“Minha palavra vale um tiro e eu tenho muita munição”...

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“Minha palavra vale um tiro e eu tenho muita munição” – Marginalidade, racismo e violência policial: a palavra como forma de denúncia e resistência Octávio Augusto Linhares Garcia Reis UFRGS INSTITUTO DE LETRAS TEORIA E PRÁTICA DA LEITURA TURMA A – 2017

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“Minha palavra vale um tiro e eu tenho muita munição” –

Marginalidade, racismo e violência policial: a palavra como forma de

denúncia e resistência

Octávio Augusto Linhares Garcia Reis

UFRGS INSTITUTO DE LETRAS

TEORIA E PRÁTICA DA LEITURA TURMA A – 2017

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Público-alvo:

Alunos de EJA do Ensino Médio e/ou alunos dePré-Vestibular Popular, como por exemplo, o ResgatePopular, curso em que atuo há 4 anos.

Em geral, o público do Resgate Popular é compostopor trabalhadores, na maioria das vezes moradores dezonas periféricas. Muitos deles já concluíram o ensinoregular há vários anos, embora haja também alunosrecém egressos do ensino médio e alguns poucos queainda não possuem o E.M. completo e estão estudandopara poder obter o diploma via ENEM. Por critério deseleção, todos são egressos de escola pública e muitosapresentam graves dificuldades de leitura,especialmente de textos literários.

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Objetivos e justificativas

O objetivo principal desta oficina é contribuirpara a formação de leitores literários. A apostacontida nessa proposta baseia-se napossibilidade de debate te um tema atual e derelevância para o contexto social dosparticipantes a partir de textos contemporâneosde gêneros variados, mas contendo em comumtemáticas como pobreza, marginalidade eviolência policial.

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Número de alunos: aproximadamente 30 estudantes

Número de horas/aula: 4 aulas com 1h30min de duração

Recursos necessários: Datashow, caixas de som, textos impressos (a empresa Fábrica das apostilas imprime o material necessário para ser utilizado no Resgate Popular de forma totalmente gratuita)

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Resultados esperados

Espera-se que a partir da leitura e da realizaçãodas atividades programadas os alunos possamdebater os textos literários com base na própriaexperiência estética vivida por cada um durante aleitura. Em suma, a oficina tem como objetivo queos alunos possam exercitar a prática de leitura,atingindo uma resposta de acordo com asorientações curriculares, que prevê o letramentocomo “o estado ou condição de quem não apenas écapaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropriaefetivamente por meio da experiência estética,fruindo-o“ (MEC, 2006, p. 63)

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Forma de avaliação

• Participação e engajamento nos debates

• Produção escrita

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Unidade temática: marginalidade, racismo e violência policial

Texto 1

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A imagem no slide anterior faz parte de umacampanha online que denuncia a violênciapolicial contra jovens negros. Leia a seguintereportagem sobre essa campanha:

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/03/30/O-que-jovens-negros-disseram-antes-de-ser-mortos-por-policiais (texto 2)

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Considerando os dados presentes nareportagem (texto 2), você acha a campanharelevante? Por quê?

Você considera a ideia da campanha uma boamaneira de denunciar a violência policial contrajovens negros? Se você fosse organizador dacampanha, faria algo diferente?

Observe novamente a imagem do slide 7(texto 1). Os elementos escolhidos para compor aimagem (fundo preto, letras brancas, etc) causamque sentimentos e impressões em você?

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O homem na estrada- Racionais MC’s (texto 3)

• Ouça a música O homem na estrada, do grupo Racionais MC’s, lançada em 1993, no album Raio-X do Brasil:

https://www.youtube.com/watch?v=02-h9t0VpVI (texto 3)

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• Um homem na estrada recomeça sua vidaSua finalidade: a sua liberdadeQue foi perdida, subtraídaE quer provar a si mesmo que realmente mudouQue se recuperou e quer viver em pazNão olhar para trás, dizer ao crime: nunca mais!Pois sua infância não foi um mar de rosas, nãoNa FEBEM, lembranças dolorosas, entãoSim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfimMuitos morreram sim, sonhando alto assimMe digam quem é feliz, quem não se desesperaVendo nascer seu filho no berço da miséria.Um lugar onde só tinham como atraçãoo bar e o candomblé pra se tomar a bençãoEsse é o palco da história que por mim será contadaUm homem na estrada

