesses da acumulação, não poderíamosdepreender que teriam sido esses interesses os responsáveis diretospela adoção dessas medidas pelo Estado. Além disso, durante osprimeiros anos do governo Vargas, quando começaram a serimplementadas as primeiras políticas sociais voltadas para a classetrabalhadora, o empresariado paulista – desde então o maisimportante do país – estava na oposição ao novo governo, tendoapoiado a revolução constitucionalista de 1932. Portanto, a criaçãodas primeiras leis sociais no Brasil não pode ser interpretada como

vEm relação ao salário-

mínimo, foi observada

uma grande resistência

por parte do

empresariado em aceitá-

lo, razão pela qual

demoraria até 1940 para

ser decretado.

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92Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

resposta do Estado aos interesses da acumulação da burguesiaindustrial brasileira, como uma análise simplista tenderia a fazer.

Tampouco se poderia creditar à pressão do movimentooperário organizado a concessão de benefícios sociais no imediatopós-1930. Se nos anos de 1910 os patrões e o governo viram-se,por diversas vezes, desafiados por movimentos reivindicatóriosorganizados pelos sindicatos, o mesmo não aconteceu nos anos de1920, que foram marcados pelo recesso do movimento operário edecadência dos sindicatos anarquistas, que tiveram grande forçana década anterior. Além disso, em 1930, o setor da classe operáriamais organizado e reivindicativo – que não por coincidênciatrabalhava nos ramos mais diretamente ligados à economiaexportadora, como ferroviários, marítimos e portuários – já haviaconquistado na década anterior a maior parte dos benefícios que oEstado varguista estendeu aos demais setores do operariado por meioda legislação social.

Se, ao que tudo indica, o empresariado brasileiro não tivesse

tomado parte na formulação das políticas sociais que atendiam

às necessidades da acumulação, nem o setor mais combativo

do operariado teria sido por elas beneficiado. Quem então as

teria impulsionado e com qual finalidade? Para responder a

esta questão, é necessário fazer uma pequena digressão sobre

as condições históricas de formação do Estado

desenvolvimentista no Brasil.

A queda do Estado oligárquico iria se dar em meio à crisedo padrão de acumulação vigente até então – baseado nasexportações de café – e à decadência política das própriasoligarquias e seu sistema de dominação social. Naquelascircunstâncias, duas grandes questões iriam ser colocadas para oconjunto da sociedade:

Qual a forma de desenvolvimento econômico a seradotada pelo país a partir de então?

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Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

Qual a forma de sustentação política e de reestruturaçãodo poder do Estado?

Quanto à primeira questão, parecia a todos que aindustrialização era o único caminho a ser seguido, posto que aexpansão econômica baseada na agricultura já tinha encontradoseu limite. Caberia, portanto, ao Estado adotar uma postura distintada até então mantida pelo Estado oligárquico frente ao processo deacumulação e à sua base – o trabalho fabril. No entanto, se aquestão era a mesma para todos, a resposta a ela não o seria. Cadagrupo social tenderia a respondê-la de forma diferente, baseado nasua própria leitura da realidade e em seus interesses específicos.O problema que então deveria ser equacionado pelo Estado seria oda hierarquização dos diferentes interesses sociais frente à tarefade conduzir o processo de industrialização do país, o que dependeriado poder de pressão dos diferentes grupos sociais sobre o Estadoou da capacidade hegemônica de um grupo sobre outros, entendidaesta como hegemonia cultural, conforme o conceito de Gramsci.

Nas circunstâncias políticas do Brasil do início dos anos de 1930,nenhum dos setores estratégicos da sociedade desfrutava de posiçãohegemônica. A burguesia mercantil, que até então controlara oEstado, encontrava-se política e economicamente enfraquecida,além de cindida por rivalidades interiores. A burguesia industrial,dada a sua dispersão e debilidade congênita, era igualmente incapazde propor o seu projeto – se é que o tinha – para o conjunto dasociedade. O proletariado industrial, talvez mais que qualquer dosoutros setores, era incapaz de conformar o Estado de acordo comos seus interesses de classe. Portanto, em meio à ausência dehegemonia, surgiria um Estado dotado de especial autonomia emrelação às classes sociais – conforme o conceito de autonomiarelativa do Estado, de Poulantzas – que estruturaria o seu poderlevando em conta os interesses da cada grupo social, sem, noentanto, atender a nenhum deles integralmente. Nesse contexto, aburocracia do Estado desempenharia um papel importantíssimo naelaboração das políticas econômicas e sociais.

vRumos e metamorfoses:

um estudo sobre a

constituição do Estado e

as alternativas de

industrialização no Brasil

1930-1960 – de Sônia

Draibe. Leia ao menos

Introdução e Capítulo I.

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94Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Assim, a partir de 1930 o Estado brasileiro passou a intervircrescentemente e de forma decisiva no desenvolvimento econômicoe social do país por meio de um conjunto de instrumentos, criadosao longo do tempo, com objetivos e ações próprios, masrelacionados e coordenados. Esses instrumentos podem serclassificados em quatro grandes grupos:

Inovação legislativa: com a elaboração de códigose leis específicas.

Inovação institucional: com a criação de conselhos,departamentos, institutos, autarquias e empresaspúblicas.

Formulação e implementação de políticaseconômicas : voltadas para a área cambial,monetária, de crédito, comércio exterior e de seguros.

Formulação e implementação de políticassociais: de regulação das relações industriais, deprevidência, assistência e proteção ao trabalhador,saúde, educação, saneamento e habitação.

Na área econômica, entre 1930 e 1934, o Estado brasileirocriou uma série de órgãos com o objetivo tanto de intervir nasrelações industriais quanto de coordenar as ações de controle eestímulo aos diversos segmentos da produção industrial e agrícola.Assim foram criados, no plano institucional, o DepartamentoNacional do Trabalho, o Departamento Nacional de SegurosPrivados e Capitalização e o Departamento Nacional de ProduçãoMineral, no interior do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,assim como o Instituto Nacional do Cacau da Bahia, o DepartamentoNacional do Café e o Instituto Nacional do Açúcar e do Álcool (IAA).No plano da inovação legislativa, foram criados e promulgados oscódigos de águas, de minas, de caça e pesca e de florestas.

Na área social, a principal inovação institucional foi acriação do Ministério da Educação e Saúde Pública dez dias apósa chegada de Vargas ao poder, além de uma série de inovaçõeslegislativas, como: a reforma da legislação sindical de 1907, com a

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95Módulo Básico

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separação, até então inexistente, entre sindicados de empregadorese de empregados; a modificação da lei de férias e criação da carteirade trabalho para os trabalhadores urbanos; a edição do código demenores, regulação da jornada de trabalho de oito horas diárias ea regulamentação do trabalho feminino. Já em 1933 foi fundado oprimeiro Instituto de Aposentadoria e Pensão (IAP), o dos marítimos(IAPM), que deu o padrão para a criação dos demais institutos quesubstituíram as antigas CAPs, organizadas por empresa.

Apesar desse progresso, as disparidades nos benefíciosprevidenciários e nos serviços de saúde seriam ainda consideráveis.As categorias mais bem aquinhoadas salarialmente, como a dosbancários, usufruíam de uma assistência médica de qualidade bemsuperior à dos industriários. Embora o governo já tivesse, pordiversas vezes, se manifestado pela unificação dos diferentes IAPsem um único instituto, isso não iria acontecer antes de 1966, devidoà resistência por parte das lideranças dos trabalhadores no comandodos institutos mais ricos (cuja gestão era tripartite, isto é, compostapor representantes do governo, sindicatos patronais e sindicatosdos trabalhadores). Essa resistência derivava do poder e prestígioque aquelas lideranças tinham junto à sua clientela, devido aosserviços oferecidos.

O fortalecimento da capacidade gestora do Estado começoucom a criação do Conselho Federal do Serviço Público, em 1936, eposterior criação do Departamento Administrativo do ServiçoPúblico (DASP), em 1938, que iria formar os quadros do Estado eestruturar uma Administração Pública federal conforme os padrõesmais modernos vigentes nas sociedades capitalistas avançadas,inst i tuindo concursos públicos, estruturando carreiras eprofissionalizando o serviço público. Diversas comissões e conselhosseriam também criados no interior do Estado tendo em vistacapacitá-lo a intervir mais decididamente em outras esferas dasatividades econômicas, como o Conselho Nacional do Petróleo e oConselho de Imigração e Colonização (1938), a Comissão Executivado Plano Siderúrgico Nacional (1940), a Comissão Nacional deFerrovias, a Comissão Nacional de Combustíveis e Lubrificantes(1941) e a Comissão Vale do Rio Doce (1942). Ainda no plano da

vOs IAPs representaram

um significativo avanço

em termos de

socialização e

equalização dos

benefícios prestados

pela assistência social,

ao reunir sob um mesmo

instituto todos os

trabalhadores

pertencentes a uma

mesma categoria

profissional.

vNa segunda metade da

década de 1930 e

primeira metade dos

anos 1940, o

aparelhamento do

Estado e sua intervenção

no mercado se

ampliaram ainda mais.

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96Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

inovação institucional, foram criados o Instituto Nacional do Mate(1938), o Instituto Nacional do Pinho e o Instituto Nacional do Sal(1941), estendendo o controle do Estado federal sobre outrossegmentos da atividade econômica regionalmente localizados.

Com base nos estudos e recomendações feitos pelos diferentesconselhos e comissões, o Estado brasileiro deu início à sua expansãoe intervenção no mercado por meio da criação de empresas públicas,como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e o Instituto deResseguros do Brasil (IRB), em 1941; o Banco de Crédito daBorracha, em 1942; a Companhia Vale do Rio Doce, a CompanhiaNacional de Álcalis (para produção de minerais não ferrosos) e aFábrica Nacional de Motores (FNM), em 1943.

No campo das políticas sociais, nesse mesmo período seriamcriados os Institutos de Aposentadoria e Pensão dos Bancários(IAPB), Comerciários (IAPC), Industriários (IAPI), Empregados dosTransportes de Cargas (IAPETEC) e dos Servidores do Estado(IPASE), além da lei do salário-mínimo, em 1940, e finalmente, apromulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943.

Esses exemplos não exaurem a produção legislativa einstitucional do Estado brasileiro durante o governo Vargas, nem aexpansão e aparelhamento do Estado brasileiro se limitaram a esseperíodo. Nas décadas seguintes, o Estado no Brasil – assim como norestante do mundo – seguiria avançando seu controle sobre omercado. Nos anos 1950, seria criado o Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico (BNDE) para financiar odesenvolvimento das empresas privadas nacionais, e no anoseguinte iria ser fundada a Petrobras. Na segunda metade dadécada, o Estado conseguiria finalmente atrair grandes empresasautomobilísticas internacionais para montar suas fábricas no Brasile bancaria a construção de Brasília.

Nos anos 1960, já sob o governo militar, o Estado brasileirovoltaria a expandir a rede de políticas sociais, com a criação doBanco Nacional da Habitação (BNH), em 1965; unificação dosdiversos IAPs no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) ecriação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em1966; além do lançamento do maior e mais ambicioso projeto socialcujo objetivo era “erradicar” o analfabetismo do país, o Movimento

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Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), em 1967. Na décadaseguinte, a previdência social seria finalmente levada aostrabalhadores rurais por meio do FUNRURAL, em 1971, assim comoa previdência urbana seria estendida às empregadas domésticas, noano seguinte, e aos trabalhadores autônomos, em 1973.

Na área econômica, os governos militares elaborariam doisgrandes Planos Nacionais de Desenvolvimento (PNDs) com o intuitode completar o processo de industrialização do país, equiparandoo seu parque produtivo aos das economias mais avançadas doplaneta. No bojo desses planos, foi criada uma série de novasempresas estatais nas áreas petroquímica, aeronáutica (Embraer),de telecomunicações (Telebrás e Embratel), de energia (Itaipu) eagrícola (Embrapa).

No entanto, a década de 1970 coincidiria com o fim doperíodo de expansão das economias capitalistas em todo o mundo,após trinta longos anos de expansão continuada. Os dois grandeschoques do petróleo da década – o primeiro em 1973, após a Guerrado Yom Kipur, entre os países árabes e Israel, e o segundo, em 1979,após a Revolução Islâmica no Irã – iriam multiplicar o preço docombustível sobre o qual se baseava toda a economia mundial,causando inflação em todo o mundo, criando desemprego eacabando de vez com o ciclo expansivo da economia mundial.Após um período de contínua expansão econômica e aumento dobem-estar – que durou três décadas, na Europa, e meio século, noBrasil – acompanhado de constante expansão do Estado, o mundoentrou num período que foi denominado pelos economistas deestagflação*.

Enquanto o mundo crescia sem parar e o nível de bem-estardas pessoas, em geral, aumentava, ninguém ousaria seriamentecontestar o modelo econômico e o papel do Estado. Foi assim nosEstados Unidos, Europa, América Latina e Ásia. Mas quando operíodo de bonança acabou, as vozes contrárias ao avanço doEstado, e pelo sucesso deste até então caladas, começaram a sefazer ouvir. Foi então nesse momento que o liberalismo, tal comouma fênix, renasceu das suas próprias cinzas. O pêndulo social,tendo atingido o seu ponto máximo à esquerda, começaria então oseu trajeto inverso rumo à liberalização do mercado.

*Estagflação – estagnação

econômica acompanha-

da de inflação. Fonte: Ela-

borado pelo autor.

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98Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

O ESTADO NEOLIBERAL

Na virada dos anos de 1970 para a década de 1980, o modelode desenvolvimento econômico e social até então vigente, marcadopela forte intervenção do Estado em praticamente todas as esferasda vida social, parecia ter-se esgotado. Nesse contexto ressurgiram,com força, as ideias liberais até então adormecidas para reativaras economias e colocar novamente o mundo na rota do crescimento.O renascimento desse ideário convencionou-se chamar deneoliberalismo e seria protagonizado no mundo pelos governosde Margaret Thatcher, no Reino Unido (1979–1990), e de RonaldReagan, nos Estados Unidos (1981–1989).

As palavras neoliberal ismo e globalização foraminsistentemente repetidas nos jornais e nos discursos políticosdurante a década de 1990, sem que, no entanto, se lhes conferisseum conteúdo preciso. De maneira geral, a globalização foi invocadapara afirmar que o mundo havia mudado, e que não se poderiamais interpretar a realidade social e econômica e intervir nessasesferas da mesma forma como se havia feito até a década de 1970.Já o substantivo neoliberalismo e o adjetivo neoliberal foramempregados sempre que a intenção fosse atacar e destratar ointerlocutor. Em nome da adaptação ao mundo globalizado, unspregariam reformas nos mais diversos campos, sobretudo internasao Estado, e outros se poriam na defesa do Estado e dos direitosdos menos favorecidos contra o avanço neoliberal.

Passado o tempo desse confronto, seria conveniente limparo terreno dos destroços que restaram da batalha ideológica eidentificar sine ira et studio (“sem ódio e sem preconceito”) astransformações operadas nas últimas décadas nas sociedadescontemporâneas e os seus impactos sobre as relações entre Estado

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99Módulo Básico

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e mercado. E para fazê-lo, o melhor será procurar despir as palavrasneoliberalismo e globalização das suas conotações valorativas,tentando, na medida do possível, fazer uma análise descritiva.

A agenda neoliberal – colocada em prática, primeirona Inglaterra e nos Estados Unidos, e posteriormente emdiversos países do mundo, inclusive sob governossocialistas, como o de Felipe González, na Espanha (1982–1996) – seria baseada no tripé: desregulamentação,privatizações e abertura dos mercados.

Os defensores dessa agenda argumentavam ser necessáriodesregular os mercados porque o número excessivo de regras econtroles estatais sobre a economia inibia os investimentos privados,comprometendo o crescimento econômico. Embora orientada paradiversas esferas das relações econômicas, a desregulamentaçãofocou, em especial, as relações de trabalho, pois a quantidade deleis e de restrições trabalhistas criada pelo Estado de bem-estarsocial inibiria as contratações pelas empresas, impedindo a criaçãode empregos. Portanto, ao invés de proteger os trabalhadores, osdiversos direitos e garantias inscritos na legislação os estariamcondenando ao desemprego.

A favor das privatizações, alegava-se que as empresas depropriedade do Estado seriam ineficientes e deficitárias, porquemantidas sob a proteção do poder público ao abrigo das leis domercado. A consequência dessa ineficiência resultaria em crescentesdéficits a serem cobertos pelos contribuintes. A privatização dessasempresas, com sua consequente exposição às leis do mercado, teriapor objetivo torná-las eficientes e lucrativas, além de tirar o ônuspela sua manutenção do Estado, liberando recursos públicos paraserem aplicados em áreas em que o Estado tem obrigatoriamentede investir, como educação, saúde e assistência social.

Por fim, retomando os princípios do laissez-faire*,propugnava-se a abertura dos mercados nacionais para aconcorrência internacional, única forma de produzir uma

*Laissez-faire – doutrina

que diz que os negócios

econômicos da socieda-

de são otimizados pelas

decisões individuais,

pelo mercado e pelo me-

canismo de preços, com

virtual exclusão da auto-

ridade governamental.

Fonte: Lacombe (2004).

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100Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

modernização de todos os setores da atividade econômica,conferindo-lhes eficiência e competitividade. Seguindo essereceituário, e após os percalços inevitáveis durante a transição deuma economia protegida e fechada para uma economia aberta ecompetitiva, os investimentos certamente retornariam e a economiavoltaria a crescer de maneira sustentada, ensejando a expansão doemprego e da renda.

Ao examinar essa agenda, percebemos que não se trata deum mero retorno aos “velhos e bons” princípios liberais, havendoalgo de realmente novo – que justificaria o prefixo “neo” –diferenciando-a da agenda liberal que resultaria na formação doEstado liberal no século XIX. Afinal, no movimento pendular emespiral entre Estado e mercado das sociedades capitalistas ao longoda história, o pêndulo nunca volta propriamente ao mesmo lugar.

Examinemos, então, as principais diferenças entre as agendas

liberal e neoliberal para melhor compreendermos as

características do Estado que a partir desta iria se formar.

As diferenças entre o Estado liberal e o Estado neoliberal,tratadas nos próximos parágrafos, são muito importantes. Ao seoporem ao Estado absolutista, os liberais do passado propunhamque o Estado deixasse de intervir nas relações econômicas entre osagentes privados para que o mercado pudesse funcionaradequadamente como mecanismo autorregulador. A retração doEstado não se restringiria às relações comerciais e de produção,mas atingiria inclusive a assistência pública prestada aos maispobres, considerada como contrária ao princípio daautodependência de cidadãos iguais. A única exceção admitidafoi a assistência prestada nas workhouses inglesas destinadas aacolher àqueles que se mostrassem incapazes de prover o seu própriosustento, ou seja, aos excluídos e não cidadãos de fato.

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Já as críticas dos neoliberais ao Estado de bem-estar sociale suas propostas para tirar as sociedades capitalistas da crise emque se encontravam são dirigidas não à intervenção do Estado emgeral, mas à sua intervenção específica em determinadas esferasdas relações econômicas, como o mercado de trabalho, mercadode capitais e mercado de bens e serviços. Ao contrário do quepensavam os liberais do século XIX, esses mercados não seriamautorreguláveis, necessitando a regulação do Estado para quepudessem funcionar adequadamente. O problema, portanto, nãoteria sido a regulação estatal em si, mas o seu excesso, que acaboucomprometendo o bom funcionamento dos mercados existentes oumercados potenciais – isto é, naquelas esferas das atividadeseconômicas sob monopólio estatal, mas passíveis de seremprivatizadas. Quanto às políticas sociais, estas manteriam seu lugarna agenda do Estado como direitos de cidadania e instrumentos depromoção da equidade.

Algumas delas seriam compensatórias, temporárias e focadasnos mais pobres e atingidos pelo processo de ajuste da economiapatrocinado pelo Estado – como as de transferência de renda paracombate da pobreza absoluta e de seguro-desemprego –, mas outrasdeveriam ser universais e permanentes – como as de educação,saúde pública e formação profissional.

Foi neste cenário que, a partir dos anos de 1980, as reformasde inspiração neoliberal começaram a ser apl icadas empraticamente todo o mundo capitalista onde antes existia algumaforma de Estado de bem-estar social – com maior ou menorprofundidade e extensão e com graus variáveis de sucesso naredinamização das economias nacionais. Apesar dessas variaçõese diferenças, em todos os lugares um mesmo fenômeno iria seproduzir: o aumento das disparidades de renda entre ricos e pobres.Além desse resultado negativo e indesejável, um outro resultadoimprevisto iria se produzir em escala planetária, mudandodefinitivamente as relações entre Estado e sociedade: a globalização.

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102Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

v

Esse montante era

equivalente a duas vezes

o PIB anual brasileiro da

época, e dez mil vezes

superior à quantidade de

dinheiro que circulava

por esses mercados em

1970.

A globalização iria resultar da combinação entre aimplementação das reformas neoliberais em escalamundial e as mudanças tecnológicas trazidas pelaterceira revolução industrial já em curso nas últimasdécadas do século passado, como o desenvolvimentoda informática e das tecnologias da comunicação.

Mais do que a integração dos mercados de bens, serviços ecapitais, a globalização iria ensejar, sobretudo, a desregulamentaçãoe integração dos mercados bancários e financeiros das diferenteseconomias nacionais do mundo capitalista. Com isso, iria se criarum mercado financeiro internacional, altamente dinâmico e volátil,no qual capitais oriundos dos quatro cantos da Terra seriamaplicados nas bolsas de valores das diversas praças financeirasespalhadas pelo mundo, deslocando-se com velocidade jamais vistade um lado para o outro do planeta. Algumas estimativas apontavamque, em meados da década de 1990, a circulação desses capitaisentre os diferentes mercados financeiros do mundo seria de cerca deum trilhão de dólares por dia, “valor superior à soma de todas asreservas de todos os Bancos Centrais do mundo” (FIORI, 1995, p.223).

Além de ter permit ido a formação de um mercadointernacional de capitais, que aumentaria enormemente avulnerabilidade das sociedades frente à movimentação internacionaldo capital, tornando Estados nacionais incapazes de controlá-lo eoferecer uma proteção mais efetiva às economias domésticas, asinovações tecnológicas iriam ensejar a criação de novos mercados,a mudança nos padrões dos serviços e a reorganização dos capitaisem nível internacional. O caso das telecomunicações é emblemático.

Até os anos de 1980, os serviços de telefonia erammonopólios estatais em quase todo o mundo. Os custos deimplantação da infraestrutura requerida eram extremamenteelevados, sendo pouco atrativos para a exploração dos serviçospelo capital privado. Além disso, havia apenas uma tecnologiadisponível para a prestação dos serviços: telefones fixos ligados por

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103Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

fios e interligados por cabos submarinos para comunicações a longadistância. Os altos custos dos investimentos iniciais associados aopadrão tecnológico único contribuíram para que o setor de telefoniase constituísse em um monopólio natural do Estado. Somente ospaíses ricos conseguiam oferecer os serviços de telefonia naresidência de todos os seus cidadãos. Para se capitalizarem e poderexpandir a oferta de serviços, as companhias telefônicas brasileirasiriam utilizar um subterfúgio: vincular a concessão de uma linhatelefônica ao usuário à compra de ações da companhia. Com isso,um serviço público foi transformado em um bem privado. Essa formaoriginal de alocar as linhas telefônicas aos usuários pelas empresasestatais associada à escassez da sua oferta deu espaço aosurgimento de um mercado paralelo. Em todas as grandes cidadesdo país, surgiram bolsas de telefones, em que as linhas eram cotadase negociadas como se fossem bens privados, e os telefonespassaram a ser objetos de investimento e especulação. No iníciodos anos de 1990, uma linha telefônica na cidade de São Paulo eracomercializada no mercado paralelo pelo preço médio de três mildólares, que variava conforme o bairro de prestação do serviço.Obedecendo à lei da oferta e demanda, o custo das linhas nos bairrosmais populares, onde a sua oferta era menor, costumava ser maisalto do que nos bairros mais bem aquinhoados da cidade e maisbem servidos desses serviços.

As mudanças tecnológicas nas comunicações, representadaspelo desenvolvimento de fibras óticas, da telefonia celular emdiversas bandas, da transmissão por cabo etc. permitiram, em poucotempo, que esse cenário fosse radicalmente modificado. Por meiode uma pluralidade de tecnologias, com relativamente baixos custosde investimentos iniciais, o monopólio natural deixou de existir,permitindo que surgisse no seu lugar um novo mercado altamenterentável para os capitais privados.

Mas além dos serviços de telecomunicações, outros setores,como o siderúrgico, petroquímico e elétrico também foramprivatizados no Brasil, durante os anos de 1990, levando o Estadoa mudar drasticamente a sua relação com o conjunto dos agenteseconômicos. De produtor de insumos industriais e fornecedor de

vNo Brasil, até a metade

da década de 1990, o

acesso a uma linha

telefônica era difícil e

caro.

vFoi dentro deste novo

contexto econômico e

tecnológico que

ocorreram as

privatizações do setor de

telefonia no Brasil e em

diversos países.

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104Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

infraestrutura para o setor privado da economia, o Estado passoua exercer o papel de agente regulador dos mercados recém-criados. A criação de mercados onde antes havia monopólios, aindaque compostos por mais de uma empresa estatal, foi umaexperiência nova no Brasil, assim como também nova seria a formaescolhida de exercer a função de regulação: por meio da criaçãode agências reguladoras específicas para cada mercado,conforme o modelo adotado na Inglaterra. Portanto, a novidadeque as privatizações trouxeram para o Estado e a AdministraçãoPública no Brasil foi dupla: na forma (as agências) e no conteúdo(os novos mercados recém-criados). Sendo essa experiência aindabastante recente, seria difícil identificar com um mínimo de precisãoas tendências e os componentes do novo padrão de relações entreo Estado e esses setores econômicos.

No entanto, podemos afirmar com certeza que um novopadrão de relacionamento estava em construção e quemodificações e ajustes ainda iriam se produzir.

Comparativamente à análise das formas de Estado passadas,a do Estado neoliberal é sem dúvida a mais difícil. E isso por umasimples razão, não temos distanciamento temporal para examinarcomo dispomos em relação às demais, cujo início, auge, decadênciae fim podemos identificar com maior facilidade. Aqui se aplicaperfeitamente a célebre frase de Hegel na Filosofia do Direito – “acoruja de Minerva alça seu voo somente com o início docrepúsculo”, ou seja, apenas ao final dos acontecimentos (o fim dodia) que a nossa razão (a coruja de Minerva) será capaz decompreender tudo o que se passou. Embora a crise financeira quese abateu inicialmente sobre os Estados Unidos, em 2008, e seespalhou em seguida por outras partes do mundo, possa serentendida como um bom indicador de que o pêndulo social alcançounovamente o seu ponto máximo à direita (o mercado), e que a partirde então irá começar um progressivo fortalecimento do Estado (rumo

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105Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

à esquerda), essa não passa de uma hipótese – ainda que bastanteforte – sujeita à comprovação.

No entanto, mesmo que essa expectativa venha a seconfirmar, a experiência histórica não nos autorizaria a imaginarum retorno ao Estado de bem-estar social, ao Estado socialista oua outra forma de Estado anterior pelo simples fato de que a histórianão se repete. Mas a atenção para o movimento pendular da históriae para os princípios inscritos nas duas matrizes, que até hojeanimam as discussões e projetos das sociedades ocidentais,continuará ainda sendo a principal referência a guiar a ação dosindivíduos e a iluminar quem queira pensar o Estado e atuar nagestão pública.

Complementando......Conheça mais sobre os temas aqui discutidos explorando as obrassugeridas a seguir.

Balanço do neoliberalismo. In: Pós-neoliberalismo: as políticas sociais

e o Estado democrático – de Emir Sader. Nesta obra você vai aprendermais sobre a emergência e o desenvolvimento do Estado neoliberalno mundo.

A globalização e a novíssima dependência. In: Em busca do dissenso

perdido: ensaios críticos sobre a festejada crise do Estado – de JoséLuís Fiori, que traz informações sobre a globalização.

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106Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

ResumindoAo encerrar o estudo dos temas desta disciplina – e

antes que você passe às atividades de sistematização e ava-

liação dos conhecimentos adquiridos –, caberia ainda algu-

mas considerações. Um objeto tão amplo e complexo como

o das relações entre Estado, governo e mercado não é passí-

vel de ser estudado exaustivamente, ficando sempre um ou

outro aspecto sem ser analisado e muitos autores sem se-

rem referidos. No entanto, a impossibilidade de se estudar

e conhecer tudo sobre um tema não nos impossibilita de

visualizarmos e compreendermos o todo. As muitas dife-

renças não examinadas entre o Estado liberal na Inglaterra e

nos Estados Unidos do início do século XX e entre o Estado

socialista na União Soviética e na China de Mao-Tsé-tung

não nos impedem de compreendermos o que havia em co-

mum nas relações entre Estado, governo e mercado em cada

par de países e nos permitem classificar os primeiros como

liberais e os segundos como comunistas. De forma análoga,

apesar de as articulações concretas entre Estado e mercado

serem absolutamente singulares em cada país, é plenamen-

te possível agrupá-los conforme padrões dominantes, como

mais mercado e menos Estado sob os estados liberais e mais

Estado e menos mercado sob os estados socialistas. Por isso,

o objetivo desta disciplina foi, precisamente, o de apresen-

tar e trabalhar conceitos, teorias e informações históricas

de forma a possibilitar a você compreender as diferentes e

sempre mutantes relações entre Estado e mercado no mun-

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107Módulo Básico

Unidade 2 – As Relações entre Estado, Governo e Mercado Durante o Século XX

do contemporâneo como um todo, já que é impossível co-

nhecer tudo. Com base nos conhecimentos desenvolvidos

nesta disciplina, você poderá se tornar capaz de acrescentar

ao seu repertório novas informações históricas, novos auto-

res, novas teorias e, sobretudo, compreender o mundo em

que vive e atua.

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108Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

Atividades de aprendizagem

Chegado o final da Unidade 2 e também da disciplina, éhora de verificar a sua aprendizagem. Para tanto, procureresponder às questões propostas na sequência.

1. Identifique e explique três diferenças entre o Estado liberal e o

Estado neoliberal e entre o Estado de bem-estar social e o Estado

desenvolvimentista.

2. Considerando os conteúdos tratados nas duas Unidades desta dis-

ciplina, descreva as relações entre Estado, governo e mercado no

Brasil ao longo do século XX, identificando as características prin-

cipais do Estado oligárquico, Estado desenvolvimentista e Estado

neoliberal relacionando-as com as mudanças produzidas nas duas

matrizes teóricas que explicam as relações entre Estado e socie-

dade no mundo capitalista.

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109Módulo Básico

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SADER, Emir. Balanço do neoliberalismo. In: Pós-neoliberalismo: aspolíticas sociais e o Estado democrático. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra,1996.

SARTORI, Giovanni. A teoria democrática revisitada. Trad. Dinah deAbreu Azevedo. São Paulo: Ática, 1994. v. 1 (O debate contemporâneo).

SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. São Paulo: Martins Fontes, 2003.1.392 p.

WEFFORT, Francisco (Org.). Os Clássicos da Política. 6. ed.São Paulo: Ática, 1996. v. 2.

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111Módulo Básico

Referências Bibliográficas

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112Especialização em Gestão Pública

Estado, Governo e Mercado

MINICURRÍCULO

Ricardo Corrêa Coelho

Bacharel em Ciências Sociais pela Universi-

dade Federal do Rio Grande do Sul (1981), Mestre

em Ciência Política pela Universidade Estadual de

Campinas (1991) e Doutor em Ciência Política pela

Universidade de São Paulo (1999). É especialista em Políticas Públicas

e Gestão Governamental, do Ministério do Planejamento, e trabalha

no Ministério da Educação desde 2000. Tem experiência docente nas

áreas de Ciência Política e Administração Pública, com trabalhos nas

áreas de partidos políticos, políticas públicas, educação e formação de

quadros para a Administração Pública.

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Data Link

02/05/2013 http://webconferencia.sead.ufscar.br/p8mvc96rsz7/

19/10/2013 http://webconferencia.sead.ufscar.br/p9a9k8mwmmv/

14/11/2013 http://webconferencia.sead.ufscar.br/p71stvoh8jr/

23/11/2013 http://webconferencia.sead.ufscar.br/p33axmo2v0g/

14/12/2013 http://webconferencia.sead.ufscar.br/p4462kjehck/

11/01/2014 http://webconferencia.sead.ufscar.br/p88c54b7b41/

12/02/2014 http://webconf2.rnp.br/p2kvdfgi955/

Gestão Pública - 07 sessões Webconferência

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1

RELATÓRIO DE APOIO ADMINISTRATIVO DOS CURSOS EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Ique NOME DO CURSO: Curso de Pós Graduação em Gestão Pública

COORDENADOR (A): Prof. Dr. Glauco Henrique de Sousa Mendes

MÊS DE REFERÊNCIA: Outubro a Dezembro de 2013

ATIVIDADE QUANTIDADES E DESCRIÇÃO

Elaboração e atualização de planilhas diversas

Atualização de dados nas planilhas GoogleDocs (compartilhadas

com as equipes) com informações de liberações de bolsas

professores e tutores

Atendimento à coordenação de curso Auxilio a coordenação

Agendamentos de reuniões Reuniões da Coordenação, da Designer Instrucional

Atendimento telefônico Diversos ao longo do período de trabalho

Tramitações Encaminhamento de documentos com tramitação

Ofícios Encaminhamento de ofícios diversos

Organização de material para as avaliações de provas e envio de

material

Organização do material (empacotamento e postagem das

avaliação e livros) e envio aos polos pelo Correio.

Auxilio a Supervisora de Tutores Auxilio a nova de tutores e orientações sobre o trabalho

Auxílio à secretaria Auxílio a distribuição de materiais, viagens e orientações.

Arquivamento de documentaçãoOrganização de arquivo – documentações diversas (ofícios,

provas, listas de presença)

Contato com os polos Contato com os Polos sobre procedimentos do curso

Auxilio a alunos do curso Atendimento e orientação dos alunos do curso – diversos

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2

RELATÓRIO DE APOIO ADMINISTRATIVO DOS CURSOS EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

assuntos

Organização de planilhas – Autorização para liberação de bolsas

CAPES aos bolsistas do curso

Organização e encaminhamento a CAPE/SEaD da listagem de

bolsistas do curso (profs e tutores)

E-mails gerais Diversos ao longo do período de trabalho

Atualização do SisUAB Atualização de dados do curso na plataforma de suporte UAB

Envio de carteirinhas estudantis Para São Carlos, Araras, Franca, Apiaí e Balsamo.

Inclusão de dados ProgradWeb Preenchimento de dados no ProgradWeb

Formulários de viagensAcompanhamento do preenchimento dos formulários e

encaminhamento

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Suporte+%28TI%29

Página 1

Tipos de serviço Solicitante Atribuído a Categoria Data de Envio Atualizado Resumo Estado2104 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-10-02 2013-10-02 Troca de Maquina Resolvido2105 Suporte (TI) Adriano Leite da Silva Instalação/Manutenção de computadores 2013-10-02 2013-10-02 instalação do computador da Aline Resolvido2110 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-10-02 2013-10-02 Instalação do pacote Adobe CS5.5 Resolvido2128 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-03 2013-10-03 Resolvido2133 Suporte (TI) Instalação/Manutenção/Remoção de softwares 2013-10-03 2013-10-04 Instalação de software Resolvido2126 Suporte (TI) Elaine Franco Vicente Instalação/Manutenção de computadores 2013-10-03 2013-10-04 Notebook não liga Fechado2175 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-10-08 2013-10-08 Instalação de programas Resolvido2180 Suporte (TI) Adriano Leite da Silva Instalação/Manutenção de computadores 2013-10-08 2013-10-08 MONTAGEM EQUIPAMENTOS - CODAP Resolvido2129 Suporte (TI) Adriano Leite da Silva Instalação/Manutenção de computadores 2013-10-03 2013-10-08 INSTALAÇÃO MAQUINAS SALAS Resolvido2228 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-10 2013-10-11 Resolvido2238 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-11 2013-10-11 Resolvido2177 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-08 2013-10-15 Cadastro Tutores Presenciais GDE Resolvido2305 Suporte (TI) Instalação/Manutenção/Remoção de softwares 2013-10-16 2013-10-16 Resolvido2292 Suporte (TI) Adriano Leite da Silva Instalação/Manutenção de computadores 2013-10-16 2013-10-16 INSTALAÇÃO MAQUINA - AT3 - SALA ESPECIALIZAÇAO Resolvido2308 Suporte (TI) 2013-10-16 2013-10-16 Não consigo abrir um arquivo Resolvido2267 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-14 2013-10-17 Resolvido2324 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-17 2013-10-17 Cadastramento de tutor presencial GDE 2013 Resolvido2284 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-15 2013-10-17 Cadastro de Tutores Presenciais do GDE Fechado2277 Suporte (TI) Ricardo Henrique Parra Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-15 2013-10-17 Cadastro Tutores Presenciais GDE Fechado2388 Suporte (TI) Ana Paula Souza do Nascimento Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-22 2013-10-23 Cadastro de tutores presenciais Resolvido2422 Suporte (TI) Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-23 2013-10-24 Cadastro de estagiários no LDAP e no ambiente do grupo de estudos Resolvido2229 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-10 2013-10-24 Reativação de cadastro de aluno - EM Resolvido2454 Suporte (TI) Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-10-25 2013-10-25 Cadastrar aluna para poder adicionar no curso GDE Resolvido2472 Suporte (TI) Formatação de computador 2013-10-29 2013-10-29 Resolvido2469 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-10-29 2013-10-30 Limpeza notebook Resolvido2525 Suporte (TI) Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-11-01 2013-11-01 Cadastrar colaboradores no LDAP Resolvido2526 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-11-01 2013-11-01 Resolvido2541 Suporte (TI) Leandro Fagner Almeida Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-11-05 2013-11-05 Resolvido2558 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-11-06 2013-11-06 Configuração de senha Resolvido2552 Suporte (TI) Equipe Desenvolvimento 2013-11-05 2013-11-06 Cadastro de usuários Resolvido2565 Suporte (TI) Instalação/Manutenção/Configuração de dispositivos 2013-11-06 2013-11-06 Imagem trêmula no monitor Resolvido2574 Suporte (TI) Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-11-07 2013-11-07 Cadastro de usuário Resolvido2583 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-11-08 2013-11-08 Resolvido2577 Suporte (TI) Thiago Berto Nóbrega Instalação/Manutenção/Configuração de dispositivos 2013-11-07 2013-11-11 Resolvido2608 Suporte (TI) Daiane Oliveira Filo Instalação/Manutenção/Configuração de impressora 2013-11-12 2013-11-12 Instalação de Impressora Resolvido2612 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-11-12 2013-11-12 Resolvido2671 Suporte (TI) Gisele Patrícia Pingueiros Instalação/Manutenção/Configuração de impressora 2013-11-13 2013-11-13 Não estou conseguindo realizar impressões. Resolvido2646 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-11-13 2013-11-13 Instalação de programas. Resolvido2621 Suporte (TI) Aparecida Ribeiro Dúvidas Gerais 2013-11-12 2013-11-14 Solicitação de um novo monitor tamanho 19 Resolvido2730 Suporte (TI) Hérica Cristina de Miranda Instalação/Manutenção/Remoção de softwares 2013-11-18 2013-11-18 Resolvido2749 Suporte (TI) Ricardo Henrique Parra Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-11-19 2013-11-19 Resolvido2776 Suporte (TI) Daiane Oliveira Filo Instalação/Manutenção/Configuração de dispositivos 2013-11-20 2013-11-21 Resolvido2805 Suporte (TI) Gisele Patrícia Pingueiros Instalação/Manutenção/Configuração de impressora 2013-11-22 2013-11-22 Não estou conseguindo realizar impressões. Resolvido2806 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-11-22 2013-11-22 PC AT3 - TS Felipe Resolvido2789 Suporte (TI) Instalação/Manutenção/Configuração de impressora 2013-11-21 2013-11-22 Problemas na impressão Resolvido2811 Suporte (TI) Instalação/Manutenção de computadores 2013-11-22 2013-11-22 Resolvido2810 Suporte (TI) Formatação de computador 2013-11-22 2013-11-22 Formatação de computador Resolvido2829 Suporte (TI) Ricardo Henrique Parra Cadastro de Usuário(s) no LDAP 2013-11-25 2013-11-25 Atribuído2830 Suporte (TI) Instalação/Manutenção/Configuração de dispositivos 2013-11-25 2013-11-25 Reconfigurar roteador LOA Resolvido2848 Suporte (TI) Daiane Oliveira Filo Teste de equipamentos e software 2013-11-26 2013-11-26 Resolvido2858 Suporte (TI) Hérica Cristina de Miranda Instalação/Manutenção/Remoção de softwares 2013-11-26 2013-11-26 Resolvido

NúmFelipe Pedrini – Equipe Moodle Guilherme Ruggiero

Guilherme RuggieroClarissa Bengtson Marco Tulio Lemes Oliveira

Cristian Kawakami SEaD/Moodle: Cadastro Tutor Presencial - EMSilvia Maria Felicio Marco Tulio Lemes Oliveira

Guilherme RuggieroClarissa Bengtson Guilherme Ruggiero

Marco Tulio Lemes OliveiraMarco Tulio Lemes OliveiraCristian Kawakami Reativação de Perfil - LDAP e MoodleCristian Kawakami Reativação de cadastro de aluno no moodle - EMCristian Kawakami

Priscila Cristina Fiocco Bianchi Marco Tulio Lemes Oliveira Instalação do software pdf profissionalGuilherme Ruggiero

Aldrei Jesus Galhardo Batista Marco Tulio Lemes Oliveira Instalação/Manutenção/Remoção OfficeCristian Kawakami Alunos com pedido de reintegração de vaga em andamento - PeCristian KawakamiCristian KawakamiCristian Kawakami

Bruno Derisso - Equipe MoodlePaulo Roberto Montanaro Cristian Kawakami

Cristian KawakamiRodrigo Kensan Sucomine Cristian KawakamiManuela Marinelli Rossit Guilherme Ruggiero Limpeza de CoolerSilvia Maria Felicio Marco Tulio Lemes OliveiraRodrigo Kensan Sucomine Cristian Kawakami

Cristian Kawakami Cadastro dos usuários das Coordenações de Curso no LDAP e no Moodle 2Cristian Kawakami Cadastro de novo Estagiario Moodle

Clarissa Bengtson Guilherme RuggieroMariana Derigi Ambrózio Cadastro de Usuários no SInApSEJennifer Kaon Cheng Lu Marco Tulio Lemes OliveiraMariana Derigi Ambrózio Cristian KawakamiClarissa Bengtson Guilherme Ruggiero Intalação do Codec

Marco Tulio Lemes Oliveira Conexão sem fio SEaDGuilherme Ruggiero

Jessica Sayuri Nishiguchi Marco Tulio Lemes Oliveira Limpeza de Disco e Instalação Adobe Master Collection CS5Marco Tulio Lemes Oliveira

Clarissa Bengtson Marco Tulio Lemes OliveiraMarco Tulio Lemes OliveiraMarco Tulio Lemes Oliveira Instalação do Camtasia no notebookCristian Kawakami Cadastro de UsuariosMarco Tulio Lemes Oliveira PimacoMarco Tulio Lemes Oliveira

Daniel Ettore Storolli Franca Marco Tulio Lemes OliveiraSilvia Maria Felicio Marco Tulio Lemes OliveiraFelipe Pedrini – Equipe Moodle Marco Tulio Lemes Oliveira Erro de DriversSilvia Maria Felicio Marco Tulio Lemes Oliveira

Cristian Kawakami Cadastro no LdapDaniel Ettore Storolli Franca Marco Tulio Lemes Oliveira

Marco Tulio Lemes Oliveira Teste de TV para reunião via skypeMarco Tulio Lemes Oliveira Instalação do Camtasia no CD

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PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO GOVERNAMENTAL

Renato Peixoto Dagnino

Ministério da Educação – MEC

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES

Diretoria de Educação a Distância – DED

Universidade Aberta do Brasil – UAB

Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP

Especialização em Gestão Pública

2012

2ª edição

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© 2012. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Todos os direitos reservados.

A responsabilidade pelo conteúdo e imagens desta obra é do(s) respectivos autor(es). O conteúdo desta obra foi licenciado temporária e

gratuitamente para utilização no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o

conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reprodução e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos.

