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Universidade de São Paulo Centro de Estudos Latino-Americano sobre Cultura e Comunicação (CELACC) Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração Latino-Americana Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC) Ciências Sociais Aplicadas Carolina Santa Rosa Corrêa [Orientador: Dennis de Oliveira]

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Universidade de São Paulo

Centro de Estudos Latino-Americano sobre Cultura e Comunicação (CELACC)

Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e

Integração Latino-Americana

Relatório Final de Pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC)

Ciências Sociais Aplicadas

Carolina Santa Rosa Corrêa [Orientador: Dennis de Oliveira]

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ÍNDICE

1. Introdução ...............................................................................................p. 02

2. Análise Quantitativa................................................................................p.07

2.1 Especificidades da Folha de S. Paulo........................................................p.09

2.2 Especificidades da revista da ALAI..........................................................p.11

2.3 Comparações.............................................................................................p.15

3. Análise Qualitativa...................................................................................p.22

3.1 Boaventura de Sousa Santos .....................................................................p.22

3.2 Colonialismo e Imperialismo....................................................................p.38

3.3 Desenvolvimentismo e Estado Plurinacional............................................p.42

3.4 A questão da modernidade........................................................................p.43

4. Dificuldades ..............................................................................................p.47

5. Conclusão..................................................................................................p.49

6. Bibliografia...............................................................................................p.51

7. Anexos.........................................................................................................p.52

“ A América Latina tem problemas

modernos para os quais não há

soluções modernas.”

Boaventura de Sousa Santos

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1. INTRODUÇÃO

Este projeto de pesquisa de Iniciação Científica se insere dentro do projeto central do

Professor Dennis de Oliveira, que pretende fazer um estudo do potencial das mídias alternativas

da América Latina para a promoção da diversidade cultural, por meio de análises da produção na

mídia alternativa impressa.

A partir disso, a proposta deste relatório visa, em contrapartida, também a análise da

grande mídia, por meio do veículo impresso Folha de S. Paulo para a construção de uma base de

dados comparativos que possam ser estudados paralelamente à análise dos veículos alternativos

latino-americanos. Para isso foi escolhido um recorte, que propõe analisar o conteúdo referente

ao continente, com destaque naqueles relacionado às minorias raciais, étnicas e culturais no

Brasil e na América Latina veiculados semanalmente nas edições impressas do jornal Folha de S.

Paulo.

Fundado em 1921, o próprio jornal Folha de S. Paulo define como sua missão editorial,

“produzir informação e análises jornalísticas com credibilidade, transparência, qualidade e

agilidade, baseadas nos princípios editoriais do Grupo Folha (independência, espírito crítico,

pluralismo e apartidarismo), por meio de um moderno e rentável conglomerado de empresas de

comunicação, que contribua para o aprimoramento da democracia e para a conscientização da

cidadania”.1 E segundo o mesmo projeto editorial, a visão do jornal é “Consolidar-se como o

mais influente grupo de mídia do país”.2

Hoje, segundo o estudo divulgado pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC)

referente ao ano de 2010, a Folha de S. Paulo é o segundo veículo mais lido no país, com

294.498 exemplares vendidos por dia. O veículo só perde para o jornal popular mineiro Super

Notícias, com uma diferença de apenas 1203 exemplares. Nessa perspectiva, a Folha configura-

se como um potencial formador de opinião da sociedade brasileira, inclusive sobre os temas

referentes à América Latina e suas minorias culturais, étnicas e sociais, tratadas nessa pesquisa.

Inicialmente o projeto previa que a primeira etapa da pesquisa (primeiro semestre) seria

exclusivamente destinada ao levantamento de corpus na Folha de S. Paulo. Entretanto, mediante

algumas dificuldades de método, pôde-se perceber que o futuro trabalho de análise seria

1 Trecho disponível na página institucional da Folha de S. Paulo:

http://www1.folha.uol.com.br/institucional/missao.shtml

2 Idem 1

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facilitado se a pesquisa também se atentasse ao caminho inverso: acompanhar paralelamente

veículos reconhecidos como “alternativos” para ter disponível também um parâmetro

comparativa no momento de fazer as futuras comparações com o teor do conteúdo veiculado no

tradicional jornal da mídia-hegemônica. Assim, foi acrescentada à minha pesquisa a leitura da

revista mensal equatoriana “America Latina en Movimiento”, no que se tratava a respeito do

continente latino-americano.