• Equilibrado num barranco, um cômodo mal acabado e sujoPorém, seu único lar, seu bem e seu refúgioUm cheiro horrível de esgoto no quintalPor cima ou por baixo, se chover será fatalUm pedaço do inferno, aqui é onde eu estouAté o IBGE passou aqui e nunca mais voltouNumerou os barracos, fez uma pá de perguntasLogo depois esqueceram, filha da puta!Acharam uma mina morta e estupradadeviam estar com muita raiva"Mano, quanta paulada!"Estava irreconhecível, o rosto desfiguradoDeu meia noite e o corpo ainda estava lácoberto com lençol, ressecado pelo sol, jogadoO IML estava só dez horas atrasadoSim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfimQuero que meu filho nem se lembre daquiTenha uma vida segura.Não quero que ele cresça com um "oitão" na cinturae uma "PT" na cabeça.E o resto da madrugada sem dormir, ele pensao que fazer para sair dessa situaçãoDesempregado entãoCom má reputaçãoViveu na detençãoNinguém confia nãoE a vida desse homem para sempre foi danificadaUm homem na estrada

• Um homem na estrada• Amanhece mais um dia e tudo é exatamente igual

Calor insuportável, 28 grausFaltou água, já é rotina, monotoniaNão tem prazo pra voltar, hã! Já fazem cinco diasSão dez horas, a rua está agitadauma ambulância foi chamada com extrema

urgênciaLoucura, violência, exageradoEstourou a própria mãe, estava embriagadoMas bem antes da ressaca ele foi julgadoArrastado pela rua o pobre do elementoo inevitável linchamento, imaginem só!Ele ficou bem feio, não tiveram dóOs ricos fazem campanha contra as drogasE falam sobre o poder destrutivo delaPor outro lado promovem e ganham muito dinheiroCom o álcool que é vendido na favela

• Empapuçado ele sai, vai dar um rolêNão acredita no que vê, não daquela maneiracrianças, gatos, cachorros disputam palmo a palmoseu café da manhã na lateral da feiraMolecada sem futuro, eu já consigo verSó vão na escola pra comer, apenas nada maisComo é que vão aprender sem incentivo de alguémSem orgulho e sem respeitoSem saúde e sem paz

• Um mano meu tava ganhando um dinheiroTinha comprado um carroAté Rolex tinha!Foi fuzilado a queima roupa no colégioAbastecendo a playboyzada de farinhaFicou famoso, virou notíciaRendeu dinheiro aos jornais, ham!, cartaz à policiaVinte anos de idade, alcançou os primeiros lugaresSuperstar do notícias populares!

• Uma semana depois chegou o crackGente rica por trás, diretoriaAqui, periferia, miséria de sobraUm salário por dia garante a mão-de-obraA clientela tem grana e compra bemTudo em casa, costa quente de sócioA playboyzada muito louca até os ossosVender droga por aqui, grande negócio.Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfimQuero um futuro melhor, não quero morrer assim,num necrotério qualquer, um indigente sem nome e sem nadaO homem na estrada

• Assaltos na redondeza levantaram suspeitaslogo acusaram favela para variarE o boato que corre é que esse homem estáCom o seu nome lá na lista dos suspeitos, pregada na parede do bar.

• A noite chega e o clima estranho no are ele sem desconfiar de nada, vai dormir tranquilamentemas na calada caguetaram seus antecedentescomo se fosse uma doença incurável

No seu braço a tatuagem, DVC, uma passagem, 157 na leiNo seu lado não tem mais ninguém

• A Justiça Criminal é implacávelTiram sua liberdade, família e moralMesmo longe do sistema carcerárioTe chamarão para sempre de ex presidiárioNão confio na polícia, raça do caralho.Se eles me acham baleado na calçadaChutam minha cara e cospem em mim éEu sangraria até a morteJá era, um abraço!.Por isso a minha segurança eu mesmo faço

• É madrugada, parece estar tudo normal.Mas esse homem desperta, pressentindo o malmuito cachorro latindoEle acorda ouvindo barulho de carro e passos no quintalA vizinhança está calada e inseguraPremeditando o final que já conhecem bemNa madrugada da favela não existem leisTalvez a lei do silêncio, a lei do cão talvez

• Vão invadir o seu barraco, é a polícia!Vieram pra arregaçar, cheios de ódio e malíciaFilhos da puta, comedores de carniça!Já deram minha sentença e eu nem tava na "treta"Não são poucos e já vieram muito loucosMatar na crocodilagem, não vão perder viagemQuinze caras lá fora, diversos calibres, e eu apenasCom uma "treze tiros" automáticaSou eu mesmo e eu, meu Deus e o meu orixáNo primeiro barulho, eu vou atirar.Se eles me pegam, meu filho fica sem ninguémE o que eles querem: mais um "pretinho" na FEBEM.