A citação desta obra em trabalhos acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia desta obra sem autorização

expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanções previstas no Código Penal, artigo 184, Parágrafos

1º ao 3º, sem prejuízo das sanções cíveis cabíveis à espécie.

1ª edição – 2009

D126p Dagnino, Renato PeixotoPlanejamento estratégico governamental / Renato Peixoto Dagnino. – 2. ed. reimp. –

Florianópolis : Departamento de Ciências da Administração / UFSC, 2012.166p. : il.

Especialização – Módulo BásicoInclui bibliografiaISBN: 978-85-61608-85-9

1. Planejamento estratégico. 2. Planejamento governamental. 3. Administração pública.4. Educação a distância. I. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(Brasil). II. Universidade Aberta do Brasil. III. Título.

CDU: 65.012.2

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

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DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDÁTICOSUniversidade Federal de Santa Catarina

METODOLOGIA PARA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIAUniversidade Federal de Mato Grosso

AUTOR DO CONTEÚDORenato Peixoto Dagnino

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR – CAPES

DIRETORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

EQUIPE TÉCNICA

Coordenador do Projeto – Alexandre Marino Costa

Coordenação de Produção de Recursos Didáticos – Denise Aparecida Bunn

Capa – Alexandre Noronha

Ilustração – Igor Baranenko

Projeto Gráfico e Editoração – Annye Cristiny Tessaro

Revisão Textual – Sergio Luiz Meira

Créditos da imagem da capa: extraída do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

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SUMÁRIO

Apresentação.................................................................................................... 9

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

Introdução...................................................................................... 21

Um Breve Histórico do Planejamento................................................ 22

O Contexto Sociopolítico em que se Deve Inserir o Planejamento Estratégico

Governamental.......................................................................................... 25

A Democratização Política e o “Estado Necessário”...................................... 29

A Construção do “Estado Necessário” e o Planejamento Estratégico Governamental... 38

O Contexto Disciplinar da Administração Pública................................................ 43

Políticas Públicas e Políticas Sociais............................................................ 44

O Gestor Público e o Administrador de Empresas......................................... 48

Administração de Empresas, Administração Geral e Administração Pública... 50

A Formação do Gestor Público...................................................................... 52

Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergên-cia e Enfoque

Introdução..................................................................................................... 65

A Ciência Política e a Supervalorização do Político............................................ 67

A Administração Pública e a Subvalorização do Conflito..................................... 69

A Concepção Ingênua do Estado Neutro................................................. 70

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Os Enfoques da Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional como

Fundamentos do Planejamento Estratégico Governamental............................... 73

O Enfoque da Análise de Política......................................................................... 76

O Enfoque do Planejamento Estratégico Situacional............................................ 83

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

Introdução..................................................................................................... 91

Uma Visão Preliminar do Resultado...................................................................... 95

Agir Estratégico.......................................................................................... 98

Pressupostos para uma Ação Estratégica em Ambiente Governamental........ 98

O Conceito de Ator Social.................................................................... 99

Características do Jogo Social................................................................... 99

Os Momentos da Gestão Estratégica........................................................... 100

A Análise de Governabilidade – o Triângulo de Governo..................................... 102

A Situação-Problema como Objeto do Planejamento Estratégico Governamental... 108

Conceito de Problema (ou situação-problema)........................................... 109

Tipos de Problemas................................................................................. 110

Conformação de um Problema................................................................ 111

Como Formular um Problema?....................................................................... 112

Perguntas para Verificar se a Seleção de Problemas é Apropriada............... 113

A Descrição de um Problema....................................................................... 114

A Explicação da Situação-Problema.............................................................. 116

A Diversidade das Explicações Situacionais.................................................. 116

O Fluxograma Explicativo da Situação........................................................ 118

Seleção de Nós Críticos............................................................................ 119

Mãos à Obra................................................................................................. 122

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Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

Introdução..................................................................................................... 131

Uma Visão Preliminar do Resultado...................................................................... 132

Planejar por Situações-Problema.......................................................................... 135

Operações........................................................................................................... 139

Matriz Operacional.......................................................................... 141

Ações, Atividades, Tarefas.......................................................................... 141

Etapas para a Formulação de um Plano de Ação.......................................... 144

Gestão do Plano........................................................................................ 146

Atuar sob Incerteza........................................................................... 146

Focos de Debilidade de um Plano........................................................................ 148

Componentes de um Sistema de Planejamento Estratégico Governamental.......... 149

Considerações Finais.......................................................................................... 154

Referências.................................................................................................... 160

Minicurrículo.................................................................................................... 166

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8Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

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9Módulo Básico

Apresentação

APRESENTAÇÃO

Caro estudante!

Esta disciplina foi concebida tendo por referência aconstatação de que os gestores públicos brasileiros, atores centraisdo espaço onde ocorre o Planejamento Estratégico Governamental(PEG), terão de seguir por muito tempo atuando no interior de umaparelho de “Estado Herdado” que não se encontra preparado paraatender às demandas da sociedade quanto a um estilo alternativode desenvolvimento mais justo, economicamente igualitário eambientalmente sustentável. Ao mesmo tempo, os gestores públicosterão de transformar o “Estado Herdado” no sentido da criação do“Estado Necessário”, entendido como um Estado capaz não apenasde atender às demandas presentes, mas de fazer emergir e satisfazernovas demandas embutidas nesse estilo alternativo.

Por isso, e para que fiquem claras as razões que explicam ascaracterísticas que a disciplina possui, mencionaremos, em maisde uma oportunidade ao longo das unidades deste livro, vários dosaspectos envolvidos na transição do “Estado Herdado” para o“Estado Necessário”. Estudaremos ainda o porquê de falarmos emEstado Herdado e Estado Necessário. Qual a diferença entre os dois?

O recurso que utilizamos para marcar a diferença entre asituação atual e a futura, desejada, de opor o “Estado Herdado” ea proposta de “Estado Necessário”, tem como inspiração otratamento dado ao tema por Aguilar Villanueva (1996). Váriosoutros autores latino-americanos, entre os quais Atrio e Piccone(2008) e Paramio (2008), dois dos mais recentes, têm abordado,ainda que focalizando uma “cena de chegada” um tanto distinta,processos de transição como o que nos preocupa. Com uma

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10Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

perspectiva ideológica bem mais próxima da que adotamos aqui,cabe citar, para ficar porém se tratando dos mais recentes, ostrabalhos de O’Donnell (2007 e 2008) e Mora-Alfaro (2009), queatualizam sua visão sobre o Estado latino-americano e indicamnovos rumos para o debate. E ainda o trabalho de Thwaites Rey(2008), que apresenta uma análise inovadora sobre a intermediaçãoque realiza o Estado na relação entre as classes dominantes latino-americanas e o cenário globalizado, e de Brugué (2004), queprovocativamente coloca como condição de transformação doEstado a promoção e um estilo de gestão baseado na “paciência”e na “feminilização”.

Esta é a maneira que adotamos para referirmo-nos a umaconfiguração do Estado capitalista alternativa à atualmenteexistente, pela via de uma aderência e de uma condição deviabilização de um cenário normativo em construção no âmbito deum processo de radicalização da democracia, distinta daquelaproposta, por exemplo, por Guillermo O’Donnell – reconhecido comoum dos mais agudos analistas latino-americanos das relaçõesEstado-Sociedade. Num pronunciamento recente, ele mencionouum Estado que, apesar de abrigar bolsões autoritários, é capaz deimpulsionar a expansão e consolidação das diversas cidadanias(civil, social e cultural, além da política já estabelecida num regimedemocrático) implicadas por uma democracia mais plena, e ir-setransformando, assim, num Estado democrático (O'DONNELL,2008). Contudo, temos de destacar nossa opção de levarmos emconta esses aspectos para a concepção desta disciplina. E, também,que a realização de opções distintas levaria, como é evidente, àelaboração de uma disciplina de PEG com características distintas.

Vale ainda destacarmos, adicionalmente, e de partida, queentendemos que ajustar o aparelho de Estado visando à alteraçãoe à conformação das relações Estado-Sociedade, desde querespeitando as regras democráticas, é um direito legítimo, umanecessidade, e um dever colocados aos governos eleitos com ocompromisso político de levar a cabo suas propostas. Portanto,assumir explicitamente essa intenção não diferencia o governo Lulade outros que ocuparam anteriormente o aparelho de Estado.

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11Módulo Básico

Apresentação

Não obstante, partimos também da constatação de que aReforma Gerencial do Estado brasileiro inaugurada na década de1990, dado o impulso que ganhou e os laços de realimentaçãosistêmica que produziu, segue em curso, o que ocorre de modo lentoe desigual, em consequência da oposição, às vezes meramentecorporativa, que vem sofrendo no âmbito da sociedade e do próprioaparelho do Estado. E, de modo genérico, porque a correlação deforças vigente no cenário político nacional impede que ela siga noritmo pretendido pelos seus partidários.

É importante reconhecermos que, mesmo de formafragmentada, a Reforma Gerencial continua na lista das mudançasque estão sendo realizadas, no âmbito do aparelho de Estado, nãodeixando hoje espaço para que as ações que estão conduzindo ao“Estado Necessário” sejam colocadas na agenda governamentalcom a centralidade que elas merecem.

Em consequência, estamos assistindo a um paradoxo,extensivo a outros países latino-americanos, de governos deesquerda democraticamente eleitos não estarem sendo capazes defazer avançar a democratização de seus respectivos países, já quevários autores latino-americanos têm apontado que esses governos,embora estejam sancionando e respaldando a cidadania política,estão se omitindo ou se demonstrando incapazes de sancionar erespaldar direitos emergentes de outros aspectos da cidadania(O’Donnell, 2008), e correndo o risco de sofrer uma derrotacatastrófica por caírem na armadilha do “possibilismo” e dotecnicismo que conduzem ao imobilismo (BORÓN, 2004).

Coutinho (2007), assumindo uma postura ainda mais críticae usando categorias gramscianas, considera que a época neoliberalque vivemos no Brasil não deveria ser considerada como uma“revolução passiva” e sim como uma “contrarreforma”. Apontandopara o fato de personalidades dos partidos democráticos deoposição estarem se incorporando à “classe política” conservadora,hostil à intervenção das massas populares na vida estatal, ou degrupos radicais inteiros estarem passando ao campo moderado,ele faz referência ao conceito de transformismo: processo em queas classes dominantes buscam obter governabilidade em processos

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12Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

de transição “pelo alto” através da cooptação das liderançaspolíticas e culturais das classes subalternas diminuindo suapropensão à transformação social.

Frequentemente, podemos observar a implementação de algomais alinhado com a Reforma Gerencial do que com a proposta do“Estado Necessário”. E isso, apesar de parecer ser este o modelode Estado privilegiado pelo governo Lula. Por estar num nívelclaramente incipiente, o processo que irá possibilitar a transiçãodo “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” não podeprescindir de conteúdos como os que esta disciplina pretendeproporcionar aos gestores públicos.

Contudo, para que esse processo se efetive, consideramosimportante e indispensável a ação dos gestores públicos –concordam com essa ideia vários pesquisadores latino-americanosorientados a formular recomendações para a capacitação degestores públicos, como Ospina (2006) e Longo (2006), além deoutros, como Echebarría Koldo (2006), preocupados em compararpaíses latino-americanos em termos da relação entre o quedenominam “configuração burocrática” e “efetividade do sistemademocrático”. Contamos ainda com O’Donnell (2008), queconsidera os gestores públicos como uma “âncora” indispensáveldos direitos da cidadania. O autor destaca que sem esta“ancoragem” um regime democrático simplesmente não existe e seconverte numa caricatura em que se realizam eleições que nãosatisfazem requisitos mínimos de competitividade, equidade einstitucionalização. E afirma que sem eles, os setores postergados ediscriminados, que não têm possibilidade de “fugir” do Estado(Herdado) mediante a contratação de diversos serviços oubenefícios privados, continuarão sendo excluídos.

Assim, podemos dizer que esta disciplina é uma condiçãonecessária, inclusive, para assegurar que as mudanças que venhama ser realizadas na configuração do Estado se deem de formacompetente, criteriosa, sem comprometer os êxitos anteriormenteobtidos e com a máxima aderência aos consensos alcançados nasociedade brasileira de respeito à participação cidadã, democráticae republicana de todos os seus integrantes. Schmitter (2006)

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13Módulo Básico

Apresentação

encontrou, a partir de uma análise transversal para mais de cempaíses, um índice de correlação signif icat ivamente alto(aproximadamente de 0,9) entre “grau de democracia de um país”e “capacidade de gestão do seu Estado”. Embora não seja possívelafirmar que exista uma relação de causalidade em qualquer dosdois sentidos, a alta correlação já é suficiente para chamar aatenção para a necessidade de que mudanças na configuração doEstado acompanhem o ritmo do processo de democratização emcurso no País.

Seu objetivo, num plano mais específico, é contribuir paraque as atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveise instâncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passema ser real izadas em conformidade com os princípios doPlanejamento Estratégico Governamental (PEG). Entendido este,vale repetir, como um dos instrumentos para viabilizar a transiçãodo “Estado Herdado” para o “Estado Necessário”.

E, é por essa razão que este livro trata a questão dessatransição nos dois capítulos que seguem de um modo que você,seus colegas, e até alguns dos professores universitários formadosna tradição acadêmica, no contexto do “Estado Herdado”,poderiam considerar excessivo. Ao buscar romper o que poderiaser entendido como uma espécie de círculo vicioso que faz comque a maioria de professores e alunos tendam a reproduzir o queos anos de autoritarismo e neoliberalismo “naturalizaram” a respeitodas relações Estado-Sociedade, esses dois capítulos “preparam oterreno” para que o objetivo da disciplina – desenvolver umaferramenta de gestão pública comprometida com a viabilizaçãodaquela transição – seja alcançado.

Essa é a forma que escolhemos para aumentar aprobabilidade de o PEG – que trata de uma atividade ainda nãopresente na gestão pública brasileira e que teria de substituir outra,que aqui se denomina simplesmente planejamento governamental,na atualidade visivelmente “contaminada” pelo planejamentocorporativo – vir a ser adotado.

A disciplina pode ser entendida como o resultado daconvergência de dois enfoques relacionados à gestão pública, ou

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14Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

mais especificamente ao processo de elaboração de políticaspúblicas: a Análise de Políticas e o Planejamento EstratégicoSituacional.

Assim, podemos afirmar que a disciplina PlanejamentoEstratégico Governamental é fruto de um processo iniciado emmeados da década de 1990, quando, no âmbito de um projeto quevisava à criação de uma Escola de Governo na Unicamp,começaram a docência e a pesquisa resultando na implantação doCurso de Especialização em Gestão Estratégica Pública junto aoGrupo de Análise de Políticas de Inovação, em 2001, e do Programade Gestão Estratégica Pública, ligado à Pró-reitoria de Extensão eAssuntos Comunitários da universidade.

RELAÇÃO COM AS DEMAIS DISCIPLINAS DO CURSO

Por estar focada em aspectos “operacionais” associados auma abordagem incremental de resolução de situações-problemaque visam à atuação e à capacitação continuada do aluno no seuambiente de trabalho, a disciplina não logrará a materialização dosobjetivos mencionados se não contar, por um lado, com o apoio demetodologias que integram o arsenal do enfoque da Análise dePolíticas sumariamente apresentado adiante. E, por outro lado enum sentido mais polí t ico, com os elementos cognit ivos,proporcionados pelas demais disciplinas. Sejam os orientados aconstruir no plano analí t ico-conceitual uma proposta dereorientação do Estado no sentido de aproximá-lo dascaracterísticas (ou princípios) da proposta do Estado Necessário,sejam aqueles que oferecem os balizamentos sobre o rumo a seguirpara conduzir o País na construção daquele est i lo dedesenvolvimento alternativo.

O PEG deve subsidiar as ações que se realizam no contextomaior da gestão pública; em particular aquelas que se relacionamao ciclo de elaboração das políticas públicas (formulação,

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15Módulo Básico

Apresentação

implementação e avaliação). O fato de o PEG poder ser consideradocomo um momento recorrente desse ciclo e de ele ocorrer no interiorde um aparelho de Estado capitalista periférico, histórico esocialmente construído ao longo de uma trajetória marcada pelarelação de forças econômicas e políticas e a dupla natureza – depolicy e de politics – das políticas públicas fazem com que estadisciplina apresente muitos pontos de contato com as demais queintegram o Curso:

Políticas Públicas: em função de sua relação com oprocesso de elaboração das políticas públicas; emespecial ao seu momento de formulação.

Estado, Governo e Mercado e O Público e o Privadona Gestão Pública: porque nelas se exploram emdetalhes as particularidades e perspectivas de mudançadaquela específica conformação da relação Estado-Sociedade que temos e que evidenciam as dificuldadese margens de manobra caracterizando o contexto ondeo PEG deverá se desenvolver.

Desenvolvimento e mudanças no Estado brasileiro eO Estado e os Problemas Contemporâneos: pois sefocaliza, segundo um ponto de vista dinâmico e abertoaos processos de construção democrática em curso, opapel que o PEG deve desempenhar, no planooperacional em que ele se situa, como alavancadordesses processos.

Elaboração de Indicadores: já que apresenta algumasdas metodologias nas quais se apoia o PEG. Ao“traduzir”, de forma passível de ser operacionalizadapelas metodologias de elaboração de políticas públicase, em particular, pelo PEG, a multiplicidade deaspectos tratados pelas disciplinas recém-nomeadas,a elaboração de indicadores fornece uma matéria-prima essencial para o conjunto das atividadesenvolvidas com a gestão pública.

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16Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

SOBRE AS UNIDADES QUE COMPÕEM A DISCIPLINA

Para atendermos ao objetivo mais ambicioso expresso nosparágrafos iniciais – fazer com que as atividades de gestão públicado Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade comos princípios do PEG de modo a contribuir para viabilizar atransição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” – énecessário tratarmos em separado cada um dos elementos dessadeclaração.

A longa trajetória que visa à concretização desse objetivotem inicio com a Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios aoPlanejamento Estratégico Governamental. Seu propósito central éexaminar o contexto sociopolítico brasileiro onde deve estar inseridoo PEG, que se caracteriza pelo processo em curso de construçãodo “Estado Necessário”, e o contexto disciplinar da AdministraçãoPública, uma vez que ambos, por se apresentarem como adversos,precisam estar sempre presentes na ação dos atores sociaisinteressados na implantação do PEG no âmbito do Estadobrasileiro.

A Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamentalcomo convergência de enfoques – possui um propósito semelhante.Isso porque é também importante para você, aluno, pois se esperater presentes as opções que conduziram à proposta de PEG com ascaracterísticas que possui esta disciplina. A Unidade apresenta,por isso, a Análise de Políticas que surgiram nos países avançados,na década de 1970, de uma confluência entre a Ciência Política e aAdministração Pública, e o Planejamento Estratégico Situacional,que iniciou na América Latina na mesma época como uma críticaao planejamento convencional.

Explicadas as razões que levaram à proposta da disciplinaaqui apresentada e estabelecidos os fundamentos teórico-metodológicos em que ela se apoia, as duas Unidades seguintes seconcentram na apresentação das duas metodologias cujo objetivoé a sua operacionalização: a Metodologia de Diagnóstico deSituações (Unidade 3), concentrada na construção do fluxograma

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17Módulo Básico

Apresentação

explicativo de situações-problema, e a Metodologia de Planejamentode Situações (Unidade 4) que, a partir deste fluxograma, permite odetalhamento da matriz operacional (ações, atores, recursos, prazosetc.) e completa o ciclo do PEG.

A apresentação desses quatro conteúdos – o conceito dePlanejamento Estratégico Governamental e seus princípios, ohistórico do planejamento, o contexto das relações Estado-Sociedade e o contexto disciplinar da Administração Pública – é opropósito da primeira Unidade da disciplina, intitulada “ConteúdosIntrodutórios ao Planejamento Estratégico Governamental”. Dadoque esses conteúdos, em especial os dois últimos, se apoiam emassuntos que são detalhadamente abordados em outras disciplinasdo Curso, chamaremos sua atenção, em cada caso, para as relaçõesque com elas se pretende estabelecer.

Por fim, nas Considerações Finais, apresentaremos osprocedimentos metodológicos a serem seguidos com vista a atingiros objetivos que a disciplina pretende alcançar.

É conveniente ressaltarmos, neste sentido, que a ideia a qualorientou a concepção desta disciplina (e do Curso como um todo)é muito distinta daquela que subjaz às propostas realizadas pelaReforma Gerencial (BRESSER-PEREIRA, 2007). Contudo, parauma referência mais recente e menos irrealista, podemos considerara Carta Ibero-americana de Qualidade na Gestão Pública (2008),que pretende ser um instrumento útil sobre o comportamento do“bom burocrata” propondo aos gestores em vez de uma lista derecomendações sobre a conduta, baseada na “responsabilidadesocial”, na “ética”, na “qualidade” etc., um conteúdo analítico-conceitual e metodológico que os tornem capazes de exercer suadiscricionariedade para materializar a escolha que fizeram demelhorar a relação Estado-Sociedade.

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UNIDADE 1

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade, você deverá ser capaz de: Descrever os principais modelos de planejamento, no mundo e

no Brasil; Correlacionar o processo de redemocratização com as características

do “Estado Necessário”; e Compreender o PEG como instrumento de que o gestor público pode

dispor para que o Estado adquira competência para prover soluçõesàs demandas sociais, antigas e novas.

CONTEÚDOS INTRODUTÓRIOS AO

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

GOVERNAMENTAL

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20Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

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21Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

INTRODUÇÃO

Embora o título desta Unidade possa dar a impressão deque seu objetivo é tão somente introduzir o tema e que por isso nãomerece ser entendido como um assunto importante para a suaformação, esta seção é, de fato, uma das Unidades da disciplina.Tal como a Unidade seguinte, ela é essencial para a compreensãodas que a seguem, orientadas à exposição das duas metodologiasmais utilizadas no PEG.

Iniciaremos com um breve histórico do planejamento demodo a explicitar algumas características do contexto sociopolíticoem que se verificam as relações Estado-Sociedade no capitalismoperiférico. Em conjunto com as demais seções, ele permite ressaltaro ambiente adverso no qual se pretende que o PEG seja implantado.Vamos começar?

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22Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

UM BREVE HISTÓRICO DO

PLANEJAMENTO

Embora o planejamento possa ser considerado como umaextensão do pensamento marxista, na medida em que estava neleimplícita a possibilidade de conferir ao Estado herdado docapitalismo um papel destacado na organização das tarefasassociadas à transição ao socialismo, foi somente no período daNova Política Econômica, início dos anos de 1920, que oplanejamento se integrou ao arsenal do Estado soviético.

Na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),inspirado na experiência do exército revolucionário advinda da lutacontra a burguesia e contra os inimigos externos, e apoiado pelosestudos que vieram a constituir a metodologia de balançointersetorial (matriz de insumo-produto), o planejamento logo seafirmou como instrumento de organização da economia socialista.

A potencialidade que ele apresentava em termos deprospectiva, simulação e organização para a consecução das metaseconômico-produtivas permitiu que em menos de um quinquêniofosse possível atingir os níveis de produção agrícola e industrialvigentes antes da destruição causada pela guerra, pela revolução epela sabotagem contrarrevolucionária.

A rápida industrialização e o crescimento da produçãoagrícola da URSS permitiram que ela despontasse como uma aliadaessencial para a vitória sobre o nazismo e, já num contexto deGuerra Fria, o planejamento passou a gerar efeitos socioeconômicospositivos nos demais países do bloco socialista.

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23Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

No âmbito dos países capitalistas, o planejamento – com aconotação aqui adotada e fazendo referência ao âmbito global epúblico, referido a um território delimitado por alguma instituiçãoestatal – passou a ser visto, pela esquerda, como uma possibilidadede superar as relações sociais e técnicas de produção capitalistasna direção de algum tipo de socialismo. E, pela direita, como umamaneira de evitar as “falhas de mercado” e, assim, substituir,racionalmente ainda que parcialmente, o seu papel como enteregulador e alocador de recursos.

Em alguns desses países, governos populares adotaramplanejamentos com característ icas social istas, imitando aexperiência soviética. A experiência da Frente Popular, na França,em meados da década de 1930, foi a mais significativa. No extremoideológico oposto, na Alemanha, os dirigentes nazistas preferirama racionalidade do planejamento à capacidade do mercado deotimizar a alocação de recursos. Isso aconteceu, primeiro, no quese relacionava à preparação para a guerra; depois, se estendeupara toda a economia, pois o Estado alemão passou a adotarmétodos desenvolvidos no âmbito militar.

Ainda que não as possamos caracterizar propriamente comoplanejamento na acepção que o termo viria a ter posteriormente,as iniciativas implementadas durante o esforço de guerra e nosprocessos de reconstrução europeia no imediato pós-guerra seutilizaram de métodos (de planejamento) que se aproximavamdaqueles usados no campo socialista.

O sucesso dessas iniciativas foi um elemento importante paraque a ideia do planejamento ganhasse força na América Latina.Experiências anteriores, como as que ocorreram no início da décadade 1940 no Brasil, receberam impulso, estimuladas no pós-guerrapela Organização das Nações Unidas (em especial da ComissãoEconômica para a América Latina e o Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento).

No plano teórico, esse processo levou a importantescontribuições amparadas num amplo espectro ideológico que foidesde o materialismo histórico até o pensamento conservador,passando pela visão keynesiana*. No plano das ações de governo,

*Keynesiana – teoria eco-

nômica que procura re-

solver o problema do de-

semprego pelo aumento

dos gastos públicos e

pela diminuição das ta-

xas de juros, para estimu-

lar o consumo e

desencorajar o

entesouramento. Fonte:

Lacombe (2004).

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24Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

surgiram no Brasil, a partir dosanos cinquenta, sucessivasexperiências de planejamento noâmbito federal. Como, porexemplo, a do Plano de Metas(1956-1961) do governo deJuscelino Kubitschek, bastantebem-sucedida a julgar pelosresultados que obteve.

A experiência brasileira deplanejamento se aprofundadurante o período militar.Sucessivos planos são formuladose implementados a partir de 1964seguindo o esti lo autoritário,centralizador e economicamenteconcentrador que caracterizou os

governos militares. Seu projeto de Brasil-grande-potênciademandava uma mobilização a qual, ainda que em menor grau doque havia ocorrido no âmbito dos países avançados, demandavaum significativo esforço de planejamento.

No início dos anos de 1970, a implantação de um Sistemade Planejamento Federal deu origem a três edições do PlanoNacional de Desenvolvimento. O último deles, com um período deexecução que coincidiu com a perda de legitimidade da ditaduramilitar o qual antecedeu a abertura e a redemocratização do País,terminando por explicitar o caráter demagógico e manipulador queenvolvido na experiência de planejamento dos militares.

Com o governo civil da Nova República, iniciado em 1985,tentou-se sem muito sucesso retomar iniciativas de planejamentoque fossem além do plano setorial. A partir do governo Collor, coma adoção da orientação neoliberal, iniciativas de planejamento nosentido estrito do termo, sobretudo as que visavam a preparar oPaís e a sociedade para enfrentar um futuro que já se prefiguravacomo difícil, passam a ser cada vez mais escassas.

Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976)

Nascido em Minas Gerais, foi eleito de-

putado federal e real izou obras de re-

modelação da capital. Posteriormente

foi governador em Minas Gerais. Venceu

a eleição para presidente da República

na coligação PSD-PTB com o famoso slogan

“Cinquenta anos em cinco”. Um de seus principais feitos

foi a construção de Brasíl ia e a instituição do Distrito

Federal. Seu governo foi marcado por mudanças sociais

e culturais. Após o término de seu mandato, foi eleito

senador de Goiás, mas foi cassado e seus direitos polí-

t icos suspensos pelo regime mi l itar. Tentou organizar

uma frente pela redemocratização do País, mas não vol-

tou mais ao poder. Fonte: <http://tinyurl.com/lwkaas>.

Acesso em: 20 jul. 2009.

Saiba mais

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25Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

O CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO EM QUE

SE DEVE INSERIR O PLANEJAMENTO

ESTRATÉGICO GOVERNAMENTAL

Esta seção, assim como as duas que seguem, tem porobjetivo precisar o contexto onde ocorrerá a proposta maisambiciosa desta disciplina, ou seja, contribuir para que asatividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveis einstâncias governamentais abarquem o Estado brasileiro passandoa ser realizadas em conformidade com os princípios do PEG.

Nesse sentido, esclarecendo nossa opinião, já esboçada aolongo da retrospectiva realizada na seção anterior, podemos dizerque o contexto brasileiro atual é adverso à adoção do PlanejamentoEstratégico Governamental como um instrumento de gestão pública.

Isso porque as atividades a ele correspondentes sedesenvolveram no interior de um aparelho de “Estado Herdado”,onde o planejamento teve frequentemente um caráter demagógicoe manipulador (no período militar) ou foi praticamente “desativado”(no período do neoliberalismo) por não estar preparado para atenderàs demandas que nossa sociedade cada vez mais complexa hojelhe coloca. As atividades correspondentes ao PEG deverão, inclusive,buscar sua transformação no sentido do “Estado Necessário”,entendido como um Estado capaz não apenas de atender àquelasdemandas, mas de fazer emergir e satisfazer as demandas da maioriada população hoje marginalizada. Um Estado que possa alavancaro atendimento das demandas da maioria da população e projetaro País numa rota que leve a estágios civilizatórios superiores.

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26Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Para introduzir o tema central desta seção vamos colocar uma

pergunta: Por que a existência de uma disciplina de PEG num

Curso de Especialização deve ter como compromisso a

capacitação de gestores públicos para promover a construção

do “Estado Necessário”?

A resposta a esta pergunta será formulada em duas etapas.Primeiramente serão identificadas as características do “EstadoHerdado”. Do processo de sua constituição, em particular do seucrescimento durante o período autoritário que sucedeu ao nacional-desenvolvimentismo e antecedeu ao seu desmantelamento peloneoliberalismo, Guillermo O’Donnell, pesquisando sobre asparticularidades de um tipo específico de Estado capitalista, oEstado burocrático autoritário latino-americano, é provavelmenteo pesquisador que mais tem contribuído para o entendimento desseprimeiro componente da matriz a qual compõe o chamado “EstadoHerdado”, proveniente do período mil i tar. Sua expressão“corporativismo bifronte” – combinação de uma face “estatista”levada à “conquista” do Estado e à subordinação da sociedadecivil com outra “privatista” que teria colocado a serviço de setoresdominantes suas áreas institucionais próprias – é especialmenteelucidativa (O’DONNELL, 1976).

Em segundo lugar, serão fornecidos elementos que levam àconstatação de que este Estado herdado por nós é duplamenteincompatível com a proposta de mudança desejada pela sociedadebrasileira, pois sua forma não corresponde ao conteúdo para o qualdeve apontar sua ação. De um lado porque a forma como serelaciona com a sociedade impede que ele formule e implementepolíticas públicas com um conteúdo que contribua para alavancaressa proposta. De outro lado porque o modo como se processa aação de governo – na sua relação com o Estado existente,determinado pelos contornos de seu aparelho institucional, éirreconciliável com as premissas de participação, transparência eefetividade dessa proposta.

v

Dentre os muitos

trabalhos que

conceituam o

neoliberalismo e que nos

autorizam a caracterizar

a Reforma Gerencial que

designa o segundo

componente que

conforma o que

chamamos “Estado

Herdado” como

neoliberal,

recomendamos pela sua

clareza e facilidade de

entendimento a

excelente resenha feita

por Diniz (2007).

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27Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

Mas, você sabe caracterizar o "Estado Herdado"?

Além das preferências ideológicas, a combinação que o Paísherdou do período militar (1964-1985), de um Estado que associavapatrimonialismo e autoritarismo com clientelismo, hipertrofia comopacidade, insulamento com intervencionismo, deficitarismo commegalomania, não atendia ao projeto das coalizões de direita emuito menos daquelas de esquerda que, a part ir daredemocratização, iniciada em meados dos anos de 1989, poderiamsuceder os governos de então. Reconhecendo a existência decaracterísticas semelhantes da relação Estado-Sociedade em outrospaíses latino-americanos, Fragoso (2008) mostra como trajetóriasdistintas são manifestadas no que diz respeito ao desenvolvimentodo que ele denomina “nova gerência pública”.

É um princípio básico da ação humana, da atuaçãodas organizações, e também do PEG, o fato de quetodas as decisões têm um custo de operação e que,se equivocadas, demandam a absorção de custos deoportunidade econômicos e políticos.

O Estado legado por mais de 20 anos deautoritarismo não contemplou os recursos comoescassos. Os econômicos podiam ser financiados –interna ou externamente – com aumento da dívidaimposta à população, os políticos eram virtualmenteinesgotáveis, uma vez que seu aparato repressivo aserviço do regime militar sufocava qualquer oposição.A reforma gerencial desse Estado, proposta peladoutrina neoliberal e iniciada pelos governos civisque sucederam à queda do militarismo, nãoencontrou muitos opositores. O mais conhecidoexpoente da proposta de Reforma Gerencial doEstado brasileiro é Luis Carlos Bresser-Pereira.

vPara uma análise

detalhada deste e de

outros “ismos” que

caracterizam o “Estado

Herdado”

(patrimonialismo,

mandonismo,

personalismo,

formalismo), ver Costa

(2006).

Luis Carlos Bresser-Pereira

Dentre os vários tra-

balhos de sua autoria,

na obra de Bresser-Pe-

reira (1998) você en-

contra as principais

características da Re-

forma Gerencial. Seu documento ofi-

cial (Plano Diretor da Reforma do Apa-

relho de Estado, 1995), que pautou as

iniciativas governamentais neste

sentido, é uma transposição de suas

ideias para uma linguagem não aca-

dêmica. Fonte: Elaborado pelo autor.

Saiba mais

27

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28Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Para a direita, a questão era inequívoca. Não havia por quedefender um Estado que ela considerava superinterventor,proprietário, deficitário, “paquidérmico”, e que, ademais, se tornavacrescentemente anacrônico na cena internacional. Na verdade, jáhá muito, desde o momento em que, no cumprimento de sua funçãode garantir a ordem capitalista, ele havia sufocado as forçasprogressistas e assegurado as condições para a acumulação decapital, ele se tornara disfuncional.

Já para a esquerda, que tinha participado do fortalecimentodo Estado do nacional-desenvolvimentismo, a questão era bem maiscomplexa. Ela o entendia como um baluarte* contra a nomeadadominação imperialista e como uma espécie de sucedâneo de umaburguesia incapaz, por estar já aliada com o capital internacional,de levar a cabo sua missão histórica de promover uma revoluçãodemocrático-burguesa. De fato, mesmo no auge do autoritarismo,o crescimento do Estado era visto pela esquerda como um “malmenor”: ao mesmo tempo que denunciava o caráter de classe,repressivo e reprodutor da desigualdade social do Estado brasileiro,ela via este crescimento como necessário para viabilizar seu projetode longo prazo de reconstrução nacional. E, também, para assentaras bases do que seria o Estado forte capaz de planejar e viabilizara transição ao socialismo segundo o modelo soviético ainda vigente.

A questão dividiu a esquerda. De um lado os que, frente àameaça de um futuro incerto, defendiam intuitivamente o passado,e os que, defendendo interesses corporativos, mal-entendendo osconceitos de Estado, nação e autonomia nacional, defendiamardorosamente o Estado que herdáramos. Já de outro lado estavamos que entendiam que a construção do “Estado Necessário” iriademandar algumas das providências que já estavam sendo tomadase que o fortalecimento de uma alternativa democrática e popularao neoliberalismo não privilegiava a questão; e defendiam ocontrole da sociedade sobre o processo de privatização.

*Baluarte – local absolu-

tamente seguro, alicer-

ce, base. Fonte: Houaiss

(2007).

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29Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

A DEMOCRATIZAÇÃO POLÍTICA E

O “ESTADO NECESSÁRIO”

Com o final do regime militar, o Brasil iniciou um processode democratização política que possibilitou o aumento dacapacidade dos segmentos marginalizados de veicular seusinteresses levando à expressão de uma demanda crescente pordireitos de cidadania.

Na medida em que este processo avançou, foi evidente oaumento da capacidade dos segmentos marginalizados emveicularem seus interesses e necessidades não atendidas por bense serviços – alimentação, transporte, moradia, saúde, educação,comunicação etc. – e, com isto, da demanda por políticas públicascapazes de promover seu atendimento. É o que vem sendo chamadode cenário tendencial da democratização.

Para satisfazer essas necessidades sociais comeficiência, e no volume que temos em países como oBrasil, será necessário “duplicar o tamanho” dessaspolíticas para incorporar os 50% desatendidos dapopulação. Tarefa que, por si só, já evidencia aimportância do PEG.

Se não for possível promover um processo de transformaçãodo “Estado Herdado” em direção ao “Estado Necessário” quebusque satisfazer as necessidades sociais represadas ao longo detanto tempo, o processo de democratização pode ter dificuldade oumesmo fracassar, com enorme esterilização de energia social epolítica. É claro que para satisfazer àquelas demandas, o ingredientefundamental, que não depende diretamente do Estado, estárelacionado a uma ampla conscientização e mobilização políticaque se espera ocorrer sem maiores custos sociais além dos que asociedade já vem pagando.

v

Muitas contribuições, a

partir de uma crítica à

Reforma Gerencial, têm

apresentado elementos

do que aqui enfeixamos

na proposta de “Estado

Necessário”. Entre as

mais recentes, vale citar

Tenório e Saravia (2006),

Thwaites (2008) e Costa

(2006).

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30Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Podemos, então, afirmar que é necessário que o Estado faça a

“sua parte”?

Sim, é de extrema importância que o Estado faça a “suaparte” e é esta premissa uma das motivações desta disciplina e dopróprio Curso em que ela está inserida. Isto é, aumentar as chancesde êxito do trabalho que deve ser desenvolvido na “frente interna”de gerar as condições cognitivas necessárias para a transformaçãodo Estado. Transformação a qual está sendo impulsionada na “frenteexterna” do contexto social e político, pelos segmentos da sociedadeidentificados com o estilo alternativo de desenvolvimento que sedesenha para o futuro.

Apesar do exposto até aqui podemos observar que acorrelação de forças políticas, que sanciona uma brutal e até agoracrescente concentração de poder econômico, muito pouco espaçodeixa para que ações internas ao Estado possam alterar a situaçãode miséria observada na maioria da população.

Há que se entender a esse respeito que a configuração atualdo Estado brasileiro – o “Estado Herdado” – é uma consequênciada concentração de poder econômico e político vigente no País,que foi estabelecendo um tipo particular de relação Estado-Sociedade. Ela se revela na coexistência, no âmbito das políticaspúblicas que implementa o Estado, de dois espaços distintos:

um, que serve à classe proprietária, à criação dainfraestrutura econômico-produtiva e à coordenaçãoeconômica, que são relativamente preservadas einsuladas do clientelismo seguindo um padrão deeficiência e eficácia semelhante àquele que vigora noEstado de bem-estar dos países avançados.Corroborando com este cenário O’Donnell (2004)apresenta um esquema para entender e avaliar oEstado baseado em quatro dimensões: eficácia quefaz referência ao conjunto de burocracias que ocompõe; efetividade referente ao seu sistema legal;credibilidade que granjeia como realizador do bemv

Concordando com o que

é apresentado para a

América Latina em geral,

podemos dizer que,

também em geral, temos

tido e seguimos tendo

um Estado que registra

um baixo escore nessas

quatro dimensões.

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31Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

comum da nação, ou do povo; e capacidade que éalusiva à atuação como filtro adequado ao interessegeral de sua população; e

outro, que abrange os órgãos pertencentes aosministérios sociais os quais servem às classessubalternas, que são objeto de repartição política entreos partidos, estes apoiam o governo onde é usual aprática do clientelismo, em que o padrão se situa muitoabaixo daquele exibido em países periféricos comrenda muito inferior à nossa.

Esse tipo particular de relação Estado-Sociedade é revelado, também e porconsequência, numa segmentação dofuncionalismo público em duas categoriasdistintas que convivem no interior do Estado.Elas se compuseram na década de 1950,quando recém se consolidava umaadministração meritocrática de t ipoweberiano que pretendia se impor ao modeloburocrático patrimonial. Com característicasprofissionais e remuneração muito distintas,elas passaram a ser responsáveis pelofuncionamento daqueles dois espaços depolít ica pública que vêm desde entãocontribuindo para aprofundar nossaconcentração de poder econômico e político.

A existência desses dois espaços e, consequentemente, dedois tipos de burocracia, é também necessário que se entenda,nunca foi vista como um problema. Como algo que devia ser“resolvido” no sentido de modernizar o Estado tornando-o maispróximo dos países de capitalismo avançado que se tomava comomodelos. Ao contrário, uma espécie de acordo entre a classe políticae o segmento não estatutário, mais bem pago, em geral mais bempreparado e que teve um papel fundamental na execução dosprojetos de desenvolvimento do período militar, terminou levando

Década de 1950

A partir dessa época se institui um

descolamento, que viria a se aprofundar con-

sideravelmente durante o governo mil itar,

entre os “barnabés”, cujo estatuto foi esta-

belecido com a criação do Departamento Ad-

ministrativo do Serviço Público (DASP), por

ocasião da reforma do Estado iniciada em 1938,

e a “burocracia pública moderna” que, no nú-

cleo do aparelho administrativo ou nas empre-

sas estatais, passava a implementar a estraté-

gia de desenvolvimento do capitalismo brasi-

leiro: o nacional-desenvolvimentismo. Fonte:

Bresser-Pereira (2007).

Saiba mais

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32Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

a uma situação totalmente anômala quando comparada com a dospaíses avançados, pois, no Brasil, cada vez que assume um novoPresidente da República, abrem-se 50 mil cargos de “livreprovimento” para nomeação (BRESSER-PEREIRA, 2007).

Para aprofundarmo-nos no entendimento das dificuldadesque envolvem a transição do “Estado Herdado” para o “EstadoNecessário”, é conveniente lembrar uma passagem da obra de ClausOffe. Ela é elucidativa para entender por que malograram astentativas de reforma do Estado que há mais de oitenta anos sesucedem em nosso País, e tem sido usada por muitos autores, entreeles Martins e Costa (2006), para criticarem a Reforma Gerencial.

Offe (1994, p. 219) afirma que:

[...] é bem possível que o desnível entre o modo de opera-ção interno e as exigências funcionais impostas do exteriorà administração do Estado não se deva à estrutura de umaburocracia retrógrada, e sim à estrutura de um meiosocioeconômico que [...] fixa a administração estatal emum certo modo de operação [...] É óbvio que um desníveldesse gênero entre o esquema normativo da administraçãoe as exigências funcionais externas não poderia ser supera-do através de uma reforma administrativa, mas somenteatravés de uma “reforma” daquelas estruturas do meio queprovocam a contradição entre estrutura administrativa ecapacidade de desempenho.

Em outras palavras, o que o autor assinala é que o desnívelentre o modo de operação (interno) do Estado e as exigênciasfuncionais provenientes do exterior não se deve a uma estruturaburocrática retrógrada, e sim a um ambiente socioeconômico epolítico (este sim, “retrógrado”) que condiciona a administraçãoestatal a um certo modo de operação. E que um desnível desse tiponão pode ser superado através de uma reforma administrativa. Eledemanda uma “reforma” das estruturas daquele ambiente queprovocam a contradição entre a administração e sua capacidadede desempenho.

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33Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

Enquanto essa “reforma” das estruturas socioeconômicas não

ocorre, é necessário entender que a ideia tão difundida entre

nós de que “o Estado brasileiro não funciona!” deve ser

matizada por essa contribuição de Offe. Isso nos remete a uma

indagação: “será que o Estado brasileiro não funciona bem

para a classe rica?”

É fácil resumir por que isso ocorre. O Estado (capitalista)brasileiro foi conformado mediante a sucessiva resolução deagendas decisórias enviesadas pelos interesses e valores da classeproprietária. E, por isso, ele “funciona”, e muito bem, para estaclasse proprietária. E só irá “funcionar” para a classe trabalhadorase isso for funcional para a manutenção e naturalização das relaçõessociais capitalistas; isto é, para a manutenção da reprodução docapital. E, além disso, como ocorreu no Estado de bem-estar, quandoa classe trabalhadora, organizada, for capaz de pressionar paraque isso aconteça.

Mas, como se pode fazer o Estado “funcionar” para a classe

trabalhadora?

