MInas Faz Ciência

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Edição nº 53

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MINAS FAZ CIÊNCIAdiretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr.Redação: Ana Flávia de Oliveira, Diogo Brito, Marcus Vinícius dos Santos, Maurício Guilherme Silva Jr., Rodrigo Valadares, Vanessa Fagundes, Virgínia Fonseca e William Ferrazdiagramação: Fazenda ComunicaçãoRevisão: Sílvia BrinaProjeto gráfico: Hely Costa Jr.Editoração: Fazenda Comunicação & MarketingMontagem e impressão: Rona EditoraTiragem: 20.000 exemplaresCapa: Hely Costa Jr.

Redação - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar, São Pedro - CEP 30330-080Belo Horizonte - MG - BrasilTelefone: +55 (31) 3280-2105Fax: +55 (31) 3227-3864E-mail: [email protected]: http://revista.fapemig.br

Blog: http://fapemig.wordpress.com/Facebook: http://www.facebook.com/FAPEMIGTwitter: @fapemig

GOVERNO DO ESTADODE MINAS GERAISGovernador: Antonio Augusto Junho Anastasia

SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIORSecretário: Narcio Rodrigues

Fundação de Amparo à Pesquisado Estado de Minas Gerais

Presidente: Mario Neto Borgesdiretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: José Policarpo G. de Abreudiretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Paulo Kleber Duarte Pereira

Conselho CuradorPresidente: João Francisco de Abreu Membros: Alexandre Christófaro Silva, Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Evaldo Ferreira Vilela, José Luiz Resende Pereira, Marcelo Henrique dos Santos, Marilena Chaves, Paulo Sérgio Lacerda Beirão, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Valentino Rizzioli

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Na descrição dos grandes feitos da ciência, eles são pouco lembrados e quase nunca mencionados. Mas, se não fosse por eles, é possível que as respostas buscadas não fossem tão claras ou confiáveis. Desde seus primórdios, as ciências ligadas à vida se utilizam de corpos humanos e de animais para entender o fun-cionamento da natureza, elaborar hipóteses e gerar conhecimento. Os cadáveres utilizados por estudantes e pesquisadores em aulas de anatomia, os voluntários de pesquisas clínicas e mesmo os animais usados como cobaias em experimen-tos diversos são personagens fundamentais para o desenvolvimento da ciência. Apesar de sua importância, o uso de corpos (vivos ou não) em estudos científicos sempre foi polêmico.

Os primeiros estudos de anatomia, por exemplo, foram feitos sem que ne-nhum cadáver fosse aberto, já que isso era considerado um desrespeito ao morto. Considerado o primeiro anatomista do mundo, Galeno, que viveu no Império Roma-no entre os séculos II e III, baseou suas teorias na dissecação de macacos, porcos e outros animais. Seus ensinamentos prevaleceram até meados de 1.400 e ainda foram necessários pouco mais de cem anos para uma exposição fiel do esqueleto humano, feita por Vesalius. O uso de cadáveres em aulas de anatomia também demorou a ser liberado. A primeira dissecação de que se tem registro na Europa foi feita por volta de 1.300, na Universidade de Bolonha. No Reino Unido, entre os séculos XVI e XVII, as escolas usavam em suas aulas corpos de criminosos conde-nados à forca, para os quais a dissecação era vista como punição adicional. Além disso, a Igreja Católica condenava a prática: o corpo era sagrado e sua violação um crime a ser castigado com a fogueira.

Esse imaginário negativo não contribuiu em nada para popularizar os estu-dos anatômicos. Por muito tempo, apenas cadáveres de criminosos eram utilizados com esse fim (e, nos períodos em que essa quantidade se mostrava insuficiente, proliferavam ladrões especializados em roubar corpos recém-enterrados). Com o passar do tempo e a evolução de várias áreas da ciência, assim como das técnicas de dissecação e preservação, o uso do corpo humano para fins científicos foi sendo incorporado à prática acadêmica. Hoje, no Brasil, vigora uma Lei que permite o uso de cadáveres não reclamados para estudos e pesquisas científicas. De acordo com nossa legislação, também é possível que qualquer pessoa doe, ainda em vida, seu corpo para fins científicos e/ou pedagógicos. Apesar disso, em cerca de 90% dos cursos de Medicina existentes no país faltam corpos para o exame e o trabalho dos estudantes. A mesma dificuldade é enfrentada por cientistas que dependem de voluntários para a realização de pesquisas clínicas.

A importância para a ciência, o cuidado técnico e ético dos estudantes e a his-tória de voluntários que decidiram, em vida, contribuir com o ensino e a pesquisa por meio da doação de seus corpos compõem a reportagem de capa desta edição da MINAS FAZ CIÊNCIA. A matéria aborda, também, questões éticas ligadas ao uso de animais e o esforço de pesquisadores em criar técnicas que minimizem seu uso ou que os substituam completamente nos experimentos científicos. O texto, além de merecer leitura, é um convite à reflexão.

Como sempre, a revista vem recheada por reportagens interessantes, que mostram um pouco do que está sendo feito e discutido nas universidades e centros de pesquisa de Minas Gerais. Novos produtos, como um isotônico a base de leite, um tecido inteligente que regula a temperatura corporal e uma metodologia para avaliar o desempenho de propriedades rurais estão entre os destaques. E já que mencionamos os avanços da ciência, vale conferir a entrevista com a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Helena Nader. Ela fala sobre os desafios atuais e daqueles que estão por vir, e como a ciência pode ajudar a huma-nidade a superá-los. Boa leitura e até a próxima edição!

Vanessa Fagundesdiretora de redação

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TECNologIa DE alImENTosA partir da ultrafiltração do leite, estudo multidisciplinar da UFV desenvolve “repositores hidrolíticos”

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bIoDEsIgNVencedora do Prêmio Jovem Cientista 2012, estudante mineira cria tecido inteligente, que ameniza aumento da temperatura corporal

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ECologIaRe-vegetação em regiões mineradas é feita com uso de espécies locais e de substrato já existente no território degradado

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lEmbRa DEssa?Confira as boas novas de pesquisa da UFMG que busca restaurar vegetação nativa em áreas da Serra do Cipó

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5 PERgUNTas PaRa...Novo presidente do Confap, Sergio Luiz Gargioni comenta metas e desafios de sua gestão

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hIPERlINkConfira novidades do blog Minas faz Ciência e fique por dentro do Plano Inova Empresa e da 65º reunião da SBPC

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agRoNEgóCIoSistema de Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas promete melhorar desempenho de propriedades rurais mineiras

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TECNologIaPor meio de técnica criativa e inovadora, criadores produzem camarões em fazenda no Triângulo Mineiro

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ENTREVIsTaPresidente da SBPC, professora Helena Nader fala sobre ciência, educação, bem-estar social e desenvolvimento brasileiro

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EDUCaçãoEm Uberlândia, grupo de pesquisa transfere conhecimento matemático à população e realiza atividades de letramento

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TURIsmoPolítica de circuitos turísticos em Minas Gerais é tema de investigação na Universidade Federal de Viçosa (UFV)

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gEogRafIaAções e perfis de pichadores do hipercentro de Belo Horizonte são estudados por pesquisadores da PUC Minas

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lITERaTURaEspecialistas da Unimontes desenvolvem Enciclopédia do Grande Sertão, compêndio com informações sobre obra-prima de Guimarães Rosa

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6 EsPECIalMINAS FAZ CIÊNCIA estimula debate acerca do uso de corpos (vivos ou não) em pesquisas científicas

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MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é

permitida, desde que citada a fonte.

Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: [email protected] ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Rua Raul Pompéia, 101 - 12.º andar - Bairro São Pedro - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 30330-080

Fiquei encantada com a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, da @fapemig. Acho que, para pessoas como eu, que querem fazer algo na área de tecnologia, é um achado. @magavilhosa(via Twitter)

Contemplado com o envio da edição trimestral da revista MINAS FAZ CIÊNCIA, estou cada vez mais surpreso com a qualidade das edições.

Matérias interessantes, curiosas e, sobretudo, bem elaboradas e sustentadas. Além de tudo, surpreende-me o fato de a revista ser gratuita. Gostaria, realmente, de deixar registrados os meus parabéns a todos os envolvidos e res-ponsáveis por este projeto. Espero que conti-nuem com a iniciativa, e, de certa forma, que contribuam com o surgimento de experiências similares no Brasil, país que tanto necessita de educação melhor.

Igor Jenkins P. Oliveira

Salvador (BA)

Parabenizo à equipe da revista MINAS FAZ CIÊNCIA pela edição nº 52 da publicação, na qual se destaca a excelente matéria “Movidas pela dúvida”, de Maurício Guilherme Silva Jr. A revista chama a atenção pelo conteúdo das reportagens e, também, pelo belíssimo projeto gráfico. Vida longa à revista!

Elvis Gomes

Assessor de Comunicação / Funedi/UEMGDivinópolis (MG)

ERRATADiferentemente do que foi publicado na edição nº 50 da revista MINAS FAZ CIÊNCIA, a fotografia usada na capa da publicação é de autoria de Foca Lisboa, e não de Marcelo Focado, conforme registrado no expediente.

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Corpos em evidênciaDoação de cadáveres, voluntariado em pesquisas clínicas e uso de animais em laboratório instigam importante debate moral e metodológico

Maurício Guilherme Silva Jr.*

* Colaboraram Marcus Vinicius dos Santos e Virgínia Fonseca

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Sem ele, os atletas não se definiriam como tal. Do mesmo modo, o que restaria às modelos caso não pudessem usá-lo, nas passarelas, com o intuito de dar visi-bilidade ao ofício de talentosos estilistas – profissionais que, por sua vez, só pensam “nele” para realizar seu trabalho fashion? Como se pode perceber, a partir de tais breves “máximas laborais”, o corpo se revela essencial não apenas ao direito de ir e vir dos indivíduos, mas também – e principalmente – aos destinos e sentidos atribuídos pelas pessoas, nos quatro can-tos do mundo, à própria existência.

No dia a dia das civilizações, per-cebe-se vasto o volume do que se co-menta – e se discute e se investiga e se propõe – acerca do corpo e suas parti-cularidades. A verdade é que o conjunto de membros, órgãos e músculos capaz de conceder “integridade física” aos se-res – e que se transfigura na “morada da alma” dos espiritualistas, no objeto de observação dos artistas plásticos ou no “ambiente” de estudos dos especialistas – compõe, com louvor, a complexa seara das inquietações humanas.

No que diz respeito às práticas cien-tíficas, o corpo – antes e depois da morte – configura-se como elemento fundamen-tal a múltiplos usos e perquirições. Se, por um lado, milhares de pesquisas clínicas, ligadas às mais diversas áreas do conhe-cimento, dependem de voluntários vivos para desenvolvimento de novos produtos, ferramentas ou serviços, por outro, as ins-tituições de ensino – principalmente, no campo da saúde – necessitam da doação de cadáveres para suas atividades-fim: da formação de novos profissionais à investi-gação de técnicas e processos inovadores.

Apesar de relativamente recente no Brasil, a prática da doação de corpos para ensino e pesquisa é bastante promissora. “Como em tantos outros países, onde o procedimento é feito há muito tempo e as doações são suficientes para as necessida-des, também aqui essa tem sido a forma mais eficaz e duradoura de obter cadáveres humanos, já que as demais fontes pratica-mente não existem mais”, esclarece o pro-fessor Geraldo Brasileiro, do Departamento de Anatomia Patológica e Medicina Legal

da Faculdade de Medicina da Universida-de Federal de Minas Gerais (UFMG), que implementou, na instituição, a campanha permanente para doação de cadáveres.

A legislação brasileira prevê que qualquer pessoa, no exercício de seus direitos, pode, em vida, doar seu corpo para fins científicos e/ou pedagógicos. O código assegura, ainda, que tal ato não seja irrever-sível, já que, a qualquer momento – caso mude de opinião –, o doador tem o direito de refazer sua opção. Bastante simples, o procedimento varia, na verdade, segundo a insti-tuição de ensino a ser beneficiada. Como regra, os cidadãos precisam declarar, formalmente, sua intenção de doar o próprio corpo. Por meio desse documento, a universidade ou faculdade passa a ter o direito de recebê-lo após o falecimento do indivíduo.

Na Faculdade de Medicina da UFMG, o procedimento é rápido e consiste em breve conversa de esclarecimen-to entre um professor da faculdade e o candidato a doador. Para agendar dia e horário de tal “bate-papo”, as pessoas interessadas podem ligar ou enviar e-mail. Durante o encon-tro, são esclarecidas todas as pos-síveis dúvidas sobre o assunto. Em seguida, caso o cidadão se sinta suficientemente esclarecido e segu-ro de seus atos, pode, então, assinar um termo de doação.

Apesar da predisposição dos brasi-leiros como doadores, importante ressaltar que, em cerca de 90% dos 200 cursos de Medicina do país, faltam corpos para a boa formação dos estudantes. Ninguém, con-tudo, está parado no tempo: “A experiência da UFMG com a doação de corpos, inicia-da como um programa de ação em 1999, é a maior no Brasil e a que obteve mais resultados. Outras universidades e facul-dades de Medicina também já iniciaram ou têm tentado implantar programas seme-lhantes”, revela Geraldo Brasileiro.

Na visão do professor, os resultados da criação de tais campanhas são animado-res, mas o sucesso das empreitadas – nada simples, a seu ver – depende de ações bem articuladas, no sentido de mostrar às pes-soas que a doação é possível e, ao mesmo tempo, revelar a importância do ato para a formação de profissionais da saúde e para a expansão do conhecimento científico. “A exemplo do que ocorre em muitos outros países, também no Brasil essa iniciativa de-verá produzir bons resultados. Pessoalmen-te, sou muito otimista a respeito do êxito dessas medidas”, completa.

Geraldo Brasileiro explica, ainda, que, na UFMG, não se trabalha com a intenção de convencer as pessoas a doar seus corpos. “Entendemos a doação como ato genuinamente altruísta, vinculado, es-

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Máquinas de simular vida

Valiosos equipamentos e recur-sos adicionais podem, hoje, auxiliar o ensino-aprendizado do corpo humano. Construídos com materiais os mais di-versos, muitos são os modelos artificiais capazes de reproduzir, com boa quali-dade, os componentes da estrutura cor-poral. “Tais ‘bonecos’ permitem que se conheça, bem de perto, a anatomia hu-mana, o que inclui os vários órgãos in-ternos. Por outro lado, há programas de computador cada vez mais aperfeiçoados e abrangentes para ampliação do conhe-cimento”, explica Geraldo Brasileiro.

Muitos desses programas permi-tem que se tenha visão múltipla e inte-grada de órgãos e estruturas do corpo. “Alguns dispositivos garantem acesso a informações dinâmicas, o que facilita a compreensão das partes e do todo. No entanto, são acessórios e comple-mentares, no sentido de que, sozinhos, não conseguem fornecer, aos estudan-tes, todas as informações necessárias. Ou seja, estudar diretamente no corpo humano continua sendo necessário, embora nem tanto como no passado, quando havia grande oferta de corpos para os cursos de Medicina”, completa o professor.

pontânea e naturalmente, à vontade das pessoas de fazer algo de bom a outrem, sem qualquer retribuição. Reafirmo que precisamos muito dessas doações, mas não queremos incentivar ou induzir as pes-soas a fazê-las”, diz, ao comentar que sua maior preocupação refere à capacidade de conscientizar os cidadãos sobre as dificul-dades de conseguir cadáveres humanos. “Temos certeza de que, se nossa mensa-gem chegar a parcelas cada vez maiores da população, mais e mais pessoas irão nos procurar naturalmente, pois o desejo de contribuir para a coletividade já faz parte de seu íntimo”, completa.

Em nome da vida“Depois da morte, nosso corpo é como

uma casa vazia, à mercê do vandalismo”. A força da frase revela-se proporcional à in-tensidade das convicções de José Maria da Silva, taxista que, há cerca de 15 anos, as-sumiu voluntariamente o compromisso de, após a morte, ter o corpo doado à Faculdade de Medicina da UFMG. Nascido em Gouvêa (MG) – lugarejo próximo a Diamantina e também conhecido como Monjolo –, José parece ter optado pela doação devido a uma série de princípios políticos e filosóficos: “Na sociedade contemporânea, o individualismo é o mal que vivifica todos os males, pois nos leva ao isolamento e, daí, à ignorância e à fal-ta de solidariedade social”, analisa.

Em sua visão, doar o corpo para es-tudos é atitude voltada à coletividade e ao avanço do conhecimento. Casado e pai de duas filhas, o taxista enxerga a morte com naturalidade – “Preencheu o tempo, aca-bou!” – e dá de ombros aos amigos que criticam sua decisão: “Como farei para que compreendam que não temos a posse do corpo?”, afirma, ao lembrar que, dentre os psicólogos, historiadores e filósofos que admira, o existencialista Jean Paul-Sartre – principalmente, em obras como O ser e o nada – é seu predileto.

No que diz respeito à forte pressão cultural para que o corpo seja enterrado, José da Silva observa que “o costume integra o Sistema. E, aos olhos da socie-dade, as pessoas sentem que, ao romper tradições, talvez estejam fazendo algo er-rado”. Embora, a seu ver, o país avance no processo de criação de valores altruístas e solidários, mostra-se paciente em relação ao modo como as pessoas pensam: “Leva tempo para que mudemos comportamen-

tos. Além disso, nossa nação ainda está amadurecendo. Em médio prazo, a própria necessidade promoverá mudanças, que re-sultarão em maior solidariedade e respeito às limitações do outro. A mola da gente é o desejo”, diz, para, em seguida, comen-tar o processo de doação de corpos: “Que cada pessoa reflita e veja se tem o desejo de ajudar o próximo, mesmo após a mor-te. Caso queira doar, tudo bem. Em caso contrário, ótimo. São os direitos que todos têm”, completa.

Os ideais de José da Silva represen-tam parte do pensamento dos cidadãos so-bre o ato da doação. Muitos há, obviamente, também contrários à iniciativa. Segundo o professor Geraldo Brasileiro, para a maioria da população do país, a questão é realmente delicada, a ponto de o assunto, por vezes, parecer fora de cogitação: “Isso porque, em nossa cultura, as pessoas nascem, vivem tempo variado e morrem, sendo, em segui-da, enterradas. Para essas pessoas, eliminar este último passo é algo inaceitável”.

Apesar disso, conforme explica o pesquisador, também existe número con-siderável de indivíduos que, à maneira de José, gostariam de praticar tal gesto – muitas vezes, em nome do bem-estar dos outros. “Em conversa com centenas dessas pessoas, pude perceber que, na socieda-de, muitas têm verdadeiro espírito altruísta e gostariam de fazer algo de bom para a comunidade. Tenho absoluta convicção da existência de indivíduos que sentem necessidade de fazer o bem para seus se-melhantes”, acredita.