• Sim, ganhar dinheiro ficar rico enfimA gente sonha a vida inteira e só acorda no fimMinha verdade foi outra, não dá mais tempo pra nadaBang! Bang! Bang!

• "Homem mulato aparentandoEntre vinte e cinco e trinta anosÉ encontrado morto na estrada doM'Boi Mirim sem númeroTudo indica ter sido acerto de contas entre quadrilhas rivais.Segundo a polícia, a vitima tinha vasta ficha criminal."

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Você já tinha ouvido alguma música do RacionaisMC’s? Caso sim, comente se você gosta ou não do grupo eexplique seus motivos.

Você conhece alguma história parecida com a contadana música?

Como é o ambiente descrito na música? Liste algunselementos de descrição do ambiente apresentados em Ohomem na estrada.

O homem que é morto ao final da música temantecedentes criminais; qual sua situação jurídica nomomento de sua morte? Ele foi novamente condenado?

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Como o tráfico de drogas é descrito nacanção?

Quem conta a história? O homem que émorto ao final ou outra pessoa? Justifique suaresposta.

O trecho final da música lembra uma notícia de rádio ou televisão. As informações da notícia apresentam alguma contradição com a história contada anteriormente na música? Comente.

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Você gosta das rimas apresentadas pela música?Qual o papel delas na canção?

Como agem os policiais na canção? Você acha quehá alguma relação dessa postura descrita com acampanha apresentada na reportagem (texto 2)?

Você acha que esta canção alerta para o mesmoproblema relatado na reportagem? O que vocêconsidera mais efetivo como denúncia: a campanha oua canção dos Racionais MC’s. Justifique.

Todas as respostas devem ser debatidas com a turma.

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Ana Davenga – Conceição Evaristo

Leia o conto Ana Davenga, publicado no livro Olhos D’água, de Conceição Evaristo, disponível também em https://banhodeassento.wordpress.com/2011/04/08/conceicao-evaristo-olhos-d%C2%B4agua/ (texto 4)

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Quais características são atribuídasexplicitamente ao Davenga? E quais podemosinferir a partir do seu comportamento?

Na sua opinião, o protagonista da história é oDavenga ou é Ana? Explique sua resposta.

Há semelhanças entre a história contada emAna Davenga e a história contada em O Homemna estrada? E diferenças? Debata com os colegas.(Nessa atividade, o professor pode elaborar umquadro comparativo junto com os alunos)

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Dentre os crimes cometidos por Davenga estáo assalto a um político e o assassinato de umamulher. O que cada um desses crimes parece dizera respeito da personalidade de Davenga? Ele semostra arrependido de algum dos seus atos?Como o feminicídio afeta a relação dele com Ana?

A campanha apresentada nos textos 1 e 2denuncia o assassinato de jovens negrosinocentes, mortos por policiais. Na sua opinião, osprotagonistas da canção O homem na estrada e doconto Ana Davenga são vítimas de violênciapolicial? Sua situação é diferente daquela dosjovens da campanha? Comente.

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A voz narrativa em Ana Davenga demonstrasimpatia ou compadecimento pela situação dospersonagens que narra. Selecione trechos quejustifiquem sua resposta e debata com oscolegas.

Na sua opinião, há uma tentativa de denúnciade uma realidade social em Ana Davenga?

Na sua opinião, os textos lidos expõemalguma relação entre a violência policial e oracismo? Justifique com base nos textos.

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Atividade final – produção de texto

Com base nas atividades anteriores e nodebate desenvolvido com os colegas, produza umcartaz semelhante aos apresentados nos textos 1 e2 denunciando a morte de algum personagem dashistórias do texto 3 e 4 que você considereinocente (pode ser o homem da canção, AnaDavenga, o filho que Ana esperava ou até mesmo opolicial morto por Davenga). Escreva um pequenotexto para acompanhar a imagem produzida, comoos presentes na reportagem do texto 2.

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Referências

EVARISTO, Conceição. Ana Davenga. In: Olhos D´água. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 2016.

ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO: Linguagens:códigose suas linguagens. Ministério da Educação / Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, 2006

RACIONAIS MC’S.Racionais MC’s. RDS Fonográfica/Zimbabwe Records, ZBCD 015, s.d. 1 CD. [Coletânea dos discos Raio X Brasil, Escolha seu caminho e Holocausto urbano]

DIAS, Tatiana. “O que jovens negros disseram antes de ser mortos”. Nexo. Publicado em 30 de março de 2016. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/03/30/O-que-jovens-negros-disseram-antes-de-ser-mortos-por-policiais Visto em 17 de julho de 2017.