Mudar a sua conformação, entende o senso comum, implicaum “caminho de volta” e um movimento de “fora para dentro”. Istoé, supõe alterar o contexto político, econômico e social que garantea relação de forças que sanciona as agendas que interessam à classeproprietária. Assim, paulatinamente, o caráter do Estado ou suaincapacidade de “funcionar” para a classe trabalhadora seriamalterados. Nessa perspectiva, que é apenas parcialmente correta,“Reformar” o Estado, mudá-lo de “dentro para fora”, seria irrealistauma vez que o Estado é um reflexo do contexto.

A visão sistêmica e a consideração da existência do grau deautonomia relativa existente na relação Estado-Sociedade sugeremuma problematização dessa questão. Ela permite entender que essa

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34Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

alteração prévia do contexto pode não ser suficiente. E, talvez, nemmesmo necessária.

No que respeita à condição necessária, parece possível irmudando aquela conformação mesmo que a relação de forças nocontexto não se tenha ainda alterado a ponto de desencadear umamudança “natural” ou socialmente induzida no Estado. Se oaparelho de Estado está sendo “ocupado” por um governo sensívelàs demandas da classe trabalhadora, tenderá a haver dentro deleuma relação favorável a essa mudança.

Então, esse governo poderá, ainda que a relação de forçaspolíticas e econômicas no contexto não seja a ela favorável,pressionar para que a agenda decisória se vá aproximando da suaagenda de governo; a qual inclui, por construção, as demandas daclasse trabalhadora. E seria justamente esse processo que,simultaneamente, iria alterando a relação de forças políticas nocontexto e a configuração do Estado herdado por aquele governo.

Suplementarmente, teria de ocorrer, no plano interno, dosintegrantes do aparelho de Estado (burocratas), a neutralização doscontrários ao atendimento daquelas demandas e a capacitação eempoderamento daqueles a favor. E, no plano institucional, adesmontagem de arranjos legais, procedimentos administrativos,normas de funcionamento etc., que garantiriam o modo defuncionamento que aquele governo estivesse interessado em mudar.E, também, a criação de outros arranjos que trouxessem engatilhadaa mudança através da adoção de metodologias de trabalho – entreas quais ressaltamos a do PEG – que permitam maior racionalidade,transparência, accountability* etc. no âmbito interno e, no externo,o favorecimento à participação crescente dos movimentos sociaise da classe trabalhadora.

O primeiro caso, aquele em que a alteração prévia docontexto pode não ser suficiente para mudar o caráter do Estado,remete a uma conjuntura em que o contexto, em função de ummovimento de ascensão da conscientização e mobilização da classetrabalhadora, está sendo rapidamente alterado, mas em que ogoverno que “ocupa” o aparelho de Estado, embora sensível àsdemandas da classe trabalhadora, não se mostra capaz de promover

34

*Accountability – reme-

te para dimensões como

prestação de contas, res-

ponsabilidade social, ve-

rificação da qualidade de

serviço prestado, escru-

tínio público, etc. Fonte:

< h t t p : / / t i n y u r l . c o m /

nhoz2r>. Acesso em: 15

set. 2008.

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35Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

as mudanças necessárias para responder à alteração do contextoe, muito menos, para promovê-la.

A cadeia de argumentos e eventos hipotéticos indicadosanteriormente mostra por que nossa proposta de promover atransição do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário” começanão por um dos extremos – ambos irrealistas – de reforma do Estadoou da reforma das estruturas do meio socioeconômico, e sim namobilização de um ciclo virtuoso que vai da capacitação dosgestores públicos para a transformação das relações Estado-Sociedade. A cadeia explica, também, por que este texto se ocupacom tanta ênfase na explicitação detalhada do contexto em que osconhecimentos que a disciplina oferece poderão vir a ser utilizados.

Diversos autores, de países latino-americanos, têm refletidosobre a associação entre a reflexão desenvolvida sobre ascaracterísticas da relação Estado-Sociedade, o aumento daparticipação política, e a mudança da arquitetura do Estado; e, emconsequência, nas políticas públicas elaboradas nesses países.Paramio (2008) mostra como as propostas sobre a segunda geraçãode reformas, iniciada no final dos anos de 1990, combinadas coma pressão política contra o impacto social e econômico negativo daprimeira, originam, em função das características daquela relação,reações distintas em dois grupos de países da região. Atrio e Piccone(2008), concordando com a ideia de que a mudança no modo deoperação da burocracia depende criticamente das exigênciasimpostas pela relação Estado-Sociedade, apontam recomendaçõespara esta mudança.

Contudo, é importante lembrarmos que à medida que ademocratização avance e a concentração de renda, que hoje asfixianosso desenvolvimento e penaliza a sociedade brasileira, for sendoalterada, se amplia o espaço econômico e político para um tipo deatuação da burocracia com ela coerente. E, nessa conjuntura, oconhecimento que passarão a deter os gestores que se pretendecapacitar através de iniciativas como esta em que estamosenvolvidos poderá fazer toda a diferença. Isto é, talvez sejam asideias apresentadas nos capítulos iniciais deste texto e oconhecimento mais operativo apresentado no seu final os

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36Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

responsáveis por se alcançar ou não a governabilidade necessáriapara tornar sustentável o processo de mudança social em que asociedade está empenhada. Daí a importância de disponibilizarconhecimentos aos gestores públicos que possam levar à melhoriadas políticas, ao aumento da eficácia da sua própria “máquina”, eà sua transformação numa direção coerente com a materializaçãodaquele novo estilo de desenvolvimento.

Privatização, desregulação e liberalização dos mercados têmimpedido que o Estado brasileiro se concentre em saldar a dívidasocial e, enquanto Estado-nação – capitalista, por certo –, assumirsuas responsabilidades em relação à proteção aos mais fracos, àdesnacionalização da economia e à subordinação aos interessesdo capital globalizado. Assumir essas responsabil idades ematerializar os processos de democratização e redimensionamentodo Estado são desafios interdependentes e complementares quedemandam de maneira evidente os conteúdos que trata este Cursoe, no plano operacional, da implementação das ações, que nãopoderão prescindir do PEG.

A redefinição das fronteiras entre o público e o privado exige

uma cuidadosa decisão, como por exemplo: Quais assuntos

podem ser desregulamentados e deixados para que as

interações entre atores privados com poder similar determinem

incrementalmente, ainda que com uma atenta monitoração e

fiscalização por parte do Estado, um ajuste socialmente aceitável?

Quais devem ser objeto da agenda pública, de um processo de

decisão racional, participativo e de uma implementação e

avaliação sob a responsabilidade direta do Estado?

Logo, podemos afirmar que a democracia é uma condiçãonecessária para construir um Estado que promova o bem-estar dasmaiorias. Só o conjunto que ela forma com outra condiçãonecessária – a capacidade de gestão pública e de PEG – é suficiente.Só a democracia aliada às quatro dimensões propostas por

vA seção que analisa a

questão da

governabilidade e do

Triângulo de Governo é

especialmente

elucidativa a este

respeito.

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37Módulo Básico

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O’Donnell (2004), de eficácia da burocracia, da efetividade dosistema legal, da credibilidade, e da capacidade de atuar como filtroadequado ao interesse geral da população, pode levar àtransformação do “Estado Necessário” no sentido que almeja asociedade brasileira.

Sem democracia não há participação e transparência nasdecisões, não há planejamento participativo, avaliação de políticas,prestação de contas. Não há responsáveis, há impunidade. Mas ademocracia, se restrita a um discurso político genérico e semcorrelação com ação cotidiana de governo, pode degenerar numassembleísmo inconsequente e irresponsável e numa situação dedescompromisso e ineficiência generalizada.

Governar num ambiente de democracia e participação e,ao mesmo tempo, com enormes desigualdades sociais, requercapacidades e habilidades extremamente complexas e difíceis deconformar, sobretudo no âmbito de um Estado como o queherdamos. E, sem a utilização das ferramentas do PEG, isso seráainda mais difícil.

Você sabe por que tanto a direita como a esquerda perceberam

a necessidade de contar com metodologias de planejamento e

gestão que, ao mesmo tempo, promovam e deem consequência

à participação popular?

Primeiro porque já não podem manter o estado de ignorânciae subordinação do qual até agora têm lançado mão para seguirgovernando. E, em segundo lugar, porque ao abandonar suaestratégia de revolução armada que permitiria a seus quadros,tomando o poder e através de um renovado apoio das massas, usaro Estado para alcançar o seu cenário normativo, perceberam que asimples mobilização política não era suficiente. De fato, ao abraçara via eleitoral, a participação, mais do que a mobilização política,é a garantia que têm para dar consequência e para, assim, mantero apoio popular que foram capazes de conquistar.

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38Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

A CONSTRUÇÃO DO “ESTADO

NECESSÁRIO” E O PLANEJAMENTO

ESTRATÉGICO GOVERNAMENTAL

Esta seção se inicia com a apresentação do argumento deque o trânsito do “Estado Herdado” para o “Estado Necessário”,aquele que possa servir como um instrumento para implementaraquela proposta de mudança, demanda:

a capacitação de seus quadros; e

a formação de gestores que aliem dois tipos decapacidades ou habilidades básicas.

A primeira é dominar os aspectos teóricos e práticos doprocesso de elaboração de políticas públicas a pontode serem capazes de utilizá-los como ferramentas damudança social, econômica e política.

A segunda capacidade diz respeito à atuação de maneiraeficiente no seu dia a dia a ponto de fazerem com quea estrutura que corporificam – o Estado – seja cada vezmais eficaz no uso dos recursos que a sociedade lhefaculta e que produza impactos crescentemente efetivos.

A democratização política está levando a um crescimentoexponencial da agenda de governo; à erupção de uma infinidadede problemas que, em geral, demandam soluções específicas ecriativas, muito mais complexas do que aquelas que o estilotradicional de elaboração de políticas públicas e de planejamento

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39Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

governamental – homogeneizador, uniformizador, centralizador,tecnocrático, típico do Estado que herdamos – pode absorver.

No Brasil, a maneira como tradicionalmente se definiam ecaracterizavam os problemas que o Estado deveria tratar ficavarestrita ao que a orientação ideológica e o pensamento políticoconservador dominante eram capazes de visualizar. No que respeitaao Planejamento Governamental, vale destacarmos que aexplicação dos problemas públicos estava constrangida por ummodelo explicativo que, de um lado, tendia à quasemonocausalidade e, de outro, a soluções genéricas, universais. Esseprocedimento levou à adoção de um padrão único do tipo causa-problema-solução no qual, embora fosse percebida uma certaespecificidade nos problemas enfrentados, o fato de que, segundoo modelo explicativo adotado, sua causa básica era a mesma,terminava conduzindo à proposição de uma mesma solução global.

O governo não apenas filtrava as demandas da sociedadecom um viés conservador e elitista. Ele adotava uma maneiratecnoburocrática* para tratá-las que levava à sua uniformização,ao seu enquadramento num formato genérico que facilitavatratamento administrativo. Ao fazê-lo, escondia sob um manto deaparente equidade os procedimentos de controle político eassegurava a docilidade do povo, desprotegido e desprovido decidadania, frente ao burocratismo onipotente do Estado. Era nafila do INPS que este povo aprendia o que era a democracia.

As características do “Estado Herdado”faziam com que as demandas da população setornassem assuntos genéricos, nacionais, aserem resolvidos mediante a distribuição dosrecursos arrecadados de forma centralizada.Assim, sem nenhuma preocupação com aelaboração de políticas apropriadas e com aadoção de ferramentas como as propostas peloPEG, os recursos f luíam através de umacomplexa rede de influências e favores até os lideres políticos locaisque, discricionariamente e seguindo os procedimentos sancionadospelo patrimonialismo e pelos outros “ismos” que ele desencadeou

*Tecnoburocrática – novo

vilão da história, como

uma classe necessaria-

mente autoritária que

frustrou as esperanças

no socialismo. Isto é ser

vítima da ideologia bur-

guesa. Fonte: Bresser-

Pereira (2007).

Burocratismo

Para uma excelente retrospectiva de

como se deu ao longo do nosso proces-

so de desenvolvimento socioeconômico

a relação entre o Estado e os interesses

das classes dir igentes e subordinadas.

(BRESSER-PEREIRA, 2007).

Saiba mais

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40Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

no nosso ambiente (COSTA, 2006), os transformavam em benessescom que atendiam a suas clientelas urbanas e aos seus “currais”do interior do País.

Esta situação perpetuava e retroalimentava um modelo deplanejamento governamental e de elaboração de políticas que eranão apenas injusto e genérico. Era também inócuo, uma vez que asverdadeiras causas ou não eram visualizadas ou não podiam serenfrentadas. Este modelo consolidado – objetivos, instrumentos,procedimentos, agentes, tempos –, além de incremental,assistemático e pouco racional, tendia a gerar políticas que eramfacilmente capturadas pelos interesses das elites.

As demandas que o processo de democratização políticacada vez mais coloca, e que serão filtradas com um viés progressistapor uma estrutura que deve rapidamente se aproximar do “EstadoNecessário”, originarão outro tipo de agenda política. Serão muitodistintos os problemas que a integrarão e terão de ser processadospor este Estado em transformação. Eles não serão mais abstratos egenéricos, serão concretos e específicos, conforme sejam apontadospela população que os sente, de acordo com sua própria percepçãoda realidade, com seu repertório cultural, com sua experiência devida, frequentemente de muito sofrimento e justa revolta.

Logo, podemos afirmar que construir o “Estado Necessário”não é somente difícil. É uma tarefa que, para ser bem-sucedida,deveria contar a priori com algo que já deveria estar disponível,mas que é, ao mesmo tempo, seu objetivo criar. Isto é, ascapacidades e habilidades extremamente complexas necessáriaspara transformar o Estado Herdado.

Assim colocado, o problema pode nos parecer não tersolução. Mas, não obstante, ela existe. E existe porque já há aconsciência do problema que é a construção do “Estado Necessário”.E quando existe esta consciência é porque a solução já é vislumbradapor uma parte dos atores envolvidos com o problema.

De acordo com o exposto até aqui, podemos afirmar que adecisão de criar o Curso no qual se insere esta disciplina já nosremete a uma consciência por parte desses atores de que aemergência da forma institucional “Estado Necessário”, aquela que

v

São muitos os trabalhos

de pesquisadores

descrevendo as

características as quais

foram impregnando a

gestão pública latino-

americana, que

configuram o que

denominamos “Estado

Herdado” e apontam

propostas para sua

modificação. Entre eles,

recomendamos Oszlak

(1999), Evans (2003) e

Waissbluth (2002 e

2003).

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41Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

corresponde ao conteúdo das políticas que cabe a ele implementar,depende de uma preocupação sistemática com a capacitação doconjunto de seus funcionários. Ou seja, a criação do Cursorepresenta uma demonstração de que o primeiro, indispensável ecorajoso passo está sendo dado. Ele revela a percepção de querotinas administrativas que dão margem ao clientelismo, àiniquidade, à injustiça, à corrupção e à ineficiência, que restringemos resultados obtidos com a ação de governo, que frustram apopulação e solapam a base de apoio político dificultando agovernabilidade, não podem ser toleradas. E que, para que istoocorra, não bastam o compromisso com a democracia e com umfuturo mais justo, o ativismo e a militância.

Este passo denota a percepção de que, para criarcondições favoráveis para que seu corpo defuncionários materialize esse compromisso, éimprescindível que um novo tipo de conhecimentoteórico e prático acerca de como governar (para apopulação e em conjunto com ela) seja urgentementedisponibilizado. E que é através dele que uma novacultura institucional será criada e alavancará aconstrução do “Estado Necessário”.

Do ponto de vista cognitivo, esta nova situação demandado gestor público um marco de referência analítico-conceitual,metodologias de trabalho, e procedimentos qualitativamente muitodiferentes daqueles que se encontram disponíveis no meio em queele atua. O conteúdo a ser incorporado às políticas, fruto de umviés não mais conservador e sim progressista, transformador, irádemandar um processo sistemático de capacitação.

Para darmos uma ideia do desafio cognitivo que isto significa,vale introduzirmos um dos elementos-chave do PEG: a forma comose dá a determinação do que são problemas e o que são soluções, oque são causas e o que são efeitos, o que são riscos e o que sãooportunidades. Isso porque, em muitos casos, ela terá de ser invertida.

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42Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Estamos vivendo um momento, da democratização política,em que as duas pontas da gestão pública e do processo deelaboração de políticas estão sofrendo uma rápida transformação.Na sua ponta inicial – a veiculação da demanda – há claramentemaior probabilidade de que assuntos “submersos” e de grandeimportância para a população passem a integrar a agenda dedecisão política. Na sua ponta terminal – a decisão de onde alocarrecursos – existe igualmente uma grande probabilidade de queproblemas originais passem a ter sua solução viabilizada:

Como tratar essas novas demandas até transformá-lasem problemas que efetivamente entrem na agendadecisória?

Como fazer com que o momento da implementação dapolítica (que se segue ao da formulação) possa contarcom um plano para sua operacionalização eficaz, quemaximize o impacto favorável dos recursos cujaalocação pode ser agora localmente decidida de formarápida, mediante instrumentos inovadores etransformadores, como é o caso do OrçamentoParticipativo?

Contudo vale ressaltarmos que o PEG é um dos instrumentosatravés dos quais novas inter-relações, sobredeterminações, pontoscríticos para a implementação de políticas etc. terão de seridentificados, definidos e processados. Só assim os novos problemaspoderão ser equacionados mediante políticas específicas; porexemplo, através de redes de poder locais, com a alocação derecursos sendo decidida localmente.

Mas, cabe a você, estudante, ao final, avaliar a potencialidade

deste instrumento, pois não é nossa intenção apresentar o PEG

como a panaceia que irá resolver todos os problemas e enfrentar

todos os desafios que estamos comentando nesta parte

introdutória.

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43Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

O CONTEXTO DISCIPLINAR DA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Esta seção, como as duas anteriores, focaliza o contexto noqual o objetivo mais ambicioso desta disciplina – contribuir paraque as atividades de gestão pública levadas a cabo nos vários níveise instâncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passema ser realizadas em conformidade com os princípios do PEG – teráque ocorrer.

Ela irá tratar de questões associadas ao marco analítico-conceitual do PEG introduzidas a partir de uma postura crítica emrelação à “Administração Geral”, derivada da Administração deEmpresas e uti l izada na conformação dos conteúdos daAdministração Pública; os quais marcam aquele contexto e o tornaminadequado para a consecução daquele objetivo.

Você sabe por que se usa nesta disciplina o termo Gestão

Pública e não Administração Pública?

A literatura anglófona de Administração (que mantém umaperspectiva que, apesar de alegadamente genérica, aquela da“Administração Geral”, se refere às empresas) costuma utilizar otermo management para referir-se ao mundo privado.

O termo administration tem um significado mais amplo,buscando um status “universal” capaz de abarcar todosos âmbitos de atividade humana, inclusive o mundo

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44Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

público; ou aquilo que em seguida se designa como“Administração Geral”. O primeiro termo –administration – tem sido traduzido para o portuguêscomo gestão e o segundo – management – comoadministração.

A mesma literatura usando o “prefixo” public enfatizao que tem sido traduzido como administração públicapara referir ao ambiente público, de governo.

No Brasil, atualmente, é utilizado o termo gestão públicapara fazer referência às atividades que têm lugar no ambientepúblico ou aos conhecimentos que nele são aplicados.

Então, qual deveria ser o marco analítico-conceitual do PEG

no âmbito de uma Gestão Pública coerente com os

balizamentos expostos nas seções anteriores?

A indagação sobre a adequação do marco analítico-conceitual da “Administração Geral” – que tem orientado asexperiências brasileiras de planejamento governamental – se iniciapela caracterização da área de atuação conhecida como “PolíticasSociais”, que é aquela na qual se desenvolvem boa parte das açõesde PEG.

POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS SOCIAIS

Embora não devesse ser assim e não seja esta a nossa visão,a expressão Gestão Pública tem sido frequentemente utilizada nomeio acadêmico para designar um corpo de conhecimentosassociado à elaboração das políticas orientadas ao atendimentode demandas sociais, as Políticas Sociais. A individualização dasPolíticas Sociais no âmbito das Políticas Públicas revela uma

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45Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

concepção de desenvolvimento que entende como separáveis e, porisso, passíveis de serem tratados em separado, os aspectos relativosao econômico e ao social.

Ao escamotearmos essa relação, os partidários dessaconcepção reforçam a ideia que é útil aos seus interesses de que odesenvolvimento econômico e suas políticas e instituições devemtratar do crescimento econômico, da competitividade e do avançotecnológico etc., e que as atinentes ao desenvolvimento socialdeveriam compensar seus eventuais efeitos colaterais negativos. Essaseparação entre duas esferas de políticas, por estar solidamenteancorada na hegemonia (ideológica) construída pela classedominante, não precisa ser revestida de um aparato legal. Aoconformar o modelo cognitivo que impregna a ação do Estado, elaa naturaliza e materializa a condição subordinada, residual eacessória que possui a Política Social.

Situação distinta pode ser verificada em relação a outrasáreas de política pública (econômica, agrícola, industrial, financeiraetc.) em que os conteúdos atinentes à gestão são oferecidos pelossegmentos acadêmicos e a elas diretamente associados. Uma exceçãoque valeria a pena analisar é a área de saúde, na qual têm ocorridosignificativas iniciativas de produzir e difundir conhecimento no campoda saúde preventiva (ou da saúde pública). Por isso é importanteentendermos o que significam as chamadas Políticas Sociais.

Os serviços educacionais, de orientação social, deassistência médica, de ajuda jurídica e outros providospelas Políticas Sociais, mesmo que garantidos por lei,geralmente aparecem como favores à populaçãosendo implantados em conjunturas políticas mais oumenos específicas e cambiantes.

No passado, o Código Civil obrigava que o trabalhador fossesustentado por seus filhos quando ficasse velho. Isso não é maisassim. No regime salarial da economia capitalista, é o indivíduoque é contratado para o trabalho, e não o grupo familiar, como

vUma das obras mais

completas e conhecidas

(com mais de dez

edições) publicadas no

Brasil sobre o tema é a

de Faleiros (2000). Nela

nos baseamos para

realizar os comentários

feitos aqui.

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46Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

chegou a ocorrer no passado; e as formas de produção atuaisdestruíram a família extensa que se organizava em torno daeconomia de subsistência.

É claro que a intervenção do Estado na garantia de benefícios

e serviços não substituiu a família. E mais, sua ação parece

pautar-se no modelo familiar. Mas, de que modo? Você sabe?

As Polí t icas Sociais são organizadas em nome dasolidariedade social: os jovens trabalhadores contribuem para aaposentadoria dos idosos e para o cuidado e a educação dascrianças; os sãos para o tratamento dos doentes; os empregadospara os desempregados; os ativos para os inativos; os solteiros paraos casados (salário-família) etc. Logo, a razão de existência daspolíticas sociais seria, então, fazer com que a sociedade, assimiladaa uma grande família, viva em harmonia e paz social, unscolaborando com os outros.

A articulação do econômico e do político através das políticas

sociais é um processo complexo que se relaciona com a

produção, com o consumo e com o capital financeiro. Por quê?

Porque as políticas sociais (talvez em menor grau do que asdemais políticas públicas, mas ainda assim de forma majoritária)não costumam ser implementadas diretamente pelo Estado, maspor meio de convênios e contratos com empresas privadas, ONGse empresas envolvidas com atividades de responsabilidade socialempresarial, que passam a oferecer os serviços financiados peloEstado. Conheça alguns exemplos:

hospitais particulares atendem a clientes da Previdênciaou da Assistência Social e cobram do Estado peloserviço, não raro com margem de lucro;

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47Módulo Básico

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escolas particulares recebem subsídios e bolsas paracerto número de estudantes; e

bancos que servem de intermediários para váriosserviços aos beneficiários, como, por exemplo,pagamentos e cobranças previdenciárias,evidentemente cobrando por eles.

Assim, e de modo que pode parecer paradoxal, essasorganizações mantêm seu processo de acumulação de riquezaatravés da implementação de políticas sociais. Na realidade, cabeao Estado, por exemplo, a compra de equipamentos sofisticados eintensivos em tecnologia para oferecer os serviços mais caros emenos lucrativos; a manutenção das faculdades mais caras, comoas de Medicina e Odontologia, por exemplo, enquanto os cursosmenos dispendiosos e mais lucrativos são mantidos por empresasprivadas; e os subsídios de diversas naturezas, alguns indefensáveise escusos, que têm sido dados a instituições deste tipo por governosnão comprometidos com a qualidade do ensino.

Outro bom exemplo é o caso das políticas orientadas para otrabalhador. Trabalhadores desempregados, doentes, acidentadosou velhos são atendidos através de uma articulação do econômicoe do político (as políticas sociais) que possibilita um ganho para osetor privado capaz de compensar o prejuízo causado pelo fato deeles e outros segmentos não produtivos não estarem inseridos naprodução de mercadorias.

Contudo, podemos afirmar que essas políticas servemtambém para “ret irar” do âmbito da fábrica confl i tos ereivindicações, que são encaminhados e tratados por órgãosgovernamentais (hospitais, repartições públicas ou tribunais) queos despolitizam, transformando-os em assuntos individuais. Asvítimas de eventos negativos ligados ao processo produtivo (acidentes,doenças, incapacitação e invalidez), cuja origem está no próprioprocesso produtivo, são responsabilizadas pela sua ocorrência.

Os órgãos de atendimento ao trabalhador que implementamessas políticas não questionam as origens dos problemas dosassalariados, o ambiente que os condiciona, nem as relações que v

Estes órgãos tratam cada

“caso” através da

perícia, relegando-o ao

saber e ao sabor de

especialistas que

examinam

individualmente a

vítima, e não as

condições de produção e

de trabalho.

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48Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

os produzem. Por essas e outras razões, as políticas sociais sãovistas por alguns críticos como algo incompatível com aquele modelofamiliar. Apesar de aparecerem como compensações, elasconstituiriam um sistema político de mediações entre capital etrabalho que visa à articulação de diferentes formas de reproduçãodas relações de exploração e dominação da força de trabalho entresi, com o processo de acumulação e com a correlação de forçaspolíticas e econômicas.

Devido a suas características, as políticas sociais costumamter, sobretudo em países periféricos como o nosso, seu conteúdodefinido, em boa medida, no momento da implementação. E nãoapenas no momento da sua formulação, como é o caso clássico emque os momentos de formulação, implementação e avaliação queintegram o processo de elaboração da política estão mais claramentedefinidos.

Diferentemente de outras políticas públicas que, por estaremdestinadas a orientar ou subsidiar as atividades empresariais,possuem “lógica” e “racionalidade” facilmente operacionalizáveispelos profissionais da administração de empresas, as políticassociais demandam, não apenas para sua formulação, mas tambémpara a sua implementação, um tipo específico de gestor. A formaçãodesse tipo de gestor demanda a veiculação de um conhecimentodistinto daquele oferecido pelas profissões tradicionais que sãoadequadas para a elaboração de políticas voltadas ao bomfuncionamento da economia capitalista e às quais as PolíticasSociais devem em muitos casos se opor.

O GESTOR PÚBLICO E O ADMINISTRADOR DE EMPRESAS

De modo a tratar sobre o tipo de formação ideal do gestorpúblico para, desta maneira, avançar na caracterização do marcoanalí t ico-conceitual do PEG, é necessário precisar o queentendemos por ele.

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49Módulo Básico

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Por diferenciação, o concebemos como aquele profissionalcuja especificidade consiste fundamentalmente na sua capacidadede traduzir, interpretar ou “decodificar” para uma “lógica” e“racionalidade” empresariais o conteúdo e a forma deimplementação das políticas públicas. Sua atuação deve estarorientada para as políticas sociais e, também, para o conjunto depolíticas que possuem um caráter mais propriamente empresarialna medida em que se referem a atividades desempenhadas peloaparelho de Estado na interface com o âmbito privado. Esse tipode atuação, em que costumam estar envolvidos administradores deempresa, engenheiros etc., demanda para sua adequada realizaçãoa complementação de sua formação mediante programas decapacitação em gestão pública. Coisa que, apesar de óbvia, temsido frequentemente desconsiderada.

Conceber o processo de capacitação de um profissional queseja capaz de atuar na elaboração de políticas públicas é um grandedesafio. Pela primeira vez, em função das mudanças de orientaçãoque vêm ocorrendo nos Estados de uma região conhecida como amais desigual do planeta e cujos governos estão a privilegiar oatendimento de demandas sociais de grandes proporções, se colocana América Latina a necessidade de abreviar um processo lento e queestava sendo efetivado de forma mais ou menos autodidata de formaçãode gestores públicos interessados na consolidação dessas mudanças.

Mais que em outros países da região, o Brasil conta com umsuperávit de vagas universitárias visando à capacitação deadministradores de empresa. Isso, associado ao fato de que o gestorsocial, além de ter que trabalhar na empresa privada comoimplementador das políticas sociais (e, de certa forma, devido àscaracterísticas, também como o seu formulador), deverá atuarigualmente na sua elaboração no âmbito do Estado, o que o obrigaa uma difícil inflexão.

Difícil, entre outras coisas porque, por razões históricas epela conhecida formação multidisciplinar e “multipropósito” doadministrador de empresa, têm surgido nos espaços destinados àsua formação as iniciativas de capacitação de gestores públicos ede gestores sociais (à semelhança do que ocorreu no passado com

vExistiriam no Brasil mil e

quinhentos cursos de

Administração

reconhecidos pelo

Conselho Federal de

Educação. Fonte: Fischer

(2004).

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50Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

a formação dos administradores públicos). Um “distanciamentocrítico” em relação ao que é entendido como a formação doadministrador de empresa parece essencial. Ele deve começar peloquestionamento do caráter “universal” conferido ao conceito deAdministração, entendido como um corpo de conhecimentoaplicável em qualquer ambiente (público ou privado), e explicitadonas conceituações usualmente propostas e empregadas em nossomeio e que têm servido para informar a criação de cursos deAdministração Pública.

ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS,ADMINISTRAÇÃO GERAL E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Embora as teorias da administração estejam divididas emvárias correntes ou abordagens, cada abordagem está associada auma maneira específica de encarar a tarefa e as características dotrabalho de administração. Vamos alinhar brevemente algumascaracterísticas da “Administração Geral”.

O conceito contemporâneo entende que administrar é dirigiruma organização (grupo de indivíduos com um objetivo comum,associados mediante uma entidade pública ou privada) utilizandotécnicas de gestão para que alcance seus objetivos de forma eficiente,eficaz e com responsabilidade social e ambiental. Segundo Lacombe(2003), a essência do trabalho do administrador é obter resultadospor meio das pessoas que ele coordena. Já de acordo com Drucker(1998), administrar consiste em manter as organizações coesas,fazendo-as funcionar.

A Administração Geral é subdividida segundo o tipo deorganização à qual ela é aplicada. Logo a administraçãoque se aplica a uma empresa privada é diferentedaquela aplicada às instituições governamentais ou,ainda, daquela de um setor social sem fins lucrativos.

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Uma organização seria uma combinação de esforçosindividuais que tem por finalidade realizar propósitos coletivos. Pormeio de uma organização torna-se possível perseguir e alcançarobjetivos que seriam inatingíveis para uma pessoa. Uma grandeempresa ou uma pequena oficina, um laboratório ou o corpo debombeiros, um hospital ou uma escola são todos exemplos deorganizações (MAXIMIANO, 1992).

Uma organização seria formada pela soma de pessoas,máquinas e outros equipamentos, recursos financeiros e outros;seria o resultado da combinação de todos estes elementosorientados a um objet ivo comum; uma entidade social,conscientemente coordenada, gozando de fronteiras delimitadas quefuncionam numa base relativamente contínua, tendo em vista arealização de objetivos comuns, exige grupos de duas ou maispessoas, que estabelecem entre eles relações de cooperação, açõesformalmente coordenadas e funções hierarquicamente diferenciadas(BILHIM, 1997).

Administrar uma organização (ou organizar) supõeatribuir responsabilidades às pessoas e atividades aosórgãos (unidades administrativas).

A pessoa encarregada do ato de administrar ou organizar, oadministrador, embora investido de um poder dentro de umahierarquia predefinida, deve possuir uma capacitação intelectual emoral para exercê-lo que o diferencie dos demais membros daorganização e atuar como um líder.

A atividade principal de um líder consiste em influenciar umdeterminado grupo de pessoas a fim de que elas façam o que sedeseja. Porém, esta influência não deve ser coercitiva e por meiodo poder de um cargo nem tão-pouco obrigando as pessoas afazerem o que é necessário. Esta influência deve ocorrer, porexemplo, através da disponibilização de um meio de trabalhopropício para que todos os colaboradores desenvolvam suasatividades por vontade própria.

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52Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Você deve estar se perguntando: quando apareceu a figura do

líder?

Foi com a Teoria das Relações Humanas que o campo depreocupações da Administração de Empresas ganhou a figura dolíder. Este profissional veio como uma alternativa à do administradorclássico em sua face coercitiva e autoritária. A liderança passou aser um assunto recorrente.

A l iderança vem assumindo um papel central naAdministração. Segundo a visão contemporânea, todo líder deveser um servidor para seus funcionários, deve possuir amor por seuscomandados. Este amor não é apoiado em sentimento e sim emcomportamentos, como cuidar, ajudar, elogiar, entre outros.

Isso acontece, em particular, no campo da AdministraçãoPública, uma vez que nele coerção, autoritarismo e até mesmohierarquia são dificilmente obteníveis. E o seu exercício muitas vezesnão implica num benefício material.

A FORMAÇÃO DO GESTOR PÚBLICO

No Brasil e em muitos outros países, a consolidação daAdministração Pública como um curso superior é posterior àquelado de Administração de Empresas. Até a sua criação, eram osadministradores de empresas, juntamente com outros tipos deprofissionais, que compunham o quadro da burocracia. A crescentecomplexidade do aparelho de Estado passou a exigir um tipo decapacitação que não era oferecido pelas escolas de Administraçãode Empresas. Foi só então, para enfrentar o desafio de formargestores públicos, que se buscou identificar dentre os conteúdosque constituem a “Administração Geral” quais poderiam seraplicados no ambiente público.

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Mas, diferentemente do que seria desejável, esse movimentonão esteve suficientemente aberto ao aporte de outras abordagensdisciplinares mais afeitas ao tratamento das questões sociais epolíticas que inevitavelmente se fazem presentes na interface entreo Estado e a sociedade e mesmo no interior do próprio aparelho deEstado. Ele foi marcado por um processo que, em vez de estarguiado por um objetivo de fusão interdisciplinar (ou, pelo menos,multidisciplinar), se manteve basicamente orientado pela tentativade conformar, por eliminação ou exclusão do que se entendia comoAdministração de Empresas, o que viria a ser conhecido como“Administração Geral”. A qual, então, passou a constituir a espinhadorsal dos cursos de Administração Pública.

Em consequência, o currículo dos cursos de AdministraçãoPública foi sendo conformado através da adaptação de conteúdospreviamente existentes naquele dos cursos de Administração deEmpresas e pela adição de outras disciplinas. Frequentemente, eisso não apenas no Brasil, o quadro de professores dos cursos deAdministração Pública é formado por professores de cursos deAdministração de Empresas (em muitos casos oferecidos na mesmainstituição) e por professores de disciplinas que provêm de áreas comoDireito, Ciências Contábeis, Sociologia, Economia e Ciência Política.

Embora com o correr do tempo sucessivas gerações deformandos de Administração Pública tenham sido absorvidos comoprofessores desses cursos, as disciplinas provenientes das áreasanteriormente ci tadas continuaram a ser ministradas porprofissionais nelas formados. O resultado foi a permanência de umaespécie de apartheid* disciplinar muito distinto daquilo que serianecessário para propiciar uma fusão (supondo que ela fosse possível)entre a “Administração Geral” (supondo que ela efetivamenteexistisse e que fosse capaz de ser conformada por exclusão oueliminação de conteúdos previamente enfeixados na Administraçãode Empresas) e aquelas disciplinas.

Contudo, os administradores públicos, formados, no melhordos casos, numa tensão discipl inar entre conteúdos deAdministração de Empresas e disciplinas que frequentemente seorientavam a produzir argumentos para questionar as ideias de

*Apartheid – política de

completa segregação ra-

cial. Fonte: Lacombe

(2004).

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54Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

propriedade privada dos meios de produção, venda da força detrabalho, lucro etc. – pressupostos e razão de existência daAdministração de Empresas –, dificilmente seriam capazes deautonomamente produzir uma síntese interdisciplinar como a quesua atuação demandava.

Esta situação foi ainda agravada pelo fato de que, com muitafrequência, os conteúdos das disciplinas como Sociologia e CiênciaPolítica, que mais subsídios forneceram a um correto diagnósticodos problemas que o administrador público enfrenta e para o seuequacionamento de modo coerente com os direitos democráticos ede cidadania, eram vistos como de escassa importância à suaformação. Dificilmente modelizáveis e aplicáveis em conjunto comos conteúdos que provinham da Administração de Empresas, comos quais por “defeito de construção” não tinham como dialogar,mas que eram, estes sim, modelizáveis, operacionalizáveis eaparentemente dotados de um potencial de equacionamento deproblemas muito valorizado por quem se preocupa em “resolverproblemas”, eles eram, de fato, quase inúteis.

O resultado dessa situação era, então, que os problemaspúblicos ainda que fossem, na melhor das hipóteses, diagnosticados(momento descritivo: foto) e explicados (momento explicativo: filmeretrospectivo) através daquelas disciplinas, eram resolvidos(momento normativo: construção do futuro) mediante a aplicaçãodo conhecimento que provinha da Administração de Empresas.

Mas, a tensão entre aquelas disciplinas e a “AdministraçãoGeral” não se situou apenas no plano dos conteúdos. Ela se estendeupara os planos da abordagem cognitiva (dedutiva vs. indutiva,respectivamente); do enfoque da situação-problema (contextualizadovs. autocontido); do tratamento metodológico (análise globalizantedo mais frequente ou provável vs. estudo de cases sobre o maisexitoso ainda que atípico e não generalizável); do objetivointermediário (produzir tendências e fatos estilizados vs. assinalarbest practices e, para seguir utilizando o jargão anglófono da área,possibilitar o benchmarking*); e do objetivo final (equacionarproblemas estruturais de modo racional visando a resultadospositivos sistêmicos e de longo prazo vs. atacar problemas pontuais

vAqueles que ocorrem

na interface entre a

sociedade e o Estado

ou no seu interior.

*Benchmarking – técnica

de fazer comparações e

imitar organizações –

concorrentes ou não, do

mesmo ramo de negóci-

os ou de outros, que rea-

lizem determinadas ativi-

dades com excelência e

sejam reconhecidas

como líderes. Fonte:

Lacombe (2004).○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

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passíveis de solução imediata de modo incremental, visando aresultados localizados e de alto impacto a curto prazo).

Ainda no campo cognitivo ou, mais especificamente,pedagógico, a “Administração Geral” permaneceu baseada na ideiade que o administrador é a pessoa que se destaca das demais poratributos inatos, mas que podem até certo ponto ser adquiridospela via da capacitação formal, a pessoa responsável por “fazer ascoisas acontecerem”. Característica que, como é compreensível,contagia o processo de formação, seja do administrador tradicionalseja do líder, com um ethos de diferenciação, de elit ismomeritocrático e, no limite, de prepotência; ainda que entendido comoum “mal menor” face ao imperativo tradicional de “apreender parasaber mandar” ou ao contemporâneo “apreender para saberliderar”. Tudo isso marcando atributos de competição e rivalidadetanto o processo formativo quanto o comportamento profissional.

Apesar de precária, essa breve caracterização permiteapontar a inadequação da “Administração Geral” como plataformacognit iva para a concepção de um curso de gestão (ouadministração) pública; e, também, do processo até agora seguido.Mesmo que consideremos a empresa privada como um ambienteem que “pessoas tendo em vista a realização de objetivos comunsestabelecem relações de cooperação”, o que é muito questionável,não há como negar que o ambiente em que atua o gestor público –o aparelho de Estado – é politizado.

Se isso é assim, a Administração de Empresas, por muitos

entendida como um conjunto de conhecimentos cujo objetivo

é, senão eliminar, manter os conflitos entre capital e trabalho

num nível que não inviabilize a produção, numa sociedade

em que o uso da força é monopólio do Estado, não poderia

ser a plataforma cognitiva de um curso de Gestão Pública,

você concorda?

v

Ambiente onde interesses

políticos, econômicos e de

outra natureza não

apenas se expressam

como devem, numa

sociedade democrática,

fazê-lo.

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56Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Logo, o papel central que vem assumindo o líder na“Administração Geral”, e por extensão na Administração Pública,tem de ser repensado tendo em vista a proposta do “EstadoNecessário”. Ainda que a figura do líder pareça ser mais coerentecom ela do que a do administrador tradicional, originalmenteconcebido para substituir o proprietário no campo da gestão daempresa (assim como o engenheiro, concebido para substituí-lo nocampo da produção), parece legítimo indagar sobre sua pertinênciapara o ambiente público e, mais especificamente, no âmbito dosgestores que levam a cabo a gestão pública. Sobretudo aquele cujafunção é a elaboração das Políticas Sociais, que cada vez maissubstituem pelo cooperativismo, autogestão e solidariedade aspráticas do empreendedorismo, da competição.

Busque currículos dos cursos de Administração Pública para

fazer uma análise. Ou, simplesmente, faça uma consulta do

seu currículo. Observe a relação dele com a ideia da

“Administração Geral”.

Podemos evidenciar, mesmo numa análise superficial docurrículo dos cursos de Administração Pública, inclusive dos maisrecentes, a adoção de existência de uma “Administração Geral” –entendida como neutra e capaz de atender tanto as empresas quantoo Estado – como diretriz para a sua concepção. Em vários cursos,as disciplinas iniciais, denominadas Introdução à Administração,Teoria da Administração etc., são de fato um conjunto de ideias eprincípios, que, embora derivados ou “destilados” da Administraçãode Empresas, são apresentados como portadores de um conteúdouniversal. Já aqui, nesta análise, é comum identificarmos aexistência de disciplinas com forte caráter empresarial, como porexemplo, administração da produção, gestão da qualidade total etc.,e outras disciplinas que buscam implementar a denominada “novagestão pública”.

v

Envolve as parcerias

público-privadas,

projetos com o Terceiro

Setor, Responsabilidade

Social, Empresa etc.

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57Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

Observamos, também, que disciplinas cujos nomes aludema conteúdos próprios da gestão pública são ministradas mediantea utilização de bibliografia orientada para a administração deempresas que tende a dar aos alunos a falsa impressão de que osconceitos e relações nelas tratados são aplicáveis ao ambientepúblico.

Uma das exceções maisinteressantes no quadro aqui traçadoé o movimento em torno do conceitode Administração Política liderado peloprofessor Reginaldo Souza Santos.Esse movimento foi ainda influenciadopela leitura dos clássicos do campo daAdministração a partir da perspectivaoferecida por economistas marxistas.Em que pese a radicalidade que se fazà ideia do que aqui denominamosAdministração Geral por muitos dosautores que integram a coletâneaorganizada pelo professor Reginaldo, epelo caráter seminal que o movimentopode vir a representar num processo derenovação como o que aquidefendemos, consideramos que ele estáainda marcado por uma visão deneutralidade que é hoje criticada,inclusive, na esfera das ciências consideradas duras (DAGNINO,2008).

Tal visão, que apesar de contrariar até mesmo a visãomarxista convencional (para não falar daquela l iberal), écrescentemente aceita, pois até mesmo elas seriam influenciadasde modo quase irreversível pelos valores e interesses predominantesno ambiente (e no próprio momento) em que ocorre a sua produção.Dessa forma, a menos que um processo de desconstrução ereconstrução seja efetivado, o conhecimento científico desenvolvidosegundo a lógica da apropriação privada do excedente econômico

Reginaldo Souza Santos

Graduado em Administração

Pública pela Escola de Adminis-

tração da Universidade Federal

da Bahia em 1977. Mestre em Ad-

ministração Pública pela Esco-

la Brasi leira de Administração

Pública e Empresarial (EBAPE)

da Fundação Getúlio Vargas (1982) e doutor em

economia pela Universidade Estadual de Campi-

nas (1991) e pós-doutorado pela Instituto Superi-

or de Economia e Gestão, da Universidade Técnica

de Lisboa (1997/98). Atualmente é professor do De-

partamento de Finanças e Polít icas Públicas da

Escola de Administração da Universidade Federal

da Bahia e na mesma instituição exerce o cargo

de Diretor. É autor de livros, artigos em periódi-

cos, jornais e anais de congressos. Fonte: <http://

www.reginaldosouza.com.br/apres.html>.