Eis o caso de José Maforte Kupp, suboficial reformado da Aeronáutica, para quem um corpo sem vida “não possui mais importância ou valor”. Por isso é que ele – assim como a esposa, Maria Geralda – resolveu tornar-se doador. Na verdade, para que o casal chegasse a tal decisão, foi vital, além do desejo de auxiliar ao próxi-mo, certos “acasos” da prática religiosa: o padre da paróquia frequentada por José e Maria, no bairro Primeiro de Maio, sem-pre sugere aos fiéis que busquem pensar nos benefícios do ato de doação: “Ele nos fez ver que, após a morte, não temos mais

nada a perder. Seria sensacional, portanto, se pudéssemos ajudar as pessoas”.

Assim como José Kupp e Maria Ge-ralda, também o motorista Sérgio Luiz Ma-lafaia Oliveira é plenamente favorável à do-ação do corpo para salvar vidas e auxiliar o desenvolvimento de pesquisas. Cruzeiren-se, ele se diverte ao dizer que deseja que tudo fique “azul” depois de sua partida: “Precisamos de médicos e profissionais de saúde bem formados, capazes de resolver os problemas de saúde do povo”, afirma.

Outro motivo a fazê-lo considerar a opção é o fato de não apreciar muito a ideia de ser enterrado. “Não gosto de funerais e de ‘coisas desse tipo’”, diz, ao garantir que os parentes já estão regiamente orientados a seguir seu último “querer”: “Encarreguei uma filha e uma irmã de fazer valer minha decisão. Desejo é uma coisa, querer é outra. E eu ‘quero’ que meu corpo seja doado”.

Desde 1999, assim como José da Silva, outras 478 pessoas assinaram termo para doar o corpo à instituição. Desses, 46 faleceram e efetivaram a doação.

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Diante do corpo alheio Hic mors gaudet succurrere vitae.

Presente em laboratórios de muitas ins-tituições de ensino e pesquisa, a expres-são em latim reafirma, com propriedade e delicadeza, o respeito por aqueles que, confiantes na ciência, doaram o próprio corpo: “Aqui, a morte se alegra em socor-rer a vida”. Dia a dia, milhares de estudan-tes brasileiros de Medicina – e de outras tantas especialidades na área da saúde – adquirem conhecimento por meio da dis-secação ou da observação dos corpos de pessoas que, um dia, também estudaram, correram e sonharam.

Aluno da Faculdade de Medicina de Barbacena, Marcone Eliziário conta que seu primeiro contato com um cadáver deu-se ainda nos primeiros dias de aula, quando os calouros eram apresentados às dependências da instituição. “Ao adentrar o [setor] anatômico, junto a vários ou-tros estudantes que, até aquele momento, também desconheciam o ambiente, minha sensação foi a de participar de uma des-coberta coletiva. A sala tinha aparência hospitalar, com azulejos brancos e diver-sos banquinhos e mesas metalizadas”, descreve, ao lembrar que os cadáveres não estavam ali, mas nos tanques de formol, em sala anexa.

“Nas primeiras aulas, me ocorria imaginar como foi a vida daquele indiví-duo e o que teria passado antes de chegar ali. Com o decorrer da prática, contudo, esse tipo de pensamento é substituído por músculos, ossos, artérias, veias, nervos e outras preocupações típicas do curso de Medicina”, comenta Marcone, ao garantir que – ao contrário do que prega o senso comum – não há, entre estudantes e pro-fessores, o costume de realizar orações e outras cerimônias espiritualistas diante dos cadáveres: “Hoje, penso que a falta ou descaso com os ritos pode, de maneira sutil, suprimir um processo desejado por toda a sociedade: a construção de uma consciência médica que não apenas pre-vine, receita e trata o enfermo, mas que também o vê como um semelhante. Não observo nenhum acadêmico realizando ri-

tos, mas pode ser que alguns o façam em pensamento. Com o passar do tempo, o estudo sobre o cadáver ocorre de maneira muito natural. E é feito, pela maioria de nós, de forma respeitosa e com serieda-de”, destaca.

Formada pela Universidade Fede-ral dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, onde estudou entre 2004 e 2008, a fisio-terapeuta Daniele Gontijo lembra que, nos primeiros dias de curso, os alunos eram instruídos, pelos professores, a tratar os corpos com dignidade e respeito, pois “viveram a vida como todos nós”. No que se refere aos rituais em laboratórios de en-sino, ela conta que, devido ao fato de os alunos terem culturas e crenças espirituais ou religiosas distintas, as reações de seus colegas eram diversas: “Alguns faziam preces e agradecimentos. Outros tratavam os corpos apenas como instrumento de estudo, sem levar em consideração que já abrigaram uma alma viva”.

Já na acepção de Lauro Carneiro, graduado em Odontologia pela Universi-dade Federal de Juiz de Fora – e, atual-mente, aluno de Medicina em Barbacena (MG) –, o primeiro contato com o corpo de um cadáver revelou-se experiência per-turbadora. “Com o tempo, na medida em que me familiarizava com a situação, tudo foi se resolvendo. Meus sentimentos sobre o tema eram de certa perplexidade, agrava-dos pela possibilidade de um parente ou ente próximo se fazer presente na figura de um cadáver”, confessa. Hoje, ele encara a situação com extrema naturalidade: “Afi-nal, para os profissionais da saúde, são in-questionáveis os benefícios do estudo com cadáveres. Se todas as questões éticas fo-rem respeitadas, não vejo empecilhos para o uso de corpos no ensino biomédico”.

Voluntário, sim, senhor! Altruísmo e esperança revelam-se

ingredientes fundamentais a outro grupo de doadores. Trata-se daqueles que, com o coração ainda pulsante, demonstram bas-tante confiança na ciência, a ponto de se inscrever, como voluntários, em pesquisas clínicas. Loucura para alguns, necessida-

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Em cada centro integrante do estudo, os sujeitos da pesquisa – com idade entre 35 e 74 anos – realizam exames e entrevistas, nos quais são avaliados aspectos como condições de vida, di-ferenças sociais, relação com o traba-lho, gênero e especificidades da dieta da população.

de – e/ou alternativa experimental – para outros, a prática do voluntariado requer coragem, disciplina e paciência.

Editor do Boletim da UFMG, o jorna-lista Flávio de Almeida resolveu participar de iniciativa do gênero. Ele se cadastrou no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa/Brasil), investigação multicêntrica de coorte realizada com 15 mil funcionários de seis instituições públicas brasileiras de ensino superior das regiões Nordeste, Sul e Sudeste. A pesquisa busca analisar a incidência e os fatores de risco a doenças crônicas – em particular, ao diabetes e a problemas cardiovasculares.

Voluntário pela primeira vez, Flávio ressalta duas grandes motivações para sua decisão: de um lado, está a vontade do jornalista em colaborar com iniciati-va de fôlego, que pretende acompanhar a saúde de número expressivo de adultos, ao longo de grande parte da vida. “De outro, destaco um interesse, digamos, ‘menos altruísta’. Percebi que o projeto permitia a realização de uma série de exames, alguns deles, certamente, não oferecidos pela rede de saúde convencional”, explica, para, em seguida, confessar-se relativamente relap-so quanto à própria saúde: “Imaginei que a participação em um projeto desse gênero me forçaria a fazer exames de rotina com regularidade”, completa.

Há três anos, quando fez a primeira bateria de testes, o jornalista passou cerca de seis horas nas dependências do Ambu-latório Borges da Costa: “Creio que, até então, jamais reservara tanto tempo para me dedicar à saúde. Agora, espero a con-vocação para a segunda bateria, prevista para este ano”, destaca. No Elsa, a equipe tem a prática de realizar entrevistas anuais com os voluntários, com o intuito de iden-

tificar possíveis intercorrências entre uma bateria e outra de exames.

Em função da natureza do projeto, Flávio de Almeida diz não temer abso-lutamente nada, posto que o ‘índice’ de risco se aproxima de zero: “Participar de

um projeto desses é muito diferente, por exemplo, de figurar em um grupo de tes-tes de vacinas, ou de novos medicamentos para doença, até então, incurável. Nesses casos, sim, há riscos, medo e, principal-mente, esperança”.

Governo investe em pesquisas clínicas

Para estimular a realização de pesquisas clínicas no país, o Governo Fe-deral lutou pela implantação de três importantes medidas, todas em vigor desde dezembro de 2012. Uma delas passou a permitir a remuneração de voluntários, enquanto as outras dizem respeito à priorização da análise de pedidos de estudo com interesse público e à “acreditação” dos centros de pesquisa do Brasil – o que, em tese, auxiliará a descentralização de processos. As novas regras foram aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde e modificam a resolução do Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), sem alterações, há 16 anos. Para realizar as mudanças, o CNS abriu consulta pública, que contou com a participação de 1,8 mil contribuições, discutidas por mais de um ano.

De repórter a voluntária

Por Virgínia Fonseca

Ao descer, pausadamente, as escadas da Faculdade de Filosofia e Ciências Hu-manas da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich/UFMG), resolvi ler as de-zenas de anúncios que ali se sobrepõem. Foi aí que encontrei, por acaso, o cartaz que anunciava a necessidade de voluntários para uma pesquisa. O anúncio dizia algo sobre “Neurociências e transtorno bipolar”. Poucas semanas antes, havíamos discuti-do, na reunião de pauta de MINAS FAZ CIÊNCIA, o tema voluntariado para pesquisas científicas. Meu intuito era propor que acrescentássemos o tal grupo às fontes que comporiam a matéria especial da edição – como fiz, de fato, no encontro seguinte.

Aprovada a sugestão, passei ao contato com os pesquisadores e, logo na pri-meira ligação, me surpreendi transitando do papel de jornalista ao de voluntária da investigação proposta. A voz do outro lado da linha (Isabela Lima, estudante de mes-trado da UFMG) mostrou-se satisfeita quando eu disse que havia ligado por causa do cartaz e me perguntou: “Você quer participar do grupo de controle?”. Em seguida, mencionou que não era fácil conseguir pessoas com tal interesse. Expliquei-lhe o motivo primeiro do contato – ao qual ela atendeu prontamente –, mas segui pen-sando na dificuldade que os estudiosos encon-tram para colocar em prática seus ensaios.

A própria “empreitada” para construção da reportagem sobre o assunto – com poucas pes-soas dispostas a falar do tema – havia nos mos-trado isso. Pois não é que, ao final da ligação, voltei ao ponto? “Como é isso de ser voluntário na pesquisa? O que é preciso fazer?”. Acabei por me candidatar ao ofício, surpresa de como pode ser simples – e indolor – dar minha parcela de contribuição à ciência.

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Pequenos no tamanho, grandes na colaboraçãoUso de animais em laboratório permanece a gerar vasto (e polêmico) debate

Virgínia Fonseca

No que se refere aos atores dos procedimentos de pesquisas científicas, existe um grupo cuja participação está longe de ser coadjuvante, mas que causa polêmica nas discussões sobre o tema. O uso de animais em experimentos é alvo de críticas por parte de grupos ativistas e de membros da sociedade civil. Muitos cien-tistas, porém, costumam explicar: sem os pequenos colaboradores, seria ainda pra-ticamente impossível obter avanços em determinados campos.

Pela legislação, qualquer ação a ser executada no homem deve, antes, ser tes-tada em duas espécies de roedores e em um lagomorfo (pequeno mamífero herbí-voro). “A comunidade científica precisa cumprir a lei. Não se pode fazer testes diretamente no ser humano”, esclarece a professora Vera Maria Peters, coordena-dora do Centro de Biologia da Reprodução da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Não existem, ainda, métodos que possam substituir o modelo animal com resultados confiáveis em todas as áreas. Peters destaca que os próprios acadêmicos vêm trabalhando na busca de alternativas viáveis – inclusive, com avanços que re-sultaram em estudos capazes de dispensar o uso dessas espécies.

Por outro lado, enquanto não for possível a completa substituição, os cien-tistas refinam seus procedimentos para diminuir o número necessário em cada estudo. “É indispensável o diálogo entre comunidade científica e grupos de prote-ção aos animais, para trazer à tona a per-

cepção de que trabalhamos pelo mesmo objetivo: a busca da qualidade de vida, do bem-estar das espécies envolvidas e de métodos alternativos que substituam o modelo animal”, reafirma.

O uso desses modelos nas pesqui-sas está sujeito ao acompanhamento das Comissões de Ética de cada instituição de ensino, que fazem cumprir o disposto na Lei 11.794/2008 e nas demais normas aplicáveis – especialmente, as resoluções do Conselho Nacional de Controle de Ex-perimentação Animal (Concea). A legisla-ção aborda as condições de criação e de uso, com orientações sobre princípios e cuidados a serem observados, como nú-mero de animais, tempo de cirurgia, euta-násia, uso de analgésicos, sedativos, anes-tésicos e bloqueadores neuromusculares. Todos visam, em suma, ao bem-estar e ao equilíbrio dos estados físico e mental dos animais com o meio ambiente, além de in-centivar a busca por métodos alternativos.

“Não há lógica em desconsiderar os aspectos legais, éticos e de bem-estar do animal. Se tais princípios não forem res-peitados, sacrificaremos essas espécies desnecessariamente, já que os resultados obtidos não poderiam ser considerados confiáveis”, defende Peters. De acordo com tais princípios, a criação de animais em biotérios representa contribuição ao avanço do conhecimento sobre uma série de doenças e aspectos fisiológicos, assim como auxilia a busca de novos tratamentos e curas e alavanca os processos científi-cos, tecnológicos e de inovação.

Rede padroniza e monitora procedimentos

Criada em 1998, a Rede Mineira de Bioterismo é uma cooperação interins-titucional que busca o desenvolvimento da área em Minas Gerais e a produção de animais de experimentação biológica que atenda a padrões – tanto nacionais quanto internacionais – de qualidade sanitária e genética. Busca-se proporcionar o pro-gresso tecnológico adequado para que o estado se torne independente na área da Ciência de Animais de Laboratório.

Coordenado pela professora Vera Pe-ters, o grupo conta com integrantes de oito instituições: universidades federais de Juiz de Fora (UFJF), de Minas Gerais (UFMG), de Lavras (Ufla), de Viçosa (UFV), de São João del-Rei (UFSJ) e de Ouro Preto (Ufop), Fundação Ezequiel Dias e Centro de Pes-quisa René Rachou. Dentre as atividades realizadas, há cursos e eventos voltados à formação de pessoal, além de trabalhos conjuntos para investimento na estrutura física dos biotérios envolvidos.

A rede trabalha no sentido de adequar instalações capazes de proporcionar melho-res condições ambientais de criação; além de padronizar os equipamentos de uso co-mum; capacitar integrantes; introduzir bar-reiras sanitárias de proteção, de acordo com a legislação; buscar avanços e uniformidade nas técnicas de manejo e fazer análises que garantam o monitoramento da qualidade sanitária e genética dos animais. “Todo esse controle nos conduz a resultados confiáveis e reproduzíveis nas pesquisas, com uso de número reduzido de indivíduos nos experi-mentos”, explica a coordenadora. Permite, ainda, a racionalização das criações em Minas Gerais e a especialização na produ-ção de determinadas espécies genéticas em centros de criação específicos.

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aPosTa No fUTURoPara a pesquisadora Helena Nader, presidente da SBPC, investimento em ciência e educação é vital à superação de desafios que já se apresentam à humani-dade – e ao desenvolvimento do Brasil

Vanessa Fagundes

Helena Bonciani Nader é mulher de opiniões fortes. Atual presidente da So-ciedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), está envolvida em im-portantes e polêmicas discussões, como as mudanças na carreira dos professores das universidades federais e a destinação dos royalties advindos da exploração do pré-sal para a educação e a ciência. A primeira, ela considera um retrocesso. A segunda, uma aposta de que os recursos do pré-sal, que são finitos, terão impacto duradouro e significativo para o Brasil.

Professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Hele-na Nader é graduada em Biologia, pela Universidade de São Paulo (1971), e em Ciências Biológicas – modalidade médica –, pela Universidade Federal de São Paulo (1970), com doutorado em Ciências Bio-lógicas (Biologia Molecular) pela Unifesp (1974) e pós-doutorado pela Universidade do Sul da Califórnia (1977), nos Estados Unidos. É membro titular da Academia de Ciências de São Paulo e da Academia Bra-sileira de Ciências, classes Comendador e Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, e professora honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Confira a entrevista conce-dida à MINAS FAZ CIÊNCIA.

Em novembro, o Brasil receberá o Fórum Mundial de Ciência, evento que reúne as academias científicas de vários países e busca debater o papel da ciência e suas responsabilidades no século XXI. Pela primeira vez, o Fórum será realiza-do fora da Europa. Qual o significado disso para o país?

Idealizado pela Academia de Ciên-cias da Hungria, este evento tem como proposta discutir problemas científicos e tecnológicos de impacto global, os rumos da ciência e como ela pode contribuir para o bem-estar da humanidade. Tradicional-mente, ele ocorre na Hungria, mas levan-tou-se a sugestão de alternância a cada dois anos, para impactar outras regiões. Então, o evento é realizado na Hungria e, dois anos depois, em outro país. Volta para a Hungria e, daí a dois anos, segue nova-mente a outro país. A América Latina foi a região escolhida para receber o primeiro Fórum fora da Europa e o Brasil será o país sede. Imagine, portanto, a importância e a responsabilidade! É preciso garantir o su-cesso do evento, o que, em termos de ci-ência, se faz por meio da participação dos cientistas nas conferências e debates.

Os encontros regionais, organizados como eventos preparatórios para o Fórum

Mundial de Ciência, tinham esse objetivo de mobilização?

A ideia dos encontros regionais veio do próprio tamanho do território brasileiro. O Brasil é um país continental. A proposta é fazer reverberar o evento a ser realizado em novembro, no Rio de Janeiro, de tal modo que o impacto vá além do Fórum em si. A mobilização está sendo muito maior. As comunidades das diferentes regiões do país estão sendo impactadas com as dis-cussões provenientes desse encontro, an-tes conhecido apenas por quem era mem-bro de uma academia de ciências.

Ao todo, serão sete encontros regio-nais. Os de São Paulo, Minas Gerais, Amazonas e Bahia foram realizados em 2012. Neste ano, fecham a pro-gramação os eventos de Pernambuco (abril), Rio Grande do Sul (maio) e Brasília (data a definir). Informações sobre as palestras e as recomenda-ções para o Fórum estão em http://fmc.cgee.org.br.

Um dos objetivos do Fórum é discu-tir como a ciência pode contribuir para o bem-estar da humanidade. Em sua opinião, quais os desafios em um futuro próximo e como a ciência poderia ajudar a superá-los?

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2013 13Divulgação SBPC

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Darei alguns exemplos: em reunião de sociedades científicas realizada em Boston (EUA), mencionei a segurança alimentar como tema importante a ser dis-cutido pelos cientistas. O representante da China, na hora, disse que esse é o maior problema para eles. Claro, quem tem uma população de mais de um bilhão precisa se preocupar em como alimentá-la, pois segurança alimentar envolve produção de alimentos, distribuição, garantia de quali-dade... e a ciência vai ter que ajudar, vai ter que responder a esse desafio urgentemen-te. Água foi outro problema apresentado: como resolveremos isso? Energia. São problemas que precisarão ser abordados, em conjunto, pelos países, porque os im-pactos ultrapassam as fronteiras.