A revista America Latina en Movimiento foi escolhida para compor o corpus analítico

por pautar especificamente temas relativos à América Latina, trazendo em todas suas edições

artigos e análises da situação sociopolítica, econômica e cultural do continente, enviesada pelo

discurso declaradamente progressista, em contraposição ao hegemônico, ou seja, “alternativo”:

ALAI tiene por misión formular y desarrollar respuestas a los diversos

desafíos que plantea la comunicación, en tanto área estratégica para la

acción social. Desde 1977, desarrolla una propuesta alternativa de

comunicación que apunta a la conformación de un nuevo tejido

comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural,

en sintonía con los procesos de transformación social 3

Esta revista é a publicação impressa da Agencia Latino-Americana de Información

(ALAI), que se define em seu projeto editorial como um organismo de comunicação

comprometido com a vigência plena dos direitos humanos, igualdade de gênero e a participação

cidadã no desenvolvimento e em qualquer ocupação pública da América Latina. A agência

também defende a democratização da comunicação como condição básica da vida democrática e

da justiça social.

O material que compõe a publicação é o que a ALAI define como informações

sistematizadas, que prestam particular atenção nas dinâmicas sócio-políticas da América Latina,

destacando a perspectiva dos movimentos sociais e cidadãos, e uma leitura contextualizada dos

acontecimentos. Também aporta elementos de reflexão sobre os desafios da época, contando

para a isso com a colaboração de analistas e pensadores de destaque, como acadêmicos,

organizações e líderes sociais.

O levantamento do conteúdo referente ao tema da pesquisa nos dois veículos descritos

acima foi feito para compor o corpus que permitisse fazer uma análise comparativa quantitativa,

de como a América Latina era abordada e qual o espaço e destaque tinha em cada um dos

veículos.

3 Trecho disponível na página da internet da ALAI “Quem Somos” : http://www.alainet.org/quienes-

somos.phtml

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Além do levantamento de corpus, a pesquisa também foi constituída por leituras paralelas

e discussões teóricas de autores e temas que envolviam questões ligadas à América Latina e suas

diversidades sociais, culturas e étnicas e raciais, com o propósito de embasar a introdução de

uma segunda análise comparativa, agora de caráter qualitativo, entre o conteúdo veiculado nas

duas publicações para analisar os diferentes olhares, por parte da mídia, sobre a realidade do

continente. Para tanto foram analisadas as fontes consultadas pelos veículos para a elaboração

das matérias, o recorte do tema, o discurso político-ideológico envolvido, as modalidades de

expressões culturais utilizadas na redação.

A Folha de S. Paulo é um veículo diário, e uma característica usual desse tipo de

publicação é privilegiar o conteúdo informativo fatual, ou seja, a Folha publica

predominantemente notícias que abordam fatos recentes, prezando sempre pela novidade e pelos

conteúdos mais relevantes, julgados pelo próprio conselho editorial, como os de maior interesse

público.

O Novo Manual de Redação do jornal, criado para servir como um guia para os

profissionais da Folha a fim de padronizar as redações e a linguagem jornalística de todas as

matérias veículos, define a notícia veiculada no jornal como:

Puro registro dos fatos, sem opinião. A exatidão é o elemento-chave

da notícia, mas vários fatos descritos com exatidão podem ser

justapostos de maneira tendenciosa. Suprimir ou inserir uma

informação no texto pode alterar o significado da notícia.4

Entretanto, apesar da definição do manual acima é possível perceber que a subjetividade

encontra-se intrínseca a notícia, desde o momento em que esta é pautada. Há um motivo, um

interesse subjetivo e particular, seja do jornalista ou do veículo para que determinada notícia seja

publicada em detrimento de outras. Nem todos os temas considerados relevantes e publicados

pela Folha são os mesmos que a ALAI considerou relevantes e dignos de publicação. É o veículo

que escolha se determinado deve ou não ser noticiado segundo seu próprio interesse ou

concepção (subjetiva) do que é relevante para a sociedade, o que é de interesse público.