Saiba mais

vChamado também

Adequação Sociotécnica

por Dagnino (2008).

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Planejamento Estratégico Governamental

não poderia ser utilizado em empreendimentos pautados por outralógica, como a imposta pela propriedade coletiva dos meios deprodução.

De fato, mesmo a visão de França Filho (2004), que nosparece ser mais próxima àquela apresentada em Dagnino (2008),não consegue abandonar a ideia de que existiria um conteúdo capazde ser aplicado indistintamente a organizações públicas e privadas.França Filho (2004) dá preferência ao subcampo dos EstudosOrganizacionais (integrariam o conjunto outros dois subcampos:as Técnicas Gerenciais e as Áreas Funcionais) e consideraseriamente a opção de que a Administração deva ser consideradacomo ideologia (e não como arte ou ciência), o que é sem dúvidauma postura promissora. Contudo, não obstante, a orientar suareflexão para a controvérsia acerca de qual deveria ser o objeto daAdministração (a gestão ou a organização). E, talvez angustiadoem apresentar uma solução de compromisso capaz de debilitar oviés privado que apresentaria a Administração, o autor não penetrano espaço de politização que nos parece conveniente para alcançarseu propósito.

De acordo com o que vimos até aqui, você consegue identificar

um marco análico-conceitual adequado à gestão pública?

Com base na breve apresentação desta seção, argumentoscentrais deste livro, parece-nos faltar um marco analítico-conceitualespecífico e adequado à gestão pública. O qual, diga-se depassagem, tem a sua elaboração dificultada pela Reforma Gerencialdo Estado brasileiro que se iniciou em meados da década de 1990,marcada pela proposição de que a lógica e os métodos deadministração empresarial deveriam ser adotados para promovê-la. Não surpreende, portanto, que o currículo dos cursos deAdministração Pública reflita essas duas orientações: a da“Administração Geral” e a da Reforma Gerencial. E tenda, por isso,a formar gestores públicos que as aceitem acriticamente e,

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59Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

paradoxalmente, dificultem o processo de transformação do EstadoHerdado para o Estado Necessário que se discutiu anteriormente.

Como tantas outras controvérsias que se manifestam nocampo do conhecimento e da educação, esta, pelo seu conteúdoideológico, tende a permanecer e se reproduzir quando novosargumentos são incorporados ao debate. Passado o auge dopensamento neoliberal, quando a Nova Gerência Pública divulgadapelos professores universitários dos países centrais penetrou nauniversidade brasi leira, e como mostra o movimento daAdministração Política, antes comentado, voltou-se a discutir aquestão de como orientar a formação do gestor público.

Ao evidenciar o caráter falacioso e predatório, muitosautores brasileiros e latino-americanos, alguns dosquais serão intensamente discutidos neste Curso,inauguraram um novo período em que se busca umnovo arranjo.

O que não quer dizer que novos argumentos não surjam edevam ser analisados. Entre outros, aqueles que afirmam que acontrovérsia estaria perdendo sentido porque “um gestor pode, semsair da mesma organização, passar da condição de funcionáriopúblico para a de empregado, como as privatizações mostraram”(FISCHER, 2004, p. 168). Ou que o gestor social – entendido comoaquele profissional (de crescente importância) que no âmbito doEstado, da empresa ou do “terceiro setor” se envolve diretamentecom as políticas sociais – deveria ter uma formação tão ecléticaque as distinções a que aquela controvérsia alude estariam perdendosentido. E que, portanto, na sua formação não teria porque, mesmono campo analítico-conceitual, contemplar as diferenças, no nossoentender muito importantes, existentes entre a gestão de empresase a gestão pública.

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60Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

ResumindoInicialmente vimos, nesta Unidade, um breve históri-

co do planejamento de modo a explicitar alguns aspectos

do contexto sociopolítico em que se verificam as relações

Estado-Sociedade no capitalismo periférico. Na sequência,

e também com o objetivo de fundamentar nossa proposta

de Planejamento Estratégico Governamental (PEG), obser-

vamos que nunca houve muito empenho em nosso País para

a adoção de ferramentas de gestão pública semelhantes.

Embora o quadro atual seja menos adverso do que o que

vigorou até o início deste século, não existe ainda um ambi-

ente receptivo para esse tipo de instrumento de gestão pú-

blica. Suas características e as atividades a ele correspon-

dentes parecem ser, entretanto, essenciais para fundamen-

tar e subsidiar o processo de transformação do “Estado Her-

dado” – da ditadura militar e da Reforma Gerencial de corte

neoliberal – no “Estado Necessário”. Aquele Estado capaz

não apenas de atender às demandas da maioria da popula-

ção hoje marginalizada, mas de fazer emergir e satisfazer

aquelas da cidadania política, social, econômica e ambiental.

A democratização política, que se inicia com o final do

regime militar, trouxe o aumento da capacidade dos seg-

mentos marginalizados de veicular seus interesses. Do pon-

to de vista cognitivo, a situação atual demanda do gestor

público um marco de referência analítico-conceitual,

metodologias de trabalho e procedimentos qualitativamen-

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61Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

te muito diferentes daqueles que se encontram disponíveis

no meio em que ele atua.

Por fim observamos que, embora não devesse ser as-

sim, a expressão Gestão Pública tem sido frequentemente

utilizada no meio acadêmico para fazer referência ao aten-

dimento de demandas sociais: as Políticas Sociais. A

individualização das Políticas Sociais no âmbito das Políticas

Públicas nos revela uma concepção de desenvolvimento que

entende como separáveis e, por isso, passíveis de serem

tratados em separado os aspectos relativos ao econômico e

ao social. O PEG se opõe no plano metodológico a essa con-

cepção. E, também, àquela que entende a Administração

Pública como uma derivação ou particularização da “Admi-

nistração Geral”. Parece por isso um instrumento adequado

para que o gestor público interessado na transformação rumo

ao Estado Necessário possa atuar em consonância com sua

opção.

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62Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Atividades de aprendizagem

Ao final desta Unidade 1, procure responder às questõespropostas a seguir. E lembre-se que, em caso de dúvidas,você deve fazer uma releitura cuidadosa dos conceitosainda não entendidos e, se necessário, entrar em contatocom seu tutor.

1. Quais são as principais características que contrapõem o “Estado

Necessário” ao “Estado Herdado”?

2. De que forma o Planejamento Estratégico Governamental auxilia

na transformação rumo ao Estado Necessário?

3. Por que o conceito de “Administração Geral” é entendido pelo

autor como inadequado ao tratamento da gestão pública?

4. Qual a diferença entre o termo Gestão Pública e Administração

Pública?

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Módulo Básico

Unidade 1 – Conteúdos Introdutórios ao Planejamento Estratégico Governamental

UNIDADE 2

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade você deverá ser capaz de: Reunir elementos para criticar a concepção do Estado Neutro; Compreender a importância do campo da “Análise de Políticas”

e do “Planejamento Estratégico Situacional”; e Entender a contribuição desses dois campos de estudo para a

fundamentação do Planejamento Estratégico Situacional.

O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

GOVERNAMENTAL COMO

CONVERGÊNCIA E ENFOQUE

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Planejamento Estratégico Governamental

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65Módulo Básico

Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

INTRODUÇÃO

Na Unidade anterior traçamos de forma esquemática, massuficiente para nosso propósito, o contexto em que se devem inseriras atividades de PEG do Estado brasileiro e apontamos a dimensãodo desafio cognitivo que a construção do “Estado Necessário”coloca para a realização dessas atividades.

Nesta Unidade vamos ver o processo de constituição dosfundamentos do PEG e mostrar por que consideramos que estadisciplina pode ajudar na sua superação. Para tanto, analisaremosa contribuição de dois enfoques relacionados à gestão pública, oumais especificamente ao processo de elaboração de políticas públicasque constituem o fundamento da disciplina de PEG. São eles:

Análise de Políticas; e

Planejamento Estratégico Situacional.

Dentre o conjunto das Ciências Sociais aplicadas, asdisciplinas de Ciência Política e de Administração Pública eram,até há bem pouco tempo, praticamente as únicas que forneciamsubsídios especificamente orientados para a análise das questõespúblicas objeto da intervenção dos governos. Embora tenhamocorrido, tanto nos países centrais como nos da América Latina,importantes movimentos recentes de crítica, renovação, ampliaçãoe fusão multidisciplinares, essas duas matrizes de conhecimentoteórico e aplicado são ainda as mais amplamente disponíveis,difundidas e utilizadas para a análise da interface entre o Estado ea sociedade – Ciência Política – e para a execução do planejamentogovernamental – Administração Pública.

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66Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Por essa razão, mais precisamente porque a quase totalidadedas iniciativas de formação de gestores públicos existentes na regiãoadota, ao contrário do que aqui se propõe, essas matrizes deconhecimento – em especial a da Administração Pública –, é quese apresenta a seguir uma crítica a estas. Posteriormente, na seçãoque segue, se apresentam dois de seus recentes desdobramentos –a Análise de Política e o Planejamento Estratégico Situacional –considerados como as abordagens mais adequadas para conformaro fundamento do PEG.

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67Módulo Básico

Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

A CIÊNCIA POLÍTICA E ASUPERVALORIZAÇÃO DO POLÍTICO

O processo de governo ou, mais precisamente, os processosde tomada de decisão (a formulação das políticas públicas) e desua implementação não ocupam um papel central no horizonte depreocupações da Ciência Política. Suas principais teorias, modeloscognitivos ou visões que tratam a relação entre a sociedade e oEstado (marxista, pluralista, sistêmica, elitista) explicam as decisõesde governo – tomadas no interior do aparelho de Estado – atravésda consideração de elementos a ele externos.

Essa afirmação pode ser corroborada por um exame, aindaque superficial, das suas duas visões extremas:

visão pluralista, que percebe o resultado do processodecisório – o conteúdo da política – como algo quaseindefinido, posto que fruto de um ajuste incremental daspreferências de uma infinidade de atores indiferenciadosdo ponto de vista de seu poder político; e

visão marxista, a qual entende aquele resultado – oconteúdo da polí t ica – como algo quase queinteiramente predeterminado pela estruturaeconômica, posto que resultante da ação de um ator.

Para os pluralistas, era como se o Estado fosse dirigido porum contexto político, econômico e social homogêneo, semassimetrias e diferenças de poder. Para os marxistas do século XIXe início do século XX, era como se ele estivesse inteiramente

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68Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

submetido aos interesses da classe proprietária, mais do quedominante, hegemônica. No pós-Segunda Guerra, o Estadocapitalista começou a ser entendido pelos marxistas como dotadode um certo poder de autodeterminação e de “autonomia relativa”.Passou-se então a entender como os instrumentos colocados àdisposição das burocracias dos Estados contemporâneos terminamgerando uma elite com interesses próprios e até certo pontoindependentes das demais.

Era natural, por tanto, que os cientistas polít icos seconcentrassem no estudo deste contexto para entender as implicaçõessociais, econômicas etc. do exercício do poder; as quais, de certaforma, apenas fluiriam através do Estado, sem ser por eledeterminadas. O problema da Ciência Política seria de tipoinvestigativo: indicar as razões contextuais que explicam o caráterdo que foi decidido. Seu foco seria, portanto, a política (politics) enão as políticas (policies), o sistema e o processo político (politicalprocess) e não o processo de elaboração de políticas (policy process).

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69Módulo Básico

Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E ASUBVALORIZAÇÃO DO CONFLITO

A Administração Pública tem como premissa a separaçãoentre o político (politics) e o administrativo; o mundo da política(polit ics) e o das organizações; a tomada de decisão e aimplementação. O primeiro termo desta dicotomia era entendidocomo caracterizado pelo conflito de interesses e o dissenso políticoque se manifesta na sociedade e, o segundo, pelo consenso técnicoem torno de um interesse comum que se expressa no interior doaparelho de Estado: implementar eficientemente o que foi, nãointeressa como nem por que, decidido. É como se o primeiro fosseo ponto cego do segundo; e, o segundo, uma simples decorrência econsequência, inclusive temporal, do primeiro.

Diferentemente da Ciência Polí t ica, o problema daAdministração Pública pode ser entendido, para marcar a diferençaentre elas, como de tipo operacional. O objetivo precípuo daAdministração Pública era executar da melhor forma possível,segundo critérios de otimização, autocontidos, incrementais e quenão ensejavam questionamentos de tipo político ou socioeconômicomais amplos, as decisões tomadas pelos governos. As quais eramfrequentemente e, poderíamos dizer até hipocritamente, entendidascomo a expressão do desejo da maioria, numa estrutura político-social percebida como uma poliarquia. O estudo do processo detomada de decisão e da natureza conflitiva de sua implementaçãoera, por isto, flagrantemente subestimado.

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70Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

A CONCEPÇÃO INGÊNUA DO

ESTADO NEUTRO

Na visão simplista de certos setores da esquerda latino-americana, a perspectiva da administração era “de direita”, umavez que o que buscava era a otimização das condições dereprodução do capital e, portanto, o aumento da exploração daclasse trabalhadora. As tímidas incursões que se fazia, utilizando aabordagem sistêmica (rejeitada pelo marxismo e pela esquerda),para entender o que se encontrava a montante do território quedominava – da simples implementação das decisões tomadas – nosentido da compreensão do processo de elaboração da política,eram vistas como mais uma tentativa do capital parainstrumentalizar este processo em seu benefício.

A Ciência Política, ao contrário, era entendida comouma perspectiva “de esquerda”, na medida em queiluminava as contradições de classe e permitiadiscernir a dominação e a exploração.

Era como se a Ciência Política fosse a encarregada decondenar o caráter antissocial, repressivo, demagógico do Estadocapitalista periférico através de análises e pesquisas, realizadas, éclaro, fora do aparelho de Estado. E a Administração Pública fossea encarregada de “tocar” o estilo tradicional de planejamentogovernamental e de elaboração de polí t icas públicas –

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71Módulo Básico

Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

homogeneizador, uniformizador, centralizador, tecnocrático – típicodo Estado burocrático e autoritário que herdamos.

Na verdade, o fato de que nem a Ciência Política nem aAdministração Pública tenham considerado o processo deelaboração de políticas como problemático levou à superação dodesafio cognitivo colocado pela construção do “Estado Necessário”como especialmente difícil. A (inevitável) adoção privilegiada daAdministração Pública no âmbito do aparelho de Estado foiconformando uma concepção ingênua: a do Estado neutro.

Contraditoriamente com a orientação da CiênciaPolítica, a Administração Pública é hoje dominante.

Na atual conjuntura, em que quadros dirigentes da esquerdachegam a ser governo em muitos países da América Latina (em suabem-sucedida trajetória de aceitação da via pacífica e eleitoral paraa transformação da sociedade capitalista), a concepção dominante,aquela que privilegia a perspectiva da Administração Pública, temse mostrado especialmente disfuncional e, por isto, desastrosa.

Mas, para a Ciência Política, o caráter do processo deelaboração de políticas e o seu resultado (o conteúdo da política)são uma simples decorrência das relações de poder existentes nocontexto externo ao Estado. É uma concepção que pode serentendida, no l imite, como mecanicista; uma espécie dedeterminismo social do processo de elaboração da política e doconteúdo da política. Como se existisse uma relação de causalidadelinear e estrita entre as relações de poder vigentes no contexto queenvolve o aparelho de Estado e o conteúdo das políticas que deleemanam. Algo como se Estado fosse um elemento semelhante a umdispositivo transdutor, eletrônico ou pneumático, que ao receberum impulso externo de entrada gera um outro, de saída, cujascaracterísticas dependem apenas da intensidade e “sinal” doimpulso de entrada.

vComo se todo o processo

se orientasse

automaticamente de

acordo com as

características do bloco

dominante de poder.

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72Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Mas a suposição de que numa sociedade de classes a“ocupação” do Estado pela classe dominante leva inexoravelmentea políticas que mantêm e reproduzem a dominação desta sobre asdemais classes não é tão mecanicista como a sua recíproca.A concepção ingênua do Estado neutro, que supõe que uma mudançana correlação de forças na sociedade num grau o qual permita ocontrole do seu aparelho por forças progressistas originaria,automaticamente, políticas capazes de alavancar a desconcentraçãode poder e a equidade social, esta sim pode ter consequênciasdesastrosas.

A concepção de que o aparelho de Estado seja um simplesinstrumento neutro capaz de, de uma hora para outra, operar deforma a implementar polí t icas contrarias às premissas demanutenção e naturalização das relações sociais de produçãocapitalistas que o geraram pode levar a uma postura voluntaristaque tende a minimizar as dificuldades as quais enfrentam osgovernos de esquerda.

O preço do equívoco em que eles têm frequentementeincorrido, de subestimar as relações entre forma econteúdo, é proibitivo e não pode mais ser tolerado.

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73Módulo Básico

Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

OS ENFOQUES DA ANÁLISE DE POLÍTICA

E O PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

SITUACIONAL COMO FUNDAMENTOS

DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

GOVERNAMENTAL

Vimos no início desta Unidade que são dois osdesdobramentos relativamente recentes – a Análise de Política e oPlanejamento Estratégico Situacional – das matrizes deconhecimento. Elas são consideradas como as abordagens maisadequadas para a formação de gestores capazes de realizar asatividades de PEG demandadas pela construção do “EstadoNecessário”.

No “Estado Herdado”, os marcos de referência cognitivosdos gestores eram em geral originários de uma daquelas duasmatrizes que conformavam o repertório de conhecimento “formal”disponível no âmbito do aparelho de Estado (e também fora dele)para o tratamento das questões de governo. Um outro corpo deconhecimento – informal, intuitivo, específico, assistemático, egerado de forma ad hoc*, indutiva, on the job* – fazia parte dasua formação. Era ele que de alguma forma, ao adicionar-se a essesdois enfoques, permitia sua combinação preenchendo os vazioscognitivos e amenizando o “desvio ingênuo” a que se fez referência.

O fato de que este outro corpo de conhecimentos, apesar dasua fundamental importância para o exercício de governar, não

*Ad hoc – expressão lati-

na que significa “somen-

te para este fim específi-

co que está sendo consi-

derado”. Fonte: Lacombe

(2004).

*On the job – realizado na

própria execução do tra-

balho. Fonte: Lacombe

(2004).

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74Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

era ensinado, mas sim, a duras penas, e só por alguns, apreendido,não passou despercebido aos pesquisadores acadêmicos nem aosgestores que, tanto nos países centrais como na América Latina, seinteressavam ou estavam envolvidos com assuntos de governo. Estefato, aliado a outros tipos de preocupação, entre as quais as denatureza ideológica e política são as mais relevantes, originoumovimentos de crítica e fusão multidisciplinar entre essas duasmatrizes de conhecimento e delas com outras disciplinas dasCiências Sociais.

Esses movimentos foram penetrando na “caixa-preta” doprocesso (ou sistema) de elaboração de políticas – aquilo que eraaté então interpretado como um transdutor – por um de seus doisextremos (inputs e outputs), ou de seus dois principais momentos(formulação e implementação).

A Administração Pública, a partir da constatação de que oshiatos entre o produto (output do sistema) obtido e o previstomediante o planejamento governamental (déficit de implementação)não eram simplesmente um sintoma de má administração. Ou seja,eles poderiam dever-se a problemas anteriores à fase deimplementação propriamente dita. Isto é, ao momento deformulação da política que envolve processos decisórios em queatores políticos defendem seus interesses e valores.

Com a constatação de que a formação da agenda decisória,que ocorria no âmbito do processo de formulação das políticas,influenciava muito significativamente o conteúdo da política, entrana “caixa-preta” a Ciência Política pelo lado dos inputs. Como aagenda decisória era determinada pelas forças políticas que seexpressavam no contexto econômico-social que envolvia a interfacepúblico-privado, a Ciência Política não poderia se manter à margemda análise das políticas públicas.

Mas qual a implicação imediata desse envolvimento?

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Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

Uma das consequências imediatas foi a constatação de queas determinações políticas, econômicas e sociais não eram umsimples insumo (input) do processo de formulação das políticas, esim algo que seguia atuando ao longo do processo da elaboraçãodas políticas, abarcando todos os seus momentos: formulação,implementação e avaliação.

Algumas perguntas fundacionais, como as que seguem,orientaram esse movimento e estão na base da insatisfação com oplanejamento governamental tradicional que veio a desembocar naproposta do PEG. São elas:

Quais são os grupos que realmente conformam aagenda de decisão (agendum = algo sobre o qual sedeve atuar) mediante sua capacidade de transformar(ou travestir) seus problemas privados em assuntospúblicos, em questões de interesse do Estado, sobreos quais ele deve atuar?

E, mais do que isto, como fazem para impedir queoutros assuntos de outros grupos sociais não sejamincorporados à agenda fazendo com que ela fiquerestrita a assuntos sobre os quais têm controle?

Que procedimentos usam e de que mecanismos dopróprio aparelho de Estado – legítimo e a elesacessíveis por direito – se utilizam para fazer com queos assuntos que logram colocar na agenda sejamdecididos e implementados de acordo com seusinteresses?

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76Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

O ENFOQUE DA ANÁLISE DE POLÍTICA

Este é o primeiro dos enfoques verdadeiramente inovadorese multidisciplinares que vamos analisar. Visto que ele foi conformadoa partir da confluência entre a Administração Pública, ou maisprecisamente da problematização que começara a fazer acerca daimplementação das políticas públicas, de um lado, e da CiênciaPolítica, e mais especificamente da problematização da formaçãoda agenda e do processo decisório, por outro.

Sua importância para formar os fundamentos em que seapoia a proposta do PEG está relacionada à capacidade de enfocara interface entre a sociedade e o Estado e o seu própriofuncionamento de um modo mais revelador do que até então faziaa Ciência Política. Além de enfocar a questão da elaboração dosplanos e da sua execução, da alocação de recursos etc., com maiorsutileza e realismo do que fazia a Administração Pública.

Diante do exposto, faça uma reflexão sobre a relevância da

Análise de Políticas para a Administração Pública.

Em alguns casos, a Análise de Política nasce como área depesquisa nos círculos ligados à disciplina de Administração Pública.Como, nos EUA, nos anos 60, eles estavam focalizados na análiseorganizacional, nos métodos quantitativos etc. e não enfatizavama questão dos valores e interesses que a Análise de Políticaargumentava que era essencial para a Administração Pública, essarelação foi muitas vezes complicada. Em outros casos, a Análise dePolítica se estabelece por diferenciação/exclusão em relação à

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77Módulo Básico

Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

Ciência Política, em círculos a ela ligados. Como resultado ocorreuuma inflexão*. Sua perspectiva passou a incorporar a análise dasorganizações e das estruturas de governo, deslocando um pouco ofoco da análise do institucional para o comportamental.

Apesar das contribuições que desde há muito tempo têm sidorealizadas por cientistas sociais para questões como essas, o que énovo é a escala em que elas passam a ocorrer a partir dos anos de1970 nos países capitalistas centrais, e o ambiente mais receptivoque passa a existir por parte dos governos. Esses movimentosrecentes se caracterizaram por oferecerem uma nova abordagem etentarem superar problemas atinentes às perspectivas que tomarampor modelo áreas da Administração Pública ou ainda por darexcessiva ênfase a métodos quantitativos combinados à análiseorganizacional.

Embora várias definições tenham sido cunhadas pelosautores que primeiro trataram o tema, vamos iniciar citandoBardach (1998), que considera a Análise de Políticas como umconjunto de conhecimentos proporcionado por diversas disciplinasdas ciências humanas utilizado para analisar ou buscar resolverproblemas concretos relacionados à política (policy) pública.

Para Wildavsky (1979), a Análise de Política recorre acontribuições de uma série de disciplinas diferentes a fim deinterpretar as causas e consequências da ação do governo, emparticular, do processo de elaboração de políticas. Ele considera,ademais, que Análise de Política é uma subárea aplicada, cujoconteúdo não pode ser determinado por fronteiras disciplinares,mas sim por uma abordagem que pareça apropriada àscircunstâncias do tempo e à natureza do problema. SegundoLasswell (1951), essa abordagem vai além das especializaçõesacadêmicas existentes.

Já segundo Dye (1976), fazer análise de Política implica emdescobrir o que os governos fazem, por que fazem e que diferençaisto faz. Para ele, Análise de Política é a descrição e explicação dascausas e consequências da ação do governo. Numa primeira leitura,essa definição parece descrever o objeto da Ciência Política, tantoquanto o da Análise de Política. No entanto, ao procurar explicar

*Inflexão – mudança da

direção ou da posição

normal – desvio. Fonte:

Houaiss (2007).

vNo que tange aos

pesquisadores muitos já

tinham se interessado

por questões ligadas à

atuação do governo e às

políticas públicas.

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78Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

as causas e consequências da ação governamental, os pesquisadorescientistas políticos têm-se concentrado nas instituições e nasestruturas de governo, só há pouco registrando-se o deslocamentopara um enfoque comportamental que caracteriza a Análise dePolítica.

Ham e Hill (1993) ressaltam que só recentemente a políticapública tornou-se um objeto importante para os cientistas políticos.E o que a distingue da Ciência Política é a preocupação de como ogoverno a faz.

Assim, podemos afirmar que as políticas públicas a vida detodos os envolvidos por problemas de esferas públicas e política(politics), que os processos e resultados de políticas sempreenvolvem vários grupos sociais, e as políticas públicas se constituemem objeto específico e qualificado de disputa entre os diferentesagrupamentos políticos com algum grau de interesse pelas questõesque têm no aparelho de Estado um lócus privilegiado de expressão,vem tornando a Análise de Política um campo de trabalho cada vezmais importante.

Você deve estar se perguntando: Análise de Política e

Administração Pública, o que as distingue?

Segundo os pesquisadores que fundam o campo, é na Análisede Política, em seu caráter normativo (no sentido de explicitamenteportador de valores), que é revelada a preocupação acerca de comoas ideias que emergem da análise podem ser aplicadas no sentidode alavancar um projeto social alternativo. Neste caso, podemosafirmar que a melhoria do processo político através das políticaspúblicas que promovem a democratização do processo decisório éassumida como um viés normativo. Mas, os mesmos pesquisadoresapontam ainda a Análise de Política também como um problem-oriented, o que demanda e suscita a interdisciplinariedade.

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Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

A Análise de Política se caracteriza pela sua orientaçãoaplicada, socialmente relevante, multidisciplinar,integradora e direcionada à solução de problemas.Além de sua natureza ser ao mesmo tempo descritivae normativa.

Na opinião de alguns pesquisadores de Análise de Política,o analista das políticas públicas deve situar-se fora do mundo dodia a dia da política (politics) de maneira a poder indagar acercade algumas das grandes questões relacionadas à função do Estadona sociedade contemporânea e à distribuição de poder entrediferentes grupos sociais.

Para uma análise adequada, é necessário explorar três níveis.Níveis que podem ser entendidos, ao mesmo tempo, como aquelesem que se dão realmente as relações políticas (policy e politics) ecomo categorias analíticas, isto é, como níveis em que estas relaçõesdevem ser analisadas. São eles:

Funcionamento da estrutura administrativa(institucional): nível superficial, descritivo, queexplora as ligações e redes intra e interagências,determinadas por fluxos de recursos e de autoridadeetc. É o que podemos denominar nível da aparênciaou superficial;

Processo de decisão: nível em que se manifestamos interesses presentes no âmbito da estruturaadministrativa, isto é, dos grupos de pressão queatuam no seu interior e que influenciam o conteúdodas decisões tomadas. Dado que os grupos existentesno interior de uma instituição respondem a demandasde grupos situados em outras instituições públicas eem organizações privadas, as características e ofuncionamento desta não podem ser adequadamenteentendidos, a não ser em função das relações de poder

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Planejamento Estratégico Governamental

que se manifestam entre esses grupos. É o que podemoschamar de nível dos interesses dos atores; e

Relações entre estado e sociedade: referentes aonível da estrutura de poder e das regras de suaformação, o da “infraestrutura econômico-material”.É o determinado pelas funções do Estado queasseguram a reprodução econômica e a normatizaçãodas relações entre os grupos sociais. É o que explica,em última instância, a conformação dos outros doisníveis, quando pensados como níveis da realidade, ouas características que assumem as relações a sereminvestigadas, quando pensadas como categoriasanalíticas. Este nível de análise trata da função dasagências estatais que é, em última instância, o queassegura o processo de acumulação de capital e a sualegitimação perante a sociedade. É o que podemosdenominar nível da essência ou estrutural.

A análise deve ser desenvolvida de forma reiterada (em ciclosde retroalimentação) do primeiro para o terceiro nível e vice-versa,buscando responder às questões suscitadas pela pesquisa em cadanível. Como indicado, é no terceiro nível em que as razões últimasdestas questões tendem a ser encontradas, uma vez que é ele oresponsável pela manutenção da estabilidade política e pelalegitimidade do processo de elaboração de políticas.

No momento de formulação, através da filtragem dasdemandas, seleção dos temas e controle da agenda mediante umprocesso cujo grau de explicitação é bastante variável, ele vai desdeuma situação de conflito explícito, na qual há uma seleção “positiva”das demandas que se referem às funções que são necessárias paramanutenção de formas de dominação na organização econômica,como suporte à acumulação de capital e resolução de conflitosabertos, até uma “não decisão”, que opera no nível “negativo” daexclusão dos temas que não interessam à estrutura capitalista (comoa propriedade privada, ou a reforma agrária), selecionando os que

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Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

entram ou não na agenda através de mecanismos que filtramideologicamente os temas e os problemas.

Nos momentos da implementação e da avaliação,outros mecanismos de controle político seestabelecem tendo por cenário os dois primeirosníveis e, com âmbito maior e mais complexo dedeterminação, o terceiro.

Através do trânsito entre estes três níveis, depois de váriasreiterações, é possível conhecermos o comportamento da“comunidade política” existente numa área qualquer de políticapública, e desta maneira chegarmos a identificar as característicasmais essenciais de uma política. Este processo envolve examinar aestrutura de relações de interesses políticos construídos pelos atoresenvolvidos; explicar a relação entre o primeiro nível superficial dasinstituições e o terceiro nível mais profundo da estrutura econômica.

Vimos que são três os níveis distintos da análise de uma política.

Você sabe descrever em que implica cada um destes níveis?

Podemos dizer que com a análise de uma política é possívelprimeiramente identificarmos as organizações (instituições públicas)com ela envolvidas e os atores que nestas se encontram em posiçãode maior evidência. Em seguida, e ainda no primeiro nível(institucional) de análise, identificarmos as relações institucionais(isto é, aquelas sancionadas pela legislação) que elas e seusrespectivos atores-chave mantêm entre si.

Passando a um segundo nível, a pesquisa ocorre sobre asrelações estabelecidas entre esses atores-chave que representam osgrupos de interesse existentes no interior de uma instituição e degrupos externos, situados em outras instituições públicas e emorganizações privadas. As relações de poder, coalizões de interesse,

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Planejamento Estratégico Governamental

formação de grupos de pressão, cooptação, subordinação etc. devemser cuidadosamente examinadas de maneira a explicar ofuncionamento da instituição e as características da política.A determinação de existência de padrões de atuação recorrente dedeterminados atores-chave e sua identificação com os de outrosatores, instituições, grupos econômicos, partidos políticos etc., demodo a conhecer os interesses dos atores, são o objetivo a serperseguido neste nível de análise.

Já no terceiro nível e último nível de análise, mediante umatentativa sistemática de comparar a situação observada com opadrão (estrutura de poder e das regras de sua formação)conformado pelo modo de produção capitalista – sua “infraestruturaeconômico-material” e sua “superestrutura ideológica” – é queocorre a explicação. Ou seja, é nesta etapa, em que através doestabelecimento de relações entre a situação específica que está sendoanalisada e o que tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado(ou periférico, no caso latino-americano), que podemos chegar aentender a essência, isto é, entender como as relações se estabelecementre as várias porções do Estado e destas com a sociedade.

Assim, podemos dizer que o percurso descrito é uma tentativasistemática de percorrer este “caminho de ida e volta” apoiando-nos sempre no “mapa” que este terceiro nível de análise proporciona.

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Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

O ENFOQUE DO PLANEJAMENTO

ESTRATÉGICO SITUACIONAL

Ao contrário do enfoque da análise de política, este enfoquenão será tratado aqui de modo detalhado, pois os capítulosque seguem, os quais apresentam as duas metodologiasintegrantes do arsenal do PEG, já o fazem. Vamos começar?

O Planejamento EstratégicoSituacional, método PES, surgiu emmeados da década de 1970 como resultadoda busca de uma ferramenta de suporte aomesmo tempo científica e política para otrabalho cotidiano de dirigentes públicos eoutros profissionais em situação degoverno. Seu criador foi o ex-ministro dePlanejamento chileno do governo Allende,Carlos Matus. Nas suas próprias palavras,o método PES nasceu de um longoprocesso de reflexão ocorrido no períodoem que ele ficou preso em função do golpemilitar, o qual levou à morte o presidenteAllende, em setembro de 1973. Essa reflexãoo levou a formular uma crí t ica aoplanejamento governamental tradicional epropor um método alternativo levando em conta o carátersituacional (situação do ator que planeja) e estratégico o qual deveria

Carlos Matus

Ministro do Governo Allende

(1973) e consultor do ILPES/

CEPAL, falecido em dezembro

de 1998, ministrou vários cur-

sos no Brasil nos anos noven-

ta (Escolas Sindicais, IPEA,

Ministérios, Governos Estaduais e Munici-

pais). Criou a Fundação Altadir com sede na

Venezuela para difundir o método e capacitar

dirigentes. Introduzido no Brasil a partir do

final dos anos oitenta, o PES foi disseminado

e adaptado amplamente nos locais onde foi

uti l izado, particularmente no setor público.

Fonte: <http://www.espacoacademico.com.br/

032/32ctoni.htm#_ftn2>.

Saiba mais

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Planejamento Estratégico Governamental

possuir o planejamento, em especial aquele necessário para lidarcom as particularidades do Estado latino-americano.

A leitura de qualquer um dos vários livros escritos por Matusrevela que essa crítica tem como pressupostos muitos dos conteúdosabordados pelo enfoque da Análise de Políticas. Aspecto ainda maispatente para os que tiveram a oportunidade de serem alunos doprofessor Matus.

Baseado em pressupostos muito semelhantes aos daAnálise de Política, o método PES é uma alternativaao planejamento tradicional.

De acordo com os pressupostos apresentados até aqui etambém pelo fato de ter sido concebido através do aprendizadoproporcionado por sucessivas experiências de planejamentogovernamental em países periféricos, o método PES foi escolhidocomo um dos fundamentos desta disciplina de PEG. O PlanejamentoEstratégico Governamental conta ainda com um repertório deinstrumentos e metodologias que adicionam à reflexão sobre Análisede Políticas preocupações mais realistas e próximas do contextolatino-americano. Para tanto, destacamos a seguir alguns pontos quea tornam apropriada para servir de fundamento à disciplina de PEG:

a crítica radical que faz ao planejamento tradicional“normativo” (não no sentido de prescritivo, mas simde voluntarista, escassamente apoiado em análisemetodologicamente coerente – e autoritário – baseadoem “acordos de gabinete” sem participação) e à suaprópria epistemologia, de caráter posit ivista ecomportamentalista;

o uso do termo estratégico, empregado na sua duplaconotação de movimento visando à solução de umasituação que se configura como um problema para oator que planeja e de movimento em que este atorenfrenta ou vai ser enfrentado por um adversário o

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qual também se move, inclusive em resposta às suasações. Aquelas ações que irão construir o cenárionormativo: aquele cujo conteúdo interessa ao ator queplaneja. Estratégico, ademais, por ter seu foco nosprojetos de longo prazo de maturação, mais do queem simples manobras táticas (de curto prazo);

a clara distinção que coloca entre o planejamentoestratégico corporativo ou empresarial, do quallamentavelmente se originam muitas das propostas quesão “contrabandeadas” para o terr i tóriogovernamental, e a proposta que faz de tratar osproblemas públicos, situados na interface Estado-Sociedade, de modo coerente com as demandas doconjunto desta sociedade e não com as de um grupoeconômica e politicamente favorecido; e

o esforço de construção de um método paracompreender o jogo social, a relação entre os homens,e atingir resultados relevantes apesar da incertezasempre presente, a partir de categorias como atorsocial, teoria da ação social, produção social econceitos como o de situação e o de momento.

O método PES se coloca, por sua vez, como uma“contraproposta epistemológica” ao planejamento de tipoeconomicista (que, por operar sobre variáveis quantitativas,frequentemente de natureza econômica, dá a enganosa impressãode exatidão e racionalidade) ao:

negar a possibilidade de um único diagnóstico darealidade, por enfatizar que os vários atores “explicam”ou fazem “recortes” interessados da realidade, a partirde suas situações particulares e sempre voltados paraa ação. Não é possível, nunca, um conhecimento“fechado”, uma verdade acabada sobre a realidade;

reconhecer que os atores em situação de governo nuncatêm o controle total dos recursos exigidos por seus

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86Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

projetos e, por isto, nunca há certeza de que suas açõesalcançarão os resultados esperados. Os recursosescassos não são só os econômicos, mas os de poder,de conhecimento e de capacidade de organização egestão, entre outros;

aceitar que a ação humana é intencional e nuncainteiramente previsível, como fazem supor oscomportamentalistas; e

aceitar que o jogo social é sempre de “final aberto”.

Nesta medida, apesar da incerteza, da incapacidade decontrolar os recursos, do abandono de qualquer posiçãodeterminística, há sempre espaço para a ação humana intencional,para se “fazer história”, para se “construir sujeitos” individuais ecoletivos e para se lutar contra a improvisação, construindo umcaminho possível que se aproxime do rumo desejado.

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87Módulo Básico

Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

ResumindoNesta segunda Unidade investigamos a contribuição

de dois enfoques relacionados à gestão pública. Um de aná-

lise do processo de elaboração de políticas públicas, a Aná-

lise de Políticas (a Policy Analysis); e outro conhecido na

América Latina como o “método PES do Carlos Matus”. Eles

constituem o fundamento daquilo que nesta disciplina de-

nominamos PEG.

Vimos ainda que o que acontece “dentro” do Estado –

a elaboração de políticas públicas – não ocupa um papel cen-

tral no espectro de preocupações da Ciência Política. E que a

Administração Pública tende a desprezar o conhecimento

que ela ceticamente proporciona sobre a interface Estado-

Sociedade. Por separar o mundo da politics e o da policy, a

Administração Pública pode reduzir o político (politics) a um

mero aspecto técnico-operacional, administrativo.

É a partir da contribuição desses dois enfoques, a Aná-

lise de Políticas e o Planejamento Estratégico Situacional,

que se delineou o conceito de PEG que se “suleou” (em vez

de norteou) a concepção desta disciplina.

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88Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Atividades de aprendizagem

Para verificar seu entendimento propomos algumasatividades de aprendizagem. Procure respondê-las e emcaso de dúvida não hesite em conversar com o seu tutor.

1. Quais as principais diferenças entre os enfoques da Ciência Políti-

ca, da Administração Pública e da Análise de Política?

2. Por que a Análise de Política e o Planejamento Estratégico

Situacional são considerados abordagens adequadas para a pro-

posta feita nesta disciplina para o tratamento do planejamento

estratégico? E por que essa proposta seria apropriada para os

gestores interessados na construção do “Estado Necessário”?

3. Qual a diferença entre Planejamento Estratégico Situacional e o

Planejamento tradicional? Aponte as características principais de

cada um.

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89Módulo Básico

Unidade 2 – O Planejamento Estratégico Governamental como Convergência e Enfoque

UNIDADE 3

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade, você deverá ser capaz de: Compreender como se pode gerar coletivamente um mapa

cognitivo relativo a uma situação-problema, e como construir oseu fluxograma explicativo;

Captar os condicionantes da ação de governo a partir de conceitoscomo projeto de governo, governabilidade, capacidade degoverno, tempo e oportunidade; e

Aplicar a Metodologia de Diagnóstico de Situações e saberrelacioná-la com o processo de transição do “Estado Herdado”para o “Estado Necessário”.

METODOLOGIA DE

DIAGNÓSTICO DE SITUAÇÕES

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90Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

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91Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

INTRODUÇÃO

Esta Unidade trata de uma metodologia que tem comoobjetivo dar um passo importante para lograr a aproximação aonosso propósito de subsidiar a transição do “Estado Herdado” parao “Estado Necessário”. Como já vimos, na Unidade 1, ascaracterísticas do Estado Herdado decorrem do fato de que nossaproposta a esse respeito é distinta daquela postada numa “cena dechegada” – uma configuração de Estado democrático(O’DONNELL, 2008) coerente com um cenário normativo a serconstruído pela via da observância das cidadanias que estão alémda cidadania política – que, por oposição, se diferencia da “cenainicial”. Tal proposta, por não explicitar a natureza da “trajetória”que as separa, coloca o “Estado Necessário” como uma espécie de“farol” situado num cenário futuro. Ele seria o responsável paraguiar a transição.

Acreditamos que para materializar a intenção de gerar umaconfiguração de Estado com atributos previamente especificados(consolidar as cidadanias que estão além da cidadania política),devido à escassa possibilidade que temos de detalhar a cena dechegada, às incertezas associadas ao processo e à necessidade deque o processo esteja sempre submetido à vontade de coletivosparticipativos com alto poder de decisão, é necessário outro tipode abordagem metodológica. Usando a analogia náutica, podemosdizer que uma “bússola”, a qual não se encontra disponível, possuibaixa probabilidade de alcançar um resultado coerente com osvalores e interesses do conjunto de atores que, por sua vez, são osmais envolvidos com esse processo.

vEste texto é resultado de

uma revisão, ampliação

e adaptação do capítulo

sobre a Metodologia de

Diagnóstico de

Situações, de Dagnino e

outros (2002).

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92Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Com certeza você sabe o que é uma bússola, mas para que ela

serve? Qual sua relação com nossa disciplina?

A bússola é um instrumento que nos permite navegar mesmoquando as condições de visibilidade não nos possibilitem enxergaro farol. Especialmente quando:

ao estarmos numa embarcação à vela, é inconvenientemanter um rumo fixo;

é necessário aproveitar uma lufada de vento forte quenos permite avançar mais rápido, mesmo sabendo quetemos que bordejar depois para recuperar a direçãoem que estávamos; afinal velejar é aproveitar a forçado vento e da maré;

percebemos que não é conveniente tentar manter o rumopara chegar a um ponto rigidamente predeterminado(farol); e

o mais importante, naquela conjuntura, é chegar logoà costa, ainda que num ponto distinto do que se haviaprogramado, de maneira segura e aproveitando ascondições que se apresentarem.

A bússola é o que nos permitirá, inclusive, saber oquanto nos estamos afastando daquele ponto e quaisos inconvenientes que isto nos poderá causar.

Gerar um produto adequado num cenário postulado comodesejável ( farol), mas numa si tuação em que o contextosocioeconômico e político é cambiante, assim como são osinteresses e projetos políticos dos atores que se quer favorecer,sobretudo quando é difícil visualizar sua provável evolução, não é

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93Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

o mais sensato. O que não quer dizer, é claro, que devamos deixaro barco à deriva.

Nossa bússola é, justamente, a metodologia queapresentamos nesta Unidade. Ela é mais eficaz do que qualquer“farol” que a priori possamos divisar, pois trabalha com situações-problema que derivam do ambiente socioeconômico e político emque estamos “velejando” e que também são definidas no âmbitodos atores que nos interessa promover e, sendo assim, trazemembutidos seus valores e interesses.

Ela começa com a construção de um mapa cognitivo de umadeterminada situação-problema. Este mapa pode ser considerado,para todos os efeitos, como um modelo descritivo de uma realidadecomplexa sobre a qual, num momento normativo posterior, com oemprego da Metodologia de Planejamento de Situações (MPS),elaborar-se-ão estratégias especificamente voltadas a alterar aconfiguração atual descrita.

A Metodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) buscaviabilizar uma primeira aproximação aos conceitos adotados parao PEG e ao conjunto de procedimentos necessários para iniciarum processo dessa natureza numa instituição pública, de governo.Do ponto de vista mais formal e enfatizando seu caráter pedagógicomais do que o de ferramenta de trabalho que ela possui, a MDSpode ser considerada como uma variação da metodologia do estudode caso ou do “método do caso”, amplamente utilizada desde oinício do século XX nas Escolas de Direito e de Administração(pública e de empresas) em todo o mundo. Sem pretender compararesse método de ensino com a MDS, mesmo porque esta possui umcaráter que almeja transcender em muito esta condição, ou criticara forma como foi concebido ou tem sido utilizado, cabe enfatizarque os esforços iniciais para a sua concepção e utilização, realizadospor Carlos Matus, se dão em ambientes de governo para resolverproblemas concretos e não para a “construção” ou idealização decasos úteis para o ensino de Administração.