Compartilhar as informações será fundamental. Morei nos EUA em diferentes épocas e a impressão é que, lá, a sociedade é mais envolvida com ciência. Não sei se porque o voto é distrital, mas a população consegue cobrar mais dos representantes. Mesmo assim, as pessoas acham que as informações são poucas e a divulgação está ruim. Então, como fazer divulgação científica? Como mostrar para a população que está pagando, por meio de impostos, o que a ciência faz? Na saúde, isso fica mais evidente, pois o indivíduo tem ou não tem o acesso; o atendimento é bom ou ruim. Na ciência, é mais difícil de perceber. A população, muitas vezes, não se dá conta de que existe ciência por trás de um novo celular, de um aparelho de micro-ondas, de um medicamento. O que está na mesa das pessoas, da sociedade, é resultado de muita ciência. Por isso é importante essa divulgação: o diálogo com o jornalista tem que ser mais frequente e maior, de tal ma-neira que a população passe a demandar mais investimentos na área.

Recentemente, foi incluída no currí-culo Lattes uma aba de divulgação cien-tífica, o que significa que as atividades

relacionadas ao tema passam a ser consi-deradas na avaliação dos pesquisadores. A senhora acredita que isso estimulará mais pesquisadores a divulgar ciência?

Espero que sim. Até então, os pes-quisadores que fazem divulgação cientí-fica estavam sendo avaliados dentro de um currículo tradicional: os trabalhos que publicavam, em que revista, qual o impac-to da revista, número de citações. Agora, você pode acrescentar produtos de divul-gação. É fundamental que isso conste no currículo Lattes, pois, ao criar mecanismos de avaliação, você valoriza o trabalho. E tem que valorizar, porque não dá mais para fazer divulgação apenas porque gosta. A atividade precisa ser reconhecida e eu pa-rabenizo a iniciativa. Afinal, quando é que a produção científica brasileira começou a aumentar? Quando a Capes passou a fa-zer as avaliações. Acredito que a avaliação levou a isso, e tenho certeza que, ao criar mecanismos de avaliação para a divulga-ção científica e atividades educacionais em ciência, a tendência é que isso também au-mente. Nem todo mundo tem a mesma vo-cação, nem todo pesquisador prefere ficar na bancada fazendo experimentos. Existem pesquisadores ótimos no diálogo com a sociedade e isso é fundamental. Também acho que precisamos ter mais jornalistas de ciência no Brasil. Estamos muito aquém da necessidade.

A Royal Society apresentou, no ano passado, o relatório Science as an open enterprise. O documento aponta que a ci-ência está mais aberta, no sentido de haver mais dados circulando, especialmente pela internet, o que permitiria maior colabora-ção entre os pesquisadores. Em sua opi-nião, isto mudaria a forma como a ciência é produzida?

Concordo totalmente com o relató-rio da Royal Society. A internet foi a gran-de contribuidora para essa ciência aberta. Se não existisse a internet, a gente até poderia querer abrir, mas não conseguiria

“Nem todo mundo tem a mesma vocação, nem

todo pesquisador prefere ficar na bancada fazendo

experimentos. Existem pesquisadores ótimos no

diálogo com a sociedade e isso é fundamental. Também

acho que precisamos ter mais jornalistas de ciência no Brasil. Estamos muito aquém

da necessidade”

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nunca. Acho fundamental essa abertura, mas ainda existem muitas informações fechadas. Os pesquisadores estão mais abertos a usar essas ferramentas. Claro, não podemos nos tornar dependentes da tecnologia, mas negá-la, ou negar o im-pacto que ela teve na ciência, é impossí-vel. Lembro-me quando a gente assinava uma revista científica e ela vinha de navio, demorava a chegar. Hoje, você acessa o conteúdo pela internet.

Mas quero lembrar outro exemplo que ajudou muito nesse compartilhamento de dados no Brasil. Para mim, foi um pa-radigma para a ciência brasileira. Quando fiz meu doutorado, na década de 1970, era um desafio ter acesso à literatura interna-cional. A gente tinha que escrever para o autor, pedir uma cópia, esperar chegar, e às vezes isso demorava meses. Quando a Capes lançou o seu Portal de Periódicos, o impacto foi enorme. Não importa se você está no Xingu ou no Oiapoque, é possível obter informações sobre o que está sendo produzido. Isso ampliou o acesso e o tor-nou igual para todos aqueles envolvidos com ciência. A sociedade também pode ter esse acesso por meio das bibliotecas de universidades. Gosto de relembrar, porque já escutei que esse é um gasto muito alto. Mas é porque as pessoas não fazem as contas de quantos docentes, pesquisado-res e estudantes estão sendo beneficiados.

Nas últimas décadas, cresceu signifi-cativamente o número de citações a pesqui-sas e pesquisadores brasileiros no exterior. Neste cenário de desenvolvimento, o que significaria, para o Brasil, a possibilidade de receber um Prêmio Nobel?

Você não vai gostar da minha opi-nião. Acho que o Brasil já tem vários prê-mios Nobel. Poucos países têm um Carlos Chagas – na verdade, acho que nenhum outro. Um indivíduo que identificou a do-ença, o vetor, o parasita, todo o ciclo de uma doença. O nome dele foi proposto,

mas não teve força política suficiente para ganhar. Isso porque ganhar o Nobel tam-bém depende de política. Posso te dar ou-tro exemplo? Maurício Rocha e Silva, um dos fundadores da SBPC. Ele descobriu a bradicinina, e o impacto da descoberta mudou a visão que tínhamos do sistema cardiovascular. Uma série de medicamen-tos foi desenvolvida em função do enten-dimento da ação da bradicinina. Isso foi na década de 1940. São exemplos da área de saúde, que é a minha área, mas existem outros brasileiros que foram propostos e não ganharam por causa da política.

Eu não gosto desse papo. Acho que é de uma subserviência enorme e mostra falta de conhecimento da ciência brasileira. Estudo muito, aprendi muito lendo sobre cientistas. E o número de coisas já feitas nesse país... as pessoas deveriam estudar um pouco mais. O Brasil está se interna-cionalizando e isso é importante. Precisa-mos transformar o país em rota de cientis-tas. Veja a China, que tem investido muito nas universidades, em ciência básica. Os chineses também querem um Prêmio No-bel. Enquanto isso, nós andamos para trás. Aprovamos uma legislação para a carreira docente que não vai atrair nenhum professor do exterior [referência à Lei nº 12.772/2012, sancionada em dezembro de 2012, que modifica pontos estruturais da carreira nas instituições federais de en-sino superior]. Com essa legislação, todo mundo – o bom e o medíocre – começa no mesmo lugar. Para mim, isso acabou com tudo o que foi feito de esforço em anos an-teriores para contratação, por exemplo, de apenas pessoas com doutorado.

Tenho muito orgulho do meu país e de onde ele chegou. Um país onde a educação superior começou tarde, pois só com a vinda da família real portuguesa passamos a ter universidades, uma biblio-teca nacional, jardim botânico. Em outros lugares do mundo, as universidades têm mil anos. A educação, até pouco tempo, era para muito poucos, apenas agora con-

seguimos universalizar o ensino básico. Infelizmente, não conseguimos universa-lizar a qualidade do ensino básico. Ainda temos problemas profundos para resolver. Nossas universidades são jovens e preci-sam de cuidado para manter a qualidade. Essa lei prejudica a qualidade.

Uma das lutas da SBPC tem sido a

defesa da destinação dos royalties do pe-tróleo para a educação. Como isso contri-buiria para uma mudança de patamar da educação brasileira?

Desde a descoberta do pré-sal, existe a discussão: como vamos utilizar os recur-sos? À época, o atual ministro de CT&I, Marco Antônio Raupp, era o presidente da SBPC. Ele apresentou a posição da entidade em audiência pública no Congresso Nacio-nal: os royalties do petróleo devem ser apli-cados em educação e ciência, porque isso é apostar no futuro. Isso é apostar que esse dinheiro, que é finito, terá impacto duradouro. A proposta define que o fundo social – não os juros do fundo, mas o fun-do – seja usado para educação e ciência, na proporção de 70% no ensino básico, 20% no ensino superior e 10% na ciência. Afinal, o pré-sal só foi descoberto graças à ciência brasileira. Acho muito importante toda essa discussão sobre estados produ-tores e não produtores, mas o que a mídia abordou foi apenas isso: para quem vai o dinheiro. Ninguém perguntou como usá--lo. Esse dinheiro tem que ser carimbado. Parece que a discussão está parada por enquanto. Mas eu sempre falei em educa-ção e ciência. Vou lutar e morrer falando nisto. Esse dinheiro não é para asfaltar rua ou para o saneamento – que são, claro, muito importantes. Esse dinheiro é para apostar que o Brasil, daqui a dez anos, será uma outra nação, com educação fan-tástica e com uma ciência que apresente mais dividendos para a nação.

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Há 150 anos, quando foi fundada, a Fazenda São Pedro, no município de Prata, era mais uma das tradicionais proprieda-des rurais do Triângulo Mineiro focadas no setor agropecuário, voltada à produção lei-teira e à plantação de grãos. Distante apro-ximadamente 900 km do litoral, o estabe-lecimento tornou-se, hoje, referência em categoria de cultivo bastante diferenciado: a carcinicultura, criação de crustáceos em viveiros. A propriedade recebeu, em 2000,

o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF) – inédito no país para a atividade – e prepara a ampliação de seu processo pro-dutivo por meio da montagem de laborató-rios próprios de larvicultura do crustáceo.

Em 1996, a bisneta do primeiro pro-prietário, Maria Aldeide da Costa Borges, iniciou, no local, o projeto de criação de camarão da malásia (Macrobrachium ro-senbergii). A Entrepostos de Pescados São Pedro conta com 21 viveiros e 5,65

hectares de espelho d’água, destinados exclusivamente ao negócio. O estabeleci-mento atua em dois segmentos: fazenda de engorda e centro de processamento do crustáceo. A partir da instalação dos laboratórios, a fazenda implanta o único estágio que lhe faltava em tal sistema pro-dutivo: a larvicultura.

Até então, a empresa recebia as pós--larvas, adquiridas de fornecedores no li-toral, a até 1500 km de distância, para fazer

Fazenda localizada no Triângulo investe em laboratório próprio para expandir produção do crustáceo

Virgínia Fonseca

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2013 17

a engorda nos viveiros. Durante o proces-so, é preciso trocar os crustáceos de tan-ques, até que atinjam tamanho apropriado para comercialização, com peso médio de 25g a 30g. Nesta fase, os camarões se-guem para o abatedouro da fazenda, onde são preparados e acondicionados em reci-pientes adequados ao transporte, segundo rigorosas normas sanitárias. A safra – que, atualmente, gira em torno de quatro tone-ladas – deve chegar a 10 toneladas com o cultivo próprio de pós-larvas.

Embora seja crescente a demanda por exportação, a Entrepostos São Pedro tem destinado sua produção a clientes de São Paulo – principalmente, a redes de restaurantes orientais. “Já recebemos so-licitações de países como Estados Unidos, Itália e Espanha, mas quero que a comer-cialização cresça, primeiramente, no país, para depois atender ao mercado externo”, assegura Maria Aldeide, ao lembrar, ain-da, que o objetivo é permitir que chegue à mesa do mineiro, e do brasileiro, um ca-marão “da melhor qualidade”.

Inovação e sucessoO interesse dos produtores pela ati-

vidade surgiu do gosto pelo crustáceo e de pesquisas que apontaram sua criação como investimento capaz de proporcionar boa rentabilidade. “Sempre gostei muito de camarão e jamais enjoei”, diverte-se a em-presária. “A espécie de água doce é muito saborosa e não tem cheiro forte”, opina. Maria Aldeide explica que desejava pro-porcionar maior rentabilidade à fazenda, e, como a propriedade possui bastante água, constatou que, das atividades ligadas à aquicultura, a carcinicultura foi a que mais cresceu nos últimos tempos – a produção mundial de camarões de água doce Ma-crobrachium aumentou mais de 1300% na última década. A taxa de retorno financeiro é positiva e, de acordo com a produtora, pode ultrapassar R$ 7 por quilo.

A presença abundante de recursos hídricos é que levou a mãe de Maria Al-deide, Maria Custódia de Jesus, a também inovar, há cerca de 40 anos. Quando o Go-verno Federal lançou o Projeto Pró-Várzea, a então proprietária da fazenda iniciou a plantação de arroz, fugindo às tradicionais

lavouras de feijão e de milho. “Naquela época, eu já queria criar os camarões como atividade paralela, em meio à cultura do ar-roz de várzea”, revela a filha.

Graduada em Odontologia, Maria Aldeide atua, inclusive, como professo-ra universitária e integrante do Conselho Regional de Odontologia. As atividades que exerce, como criadora de camarão e profissional em sua área de formação, re-velam-se independentes: a interseção está, justamente, no gosto pela investigação. “Sou pesquisadora na Odontologia e, tam-bém, na carcinicultura”, diz. De fato, para chegar ao projeto de montagem de um la-boratório de larvicultura de camarões, em pleno Triângulo Mineiro, foram 18 anos de investimentos e de pesquisas. A empresá-ria possui parcerias com várias instituições de ensino em Minas Gerais, São Paulo e, mais recentemente, Espírito Santo, cuja fi-nalidade é ampliar conhecimentos sobre a atividade e possibilitar sua expansão nas águas interiores.

Para montagem dos laboratórios, a empresa obteve recursos da nova linha de financiamento do Banco de Desenvol-vimento de Minas Gerais (BDMG), em parceria com a FAPEMIG: a Pró-Inovação.

Linha de financiamento que tem como objetivo apoiar projetos de de-senvolvimento com foco na inovação de produtos, processos e serviços de empresas instaladas em Minas Ge-rais. A modalidade contempla, com taxa de juros de 8% ao ano, projetos inovadores que resultem em signifi-cativa melhoria de qualidade, pionei-rismo ou aumento da competitividade e maior produtividade.

Made in MinasMaria Aldeide trouxe do litoral Sul de

São de Paulo a água, coletada em alto-mar, para instalação dos laboratórios. Como já compraria, na região, cascalho de ostra usado para compor o biofiltro, também contratou balsa com o intuito de buscar os recursos hídricos que, assim, apresentam-

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-se mais puros, já com algas e nutrientes necessários ao desenvolvimento das lar-vas. “Estudei muito para chegar nesse es-tágio, pois não tinha experiência com lar-vicultura”, expõe. A pesquisadora explica, ainda, que o líquido precisa circular e ter boa qualidade para que os ovos eclodam. Na natureza, os camarões descem para re-giões de encontro de rios e de lagoas com o mar, onde ocorre a eclosão. Em seguida, a fêmea volta para a água doce, já com fi-lhotes. Dessa forma, ela precisa reproduzir, em laboratório, esse ambiente com salini-dade adequada.

Os laboratórios em construção compõem-se de seis tanques de mil li-tros, com água salinizada, e outros três tanques de 500 litros, que executam a função de biofiltro. O local possui, ainda, minilaboratório, com 20 galões, para pro-dução da artêmia, pequeno crustáceo de que serão alimentados os camarões. “Já estamos com praticamente tudo pronto. Em breve, devemos começar o primeiro ciclo de produção”, prevê. Com cerca de um mês e meio, as larvas estariam, então, aptas a serem transferidas para o viveiro, onde se segue a produção no formato em que Maria Aldeide já está habituada a li-dar: a engorda e o abate dos camarões.

Apenas para o atendimento à própria fazenda, a produção necessária é de, pelo menos, 640 mil larvas. “Como se trata do primeiro ciclo, sempre pode haver ajus-tes. Por isso, não consigo precisar, pre-viamente, em quanto tempo conseguirei

atingir esse número. Tudo dependerá do momento inicial”, esclarece a empresária. A montagem do laboratório vai proporcio-nar autonomia e viabilidade ao negócio. “Nos últimos anos, tive muitas perdas no transporte das larvas adquiridas no litoral e cheguei ao ponto crucial: ou parava de vez a produção ou montava o espaço com-pleto”, afirma, ao destacar que a distância também comprometia o ritmo e os custos do negócio.

Ao longo do ano de 2012, a fazenda não comercializou camarões, já com o in-tuito de separar as matrizes para produção local de larvas. O processo consiste na seleção de um macho dominante e de um grupo de fêmeas ovadas, que serão, então, transferidas para os tanques, em condições ideais para a larvicultura. Cada fêmea pode produzir até 10 mil larvas. Com o apoio recebido recentemente, a produtora está otimista quanto aos resultados. Que o diga o fato de Maria Aldeide ter sido convidada, pelo próprio ministro da Pesca e Aquicul-tura, Marcelo Crivella, para ir a Brasília: “Ele quer saber quais as dificuldades do setor. E me disse que o Ministério pretende dar suporte à atividade”, conta.

As perspectivas, porém, nem sempre foram as melhores. Maria Aldeide conhece bem as dificuldades de empreender – e de ser pioneira. Ela conta que, até então, fez tudo com recursos próprios. Anteriormen-te, chegou a procurar auxílio numa insti-tuição financeira, mas não obteve retorno. “Muitos gerentes do interior só visualizam

atividades tradicionais, como bacia leiteira, soja, cana, e nem se interessam por outras possibilidades”, considera. A empresária pontua, ainda, a necessidade de prazos apropriados para pagamento dos recursos oferecidos e de incentivo governamental para a região – segundo a pesquisadora, atualmente, os estímulos para a carcinicul-tura têm foco no Nordeste.

Generosa porção de saberDesde que iniciou a pesquisa para

produção de camarão de água doce na fazenda, Maria Aldeide investiu, também, em parcerias que vêm contribuindo para o bom desempenho do negócio. Em terras mineiras, a primeira instituição de ensino a se envolver foi a Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal, por meio da colaboração do professor Wagner Cotroni Valenti, especialista em aquicultura. “Ainda trabalhamos em coo-peração. Ministro aulas teóricas e práticas para alunos que participam de atividades aqui na região. Já recebi, inclusive, estu-dantes de outros países, como Venezuela, Inglaterra, Angola”, conta Maria Aldeide.

A atividade originou, somente em 2012, quatro trabalhos, publicados em parceria com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU), e, atualmente, existem estudos conjuntos com a Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG), referentes à rastreabilidade para a comunidade euro-peia. A pesquisa busca comprovar a quali-dade do crustáceo, frente aos padrões de

A região Nordeste é a principal produtora de camarão do Brasil, ao concentrar cerca de 95% da carcinicultura nacional. Ali, entretanto, cultivam-se, principalmente, espécies de camarão marinho.

Mais de 50 países dedicam-se ao cultivo do camarão de água doce, atividade que abrange todos os continentes, com destaque para a Ásia.

A produção mundial de camarões de água doce, do gênero Macrobrachium, é um dos setores da aquicultura que mais cresce no mundo. No início desse milênio, a produção mundial superou 300 mil toneladas, movimentando mais de US$ 1 bilhão.

Na América Latina, o cultivo do camarão de água doce começou na década de 1970. O Brasil é considerado o maior produtor do continente, com cultivo em quase todo o território e produção aproximada de 400 toneladas ao ano (2010).