Ainda que se cobre do jornalismo mantenha uma incessante busca pela objetividade,

muito pautada inclusive pela massa da sociedade e o senso comum, que acredita que os jornais e

os jornalistas devem ser neutros, imparciais e isentos de opinião, essa concepção pode ser

questionada como faz o jornalista Eugênio Bucci, em seu livro Sobre Ética e Imprensa:

4 FOLHA, 1996, p.88

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6

Não há nenhum distanciamento cultural entre o homem que é repórter,

o homem que é notícia e o homem que é destinatário da informação.

De onde pode então emergir a objetividade? 5

Na prática, sabe-se que tal objetividade é inviável. Um discurso objetivo é aquele em que as

características próprias do objeto- e não as do sujeito- são expressas. No caso do jornalismo,

porém, o homem é sujeito e o objeto a ser estudado. A linguagem é um meio que permite

permear facilmente o subjetivismo, a escolha das palavras nem sempre são feitas de maneira tão

cuidadosa e, mesmo de modo sutil, acabam revelando opiniões e posições do jornalista, como foi

possível observar na etapa de análise qualitativa desta pesquisa.

O jornal Folha de S.Paulo é apenas um dos veículos que compõe o conglomerado

midiático Grupo Folha, integrado também pelo jornal Valor Econômico, jornal Agora, o site

UOL, a agência de notícias FolhaPress e a agência de pesquisa DataFolha, entre outros. Nessa

perspectiva, o jornal também se apresenta com caráter empresarial. Assim entre as subjetividades

do veículo, enquanto empresa pode ser oportuno considerar seus interesses, econômicos e de

mercado, atrelados ao conteúdo jornalístico publicado, como afirma o teórico da comunicação

Ciro Marcondes Filho:

A própria produção da noticia significa a adaptação do fato social a

alguma coisa mais rentável.6

Já a revista America Latina en Movimiento é mensal, e, diferente da Folha, seu principal

objetivo não é informar o público em primeira mão sobre os últimos acontecimentos do

continente latino-americano. Ao contrário, a ALAI privilegia os conteúdos mais densos, por

meio de publicações de artigos, propriamente ditos, enviesados por uma abordagem analítica e

declaradamente opinativa.

5 BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. Cia das Letras, 2001

6 FILHO, Marcondes Ciro. O capital da notícia – jornalismo como produção social da segunda natureza.

São Paulo: Ática, 1986.

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2. ÁNALISE QUANTITATIVA

A fim de analisar o conteúdo referente à América Latina destes veículos, foi levantado o

material referente ao período de um ano, compreendido entre o mês de março de 2011 e março

de 2012.

Como o jornal Folha de S. Paulo é um veículo diário, do ponto de vista prático, seria

inviável analisar todo o volume de conteúdo publicado durante o período de um ano. Portanto,

considerou-se suficiente para os objetivos da pesquisa analisar o veículo semanalmente, através

dos jornais publicados aos domingos, que são edições mais extensas e que costumam trazer uma

breve síntese dos fatos que ocorreram durante a semana. Nas edições analisadas, a busca de

conteúdo sobre América Latina foi focada no caderno “Mundo” do jornal, que é a editoria que

trata os temas internacionais.

No caso da ALAI, as revistas publicadas são mensais, assim foi possível analisar todas as

publicações compreendidas entre o período determinado. Exceto nos meses de Agosto de 2011 e

Janeiro de 2012, em que a revista não foi publicada, e nos meses de Setembro e Outubro em que

foi publicada uma única revista dupla referente aos dois meses.

Na Folha de S. Paulo, levando em consideração o conteúdo publicado nos jornais de

domingo durante o período de um ano, foram contabilizadas 96 notícias com temáticas gerais

relativas ao continente latino-americano. Nas doze edições da revista América Latina en

Movimiento que integravam a amostragem, foram publicadas 88 artigos sobre o continente.