Buscando um maior aproveitamento e entendimentodividimos esta Unidade 3 em quatro partes distintas. São elas:

v

Kliksberg (1992), Costa e

Barroso (1992) e Aragão

e Sango (2003), entre

outros, sistematizaram

algumas dessas críticas

de modo bastante

acertado e que se

mostraram úteis para a

concepção das melhorias

que fomos ao longo do

tempo introduzindo na

MDS.

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Planejamento Estratégico Governamental

primeira, que engloba as duas primeiras seções, nasquais apresentaremos conceitos como Ator Social eJogo Social, como também as diretrizes para a açãoestratégica;

segunda, em que apresentaremos uma visão sobre oscondicionantes da ação de governo a partir de algunsconceitos como: projeto de governo, governabilidade,capacidade para governar, tempo e oportunidade.Daremos destaque ao Triângulo de Governo comoferramenta para a análise de Governabilidade;

terceira, momento em que mostraremos a maneiracomo se dá o tratamento de problemas no âmbito dametodologia. Apresentaremos o conceito de problema(em tudo análogo ao de situação-problema) eexemplificaremos os procedimentos adotados para suaidentificação e formulação adequada; e

quarta, e última, na qual traremos os procedimentospara a construção do fluxograma explicativo dasituação, deixando evidente a relação que essametodologia possui com a Metodologia de MapasCognitivos e com os trabalhos sobre PlanejamentoEstratégico Situacional, desenvolvidos pelo ProfessorCarlos Matus. O diagnóstico de uma situação é a basepara a definição das ações em um plano estratégico,assunto desenvolvido na Unidade que segue, referenteà Metodologia de Planejamento Situacional.

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95Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

UMA VISÃO PRELIMINAR DO

RESULTADO

Uma visão preliminar do resultado da aplicação da MDSpode ser obtida através de um exemplo bem simples, ainda quesofrido pelos Palmeirenses, o qual mostra os problemas identificadospor um ator – o time do Palmeiras – no âmbito de uma situação-problema, a sua derrota frente ao Corinthians.

Frente à derrota, o presidente do Palmeiras reuniu osjogadores para entender por que o time foi derrotado e buscarsoluções. Iniciou a reunião perguntando a cada jogador qual foi acausa da derrota, e pediu que cada um escrevesse numa ficha estacausa. Pediu também que os jogadores respondessem usando umaficha para cada problema com uma frase objetiva, curta, direta,com poucas palavras, ressaltando que não colocassem mais de umproblema na mesma folha; se quisessem indicar mais de umproblema, deveriam usar outra ficha. E, ainda, de preferência, quea frase não começasse com “falta...”, pois, se fosse assim, oenunciado do problema já estaria dizendo a sua solução –providenciar o que está faltando –, e isso deveria ser evitado paraque se pudesse ter uma visão mais adequada da situação-problemacomo um todo. Finalmente, pediu que evitassem o ruído do tipo 1:eu falo x e o outro entende y e, também, o do tipo 2: eu acho quefalei m mas, na realidade, falei n. Vejamos, de acordo com a Figura1, o que eles conseguiram:

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Planejamento Estratégico Governamental

Figura 1: Situação-problemaFonte: Elaborada pelo autor

Em seguida, eles tentaram ordenar os problemas identificadoscolocando as causas mais determinantes à esquerda. Observe oresultado na Figura 2:

Figura 2: Ordenamento dos problemas identificadosFonte: Elaborada pelo autor

Depois, eles organizaram os problemas classificando ascausas segundo a capacidade que tinham de agir sobre elas(governabilidade), para tentar entender quais eram as “relações decausalidade” que existiam entre si, e chegaram ao que naterminologia da MDS conhecemos por fluxograma explicativo dasituação-problema, conforme exemplificado na Figura 3. Ou o que,de forma mais genérica, conhecemos por um mapa cognitivo de

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97Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

como os jogadores do Palmeiras explicam a sua derrota, ou ainda,utilizando o jargão da Análise de Sistemas, um modelo de sistemacomplexo (a derrota).

Figura 3: Fluxograma explicativo para a situação-problemaFonte: Elaborada pelo autor

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98Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

AGIR ESTRATÉGICO

Apresentada essa visão preliminar do resultado da aplicaçãoda MDS, podemos iniciar o detalhamento dos conceitos e relaçõesque ela compreende.

O foco da ação estratégica é tornar possível, no futuro, oque hoje parece impossível ou improvável, e manter atenção sobreo que é mais importante fazer para atingir os objetivos traçados.Nossa concepção de planejamento implica, portanto, enfrentarproblemas planejando para construir viabilidade.

PRESSUPOSTOS PARA UMA AÇÃO ESTRATÉGICA EM

AMBIENTE GOVERNAMENTAL

Para uma mesma situação-problema podemos construirdiferentes explicações ou diagnósticos válidos. Cada ator social tema sua visão da realidade, dos resultados que deve e pode alcançare da ação que deve empreender. No entanto, é preciso avançar napercepção sobre o conceito de Diagnóstico, incorporando a ideiamais apurada de análise de situações e compreender que énecessário saber interagir com outros atores para ganhar suacolaboração ou vencer suas resistências.

Partimos da hipótese realista e minimalista de que o atorque planeja está inserido no objeto planejado e não tem controlesobre o contexto socioeconômico e político no qual vai agir. O PEGsupõe que o ator que planeja, atua em um ambiente marcado porincerteza, em que surpresas podem ocorrer a todo o momento e

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99Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

que a possibilidade do insucesso está sempre presente e deve serincorporada no cálculo político.

O CONCEITO DE ATOR SOCIAL

Ator social é uma pessoa, grupo ou organização que participade algum “jogo social”, que possui um projeto político, controlaalgum recurso relevante, tem, acumula (ou desacomoda) forças noseu decorrer e possui, portanto, capacidade de produzir fatoscapazes de viabilizar seu projeto (MATUS, 1996).

Todo ator social (com projeto e capacidade de produzir fatosno jogo) é capaz de fazer pressão para alcançar seus objetivos,podendo acumular força, gerando e mudando estratégias paraconverter-se num centro criativo de acumulação de poder.

O diagnóstico inicial de problemas que conformam umasituação-problema a ser enfrentada por um ator pode ser visto comoo resultado do jogo realizado por um conjunto de atores nummomento pretérito.

CARACTERÍSTICAS DO JOGO SOCIAL

É possível caracterizar o agir social como um jogo que podeser de natureza cooperativa ou conflitiva. Num jogo social, diferentesjogadores têm perspectivas que podem ser comuns ou divergentese controlam recursos que estão distribuídos entre os jogadoressegundo suas histórias de acumulação de forças em jogosanteriores. Um conjunto de jogos sociais conforma um contextoque pode ser entendido como um sistema social. Mas, diferentementede jogos esportivos, por exemplo, no jogo social, ou no jogo políticoque tipicamente ocorre nas atividades de PEG, as regras do jogopodem alterar-se em função de jogadas e de acumulações dosjogadores.

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100Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

OS MOMENTOS DA GESTÃO ESTRATÉGICA

A Gestão estratégica pode ser entendida como umacomposição de quatro momentos principais.

O que você entende por momentos?

Segundo Matus (1996, p. 577), momento é uma instânciarepetitiva, pela qual passa um processo encadeado e contínuo, quenão tem princípio nem fim. O conceito não tem uma característicameramente cronológica e indica instância, ocasião, circunstânciaou conjuntura, pela qual passa um processo contínuo ou em cadeia,sem começo nem fim bem definidos. Observe a Figura 4:

Figura 4: MomentosFonte: Elaborada pelo autor

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101Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

Adotamos aqui a nomenclatura “momento”, conformeproposta por Matus, como crítica à concepção de planejamentoconvencional como composto por um conjunto de etapas ou de fasesseparadas e estanques. Os momentos indicados no diagrama e asatividades que implicam podem ser caracterizados em:

Diagnóstico: explicar a realidade sobre a qual se queratuar e mudar; foi, é e tende a ser.

Formulação: expressar a situação futura desejada ouo plano; o que deve ser.

Estratégia: verificar a viabilidade do projeto formuladoe conceber a forma de executá-lo; é possível? comofazer?

Operação: agir sobre a realidade; fazer, implementar,monitorar, avaliar.

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102Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

vEste Projeto de Governo

foi posteriormente

transformado num

conjunto de planos,

dando origem à GEP.

A ANÁLISE DE GOVERNABILIDADE –O TRIÂNGULO DE GOVERNO

O conceito de Governabilidade pode ser entendido atravésde uma ferramenta simples e muito útil para a análise de viabilidadepolítica de projetos e de ações de governo: o Triângulo de Governo.Esse modelo é formado por três variáveis interdependentes e cadauma dessas variáveis se encontra em um dos vértices do Triângulo.Correndo o risco da simplicidade excessiva, podemos dizer queGovernar é controlar de forma adequada essas três variáveis.O Triângulo de Governo que expressa o balanço entre elas podeser esquematicamente concebido como a área da figura.

Um grupo político que pretende governar formula um Projetode Governo, que pode ser entendido como o conjunto dos objetivosque ele possui e que expressam os desejos da parte da populaçãoque o elegeu, conferindo assim, Apoio Político ao governo eleito.É intuitiva a ideia de que o Apoio Político, em qualquer mandatode um governo eleito, começa alto e tende a diminuir. Assim comoa de que um Projeto de Governo que não pretende mudar a situaçãopreviamente existente – um projeto meramente “administrativo” –não irá requerer uma alta governabilidade, pois não existirão muitosobstáculos à sua ação. Ao contrário, um Projeto de Governo“transformador”, que expressa uma grande ambição do ator socialde mudar a si tuação previamente existente, exigirá altagovernabilidade. Então, o grau de Governabilidade que um atorsocial precisa para governar é inversamente proporcional ao Projetode Governo, entendido este como a ambição de mudar a situaçãopreviamente existente. Veja na Figura 5:

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103Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

Figura 5: Balanço de governabilidadeFonte: Elaborada pelo autor

O sistema em que está inserido o Projeto de Governo não épassivo. As resistências e os apoios indicam uma relação de forçasque expressam a maior ou a menor sustentação política do que oator social que governa possui para implementar seu projeto político.Esse “Apoio Político” que a sociedade confere ao governante e aoseu Plano de Governo pode ser entendido também como a força(que o ator possui) para “fazer acontecer”, e está representado novértice esquerdo do Triângulo. É também intuitiva a ideia de que aGovernabilidade é diretamente proporcional ao Apoio Político comque conta o ator social.

A equipe dirigente deve analisar, para cada projeto ouproposta de governo, qual é o efetivo apoio / rejeição / desinteressede atores políticos. No caso de um governo municipal, eles serão oPrefeito, secretariado, movimentos sociais e sindicais, apoiopartidário, opinião pública, legislativo, meios de comunicação,formadores de opinião etc.

O controle dos aspectos que integram o sistema depende dacapacidade que o dirigente possui para implementar seu projeto,

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Planejamento Estratégico Governamental

construindo resultados, mudando a realidade e ampliando, assim,sua Governabilidade.

Mas a análise deve informar, também, para cada projeto ouproposta de governo, qual é a capacidade de governar da equipedirigente, sua experiência de gestão, seus métodos de trabalho, suaorganização interna, suas habilidades pessoais, seu controle demeios para empreender o projeto, e seu controle de recursos (tempo,conhecimento, financeiros, pessoal capacitado, capacidade paraformar opinião, para gerenciar ou para coordenar processos detrabalho, para gerar legislação ou regulamentações, comunicação,mobilização de apoio).

A Capacidade de Governo (ou governança) é o recursocognitivo (saber governar) com o qual conta a equipede governo e deriva desse conjunto de fatores.

Essa capacidade de análise de viabilidade é essencial paraa Governabilidade, que é diretamente proporcional à Capacidadede Governo. Ela é uma avaliação sistemática sobre a força (ouApoio Político) necessária para implementar ações de governo e aCapacidade de Governo. A Governabilidade depende, a cadamomento, e para um dado projeto, das situações específicasproporcionadas pela ação sob análise. Dois fatores importantes queafetam a Governabilidade são o tempo, entendido como o recursomais escasso do governante, e a oportunidade política paraempreender uma dada ação de governo.

Em termos mais formais, podemos escrever que g = f (a, c, 1/p).

Onde:

g – Governabilidade;

a – Apoio Político;

c – Capacidade de Governo; e

p – Ambição do Projeto de Governo.

vRepresentada na Figura 5

pela vértice direita do

triângulo.

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105Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

Para deixar o conceito de Governabilidade ainda mais claro,

vamos analisar dois casos tendo como referência gráficos em

que o Apoio Político e a Capacidade de Governo estão

indicados no eixo vertical e o tempo de governo no eixo

horizontal. Vamos lá?

A curva da Capacidade de Governo se inicia baixa enegativa, indicando que a equipe do governo eleito, em geral, nãosabe governar. E só o faz, de fato, quando ela atravessa o eixohorizontal. A curva do Apoio Político se inicia positiva e alta,indicando que a equipe do governo eleito conta sempre, no início,com muita aprovação da população.

No primeiro caso, se a equipe dirigente não possui suficienteCapacidade de Governo, ela demorará para começar a governarde fato. E por isso, o Apoio Político, que em geral tende a diminuir,se verá reduzido pela incapacidade da equipe de satisfazer aointeresse da população. Nesta situação, o governo terminará de fatoantes do encerramento previsto. Ou então, para manter aGovernabilidade, a equipe terá de reduzir o seu Projeto de Governo,isto é, a ambição de mudar a situação previamente existente. Eleterá de ser sacrificado de modo a obter apoio político das forçasconservadoras. Veja na Figura 6:

Figura 6: Apoio político reduzidoFonte: Elaborada pelo autor

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Planejamento Estratégico Governamental

No segundo caso, a equipe dirigente consegue adquirirCapacidade de Governo mais rapidamente e, em consequência, operíodo efetivo de governo começa mais cedo e seu projeto poderáser mantido até o fim. Isso significa que o governante não irá serobrigado a diminuir sua expectativa de mudar a realidade. Essaequipe, por começar a governar com uma capacidade de governomaior, pode fazer com que o apoio político aumente em vez dereduzir, contribuindo para que seja promotora do perfil de suasucessora a qual terá a mesma linha política de projeto bem-sucedido e que tenha o apoio da população. A equipe, por sabergovernar, faz com que o resultado que alcança promova umaampliação do mandato previsto. Todavia, para que isso ocorra énecessária a capacidade de governo. Quem não der a devidaatenção à capacidade de governo (que é um dos recursos maisimportantes para se governar), não conseguirá governar. Poderáaté pensar que está governando, ou mesmo governar durante certotempo, porém a partir de um dado momento não irá mais fazê-lo.

Antes das eleições, a população pode votar num candidato

porque acha que ele sabe governar, por ele falar bem, ser

simpático, defender uma parte importante da população etc.

Contudo, o apoio político inicialmente não depende da

capacidade de governo. Você concorda?

Todavia, no momento posterior, depois se assumir o mandato,o apoio político não será um mero reflexo da plataforma políticaou da simpatia da população pelas ideias da equipe que governa.Depois que o governo está em execução, a simpatia não é tãoimportante como era quando da eleição. A partir desse momento, oapoio político se torna proporcional à capacidade de governo.E, neste segundo caso, como se pode ver no gráfico, a partir de umdeterminado momento, a curva de apoio político começa a subir.Para manter a Governabilidade, a equipe não precisará sacrificaro Projeto de Governo (ambição de mudar a situação existente). Ele

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Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

poderá ser mantido até o fim e o governo acabará depois do términoprevisto. Ou seja, a equipe poderá fazer a sua sucessora. Observea Figura 7.

Figura 7: Apoio político proporcional à capacidade de governoFonte: Elaborada pelo autor

Dessas evidências surge o argumento de que o tempo que aequipe de governo demora a adquirir capacidade de governo é umavariável crítica. Tempo este que, na realidade, não pode serconsiderado como um tempo de governo. Enquanto a equipe estáadquirindo capacidade de governo, enquanto a curva não ultrapassaa linha horizontal mostrada no gráfico, alguém, que não ela, estáde fato governando. É um tempo durante o qual a tendência é deperda de apoio político.

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108Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

A SITUAÇÃO-PROBLEMA COMO OBJETO

DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

GOVERNAMENTAL

Introduzido o conceito de Governabilidade, podemosaprofundar o entendimento do conceito de situação-problema e opapel que ela desempenha no PEG. Esta seção parte da ideia deque qualquer situação pode ser entendida pelo ator com elaenvolvido como o resultado, o “placar” de um jogo, e que estasituação pode ser por ele encarada como um problema a resolver.Ou seja, o êxito em um jogo será a solução de um problema ou amudança do placar.

Situação, problema e situação-problema são, paratodos os efeitos, sinônimos.

Podemos entender a realidade social como um grande jogointegrado por muitos jogos parciais e que possuem suas própriasregras, em que atores se veem envolvidos ou procuram se envolver.Em todos os jogos há alguns jogadores e alguns espectadores:nenhum ator social participa de todos os jogos. O governante, oator que planeja ou o encarregado da gestão de uma situação podemser vistos como jogadores que, com suas ações, produzemacumulações procurando alterar o resultado do jogo. É com basenessas acumulações que eles podem ampliar, ou reduzir, suacapacidade de produzir novas jogadas e alterar a situação inicial.

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109Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

Este é o mecanismo básico através do qual se acumula ou sedesacumula poder e se produz, ou não, mudanças significativassobre uma dada situação-problema.

Observar a ação de governo, que gera acúmulos de poder eresultados socialmente valorizados, é uma atividade-chave do PEG.Essa observação exige:

identificação dos jogos e dos problemas em que o atorque planeja está envolvido;

determinação de sua relação com outros problemas ejogadores;

identificação de suas manifestações sobre a realidadeou das evidências que permitam verificar se oproblema está se agravando ou sendo solucionado pelaação de governo; e

diferenciação entre as causas e as consequências dosvários jogos parciais.

CONCEITO DE PROBLEMA (OU SITUAÇÃO-PROBLEMA)

O elemento central do momento de Diagnóstico, mostradono esquema que segue, é a produção de um quadro que identifiquee relacione entre si os problemas mais relevantes associados a umadada situação (instituição etc.) em um determinado momento. Porexemplo, de um problema, ou de uma situação-problema, podemosdestacar o resultado de um jogo. O problema pode ser:

Estruturado: quando é possível enumerar todas asvariáveis que o compõem; precisar todas as relaçõesentre as variáveis, fazer com que todos os jogadoresreconheçam como tal a solução proposta.

Quase estruturado: quando se podem enumerarapenas algumas das variáveis que o compõem, precisar

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Planejamento Estratégico Governamental

apenas algumas das relações entre as variáveis,entender suas soluções como, necessariamente,situacionais, isto é, aceitáveis para um ator e vistascom restrições por outros.

Os problemas produzidos pelos jogos sociais e por inclusãoos que são alvo do PEG são quase estruturados. Um problema quaseestruturado pode conter, como elementos parciais, problemasestruturados, isto é, os problemas estruturados não existem narealidade social, salvo como aspectos ou como partes de problemasquase estruturados.

TIPOS DE PROBLEMAS

No jogo social são produzidos três tipos de problema.Adotando como referencial o tempo, o significado e a natureza doseu resultado para um determinado ator, o problema pode ser:

uma ameaça, isto é, um perigo potencial de perderalgo conquistado ou agravar uma situação;

uma oportunidade, ou seja, a possibilidade de que ojogo social abra e sobre a qual o ator pode agir paraaproveitá-la com eficácia ou desperdiçá-la; ou

um obstáculo, isto é, uma deficiência passível de seratacada através da adequada observação equalificação do jogo em curso.

Podemos também classificar os problemas quanto:

ao tempo fazendo referência se estes são atuais oupotenciais;

à governabilidade no que se refere ao controle, podendoser total, baixo e fora de controle;

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Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

à abrangência fazendo menção se este é no âmbitonacional, local, específico, estadual ou municipal; e

à estruturação, já que os problemas podem serestruturados ou quase estruturados.

O enfrentamento de problemas já criados ou presentes é umato reativo. O enfrentamento das ameaças e das oportunidades éum ato propositivo. A ação de caráter propositivo é um objetivo aser perseguido permanentemente pelo ator que busca melhoresresultados e mais possibilidades de êxito. Tais possibilidades, noentanto, não estão usualmente sob controle dos dirigentes públicos.

Ao assumir a frente de uma organização ou instância degoverno, a escala e a gravidade dos problemas já detectados exigemsoluções imediatas que costumam ser tão abrangentes, que a açãodo governante tende a ser de caráter reativo. Simultaneamente,entretanto, é necessário vis lumbrar as novas ameaças eoportunidades, procurando evitar o agravamento da situação (açãode caráter propositivo).

CONFORMAÇÃO DE UM PROBLEMA

Um problema só existe quando uma situação adversa setorna foco de interesse de um ator social. Isto ocorre devido aomal-estar claramente percebido que produz o resultado de algumjogo em que ele está envolvido. Ou, em menor medida, àidentificação de que o jogo contém oportunidades cujo resultadopode beneficiá-lo. Antes que isso ocorra, o resultado deste jogo é,para o ator, um mal-estar impreciso ou uma mera necessidade semdemanda política. O diagnóstico da situação supõe:

listar os problemas declarados pelos diversos atoressociais relevantes;

avaliar os problemas segundo a perspectiva desses atores;

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Planejamento Estratégico Governamental

situar os problemas no tempo e no espaço;

verificar se existe complementaridade ou contradiçãoentre os problemas declarados;

identificar fatos que evidenciam e precisam a existênciade problemas;

levantar suas causas e consequências; e

selecionar as causas críticas que podem ser objeto deintervenção.

COMO FORMULAR UM PROBLEMA?

A formulação correta de um problema é condição essencialpara seu equacionamento. Um problema mal formulado pode levara uma visão distorcida da situação e à tomada de decisõesequivocadas, que podem debilitar o ator.

Um problema pode ser uma situação ou um estado negativo,uma má utilização de recursos, uma ameaça ou uma intenção denão perder uma oportunidade.

É necessário identificar e precisar problemas atuais ourealmente potenciais, e evitar exercícios de futurologia e deimaginação dispersiva; um problema não é a “ausência de umasolução”. Exemplos de como formular os problemas imersos numasituação podem ser observados a partir da Figura 8:

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Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

Figura 8: Problemas imersosFonte: Elaborada pelo autor

É conveniente evitar a indicação de temas gerais comoproblemas. Exemplo: saúde, transporte etc. É também convenienteevitar listar objetivos, como atingir 50% de imunização, concluir aestrada entre A e B.

PERGUNTAS PARA VERIFICAR SE A SELEÇÃO DE

PROBLEMAS É APROPRIADA

Partimos do princípio de que a ação de um governo podeser pior, mas nunca superior à seleção de problemas efetuada pelodirigente e sua equipe. Os critérios de seleção enunciados não devemser aplicados problema por problema, mas, sim, na avaliação doconjunto de problemas selecionados.

Convém verificarmos a seleção do conjunto de problemas,respondendo às seguintes perguntas:

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Planejamento Estratégico Governamental

Qual é o valor político dos problemas selecionadosversus o valor dos problemas postergados?

Há concentração ou dispersão de esforços paraenfrentá-los?

Qual é a proporção de problemas que exigemcontinuidade frente aos que exigem inovação?

Qual é a proporção de problemas cujos resultados irãoamadurecer dentro do período de gestão ou mandato?

Qual é o balanço entre os recursos necessários para oenfrentamento dos problemas selecionados em relaçãoaos recursos disponíveis?

Algum dos problemas selecionados pode dissolver-senum problema maior que o compreende?

A DESCRIÇÃO DE UM PROBLEMA

Um problema deve ser descrito por intermédio de fatosverificáveis através dos quais ele se manifesta como tal em relaçãoao ator que o declara. Esses fatos devem ter sua existênciaamplamente aceita para que possam ser validados.

A descrição de um problema é relativa ao ator que o declara:o resultado de um jogo pode ser um problema para um ator, umaameaça para um segundo, um êxito para um terceiro e umaoportunidade para um quarto.

A descrição de um problema deve precisar seu significado etorná-lo verificável mediante os fatos que o evidenciam. Para tantoela precisa:

reunir suas distintas interpretações possíveis em umsó significado;

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Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

precisar o que deve ser explicado: definir seu significadoem termos de quantidade e de qualidade, de tempo ede localização;

evidenciar o problema de uma forma monitorável, istoé, que permita o acompanhamento de sua evolução; e

permitir que sejam previstas ou definidas fontes deverificação para a descrição construída.

Para você entender melhor a descrição de Problemas,

elaboramos o Quadro 1 para lhe auxiliar.

Quadro 1: Descrição de problemasFonte: Elaborado pelo autor

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Planejamento Estratégico Governamental

A EXPLICAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA

O conceito de diagnóstico aqui adotado está referido à formacomo os atores participantes de um jogo social observam e, portanto,explicam a realidade em que estão inseridos. Toda explicaçãopressupõe reflexão. É ela que permite ao ator perceber possibilidadespara transformar ou para manter uma dada situação.

Para explicar um problema, é necessário fazer uma distinçãoentre:

causas (o problema se deve a);

descrição (o problema se verifica através de); e

consequências (o problema produz um impacto em).

As causas imediatas da decisão de um jogo são as jogadas(fluxos ou movimentos). Para produzir jogadas, é necessário tercapacidade de “produção” (acumulações ou potenciais que osjogadores possuem ou utilizam). Mas as jogadas válidas são aquelaspermitidas pelas regras estabelecidas para cada jogo.

Assim, podemos afirmar que explicar uma situação ou umproblema consiste em construirmos um modelo explicativo de suageração e de suas tendências. Logo, é necessário precisar as causasdiferenciando-as e indicando se são fluxos (jogadas), acumulações(capacidades ou incapacidades) ou regras.

A DIVERSIDADE DAS EXPLICAÇÕES SITUACIONAIS

Uma mesma realidade pode dar margem a diversasexplicações. A carga de subjetividade que anima o diagnóstico desituações implica em distintas:

respostas para uma mesma pergunta;

vO modelo explicativo se

completa quando as

causas são inter-

relacionadas.

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Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

perguntas sobre uma mesma situação (as perguntasrelevantes são distintas para os distintos jogadores); e

seleção do foco de atenção sobre a realidade.

Logo, para explicarmos uma realidade precisamos distinguirsuas explicações. Para explicar uma situação que me afeta, precisocompreender a explicação do outro, incluindo o que ele pensa sobreminha explicação. Quanto maior for a nossa capacidade deentender a explicação do outro, maior será a probabilidade de êxitode nossas jogadas, além de ser mais potente nossa ação.

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O FLUXOGRAMA EXPLICATIVO

DA SITUAÇÃO

A visualização gráfica do resultado da aplicação daMetodologia de Diagnóstico de Situações é a mesma proposta porMatus (1993) para o seu fluxograma explicativo situacional.

O fluxograma é um mapa cognitivo que busca sintetizar adiscussão realizada por uma equipe sobre uma determinadasituação-problema. A sua estruturação é baseada noestabelecimento de relações de causa e de efeito entre as variáveisque a conformam.

Mas, qual o objetivo de um fluxograma? Você sabe defini-lo?

Considere, por exemplo, um fluxograma situacional como oapresentado no início desta Unidade, referente à derrota doPalmeiras. Este modelo específico permitiu-nos uma rápidainteração entre a equipe que realiza o trabalho de análise deproblemas e o tomador de decisões que a solicitou. Ele mostra,num golpe de vista, as características da situação-problema.

A elaboração, por uma equipe, de um modelo explicativo doproblema que vá além de um mero mapa cognitivo, faz com que elaconstrua uma síntese rigorosa, seletiva e precisa, com base em nósexplicativos concisos e monitoráveis. O que facilita a permanenteadaptação da explicação à mudança da situação, facilita tambéma compreensão, restringindo a possibilidade de ambiguidades devidoao uso de uma simbologia simples e uniforme.

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Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

SELEÇÃO DE NÓS CRÍTICOS

O PEG exige o compromisso de atuar sobre problemas esituações como algo preciso e operacional. De outra maneira, areflexão como suporte à tomada de decisões não leva à ação efetivanem se revela prática.

Você pode estar se perguntando: como elaborar um fluxograma

claro e conciso?

Um fluxograma bem elaborado deve pelo menos atender àsseguintes perguntas:

Como e onde atuar para mudar a descrição de umproblema?

A mudança provocada será suficiente para alcançaros objetivos perseguidos?

Os “nós explicativos” de um fluxograma (encadeamento decausas ou cadeias causais da situação-problema) sobre os quaispodemos atuar com eficácia prática são denominados “NósCríticos”.

Critérios para Seleção de Nós Críticos

Agora que sabemos o que são “Nós Críticos”, vamos verque estes têm algumas condições a cumprir. São elas:

ser centros práticos de ação, isto é, o ator que declarao problema pode atuar prática, efetiva e diretamentesobre eles sem precisar atuar sobre suas causas;

ser nós explicativos que, se resolvidos ou “desatados”,terão alto impacto sobre o problema declarado; e

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Planejamento Estratégico Governamental

ser centros oportunos de ação política, ou seja, seuataque deve ser politicamente viável durante o períododefinido pelo ator como relevante e a ação possui umarelação custo-benefício favorável.

Para melhor precisar um Nó Crítico, devemos descrevê-lode forma a torná-lo monitorável e restringir a ambiguidade possívelnas interpretações a ele referidas. Com a seleção dos Nós Críticosde uma cadeia explicativa do problema (ou situação), o diagnósticoestá concluído.

Um último conceito importante da MDS é a árvore deproblemas. Esta é formada pelo conjunto de Nós Críticos e oresultado do problema, e indica onde o ator deve concentrar aatenção. Observe na Figura 9.

Figura 9: Problemas críticos selecionadosFonte: Elaborada pelo autor

No exemplo do jogo de futebol, a árvore de problemas seapresenta conforme a Figura 9. Para ver se você entendeu bem oconceito de Nó Crítico, observe que o nó “poucas jogadas comoportunidade de gol” não é crítico (e, portanto, não pertence à árvorede problemas). A ação de melhorar a pontaria poderia resolver oproblema – “treinar chutes a gol” – mas, como o time permaneceriadesmotivado e com má preparação, o resultado do jogo nãomudaria.

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121Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

Os Nós Críticos escolhidos indicam os centros onde se devedar a ação de gestão sobre a situação. A definição dessas ações érealizada através da aplicação da Metodologia de Planejamento deSituações.

Para você entender melhor o Fluxograma Explicativo

preparamos, veja a Figura 10, um exemplo real. Após analisar

este exemplo, busque verificar se a escolha dos Nós Críticos

(assinalados no fluxograma com NC) estão de acordo com a

sua opinião acerca da situação-problema diagnosticada.

vAbordaremos este tema

na Unidade seguinte.

Figura 10: Fluxograma explicativoFonte: Adaptada de Bento e Ferroz (2005)

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122Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

MÃOS À OBRA

Com base no exemplo do jogo de futebol apresentado naseção “Uma visão preliminar do resultado”, preparamos a seguirum roteiro composto de uma série de passos e observações a seremseguidos para aplicar a metodologia. Isso é feito tomando umexemplo concebido a partir de uma situação-problema bastantegeral, mas relacionada ao tema do curso.

Observando o fluxograma obtido, podemos constatar quehá, neste exemplo, somente duas cadeias causais. A primeira delasse bifurca e a segunda se une com a primeira no final do fluxograma,quando elas convergem para o problema a fim de explicá-lo.

Se propuséssemos a um grupo uma situação-problema parapraticar a aplicação da MDS, perguntaríamos:

Você considera que a Gestão Pública brasileira estáperdendo algum “jogo”?; ou

Você acha que a relação Estado-Sociedade estáperdendo algum “jogo”?

E, em seguida, solicitaríamos a cada um dos alunos do grupoque escrevesse, numa folha tamanho carta, com um pincel atômicoe com letras bem grandes (elas serão coladas na parede com fita-crepe à vista de todos), uma causa da derrota com uma afirmaçãode conteúdo negativo, alertando para as recomendações queseguem:

Para cada causa do problema: uma frase objetiva, direta;com poucas palavras; mas, completa (sujeito, verboetc.); que, de preferência, não comece com “falta ...”;

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123Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

não escreva o que você considera ser a causa anteriorou o resultado posterior, só o problema!; Se quiser,escreva em outra folha o que você considera ser acausa ou consequência daquela que já escreveu.

Cuidado com o ruído do tipo 1: eu falo x e o outroentende y. E do tipo 2: eu acho que falei m, mas, narealidade, falei n.

Depois de “colar” as frases (causas da situação-problema)na parede, lê-las e entendê-las, podemos solicitar que os alunos,em equipes de 4 ou 5, aplicando a metodologia, elaborem umfluxograma que explique a situação-problema. E que, utilizando umprograma apropriado para a confecção de mapas cognitivos, comoo Visio da Microsoft, apresentem o fluxograma na próxima seção.

Para elaborar o fluxograma, as equipes devem observar asseguintes recomendações:

formar nuvens de problemas (ou causas);

descartar causas apontadas em aula, mas que a equipeconsidere irrelevantes, e adicionar outras;

respeitar a ordem da esquerda para a direita;

colocar a causa que parece ser a última consequênciadas demais bem à direita;

ela é o problema a ser explicado!;

no topo da folha, indicar: o âmbito do problema (jogode futebol); o problema (derrota do time); e quem odeclara (o time derrotado);

tentar reduzir o tamanho das frases e colocá-las naordem direta;

mostrar claramente as cadeias causais (todas deverãocomeçar à esquerda);

as setas não poderão indicar dupla causalidade;

as setas não poderão apontar para a esquerda;

vAplicativo para

diagramas técnicos e

profissionais, com

imagens vetoriais, que

podem ser ampliadas e

manipuladas com

facilidade.

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Planejamento Estratégico Governamental

tentar ficar com menos de 20 causas;

lembrar que este é o momento descritivo-explicativo; e

as soluções para os problemas virão no momentonormativo ou prescritivo.

O resultado obtido será um mapa cognitivo coletivo comcaracterísticas especiais. Será um fluxograma, isto é, um modelode uma realidade complexa, a situação-problema. Pode-se entendero processo ou a operação de modelização realizada através daFigura 11:

Figura 11: Sistemas e modelosFonte: Elaborada pelo autor

No fluxograma, cada “caixinha” é uma variável do modeloque representa um aspecto importante da realidade ou sistemaobservado (situação-problema). Cada “setinha” indica uma relaçãode causalidade que se considera existir na realidade. Ela representauma “teoria” que se formula sobre a realidade.

O processo de modelização permite que a partir de umsistema (caracterizado por alta complexidade, infinitos aspectos erelações de causalidade desconhecidas) idealizemos um modelo(caracterizado pela simplicidade, número finito de variáveis e

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125Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

relações de causalidade imputadas) que nunca está a salvo de umconjunto de valores morais, interesses econômicos, crenças e visõesdominantes. Esse conjunto é o que permite explicar a realidadeatravés do modelo. É a “teoria” que se formula a respeito darealidade.

Visando a preparar a apresentação do fluxograma, éimportante alertarmos as equipes para observar algumasrecomendações. São elas:

usar letras de fonte 14 ou maior;

iniciar apresentando a cadeia causal superior;

ir até o ponto em que ela se “junta” com a segundaetc.;

ler, mas sem explicar o que está escrito;

o fluxograma deve ser autoexplicativo: se for necessárioexplicar é porque não está bem explicado; e

dar a noção do conjunto: se preocupe que sejaentendido o “bosque e não as árvores”.

Finalmente, para verificarmos se o fluxograma é plausível,uma vez que já salientamos que a perspectiva situacional nãoadmite os conceitos de certo ou errado, sugerimos as seguintesperguntas:

As variáveis (“caixinhas” do fluxograma) correspondema aspectos importantes da realidade?

As relações de causalidade (“setinhas” do fluxograma)associam, de fato, as variáveis?

O sentido delas corresponde à relação de causalidadeimputada?

Está claro e plausível o encadeamento lógico no interiorde cada cadeia causal?

E no fluxograma como um todo?

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126Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

ResumindoEsta Unidade avança nossa proposta de fornecer ele-

mentos para a transição do “Estado Herdado” para o “Estado

Necessário”. Diante deste propósito, vimos uma ferramen-

ta importante de trabalho – a Metodologia de Diagnóstico

de Situações. A MDS, a qual se baseia no fato (aliás, óbvio)

de que cada ator social, em função da sua visão de mundo,

dos resultados que quer e pode alcançar, formula um diag-

nóstico particular da realidade, da “sua” situação-problema.

Falamos ainda sobre a Governabilidade mostrando que

ela é proporcional – diretamente – à Capacidade de Gover-

no e ao Apoio Político e – inversamente – à ambição de mu-

dança do Projeto Político do governante.

Por fim, mostramos a importância, para o PEG, do flu-

xograma explicativo situacional de uma situação-problema,

baseada no estabelecimento de relações de causa e efeito

entre as variáveis que conformam o seu modelo.

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127Módulo Básico

Unidade 3 – Metodologia de Diagnóstico de Situações

Atividades de aprendizagem

Antes de prosseguir, vamos verificar se você entendeu tudoaté aqui! Para saber, procure, então, responder às atividadesa seguir. Caso tenha dúvidas, faça uma releitura cuidadosados conceitos ou resultados ainda não entendidos.

1. O que é um ator social e um jogo social? Dê exemplos.

2. Entre os três aspectos que influenciam a Governabilidade, qual é

o que esta disciplina procura apoiar?

3. Escolha (ou imagine) uma situação-problema que preocupa um

gestor e utilize a Metodologia de Diagnóstico de Situações para

elaborar o seu fluxograma explicativo.

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UNIDADE 4

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade, você deverá ser capaz de: Compreender os conceitos da Metodologia de Planejamento de

Situações; Entender sua relação com a Metodologia de Diagnóstico de

Situações; Diferenciar o momento descritivo (Metodologia de Diagnóstico

de Situações) do momento normativo (Metodologia dePlanejamento de Situações); e

Saber atuar no momento oportuno e com eficácia a partir daconcepção de ações que levem em conta as estratégias de outrosatores e eventuais mudanças de contexto.

METODOLOGIA DE PLANEJAMENTO

DE SITUAÇÕES

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Planejamento Estratégico Governamental

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131Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

INTRODUÇÃO

Esta Unidade sintetiza os elementos e conceitos daMetodologia de Planejamento de Situações (MPS) necessários paraapoiar o trabalho a ser desenvolvido pelos alunos. Retomando aanalogia náutica que traçamos na Unidade anterior, elacorresponderia às ações que o gestor (velejador) teria de tomar para,utilizando a informação proporcionada pela MDS (bússola) eaproveitando a governabilidade propiciada pelas condições docontexto político e socioeconômico (vento, maré etc.), engendrarsituações que permitam atingir seu objetivo (alcançar um ponto dacosta o mais próximo possível daquele que havia inicialmenteprogramado).

A MPS se baseia nos resultados alcançados com a aplicaçãoda MDS apresentada na Unidade anterior, em especial, nofluxograma explicativo da situação. É sobre esta base que o trabalhode análise e de planejamento de situações tem início. Reflexõessuscitadas em outras disciplinas são também essenciais, comotambém o são no caso da MDS, para colocar “carne” no processode aplicação da MPS. São elas que irão complementar e criarmelhores condições para a formulação de ações, a fixação derecursos a utilizar e de resultados a atingir.

Da mesma forma que a MDS se dedica a elucidar osmomentos descritivo e explicativo do tratamento de uma situação-problema, a MPS o faz em relação ao momento normativo.

vEste texto é resultado de

uma revisão, ampliação

e adaptação do capítulo

sobre a Metodologia de

Planejamento de

Situações, de Dagnino e

outros (2002).

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Planejamento Estratégico Governamental

UMA VISÃO PRELIMINAR DO RESULTADO

Figura 12: Nós Críticos e suas açõesFonte: Elaborada pelo autor

Em seguida, os jogadores definiram, para cada ação de cadaum dos três Nós Críticos, os atores envolvidos. Eles chegaram, então,aos resultados mostrados nas Figuras 13, 14 e 15, que são o pontode partida para o detalhamento das ações seguintes da MPS.

Você lembra do nosso exemplo sobre a derrota do Palmeirasfrente ao Corinthians, citado na Unidade anterior? Casovocê não lembre, faça uma releitura antes de darcontinuidade nesta seção.

Com base neste exemplo temos uma visão preliminar doresultado da aplicação da MPS. Observe que depois de teremselecionado os Nós Críticos e elaborado a árvore de problemas, osjogadores formularam, para cada Nó Crítico, ações para atacá-los.Eles chegaram à formulação apresentada na Figura 12.

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133Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

Figura 13: Atraso nos salários do PalmeirasFonte: Elaborada pelo autor

Figura 14: Palmeiras com má preparação físicaFonte: Elaborada pelo autor

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Planejamento Estratégico Governamental

Figura 15: Palmeiras pouco motivadoFonte: Elaborada pelo autor

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135Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

PLANEJAR POR SITUAÇÕES-PROBLEMA

Sabemos que o dirigente público necessita de capacitaçãopara jogar o jogo social e institucional. Mas, o que significa“jogar bem”?

Jogar bem depende de quatro capacidades (habilidades econhecimentos) para o tratamento de problemas em âmbito público:

explicar a situação-problema que afeta uma instituição;

formular propostas de ação para resolver problemassob incerteza;

conceber estratégias que levem em conta outros atorese eventuais mudanças de contexto; e

atuar no momento oportuno e com eficácia,recalculando e completando um Plano de Ação.

Explicar a situação em que uma instituição ou um ator estáou pretende estar envolvido foi o assunto tratado pela Metodologiade Diagnóstico de Situações. A Metodologia de Planejamento deSituações proporciona conceitos para os outros três pontos acimaindicados, a partir de uma estrutura lógica que centra a ação degoverno na resolução de problemas.

A decisão de buscar soluções para um problema identificadopermite:

administrar o problema em um espaço menor;

enfrentá-lo no espaço originalmente declarado; e

dissolvê-lo em um espaço maior.

v

Apresentada na Unidade

3. Se você tiver alguma

dúvida sobre este tema

busque fazer uma

releitura cuidadosa da

Unidade.

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Planejamento Estratégico Governamental

Para você entender melhor, preparamos um exemplorelacionado ao aumento do número de crimes cometidos poradolescentes. Veja o Quadro 2:

ESPAÇO

Administrar o problema numespaço menor.

Enfrentar o problema noespaço originalmente decla-rado.

Dissolver o problema numespaço maior.

PROBLEMA

Ação: Ação sobre os adolescentes infratores.Espaço: Punição a delitos.

Ação: Ampliação da cobertura da assistênciaa crianças e a adolescentes.Espaço: Prevenção dos delitos.

Ação: Reforma do Sistema Educacional.Espaço: Garantia de direitos básicos que ten-derá a evitar delitos.

Quadro 2: Aumento do número de crimes cometidosFonte: Elaborado pelo autor

A escolha entre estes três tipos de ação vai definir a estratégiageral, os contornos e a abrangência dos resultados que serão obtidosmediante a implementação de um conjunto de operaçõesconsignado num Plano de Ação.

As principais categorias analíticas, tais como atorsocial, ação ou momento no processo de planejamentodevem ser definidas em função do conceito desituação-problema.

O dirigente público, ao atuar em contextos sujeitos aconstante mudança, pode ser representado como um ator que semovimenta num jogo social. Todo ator social pode desempenharum papel de protagonista e não de simples observador, mas paraisto precisa compreender a realidade em transformação.

Como já destacado, cada “realidade” é percebida de mododistinto dependendo do ponto de observação (valores, interesses,experiências prévias etc.) do ator que planeja (ou, simplesmente,observa). Uma mesma realidade pode ser percebida de mododiferente dependendo de como está situado um observador

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137Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

específico; quais são seus interesses e seus objetivos. Dessa forma,a análise de uma determinada situação é uma apreciação darealidade que enfrenta um determinado ator a partir da sua visão.A explicação situacional resultante é autorreferenciada, ou seja,ela é condicionada pelo ponto de vista do ator. E, por isso,influenciada pelo tipo de inserção na realidade que possui o atorque planeja.