Saiba mais sobre a produção de camarões

A região Nordeste é a principal produtora de camarão do Brasil, ao concentrar cerca de 95% da carcinicultura nacional. Ali, entretanto, cultivam-se, principalmente,

Mais de 50 países dedicam-se ao cultivo do camarão de água doce, atividade que

, é um dos setores da aquicultura que mais cresce no mundo. No início desse milênio, a

Na América Latina, o cultivo do camarão de água doce começou na década de 1970. O Brasil é considerado o maior produtor do continente, com cultivo em quase

Saiba mais sobre a produção de camarões

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MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2013 19

países europeus, revelando a viabilidade da exportação. Também mantêm atividades conjuntas os Institutos Federais do Triân-gulo Mineiro, em Uberaba e em Uberlân-dia, o Instituto Federal do Espírito Santo e o Centro Universitário do Triângulo (Uni-tri), com o qual foi desenvolvido manual com orientações para a produção.

Na fazenda, Maria Aldeide recebe alunos de instituições parceiras, do Brasil e do exterior, para cursos, dias de campo e estágios. Mas também oferece opções de cursos cujo público-alvo não são ape-nas universitários. A empresária almeja disseminar a carcinicultura entre os pro-dutores locais. A forte tradição pecuária do Triângulo Mineiro não seria, segundo a professora e empresária, empecilho, já que as duas atividades podem coexistir. Muitas propriedades na região, segundo ela, possuem condições ideais, com gran-des tanques a serem aproveitados. Com a implantação do laboratório de larvicultura, os novos produtores poderiam usufruir da praticidade de adquirir, localmente, as pós-larvas, reduzindo custos e tempo de retorno do investimento.

Sobre o camarãoExistem mais de 120 espécies de

camarões de água doce pertencentes ao gênero Macrobrachium, das quais 30 são encontradas no continente americano.

Estes crustáceos distribuem-se nas regi-ões tropicais e subtropicais, onde ocupam lagos, rios, pântanos e estuários. Algumas espécies necessitam da água salobra para fechar seu ciclo de vida, como é o caso do Macrobrachium rosenberguii, ou camarão da Malásia, produzido em Prata. Assim, em-bora aconteça o acasalamento nos viveiros de água doce, as ovas da fêmea precisam do líquido em condições específicas de salini-dade, até que atinjam o ponto de pós-larvas.

Na Fazenda São Pedro, a opção pelo cultivo do camarão da Malásia deu-se com base nas vantagens oferecidas por essa es-pécie, como a rápida taxa de crescimento, o comportamento não agressivo, a resistência a alterações de temperatura e a doenças. Considerou-se, ainda, o sabor agradável ao paladar – semelhante ao da lagosta – e a valorização no mercado. Além disso, tal variedade do crustáceo pode ser criada em tanques escavados diretamente na terra, sem necessidade de alvenaria, e está pron-ta para abate no prazo de 4 a 8 meses. De acordo com Maria Aldeide, pesquisa da Universidade Federal do Paraná mostrou que o camarão de água doce possui teor de colesterol 30% menor do que a espécie marinha. Por fim, a produção de camarão de água doce apresenta-se como fator positivo, ao minimizar a pesca predatória – capaz de causar danos ao ecossistema marinho.

A Fazenda São Pedro foi o primeiro

estabelecimento criador de camarão de água doce

do país a receber o selo do Serviço de Inspeção Federal

(SIF), que atesta aos produtos de ori-gem animal a qualidade sanitária e a conformidade com a legislação. Para concessão do carimbo, que autoriza a comercialização em todo o Brasil, observam-se diversas etapas de fisca-lização e inspeção, cujas ações são co-ordenadas pelo Departamento de Ins-peção de Produtos de Origem Animal, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

PROJETO: Montagem de laboratório de larvicultura COORdEnAdOR: Maria Aldeide da Costa BorgesMOdALIdAdE: Pró-InovaçãoVALOR: R$ 157.000,00

Maria Aldeide: pioneirismo e gosto pessoal pelo camarão resultaram em produto de comprovada qualidade

Arquivo pessoal

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20 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2013

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Educação e Culturas Populares da UFU dissemi-

nam esperança

Ana Flávia de Oliveira

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Era uma quarta-feira chuvosa quan-do chegamos ao bairro Morumbi, na Zona Leste de Uberlândia. Sem saber direito o que encontrar, fomos recebidos pelo professor Benerval Pinheiro Santos, do departamento de Matemática da Uni-versidade Federal de Uberlândia (UFU). Para nossa surpresa, não encontraríamos ali apenas uma pesquisa, mas diversas. Tratava-se, afinal, da Rede de Educação Popular, projeto que abriga uma série de iniciativas – todas desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisas em Educação e Cul-turas Populares (GPECPOP) da UFU.

Um dos locais escolhidos para de-senvolvimento do projeto foi a Organização Não Governamental Ação Moradia. Criada em 1993, a instituição recebe cerca de 1.200 moradores do bairro e de assenta-mentos vizinhos – em sua maioria, mulhe-res –, para trabalhar em várias frentes: há cursos de cabeleireiro, cozinha industrial – na qual são produzidas delícias vendidas pela cidade –, fábrica de tijolos ecológicos e uma simpática oficina de artesanato. No total, são 750 m² de área, onde as pessoas são capacitadas, sempre na esperança de um futuro melhor.

Localizada a 12 quilômetros do cen-tro da cidade, a Organização serviu de espaço para que o grupo de pesquisa pu-desse acolher os participantes e dar início aos processos de intervenção e investiga-ção necessários ao projeto de formação de professores, e de outros tantos profis-sionais, que trabalham com Educação de Jovens e Adolescentes (EJA).

As atividades do grupo começaram em 2009, com o atendimento a demandas apresentadas pela ONG e outras institui-ções, além de escolas e associações de bairros. Segundo o professor Benerval Pinheiro, coordenador dos trabalhos, a pesquisa para aquisição de insumos, como câmeras filmadoras, computador, impres-sora e notebook, começou junto ao grupo, em parceria com o município e com finan-ciamento da FAPEMIG, por meio do Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacio-nais Julieta Diniz (Cemepe). “Entendemos que a Educação de Jovens e Adultos não acontece apenas em ambientes formais”, contextualiza.

Por isso, o grupo desenvolveu, si-multaneamente, ações para formação de trabalhadoras populares e de professoras que atuam na EJA. Uma delas diz respeito à compreensão da atribuição de preços dos objetos construídos nas unidades produ-tivas, com auxílio de mecanismos mate-máticos necessários. “A ideia foi capacitá--las, apesar de o foco da pesquisa ser o professor”, ressalta. Com os docentes, os pesquisadores utilizaram o método das ro-das de conversa, por meio das quais o pro-fessor é levado a repensar suas práticas, e não mais se vê como detentor de conhe-cimentos. Ele passa a se perceber como uma espécie de animador cultural junto aos educandos, que deixaram os estudos por diversas razões e, ao longo do tempo, construíram saberes paralelos.

Processo de ensinoOs pesquisadores realizaram ações

com 30 professores atuantes na EJA, em duas escolas públicas de Uberlândia. Cada bolsista acompanhava um docen-te, em sala de aula, para verificar como o profissional atuava, de que forma ele po-deria se transformar em “animador cultu-ral” e como isso ocorria de fato. Ou seja, os professores viram-se como orientado-res do processo de ensino, e não apenas como disseminadores de informações. “O único inconveniente da pesquisa foi o fato de não termos obtido autorização dos professores para que fizéssemos a grava-ção de áudio e vídeo das suas ações. De qualquer forma, nossos resultados foram positivos”, comemora Pinheiro.

Ainda hoje, após o encerramento das atividades de pesquisa voltadas para a for-mação de jovens e adultos, o grupo colhe os frutos do trabalho. No mês de setembro deste ano, será realizado o II Encontro Na-cional de Pesquisadores(as) em Educação e Culturas Populares. O primeiro, promo-vido em 2011, contou com a participação de 400 pessoas. As conquistas, contudo, vão além dos números: como resultado da iniciativa, os pesquisadores publicaram o livro Educação e culturas populares em tempos de inclusão, além de apresentar artigos em onze eventos (nacionais e inter-nacionais) sobre o tema.

A iniciativa que deu início à ONG foi a criação, em 1993, da Ação Mo-radia, espaço onde os jovens refletiam sobre os impactos causados pelos pro-blemas sociais e se mobilizavam para fazer visitas aos moradores do assenta-mento Dom Almir, na periferia de Uber-lândia. Daí, a fundadora da instituição, Eliana Setti, sensibilizou-se com as condições das famílias visitadas, e, em parceria com os jovens e suas famílias, fundou a Pastoral da Moradia. No ano 2000, a entidade transformou-se em Organização Não Governamental. Dois anos mais tarde, criou-se a fábrica de tijolos ecológicos. Atualmente, também são ministrados ali cursos de culinária, cabeleireiro e artesanato. O local abri-ga, ainda, um cursinho pré-vestibular e grupos de discussão sobre a violência no município.

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o que impactou diretamente no processo de precificação dos materiais por elas produzidos. “As mulheres da costura vendiam uma bonequinha a R$ 50. Após o curso, perceberam que o brinquedo estava muito caro e baixaram seu preço para R$ 35”, relata o coordenador.

Fabiana é uma das mulheres que, antes do projeto, não sabia usar o com-putador. Hoje, faz todo o seu caixa com a ajuda de programas básicos, capazes de auxiliá-la no controle dos gastos e no faturamento. “Trabalhamos por conta pró-pria. Aprender a fazer a planilha nos ajudou bastante. Achava que não daria conta, mas, agora, vejo que foi um aprendizado tanto para a minha vida profissional quanto pes-soal”, orgulha-se.

Neste mesmo projeto, as mulheres da ONG puderam conhecer melhor, com o auxílio da internet, o território brasileiro.

Aluna do curso de Matemática, na UFU, e integrante do grupo há um ano, Cinara Ribeiro Peixoto foi à Colômbia apresentar os resultados do trabalho com jovens e adultos e se sente orgulhosa por fazer parte da equipe. “Aqui, fazemos pes-quisa de fato. Aplicamos, na prática, tudo o que aprendemos na teoria. É uma grande oportunidade de crescimento profissio-nal”, elogia.

Planilhas e estratégiasOutra frente de trabalho dos pes-

quisadores da UFU foi o projeto de Etnomatemática e Leitura, que promoveu ações de inclusão digital com as mu-lheres da ONG Ação Moradia. As parti-cipantes tiveram acesso ao computador e puderam usá-lo não apenas como fer-ramenta para edição de textos, mas tam-bém com o intuito de elaborar planilhas,

Além disso, realizaram passeios virtuais a pontos de Uberlândia, e, tempos depois, participaram de visitas presenciais, e guia-das, pela cidade onde vivem. “Uberlândia é o maior município do triângulo mineiro, com 604.013 habitantes. Apesar disso, muitas das frequentadoras da ONG jamais haviam saído do bairro onde moram. Por meio de nosso trabalho, elas puderam conhecer pontos importantes da cidade, como o museu e o mercado municipal”, revela Pinheiro.

Também como fruto das iniciativas do projeto, as mulheres puderam conhecer e compartilhar experiências com outras pessoas que desenvolvem o mesmo tipo de atividade produtiva. As operárias da fábrica de tijolos, por exemplo, tiveram a oportunidade de ver quais são as outras organizações e empresas produtoras do

Os quitutes produzidos na cozinha industrial da ONG são vendidos em estabelecimentos de Uberlândia

Arquivo pessoal

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material, além de conhecer as técnicas que seus colegas de ofício empregam para rea-lizar o mesmo trabalho.

Brincar e aprenderNeste momento, o grupo direciona

suas ações às crianças e adolescentes que frequentam a Ação Moradia, todos fi-lhos ou netos das mulheres que vão à ins-tituição. Como as participantes não têm onde deixá-los após o horário escolar, os garotos e garotas as acompanham, e, na ONG, passam boa parte do dia. Ali, têm atividades recreativas e fazem as refei-ções. A fim de promover o resgate cultural dos mais jovens, os pesquisadores reali-zam atividades lúdicas e mostram que o conhecimento pode ser algo bastante di-vertido. “Desenvolvemos atividades com as crianças para despertar o gosto pelo

conhecimento, e não como obrigação”, enfatiza Benerval Pinheiro.

Embora as atividades ainda estejam no início – já que começaram em fevereiro deste ano –, os resultados revelam-se bas-tante positivos. Milene, de dez anos, des-taca que se diverte muito. O melhor, porém, está no fato de as brincadeiras terem sem-pre o intuito de lhe ensinar algo: “O legal é que a gente aprende de tudo. Tenho lições sobre como me comportar, além de mate-mática e higiene. É muito bom”.

Para os bolsistas da UFU, trata-se da chance de lidar com a população local e aplicar os conhecimentos adquiridos em sala de aula. “Para mim, que quero seguir carreira acadêmica, é uma grande oportu-nidade, pois posso transformar o conheci-mento teórico em empírico”, relata Pablo Guimarães, estudante de Ciências Sociais.

Com a ação do grupo de pesquisa, as costureiras aprenderam a calcular o valor de revenda dos produtos

Arquivo pessoal

PROJETO: Etnomatemática e literaturaCOORdEnAdOR: Benerval Pinheiro SantosMOdALIdAdE: Apoio A Projetos De Exten-são Em Interfaces Com A PesquisaVALOR: R$ 49.000,00

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TUR

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o Trilhas em construçãoPesquisa da Universidade Federal de Viçosa analisa política mineira de circuitos turísticos

Minas Gerais foi o destino escolhido por cerca de 7% dos turistas em viagens domésticas pelo Brasil, de 2010 a 2011, ín-dice superado apenas por São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, segundo dados do Ministé-rio do Turismo (2012). Em um país tropical, onde a associação entre lazer, sol e praias é quase imediata, pesquisa de demanda rea-lizada pela Secretaria de Estado de Turismo (Setur) aponta que as cidades mineiras atra-em, especialmente, pessoas interessadas em turismo cultural, ecoturismo, eventos e diversão noturna. Com vistas a avaliar os

resultados da implementação da política pública para o setor, equipe da Universidade Federal de Viçosa (UFV) empenhou-se em analisar a concepção e estruturação dos cir-cuitos turísticos estaduais.

Originada em 2001, a partir da for-mação de associações de municípios em todo o Estado, a política de Circuitos Tu-rísticos de Minas Gerais busca suprir a de-manda por iniciativas públicas específicas para a atividade, assim como promover sua interiorização. Na pesquisa proposta, investigou-se como os circuitos, agentes

Virgínia Fonseca

De acordo com o Decreto Estadual nº 43.321/2003, é considerado circuito turístico “o conjunto de municípios de uma mesma região, com afinidades culturais, sociais e econômicas, que se unem para organizar e desenvolver a atividade turística regional de for-ma sustentável, através da integração contínua dos municípios, consolidando uma atividade regional”. Atualmente, são 47 circuitos, distribuídos entre as diversas regiões de Minas.

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locais e microrregionais da política pública de turismo, atendem aos objetivos propostos.

“Sendo essa a principal linha de atu-ação da Setur para gerir a atividade turísti-ca em Minas, mostra-se importante com-preender seus desdobramentos, bem como seu processo de execução por parte da Secretaria e dos municípios associados”, pondera o coordenador do trabalho cien-tífico, professor Afonso Augusto Carvalho Lima, do Departamento de Administração e Contabilidade da UFV. Segundo ele, o fato de não haver resultados formais sobre a iniciativa tornou-se um estímulo a mais para o grupo.

Na implantação da política, a Setur realiza ações de sensibilização, mobili-zação e apoio à promoção, roteirização e elaboração do planejamento estratégico. Além disso, fazem parte do processo a ela-boração de convênios e o desenvolvimento de programas de capacitação. Por fim, para que receba a certificação, o circuito precisa cumprir uma série de determinações.

Os pesquisadores averiguaram as-pectos relacionados tanto ao processo de implementação quanto à metodologia uti-lizada usada na certificação. O projeto es-tabeleceu indicadores para uma avaliação crítica do desempenho das associações, no que diz respeito ao cumprimento dos requisitos definidos, e, por fim, “ranqueou” os circuitos conforme estágio de eficácia no cumprimento dos objetivos propostos. Também foi alvo de análise a gestão des-centralizada da política – ou seja, como os circuitos estão organizados – quanto a estrutura e gerenciamento – para atender a todos os municípios integrantes. Entrevis-tas a agentes estratégicos da Setur e ques-tionários respondidos por pessoas ligadas à gestão de 37 dos 38 circuitos certificados até 2008 forneceram os dados de que os estudiosos precisavam.

DiagnósticoSegundo Afonso Augusto, o trabalho

apontou a importância da política de cir-cuitos turísticos não só para Minas Gerais,

mas para todo o Brasil, constituindo-se como referência. O professor lembra que, no país, embora ações pontuais de fomen-to à atividade tenham sido desenvolvidas, ao longo dos anos, por parte do Governo Federal, apenas em 2003, com a criação do Ministério do Turismo – e, especialmente em 2004, com o “Programa de Regionalização do Turismo: roteiros do Brasil” –, as políti-cas públicas da área começaram a mostrar resultados mais concretos. Neste cenário, a partir da reorganização da oferta turística nacional, as unidades federativas iniciaram sua estruturação para implantar o programa de regionalização, em âmbito estadual. Minas se destaca pelo fato de já apresentar modelo próprio de gestão regional do turismo, por meio dos circuitos turísticos.

No que concerne à estruturação das associações, porém, o estudo constatou problemas relacionados à formatação de roteiros, à ausência de documentos – ca-lendário, relatório e plano de trabalho do gestor – e de postos de informação. A baixa presença da iniciativa privada como integrante das associações, juntamente ao poder público, é outro aspecto a ser trabalhado. Com relação à gestão dos cir-cuitos, o professor salienta a necessidade de maior profissionalização por parte das organizações e das pessoas que exercem funções diversas.

Por meio dos estudos, o grupo criou indicadores que permitiram “ranquear” os circuitos e pôde fornecer um diagnóstico preliminar da política, oferecendo subsí-dios para ações futuras. Neste sentido, a Setur recebeu relatório sintético dos resul-tados e todo o banco de dados da pesqui-sa. Houve, ainda, apresentação presencial sobre os principais pontos. “Assinalamos, por exemplo, a necessidade de a política possuir mecanismos próprios de avaliação que permitam apontar, ao longo do pro-cesso, melhorias e ajustes necessários ao alcance dos objetivos”, explica Afonso.

O diretor de Pesquisa, Informações e Estatística da Setur, Rafael Oliveira, desta-ca que tais estudos sempre são utilizados

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pela Diretoria com a finalidade de auxiliar na tomada de decisões em relação às po-líticas de turismo do estado. A pesquisa, concluída em 2011, teve seus dados atu-alizados em 2012, originando trabalhos acadêmicos como monografias, disser-tações, artigos científicos, entre outros.

Os cientistas acreditam que o ranking por indicador constitui ferramenta importan-te, já que possibilita a identificação dos requisitos aos quais os circuitos têm maiores dificuldades de atender, fornecendo subsídios para ações direcionadas. De acordo com a pesquisa, no geral, os circuitos apresentam melhores resultados nos índices ligados ao gestor e à diretoria, enquanto estrutura de funcionamento e requisitos operacionais foram os de menor pontuação. “Atualmente, a Diretoria de Planejamento trabalha na elaboração da matriz de classificação dos circuitos turísticos, que visa, de forma similar ao estudo realizado, identificar os gargalos na gestão de cada associação, visando elaborar projetos mais focados na necessidade de cada uma”, informa Rafael Oliveira.

Pesquisa apresenta visão panorâmica

PROJETO: Políticas públicas de fomento à atividade turística: avaliação dos resultados da implementação da política de circuitos turísticos em Minas GeraisCOORdEnAdOR: Afonso Augusto Teixeira de Freitas de Carvalho LimaMOdALIdAdE: Demanda UniversalVALOR: R$ 34.724,54

“É importante destacar os benefícios de uma avaliação dessa política pública, o que nos permite, compreendendo o processo e seus desdobramentos, pensar em nova pesquisa, cujo delineamento contemple avaliação de resultados e – por que não? – impacto”, prevê.

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Pesquisadores da PUC Minas investigam motivações e peculiaridades dos grupos de pichadores que lutam pelo “domínio” do hipercentro de Belo Horizonte

diogo Brito

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Algumas pessoas a definem, sim-plesmente, como “coletânea de garran-chos”. Para outras, não passa, mesmo, de sujeira. Há, também, quem diga ser uma forma de comunicação, enquanto, para a lei, representa – sem delongas – um crime. Distintamente de todos estes pontos de vista, na visão de dois ex-alunos do cur-so de Geografia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), a pichação representa ótima oportunidade de pesquisa. Que o digam as questões por eles suscitadas como motivações para in-vestigação do tema: qual a diferença entre as áreas de atuação dos diversos grupos de pichadores? Há formação de territórios? E o que dizer dos padrões de estilo?

Rodrigo Guedes Braz Ferreira e Sér-gio Alves Alcântara foram responsáveis pela primeira – e, até então, única – análise espacial do assunto no país. Sob a super-visão do professor Alexandre Magno Alves Diniz, os estudantes produziram elementos cartográficos da pichação em Belo Hori-zonte, com base em pesquisa de campo realizada com idas sistemáticas ao hiper-centro da capital mineira. As visitas foram feitas durante a semana, mas, também, aos sábados e domingos, para que pudessem catalogar marcas nas portas das lojas, vis-tas apenas quando fechadas.

De acordo com Alexandre Magno, o objetivo do estudo não se restringiu à catalo-gação dos locais pichados. Buscou-se, ain-da, compreender o modo como os espaços são usados para a expressão de indivíduos e grupos. “Estamos vinculados ao Laborató-rio de Estudos Urbanos e Regionais do Pro-grama de Pós-Graduação em Geografia da PUC Minas. Logo, a cidade como um todo é nosso objeto de pesquisa: não apenas as construções físicas e as organizações, mas também a maneira como as pessoas se apropriam da cidade”, explica o coor-denador do estudo, para quem a pichação revela-se assunto interessante e peculiar: “Trata-se de forma bastante concreta de as pessoas se expressarem na cidade. Foi isso o que nos motivou a realizar o projeto”.

DominadoresAo catalogar 2563 intervenções em

prédios públicos, monumentos e proprie-

dades privadas, os pesquisadores concluí-ram que, na região central de BH, há locais vulneráveis para realização das pichações. Muitas delas são vistas nos mesmos lo-cais, como viadutos, e em volta da Praça Sete, coração da capital mineira. Ao lon-go do trabalho de campo, descobriu-se, ainda, que os desenhos e grafismos não podem ser interpretados como meros “ra-biscos”, feitos de forma desordenada, mas como linguagem própria a definir grupos ou pichadores isolados.

No hipercentro de BH, há dois gru-pos dominadores: os integrantes do cha-mado “Os melhores de Belô” são respon-sáveis por 14% das pichações na área, enquanto “Os piores de Belô” produzem 9,7% das intervenções. Os pesquisado-res catalogaram diversos grupos atuantes no hipercentro de Belo Horizonte, com destaque para sete “equipes” que, apa-rentemente, não se revelam organizadas. Existem, porém, os mais “famosos”, que detêm grande domínio entre os pichado-res. Os grupos possuem marca e código únicos e, de acordo com Rodrigo Guedes, respeitam-se bastante. “Um pichador não intervém na pichação feita por outro grupo. Nos casos em que isso ocorre, pode haver tensão,” afirma.

Contexto históricoA pichação iniciou-se, no Brasil, há

mais de 40 anos. “Na década de 1970, no Rio de Janeiro, já havia pessoas que usa-vam a pichação para criar frases subjeti-vas, buscando fazer com que a população questionasse algo. A prática, contudo, é ainda mais antiga” explica Rodrigo, ao lembrar, por exemplo, que, em outros tem-pos, quando dois conventos não pactua-vam da mesma ideologia, religiosos de um deles pichavam os muros para deixar clara sua contrariedade com o posicionamento da instituição clerical “adversária”.

Em contexto urbano mais recente, a pichação surgiu, efetivamente, após a Revolução Industrial, na Inglaterra, no início do século XX. Interessante ressal-tar que a fabricação de latas de tintas com novas cores facilitava a prática. No Brasil, os pichadores ganharam notoriedade nos tempos de ditadura militar, quando inter-

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venções de cunho político e social mistu-ravam-se à paisagem das grandes cidades. “Podemos não notar, mas a pichação apre-senta um contexto de comunicação entre grupos fechados”, acrescenta Sérgio Al-ves, ao categorizá-la, também, como ativi-dade política. “Se alguém pichar seu nome numa parede, pode não parecer um ato político. Tal ação, porém, ocorre dentro da cidade, de modo a questionar imposições estabelecidas”, completa Rodrigo.

Pichação versus grafiteSe a pichação, hoje, é crime previsto

em lei, o seu “derivado” tradicional, o gra-fite, parece ser visto com bons olhos pelas autoridades. Realizada, na maior parte dos casos, por ex-pichadores, a prática ganha cada vez mais espaço nos grandes centros urbanos, e, aos poucos, recebe status de obra de arte. Recentemente, a empresa americana Google lançou aplicativo em que, por meio da web, proprietários ofe-reciam o muro de suas residências ao trabalho dos grafiteiros. O artista, por sua vez, fazia a busca no site para escolher em

qual local desenvolveria sua trabalho. Em seguida, era só fotografar, compartilhar e esperar os comentários. Os pesquisadores da PUC Minas não acreditam que, um dia, a pichação seja compreendida como ex-pressão artística.

Para além das questões de arte, de acordo com Sérgio Alves, o que leva os pi-chadores a realizar intervenções, em primei-ro lugar, é a busca por notoriedade e pela demarcação de território. Neste sentido, a escolha pelo hipercentro de uma cidade como Belo Horizonte tem a ver com a busca por visibilidade. A intensa movimentação de pessoas no centro da capital mineira expõe a pichação a mais olhares. Mesmo que não provoquem o contentamento de muitos ci-dadãos, as intervenções serão vistas não apenas por grande parte da população, mas, principalmente, por outros pichadores. Quem picha apenas dentro de seu bairro não é visto pelos grandes grupos”, ressalta Sérgio Alves, ao lembrar que frases e dese-nhos são pichados, principalmente, em três níveis: na linha dos olhos, nas marquises e no topo dos prédios.

Quem for pego pichando, em qual-quer cidade brasileira, corre o risco de ser condenado de três meses a um ano de prisão. A prática é con-siderada crime ambiental e, desde 1998, está prevista em lei (Art. 65 da lei nº 9.605/98).

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O Brasil possui cerca de 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, que ocupam 36,75% do território nacional, conforme apontou o último censo agrope-cuário divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006). Se com-parado ao recenseamento anterior (1995), esse número mostra queda de 6,7% na área total das propriedades. A redução tem, entre seus possíveis fatores, a criação de novas unidades de conservação ambiental e a demarcação de terras indígenas. Ade-

quação a novas legislações, com impacto direto na forma de uso da terra, foi um dos desafios com que os produtores rurais ti-veram de aprender a lidar nas últimas dé-cadas. Somadas a isso, a automatização das lavouras e a mudança no perfil eco-nômico e populacional do país – de agrá-rio para industrial, de rural para urbano – deixaram para trás a imagem bucólica da vida no campo e tornaram a ativida-de agropecuária um negócio conectado a gama intrincada de fatores.

“O produtor rural é, hoje, protagonis-ta na gestão de sistemas complexos, diver-sificados, integrados e interdependentes”, analisa o pesquisador em Agroecologia da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), José Mário Lobo Ferreira. Conciliar eficácia econômica, responsabilidade social e proteção do pa-trimônio natural – provendo, ao mesmo tempo, serviços para a sociedade – tor-nou-se questão estratégica e central para a continuidade do negócio. “É conhecida

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a dificuldade vivenciada, principalmente pelos agricultores familiares, nos proces-sos de adequação de suas propriedades para atendimento à legislação ambiental e, também, às demais dimensões de susten-tabilidade, econômica e social”, revela.

Que o diga Carlos Alberto Lima, proprietário de um sítio no Sul de Minas. “Comprei o terreno em 2009 e sempre trabalhei muito, mas o retorno servia, praticamente, para pagar as despesas”, conta. Diante da constatação da necessi-dade de promover processos educativos e gerenciais para auxiliar os produtores em suas decisões, implantou-se, em Minas, o projeto Adequação Socioeconômica e Ambiental das Propriedades Rurais. Gerida pela Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa), a iniciativa usa a metodologia Indicadores de Sustentabilidade em Agro-ecossistemas (ISA), desenvolvida pela Epamig, sob coordenação de José Mário Lobo. Trata-se de sistema integrado para aferição do desempenho econômico, so-cial e ambiental, com o objetivo de auxiliar agricultores na gestão de suas atividades produtivas, bem como do espaço rural, com vistas à sustentabilidade.

No total, são considerados 23 in-dicadores, que abrangem os balanços econômico e social; o gerenciamento do estabelecimento; a qualidade do solo e da água; o manejo dos sistemas de produção e a diversificação da paisagem; além do estado de conservação da vegetação nati-va. Valores de zero a um são atribuídos a cada indicador. E a média aritmética sim-ples entre todos eles fornece o índice final do estabelecimento. Considera-se 0,7 o valor de referência para um bom desem-penho ambiental, social ou econômico. A análise também assinala pontos críticos, riscos, aspectos positivos e oportunidades de negócio.

Estratégia bilateralO projeto começou a ser con-

cebido em 2009, a partir do Decreto no 45.166/2009, que regulamenta a Lei no 14.309/2002, por meio da qual é reco-nhecido o uso da terra nas Áreas de Pre-servação Permanente (APPs). Nestes lo-

cais, são necessários manejo e utilização diferenciados, a fim de manter a função ambiental sem perder de vista a manu-tenção socioeconômica dos produtores. Desde sua criação, o ISA foi aplicado em diversas regiões de Minas Gerais, com o suporte de profissionais especialmente treinados da Empresa de Assistência Téc-nica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG). De 2009 a 2010, realizaram-se testes iniciais nas regiões da Zona da Mata, Alto Paranaíba, Norte de Minas e Vale do Jequitinhonha. Em 2011, foi a vez do Sul de Minas, e, no período de 2011 a 2012, novamente, Norte e Sul do estado e Zona da Mata – o que repre-senta um total de, aproximadamente, 500 estabelecimentos visitados.

O projeto, que tem como autores José Mário Lobo Ferreira (Epamig), José Ricardo Roseno (Seapa) e Maurício Fernandes (Emater-MG), sob gerên-cia do secretário-adjunto da Seapa, Paulo Romano, conquistou a segun-da colocação no 7º Prêmio de Exce-lência em Gestão Pública do Estado de Minas Gerais, em 2012.

Para o pesquisador da Epamig, a metodologia aplicada soluciona questão importante para os setores agropecuário, florestal e, também, para o produtor ru-ral, ao auxiliá-los na gestão ambiental e socioeconômica de seu empreendimento. O agricultor Carlos Alberto, que recebe orientações do programa desde 2011, confirma: “Hoje, me organizei. O volume de trabalho diminuiu e o retorno financei-ro aumentou”. José Mário explica que se trata de fazer com que o aspecto ambiental não seja encarado apenas como entrave, mas como estratégia importante tanto à continuidade do negócio quanto ao forne-cimento de produtos com maior qualidade e provimento de serviços ambientais, sem perder de vista os resultados concretos.

As informações geradas são úteis para auxiliar o gestor público na identifi-cação de vulnerabilidades socioeconômi-cas, fragilidades ambientais, entraves e

potencialidades das atividades na região de uma sub-bacia hidrográfica. “Isso fa-vorece a elaboração e o monitoramento de programas específicos de intervenção em áreas ou situações problemáticas, além de iniciativas para adoção de práticas de adequação ambiental e socioeconômica”, explica o pesquisador.

Em açãoO ISA foi concebido para ser aplica-

do, no estabelecimento rural, no período equivalente a um dia de trabalho. Verifica--se com o produtor, inicialmente, com o auxílio de imagens de satélite – impressas ou no computador – os limites da proprie-dade, os corpos d’água e nascentes além do uso e ocupação do solo na propriedade e nas áreas adjacentes (lavoura perma-nente, temporária, pastagem, vegetação nativa, entre outras). O segundo passo é o preenchimento de planilha, por meio de entrevista semiestruturada, e a verificação, no campo, dos sistemas de produção e de fragmentos de vegetação nativa. Quando necessário, recolhem-se amostras de solo para análise em laboratório. Também é re-alizada a avaliação da qualidade da água superficial e dos ecossistemas aquáticos. Verifica-se, por fim, com o produtor, se a reserva legal e a regularização do uso da água e dos empreendimentos estão em conformidade com a legislação.

Com base nos dados obtidos, por meio de técnicas de geoprocessamento, os estudiosos geram o mapa do estabe-lecimento agropecuário – que contém a identificação das APPs, o uso e a ocupa-ção do solo –, com uma série de informa-ções a serem usadas no preenchimento dos indicadores. Um quadro sintético dos dados gerais do estabelecimento também é constituído. “Essa base pode ser utiliza-da para geração de relatórios agregados sobre diversos estabelecimentos, em de-terminada bacia hidrográfica ou região”, explica José Mário.

O coordenador acrescenta que cer-tos fatores precisam ser observados para o planejamento das atividades de campo e, sobretudo, para auxiliar na contextua-lização das informações geradas. É fun-damental a caracterização da região e da

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Carlos Alberto Lima e sua esposa, Claudete América Rodrigues, trabalham juntos na manutenção do sítio Limeira, em Boa Esperança, no Sul de Minas Gerais. A propriedade, com 16 hectares, foi adquirida há quatro anos – anteriormente, Carlos Alberto já trabalhava na produção leiteira, mas como empregado. Ele conta que, quando começou no próprio terreno, não tinha orientação e, por isso, conseguia lucro anual restrito. A implantação do programa, em 2011, mudou sua perspectiva.

O grupo de técnicos do projeto ajudou a organizar aspectos diversos. “Eles ensinaram não só como obter boa qualidade na produção do leite, mas, também, algo sobre qualidade de vida”, relata Carlos Alberto. As questões ambientais, referentes ao uso dos recursos hídricos e ao preparo do lixo para descarte, chamaram sua atenção. “Tive mais lucro com a preservação do que antes. As águas aumentaram. Eu usava 15% da disponibilidade e, agora, gasto 8% e ainda forneço para outros 12 estabelecimentos vizinhos, incluindo uma escola da prefeitura”. O produtor destaca que, assim, todos saíram ganhando.

Com o progresso em vários aspectos avaliados, o sítio tornou-se referência e recebe, constantemente, visitantes interessados em conhecer a evolução proporcionada pelo ISA. “Depois que me organizei, com menos trabalho, consigo mais retorno. Tenho ordenha mecâ-nica, casa no sítio e acabo de adquirir uma caminhonete como nunca imaginei”, comemora.

sub-bacia hidrográfica, quanto a aspectos como hidrografia, geomorfologia, vegeta-ção nativa, clima, solos, levantamento das fragilidades ambientais, vulnerabilidades socioeconômicas, índices de produtivida-de locais e preços de venda dos principais produtos agrícolas, pecuários e florestais. A partir dessas informações, produtor e técnico desenvolvem plano de ação com metas, para priorizar atitudes que revertam ou minimizem fragilidades identificadas, como a necessidade de tratamento de efluentes e resíduos gerados no estabele-cimento, a prevenção da erosão do solo e a recuperação de áreas degradadas.

Ao considerar todo o cenário, o ISA permite captar variações inter e intrarregio-nais, relacionadas a diferentes padrões de manejo e a sistemas de produção e gestão das propriedades. “Observa-se que tais particularidades, nos aspectos sociais, econômicos e ambientais, irão refletir nos resultados da aferição do desempenho am-biental e socioeconômico dos estabeleci-mentos rurais, como renda monetária dos produtores, acesso à terra e proporção das APPs”, destaca José Mário, ao acrescentar que programas de governo direcionados à adequação socioeconômica e ambiental de estabelecimentos rurais deverão conside-rar estas especificidades locais na elabora-ção de planos de ação.

Na Zona da Mata, por exemplo, os estabelecimentos do município de Arapon-ga são relativamente pequenos e parte con-siderável encontra-se em APPs (21,6%). Apesar disso, as propriedades com manejo agroecológico de cafezais apresentaram indicadores superiores àqueles tradicio-nais, com predomínio de pastagens degra-dadas (índices gerais de sustentabilidade entre 0,52 e 0,80). Já em Iraí de Minas, no Alto Paranaíba, os resultados refletiram uma agricultura de alta tecnologia e ren-dimento, com os consequentes impactos econômicos e ambientais (de 0,64 a 0,68). Diamantina e Montes Claros, no Norte, por sua vez, mostraram resultados que refletem a condição particular relativa aos reassen-tamentos de famílias deslocadas em fase de readaptação (de 0,63 a 0,75).

AperfeiçoamentoDesde 2009, o sistema passou por

diversos avanços, com auxílio de especia-listas, que participaram de oficinas promo-vidas pelo projeto de pesquisa. Equipes da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e da Emater-MG colaboraram para o desen-volvimento de um mecanismo mais funcio-nal, menos complexo e que proporciona autonomia ao técnico durante as visitas. A análise da qualidade da água também

foi simplificada, de forma a se obter boa sensibilidade e atender questões relativas a custo, facilidade de aplicação e robustez.

A proposta é oferecer qualificação para os técnicos que usarão a ferramenta junto aos produtores. Nesse sentido, se-gundo José Mario, o Governo pretende ca-pacitar profissionais da Emater e de outras instituições, além de profissionais da ini-ciativa privada, para auxiliar no processo de regularização ambiental das propriedades e criar políticas, programas e projetos de au-xílio à adoção de boas práticas de conser-vação do solo, da água e da biodiversidade. Também se pretende reconhecer e premiar as propriedades que apresentarem bom de-sempenho ambiental e socioeconômico.