Uma explicação formulada por um ator social sobre umaspecto da realidade pode ser verificada ou refutada apenas emfunção da maior ou menor capacidade de sua cadeia de argumentosem sustentar seus questionamentos. Portanto, sempre haverá maisde uma visão acerca da realidade, os ideais de objetividade e asdistinções entre verdadeiro e falso perdem força no trabalho doanalista e na reflexão voltada para a ação que caracteriza o PEG.

Apresentamos a seguir, na Figura 16, um esquema quesintetiza a metodologia de planejamento baseado na análise desituações-problema, que é a que adotamos como eixo de nossa propostade PEG.

Figura 16: Esquema geral para planejamento estratégico governamentalFonte: Matus (1994)

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Planejamento Estratégico Governamental

Na situação inicial, o ator declara sua insatisfação sobreuma dada realidade em um determinado momento e, por isto, temdemandas a viabilizar, necessidades a satisfazer e problemas aresolver. Esse ator constrói uma explicação que serve de base paraa definição fundamentada de uma situação-objetivo. Ela envolve aexplicitação de um conjunto de resultados que se espera atingir aofinal de um determinado tempo e que resolverão os problemasiniciais formulados ou atenderão às demandas e às necessidadesidentificadas.

O esquema destaca a confiabilidade do plano* elaboradoe o contexto em que ele será desenvolvido como elementos essenciaispara a obtenção dos resultados desejados. Nesse sentido, um planosó se completa na ação, e este agir implica em permanente avaliaçãoe revisão do que foi planejado. Para obter confiabilidade énecessário verificarmos a todo o momento a qualidade da proposta,a sua consistência e fundamentação, como, também, garantir a boacoordenação da formulação e da implementação.

O monitoramento das alterações verificadas na situação-problema e o acompanhamento do contexto em que elas se inseremsão fundamentais, já que atingir uma determinada situação-objetivonão depende apenas da vontade do ator que planeja. Mas, tambémdas ações e dos resultados que são obtidos, pois influenciammudanças no contexto a ocorrência de surpresas e, principalmente,os planos e as ações de outros atores sociais.

Planejar implica em identificar e disponibilizar os meiosnecessários para a ação, os diversos recursosnecessários, poder político, conhecimento,capacidades organizativas, equipamentos e tecnologiae também, mas nem sempre, recursos econômico-financeiros.

*Plano – é uma constru-

ção que implica em uma

estratégia e um conjunto

de táticas a implementar,

e que demanda gente em

condições de realizar e

de coordenar as ações a

serem executadas. Fon-

te: Elaborado pelo autor.

vOs módulos de ação

previstos em um plano

são denominados de

operações.

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139Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

OPERAÇÕES

As operações podem ser entendidas como os grandes passos(conjunto de ações), ou como o conjunto de condições que deveser criado para a viabilização do plano, e elas são elaboradas comoa solução de cada Nó Crítico identificado num fluxogramaexplicativo. Solução essa a ser alcançada no âmbito deste problemano prazo do plano. O conjunto deve ser suficiente para assegurar ocumprimento do plano.

As Operações podem também ser entendidas como atoslinguísticos enunciados no espaço das declarações de compromissosvisando à mudança da realidade. Sua formulação deve iniciar por“Comprometo-me a ... (fazer algo)”. Para tanto as operaçõesprecisam ser:

bem estruturadas (operações de resolução normalizada,sem deliberação);

de risco calculado (operações com uma probabilidadeprecisa de êxito); e

apostas operacionais (operações quase estruturadassob incerteza).

Além disso, é necessário que o compromisso visado à açãodeve ser diferenciado de:

uma recomendação (seria bom que...);

um critério (deve-se...);

um enunciado de um objetivo (devemos alcançar...);

uma proposta de política (enunciado geral); e

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140Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

uma declaração de prioridade.

Cada uma das operações formuladas para enfrentar umasituação-problema determinada deve ser detalhada para viabilizarsua implementação.

Na seção a seguir, você vai conhecer os principais

componentes deste detalhamento.

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Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

MATRIZ OPERACIONAL

A Matriz Operacional detalha o conjunto de procedimentosatravés do qual devem ser atingidos os resultados esperados nasoperações. Cada ação poderá ser dividida em atividades que, porsua vez, podem ser detalhadas em tarefas, dependendo dacomplexidade da operação ou da ação e das características docenário que pretende construir o ator que planeja. De qualquerforma, o enunciado das ações, das atividades e/ou das tarefas naMatriz Operacional deve vir acompanhado pelos respectivosprodutos, resultados esperados, datas (início/fim), responsáveis,apoios e recursos necessários.

AÇÕES, ATIVIDADES, TAREFAS

As ações, as atividades e as tarefas são as unidades deimplementação de um plano. Seu detalhamento deve ser feito até onível necessário para uma compreensão clara da operacionalizaçãode um plano ou projeto. Se for preciso, até mesmo as tarefas podemser subdivididas de acordo com o interesse ou a necessidade doator que planeja.

O detalhamento das tarefas deve ser refeito periodicamente,em função das necessidades. A somatória das ações e tarefas,verificáveis em forma de produtos, deve garantir que se alcancemos resultados.

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Planejamento Estratégico Governamental

Resultados

São os impactos sobre as manifestações concretas doproblema que está sendo atacado (avaliado pelos seus descritores);a mudança na realidade observada. A definição dos resultadospossibilita uma avaliação do plano, assim como a condução precisadas ações no sentido da estratégia geral.

Produtos

São parâmetros concretos – quantidade, qualidade, tempoe lugar – que auxiliam na execução das atividades planejadas. Seos produtos estão sendo obtidos e os problemas identificadospersistem é porque os resultados esperados não estão ocorrendo.Há, então, necessidade de rever as operações e as ações projetadas.

Recursos

Recurso é tudo aquilo que um ator pode mobilizar paraviabilizar a consecução dos seus objetivos. A execução de um planoimplica no gerenciamento de múltiplos recursos escassos.

Para o processo de planejamento que aqui propomos, énecessário trabalhar com um conceito bastante amplo de recurso.O Quadro 3 indica os recursos que podem ser utilizados para aviabilização de ações planejadas.

RECURSOS

cognitivos

políticos

financeiros

organizacionais

pessoal capacitado ou tempo

CAPACIDADES

para formar opinião

para gerar legislação ou regulamentações

para agenciar pessoas e organizações

para gerenciar ou coordenar processos detrabalho

para gerar capacidade de mobilização

Quadro 3: Recursos para viabilização de ações planejadasFonte: Elaborado pelo autor

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Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

Para cada ação prevista, devemos detalhar quais recursosde diferentes tipos serão necessários, ajustar a utilização dos recursosà sua disponibilidade e especificar os custos para cada ação/tarefa.A partir desta informação será possível uma alocação realista dosrecursos. Para tanto é fundamental avaliarmos em que medida asatividades previstas em um plano necessitam consumir os diferentestipos de recursos para avaliar sua eficiência.

Prazos

O tempo talvez seja o recurso mais escasso com os quaislidam os dirigentes públicos e os seus planos de governo. Adeterminação dos prazos das operações e das ações marca atrajetória do plano, com os pré-requisitos, as concomitâncias, osintervalos ou os pontos predeterminados de confluência (datassimbólicas etc.).

A indicação de prazos é indispensável para o acompanhamentoe a avaliação do plano, e indica o compromisso do responsável com aexecução das ações. Os prazos estão relacionados à data limite paraa finalização da ação (para ser mais preciso, ao intervalo entre oinício e o fim da ação).

Responsáveis

Envolve todos os coordenadores e os articuladores de tarefasa serem desenvolvidas no plano. As responsabilidades devem sernominais ou no mínimo por função, evitando a diluição deresponsabilidades.

Quando todos são responsáveis por tudo, ninguém éresponsável por nada.

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144Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

É também importante distinguirmos entre o responsável(aquelas pessoas que estão comprometidas diretamente com arealização da ação) e eventuais apoios (pessoas que contribuempara a realização da ação).

ETAPAS PARA A FORMULAÇÃO DE UM PLANO DE AÇÃO

Buscando auxiliar você, estudante, preparamos um resumode elementos fundamentais para formulação de um plano. São eles:

identificação do ator que planeja;

descrição da situação-problema em que se quer atuar;

problemas precisos a enfrentar;

objetivos bem definidos;

identificação de interessados e de beneficiários;

nome do plano (aspecto comunicacional);

principais ações a realizar, trajetória, encadeamento;

definição de responsáveis, rede de ajuda e parceiros;

previsão de recursos necessários, produtos e resultadosesperados;

indicação do prazo de maturação dos resultados;

indicadores para verificação do andamento dostrabalhos, produtos, uso de recursos, contexto eresultados;

clareza ao atuar em relação a aliados e a oponentes;

clareza ao atuar em relação a mudanças no contexto;

previsão de procedimentos para acompanhamento dasações, cobrança e prestação de contas; e

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145Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

previsão de procedimentos para avaliação e pararevisão durante a execução do que foi planejado.

Como complemento, a partir da análise do balanço entreapoios e oposições previsíveis a um plano de ação formulado, cabeidentificarmos um tipo especial de operação a ser planejada.Um tipo de operação que apresenta um caráter mais político doque operacional. Aquele que tem como objetivo construir viabilidadepara a implementação de um projeto através do apoio ou dacontraposição à resistência percebida. Esta modalidade de análiseestratégica leva em conta o estudo de motivações e de interesses deatores envolvidos com os problemas que a equipe dirigente pretendeenfrentar.

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Planejamento Estratégico Governamental

GESTÃO DO PLANO

O plano só se completa na ação, nunca antes. E a ação degoverno frequentemente exige adaptações de último momento quecompletam e viabilizam o plano. Essas adaptações são uma formade improvisação necessária e quase inexorável.

Contudo, a questão consiste, no momento da ação, se odomínio será da improvisação sobre o plano ou do plano sobre aimprovisação. Não obstante, temos de reconhecer que as equipesdirigentes podem escolher os problemas, formular seus planos parasolucioná-los e o momento de fazê-lo, mas não podem escolher ascircunstâncias do contexto em que deverão agir.

ATUAR SOB INCERTEZA

O plano formulado mediante simples cálculo deterministainviabiliza, no limite, a avaliação do seu cumprimento e docompromisso com as responsabilidades assumidas. Isso porque éimpossível valorarmos o significado dos resultados frente a metasprevistas e se são verificadas mudanças significativas no contextoem que ele deve ser implementado.

Considerando que surpresas sempre ocorrem e podem geraralto impacto sobre o plano e os resultados esperados, podemosafirmar que o plano é um conjunto de condições fora do controledo ator que planeja. Ele influencia o desenvolvimento e os resultadosfinais do plano.

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147Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

De acordo com essa concepção, resumimos que planejar sobincerteza significa:

não congelar o cálculo sobre o futuro; refazê-loconstantemente;

utilizar recursos de cálculo como previsão, reação rápidadiante da mudança imprevista, aprendizado com opassado recente;

trabalhar com diferentes cenários, com visõesalternativas sobre o futuro;

estar preparado para enfrentar surpresas;

dispor de sistema de manejo de crises; e

afastar a incerteza evitável mediante ações preventivas.

Assim, planejar significa enfrentar as incertezas e asdificuldades impostas pela realidade, alcançando os objetivos a queo plano se propõe.

Outro aspecto que precisamos destacar faz referência aoscálculos realizados quando da elaboração do plano, que precisamser refeitos permanentemente a partir da análise sobre:

desenvolvimento dos fatos concretos;

evolução do plano; e

avanço da elaboração individual e coletiva nainstituição.

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148Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

FOCOS DE DEBILIDADE DE UM PLANO

Concluindo a apresentação da MPS, preparamos umconjunto de pontos (uma check list) para a verificação da qualidadede um plano de ação. São preocupações enunciadas de formanegativa, mas consideradas importantes para o planejamento eacompanhamento das operações, avaliação e replanejamento deum plano de ação. São elas:

eleição de problemas inadequada ou desfocada;

compreensão precária sobre a situação problemáticaa ser enfrentada: diagnóstico de situações malformulado;

má qualidade do projeto de ação elaborado;

projeção mal formulada para resultados esperados;

despreparo ou não previsão para ocorrência desurpresas ou mudanças no contexto;

deficiente análise estratégica; e

suposições gerenciais otimistas.

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149Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

vCondicionante da

eficácia das operações

induzindo para que os

resultados previstos não

sejam alcançados.

COMPONENTES DE UM SISTEMA DE

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

GOVERNAMENTAL

Para o ator que planeja, a informação é o meio que lhepermite conhecer a realidade na qual atua e verificar o resultadocausado por sua ação. Disso depende sua capacidade para alteraroportunamente suas decisões, quando as metas alcançadas sedistanciam das propostas. Sem informação oportuna, confiável erelevante, não se identificam bem os problemas, não se pode atacá-los a tempo e posterga-se a ação corretiva.

O monitoramento, no PEG, responde ao princípio elementarde que não se pode atuar com eficácia se os dirigentes não conhecemde maneira contínua, e o mais objetiva possível, os sinais vitais dogoverno que lideram e das situações sobre as quais intervêm. Umsistema de informação casuístico, parcial, assistemático, atrasado,inseguro e sobrecarregado de dados primários irrelevantes é umaparato sensorial defeituoso que l imita severamente acapacidade de uma equipe dirigente de se sintonizar com assituações que busca enfrentar, de identificar os problemas atuais epotenciais, de avaliar os resultados de sua ação e de corrigiroportunamente os desvios com relação aos objetivos traçados.

O sistema de PEG é constituído por três componentes quegarantem um acompanhamento e um processamento adequado dosfluxos de informação que alimentam as decisões de uma equipedirigente. Conheça-os a seguir:

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150Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Sistema de Constituição da Agenda: no qual sedecide o uso do tempo e o foco de atenção dosdirigentes, o que, em síntese, constitui o menu dedecisões. Nesse sistema, o f luxo contínuo deinformações estabelece a luta entre a improvisação eo planejamento.

Sistema de Cobrança e Prestação de Contas:em que se torna efetiva a responsabilidade de cadamembro da unidade organizacional sobre as missõesassumidas como compromissos. Com este sistema,conforma-se um processo de trabalho com base naresponsabilidade. Ele não pode ser estruturado semque informações confiáveis e oportunas estejamdisponíveis.

Sistema de Gestão Operacional: no qual éviabilizada a ação diária num processo em que seenfrentam a rotina e a criatividade. Na gestãopredomina a ação sujeita a diretrizes, mas elas devemdeixar um amplo campo à criatividade, à iniciativa eà inovação.

Esses três sistemas e alguns de seus subsistemas necessáriospara a criação de uma estrutura garantem a efetividade do PEG,como os de Gestão de Crises e de Comunicação Governamental, esão objetos de outros trabalhos sobre o tema.

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151Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

ResumindoChegamos à última Unidade deste livro, destinada à

Metodologia de Planejamento de Situações!

Aqui você aprendeu a “Planejar por Situações-Proble-

ma”. Isto é, a executar as Etapas para a formulação de um

Plano de Ação (conceber Operações e Ações, avaliar a força

dos atores com ele envolvidos, alocar recursos, definir pra-

zos e responsabil idades etc.) a partir do Fluxograma

Explicativo da Situação-Problema resultante da aplicação da

Metodologia de Diagnóstico de Situações.

Aprendeu também como fazer a Gestão do Plano,

mediante a consideração de seus focos de debilidade e das

dificuldades inerentes ao PEG associadas ao fato de que

sempre estamos atuando “sob incerteza”.

O “pano de fundo” delineado nas duas primeiras Uni-

dade e as categorias analíticas, tais como ator social, jogo

social, situação-problema, e procedimentos de modelização

apresentados na terceira, foram aqui “aterrissados” no cam-

po mais estrito onde se dá o processo de planejamento pro-

priamente dito.

Agora você está apto a fazer com realismo e eficácia a

alocação de recursos, a determinação dos prazos das opera-

ções e das ações, a delinear a trajetória do plano, a avaliar

os pré-requisitos, concomitâncias, intervalos, os pontos de

confluência, a especificar os recursos necessários (e ajustá-

los à sua disponibilidade) para cada ação.

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152Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Mantendo a ideia de que nossa metodologia privile-

gia aspectos situacionais e estratégicos, vimos que o plano

só se completa na ação, nunca antes. E, que ele deve ser

refeito permanentemente a partir da análise sobre o de-

senvolvimento dos fatos concretos, a evolução do plano, o

avanço da capacidade de elaboração individual, coletiva e

da instituição.

Depois deste tempo e espaço virtual em que de algu-

ma estranha maneira estivemos ligados por esta disciplina,

só resta desejar a você sucesso. E esperar que a motivação

que nos levou a propô-la, de proporcionar elementos teóri-

co-práticos para que você possa participar do desafio que

representa para o País a transformação do “Estado Herdado”

no “Estado Necessário”, seja também sua.

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153Módulo Básico

Unidade 4 – Metodologia de Planejamento de Situações

Atividades de aprendizagem

Vamos verificar como foi seu entendimento até aqui? Umaforma simples de fazer isso é você realizar as atividadespropostas a seguir.

1. Aplique os conteúdos da Metodologia de Planejamento de Situa-

ções em uma situação-problema tratada por você através da

Metodologia de Diagnóstico de Situações apresentada na Unida-

de anterior.

2. Tendo como referência o seu Fluxograma Explicativo e após a iden-

tificação dos nós críticos, explique por que são estas, e não ou-

tras, as causas escolhidas.

3. Tendo como referência a sua Árvore de Problemas, apresente

detalhadamente cada uma das etapas para a formulação de seu

Plano de Ação (operações, Matriz Operacional etc.).

4. Identifique possíveis focos de debilidade de seu Plano de Ação.

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154Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

CONSIDERAÇÕES FINAIS

À GUISA DE CONCLUSÃO

Esta conclusão retoma aspectos relativos à função que adisciplina de PEG deve desempenhar no âmbito do Curso e, a partirdeles, mostrar a forma como se espera que você se aproprie dosconteúdos analítico-conceituais tratados nas Unidades 2 e 3, e dosde natureza operacional apresentado na Unidade 4. Sugere,também, a relação que tais conteúdos poderão fazer com osconteúdos apresentados nas demais disciplinas visando a aproveitá-los no desenvolvimento dos momentos descritivo (com a aplicaçãoda MDS) e normativo (com a aplicação da MPS) do PEG.

Com relação aos Conteúdos Introdutórios ao PEG,esperamos que você tenha presente as condições adversas que asatividades a ele relacionadas terão que ser por ele realizadas, istoé, tanto em termos da perspectiva histórica de longo prazo quantoem termos do contexto sociopolítico e institucional que aindasustenta o “Estado Herdado” e dificulta o trânsito ao “EstadoNecessário” pela via do momentum da Reforma Gerencial, e docontexto disciplinar da Administração Pública que não tem estimuladoa incorporação dos conteúdos de Análise de Políticas e de PlanejamentoEstratégico Situacional à formação dos gestores públicos.

Com relação à Unidade que mostra como esta disciplina dePEG foi conformada mediante a combinação dos enfoques deAnálise de Políticas (que por sua vez é uma convergência que seinicia na década de 1960, nos países avançados, da Ciência Políticae da Administração Pública) e Planejamento Estratégico Situacional

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155Módulo Básico

Considerações Finais

(criado um pouco depois na América Latina como uma tentativade sanar os defeitos e lacunas que apresentava o planejamentoconvencional, especialmente em relação às características do Estadolatino-americano), a intenção é possibilitar que o aluno contraste aopção que escolhemos com outras maneiras de entender o PEG, etambém, de revisar as trajetórias daquelas disciplinas.

O conteúdo das Unidades 4 e 5, de natureza metodológica einstrumental, depende para sua aplicação de forma proveitosa, nãoapenas das duas Unidades anteriores mas, também, dos conteúdosabordados em outras disciplinas do Curso.

A Unidade 4, que apresenta a MDS, tem como objetivopossibilitar ao aluno a capacidade de realizar um diagnóstico dasituação-problema por ele escolhida. Essa atividade deverá servircomo um espaço de experimentação e aplicação dos conteúdosapresentados nas demais disciplinas, uma vez que a ideia é que ele“pendure-os” nesse primeiro diagnóstico. Isto é, que os utilize paramelhor desenvolver este primeiro momento, de caráter descritivo-explicativo, do PEG.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

No que se refere à metodologia de aprendizado, a disciplinaparte da ideia de que é importante para um aluno de um Cursocomo o que estamos tratando produzir documentos que representemos resultados que alcançou. No caso de uma disciplina cujo objetivoé fornecer elementos teórico-práticos orientados a aumentar a suacapacidade para a atividade de PEG, consideramos que essedocumento deve registrar de forma sistemática os resultados queele irá obter através da aplicação das duas metodologiasfundamentais que a integram: a Metodologia de Diagnóstico deSituações e a Metodologia de Planejamento de Situações.

O documento será construído paulatinamente em torno de umasituação-problema escolhida e enunciada pelo aluno. Este enunciado

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156Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

deverá tomar como ponto de partida, preferencialmente, um dosproblemas enfrentados pelo aluno em seu ambiente de trabalho.

A metodologia de aprendizado adotada está baseada naidentificação e no “processamento” da situação-problema enunciadae tem como elemento aglutinador a elaboração do documento.

O documento será então elaborado mediante a aplicaçãodos conceitos, metodologias e demais conteúdos apresentados nestadisciplina, e nas outras que ele estiver cursando ou já tiver cursado,com vistas a “processar” a situação-problema.

A ênfase do trabalho deverá recair inicialmente sobre o“momento descritivo” e o “momento explicativo”, dedicado aexplicar como e por que se chegou à situação-problema descritamediante a aplicação da Metodologia de Diagnóstico de Situações.

O “momento normativo” será operacionalizado mediante aMetodologia de Planejamento de Situações. Este terceiro momentotem por objetivo que o aluno se concentre na transformação dasituação-problema mediante a aplicação dessa metodologia, dosdemais instrumentos, dos conteúdos adquiridos durante o Curso, ede acordo com sua visão de mundo, suas opções políticas, culturais,de gênero etc.

Esperamos que esse documento possa ser útil para o aluno,pois, à medida que ocorra a sua progressão, passará a serinteressante “repassar” (para si ou para alguém), melhorar, criticaros conteúdos, conceitos, códigos, marcos de referência analíticos,modelos, metodologias de trabalho etc., que então irá utilizar.

OBJETIVOS A SEREM ATINGIDOS PELO ALUNO

Esperamos que os conhecimentos adquiridos e as habilidadesdesenvolvidas por você, aluno, estejam materializadas numdocumento que deverá atender aos seguintes procedimentos paraa sua elaboração:

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157Módulo Básico

Considerações Finais

Identificar um problema relevante para seu trabalhocotidiano que o seu grupo deseje trabalhar. Deveráser evitada uma ênfase excessiva a apresentação edescrição de propostas, atividades, programas,processos de formulação, implementação e avaliação,aspectos institucionais, resultados já obtidos etc.,relativos à situação-problema escolhida.

Realizar um diagnóstico da situação-problema e quemerece o envolvimento do aluno como “ator quedeclara” e como ator disposto a atuar. A aplicação daMetodologia de Diagnóstico de Situações (MDS) é oprimeiro marco do processo de elaboração dodocumento, uma vez que permite a obtenção de umaclara identif icação das variáveis e relações decausalidade que compõem a modelização do sistemasobre o qual se desenvolverá o trabalho até o final dadisciplina.

Elaborar uma lista preliminar dos indicadores disponíveisacerca da situação-problema aparentementeadequados para o seu processamento.

Identificar os atores sociais que atuam no âmbito dasituação-problema e descrever a forma como atuamno sentido de mantê-la ou alterá-la.

Descrever o processo decisório em que intervêm osatores identificados mediante o qual a situação-problema foi gerada. Destacar os processos dedefinição e priorização da agenda. Identificar oprocesso de conformação da agenda polí t icaprotagonizado pelos atores indicando eventuaisconflitos abertos, encobertos e latentes que podem serassociados a ela e a conveniência da transformaçãodestes em conflitos abertos.

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158Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

Apontar os descritores de situação-objetivo (ouresultados esperados) com a resolução ou a superaçãoda situação-problema escolhida.

Descrever as restrições identificadas no balançoexpresso no Triângulo de Governo relacionando àambição de mudança do projeto político do “ator quedeclara”, à disponibilidade de apoio político e àcapacidade de governo.

Revisar a lista de indicadores da situação-problemade modo a eliminar os desnecessários ou inadequadose incorporar os que decorrem das análises realizadasnos quatro itens anteriormente citados.

CONCLUSÃO

É urgente a necessidade de capacitar o gestor público paralevar a cabo as tarefas colocadas pela atual conformação dasrelações Estado-Sociedade e pelo cenário a ser construído. Fazê-loatravés de um Curso de Especialização como este, parece seressencial para permitir que essas relações sejam capazes depromover o país mais justo, igualitário e ambientalmente sustentávelque todos desejamos.

Ajustar o aparelho de Estado visando a alterar essas relaçõesEstado-Sociedade, desde que respeitando as regras democráticas,é um direito legítimo de governos eleitos com o compromisso delevar a cabo suas propostas. Assumir explicitamente essa intençãonão diferencia o atual governo de outros que ocuparamanteriormente o aparelho de Estado. O que sim o faz é o fato deque ela esteja sendo buscada através de um significativo esforçopor aumentar quantitativa e qualitativamente a capacidade docorpo de funcionários públicos para implementar as suas propostas.

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159Módulo Básico

Considerações Finais

Um Curso de Gestão Pública como o que aqui se discute,parece ser uma condição necessária, inclusive, para assegurar queas mudanças sejam realizadas de forma competente, criteriosa, semcomprometer os êxitos anteriormente obtidos e com a máximaaderência aos consensos que alcançou a sociedade brasileira derespeito à participação cidadã, democrática e republicana de todosos seus integrantes.

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160Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

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161Módulo Básico

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Referências Bibliográficas

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166Especialização em Gestão Pública

Planejamento Estratégico Governamental

MINICURRÍCULO

Renato Peixoto Dagnino

Professor titular no Departamento de Política

Científica e Tecnológica da UNICAMP, tem atuado

como professor convidado em várias universidades

no Brasil e no exterior. Graduou-se em Engenharia

em Porto Alegre e estudou Economia no Chile e no Brasil, onde fez o

mestrado e o doutorado. Sua Livre Docência na UNICAMP e seu Pós-

Doutorado na Universidade de Sussex foram na área de Estudos Soci-

ais da Ciência e Tecnologia. Incorporou-se à UNICAMP em 1977, onde

colaborou com o Prof. Rogério Cerqueira Leite na criação da primeira

incubadora de empresas latino-americanas – a Companhia de Desen-

volvimento Tecnológico – e, a partir de 1979, com o Prof. Amilcar

Herrera na criação do Instituto de Geociências e da área de Política

Científica e Tecnológica daquela universidade. Alcançou reconheci-

mento internacional na década de 1980 pelos seus trabalhos sobre

economia de defesa e sobre a P&D e produção militares latino-ameri-

canas. Desde então tem se dedicado ao estudo das relações Ciência-

Tecnologia-Sociedade na América Latina. Mais especificamente, à aná-

lise da política relativa ao complexo público da pesquisa e da educa-

ção superior, à gestão estratégica da inovação, à adequação

sociotécnica, à construção de um estilo de Política de C&T aderente ao

cenário de democratização latino-americano e ao estudo do debate

sobre o determinismo tecnológico e a neutralidade da ciência. Entre

as ferramentas e metodologias que mais utiliza estão: análise de sis-

temas, análise estrutural, construção de modelos, policy analysis, cons-

trução de cenários, prospectiva e planejamento estratégico.

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O PÚBLICO E O PRIVADO NA GESTÃO PÚBLICA

2012

2ª edição

Ricardo Corrêa Coelho

Ministério da Educação – MEC

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES

Diretoria de Educação a Distância – DED

Universidade Aberta do Brasil – UAB

Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP

Especialização em Gestão Pública

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expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanções previstas no Código Penal, artigo 184, Parágrafos

1º ao 3º, sem prejuízo das sanções cíveis cabíveis à espécie.

1ª edição – 2009

C672p Coelho, Ricardo CorrêaO público e o privado na gestão pública / Ricardo Corrêa Coelho. – 2. ed. reimp. –

Florianópolis : Departamento de Ciências da Administração / UFSC, 2012.76p. : il.

Especialização – Módulo BásicoInclui bibliografiaISBN: 978-85-61608-82-8

1. Administração pública. 2. Direito administrativo. 3. Poder público. 4. Terceiro setor.5. Educação a distância. I. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior(Brasil). II. Universidade Aberta do Brasil. III. Título.

CDU: 35

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

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DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDÁTICOSUniversidade Federal de Santa Catarina

METODOLOGIA PARA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIAUniversidade Federal de Mato Grosso

AUTOR DO CONTEÚDORicardo Corrêa Coelho

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR – CAPES

DIRETORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

EQUIPE TÉCNICA

Coordenador do Projeto – Alexandre Marino Costa

Coordenação de Produção de Recursos Didáticos – Denise Aparecida Bunn

Capa – Alexandre Noronha

Ilustração – Igor Baranenko

Projeto Gráfico e Editoração – Annye Cristiny Tessaro

Revisão Textual – Sergio Luiz Meira

Créditos da imagem da capa: extraída do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

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SUMÁRIO

Apresentação.................................................................................................... 7

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

Introdução...................................................................................... 11

A Dicotomia Público/Privado................................................................. 12

As Prerrogativas do Poder Público sobre os Agentes Privados.............................. 28

O Estado e o Servidor Público.................................................................. 36

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com oSetor Privado

Introdução..................................................................................................... 49

Os Cinco Princípios Orientadores da Administração Pública............................... 50

Poderes e Deveres do Gestor Público............................................................. 58

Os Contratos do Setor Público com os Agentes Privados............................... 63

O Público e o Privado e a Emergência do Terceiro Setor....................................... 68

Referências.................................................................................................... 74

Minicurrículo.................................................................................................... 76

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6Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

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7Módulo Básico

Apresentação

APRESENTAÇÃO

Prezado estudante!

Uma das questões mais importantes para o gestor público éa da relação que ele, como agente investido do poder do Estado,estabelecerá com o setor privado no exercício da sua função. Essarelação será mais ou menos frequente, dependendo da área deintervenção do Estado, mas será sempre delicada e sensível, poisestá balizada por uma série de mediações processuais rigidamenteestabelecidas pela lei. O conjunto de normas que regem as relaçõesdo poder público com o setor privado não foi criado pelo legisladorpara dificultar a ação do gestor público, mas para garantir aprimazia do interesse público nas relações que o Estado estabelececom os agentes privados e que são custeadas com o dinheiro docontribuinte.

O gestor público não necessita conhecer em profundidadeos Direitos Constitucional e Administrativo – para isso ele devecontar com assessoria jurídica –, mas precisa conhecer os seusprincípios gerais. Sem esse conhecimento, correrá o grande riscode, involuntariamente, cometer i legalidades, ter seus atosquestionados pelos tribunais de contas e ver-se envolvido emprocessos administrativos e penais, ainda que tenha agido com amaior das boas intenções e imbuído unicamente de espírito público.

Esta disciplina tem por objetivo levar você – gestor públicojá em exercício ou em formação – a conhecer os princípios queregem o funcionamento da Administração Pública, orientam as suasrelações com o setor privado e disciplinam a ação dos servidorespúblicos em todas as esferas de governo – do quadro permanentedo Estado, ocupantes de cargos em comissão ou eleitos prefeitosmunicipais, governadores de Estado ou presidente da República.

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8Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

A reflexão sobre as relações entre o público e o privadoremonta ao Direito Romano e se tornaria objeto tanto da Filosofiado Direito quanto do Direito Administrativo. Nesta disciplina, asfronteiras que demarcam os espaços da esfera pública e da esferaprivada, dos interesses privados e dos interesses coletivos, dosdireitos do cidadão e dos poderes e deveres do Estado, serão tratadasa partir das contribuições da Filosofia e do Direito – o que éinescapável –, mas sempre de forma contextualizada e por meio deexemplos representativos de situações do dia a dia do gestor público.

Ao longo da leitura deste texto, você entrará em contato comuma série de conhecimentos do Direito Administrativo que,certamente, lhe permitirão discernir, com clareza, a diferença entrea Administração de Empresas e a Administração Pública, entreaquilo que é permitido em uma esfera e vetado ou obrigatório naoutra. Assim, você estará mais bem preparado para interagir como setor privado e compreender seu papel, funções, poderes eresponsabilidades como agente público.

Por isso, a disciplina O Público e o Privado na Gestão Públicafoi organizada em duas Unidades.

Unidade 1 – vamos discutir a dicotomia público-privado, asprerrogativas do poder público sobre os agentes privados e a relaçãodo Estado com o servidor público.

Unidade 2 – abordaremos uma diversidade de temascomplementares: os cinco princípios orientadores da administraçãopública; os poderes e os deveres do gestor público; os contratos dosetor público com os agentes privados; e, finalmente, a emergênciado Terceiro Setor.

E para melhor acompanhar e avaliar o desempenho e aaprendizagem, você encontrará, no decorrer de cada Unidade,atividades e exercícios a serem desenvolvidos e registrados por escrito.

Agora que já sabe, em linhas gerais, do que irá tratar adisciplina O Público e o Privado na Gestão Pública e a importânciadela no seu curso de especialização, vamos iniciar esse estudo?Agora é com você.

Professor Ricardo Corrêa Coelho

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9Módulo Básico

Apresentação

UNIDADE 1

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade, você deverá ser capaz de: Diferenciar Administração Pública de Administração de Empresas; Conhecer as prerrogativas do Poder público sobre os agentes

privados e compreender suas razões e seu significado; e Compreender a relação entre o Estado e os servidores públicos como

distinta da relação entre empregadores e empregados no setorprivado.

ESFERA PÚBLICA E ESFERA PRIVADA

NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

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10Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

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11Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

INTRODUÇÃO

A extensão dos poderes do Estado e o papel daAdministração Pública na sociedade são temas que suscitamgrandes controvérsias e em torno dos quais não se pode,rigorosamente, falar de consenso ou da existência de uma posiçãodominante. Por se tratar de questões que emanam do âmago dareflexão e da prática políticas, as formulações que venham a serproduzidas a respeito carregarão, sempre, um forte viés ideológico,alimentadas por diferentes visões de mundo, concepções e valoresdos quais todos os indivíduos das sociedades são portadores.O reconhecimento desses vieses não nos deve desencorajar aenfrentar a questão nem tampouco nos autoriza a fazer qualquertipo de formulação, numa espécie de “vale-tudo”. Ao longo deséculos, a civilização ocidental veio recorrentemente colocando-sequestões relativas ao Estado, ao exercício do poder e às relaçõesentre Estado e sociedade, e essa reflexão socialmente acumuladadeve nos servir de base para refletirmos sobre o papel dos gestorespúblicos na administração do Estado brasileiro em todas as suasesferas: municipais, estaduais e federal.

Da tradição ocidental deriva uma dicotomia que remontaao Direito Romano, que ganharia novos contornos com odesenvolvimento do Estado moderno, tal como o conhecemoscontemporaneamente, e que é central para o desenvolvimento donosso tema: a dicotomia entre público e privado, da qual todos osoutros temas a serem tratados nesta discipl ina decorremlogicamente.

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12Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

A DICOTOMIA PÚBLICO/PRIVADO

Toda dicotomia carrega um elevado grau de arbitrariedadena medida em que pretende dar conta de todo o universo depossibilidades. No caso da dicotomia público/privado, significa queaquilo que está na esfera pública deve necessariamente estar forada esfera privada, e tudo o que não se situar na esfera pública deveestar obrigatoriamente contido na esfera privada. De acordo comessa lógica de ferro, um termo exclui necessariamente o outro, eambos recobrem a totalidade do existente e do imaginável.No entanto, no mundo real, as definições nem sempre são tão clarasquanto no mundo dos conceitos.

Certamente você deve estar associando, sem dificuldade, oEstado à esfera pública e a empresa capitalista à esfera privada.No entanto, à medida que vamos nos distanciando dos casosextremos, a classificação vai se tornando menos óbvia.

Por exemplo, em que esfera você situaria a empresa pública?

E os partidos políticos? E as Organizações Não Governamentais

(ONGs)? Antes de respondermos a essas perguntas, vamos

examinar os componentes de cada um dos termos, tentando

identificar o que é fundamental em um e em outro?

A definição da esfera pública é uma construção, ao mesmotempo, intelectual e coletiva. Isso quer dizer que na substância ouna materialidade das coisas não há nada que nos permita situar,inequivocamente, um bem ou um serviço nela. A construção daesfera pública é, na verdade, resultado de uma convenção social

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13Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

específica. Assim sendo, irá integrar a esfera pública aquilo quetoda coletividade, e não apenas uma parte dela, pactuar, explícitaou implicitamente, ser de interesse comum.

Tudo o que a coletividade chamada povo convencionar,em um determinado momento de sua história, ser deinteresse ou de propriedade comum, integrará a esferapública, ficando todo o restante adstrito à esferaprivada.

Disso se conclui logicamente que não há nada que sejaintrinsecamente público nem intrinsecamente privado, já que adefinição de ambos resulta de convenção coletiva.

Definidos os conceitos desta forma, você logo irá perceberque o público tem precedência sobre o privado, pois a delimitaçãoda esfera pública irá anteceder, temporal e logicamente, acircunscrição da esfera privada. Isso quer dizer que o espaçopúblico, e tudo o que nele se inserir, será sempre explicitadopositivamente, ao passo que o espaço privado será delimitado de formaresidual, cabendo nele tudo aquilo que ficar de fora da esfera pública.

A construção da esfera pública será também semprehistoricamente delimitada. Aquilo que em um determinado momentohistórico é considerado como indubitavelmente público pode nãoo ser em outro. Para explicitarmos esse ponto relevante, vamos veralguns exemplos.

Exemplo 1

Contemporaneamente, consideramos que a defesa dacoletividade das agressões externas, um bem claramente público, éencargo de uma instituição igualmente pública – o exército nacional,ou mais genericamente, as forças armadas nacionais, regulares eprofissionais. No entanto, nem sempre foi assim. Durante a maiorparte da história do Ocidente, essa função foi delegada a exércitos

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14Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

de mercenários; por tanto, a grupos privados contratadospontualmente pelos governantes para a defesa dos seus territóriose populações.

Exemplo 2

A coleta de impostos é, hoje, considerada uma funçãoeminentemente pública, que deve ser executada por agentespúblicos. No entanto, durante a Idade Média, os impostos eramcobrados por particulares daqueles que utilizavam as estradas oupontes situadas em terras sob o seu domínio.

Exemplo 3

Nas sociedades ocidentais contemporâneas – sejam elasrepúblicas, como o Brasil e Portugal, ou monarquias constitucionais,como o Reino Unido e a Espanha – o patrimônio e o orçamentopúblicos estão inteiramente separados do patrimônio e dorendimento dos governantes. No entanto, antes da formação doEstado moderno, essa separação não existia, assim como continuanão existindo em outras localidades como o Sultanato de Brunei,na Ásia, onde o patrimônio do Estado é contabilizado como depropriedade do sultão, o que faz do monarca de tão diminuto paíso indivíduo mais rico do mundo.

Ficou mais claro agora?

Pois bem, a clara separação entre esfera pública e esferaprivada é a marca distintiva das sociedades capitalistas edemocráticas contemporâneas em relação às demais. Dessaseparação fundamental decorrem todas as outras diferenciaçõesrelevantes no interior dessas sociedades, como a existente entreum Direito Público e um Direito Privado; entre Estado e sociedadecivil; e entre poderes do Estado e direitos do cidadão. Outra

v

A esfera pública é, por

excelência, a esfera de

ação do Estado,

enquanto a esfera

privada é a de ação dos

indivíduos na sociedade

civil.

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15Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

diferença importante entre essassociedades e as demais encontra-se naforma de administrar o Estado.

De acordo com o sociólogoalemão Max Weber, nas sociedadestradicionais – ou seja, antes que ocapitalismo tivesse se desenvolvidoplenamente nas sociedades ocidentais– predominava a administraçãopatrimonial, caracterizada por umaforma de gestão dos negócios públicoscomo se estes fossem assuntosprivados dos governantes.

Seria apenas com o desenvolvimento do capitalismo, com aformação do Estado moderno que o acompanharia e, finalmente,com a democratização dos Estados liberais – que você já estudouna disciplina Estado, Governo e Mercado – que iria se desenvolvere se impor a administração burocrática, caracterizada por uma sériede procedimentos administrativos, baseados na legalidade dos atos,na impessoalidade das decisões, no profissionalismo dos agentespúblicos e na previsibilidade da ação estatal. Essa nova forma deadministração foi estudada à exaustão por Weber.

Na esfera pública, os indivíduos são sempre concebidoscomo cidadãos, seja na posição de agentes do poder público, istoé, de servidores do Estado, seja na condição de simples usuáriosdos serviços públicos ou sujeitos submetidos às leis e normasimpostas pelo Estado.

Já na esfera privada, os indivíduos são concebidos comopessoas físicas à procura da satisfação de seus interessesparticulares, podendo se associar e constituir pessoas jurídicas coma finalidade de perseguir os mais diferentes objetivos – econômicos,políticos, religiosos, culturais etc. Mas, preste bem atenção:a personalidade coletiva resultante dessa associação segue, noentanto, sendo privada, e não se confunde, em momento nenhum,com a associação e coletividade públicas.

Maximillian Carl Emil Weber (1864–1920)

Sociólogo, historiador e político alemão

que, junto com Karl Marx e Émile

Durkheim, é considerado um dos funda-

dores da Sociologia e dos estudos com-

parados sobre cultura e rel igião. Para

Weber, o núcleo da análise social con-

sistia na interdependência entre rel i-

gião, economia e sociedade. Fonte: <http://

w w w . n e t s a b e r . c o m . b r / b i o g r a f i a s /

ver_biografia_c_1166.html>. Acesso em: 2 jul. 2009.

Saiba mais

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16Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

Mas, por que certas associações têm caráter público e outras

privado? Para responder a essa pergunta, vamos analisar, a

seguir, a diferença entre organização e instituição, que é

fundamental para a devida compreensão das diferenças

existentes entre esfera pública e esfera privada nas sociedades

contemporâneas.

Chamamos de organização as associações do setor privado.Sua natureza, característ icas e dinâmica foram, e são,exaustivamente estudadas pela teoria das organizações, disciplinacentral da administração de empresas.

Que características são essas?

A principal delas é a de que as organizações possuemmissão* e objetivos* que são autoatribuídos pelos seus membros.Nada obriga uma organização a continuar perseguindo os mesmosobjetivos – e nem mesmo a continuar existindo – a não ser a vontadedos seus próprios membros. Estes possuem inteira autonomia –respeitados os limites e imposições legais – para definir e redefinira sua missão, estabelecer e modificar os seus objetivos, decidir porsua expansão ou retração, diversificação e reorientação deatividades ou mesmo pela sua completa dissolução.

Essas características das organizações privadas, existentesna sociedade civi l , não encontram qualquer paralelo nasorganizações estatais, que, por serem instituídas pelo Estado paradesempenhar funções de interesse público, são mais frequentementechamadas de instituições. Já as organizações públicas encontram-se subordinadas ao Estado e têm sua missão e seus objetivosdeterminados legalmente e não autonomamente, como nasorganizações privadas.

Isso, no entanto, não quer dizer que organizações públicasnão possam gozar de cer ta autonomia. Por exemplo, na

*Missão – o mesmo que

objetivos principais. Fon-

te: Lacombe (2004).

*Objetivo – um propósito,

em geral permanente, a

ser atingido por uma or-

ganização. Fonte:

Lacombe (2004).

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17Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

Administração Pública brasileira, os órgãos que integram aadministração indireta, como autarquias e fundações, estãolegalmente investidos de autonomia patrimonial, financeira eadministrativa em relação aos órgãos centrais do governo, aos quaisse encontram formalmente vinculados. Mesmo os órgãos quecompõem a administração direta federal possuem a prerrogativade planejar as suas atividades e estabelecer suas metas anuais. Noentanto, essa autonomia nunca será mais que relativa.

Acabamos de mencionar que as organizações do Estadopodem ser classificadas em duas categorias: as que compõem aAdministração direta; e as que integram a Administração indireta.

No Quadro 1 podemos melhor visualizar as diferenças entreessas duas categorias de Instituições Públicas.