São parceiros da iniciativa, além da Emater-MG, o Instituto Estadual de Flores-tas (IEF), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Fun-dação João Pinheiro. O projeto de pesquisa foi financiado pela FAPEMIG, com apoio da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais, da Sea-pa e da Semad. Os estudos também origina-ram o livro Indicadores de sustentabilidade em sistemas de produção agrícola, lançado em 2010, a partir de trabalhos apresentados em workshop, que serviu como base para iniciar a elaboração do sistema ISA.

PROJETO: Avaliação do desempenho ambiental e socioeconômico de estabe-lecimentos agropecuários COORdEnAdOR: José Mário Lobo FerreiraMOdALIdAdE: Programa Endogoverna-mentalVALOR: R$ 197.475,00

PROJETO: Identificação de indicadores e ajuste de instrumentos para serem inte-grados às metodologias de avaliação da sustentabilidade de atividades agrícolas COORdEnAdOR: José Mário Lobo Ferreira MOdALIdAdE: Auxílio Especial VALOR: R$ 171.769,00

oRIENTação Do EsTaDo + oRgaNIzação Do agRICUlToR = gaNho PaRa a ComUNIDaDE

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sDa vaca ao squeezePesquisa analisa uso de permeados

da ultrafiltração de leite no desenvolvimento dos chamados

“repositores hidrolíticos”, bebidas comuns nas garrafinhas dos

esportistas

William Ferraz

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Qualidade de vida e sustentabilidade são alguns dos temas de maior debate no mundo contemporâneo. Entre os brasilei-ros, as preocupações características da “geração saúde” parecem também mais evidentes. Que o diga a disseminação de “ideias verdes” e hábitos saudáveis, im-portantes por promover verdadeira revolu-ção nos cardápios, perfis de consumo, ce-nários urbanos e estilo de comportamento da nação. O leitor conseguiria imaginar uma linha de pesquisa capaz de agregar, num só produto – no caso, derivado do lei-te –, tantos conceitos e expectativas? Eis o desafio a que se lançou um grupo de pes-quisadores do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

O projeto apresenta dualidade de propostas: propiciar o proveito integral do leite usado na produção de queijo e minimizar, em consequência, os impactos ambientais gerados pelo descarte dos re-síduos orgânicos resultantes do processo, conforme explica a coordenadora da ini-ciativa e doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Edimar Aparecida Filomeno Fontes: “Ao final da fabricação do queijo, restam compostos de alto valor biológico no soro de leite. Mesmo com aplicação prática desse co-produto da indústria de laticínio, grande parte desse material acaba despejado em redes de saneamento, e, por ser rico em matéria orgânica, é cerca de 20 vezes mais poluente do que o esgoto do-méstico”, explica.

A produção do queijo consiste na separação dos componentes lácteos, pro-cesso que dá origem a dois distintos de-rivados: o coalho – porção sólida usada durante a fabricação de queijo – e o soro,

líquido que detém mais da metade dos nutrientes do leite, representados por pro-teínas, sais, vitaminas, lactose e enzimas. Há algumas décadas, tudo era descartado, por indisponibilidade de recursos tecnoló-gicos para aproveitamento dos componen-tes, o que gerava grande disparidade entre produto e rejeito. “Em média, seis litros de leite produzem um quilo de queijo. O ma-terial restante acabava eliminado, gerando enorme volume de detritos orgânicos”, ex-plica a coordenadora.

Avanços científicos na indústria dos laticínios possibilitaram o uso e a aplica-ção de técnicas especiais de filtragem do leite, processo conhecido como ultrafiltra-ção. Por meio de tal técnica, membranas sintéticas de escalas microscópicas atuam como barreira seletiva de materiais, que acabam retidos conforme tamanho, volu-me etc. Por ultrafiltração, são retidas as moléculas de proteína restantes no líquido, formando o retentado. “Esse procedimento tornou possível o isolamento das proteínas do leite e, também, do soro, abrindo portas para uma gama de aplicações na indústria alimentícia, seja no enriquecimento do va-lor proteico de alimentos ou no uso, como base, de produtos para suplementação alimentar”, esclarece Edimar Fontes, ao lembrar, porém, que significativa parcela dos chamados “permeados” do líquido –

rica em lactose, sais minerais e vitaminas hidrossolúveis, com destaque para as ribo-flavinas, pertencentes ao complexo B – não encontra, ainda hoje, destinação adequada. “Sem reutilização, seu destino final ainda são as redes fluviais sanitárias”, conclui.

Segundo a coordenadora, esse foi o ponto do qual partiram suas investiga-ções: ao perceber o paradoxo entre o pro-veitoso valor nutricional dos derivados do leite e seu potencial de degradação ao meio ambiente, Edimar visualizou certa solução prática para o problema. A res-posta estava, exatamente, na composição dos “permeados”, que, naturalmente, reú-nem todos os nutrientes a compor as be-bidas hidrolíticas e com potencial na ela-boração de isotônicos, largamente usados por praticantes de atividades físicas e, às vezes, prescritos para o tratamento de ca-sos de desidratação, principalmente, em crianças. “A aplicação do permeado como base para formulação de isotônicos é um método eficaz e econômico, pois pratica-mente dispensa o processo de formulação química da bebida, uma vez que os per-meados contêm componentes naturais e nutritivos do leite”, explica.

Cores e aromasOs primeiros testes foram realizados

em 2008, quando Edimar Fontes lecionava no Centro Federal de Educação Tecnoló-gica de Rio Pomba. O experimento inicial buscava apenas a elaboração de bebida à base de permeado. Já à época, os resul-tados demonstravam que o conceito seria aplicável. Hoje, os estudos progrediram a uma etapa multidisciplinar. “Verifica-mos que a osmolaridade {quantidade de partículas dissolvidas em um solvente}

Além da criadora do projeto, os estu-dos envolvem Antônio Fernandes de Carvalho, mestre em Ciências Alimen-tares, Paulo Cesar Stringheta, doutor em Tecnologia de alimentos na área de corantes naturais, e Rachel Campos Sabioni, estudante de iniciação cientí-fica em Engenharia de Alimentos.

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apresentada pelo produto poderia ser aplicável na formulação de bebidas com características isotônicas. No momento, estudamos a utilização de corantes a par-tir de fontes naturais, conferindo caracte-rísticas de cor à bebida”, conta.

Os permeados possuem, natural-mente, certa coloração esverdeada, de-vido à alta concentração de vitaminas do complexo B – em especial, as riboflavinas (também conhecidas como lactoflavinas ou vitaminas B2), importantes para a saúde das mucosas, da pele e dos cabelos. “Com referência na coloração adquirida, que se assemelha a bebidas de derivação cítrica, aplicamos aroma de limão ao produto, atri-buindo sensação gustativa a seu aspecto visual”, esclarece a pesquisadora.

A aplicação mercadológica do pro-duto, entretanto, deu razão a uma nova li-nha de pesquisas. “O comprador não tem interesse de consumir, em larga escala, um produto comercializado apenas em um sabor. Por isso, iniciamos os testes para dar outras cores e aromas à bebi-da. Já que se trata de artigo diretamente ligado à área de esportes, pensamos em aplicar corantes plenamente naturais”, comenta Rachel Sabioni, estudante de Iniciação Científica em Engenharia de Ali-mentos e integrante das pesquisas. “No

momento, conduzimos experimentos para dar à bebida certa tonalidade vermelha. Para tanto, usamos como base o açaí, fruta rica em antocianina, substância que carrega grandes quantidades de pigmen-tos dessa cor”, completa Edimar.

Muitos outros estudos, contudo, se-rão necessários. A ausência de conservan-tes artificiais, por exemplo, faz com que, ao longo do tempo, o produto ainda apresente perda de coloração, em exposição à tem-peratura ambiente. O desafio é oferecer ao produto a mesma sobrevida de um coran-te artificial, sem que haja necessidade de substâncias sintéticas. “O produto recebe apenas a adição de conservante químico na fórmula, com a finalidade de inibir o desenvolvimento de fungos e microrganis-mos”, relata a coordenadora do projeto.

A pesquisa também revela que o uso de corantes de origem natural pode am-pliar os benefícios oferecidos pela bebida. Segundo os especialistas, o corante extra-ído do açaí apresentou propriedades antio-xidantes na fase in vitro. Apesar do estágio avançado dos estudos, Edimar Fontes afir-ma que esportistas de plantão precisarão aguardar um bom tempo para provar esta nova e promissora bebida: “A aplicabili-dade segura do produto ainda requer uma série de análises e estudos”.

PROJETO: Elaboração de bebida iso-tônica à base de permeado obtido pela ultrafiltração do soro de leiteCOORdEnAdORA: Edimar Aparecida Filomeno Fontes MOdALIdAdE: Demanda UniversalVALOR: R$ 14.794,00

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Vencedora do Prêmio Jovem Cientista 2012, estudante mineira participa do desenvolvimento de tecido inteligente, capaz de amenizar aumento de temperatura do corpoRodrigo Valadares

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Esportistas, pacientes hospitalizados ou trabalhadores da construção civil cos-tumam sofrer com o excessivo calor dos dias quentes. A desagradável sensação que tais pessoas experimentam, contudo, pode estar com os dias contados. A estudante de Design de Produtos Priscila Ariane Los-chi, da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg), desenvolveu um tecido inteligente – formado por dois polímeros, o PEG e o PCM –, capaz de se alterar do estado sólido para o líquido. Orientada pela professora Eliane Ayres, a pesquisa do novo material foi vencedora do 26º Prêmio Jovem Cientista (2012), promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O estudo concorreu com mais de dois mil projetos, elaborados por pes-quisadores que haviam sido desafiados a pensar em como o esporte pode mudar a vida das pessoas, tendo em vista, princi-

palmente, a realização, no Brasil, da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas 2016. Para Priscila Loschi, o maior desafio da investigação foi lidar com disciplinas dife-rentes do design, como Química, Física e Matemática, todas essenciais em seus ex-perimentos. “Tal etapa revelou-se desafia-dora, mas bem prazerosa. Compreender o processo de desenvolvimento da pesquisa foi importante para que o projeto tomasse um caminho mais interessante e obtivesse resultados satisfatórios”, lembra.

O processo de formação do polímero “por trás” do tecido inteligente – o polie-tileno glicol ou PEG – assemelha-se aos efeitos das pedras de gelo numa bebida: à medida que passa do estado sólido para o líquido, o gelo absorve o calor e resfria o líquido, mantendo-o por mais tempo na temperatura desejada. No caso do material criado pela pesquisadora, “para que o polí-mero não escorresse das tramas do tecido,

Polímeros são compostos químicos de elevada massa molecular relati-va, resultantes de reações químicas de polimerização. O chamado “com-plexo polimérico” forma-se quando há condições para que ocorra inte-ração entre dois polímeros, princi-palmente, por meio de ligações de hidrogênio.

Sob o tema “Inovação Tecnológica nos Esportes”, a 26ª edição do Prêmio Jovem Cientista, promovido pelo CNPq, premiou jovens talentos de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Mato Grosso. Todos apresentaram pesquisas voltadas aos avanços tecnológicos, sociais e econômicos das atividades esportivas, com vistas à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016. A tecnologia e a ciência têm muito a contribuir para o desenvolvimento de eventos de tal magnitude. “Calçados de alto impacto, roupas de garrafa pet, próteses cada vez mais leves: eis alguns dos exemplos a afirmar que nosso objetivo também é contribuir para que os atletas consigam melhorar seu rendimento. No caso de minha pesquisa, por meio de uma roupa inteligente”, lembra Priscila Loschi.

Nascida em Barbacena, na Zona da Mata Mineira, a pesquisadora é bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Incentivo em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – PIBIT/UEMG/CNPq – e, em seu estudo, também recebeu apoio da FAPEMIG. “A UEMG contribuiu com as análises de termografia, o que, a meu ver, foi o principal fator que levou o projeto a vencer o Prêmio Jovem Cientista”, ressalta a professora Eliane Ayres.

Priscila conta que recebeu o prêmio com imensa surpresa. “Afinal, sabemos que existem muitos trabalhos de alta qualidade em todo o Brasil.” Sua orientadora ressalta que o título também serve de motivação aos colegas da es-tudante. “Já temos vários alunos interessados em desenvolver projetos que possam concorrer ao prêmio em 2013”.

Prêmio estimula vocação científica

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ao mudar de fase, foi necessário usar outro elemento, capaz de prender a solução nas fibras”, explica.

Vários, contudo, são os materiais que podem ser usados. Na pesquisa, Priscila recorreu, como já ressaltado, ao PEG, polímero que, embora não seja um derivado de fonte renovável, revela-se completamente atóxico e biocompatível – isto é, não causa irritação quando em contato com a pele. Além disso, trata--se de polietileno bastante adequado ao caso, pois que sua mudança de fase, de sólido a líquido, ocorre sob temperatura determinada. “Dessa maneira, se o corpo se aquecer acima dessa temperatura – em uma atividade física, por exemplo –, o PEG torna-se líquido, absorvendo, assim, todo o calor extra”, explica Priscila. Por outro lado, à medida que a pele se resfria,

Trata-se do produto da polimerização de um ácido, que pode ser obtido tan-to a partir da cana de açúcar, por meio de rota química, quanto de fermenta-ção pelo fungo Aspergillus terreus. O produto, portanto, deriva de fonte re-novável, que se encaixa perfeitamente no conceito de sustentabilidade.

o calor é liberado e o PCM torna-se só-lido novamente. “As pessoas se sentirão mais confortáveis, independentemente da atividade que realizem ou da estação do ano”, completa.

Para examinar o efeito termorregula-dor das amostras de tecidos modificados, foi usada a técnica de termografia por in-fravermelho (IR), com auxílio de câmera termográfica, que capta, por meio de lentes

intercambiáveis, a radiação infravermelha emitida pelo objeto analisado, decodifi-cando-a em cores. A variação das tempe-raturas – das mais altas às mais baixas – apresenta-se, respectivamente, em branco, vermelho, amarelo, verde e azul.

Modos de usarPara a composição do tecido inteli-

gente, foram usados compostos renová-veis, como o amido hidrolisado e o melaço de cana. “Um dos polímeros usados para formação do complexo pode ser sintetiza-do por um fungo, por meio da fermentação de fontes vegetais”, esclarece a professora Eliane Ayres, orientadora da pesquisa.

Depois de colocado no mercado, há expectativa de que o produto ofereça con-forto aos usuários. A princípio, será des-tinado a esportistas. A inovação, porém,

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também pode ser estendida a pacientes que aguardam a recuperação em hospitais ou, até mesmo, àqueles que trabalham sob sol forte. “O material é basicamente um dispo-sitivo de armazenamento de energia, de ca-lor. Durante a mudança de fases, o material libera ou retira calor, conforme a variação da temperatura. Nesse caso, o tecido com tal tratamento controla o microclima entre o tecido e a pele do usuário e não deixa que ele sofra desconforto com as variações de temperatura”, explica Eliane Ayres.

Fator importante da pesquisa está, justamente, nas diversas possibilidades de aplicações. Priscila Loschi destaca que, além dos atletas que buscam otimi-zação em seus exercícios, o produto, além de servir a funcionários que lidam diaria-mente com altas temperaturas, pode ser usado no revestimento de automóveis ou

na construção civil. A estudante explica, ainda, que a inovação aplicada ao setor têxtil entra em convergência com as ne-cessidades, cada vez mais frequentes, da população, que busca conforto térmico em suas vestimentas.

Apesar de sua vasta aplicabilidade, é difícil definir data exata para que o tecido chegue ao mercado consumidor. O CNPq ofereceu outra bolsa à pesquisadora, para que continue o desenvolvimento do produ-to – o que já está sendo feito, segundo a professora Eliane Ayres. “Para que o tecido chegue ao mercado, teremos que trabalhar em parceria com a indústria têxtil”, explica a professora, ao lembrar que, apesar de já existirem interessados no projeto, a dificul-dade fica por conta da “tímida” interação en-tre os meios acadêmico e empresarial. “Isso precisa melhorar, para que mais pesquisas saiam das universidades”, conclui.

PROJETO: Materiais de mudança de fases aplicados no design de tecidos inteligentesCOORdEnAdORA: Eliane AyresMOdALIdAdE: Programa Pesquisador MineiroVALOR: R$ 15.000,00

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Concebida na Unimontes, Enciclopédia do Grande Sertão abordará

significados de topônimos, aforismos e outros elementos presentes na

obra-prima de Guimarães RosaMaurício Guilherme Silva Jr.

“Semelhante não foi, quando um homem, Rudugério de Freitas, dos Freitas ruivos da Água-Alimpada, mandou obri-gado um filho dele ir matar outro, buscar para matarem, esse outro, que roubou sa-crário de ouro da igreja da Abadia”. Afora o suspense inerente à cena de vingança e morte, magistralmente descrita por João Guimarães Rosa (1908-1967) em seu Grande sertão: veredas, salta aos olhos de certos pesquisadores um curioso topôni-mo – nome próprio de lugar –, cuja aná-lise é capaz de revelar saborosas nuances históricas e tradicionais das Minas Gerais.

Por sob o “véu” das nomenclaturas, afinal, esconde-se uma série de mistérios, saberes e maravilhas. Que o digam as in-

formações relativas ao singelo “hidrotopô-nimo” Água-Alimpada, usado neste trecho por Rosa, tão somente, para descrever a terra de origem dos Freitas de cabelo aver-melhado: “(Arraial/vila/povoado). Locali-zação: Abadia dos Dourados/MG (IBGE). Etimologia: corruptela de Água Limpa. Água, do latim áqua; líquido incolor, ino-doro e insípido, essencial à vida. Alimpada (a- + limp- + -ada), de limpo – limp + -a, do latim limpĭdus; claro, transparente, sem manchas”.

A minúcia dos dados relativos ao vo-cábulo é reveladora dos esforços do pro-jeto interdisciplinar que, de 2009 a 2012, reuniu pesquisadores da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) –

ligados a áreas diversas do conhecimento –, com o intuito de elencar e interpretar os conceitos, a cartografia fluvial e os topôni-mos do sertão mineiro, além dos aforismos e das discussões filosóficas presentes na obra-prima de Guimarães Rosa. A partir de criteriosas leituras do livro – assim como da fortuna crítica relativa a temas em des-taque –, seguiu-se à criação de verbetes e imagens que, até 2015, acabarão reunidos numa espécie de enciclopédia.

“No caso de certos verbetes, o leitor não apenas terá acesso à história toponími-ca de Minas Gerais, mas também ao pro-cesso de colonização do estado. Além dis-so, tomará conhecimento do procedimento criativo de Rosa”, explica Telma Borges

A segunda etapa do projeto, em vigor desde março deste ano e responsável pela concretização do projeto Enci-clopédia do Grande Sertão, contará com apoio financeiro da FAPEMIG até 2015.

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da Silva, professora do Departamento de Comunicação e Letras da Unimontes e co-ordenadora do projeto interdisciplinar, que conta com a dedicação de especialistas das áreas de Literatura, Linguística, Geo-grafia e Filosofia.

A interdisciplinaridade do estudo, aliás, não se restringe a formalidades me-todológicas. O que a justifica são a riqueza dos verbetes do Grande sertão e a polis-sêmica ourivesaria literária de Guimarães Rosa, elementos que tornam complexa a “arqueologia de sentidos” a cargo dos pesquisadores – trabalho muito mais ex-tenso (e intenso) do que a mera identifi-cação de dados históricos e cartográficos. Telma Borges lembra, por exemplo, que, no caso do citado termo Água-Alimpada, o escritor mineiro inverte a definição “para água suja, ao utilizar o ‘a’, não como par-tícula expletiva, mas de negação, fazendo recair sobre os sujeitos dessa localidade, como os Freitas, o estigma da maldade, já que o filho vai atrás do irmão, mas juntos decidem que quem deve morrer é o pai”.

Devido ao vasto volume de informa-ções a serem reunidas num único verbete, é bem possível que – quando o público puder acessar a enciclopédia – o material recolhido e interpretado pelos pesquisadores vá servir não apenas de fonte de consulta para dis-tintas áreas do saber, mas também, e princi-palmente, acabe por estimular o interesse de muitas pessoas quanto a novas descobertas sobre o “emaranhado sertão rosiano”.

Escassez de livrosA ideia da pesquisa nasceu em 2006,

após a participação da professora Telma Borges na chamada “Expedição Caminhos dos Gerais”, promovida pelas secretarias de Meio Ambiente e de Cultura de Montes Claros. Na ocasião, ao longo de sete dias, os integrantes do evento dedicaram-se a um dos quatro roteiros descritos por Rosa em Grande sertão: veredas. Como resul-tado da experiência, a pesquisadora seria solicitada a produzir um documentário sobre o trajeto. “Em diversas cidades por onde passei, as pessoas faziam questão de demonstrar conhecimento sobre o roman-ce e a obra de Guimarães Rosa. Poucas, contudo, tinham acesso ao livro, cujos

exemplares nem sempre constavam das bibliotecas escolares”, conta.

Nas instituições de ensino, os vo-lumes da obra – quando os havia – eram pouquíssimos se comparados à enorme vontade de leitura de alunos e professores. “Essa carência de livros me incomodava. Por isso, iniciei uma campanha, que, infe-lizmente, não deu certo. Pensei, então, em desenvolver um projeto capaz de render material acessível à comunidade acadêmi-ca e às pessoas em geral”, lembra a pro-fessora. De tal desejo nasceria a proposta de um glossário crítico sobre o livro – con-cepção que, com o passar do tempo, de-vido ao surgimento de outras tantas boas ideias e do interesse de muitas pessoas por participar da iniciativa, acabou por se expandir: “Ao invés do glossário, resolve-mos criar uma enciclopédia”.

Até quando se encerrou a primeira etapa do estudo, os pesquisadores inves-tigaram a cartografia fluvial do Grande sertão: veredas, realizaram o levantamen-to de aforismos e assinalaram “cenas fi-losóficas” e entradas da palavra “sertão” na obra. Para cada item, produziram um grande verbete, além de séries de ima-gens – não apenas dos mapas, produzi-dos a partir da Geografia, mas, também, de fotografias da região. “Por enquanto, a pretensão do grupo é publicar livros, além, é claro, de manter a enciclopédia na internet”, esclarece Telma.

Em 2013, deverá sair o livro sobre os topônimos, material sob coordenação da professora Patrícia Goulart Tondineli. A obra conterá 467 vocábulos, cada um com significado, localização, histórico e etimo-logia da palavra.

Estatística “rosiana”Com base no depoimento do próprio

Guimarães Rosa, concedido a uma revista brasileira, de que sua literatura seria com-preendida em 700 anos, os pesquisadores resolveram trilhar o que a professora Telma Borges chama de “ínfimo percurso”: “Ape-sar disso, já é possível vislumbrar alguns frutos ao longo de tal longa travessia. Em termos numéricos, conseguimos visuali-zar e sistematizar uma série de verbetes”, afirma, ao destacar, por exemplo, que a pa-

lavra “sertão”, como conceito, é citada 64 vezes no romance.

No “universo” da pesquisa, as re-corrências ao termo foram agrupadas em 4 categorias: sertão geográfico; histórico--sociológico, metafórico e metafísico. Já o grupo responsável pelos aforismos de-tectou 516 entradas e preparou um verbete com base nas considerações de Friedrich Schlegel e Novalis. No caso dos topôni-mos, foram catalogados 467 registros, já em fase adiantada de organização para edi-ção em livro.

Para tais autores, conforme expli-ca Telma Borges, o aforismo seria, antes de tudo, “uma semente, um grão seminal que não se acaba em si mesmo, mas abre as portas à sua decifração. Trata-se de algo como um conselho, como a resposta de um oráculo que deve ser pensada e decifrada. Isso implica em relativizar a serventia do aforismo nos primór-dios e em seu uso, por assim dizer, mais atualizado”.

PROJETO: Pelo sertão: geografia, aforismos e filosofia na obra de João Guimarães Rosa COORdEnAdOR: Telma Borges da SilvaMOdALIdAdE: Edital universalVALOR: R$ 23.070,00

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Do pó à sementeUso de espécies locais e de substrato já existente na área degradada proporciona viabilidade financeira e ecológica aos processos de revegetação de regiões mineradas

No final do Período Neolítico, cerca de 3.000 anos a.C., o homem começou a dominar as técnicas de uso dos metais para produzir instrumentos. Séculos se sucederam e, hoje, é impensável o mundo sem a tecnologia originada desses mate-riais. Como exercício de imaginação, olhe a seu redor, caro leitor, e tente visualizar o ambiente onde se encontra sem a presen-

ça de máquinas e objetos derivados, por exemplo, do aço: nada de carros, de eletro-domésticos da chamada “linha branca” ou de utensílios de cozinha. Dá para conceber a vida assim?

A verdade é que todas essas facilida-des têm seu preço. Os danos causados ao meio ambiente pela mineração constituem alvo constante de críticas por parte de dife-

rentes setores da sociedade. Com vistas a minimizar esses impactos, pesquisadores de todo o país dedicam-se ao estudo de al-ternativas sustentáveis. Em Minas Gerais, especialistas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) estudam o desenvolvi-mento de técnicas de baixo custo para a recuperação de áreas degradadas, especi-ficamente, no Quadrilátero Ferrífero.

Área de aproximadamente 7 mil km2, localizada no Centro-Sul de Minas Gerais, abrange BH e diver-sos municípios próximos. No ce-nário internacional, destaca-se pela produção de minérios como ferro, ouro e manganês.

Virgínia Fonseca

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O estado é o maior produtor de miné-rio de ferro do Brasil – 67% do total nacio-nal – e ocupa a segunda posição no caso da bauxita – 14%, atrás do Pará (85%). Destaca-se, neste cenário, o Quadrilátero Ferrífero, responsável pela quase totali-dade da produção mineira. Até 2006, se-gundo dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), a região conta-va com, aproximadamente, 50 minas a céu aberto, sendo uma das áreas mais afetadas pelos efeitos da exploração. A remoção da vegetação e da camada superior de solo das jazidas expõe grandes superfícies de material com altas concentrações de me-tais pesados, sujeitos à ação de fatores como chuvas e ventos. Há, portanto, con-siderável potencial de contágio de recursos hídricos, da atmosfera e, consequentemen-te, de todos os ambientes atingidos pelas massas de ar contaminadas.

Professora do Departamento de Bio-diversidade, Evolução e Meio Ambiente do Instituto de Ciências Exatas e Biológicas da Ufop, Alessandra Rodrigues Kozovits explica: enquanto a contaminação dos recursos hídricos traz impactos locais ou regionais, as consequências do enriqueci-mento da atmosfera, com poeiras e gases derivados das atividades mineradoras, podem atingir distâncias consideráveis. Para minimizar o problema, as minerado-ras precisam realizar o recobrimento das áreas expostas. “Isso, muitas vezes, é feito com plantio de espécies vegetais que, em geral, não são nativas da região”, comenta a docente, que coordena o projeto de recu-peração desenvolvido pela Universidade.

Como as empresas raramente esto-cam o material retirado da camada super-ficial durante a extração das jazidas – ou, quando o fazem, procedem de maneira inadequada –, o processo de recupera-ção, aponta Alessandra, é dificultado. Sem esse solo, as mineradoras necessitam de vultosos investimentos para conseguir substrato que permita o plantio de mudas ou de sementes. Além disso, devido à falta de dados disponíveis sobre o potencial das plantas nativas para a revegetação dessas áreas, usam-se, na maioria das vezes, al-gumas poucas espécies exóticas. “Essa opção acarreta altos custos de plantio e

A camada superficial extraída em áreas mineradas é chamada de top-soil. Trata-se de parte do perfil de solo que concentra matéria orgânica, grande diversidade de organismos e banco de sementes. Abaixo do top-soil, vários metros de material sem valor comercial (estéreis) também são retirados, até que alcancem as camadas de rocha que contêm os minérios de interesse.

manutenção, pois é preciso constante manejo, correção de pH, aplicação de fer-tilizantes, controle de pragas e irrigação”, detalha a pesquisadora. Por fim, tais espé-cies não recompõem a paisagem original e, portanto, não permitem a restauração do ecossistema local.

Paisagem reconstituídaPara resolver tantas questões, o gru-

po envolvido no projeto desenvolve duas frentes de trabalho: transformar materiais presentes na área impactada pela minera-ção em substratos para o estabelecimento da vegetação e, ao mesmo tempo, inves-tigar o potencial de espécies nativas de ecossistemas do Quadrilátero Ferrífero – a exemplo dos campos ferruginosos –, para cultivo nos substratos testados. A ideia é encontrar espécies nativas que suportem as condições iniciais de plantio com o mí-nimo possível de manejo, ou seja, sem exi-gências de correção de solos, aplicações de fertilizantes e irrigação contínua. Espe-ra-se, por meio do uso de recurso local já existente e da redução dos tratos, diminuir significativamente o custo do processo de revegetação. Em longo prazo, os estudio-sos acreditam que as espécies plantadas possam melhorar as condições de solo e fitoestabilizar metais em seus tecidos, faci-litando, assim, o estabelecimento de outras plantas nativas.

No estudo conduzido pela equipe de Alessandra, os cientistas trabalham em local de pós-mineração de bauxita, no qual a laterita é a única camada disponível. Blocos do material são coletados e tritu-rados para produzir substrato com textura

Produto residual enrijecido, deri-vado da alteração intempérica de diferentes rochas, que, em climas úmidos e tropicais, perdem parte de seus elementos. Formada, principal-mente, por hidróxidos de ferro e de alumínio, a literita também recebe outros nomes: quando rica em ferro, é chamada de canga; quando repleta de alumínio, torna-se bauxita.

semelhante àquela encontrada nos solos dos campos ferruginosos que margeiam a região. “Antes de tudo, é importante conhecer a granulometria das camadas superficiais das áreas nativas desse ecos-sistema”, pontua. O processo melhora as condições físicas do substrato, de forma a facilitar as trocas gasosas e hídricas com a vegetação e a atmosfera, além de permitir o crescimento de raízes.

Amostras de laterita triturada e de topsoil são, então, distribuídas em porções de 50 x 50 cm, delimitadas por tábuas de madeira de 10 cm de altura. Cada cercado recebe uma muda de candeia (Eremanthus erythorpappus) com cerca de três meses de idade. Mensalmente, avaliam-se as ta-xas de crescimento da planta em altura e em diâmetro. Número de folhas e danos causados por herbívoros são outros parâ-metros mensurados. A coordenadora des-taca que o projeto não inclui aplicações de corretivos de solo e de fertilizantes ou con-trole de pragas. No primeiro teste, as plân-tulas foram regadas com 500 ml de água, uma vez por semana, ao longo da estação seca – já no experimento atual, nenhuma irrigação tem sido usada.

As investigações incluem, também, análise comparativa com plantas da mes-ma espécie cultivadas em topsoil recolhido nos campos ferruginosos da região. No início da experiência, antes do plantio, tes-tes determinam a concentração de elemen-tos em amostras de folhas, caules e raízes das mudas. Um ano depois, repete-se o exame nas candeias que cresceram nos dois substratos avaliados, para verificar seu potencial de bioacumulação de metais.

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Pela diversidadeOs pesquisadores escolheram tra-

balhar, inicialmente, com a candeia, por se tratar de espécie arbórea comumente encontrada nos campos ferruginosos de Minas Gerais e bastante usada, com fins diversos, pelas populações locais. A es-pécie mostrou-se promissora no que diz respeito ao plantio em áreas de bauxita pós-mineração, com índice de sobrevi-vência superior a 90% em todos os subs-tratos testados e altas concentrações de certos metais em seus tecidos. “Como esperado, encontramos maiores taxas de crescimento relativo em plantas cultiva-das no topsoil. Por outro lado, a simples trituração da laterita aumentou o cresci-mento em altura, por exemplo, em 190%, comparativamente às plantas do material não triturado”, conta a professora.

Agora, o grupo mensura a concen-tração de metais em folhas de 20 espécies lenhosas dos campos ferruginosos e dos solos onde estão plantadas. “Pretendemos verificar se o solo sob plantas que acumu-lam maiores concentrações de metais é também mais enriquecido com certos ele-mentos, o que poderia dificultar o estabe-lecimento de espécies sensíveis à presença desses metais”, adianta. A coordenadora esclarece que esse estudo é importante

PROJETO: Desenvolvimento de técnicas de baixo custo para a recuperação de áreas degradadas no Quadrilátero FerríferoCOORdEnAdOR: Alessandra Rodrigues Kozovits MOdALIdAdE: Programa Pesquisador MineiroVALOR: R$ 48.000,00

PROJETO: Estratégias de recuperação e monitoramento de áreas impactadas por atividades de mineração: Implan-tação de Núcleo de Excelência em Pesquisas sobre FitorremediaçãoCOORdEnAdOR: Nilton CuriMOdALIdAdE: Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex)VALOR: R$ 707.068,53

Na Universidade Federal de Lavras (Ufla), estudiosos também se dedicam ao tema, a ponto de criar o Núcleo de Excelência em Pesquisas sobre Fitorremediação. De caráter multidisciplinar, a iniciativa pretende unir esforços da equipe local a ou-tros grupos de pesquisa, no país e no exterior.

A princípio, segundo o professor do Departamento de Ciência do Solo e sub--coordenador do Núcleo, Luiz Roberto Guimarães Guilherme, o foco da equipe da Ufla são áreas de mineração e metalurgia de zinco (afetadas pela presença de cádmio e chumbo), além de regiões de extração de ouro (onde há ocorrência de arsênio). Assim como na exploração de ferro e de bauxita, os principais impactos negativos são a movimentação e a exposição de material geológico, que pode sofrer transformações, com aumento da disponibilidade de metais, representando risco potencial à saúde humana e ao ambiente.

O Núcleo está em implantação e já obteve aprovação de projetos junto a ór-gãos de fomento e à iniciativa privada. “Implantamos uma rede de pesquisa em áre-as afetadas por atividades de mineração, intitulada Recuperamina, que tem o apoio financeiro da FAPEMIG e da Vale. Contamos, ainda, com parceiros na indústria, em institutos de pesquisa, em diversas universidades brasileiras e em países como Estados Unidos, Portugal e Austrália”, comemora Luiz Roberto. A interlocução com diferentes grupos já ocorre por meio do conhecimento comum de resultados pu-blicados e do intercâmbio de ideias em bancas e congressos, ocasiões em que os pesquisadores estabelecem contatos para parcerias futuras.

para indicar se o plantio de determinada vegetação poderia facilitar ou dificultar a sucessão ecológica das áreas degradadas. “Embora a candeia tenha apresentado bons resultados de crescimento na laterita tritu-rada e no topsoil, ainda não sabemos se ela permitiria o estabelecimento de novas espécies ao seu redor”, completa.

Segundo a coordenadora, nenhum projeto de restauração ecológica deve usar espécie única. Os campos ferrugi-nosos são ecossistemas de alta variedade florística, estrutural e funcional. “Quanto mais nos aproximarmos de tal diversi-dade, maior será a chance de sucesso,

não somente para a simples cobertura do substrato, mas, principalmente, para res-tauração dos processos ecossistêmicos”, avalia. Alessandra espera testar, em breve, o crescimento de outras espécies nativas, associadas ou não à candeia. “Por outro lado, para fins comerciais, talvez monocul-turas de candeia possam ser estabelecidas em áreas degradadas pela mineração”, sugere. Atualmente, novos experimentos estão em campo para testar a eficiência de outras granulometrias, que sejam mais facilmente produzidas, de forma a tornar a técnica cada vez menos dispendiosa.

Núcleo reúne iniciativas

Naiara Machado

Espécies como a candeia poderiam, em logo prazo, facilitar o estabelecimento de outras plantas nativas

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horizonte revigoradoPesquisa desenvolvida no Departamento de Biologia Geral da UFMG restaura vegetação nativa de áreas degradadas na Serra do Cipó

Cenários outrora estéreis e deso-lados, terrenos enfermos, incapazes de produzir vida após intervenções degra-dantes, readquirem a riqueza típica do cerrado mineiro, ambiente, como se sabe, de vasta biodiversidade. Tal reavivamento dos contornos que deram à capital o título de Belo Horizonte foi o resultado de pes-quisa pioneira desenvolvida por cientistas do Departamento de Biologia Geral do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG - abordada na edição número 15 de Minas Faz Ciência. Intitulada “Reabili-tação de áreas degradadas”, a investigação elegeu como “palco” para intervenções os campos rupestres da Serra do Cipó, região reconhecida como um dos conjuntos na-turais de maior abundância de espécies de plantas no mundo – apesar de, há décadas, caracterizar-se pela morbidez dos mais ári-dos solos.

Uma das três variações da vegetação de altitude da América do Sul, os campos rupestres são ecossistemas naturais de re-giões situadas acima de 900 metros e com afloramentos rochosos. Essas formações predominam na Cadeia do Espinhaço – re-duto das espécies de mata atlântica e cerrado –, onde, por sua vez, localiza-se a Serra do Cipó. “As espécies naturais do cerrado com maior ameaça de extinção concentram-se nessa ecorregião. Por isso, priorizamos os estudos com esse tipo de ecossistema”, ex-plica o professor Geraldo Wilson Fernandes, coordenador do projeto.

Em 2001, ano de início da pesquisa, quase metade do terreno estava compro-metido, com perda de espécies exclusivas do local – muitas das quais já à beira da extinção. O prognóstico era desfavorável, pois certos pontos haviam sido analisados, por especialistas, como irrecuperáveis. O uso de ciência aplicada e o investimento em linha arrojada de estudos, porém, re-verteram significativamente a situação. “Hoje, cerca de 40 hectares de área, o que inclui trechos inférteis há mais de 30 anos, foram revitalizados, e com espécies nati-vas”, explica Fernandes.

O objetivo central dos estudos era proporcionar condições de restaurar os so-los degenerados da área sem aplicação de espécies estranhas ao bioma. “Atualmente, a prática da restauração usa, basicamente, as mesmas espécies em qualquer terreno, como pinus, eucaliptos e outras plantas exóticas, a exemplo de capim meloso e braquiárias, que, por sua fácil adaptação ao solo e pela ausência de predadores naturais, apresentam comportamentos muito invasivos e descaracterizam o ecos-sistema”, esclarece o professor. Segundo os pesquisadores, a atividade configura, ainda, um reflorestamento ilegítimo, pois a vegetação original não é recuperada.