Quadro 1: Tipos de instituições públicasFonte: Elaborado pelo autor

As organizações que integram a Administração indireta sãode diferentes tipos. No Quadro 2 você encontrará uma brevedescrição e alguns exemplos dos tipos de organizações daAdministração indireta.

DENOMINAÇÃO

Administração direta

Administração indireta

DESCRIÇÃO

Serviços integrados na estrutura administrativa daPresidência da República e dos Ministérios (no casoda administração federal) e dos governos e secre-tarias (nos casos das administrações estaduais,municipais e do Distrito Federal).

Organizações dotadas de personalidade jurídica epatrimônio próprio, que gozam de autonomia ad-ministrativa e financeira e se encontram vincula-das aos ministérios ou secretarias.

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18Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

Quadro 2: Tipos de organizações da Administração indiretaFonte: Elaborado pelo autor

Contrariamente às organizações – que sãoautorreferenciadas, tendo interesses próprios e objetivos variáveiscom o tempo –, as instituições têm objetivos permanentes a seremperseguidos em favor de toda a coletividade e não dos membrosque a integram.

As organizações agem e mudam conforme a lógica edinâmica do mercado, seja para sobreviver e se adaptar às novascondições de concorrência, seja para dessas tirar o maior proveitoprivado. Já as instituições não agem para sobreviver ou se expandir,aproveitando as condições de mercado, mas para influenciar,

DENOMINAÇÃO

Autarquias

Fundações

Empresaspúbl icas

Sociedadesde economiamista

DESCRIÇÃO

Pessoas jurídicas de direito público,criadas por lei, incumbidas de serviçopúblico típico exercido de forma des-centralizada, cujo pessoal se encon-tra regido pelo regime jurídico previs-to pela lei da entidade-matriz.

Pessoas jurídicas de direito público,criadas por lei, destinadas a realizaratividades não lucrativas e atípicas dosetor público, mas de interessecoletivo, cujo pessoal pode tanto serregido pelo regime jurídico previstopela lei da entidade-matriz, quantopela CLT.

Pessoas jurídicas de direito privado,criadas por lei, de patrimônio públi-co, destinadas a realizar obras e ser-viços de interesse público, cujos em-pregados têm suas relações de traba-lho regidas pela CLT.

Pessoas jurídicas de direito privado,com participação do poder público ede particulares no seu capital e na suaadministração, que realizamatividades econômicas outorgadaspelo poder público e cujos emprega-dos têm suas relações de trabalhoregidas pela CLT.

EXEMPLOS

Banco CentralInmetro – InstitutoNacional deMetrologia, Nor-malização e Quali-dade Industrial

Universidades Pú-bl icasFundação de Am-paro ao Trabalha-dor Preso de SãoPaulo

Caixa EconômicaFederalBNDES

PetrobrasBanco do Brasil

v

Organizações

estruturam-se para

realizar ou defender

interesses parciais, em

colaboração ou

competição com outras

organizações no

mercado.

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19Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

regular ou mesmo substituir o mercado. Para evidenciar as funçõesdas organizações, veja a seguir alguns exemplos.

Exemplo 4

As instituições públicas de ensino atuam em uma áreaconstitucionalmente aberta à iniciativa privada. Sua existência emum mercado concorrencial, como o educacional, por exemplo, sóse justifica se:

influenciar positivamente a qualidade da educaçãoem geral, por meio da oferta de um ensino público dequalidade elevada, de forma a levar o setor privadoa ofertar um serviço com qualidade equivalente a fimde poder concorrer com o setor público – como nocaso da educação superior; ou

garantir o acesso de toda população a um serviçoconsiderado essencial e obrigatório, cuja universalizaçãonão seria alcançada por meio do mercado – como é ocaso da educação básica pública e gratuita.

Exemplo 5

As agências regulatórias, que têm por finalidade regulardiretamente as condições de concorrência e de oferta de serviçosem um determinado mercado, visando o benefício de toda acoletividade.

Exemplo 6

As organizações que exercem suas funções de formamonopolista, como:

a Casa da Moeda, encarregada de emitir o meiocirculante;

o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE),encarregado da produção de estatísticas oficiais;

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20Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

a Polícia Federal e polícias civis dos Estados, a quemcabe a investigação de crimes e ilícitos; e

os ministérios públicos, federal e dos Estados,incumbidos de propor ações penais.

Apesar das diferenças que podemos identificar entre asorganizações privadas e as instituições públicas, entre ambas existeuma área de diálogo e de influências mútuas, que é precisamente ade gestão organizacional.

Observe que da mesma forma que a administraçãoburocrática surgiria no seio do Estado como forma de organização,estruturação e gestão das atividades públicas e posteriormente iriaser adotada pelas grandes organizações privadas, como sindicatos,partidos políticos e empresas capitalistas, muitas das inovaçõesorganizacionais e de gestão ocorridas no interior das empresasprivadas e sistematizadas pela teoria das organizações iriam seradotadas pela Administração Pública.

Entre a administração de empresas e a administraçãopública existe, no mínimo, o substantivo administraçãoem comum, o que indica que ambas não devam serconsideradas como campos de reflexão e açãointeiramente apartados.

No entanto os adjetivos público e privado (de empresa) nãopodem ser simplesmente considerados como variações da mesmadisciplina, pois no caso específico da Administração Pública, oadjetivo se constitui na sua parte estruturante. Não é por outra razãonem por mero efeito estilístico que, já no nome desta disciplina,público e privado ocupam o lugar de substantivos.

De tudo o que foi tratado até aqui, decorre, logicamente, aprimazia do público sobre o privado.

O Estado e suas instituições são as únicas instâncias querepresentam o todo em uma determinada sociedade, sendo todas

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21Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

as demais organizações representantes de partes. A relação entreEstado e sociedade civil é, portanto, uma relação entre desiguais,em que a última se encontra subordinada ao primeiro. Isso nãoquer dizer que o Estado possa, a todo momento, e sob qualquerpretexto, intervir na sociedade civil, pois sua primazia significaassimetria respaldada pelo Direito, e não arbitrariedade.

Como você já viu nesta Unidade, a primazia do público sobreo privado revela-se também na precedência que o público tem sobreo privado. Em primeiro lugar, porque é o Estado, no exercício desua função legislativa, que irá determinar a esfera de atuação dopoder público. Em segundo lugar, porque é somente depois, porexclusão e residualmente, que será determinada a esfera privada.Assim, a primazia e precedência do público sobre o privado terãoefeitos diretos e decisivos sobre a lógica interna que rege os sistemasnormativos afetos a uma ou outra esfera: o Direito Público e oDireito Privado.

Na sequência examinaremos mais essa distinção – entre oDireito Público e o Direito Privado – que é fundamental paracompreendermos as especificidades da gestão das instituiçõespúblicas em relação à gestão das organizações da sociedade civil,tenham elas finalidade lucrativa ou não. Uma vez que a lei tenhadelimitado o espaço público e, por exclusão, definido também aextensão da esfera privada, os particulares que nesta se encontrarem– sejam eles simples indivíduos, associações civis ou empresas –poderão fazer tudo aquilo que a lei não proibir e deixar de fazeraquilo que a lei não os obrigar. A essa liberdade e autonomia de açãoda sociedade civil convencionou-se chamar de liberdade negativa.

Você deve estar se perguntando: Por que liberdade negativa?

Essa esfera de liberdade não parece suficientemente ampla

para ser vista positivamente?

Simplesmente porque essa esfera de liberdade – de fato,bastante extensa – é claramente delimitada por dois “não”:

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22Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

pode-se fazer o que a lei não proibir; e

pode-se deixar de fazer o que a lei não obrigar.

Essa é a regra geral que orienta todo o direito privado – istoé, aquele que regula as relações entre os entes privados nasociedade, como os direitos Civil, Comercial, Penal etc.

Essa regra elementar não é, entretanto, aplicável ao Direito

Público, que regula o funcionamento interno do Estado e as suas

relações externas com os agentes privados – como os Direitos

Constitucional e Administrativo. Você sabe por que não?

Exatamente porque, se gozasse de liberdade negativa, oEstado, suas instituições e seus agentes poderiam se tornar tirânicoscom os cidadãos. Pois se para os indivíduos – que isoladamentedetêm pouca força – a liberdade negativa pouca ou nenhumaameaça representa para a coletividade, para o Estado – que detémo monopólio do uso legítimo da força – a liberdade negativaequivaleria à tirania e ao completo cerceamento da liberdade doscidadãos.

Ficou mais claro agora por que razão o Estado e os agentes

públicos não gozam rigorosamente de liberdade de ação?

Por isso – e para assegurar que por meio da ação estatal ointeresse público seja atingido e a liberdade individual assegurada –o princípio que irá orientar o Direito Público será o de que o Estado:

será obrigado a fazer exatamente aquilo que a leimandar; e

só poderá fazer o que a lei expressamente autorizar.

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23Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

A compreensão da diferença entre liberdade negativa edireito positivo é de fundamental importância para o gestor público.

A liberdade negativa delimita a esfera de liberdadedos indivíduos na sociedade civil, enquanto o direitopositivo determina a esfera de poder do Estado sobrea sociedade.

A capacidade de buscar e encontrar “brechas na lei”, parapoder fazer aquilo que a organização quer e necessita, écaracterística valorizada e desejada nos administradores deorganizações e empresas privadas, que agem na esfera em queimpera o princípio da liberdade negativa. Porém, essa capacidadenão é, de modo algum, aceitável para um gestor público que terátodos os seus atos avaliados e julgados pela conformidade com oque a lei obriga ou expressamente autoriza.

Preste bem atenção! Normativamente, a primazia dopúblico sobre o privado está fundamentada nacontraposição entre interesse coletivo e interesseindividual. O bem comum não resulta da soma dos bensindividuais, razão pela qual os interesses individuais(privados) devem ser subordinados aos interessescoletivos (o bem público).

Logo, a primazia e precedência do público sobre o privadovão fazer com que as fronteiras entre um e outro sejam sempremóveis: ora o Estado avançando sobre a esfera privada, orarecuando, tal como no movimento pendular estudado na disciplinaEstado, Governo e Mercado. Existem, porém, algumas atividadesque atualmente estão consagradas como exclusivas do poder

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24Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

público; outras em torno das quais não existe qualquer consenso; eoutras ainda que suscitam os mais vivos embates.

Você saberia listar algumas das atividades exclusivas do poder

público?

Pois bem, entre as ações consensualmente consideradascomo exclusivas do Estado, talvez você tenha mencionado asatividades legislativas, judiciárias e das forças armadas e policiais.

Não seria imaginável que a elaboração de leis, quedeterminarão as obrigações e delimitarão a esfera de liberdade detodos, fosse conferida a mãos privadas. Por isso, a elaboraçãolegislativa é normalmente conferida a corpos coletivos em que seencontram representados todos os interesses da sociedade, de talforma que as leis por eles produzidas venham representar a vontadecoletiva – ou, no mínimo, a vontade da maioria. Tampouco seriaadmissível que a função de dirimir os conflitos entre as partes fosseconferida a uma organização privada. Por isso, a atividade judiciáriaé também conferida a tribunais, compostos por magistrados comformação jurídica adequada e situados acima dos interesses daspartes, garantindo a imparcialidade.

Também não contestamos que a defesa das agressõesexternas deva caber às forças armadas nacionais e que a segurançae manutenção da ordem pública internas devam ser asseguradaspelas forças policiais. Por fim, tampouco questionamos que arepresentação dos interesses de um Estado no exterior deva serencargo de diplomatas profissionais, mas se por uma razão qualquerum Estado não contar com representação diplomática própria emoutro país, é admitido que os seus interesses sejam representadospor terceiros. Mas a partir desses pontos, os consensos começarãoa desaparecer e as divergências, a emergir e se tornar mais claras.

A coleta de impostos é considerada, no Brasil, como umaatividade eminentemente pública e executada por servidorespúblicos. No entanto, na Argentina chegou-se a considerar a

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25Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

possibilidade de terceirização do recolhimento deimpostos como forma de aumentar a arrecadaçãopara o Tesouro do País. No Brasil, o sistemapenitenciário é público e administrado porservidores públicos, mas sob o governo daprimeira-ministra Margaret Thatcher, no ReinoUnido, a administração penitenciária iria serprivatizada por meio de licitações.

Há ainda outras at ividades que sãoconsideradas de interesse público, mas que nãodevem ou necessitam ser providas exclusivamentepelo poder público. Entre essas, se encontra amaior parte dos serviços sociais, como os deeducação – já referidos nesta Unidade – e desaúde, que são oferecidos tanto por instituiçõespúblicas como privadas.

Nas sociedades capitalistas, considera-se queas atividades produtivas sejam, eminentemente,atribuição dos agentes privados. Em princípio, adecisão de produzir um determinado produto paracomercialização no mercado seria exclusiva dequem se propusesse a produzi-lo e, como tal, independente do Estado,assim como também seria privativa do consumidor a decisão deadquirir ou não um determinado produto ofertado no mercado.

No entanto, considerações orientadas pelo interesse coletivoacabariam levando o Estado a intervir também nessa esferatipicamente privada, acabando com a rígida delimitação das esferasde atividade humana entre tipicamente públicas e tipicamenteprivadas.

Durante o século XX, até mais ou menos a década de 1970,a expansão da ação do Estado sobre áreas até então consideradasprivativas da sociedade civil seria notável. Essa intervenção doEstado iria se dar fundamentalmente sob três formas:

regulação pública de relações sociais até entãoconsideradas exclusivas da esfera privada;

Margaret Thatcher

Baronesa Thatcher, ex-

política britânica, nasci-

da em 1925. Foi primei-

ra-ministra de seu país,

de 1979 a 1990. Seus pos-

tulados principais foram

o l iberal ismo e o

monetarismo estritos. Conseguiu re-

duzir a inflação, mas diminuiu a pro-

dução industrial, gerando desempre-

go e a quebra de empresas e bancos.

Thatcher recusou a união social e po-

lítica do Reino Unido com a Europa e

criou o imposto regressivo, o poll tax,

o qual sofreu uma violenta e vitoriosa

resistência popular e a levou a perder

o apoio de seu próprio partido. Fonte:

<http://www.margaretthatcher.org/>.

Acesso em: 06 jul. 2009.

Saiba mais

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26Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

prestação de serviços sociais; e

produção de bens considerados essenciais ou deinteresse coletivo.

Vejamos, resumidamente, cada uma delas.

A regulação das relações de trabalho entreempregadores e empregados pelo Estado seria, possivelmente, aintervenção do Estado que maior impacto causaria nas sociedadesocidentais do início do século XX, até então culturalmente orientadaspelo liberalismo, já estudado por você na disciplina Estado, governoe mercado. Essa doutrina considerava que as relações econômicas,entre as quais se encontram as relações de trabalho, situavam-seno âmbito exclusivamente privado.

Com a organização do movimento operário e intensificaçãoda ação sindical e das lutas sociais na Europa, alimentadas pelasideologias socialistas e comunistas do século XIX, a rigidez liberalgradualmente abriria espaço à intervenção do Estado, até oestabelecimento do que se convencionaria chamar de Estado deBem-Estar Social. Após a grave crise econômica de 1929 e o períodode depressão que seguiria, os Estados passariam também a intervirna regulação de outras esferas das atividades econômicas, de formaa evitar outros períodos de crises econômicas e sociais tãoprofundas.

Já a prestação de serviços sociais pelo Estado seria,ainda, outro componente importante da agenda do Estado de Bem-Estar Social. Até então, os serviços sociais, hoje considerados deinteresse público, como saúde, educação e assistência social, eramprestados por organizações privadas, geralmente, por instituiçõesfilantrópicas, confessionais ou laicas, com a notável exceção daoferta de educação primária, já provida por escolas públicas desdeo século XIX. Ao longo do século XX, outros serviços sociaispassariam ainda a ser oferecidos pelo poder público, comotransporte, habitação e lazer.

A intervenção direta do Estado na produção de bens seriaoutro componente importante do avanço da esfera pública sobre a

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27Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

privada, sobretudo em sociedades da periferia do sistema capitalista,que começaram a industrializar-se tardiamente, como o Brasil.Partindo do pressuposto de que os capitais nacionais privados nãoeram suficientes para os investimentos produtivos necessários àindustrialização do País, e sendo esta considerada um bem comume única via de desenvolvimento nacional, o Estado brasileiro passoua atuar como produtor de bens em áreas consideradas estratégicas,como siderurgia, mineração, produção de motores, de energia e decombustíveis, além do financiamento das atividades produtivasprivadas. São exemplos disso a criação da(o):

Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941;

Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), em 1942;

Fábrica Nacional de Motores (FNM), em 1943;

Companhia Hidroelétrica do São Francisco, em 1945;

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico(BNDE), em 1952, posteriormente transformado emBanco Nacional de Desenvolvimento Econômico eSocial (BNDES); e

Petrobras, em 1953.

Em tempos recentes, a participação do Estado na regulaçãodas relações sociais, prestação de serviços e produção de bens iriarefluir, no Brasil e no mundo, como tratado na disciplina Estado,Governo e Mercado.

Para efeito desta disciplina, o importante é estarmosconscientes de que a fronteira entre o público e o privado é sempreflexível, mutável no tempo e no espaço, de acordo com o que umadeterminada coletividade nacional julga ser de interesse coletivo,ou não. Conforme Rousseau (1987, p. 50) sintetizaria, no ContratoSocial, a questão dos limites entre o público e o privado: “[...]perguntar até onde se estendem os direitos respectivos do soberano edos cidadãos é perguntar até que ponto estes podem comprometer-seconsigo mesmos, cada um perante todos e todos perante cada um”.

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28Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

AS PRERROGATIVAS DO PODER PÚBLICO

SOBRE OS AGENTES PRIVADOS

Vimos, no tópico anterior, que as instituições públicas gozamde diversas prerrogativas em relação aos agentes privados, quederivam logicamente da assimetria existente entre Estado esociedade civil. De acordo com o Direito Constitucional, existe todauma hierarquia de prerrogativas, que, exercidas pelos agenteslegalmente incumbidos, vão do poder soberano, que tudo pode, aopoder limitado em diferentes graus.

O exercício do poder soberano ocorre em momentos muitoespecíficos, geralmente em períodos de elaboração constitucional,quando são definidas as regras básicas que irão regerpermanentemente as relações entre os agentes privados entre si eentre estes e o Estado em uma determinada sociedade. Uma vezelaborada e aprovada a constituição de um país, a amplitude dacapacidade de mudar aquela relação passa a ser reduzida.

No exercício do poder soberano, os constituintes brasileirosque elaboraram a Consti tuição de 1988 previram algunsmecanismos para a alteração das relações entre Estado e sociedade.No Ato das Disposições Transitórias, a Constituição de 1988determinaria a realização de um plebiscito para que os eleitorespudessem decidir sobre a forma de Estado e de governo sob a qualdesejariam viver: República ou Monarquia; presidencialismo ouparlamentarismo. Em 1993, na data prevista pela Constituição, amaioria dos brasileiros acabaria se manifestando pela manutençãoda República e do regime presidencial vigentes no País.

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29Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

No entanto, nos regimes democráticos contemporâneos,como o brasileiro, decisões por participação popular direta têm maisvalor simbólico do que importância e poder efet ivos.Constitucionalmente, plebiscitos e referendos são mecanismosconcebidos para a população decidir diretamente sobre questõesbem específicas e previamente delegadas pelo parlamento aoeleitorado, sejam elas de ordem propriamente constitucional – comoo plebiscito sobre a forma de Estado e de governo, realizado em1993 – ou simplesmente de ordem legal – como o referendo sobre aLei do Desarmamento, realizado em 2005.

Na verdade, tão ou mais importante e frequentes que osmecanismos de democracia direta para alterar as relações entrepúblico e privado são as Emendas Constitucionais. Por meio delas,os representantes do povo no Congresso Nacional podem quasetudo, exceto pretender abolir:

a forma federativa de Estado;

o voto direito, secreto, universal e periódico;

a separação dos Poderes; e

os direitos e garantias individuais.

As Propostas de Emenda Constitucional (PECs) podem seraprovadas por maioria qualificada, isto é, de 3/5 dos deputadosfederais e 3/5 dos senadores, em votações realizadas em dois turnosem cada uma das casas do Congresso Nacional. Para a elaboraçãoe alteração das Leis Complementares, previstas pela Constituição,é requerida a aprovação da maioria absoluta dos representantesda Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ou seja, 50% maisum de todos os seus membros. Já a aprovação de Leis Ordináriasrequer apenas maioria simples, quer dizer, de 50% mais um dospresentes, em cada casa, nas sessões com quórum (50% mais umde todos os representantes).

Aqui é importante destacarmos que nos regimesdemocráticos, as mudanças que alteram fundamentalmente asrelações entre público e privado – aquelas que criam obrigaçõespara os cidadãos – são incumbência exclusiva do Poder Legislativo.

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30Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

Este pode restituir ao povo que elegeu os seus membros aprerrogativa de decidi-las diretamente, por meio de plebiscitos*ou referendos*, mas não poderá delegá-la ao Poder Executivo.Em nenhuma hipótese, os agentes do governo podem imporobrigações e restrições aos cidadãos que já não estejam previstasem lei. Excetuando as decisões direitas pelo voto popular – que é opoder legislativo originário – que se dão sempre por maioria simples,as decisões tomadas pelas instituições legislativas requerem maioriasdiferenciadas conforme o seu grau de importância, como detalhadono parágrafo anterior.

As prerrogativas de criar normas infralegais – aquelas quederivam das leis existentes e não criam novas obrigações para osparticulares – são do Poder Executivo. O presidente da República,os governadores de Estado e os prefeitos municipais têm o poderde emitir Decretos, regulamentando as disposições legais. OsConselhos, criados por Lei, podem normatizar por Resolução. E osministros e secretários de Estado, por sua vez, podem exercer seupoder normativo com efeitos externos, isto é, sobre a sociedade,por meio de Portarias. Até o fim da linha hierárquica, o servidorpúblico, na qualidade de agente do Estado, irá exercer um conjuntode poderes com efeitos sociais, que serão objeto de análisedetalhada ainda nesta Unidade.

Ao Estado são ainda garantidas certas prerrogativas mesmoquando estabelece contratos com os agentes privados – emboraconceptualmente um contrato seja uma relação estabelecida entreiguais. O Estado pode, por exemplo, al terar ou rescindirunilateralmente os seus contratos, se assim requerer o interessepúblico. Em contrapartida, o poder público fica obrigado acompensar o agente privado pelo prejuízo que a alteração contratualimposta vier a lhe causar, resguardado o equilíbrio financeiro daparte contratada.

O Estado pode agir unilateralmente porque ele –somente ele – age no interesse público, atuando osdemais agentes privados – lícita e legalmente – nadefesa dos seus interesses privados.

*Prebiscito – manifesta-

ção da vontade popular,

ou da opinião do povo,

expressa por meio de vo-

tação, acerca de assunto

de grande interesse polí-

tico ou social. Fonte:

Houaiss (2007).

*Referendo – manifesta-

ção de um grupo mais ou

menos considerável de

pessoas, por meio de vo-

tação, sobre questão

submetida à sua opinião.

Fonte: Houaiss (2007).

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31Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

Por essa razão, os contratos celebrados pelo Estado com osparticulares são regidos pelo Direito Administrativo. Na sociedadecivil, os contratos estabelecidos entre partes juridicamente iguaissão regidos pelo Direito Civil e só podem ser alterados mediante avontade expressa de ambas as partes contratantes. E não poderiaser diferente. Como cada qual defende, legitimamente, seus interessesprivados, nenhum contrato pode ser alterado ou rescindidounilateralmente.

O Estado tem ainda a prerrogativa de interferir num dosdireitos mais caros às sociedades liberais e capitalistas, que é odireito à propriedade. O Estado pode, sem cometer qualquerarbitrariedade, operar a transferência compulsória de um bem deum indivíduo ou de uma empresa particular para o domínio público,em caráter temporário ou permanente, conforme o caso, sempreque houver um motivo de interesse público legalmente sustentado.Essa intervenção do poder público na propriedade privada é impostade forma discricionária, mas sempre com ônus para o Estado, quedeve indenizar a pessoa – física ou jurídica – que tiver o seupatrimônio expropriado.

A lei faculta ao Estado desapropriar um particular quandohouver:

Necessidade pública, isto é, quando a AdministraçãoPública se defrontar com situações de emergência que,para serem satisfatoriamente resolvidas, exigem atransferência urgente de bens de terceiros para o seudomínio e uso imediatos.

Utilidade pública, quando a transferência de bensde terceiros para a Administração for conveniente,embora não imprescindível, como no caso deexpropriação de terras, urbanas ou rurais, para aconstrução de vias públicas.

Interesse social, quando as circunstâncias impuserema distribuição ou o condicionamento da propriedadepara o seu melhor aproveitamento, utilização ouprodutividade em benefício da coletividade ou de

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32Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

categorias sociais que forem objeto do amparoespecífico do poder público, como nos casos de reformaagrária.

Como podemos observar, as prerrogativas do Estado sãomuitas, mas todas exercidas dentro da estrita legalidade e sempreem benefício público. Em caso contrário, não caberia falar deprerrogativas, mas de arbítrio, que seria o abuso do poder público.Além disso, na arquitetura institucional dos Estados democráticoscontemporâneos não se encontram previstas apenas prerrogativaspara a ação do Estado, mas também deveres para este e direitospara o cidadão. É dentro dessa perspectiva que são concebidos osserviços públicos. Observe, no Quadro 3, uma das possíveis formasde classificarmos os serviços públicos.

CRITÉRIO

Quanto aoprestador

Quanto aousuário

TIPO

T ipicamentepúblico

De interessepúblico

Geral ou uni-versal

Particular ouindividual

DESCRIÇÃO

Imprescindíveis à soci-edade e que não sãopassíveis de delegaçãoEssenciais, mas passí-veis de delegação a ter-ceiros

Não passíveis de apro-priação individual

Passíveis de apropria-ção individual

EXEMPLOS

Polícia edefesa nacional

Transportes e comu-nicações

Iluminação e pavi-mentação públicas

Atenção à saúde eseguro-desemprego

Quadro 3: Classificação dos serviços públicosFonte: Elaborado pelo autor

Em um Estado de Direito, os serviços prestados pelaAdministração Pública decorrem das funções constitucionais e legaisdo poder público, não sendo nunca serviços voluntariamenteofertados por decisão autocrática dos governantes ou por iniciativados funcionários do Estado. Na verdade, a prestação voluntária deserviços é proibida na Administração Pública e aos servidorespúblicos, a não ser nos casos previstos por lei, e restrita à esferaprivada.

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Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

É norma do Direito Público, derivada da assimetriaentre Estado e sociedade civil, que ao Estado só cabefazer aquilo que a lei mandar, ou expressamenteautorizar. Portanto, somente à lei caberá determinarquais serviços serão prestados e quem terá ou nãoacesso a eles. Assim, o princípio contemporâneo decidadania determina que qualquer serviço oferecido peloEstado – seja ele gratuito ou pago – deva serconscientemente executado pelo prestador como um devere usufruído e percebido pelo usuário como um direito.

Nas sociedades com pouca experiência democrática – e,consequentemente, limitada cultura de cidadania – confunde-se,com frequência, gratuidade com caridade ou filantropia, assim comoserviços públicos com serviços gratuitos e serviços pagos comserviços privados. Essas noções não só são equivocadas como sãoconflitantes com o conceito de cidadania e o seu desenvolvimentona cultura política de uma sociedade, pois tanto o setor privadopode oferecer serviços gratuitos, sem que isso os torne serviçospúblicos, quanto o setor público cobrar pelos serviços que oferece,sem que isso faça deles serviços privados. Por isso é necessárioesclarecer devidamente essas diferenças.

O funcionamento dos serviços privados e pagos é o maisfacilmente compreensível: são pagos por quem deles usufrui paraaqueles que os prestam – e que arcam com os seus custosoperacionais. Assim funcionam os consultórios médicos particulares,em que o paciente paga ao médico; as escolas privadas que nãorecebem nenhum subsídio, em que os pais dos alunos pagam pelaeducação que os seus filhos recebem; todas as empresas privadas deprestação de serviços, em que o cliente paga ao fornecedor.

Já o funcionamento dos serviços gratuitos não é tão fácil deser compreendido, pois nem sempre fica claro para o usuário quemarca com os seus custos operacionais: se o Estado por meio deimpostos, como no caso do fornecimento de título de eleitor; se o

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34Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

setor privado, como no caso dos serviços assistenciais prestadospor instituições particulares de caridade; se ambos, como é o casode diversas Organizações Não Governamentais (ONGs), querecebem dinheiro tanto do Estado quanto do setor privado paracustear os seus serviços; ou ainda, se por uma composição derecursos advindos do Tesouro e de contribuições sociais, como osque compõem o orçamento da Seguridade Social, que é uma dasfontes de financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Existem ainda serviços que são parcialmente pagos pelousuário e oferecidos pelo setor público, que arca com os demaiscustos não cobertos pelas taxas cobradas, como os examesvestibulares e as matrículas nas universidades públicas. E existemtambém serviços públicos inteiramente pagos, como os de inspeçãofeitos pelas diferentes agências reguladoras nas empresas einstituições reguladas pelo Estado.

Então, podemos afirmar que não existe qualquer relação entre

gratuidade e serviços públicos?

Se respondeu que sim, acertou, pois temos serviços privadosque podem ser gratuitos e serviços públicos que podem ser pagos.Logo, o que faz com que o poder público decida oferecer umdeterminado serviço gratuitamente é a conveniência do poderpúblico ou a necessidade social. Por exemplo, é conveniente aoEstado oferecer gratuitamente iluminação pública, já que seriapraticamente impossível cobrar com justiça dos usuários ailuminação que beneficia a cada um. O mesmo vale para os serviçosde segurança pública e defesa de fronteiras. Já como bom exemplode gratuidade por necessidade social f igura o ProgramaUniversidade para Todos (ProUni), do Ministério da Educação. Aosestudantes cuja renda familiar per capita fique abaixo de umadeterminada quantia, considerada insuficiente para arcar com oscustos de uma mensalidade em um curso superior oferecido porinstituições privadas, são oferecidas bolsas de estudo integrais –

v

Conheça o ProUni

através do site <http://

prouni-

inscricao.mec.gov.br/

inscricao/>. Acesso em:

10 ago. 2009.

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Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

portanto, há gratuidade –; e aos que têm renda em um determinadopatamar que lhes permita arcar com parte dos custos dasmensalidades, são oferecidas bolsas parciais.

A distinção entre o público e o privado, a delimitação dafronteira entre uma e outra esfera e a extensão dos poderes e dasprerrogativas do poder público sobre os agentes privados sãoderivadas da contradição existente entre interesse privado e interessepúblico nas sociedades contemporâneas. Se esses interesses fossemcoincidentes, como foram na Pré-História da humanidade, e aindasão em algumas sociedades tribais existentes pelo mundo, inclusiveno Brasil, não haveria Estado, Administração Pública, DireitoPúblico nem Direito Privado.

Até aqui, examinamos as complexas relações que se

estabelecem entre público e privado nas sociedades capitalistas

contemporâneas. A partir de agora, para aprofundar o

conhecimento do funcionamento da esfera pública, faz-se

necessário analisarmos em detalhes a relação que se estabelece

no interior do Estado entre poder público e servidor público.

Vamos lá?

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36Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

O ESTADO E O SERVIDOR PÚBLICO

A relação que o Estado estabelece com os seus servidores –seja na esfera federal, estadual ou municipal – é de naturezainteiramente dist inta da relação que se estabelece entreempregadores e empregados no setor privado. Para o gestor público,conhecer essa especificidade é fundamental, e a melhor maneirade explicitá-la é contrastando as relações de trabalho na esferapública com as da esfera privada. Como vimos ao comparar asinstituições públicas com as organizações privadas, nestas, oempregador – que tanto pode ser um indivíduo, quanto umaempresa capitalista ou uma associação sem fins lucrativos –estabelecerá autonomamente os fins que irá perseguir, e para pôrsua organização em funcionamento, contratará livremente nomercado de trabalho os indivíduos que bem entender, atribuindo-lhes as funções que lhe aprouver. Respeitados os limites impostospela lei, empregados e empregadores encontram-se na plenitudedo exercício da sua liberdade negativa.

Agora para compreendermos melhor a amplitude da liberdade

negativa exercida pelos agentes privados e, por oposição, os

limites impostos ao Estado na gestão das suas instituições e

no trato com os seus servidores, imaginemos uma situação no

limite do absurdo.

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37Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

Suponha que um empresário qualquer decida lançar nomercado um novo produto, como água de torneira engarrafada. Seobservar e cumprir as normas estabelecidas pelos poderes públicoscompetentes, como as da Agência de Vigilância Sanitária e daSecretaria Estadual de Saúde, esse empresário poderá, legítima elegalmente, lançar-se no seu empreendimento. Para tanto, ele poderácontratar quem quiser. Desde que respeite as determinações dalegislação trabalhista, esse empresário poderá, se quiser, empregarapenas mulheres negras, idosas e portadoras de deficiência física,não necessitando justificar esse critério perante ninguém, por setratar de uma ação afirmativa que não contraria a lei. Poderá aindaorganizar a produção e comercialização do seu produto da formaque julgar mais conveniente, criando um departamento comercialvoltado para o mercado da região do semiárido nordestino e outrodepartamento de exportação voltado para os países do Saara. Senesses mercados o empresário imaginário encontrar compradorespara o seu produto, auferirá lucros, sendo o seu empreendimentorevestido de pleno sucesso. Se após algum tempo, ele quiser sedesfazer do seu empreendimento e mudar de ramo de atividades,ninguém poderá impedi-lo. E se ao contrário, após ter acumuladoprejuízos e dilapidado o seu patrimônio pessoal, resolver encerraro empreendimento, poderá fazê-lo livremente, demitindo todos osseus empregados mediante o pagamento do que a lei exigir.

Você pode estar se perguntando: o que queremos enfatizar com

este exemplo?

Sobretudo que a l iberdade de empreendimento, decontratação e de demissão de empregados desse empresárioimaginário é uma prerrogativa exclusiva do setor privado einexistente no setor público. Tipicamente, no setor privado,empregadores e empregados estabelecem entre si relaçõescontratuais no pleno exercício de sua liberdade negativa. No setorpúblico, a relação que se estabelece entre Estado e servidor é a de

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38Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

representação, não sendo o servidor outra coisa senão agente dopoder público.

Neste ponto, você irá provavelmente perguntar: o que quer

dizer servidor como representante do Estado e agente do poder

público?

São agentes do poder público todas aquelas pessoas físicasincumbidas de exercer as funções administrativas que cabem aoEstado e que ocupam cargos ou funções na Administração Pública.

E o que vêm a ser cargos?

Os cargos ou funções pertencem ao Estado, e não aos agentesque os exercem, razão pela qual o Estado pode, discricionariamente,suprimi-los ou alterá-los. Os cargos são os lugares criados por leina estrutura da Administração Pública para serem providos poragentes, que exercerão suas funções na forma da lei. É o cargo queintegra o órgão, enquanto o agente, como pessoa física, o ocupana condição de titular. A função é o encargo legalmente atribuídoaos órgãos, cargos e seus agentes.

Por tanto, órgãos, cargos e funções, existentes naAdministração Pública, são criações legais que se encarnam nosagentes, que são pessoas físicas. Na estruturação do serviço público,o Estado cria cargos e funções, institui classes e carreiras, fazprovimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens, edelimita deveres e direitos para os servidores:

Cargo público é o lugar instituído na organização do servi-ço público, com denominação própria, atribuições e res-ponsabilidades específicas e estipêndio correspondente, paraser provido e exercido por um titular, na forma estabelecidaem lei. Função é a atribuição ou o conjunto de atribuições

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39Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

que a administração confere a cada categoria profissionalou comete individualmente a determinados servidores paraa execução de serviços eventuais [...].

Os cargos são apenas os lugares criados no órgão para seremprovidos por agentes que exercerão as suas funções na forma legal.O cargo é lotado no órgão e o agente é investido no cargo. Por aí,se vê que o cargo integra o órgão, ao passo que o agente, como serhumano, unicamente titulariza o cargo para servir ao órgão. Órgão,função e cargo são criações abstratas da lei; agente é a pessoahumana, real, que infunde vida, vontade e ação a essas abstraçõeslegais (MEIRELLES, 2008).

Assim como na Administração Privada, aos diferentes cargossão atribuídas diferentes funções, e o acesso a esses cargos se dápor diferentes formas de investidura. Estas derivam da naturezadistinta das funções públicas a serem exercidas por cada agente.

A investidura política dá-se por eleição. No Brasil, esta é aforma de investidura para todos os cargos políticos no PoderLegislativo, ou seja, para os cargos de representação popular, enão para os postos administrativos, e para os mais altos cargos doPoder Executivo em suas diferentes esferas – federal, estadual emunicipal. Nas democracias, os cargos de maior poder têm essaforma de investidura, que pode ser por eleição direta ou indireta.No Brasil, a partir da vigência da Constituição de 1988, todas aseleições passaram a ser diretas, isto é, os cidadãos escolhemdiretamente, através do voto, os ocupantes dos cargos de presidente,governador, prefeito, senador, deputado federal, deputado estadualou distrital e vereador, cujos mandatos são temporários erigidamente determinados.

No entanto, existem democracias em que o acesso a algunscargos ocorre por eleição indireta, ou seja, por intermédio de umcolégio eleitoral no qual os eleitores não são os cidadãos, mas seusrepresentantes, como nas eleições para o Senado na França e aescolha dos primeiros-ministros nos regimes parlamentaristas. Emoutras democracias, há ainda alguns cargos de senador vitalício,como na Itália, no Chile e no Peru.

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40Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

Aos agentes polí t icos do Poder Executivo cabe,legitimamente, a definição das diretrizes e das políticas de governoa serem observadas por toda a Administração Pública. Os agenteseleitos, assim como os agentes por eles nomeados nos primeiro esegundo escalões da Administração Pública, estão democrática elegitimamente investidos do poder de reorientar a ação do poderpúblico para a direção que lhes aprouver, respeitados os limitesdas leis e da Constituição. Aos escalões inferiores da Administração,cabe a observância das diretrizes e orientações de governo, nãodevendo opor resistência a estas orientações.

Como cidadão, o funcionário público, em qualquernível, pode votar em quem bem entender nas eleições,mas, na condição de agente do poder público, eledeverá cumprir com exação as determinaçõessuperiores, sempre – é claro – que essas forem legais.

A maioria dos agentes, investida pelas demais formas, nãotem seu exercício nos cargos delimitado temporalmente, sendo aforma mais comum de investidura originária o concurso público.Os agentes assim investidos, após o cumprimento e aprovação noestágio probatório, tornam-se agentes efetivos, adquirindoestabilidade no serviço público. Vulgarmente considerada como umprivilégio do serviço público, já que inexistente no setor privado, aestabilidade é, na verdade, uma forma de proteção do servidor depossíveis pressões de governantes temporários e de compensaçãode alguns deveres e restrições que recaem exclusivamente sobre osservidores públicos, e não sobre os empregados do setor privado.

Além de estabilidade, a investidura em alguns cargos évitalícia, como nos casos de juízes, promotores e procuradores. Maisuma vez, não se trata aqui de privilégio, mas de garantia deindependência dos ocupantes dessas funções de pressões oriundas

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41Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

dos agentes políticos, que poderiam comprometer a imparcialidadecom que devem desempenhar suas funções.

Existe ainda a investidura por comissão, que é sempre denatureza transitória, para provimento de cargos de direção, chefiae assessoramento. Os agentes investidos em cargo em comissãopodem ser exonerados a qualquer momento, já que são cargos del ivre nomeação e da confiança dos agentes públicoshierarquicamente superiores.

Diferentemente do setor privado, em que os cargos sãocriados e as funções definidas discricionariamente pelo empregador,assim como a admissão e demissão dos indivíduos se dá em basesestritamente contratuais, no setor público, os cargos e suas formasde investidura serão sempre criteriosamente determinados por leitendo em vista resguardar o interesse público.

Outra grande diferença entre os cargos no setor público e osempregos na iniciativa privada é que o Estado confere aos seusservidores efetivos uma série de garantias inexistentes no mercado– como a estabilidade e a irredutibilidade dos vencimentos. Apesardessas garantias, o poder público se reserva algumas prerrogativas,sem as quais não poderia ajustar a Administração Pública àsmudanças da sociedade e dos interesses coletivos ao longo do tempo.

Por exemplo, se por um lado o Estado não pode demitir umservidor estável, por outro pode transformar ou extinguir o cargoem que ele se encontra investido. No caso de extinção, o servidorserá posto em disponibilidade, recebendo remuneração proporcionalao seu tempo de serviço, sem trabalhar, até que a Administração oreaproveite em outro cargo.

Na reforma do Estado, iniciada em 1995, no plano federal,uma série de cargos foi extinta da estrutura administrativa, passandoos seus agentes efetivos a ocupar cargos em extinção, semperspectivas de ascensão funcional e salarial. Naquele momento,os mentores da reforma administrativa julgaram que os cargosextintos – como os de motoristas, ascensoristas, estatísticos,arquitetos e tantos outros – não eram típicos de Estado, nãodevendo, por isso, mais existirem enquanto cargos públicos.

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42Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

Essa decisão discricionária não foi, entretanto, arbitrária, posto queaprovada pelo Poder Legislativo por meio de Emenda à Constituição.

Em outros casos menos drásticos, os servidores podem aindaser transferidos ex officio – isto é, compulsoriamente, no interesseda Administração Pública, de uma localidade para outra – ou tersua lotação transferida de um órgão público para outro, se assimfor do interesse da Administração.

Embora o serviço público e o emprego privado sejam denaturezas inteiramente distintas, como demonstrado até aqui, osdireitos e benefícios usufruídos pelos servidores públicos e pelosempregados no setor privado passariam, com o tempo, a ser cadavez mais convergentes.

Vejamos algumas situações para ilustrar isso.

Há algumas décadas, apenas os empregados do setorprivado tinham direito a receber um 13º salário anual.Atualmente, benefício equivalente é concedido aosservidores públicos federais sob o nome de gratificaçãonatalina.

Até bem pouco tempo atrás, os servidores públicosestáveis da União podiam incorporar permanentemente,e em cascata, aos seus vencimentos a remuneraçãoauferida por terem ocupado cargos em comissão porum determinado tempo, privilégio desconhecido nosetor privado e excluído, em 1997, da lei que dispõesobre o regime jurídico dos servidores públicos civisda União.

Apesar dessas convergências, para uns e outros seguemexistindo ordenamentos jurídicos distintos: o Regime Jurídico Único(RJU), para os servidores da União, e uma série de outros regimesjurídicos, não regidos por contrato, que dispõe sobre as relações dosEstados e dos municípios com os seus servidores titulares de cargospúblicos; e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para ostrabalhadores do setor privado e ocupantes de empregos públicos. Vamosexaminar algumas das principais diferenças entre o RJU e a CLT.

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43Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

A Constituição e o RJU garantem ao servidor federal que tenhapassado pelo período de estágio probatório estabilidade na funçãopública, obrigando-o a ela se dedicar integralmente e lhe impondolimites de remuneração. Por outro lado, a CLT não garante estabilidadeao trabalhador no emprego, mas lhe assegura um Fundo de Garantiapor Tempo de Serviço (FGTS), alimentado por contribuição patronale a ser sacado pelo trabalhador no momento da sua aposentadoria,em caso de demissão sem justa causa e em alguns outros casosespeciais previstos em lei, e não lhe impõe limites de remuneração.

Sobre a adequação e justiça das diferenças entre o RJU e aCLT, não existe qualquer consenso, sendo elas frequentementequestionadas pelos mais variados segmentos da sociedade:imprensa, associações profissionais, sindicatos patronais, detrabalhadores e servidores e pelos sucessivos governos.Independentemente das divergências, o que importa aqui precisaré que diferenças jurídicas, conceituais e funcionalmente sustentadasnão devem ser confundidas com privilégios. Estes podem e devemser combatidos e eliminados, uma vez que conflitam com o princípiobásico e fundamental de uma República, que é o da igualdade entreos seus cidadãos. Já as diferenças de direitos justificam-seplenamente, sem contradizer os princípios republicanos, sempre equando forem embasadas em diferenças funcionais, legal elegitimamente estabelecidas pelo poder público, porque consideradasnecessárias à defesa e consecução do interesse público.

Não fosse assim, não haveria qualquer sentido em delimitar

conceitual e legalmente os espaços e os limites entre o público

e o privado, como foi feito ao longo desta Unidade.

Complementando......Amplie seus conhecimentos sobre o Estado burocrático através da obraindicada a seguir:

Economia e sociedade – de Max Weber. v. 1. 3. ed. Brasília: UnB,

1994, p. 142-147.

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44Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

ResumindoNesta unidade, você estudou uma série de temas que

dizem respeito às relações entre público e privado na admi-

nistração pública e que são fundamentais para a sua forma-

ção de especialista em Gestão Pública.

Ao final desta unidade, você deve:

ter uma visão mais clara e articulada sobre as rela-

ções complexas que se estabelecem entre o se-

tor público e o setor privado nas sociedades de-

mocráticas contemporâneas, em geral, e no Bra-

sil, em particular;

ser capaz de diferenciar organizações de instituições;

compreender por que o público tem primazia so-

bre o privado;

conhecer as prerrogativas do Estado sobre os agen-

tes privados;

entender o papel do servidor público como agen-

te do Estado e conhecer as suas diferentes for-

mas de investidura; e

ser capaz de identificar e compreender as diferen-

ças existentes entre as relações entre Estado e ser-

vidor público e empregadores e empregados.

Se você tem clareza sobre essas questões, então já

está capacitado para iniciar o estudo da próxima unidade.

Mas se você ainda tem dúvidas a respeito de alguns desses

temas, deve procurar esclarecê-las com o seu tutor antes de

avançar no estudo desta disciplina.

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45Módulo Básico

Unidade 1 – Esfera Pública e Esfera Privada no Mundo Contemporâneo

Atividades de aprendizagem

Acabamos de tratar de assuntos ligados à esfera pública eprivada. Você ficou com alguma dúvida? Caso tenha ficado,retorne ao texto e reveja o que ainda não está claro. Lembre-se que você não está sozinho nessa caminhada. Se precisar,nos procure!

1. Identifique três diferenças entre:

a) setor público e setor privado;

b) patrões e empregados; e

c) Estado e servidores públicos.

2. Explique as razões das diferenças encontradas no item anterior.

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UNIDADE 2

OBJETIVOS ESPECÍFICOS DE APRENDIZAGEM

Ao finalizar esta Unidade, você deverá ser capaz de: Conhecer e compreender os cinco princípios constitucionais que

regem a Administração Pública; Entender as relações entre poderes e deveres do servidor

público; Diferenciar os contratos que o setor público estabelece com

agentes privados dos contratos celebrados entre particulares; e Compreender as mudanças operadas nas relações entre público

e privado e os desafios colocados à Administração Pública com aemergência do terceiro setor.

OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO

PÚBLICA E SUAS RELAÇÕES

COM O SETOR PRIVADO

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48Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

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49Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

INTRODUÇÃO

Em economias de mercado, o Estado não age sozinho, masfrequentemente associado ao setor privado. Essa associação se fazsob a forma de contratos. No entanto, os contratos que o Estadoestabelece com os agentes privados não são contratos entre partesiguais – como os estabelecidos entre dois agentes privados e regidospelo Direito Comercial –, mas entre entes assimétricos e, por essarazão, são regidos pelo Direito Administrativo e chamados decontratos administrativos.

Como visto na Unidade anterior, as relações do poder públicocom os indivíduos e organizações de particulares são disciplinadaspelo Direito Constitucional e pelo Direito Administrativo, cujafunção é a de garantir que o Estado venha a estabelecer relaçõesjustas, racionais e equitativas com os mais diferentes agentes comque entra cotidianamente em interação no exercício das suasfunções. Para assegurar a coerência da ação do Estado, exercidapor uma pluralidade de instituições estatais – que desempenhamfunções específicas e interagem com os mais diversos públicos – éque o Direito iria estabelecer alguns princípios básicos para orientartodos os atos da Administração Pública em todas e quaisquercircunstâncias.

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50Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

OS CINCO PRINCÍPIOS ORIENTADORES

DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os princípios que regem a Administração Pública brasileira,em todas as suas esferas, encontram-se consagrados pelo DireitoPúblico em quase todo o mundo. São eles a:

legalidade;

impessoalidade;

moralidade; e

publicidade.

Em 1998, por meio da Emenda Constitucional n. 19, iria seracrescentado à Constituição brasileira mais um princípio:

eficiência.

Pois o princípio da eficiênica não se encontra consagradono mundo todo.

Vamos examinar como a observância desses cinco princípios

condiciona as ações dos servidores públicos no interior da

Administração Pública?

O princípio da legalidade é o que estabelece a supremaciada lei escrita, condição sem a qual não poderia existir o EstadoDemocrático de Direito. O objetivo principal desse princípio é evitaro arbítrio dos governantes. Como já vimos, o Estado concentra um

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51Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

enorme poder nas mãos dos governantese de seus funcionários, e não fosse o claroestabelecimento desse princípioconsti tucional, certamente o poderexercido pela Administração Públicasobre os cidadãos seria exorbitante. Deacordo com o princípio da legalidade,toda ação estatal deverá,necessariamente, estar respaldada em lei,e esta, por sua vez, tem de estar ancoradano texto constitucional. Além disso, agarantia de legalidade na ação do poderpúblico depende ainda da qualidade dasleis, que devem ser elaboradas de acordocom as normas e técnicas legislativasconsagradas pelo Direito.

No Direito Positivo, que é o direitode origem romana, vigente no Brasil, toda lei é escrita, porém nemtudo que está escrito e imposto pelo Estado configura uma lei. Paraque um ordenamento escrito seja uma lei, ele deverá apresentar asseguintes características: a autoaplicabilidade, a generalidade, aabstração e o caráter coercitivo.

A autoaplicabilidade, a generalidade, a abstração e ocaráter coercitivo são características indispensáveisdas leis.

A autoaplicabilidade significa que a lei não necessita de nenhumoutro ato para ser aplicada, excetuando aqueles casos expressamenteprevistos no seu texto, como são os das leis que preveem a edição dedecretos para a sua regulamentação antes de entrarem em vigor.

Quanto à generalidade, Rousseau iria argumentar de formairrefutável, no Livro do Contrato Social, que a lei é sempre um atogeral, não podendo jamais incidir sobre um objeto particular. Assim

Jean Jacques Rousseau (1712–1778)

Sua proposta tem interesse tan-

to pedagógico quanto político e,

nesse sentido, propunha tanto

uma “pedagogia da polít ica”

quanto uma “polít ica da peda-

gogia”. Um dos instrumentos es-

senciais de sua pedagogia é o da educação na-

tural: voltar a unir natureza e humanidade. A

família, vista como um reflexo do Estado, é ou-

tro dos elementos centrais de sua pedagogia.

Entre suas obras destacam-se: Discurso sobre a

origem da desigualdade entre os homens; Do contra-

to social, e Emílio ou Da Educação (1762). Fonte:

< h tt p : / / w w w. c e n t ro r e fe d u c a c i o n a l . c o m . b r /

rousseau.html>. Acesso em: 10 ago. 2009.

Saiba mais

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52Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

sendo, uma lei pode incidir sobre uma categoria de indivíduos, demercadorias ou de entidades públicas, como os municípios ou asfundações públicas, mas deve ser sempre genérica, não podendonunca apontar o indivíduo X, o fabricante Y de uma determinadamercadoria, ou o município Z como o seu objeto.

Paralelamente à generalidade, a lei também deve ser sempreabstrata, não tratando jamais de casosconcretos. O caráter abstrato da lei é aqueleque designa uma qualidade separada do objetoque a possui. Por exemplo, a lei, na sua funçãoreguladora, pode estabelecer modelos e padrõesde condutas para os administradores públicosou para os condutores de veículos no trânsito,mas não descreverá nenhum caso concreto deconduta.

Por fim, o caráter coercitivo é o que tornaa aplicação da lei compulsória sobre o objetoda legislação. Por isso, uma lei difere de umarecomendação, que pode ou não ser aceita.A lei deve sempre ser acatada, ficando osinfratores submetidos às sançõescorrespondentes. A este propósito, Hobbes, no

Leviatã, iria escrever de forma lapidar que as convenções humanassem a força da espada não passam de palavras (“covenants, withoutthe sword, are but words”).

Como as leis estão destinadas a regular um universoextremamente amplo de situações ao longo do tempo, isto é, aquelasnas quais pareça ao Poder Público necessário a sua intervenção, aprodução legislativa deverá levar sempre em conta a necessidadede manutenção da coerência e harmonia no texto legal.Internamente, as leis não devem apresentar contradições lógicas,nem incongruências, quanto aos seus princípios e objetivos; eexternamente, elas devem guardar conformidade com a Constituiçãoe com as demais leis vigentes.

Thomas Hobbes (1588–1679)

Nascido na Inglaterra. Descobriu os “Ele-

mentos”, de Euclides, e a geometria, que

o ajudaram a clarear suas ideias sobre a

filosofia. Com a ideia de que a causa de

tudo está na diversidade do

movimento, escreveu seu pri-

meiro l ivro f i losófico, Uma

Curta Abordagem a Respeito dos

Primeiros Princípios. Em 1651,

publicou sua obra-prima, o Leviatã. Fon-

te: <http://educacao.uol.com.br/biografi-

as/ult1789u395.jhtm>. Acesso em: 24 jul.

2009.

Saiba mais

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53Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

Para que o Estado e seus servidores não abusem do podercom que estão investidos, o princípio da legalidade requer aindaprecisão e clareza na redação da lei, evitando formulações confusase obscuras, de forma a permitir que qualquer pessoa identifique,sem dificuldade, o conteúdo, o sentido e as implicações da lei aque se encontra submetida. Além disso, subjacente ecomplementarmente ao princípio da legalidade, existem o princípioda necessidade e o requisito de um fundamento objetivo para acriação de leis. Isso quer dizer que, ao se elaborar novas leis, énecessário sempre demonstrar racionalmente a sua necessidade,evitando o estabelecimento de restrições supérfluas ou de obrigaçõesdesnecessárias, o que feriria a presunção de liberdade subjacenteao Estado Democrático de Direito, que pressupõe um regime legalmínimo, de forma a reservar ao cidadão uma esfera – o quantomaior possível – de liberdade negativa.

O princípio da legalidade é fundamental para a defesa doEstado democrático de Direto; entretanto, não garante, alegitimidade e justiça das normas. Leis tecnicamente perfeitaspodem ser ilegítimas se não emanarem do poder legitimamenteconstituído para legislar. É bastante comum, após golpes de Estado,a edição de leis em substituição às vigentes durante o regimederrubado. Essas novas leis podem até ser elaboradas emconformidade com a melhor técnica do Direito, mas jamais serãoleis legítimas, porque editadas por um indivíduo ou grupo deindivíduos que usurparam o poder legislativo legítimo. Por outrolado, as leis podem ser legais e legítimas, mas causarem injustiçassociais, como o aumento da diferença entre ricos e pobres ou aredução dos serviços sociais para os mais necessitados. Portanto,legalidade, legitimidade e justiça são conceitos que não devem serconfundidos.

Neste ponto, você pode estar se perguntando: por que é

necessário ao gestor público conhecer todos esses requisitos

das leis se a ele não cabe legislar, mas administrar?

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54Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

Simplesmente porque o princípio da legalidade e todas assuas derivações também devem necessariamente ser contempladosem todos os atos da administração – isto é, em todos os atosinfralegais, normativos ou não – em conformidade com aquilo queé requerido das normas que lhe são superiores.

É por isso que na Administração Pública existem osmemorandos e ofícios – que são os instrumentos de comunicaçãooficial internos e externos ao órgão, respectivamente –, os quaisdevem ser redigidos com objetividade, concisão e clareza – tal comoas leis – para que o seu conteúdo seja adequadamentecompreendido e executado. No entanto, também é claro que o abusoao recurso da emissão de ofícios e memorandos irá constituir umadisfunção, gerando uma papelada desnecessária que sobrecarregao fluxo de documentos nas organizações públicas, provocandolentidão nos serviços prestados com evidentes prejuízos para osseus usuários.

Essa disfunção, que é sempre nociva ao interesse público,deve ser combatida pelos gestores públicos sempre que foridentificada, cabendo-lhes reorganizar os fluxos administrativos ereorientar o trabalho dos seus subordinados, de forma a conferirracionalidade ao serviço, sem comprometer – é claro – a legalidadedos atos administrativos, cujo único objetivo é a defesa e ocumprimento do interesse público.

O princípio da impessoalidade é decorrente direto da

legalidade com que os atos administrativos devem estar

revestidos. Você sabe por quê?

Porque o servidor público, enquanto tal e em qualquer nívelhierárquico, não age em nome próprio, mas em nome do poderpúblico a partir do cargo que ocupa na Administração, seja essecargo eletivo, comissionado ou efetivo. O autor de todos os atospúblicos serão sempre o Estado e o servidor que o executa, o seuagente.

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55Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

Assim, os atos administrativos serão sempre impessoais emum duplo sentido: no de quem age – que é o Estado e não a pessoado agente; e no do objetivo da ação – que é o interesse público enão o interesse das pessoas particulares atingidas pela ação estatal.

A impessoalidade dos diferentes atos administrativosencontra-se expressa na forma pela qual são editados. Por exemplo,as leis federais iniciam-se sempre com a seguinte frase: “OPresidente da República. Faço saber que o Congresso Nacionaldecreta e eu sanciono a seguinte Lei:”, ao que segue o texto da lei,encerrando-se o ato com a assinatura do presidente seguida dado(s) ministro(s) da(s) área(s) envolvida(s). Nessa formalidade,revela-se o princípio da impessoalidade, pois é sempre o CongressoNacional quem decreta (e não os deputados e senadores tais e quais)e o presidente da República quem sanciona as leis, figurando o(s)nome(s) do(s) agente(s) que a assina(m) apenas no fim do ato.O mesmo ocorre com os decretos, resoluções e portarias.

Não apenas nos atos externos da Administração, mastambém nos internos, a impessoalidade deve ser observada. É porisso que nos memorandos só figuram os cargos de quem os expedee de quem os recebe.

Vamos ver agora o princípio da moralidade?

O princípio da moralidade , contrariamente ao daimpessoalidade, que é decorrência da legalidade, é atributo diretodo agente público. Para que a Administração Pública aja de acordocom esse princípio, é essencial que os servidores, seus agentes,apresentem no seu comportamento as virtudes morais socialmenteconsideradas necessárias pela sociedade.

A moral refere-se a um conjunto de comportamentos que asociedade convencionou serem desejáveis ou necessários para oadequado funcionamento e convívio sociais. Enquanto convenção,a moral é mutável ao longo do tempo e variável de acordo com asdiferentes culturas. Embora próximas, moral e ética não se

vAmplie seus

conhecimentos sobre a

linguagem utilizada nas

comunicações oficiais,

através do Manual de

Redação da Presidência

da República no seguinte

site <http://

www.planalto.gov.br/

ccivil_03/manual/

index.htm>. Acesso em:

10 jul. 2009.

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56Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

v

Você pode consultar o

código de ética

profissional do servidor

civil do poder executivo

federal no endereço a

seguir: <http://

www.planalto.gov.br/

ccivil_03/decreto/

D1171.htm>. Acesso em:

10 ago. 2009.

confundem. A ética refere-se ao comportamento esperado dosindivíduos enquanto membros de uma determinada organização,instituição ou categoria profissional, e encontra-se normalmenteestabelecida em códigos; já a moral diz respeito ao comportamentoesperado de qualquer indivíduo e não se encontra necessariamenteescrita.

De acordo com o princípio da moralidade, exige-se dosagentes da Administração Pública probidade e honestidade deconduta, não só enquanto servidores, mas também enquantocidadãos. Exige-se também lealdade à instituição que servem ecumprimento das normas e regulamentos, além das ordenssuperiores, sempre – é claro – que estas não forem ilegais, poisninguém está obrigado a cumprir uma ordem ilegal. Considera-seimoral o abuso do poder assim como o seu uso em benefício próprioou de terceiros; a aceitação de propinas, a prática da usura, amalversação e desvio dos recursos do patrimônio público.

A lista de comportamentos morais esperáveis do servidor éextensa, e não cabe aqui reproduzi-la. No entanto, podemos afirmar,sem corrermos o risco de cair em simplificações, que a observânciado princípio da moralidade implica na consideração do interessepúblico nas ações do servidor, ao passo que a imoralidade implicano uso do poder do Estado com fins privados.

Conheça agora o que nos aponta o princípio da publicidade.

O princípio da publicidade aponta essencialmente para aclareza e visibilidade social que devem envolver os atos daAdministração. Os atos do Estado devem ser públicos em múltiplossentidos, porque:

emanados do poder público;

no interesse público;

para o público; e

de conhecimento público.

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57Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

É desse último sentido que deriva a essência do princípio dapublicidade. Excetuando algumas decisões, que para terem eficácianecessitam de sigilo, e alguns processos, que para serem levados abom termo requerem sessões reservadas, os atos públicos, em geral,pressupõem a publicidade, isto é, devem ser tornados públicos.Contudo, tanto a publicidade quanto o sigilo em certas circunstânciasderivam sempre da mesma motivação: garantir que as decisões queenvolvem os interesses dos cidadãos sejam tomadas em condiçõesfavoráveis à realização do interesse público, evitando sua capturapelos interesses privados.

A necessidade de que todos os atos administrativos sejamescritos deriva, também, do princípio da publicidade. Devendo serredigido de acordo com as normas e procedimentos decorrentes daaplicação do princípio da legal idade, tal como tratadoanteriormente, a constância escrita é que permite a clareza epublicidade necessárias aos atos públicos. As manifestações orais,como os discursos, são importantes meios de comunicação política,mas não são capazes de assegurar a explicitação do interessepúblico nelas contidas. As palavras vão-se com o vento, além deserem passíveis de manipulação através da oratória.

A exigência de publicação dos editais de licitação em veículosda imprensa local de grande circulação tem por finalidade garantira publicidade, da mesma forma que todos os atos do poder públicosó entram em vigor a partir da sua publicação no Diário Oficial,isto é, a partir do momento em que se tornam acessíveis aoconhecimento público.

Chegamos ao últ imo dos princípios orientadores da

Administração Pública: o da eficiência. Vamos entender

melhor este princípio?

O princípio da eficiência aponta para a racionalidadeeconômica do funcionamento da Administração Pública. É dointeresse público que os tributos pagos pelos cidadãos, e utilizados

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O Público e o Privado na Gestão Pública

para custear as funções administrativas, não apenas sejamutilizados de forma legal, impessoal, moral e pública, como tambémde forma eficiente, isto é, apresentando a melhor relação custo-benefício. Não é possível imaginar que a Administração Públicaseja eficiente se também não forem eficientes os processos por elautilizados e os agentes que a compõem.

Por isso, a eficiência da Administração é, fundamentalmente,fator da eficiência dos seus gestores e servidores.

Até aqui você estudou os princípios orientadores da Administração

Pública. Agora é chegado o momento de conhecer sobre os

poderes e deveres do gestor público. Vamos lá?

PODERES E DEVERES DO GESTOR PÚBLICO

O gestor público e todos os servidores que lhes sãosubordinados exercem sempre um conjunto de poderes, que serãotambém sempre proporcionais e compatíveis com o seu respectivonível hierárquico. A todo poder exercido pela Administração Públicacorresponde um conjunto de deveres, e essa correspondência não éaleatória, mas logicamente derivada dos seus princípios orientadoresque acabamos de examinar. Se ao poder exercido pelo agenteinvestido em um cargo público não correspondesse certos deveres,estaríamos diante de um privilégio concedido a um indivíduo, enão de uma função do Estado a ser exercida no interesse público.

O Estado exerce um conjunto de poderes que têm efeito sobrea sociedade civil e outro que tem efeito sobre a AdministraçãoPública. Compõem o primeiro o poder de polícia e o poderdiscricionário, e o segundo, o poder hierárquico e o poder disciplinar.

O poder hierárquico é aquele de que dispõe o titular do PoderExecutivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos,ordenar e rever a atuação de seus agentes. É o poder de reorganizar

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Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

a Administração Pública de acordo com o que cada governo julgarser a estrutura mais conveniente para:

a sua forma particular de administrar, que pode sercentralizada, descentralizada, participativa etc.;

acomodar os diferentes integrantes da sua equipe degoverno, como partidos e outros grupos de apoioconsiderados relevantes e necessários à sua gestão; e

atingir os objetivos propostos.

O poder disciplinar também é exercido para dentro doEstado e destina-se a punir as infrações funcionais cometidas pelosservidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos daAdministração. O poder disciplinar visa garantir, por meio dacoerção – que vai da advertência à demissão – que os servidoresda Administração Pública mantenham uma conduta compatívelcom os interesses do Estado, isto é, com o interesse público.

O poder de polícia é exercido pela AdministraçãoPública com a finalidade de conter os abusos deindivíduos e grupos na sociedade civil no exercício dasua liberdade negativa.

O exercício desse poder fundamenta-se na supremacia queo Estado exerce sobre o conjunto da sociedade e justifica-se semprepelo interesse social. Sua finalidade é defesa do interesse públicono seu sentido mais amplo. O poder de polícia é exercido sobretodas as atividades particulares que afetam ou possam afetar osinteresses coletivos, colocando em risco a segurança dos cidadãosou a segurança nacional. Através do exercício desse poder, aAdministração Pública regulamenta, controla ou contém asatividades dos particulares. A esfera de exercício do poder de políciaé delimitada, por um lado, pelo interesse social na intervenção do

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60Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

Estado em determinada área e, por outro, pelos direitosfundamentais do indivíduo assegurados pela Constituição.

O poder de polícia possui alguns atributos que lhe conferemefetividade. São eles:

Discricionariedade: só cabe ao Estado determinara oportunidade e a conveniência de exercê-lo.

Autoexecutoriedade: a decisão, para ser executada,não requer a intervenção do Judiciário.

Coercibilidade: é o respaldo da força para as medidasadotadas pela Administração.

Quanto à sua aplicação temporal, o poder de polícia podeser tanto exercido de forma preventiva quanto a posteriori.Preventivamente, o poder de política exerce-se por meio de ordens,proibições, ratificações e restrições; e posteriormente pela aplicaçãode multas, interdição de atividades, fechamento deestabelecimentos, embargo administrativo de obras, demolição deconstruções irregulares, destruição de objetos etc.

O poder discricionário é derivado do poder de polícia e confereà Administração Pública a liberdade de escolher a conveniência,oportunidade e conteúdo de sua intervenção. A discricionariedade éa liberdade de ação administrativa dentro dos limites estabelecidospela lei e, portanto, não se confunde com a arbitrariedade. O atodiscricionário desenvolve-se dentro das margens de liberdadeconferidas pela lei, sendo, portanto, um ato legal. Já o ato arbitrário,contrariamente, extrapola os limites da lei, sendo, consequentemente,ilegal. Tomemos como exemplo: uma delegacia de ensino exerce poderdiscricionário ao decidir os critérios de seleção dos estabelecimentosde ensino a serem inspecionados (os que têm maior número dealunos; os que consomem mais recursos ou os que têm piordesempenho); o momento de realização das inspeções (no início,durante ou no fim do período letivo); e o objeto da inspeção (ocumprimento do programa de ensino, a frequência dos professores, aconservação e uso dos equipamentos, a forma de gestão escolar etc.).

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Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

Como a Administração Pública só age por intermédio deseus servidores, conclui-se, logicamente, que são estes que, de fato,exercem os poderes de polícia e discricionário do Estado. Investidosdesses poderes, os agentes públicos encontram-se igualmentesubmetidos a alguns deveres, sem os quais seus poderes seriamabusivos, tais como:

o dever de agir;

o dever de prestar contas;

o dever de eficiência; e

o dever de probidade.

Dada a importância desses deveres, em seguida você irá

encontrar uma breve explicação sobre cada um deles.

O dever de agir do servidor público é derivado da dicotomiaDireito Público/Direito Privado e é consoante com o princípio dalegalidade. Como estudamos, na primeira Unidade desta disciplina,o Estado e seus agentes só podem e devem fazer aquilo que a leiobrigar ou expressamente autorizar. Consequentemente, não agirquando a lei assim determina constitui omissão, o que no DireitoPenal recebe o nome de prevaricação, definida como crimepraticado por funcionário público contra a Administração em geral.Portanto, agir quando a lei determina não é uma prerrogativa doservidor, mas sua obrigação. Da mesma forma, protelar ou usar dedelongas para agir constitui procrastinação, ato expressamentevetado ao servidor público federal pelo seu código de ética.

Já o dever de prestar contas é derivado da aplicação doprincípio constitucional da publicidade e da responsabilidade detodo servidor público por seus atos administrativos. Não basta aoservidor agir, conforme mandam a lei, os regulamentos e ossuperiores hierárquicos aos quais ele se encontra submetido, mas étambém necessário que o agente público se responsabilize por seus

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O Público e o Privado na Gestão Pública

atos e que estes sejam publicamente sustentáveis. O servidor tem o deverde prestar contas a diferentes autoridades e em diversos níveis:

ao seu chefe imediato, que, por sua vez, é o responsávelpelos atos dos seus subordinados perante os seussuperiores;

aos órgãos de controle instituídos, como corregedorias,controladorias internas, tribunal de contas e Judiciário; e

ao público em geral, constituído pelo conjunto decidadãos que, direta ou indiretamente, sofrem os efeitosda Administração Pública e pagam os tributos comque as atividades do Estado são mantidas.

A responsabilidade, para uns, ou a responsabilização, paraoutros – que traduz com suficiente precisão o termo inglêsaccountability –, nada mais é do que o dever do Estado e,consequentemente, de todos os servidores públicos enquanto seusagentes, de prestar contas de seus atos à sociedade. Afinal, ospoderes com que todos os atos administrativos se encontramrevestidos são derivados da sociedade sobre a qual eles se exercem.

O dever de eficiência deriva do princípio com o mesmonome, que se tornaria imperativo nas sociedades contemporâneas.A modificação e a modernização das estruturas produtivas eeconômicas das sociedades capitalistas ao longo dos anospassariam a exigir as correspondentes transformação emodernização dos procedimentos de gestão utilizados pelaAdministração Pública. A eficiência, termo nascido no campo daeconomia de mercado, chegaria assim ao Estado fazendo o percursocontrário do termo administração, que, nascido no Estado,designando os procedimentos de ação do poder público,posteriormente ganharia o mercado com a denominaçãoadministração de empresas. Atualmente, não mais se contesta quea eficiência seja um princípio de interesse público tão importantequanto são os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidadee publicidade.

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63Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

Por fim, o dever de probidade iria derivar do princípio damoralidade, definido na legislação pelo seu oposto, que é aimprobidade administrativa, extensamente tratada pela Leinº 8.429, de 02 de junho de 1992, que é aplicável a todos os agentespúblicos, servidores ou não, de todos os poderes e de todas as esferasda federação.

Constitui improbidade administrativa uma série de atos queimportam em enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário eatentam contra os princípios da Administração Pública. Não cabeaqui l is tarmos as si tuações que configuram improbidadeadministrativa, uma vez que, como exigem os princípios dalegalidade e publicidade, a legislação é suficientemente clara arespeito e disponível a todos. No entanto, cabe destacar que oextenso e detalhado rol de situações de improbidade administrativaé indicador, por um lado, da importância atribuída pelo legisladorà conduta do administrador público e, por outro, da diversidade desituações que podem propiciar ao servidor incorrer em atos queatentem contra o interesse público. Porque o Estado exerce umenorme poder que lhe foi conferido pela sociedade, ele e seusservidores são, ao mesmo tempo, e na mesma medida, repositóriostanto de esperança quanto de desconfiança populares. Por isso, doEstado espera-se tudo, ou quase, e dele e de seus servidores,desconfia-se de tudo, ou de quase tudo.

OS CONTRATOS DO SETOR PÚBLICO COM

OS AGENTES PRIVADOS

Como mencionado na introdução desta Unidade, o Estadofrequentemente recorre à iniciativa privada para adquirir os bens eobter os serviços necessários ao desempenho de suas funções. Paragarantir que os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidadee publicidade sejam observados nas relações que a Administração

vConheça a lei a que

estão submetidos todos

os agentes públicos do

Brasil consultando o

endereço: <http://

www.planalto.gov.br/

ccivil_03/Leis/

L8429.htm>. Acesso em:

10 jul. 2009.

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64Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

estabelece com os agentes privados, foi elaborada uma extensa edetalhada lei, composta de 126 artigos, instituindo normas paratoda a Administração Pública, a qual foi votada pelo CongressoNacional e promulgada em 1993.

A Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, estabeleceu osprincípios e normas gerais sobre l ic i tações e contratosadministrativos referentes a obras e serviços – inclusive depublicidade –, compras, alienações, concessões, permissões elocações no âmbito de todos os Poderes da União, Estados, DistritoFederal e municípios, extensivos aos seus fundos especiais,autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedadesde economia mista controladas direta ou indiretamente por qualquerdos entes da Federação.

A f im de assegurar a isonomia no tratamento dosfornecedores e prestadores de serviços e garantir a contratação daproposta mais vantajosa para a Administração, os contratos comterceiros são necessariamente precedidos de licitações, excetuandoalguns casos previstos na lei. Diferentes modalidades de licitaçãosão previstas de acordo com o tipo e valor dos bens e serviçosadquiridos, contratados ou vendidos.

Por exemplo, o leilão passou a ser a modalidade de licitaçãopara a Administração vender a particulares bens móveis inservíveisou produtos legalmente apreendidos ou penhorados, assim comopara a alienação de bens imóveis a quem oferecer o maior lance,desde que igual ou superior ao valor da avaliação obrigatoriamenterealizada antes do certame. Já o concurso tornou-se a modalidadepara escolha de trabalhos técnicos, científicos ou artísticos.

Três outras modalidades de licitação foram detalhadas paraa contratação de obras e serviços de engenharia, aquisição de bense contratação de outros serviços:

convite;

tomada de preços; e

concorrência.

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Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

Quando o preço dos bens a serem adquiridos ou dos serviçosa contratar não ultrapassarem um determinado valor, a licitaçãotorna-se dispensável. O limite de dispensa de licitação é deR$ 15.000,00 para a contratação de obras e serviços de engenharia,e de R$ 8.000,00 para a aquisição de bens e contratação de outrosserviços. Esses limites foram determinados em 1998, continuamvigentes até hoje, e correspondem a 10% do limite máximo permitidopara a utilização da modalidade convite.

Convite é a modalidade de licitação por meio da qual umaunidade administrativa envia cartas convite a no mínimo trêsempresas do ramo, solicitando a compra de bens ou a prestação deserviços. A utilização dessa modalidade é permitida para acontratação de obras e serviços de engenharia com valor estimadoaté R$ 150.000,00, e para a compra e contratação de outros serviçosaté o valor de R$ 80.000,00.

A tomada de preços passa a ser exigida quando os limitesde valor permit idos na modalidade convite tenham sidoultrapassados, sendo permitida para a contratação de obras eserviços de engenharia com valor estimado em até R$ 1.500.000,00,e para a compra e contratação de outros serviços até o valor de atéR$ 650.000,00. Essa modalidade consiste na licitação entreinteressados devidamente cadastrados no sistema de fornecedorese prestadores de serviço do órgão público, envolvendo, portanto,um número bem maior de potenciais fornecedores ou prestadores.

Já a concorrência é uma modalidade aberta à participaçãode todos os que comprovem possuir os requisitos mínimos dequalificação exigidos no edital para execução de seu objeto,tornando-se obrigatória para a contratação de obras e serviços deengenharia cujo valor estimado seja superior a R$ 1.500.000,00, epara a compra e contratação de outros serviços que ultrapassem ovalor de R$ 650.000,00.

A lógica que orienta a dispensa de licitação e a exigência decada modalidade é simples: quanto maior for o valor da contratação,mais ampla deve ser a competição, assim como mais longo ecuidadoso deva ser o processo licitatório, tendo em vista assegurar

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66Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

o interesse público, e não beneficiar um agente privado emdetrimento dos outros que se encontram no mercado. E quanto maisbaixos forem os valores envolvidos, mais ágil deve ser o mecanismode aquisição de bens e contratação de serviços para não emperraro funcionamento da Administração e lhe impor procedimentos deseleção longos e caros. Trata-se, portanto, do princípio darazoabilidade a orientar tanto a aplicação de cada modalidade delicitação quanto a sua dispensa.

Conforme esse princípio, modalidades de licitação que emtempos normais seriam obrigatórias passam a ser dispensáveis emmomentos especiais, como em situações de emergência oucalamidade pública. Também são dispensados processos licitatóriospara a aquisição ou locação de imóveis para uso da Administração,desde que esta demonstre que na região onde os seus serviços devemser executados não existem outros imóveis à venda ou para locaçãocom as características requeridas. Caso contrário, os particularesque se sentirem lesados pela escolha da Administração poderãocontestar judicialmente a não realização de licitação. Procurandocontemplar outros casos relevantes em que os processos licitatóriosdevem ser dispensados no interesse público, sem ferir a isonomiacom que a Administração deve tratar os agentes privados, a Leidas Licitações, como é também conhecida a Lei n. 8.666, prevêtoda uma outra série de exceções que não cabem aqui ser citadas.

Ao gestor público não é necessário conhecer emprofundidade e detalhadamente a Lei das Licitações, que rege ascontratações sob sua responsabilidade, pois, para isso – como foiindicado na introdução desta disciplina – ele deve contar com umaassessoria jurídica especializada para orientá-lo em suas ações.No entanto, ele deve necessariamente estar ciente dos seus princípiosgerais, diretrizes e exigências mínimas para tomar decisõesesclarecidas e compatíveis com os princípios que regem aAdministração Pública.

v

Você pode ter acesso à

Lei n. 8.666, de 21 de

junho de 1993, no

endereço: <http://

www.planalto.gov.br/

ccivil_03/Leis/

L8666compilado.htm>.

Acesso em: 10 ago 2009.

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67Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

Antes de passarmos para o próximo e último item desta

Unidade, que tratará das relações do poder público com o

chamado terceiro setor, cabem algumas referências às

inovações introduzidas nas relações entre público e privado

posteriores à Lei das Licitações, de 1993. Vamos a elas!

A Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quedisciplina a concessão e permissão de prestação deserviços públicos a agentes privados, e que fornece oquadro legal para as privatizações feitas durante ogoverno do presidente Fernando Henrique Cardoso.

A Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, queestabelece as normas gerais para a l icitação econtratação de Parcerias Público-Privadas (PPPs),mediante as quais a Administração Pública, em todasas esferas, passa a contratar empresas privadas paraa realização de obras e prestação de serviços queenvolvam um montante superior a R$ 20 milhões,transferindo-lhe recursos públicos para a manutençãodos serviços e garantia do seu equilíbrio financeirosomente após a realização das obras contratadas.

Essas inovações são indicações suficientes do quanto oEstado brasileiro tem procurado o setor privado como parceiro pararealizar obras e prestar serviços de interesse público.

Você certamente compreendeu as relações que envolvem os

contratos do setor público com os agentes privados, tratados

até aqui. Pois bem, na última seção desta Unidade você vai

estudar as relações entre o público e o privado com a

emergência do terceiro setor. Vamos, então, conversar um

pouco sobre isso?

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68Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

O PÚBLICO E O PRIVADO E AEMERGÊNCIA DO TERCEIRO SETOR

Embora o Direito brasileiro só reconheça organizações deDireito Público e de Direito Privado, de acordo com a dicotomiapúblico/privado estudada no início desta disciplina, no Brasil e nomundo passaram a surgir organizações que reivindicam uma funçãoe uma identidade distintas das entidades estatais e das organizaçõesprivadas. Por toda parte, essas organizações passariam a seidentificar e a serem identificadas como Organizações NãoGovernamentais (ONGs).

Embora de Direito Privado, as ONGs estruturam-se comoassociações civis sem fins lucrativos – o que as distingue dasempresas privadas, cujo objetivo é o lucro – que têm como objetivoo desenvolvimento de atividades de interesse público. Nessacondição, as ONGs operam de acordo com as regras do Direitoprivado e, por desempenharem funções de interesse público,passaram também a reivindicar recursos públicos paradesempenhar suas atividades, além dos recursos oriundos dainiciativa privada, que desde o seu surgimento vinham garantindoo seu funcionamento.

Para regular a relação do poder público com essas novasorganizações, iriam ser criadas novas leis. Em 1998, seriapromulgada a Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998, qualificandocomo Organizações Sociais (OSs) as pessoas jurídicas de direitoprivado sem fins lucrativos, cujas atividades fossem dirigidas aoensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, àproteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde.

v

Para mais informações

sobre as características

e funções das ONGs,

acesse o site <http://

www.sebraemg.com.br/

culturadacooperacao/

oscip/02.htm>. Acesso

em: 10 jul. 2009.

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69Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

No ano seguinte, a Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999,iria ainda qualificar pessoas jurídicas de direito privado sem finslucrativos como Organizações da Sociedade Civil de InteressePúblico (OSCIPs), habilitando-as a receber recursos públicos coma finalidade de promover:

assistência social;

cultura;

defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

educação e saúde gratuitas;

segurança alimentar e nutricional;

defesa, preservação, conservação do meio ambiente epromoção do desenvolvimento sustentável; e também

estudos e pesquisas, entre uma série de outrasatividades de interesse público.

A qualificação de OSs e OSCIPs e a sua utilização para aprestação de serviços de interesse público são maiores em algunsEstados da Federação e menores em outros, embora em todos sejama forma minoritária de prestação de serviços para o público. A grandevantagem imaginada pelo Estado, quando essas figuras legais foramcriadas, era a maior flexibilidade e agilidade com que organizaçõesde Direito Privado poderiam prestar serviços públicos. De fato, OSse OSCIPs gozam de maior flexibilidade na contratação de pessoal ecelebração de contratos com empresas comparativamente àsentidades públicas, embora a utilização dos recursos públicos quelhes forem passados pelo Estado deva também obedecer aosprocedimentos licitatórios da Lei n. 8.666, de 21 de julho de 1993.

Todas essas iniciativas do Estado, sempre devidamenterespaldadas na lei em busca de cooperação e parceria com o setorprivado, são fortes indicativos de que a ação estatal direta não temse mostrado suficiente para satisfazer às necessidades públicas. Emsociedades complexas, como a brasileira, em que o capitalismo seencontra bastante desenvolvido, as atividades econômicasdiversificadas em vários segmentos e a democracia consolidada,

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70Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

as relações entre esfera pública e esfera privada tendem a se tornar,paradoxalmente, mais tensas e mais próximas. Como forma desuperar esse impasse, alguns autores procuraram identificar umterceiro tipo de espaço organizacional situado entre a esferatipicamente pública e a tipicamente privada, denominando-o públiconão estatal.

No entanto, e apesar desses esforços, a velha e tradicionaldicotomia público/privado não parece estar se aproximando docolapso ou da solução e superação. Como bem mostrou Mintzberg(1998) ao identificar no mundo contemporâneo duas outras formasde propriedade além da privada e da estatal – a propriedadecooperativa (como as de seguro mútuo) e as organizações semproprietários (como a Cruz Vermelha e o Greenpeace), localizadasem uma posição intermediária entre a propriedade estatal, àesquerda, e a propriedade privada, à direita –, essas novas formasde propriedade se encontrariam, paradoxalmente, mais afastadasdos extremos do que estes entre si, tal como uma ferradura, conformea Figura 1:

Figura 1: Formas de propriedade nas sociedades capitalistas contemporâneasFonte: Elaborada pelo autor

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71Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

De acordo com Mintzberg (1998, p. 150),

[...] o salto da propriedade estatal para a privada é maisfácil de realizar do que fazer a mudança para a proprieda-de cooperativa ou para as organizações sem proprietários.Talvez seja isso que explique porque nossa atenção se fixouna polarização, nacionalização versus privatização. O sal-to é muito mais simples: basta comprar o outro lado, mu-dar os diretores e tocar em frente; o sistema interno decontroles permanece intacto (o mesmo). Na Rússia atual,em muitos setores, estes saltos foram fáceis demais.O controle estatal deu lugar ao controle privado, sem semodificar.

Diante dessas dificuldades, o que mais realistamente se podeesperar é que as relações entre esfera pública e esfera privadacontinuem a se modificar, sem comprometimento da dicotomiapúblico/privado.

Numa economia capitalista e sob o Estado democrático dedireito, o desafio posto aos gestores públicos é o de criar e recriarconstantemente os mecanismos adequados para assegurar umequilíbrio mínimo entre as forças e princípios opostos existentes nasociedade, de forma a maximizar o bem-estar coletivo e resguardare promover a liberdade e autonomia dos seus cidadãos, conformeos cinco princípios que regem a Administração Pública inscritosna Constituição brasileira.

Complementando......Para saber mais sobre esse tema leia:

Entre o Estado e o mercado: o público não estatal – de Luiz Carlos

Bresser-Pereira e Nuria Cunil l Grau. Disponível em: <http://w w w . b r e s s e r p e r e i r a . o r g . b r / p a p e r s / 1 9 9 8 /84PublicoNaoEstataRefEst.p.pg.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2009.

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72Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

ResumindoNesta unidade, que encerra o seu estudo da disciplina

O público e o privado na gestão pública, você estudou os

princípios que regem a Administração Pública brasileira, os

poderes e deveres dos agentes públicos e as relações

estabelecidas entre setor público e setor privado no mundo

contemporâneo. Vimos também as relações estabelecidas

entre as organizações não governamentais, mais conheci-

das como ONGs, com o poder público e as tentativas e difi-

culdades enfrentadas pelos teóricos da Administração para

superar a dicotomia público-privado a fim de melhorar a pres-

tação de serviços públicos à sociedade.

Se você ainda tem alguma dúvida em relação a essas

questões, retorne aos pontos deste texto nos quais elas são

tratadas ou procure esclarecimentos complementares com

o seu tutor antes de passar às atividades de avaliação de

aprendizagem, a seguir.

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73Módulo Básico

Unidade 2 – Os Princípios da Administração Pública e suas Relações com o Setor Privado

Atividades de aprendizagem

Para conferir se você teve um bom entendimento até aqui,preparamos algumas atividades.

1. Relacione os poderes e deveres dos agentes públicos e pelo me-

nos três princípios que regem a Administração Pública. Depois

aponte duas razões das mudanças que se produziram entre o Es-

tado e o setor privado nos últimos tempos.

2. Considerando os conteúdos estudados nas duas Unidades desta

disciplina, estabeleça as relações existentes entre as

especificidades da esfera pública, tratadas na primeira Unidade,

e os princípios que regem a Administração Pública, estudados na

segunda parte.

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74Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

�Referências

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos ; GRAU, Nuria Cunill. Entre o Estado eo mercado: o público não estatal. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos;GRAU, Nuria Cunill. (Org.). O Público Não Estatal na Reforma do Estado.Rio de Janeiro: FGV, 1999.

HOUAISS. Antônio. Dicionário on-line da língua Portuguesa. Abril de2007. Versão 2.0a. CD-ROM. 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. SãoPaulo: Malheiros Editores, 2008.

MINTZBERG, Henry. Administrando governos, governandoadministrações. Trad. Carlos Antonio Morales. In: Revista do SetorPúblico, ano 49, n. 4, out-dez, 1998.

ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo: licitação, contratosadministrativos e outros temas. São Paulo: Saraiva, 2009. (SinopsesJurídicas n. 20).

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Trad. Lourdes SantosMachado. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Os Pensadores).

WEBER, Max. Economia e sociedade. Trad. Regis Barbosa e Karen ElsabeBarbosa. 3. ed. Brasília: UnB, 1994. v. 1.

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75Módulo Básico

Referências Bibliográficas

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76Especialização em Gestão Pública

O Público e o Privado na Gestão Pública

MINICURRÍCULO

Ricardo Corrêa Coelho

Bacharel em Ciências Sociais pela Universi-

dade Federal do Rio Grande do Sul (1981), Mestre

em Ciência Política pela Universidade Estadual de

Campinas (1991) e Doutor em Ciência Política pela

Universidade de São Paulo (1999). É especialista em Políticas Públicas

e Gestão Governamental, do Ministério do Planejamento, e trabalha

no Ministério da Educação desde 2000. Tem experiência docente nas

áreas de Ciência Política e Administração Pública, com trabalhos nas

áreas de partidos políticos, políticas públicas, educação e formação de

quadros para a Administração Pública.

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Curso Professor

O estado e os Problemas Conteporâneos - Turma 1 Luciano Mitidieri Bento Garcia

Indicadores Socioeconômicos na Gestão Pública - Turma 1 Hildo Meireles de Souza Filho

Estado, Governo e Mercado - Turma 1 Vera Alves Cepêda

Gestão Pública

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