Etapas de açãoO estudo envolveu mais de 50 espé-

cies nativas da flora na Serra do Cipó, con-sideradas de tratamento complexo, devido à ausência de estudo pregresso – capaz de fornecer embasamento técnico ao emprego desse tipo de vegetação na restauração. De acordo com o estudante de doutorado Daniel Negreiros Alves Pereira, que integra a equipe do projeto, as pesquisas partiram do levantamento de dados sobre a biolo-gia, a arquitetura e a genética das plantas, assim como da verificação dos nutrientes exigidos e do processo de adequação ao solo. “Tratava-se, enfim, de trabalhar o conjunto de condições para cultivo e acon-dicionamento das espécies”.

Concluída tal etapa, os pesquisadores agregaram os conhecimentos fundamentais à cultura das espécies e seguiram à condu-ção de testes laboratoriais de germinação, que apresentaram resultados promissores. “A partir de então, deu-se início aos estudos de manipulação dos vegetais em ambiente natural”, comenta Fernandes.

As pesquisas de campo foram desen-volvidas em área da Serra do Cipó onde se instalou um laboratório vivo, que contou com aporte financeiro da FAPEMIG e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Trata-se de estrutura híbrida, com ambientes natu-

rais e laboratoriais e onde os 50 especia-listas realizam monitoramento permanente, o que conferiu às pesquisas expertise sem precedentes no campo da restauração de terrenos degradados.

Em segundo plano, os pesquisado-res concentraram esforços na prática da recuperação, ao usar, prioritariamente, as espécies endêmicas, aquelas com cresci-mento restrito à Serra do Cipó – e, à época, em risco de extinção. “Agora, temos áreas extensas cobertas por espécies que, há uma década, estavam próximas de desapa-recer, como Coccoloba cereifera, Collaea cipoensis, Chamaecrista semaphora, Kiel-meyera petiolaris, Diplusodon orbicularis e Vellozia nanuzae, conhecida por ‘canela--de-ema-cheirosa’”, lista Fernandes.

Novos estudosEm função dos bons resultados rela-

tivos à recuperação das áreas, a pesquisa do ICB ramificou-se a outros ramos do co-nhecimento. Atualmente, em parceria com a Companhia Vale do Rio Doce, o grupo desenvolve, por exemplo, projeto que bus-ca reabilitar terrenos degradados, pela prá-tica de mineração, em regiões conhecidas como “campos rupestres ferruginosos”. Outra investigação, realizada em conjun-to com o Cetec (MG) e coordenado por Valeria Freitas, pretende recuperar áreas destruídas pelo rejeito de ardósias. “Ago-ra, aplicamos nosso conhecimento para verificar a adaptação das espécies vegetais das montanhas de Minas, diante das mo-dificações climáticas em curso”, explica o coordenador.

Segundo Fernandes, apesar das conquistas, é necessária a atuação dos poderes públicos, por meio de desenvol-vimento de projetos de lei que valorizem a utilização de vegetação nativa nas prá-ticas de reflorestamento e recuperação de zonas degradadas, para que os resultados do trabalho tenham abrangência mais ex-pressiva. “Só assim o desenvolvimento alcançado não ficará restrito ao ambiente de nossas pesquisas”, conclui.

William Ferraz

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! Saiba mais: www.confap.org.brOuça Ondas da Ciência:

http://migre.me/eQGoj

sergio luiz gargioni

Marcus Vinicius dos Santos

Com o propósito de levar a ciência brasileira ainda mais longe, o Conselho Nacional de Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap) elegeu como seu novo presidente (2013-2015) o engenheiro

mecânico Sergio Gargioni, da Fap de Santa Catarina (Fapesc). Mestre pela Universidade de Illinois (EUA), com MBA Executivo em Administração de Negócios pelo Instituto Internacional de Gestão do Desenvolvimento

(IMD), na Suíça, Gargioni é professor da Universidade Federal de Santa Catarina e atua como consultor empresarial. Aos 64 anos – sendo 41 de docência –, o pesquisador, que se auto-define um “executivo da

ciência e tecnologia”, ocupou importantes cargos públicos e, também, junto à indústria e ao comércio.

Qual o papel da Confap? Representar, oficialmente, o trabalho de-senvolvido pelas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa no Brasil e articular seu desenvolvimento. A liderança do pro-fessor Mario Neto [atual presidente da FA-PEMIG] levou o Confap a conquistar vários assentos estratégicos no Sistema Nacional de CT&I – CNPq; Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), que é presidi-do pela presidente da República; Centro de Gestão e Estudos em Assuntos Estratégicos (CGEE) – e, também, no Comitê Executivo do Ministério de Ciência, Tecnologia e Ino-vação (MCTI), assim como em mais de 20 posições onde o Confap tem capacidade de dar opinião, de influir ou decidir. Das 27 unidades federativas brasileiras, apenas Roraima não possui Fap. O conjunto des-sas 26 fundações é que tem força. E essa força é representada pelo Confap.

Quais serão as principais linhas de ação de seu projeto de gestão?Algumas delas são pautas permanentes. Daremos continuidade a todas as ações em curso. É preciso tentar concluir, consolidar, abrir novas iniciativas, mas sempre dentro do mesmo alinhamento. Esse tipo de coisa não se consolida de uma hora para outra. A defesa dos interesses das fundações é questão estratégica, assim como a ação junto aos poderes públicos, para buscar liberação do aporte de recursos que, em geral, a legislação estabelece como sendo de 1% do PIB. Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro são alguns dos estados que cumprem essa lei. Os demais têm dificul-dade, inclusive o nosso [Santa Catarina]. Contudo, isso vem mudando de forma crescente. Também devemos buscar con-solidar instrumentos operacionais, como o novo código de ciência e tecnologia, que tramita no Congresso Nacional, uma espécie de “CLT da CT&IT”. Instrumento jurídico mais simples, o novo código leva

em conta a experiência e é sensível às dife-renças das operações relacionadas ao fazer ciência das outras, normais de governo.

E o sistema de indicadores das Faps, o Sifap?Acho que ele pode ser considerado um dos destaques da atuação do Confap ao longo de seus sete anos de atuação. Também é nossa função promover a discussão de temas específicos, que têm a ver com a gestão das Faps. Ainda em processo de consolidação, o Sifap permite medir ações e resultados: em que se investe? Quais as demandas? Quais áreas são atendidas? Com essas informações, consegue-se avaliar o que, de fato, é feito. Cada vez mais as fundações estaduais têm se tor-nado parceiras de execução de programas e projetos nacionais da Capes, do CNPq, da Finep. As agências nacionais não con-seguem identificar ou atuar no interior de cada estado, pois não têm a capilaridade das fundações. Além de aportar os recur-sos de contrapartida, nossa obrigação, também temos, atualmente, a responsabi-lidade de realizar bem a execução de proje-tos nacionais. Dependendo do estado, isso representa de 30% a 50% das operações.

Como anda o processo de internacio-nalização da ciência e da tecnologia?Precisamos ampliar as relações das Faps com as mais diversas agências internacio-nais de financiamento e apoio à pesquisa. Algumas delas têm dificuldade de alocar recursos, mas, com alguma contraparti-da nossa, podem gerar bons projetos. Já temos parceria com a Comunidade Euro-peia e com entidades como CNRS [Centre National De La Recherche Scientifique] e Inria [Institut National de Recherche en In-formatique et en Automatique], na França, e Conselho Britânico. São muitas as agên-cias. O Conselho trata com essas agências

e, depois, lida com cada uma das unidades, que, por sua vez, apresentam projetos. Te-mos fundações que fazem isso muito bem, como Fapesp, Faperj e FAPEMIG. Acho que todos nós, no Brasil, gostaríamos de ser uma FAPEMIG, por seus instrumentos ágeis e modernos. O Confap continuará in-centivando a troca de experiências.

Que problemas o senhor espera en-frentar à frente da Confap?Aqueles de sempre. Em primeiro lugar, recursos para pesquisa: regularidade e volume, como determinado pela legislação estadual. Em segundo: tornar as fundações parceiras das agências federais. Isso não só reforça nosso orçamento, mas também melhora nossa imagem perante o estado. E permite que cada fundação aplique melhor os recursos, de acordo com sua realidade. Em terceiro lugar, precisaremos simplifi-car processos e eliminar a burocracia que cresce. Gasta-se muito tempo, recursos e discussões para coisas simples. Em quarto lugar, há a inovação. Precisamos fazer com que ela “aconteça” mais rapidamente. E aí entram, novamente, todos os demais pon-tos. A Finep também deve descentralizar operações e garantir mais recursos para a pesquisa industrial. A Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Indus-trial], que vem sendo gestada há algum tempo, fará uma espécie de promoção da tecnologia industrial, nos moldes da Em-brapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], constituindo-se como um novo jeito de fazer pesquisa tecnológica. E o Confap estará junto.

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Fascina-me a complexa interação de leal-dades e de simpatias mundo afora. Na Grã-Bre-tanha e nos Estados Unidos, a certeza de que os pais e avós combateram ‘a boa guerra’ está tão entranhada que muitas vezes esquecemos que povos de muitos países adotaram atitudes mais ambíguas: súditos coloniais e principal-mente os quatrocentos milhões de habitantes da Índia viam pouco mérito na derrota do Eixo se continuassem a sofrer o domínio britânico. Muitos franceses lutaram vigorosamente contra os Aliados. Grandes números de súditos de Stalin aproveitaram a oportunidade oferecida pela ocupação alemã para enfrentar o odiado regime de Moscou. Nada disso abala a certeza de que a causa aliada merecia triunfar, mas tais fatos enfatizam que Churchill e Roosevelt nem sempre eram a voz da razão.

A história mostra uma progressão carac-terística das tecnologias da informação: de um simples passatempo à formação de uma indús-tria; de engenhocas improvisadas a produtos maravilhosos; de canal de acesso livre a meio controlado por um só cartel ou corporação – do sistema aberto para o fechado. Trata-se de uma progressão comum e inevitável, embora essa tendência mal estivesse sugerida na alvorada de qualquer das tecnologias transformadoras do século passado, fosse ela telefonia, rádio, tele-visão ou cinema. A história mostra também que qualquer sistema fechado por um longo período torna-se maduro para um surto de criatividade: com o tempo, uma indústria fechada pode se abrir e se renovar, fazendo com que novas pos-sibilidades técnicas e formas de expressão se integrem ao meio antes que o empenho para fechar o sistema também comece a atuar.

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LIVRO: Inferno: o mundo em guerra (1939-1945)AUTOR: Max HastingsTRADUçãO: Berilo VargasEDITORA: IntrínsecaTÍTULO ORIGINAL: All hell let loose PÁGINAS: 766ANO: 2012

o terror num só compêndio

a web e seu calcanhar de aquiles

Muito já se publicou sobre a Se-gunda Guerra Mundial. Aos interessados em conhecer melhor o conflito, basta dis-posição para que, em meio a vasto rol de obras, seja possível peneirar o que lhes for do agrado ou da necessidade – de análi-ses bélicas a ensaios sociopolíticos, de crônicas pessoais a descrições para lá de naturalistas. Sob outra ótica, caso o leitor se revele ansioso por “ir direto ao ponto”, o livro Inferno, de Max Hastings – um dos mais importantes historiadores militares do mundo –, pode ser definido como “a opção perfeita”. Trata-se, afinal, de pre-cioso relato sobre o combate, posto que simultaneamente histórico e humanístico, escrito em volume único.

Além de situar os complexos pano-ramas estratégicos, sociais, econômicos e geopolíticos que levaram à eclosão e ao desenvolvimento da batalha entre Alia-dos e países do Eixo, Hastings consegue a proeza de transportar o leitor ao local dos acontecimentos por meio de sensa-

Muito se celebra, atualmente, a miríade de possibilidades libertadoras da internet – meio, para muitos, liberto das amarras e dos interesses de grupos e poderes hegemônicos. Segundo tal visão, quem (ou “o que”), afinal, teria a capacidade, ou a petulância, de impedir a liberdade de expressão em ambiente tão complexo, descentralizado e multifaceta-do, capaz não apenas de amplificar a voz dos indivíduos, como de democratizar o consumo de bens simbólicos?

No ver de Tim Wu, escritor, advoga-do e professor da Universidade Colum-bia, em Nova Iorque, ainda é cedo para comemorações. Colunista dos principais jornais norte-americanos e ex-executivo de tecnologia no Vale do Silício, o autor se dedica, em Impérios da comunicação, a minuciosa análise dos principais Ciclos (sim, com “C” maiúsculo) tecnológicos “enfrentados” pela sociedade capitalista, ao longo do século XX, de modo a sugerir

ções – e não com o mero auxílio de dados quantitativos e/ou qualitativos. Isso só é possível em função do fantástico trabalho de pesquisa do autor, que, página a pági-na, revela-nos o depoimento de centenas de testemunhas do terror.

Tais relatos foram realizados, em si-tuações e meios técnicos os mais diversos, por mães, pais e filhos, soldados, médi-cos, pilotos, generais, jornalistas e outros tantos seres subjugados pela (incompre-ensível) fúria dos “senhores da guerra”. Para muito além da situação dos fronts, a cada palavra desencavada pelo autor, o leitor perceberá, sob os vestígios do medo, a mais resistente e pura expressão de vida.

cautela quanto à propalada competência libertária da internet.

É que, conforme revelam as expe-riências interpretadas por Wu, do desen-volvimento da telefonia ao surgimento da web, praticamente todas as tecnologias nascem auspiciosas, dispostas a inspi-rar gerações e gerações a sonhar com sociedades melhores, unidas por “novos modos de expressão”. Com o passar das décadas, contudo, o sonho acaba substi-tuído pela realidade das grandes corpora-ções – e suas enormes “mãos invisíveis”.

LIVRO: Impérios da comunicação – Do tele-fone à internet, da AT&T ao GoogleAUTOR: Tim WuTRADUçãO: Claudio CarinaEDITORA: ZaharTÍTULO ORIGINAL: The master switch – The rise and fall of information empiresPÁGINAS: 432ANO: 2012

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Grupo de pesquisadores da UFMG desen-volveu medicamento para tratamento da mucosite, inflamação da mucosa bucal, a partir da própolis, substância produzida por abelhas para revestir suas colmeias. Resultante do tratamento agressivo para combate a tumores na região do pescoço

Um programa de ação que prevê, até 2014, o investimento de mais de R$ 32 bilhões em projetos de inovação científica e tecnológica para setores considerados prioritários, como saúde, energia, petróleo e gás, além de tecnologias assistiva, aero-espacial e de informação e comunicação. Eis a proposta do Plano Inova Empresa. Lançado em 14 de março de 2013, o pro-grama é uma iniciativa do Governo Fede-ral que reúne recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), de bancos de

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“argamassa” de abelhas, própolis pode proteger sua boca

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desenvolvimento, de agências estaduais de fomento e de bancos estaduais comer-ciais. Em Minas, a FAPEMIG é uma das parceiras do programa.

A iniciativa prevê várias possibili-dades de participação, para as quais são elegíveis empresas nacionais de qualquer porte que apresentem propostas arrojadas para projetos de Pesquisa, Desenvolvi-mento e Inovação (P,D&I). Aquelas que ti-verem seus projetos selecionados deverão se enquadrar em um dos quatro diferentes módulos de financiamento: subvenção econômica a empresas (R$ 1,2 bilhão); fo-mento para projetos em parceria entre ins-

tituições de pesquisa e empresas (R$ 4,2 bi); participação acionária em empresas de base tecnológica (R$ 2,2 bi) e crédito para empresas (R$ 20,9 bi).

Um comitê gestor – formado pela Casa Civil da Presidência da República e pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Indústria, do Desenvolvi-mento e Comércio Exterior e da Fazenda, além da Secretaria da Micro e Pequena Empresa – foi designado para a adminis-tração do programa em âmbito nacional.

e da cabeça, a doença torna a boca do paciente extremamente sensível, o que dificulta as práticas cotidianas de higie-ne. “A própolis apresenta propriedades germicidas, antioxidantes, anestésicas e antiinflamatórias, características que a tor-nam um eficiente substituto aos produtos

disponíveis no mercado”, explica Vagner Rodrigues dos Santos, um dos coorde-nadores do projeto. Os resultados obtidos pelo estudo serviram de incentivo ao pa-tenteamento de uma série de produtos à base de própolis. Veja a entrevista com os pesquisadores no programa Ciência no Ar

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Sem predadores naturais, espécies exó-ticas inseridas em ambientes estranhos a seu habitat podem se proliferar indiscrimi-nadamente e promover invasão agressiva,

A reunião anual da Sociedade Brasi-leira para o Progresso da Ciência (SBPC) chega a sua 65° edição. Em 2013, o even-to será realizado de 21 a 26 de julho, no campus da Universidade Federal de Per-nambuco (UFPE), no Recife. A escolha da cidade segue tradição mantida desde o lançamento do primeiro encontro, em 1948: a cada edição, a SBPC “muda-se” para um novo estado da Federação, esta-belecendo-se nas universidades públicas locais. Tal estratégia busca levar a reflexão

PEla CaUsa Da CIÊNCIa

oNDas Da CIÊNCIa

Colonizadores da natureza

sobre o desenvolvimento científico do país a todos os cantos da nação, com debates sobre diversas áreas do conhecimento.

Para discutir temas da atualidade e de interesse global, as reuniões da SBPC recebem os mais reconhecidos represen-tantes brasileiros do cenário de Ciência, Tecnologia e Inovação (C,T&I). No Recife, os pesquisadores problematizarão, em con-ferências, mesas redondas, minicursos, as-sembleias e sessões de pôsteres, a temática “Ciência para o novo Brasil”. Um dos deba-tes do evento contará com a participação da jornalista Vanessa Oliveira Fagundes, as-sessora de comunicação da FAPEMIG, que apresentará o Programa de Comunicação Científica e Tecnológica (PCCT).

Paralelamente aos principais deba-tes da reunião anual, realiza-se uma série

de eventos paralelos, a exemplo da SBPC Jovem, da SBPC Cultural e da Jornada Nacional de Iniciação Científica, que reú-nem trabalhos de estudantes dos ensinos básico e profissionalizante e promovem atividades artísticas regionais. Destaque, ainda, para a EXPOT&C, maior mostra de ciência e tecnologia das Américas, respon-sável por reunir universidades, agências de fomento, entidades governamentais e institutos de pesquisa engajados em apre-sentar produtos e serviços inovadores.

Em 2013, há expectativa de que ao menos 25 mil pessoas assistam às dis-cussões de propostas para uso da ciência como alicerce à construção de um futuro promissor ao Brasil. A FAPEMIG estará presente com um estande institucional, onde apresentará seus programas e mo-dalidades de apoio.

a ponto de gerar desequilíbrios danosos ao ecossistema. Por vezes, tal problema é causado pela imprudência humana. Profes-sora da Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais, Cláudia de Vilhena Schayer Sabino explica como ocorre esse proces-so, quais seus impactos ao meio ambiente e como evitá-los. Confira!

MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2013 49

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50 MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/MAI 2013

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