Todo material copilado foi classificado segundo categorias mais específicas de acordo

com os temas que mais eram recorrentes nas publicações, para que mais tarde, durante a análise

qualitativa, fosse possível comparar com que frequência determinados temas apareciam, que

temas que apareciam em comum, quais abordagens eram dadas em cada veículo. Por meio dessa

categorização, foi possível perceber que a periodicidade de cada publicação e seus perfis

editorias influenciam diretamente em como cada um deles trata o tema da América Latina.

Desse modo, foram definidas as seguintes categorias: Meio-ambiente/ Ecologia;

Economia; Política interna; Política Externa; Meios de Comunicação; Movimentos Sociais;

Cultura; Educação; Direitos Humanos; Relações Étnicas e Raciais e Drogas/Narcotráfico.

Cada matéria ou notícia podia ser enquadrada em mais de uma categoria diferente. Foram

raras as matérias que tratavam exclusivamente de apenas um dos temas, até porque, muitos deles

estão intrinsecamente conectados. A partir dessa categorização foi possível perceber as

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8

disparidades entre os veículos quanto à abordagem de determinados temas, e a coincidência de

outros, como pode ser observado nas tabelas abaixo:

Tabela 1 – Folha de S.Paulo

Tabela 2 – América Latina en Movimiento (ALAI)

Como cada notícia podia ser enquadrada em mais de uma categoria, no caso das Folha de

S. Paulo, 135 categorias couberam nas 96 notícias publicadas. Deste modo, a tabela deve ser lida

da seguinte maneira: por exemplo, no mês de junho, foram publicadas 10 matérias na Folha que

abordavam a América Latina. Dessas 10 matérias, o tema de Política Externa estava presente em

seis dessas 10 matérias. O tema Política Interna estava presente em cinco das 10 matérias. O

tema Economia aparece em apenas duas matérias e o tema Direitos Humanos em apenas uma

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fico

Folha de S.Paulo

matérias. Os demais temas listados na tabela não aparecem em nenhum das 10 matérias do mês

de junho. A Tabela 2 também segue o mesmo padrão de leitura.

2.1 Especificidades da Folha de S. Paulo

Por ser um jornal diário brasileiro de grande circulação, e não um veículo direcionado

exclusivamente para a América Latina – como a revista da ALAI – as notícias sobre o continente

publicadas na Folha são predominantemente sobre questões políticas internas recentes de

determinados países latino-americanos.

Das 96 notícias sobre América Latina publicadas na Folha, 60 delas abordavam Política

Interna, percentualmente isso significa que a categoria Política Interna coube em 62,5% delas.

Apesar de cada notícia poder ser enquadrada em mais de uma categoria, nem uma das outras

categorias listadas na Tabela 1 acima é tão predominante quanto essa categoria.

O segundo tema mais abordado na Folha é a Política externa, aparecendo em 37,5% das

notícias, e o terceiro é Drogas/Narcotráfico que aparece apenas em 11,5% das notícias. As

demais categorias listadas na tabela aparecem em menos de 10% das notícias, sendo que três

delas não chegaram a ser abordadas por nenhuma das 96 notícias publicadas no período, mas

aparecem na Tabela 1 para estabelecer um parâmetro comparativo com a Tabela 2, da ALAI.

Gráfico A : Temas abordados pela Folha de S. Paulo

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O Gráfico A, acima, ilustra a distribuição das matérias publicadas durante o período de

um ano segundo os temas listados na Tabela 1 e 2. É possível observar com clareza a disparidade

dessa distribuição e a concentração de matérias que matérias sobre política interna diante das

demais do corpus copilado.

Ao dar preferência para publicação de notícias quentes ligadas a eventos políticos, os

demais temas que exigem uma abordagem mais aprofundada e contextualizada acabam sendo

negligenciados. Isso é perceptível quando se observa a estrutura das notícias publicadas, que

seguem o tradicional padrão jornalístico da Pirâmide Invertida.

Na narrativa noticiosa, a história contada não se estrutura a partir da ordem cronológica

dos acontecimentos. Ou seja: ao se noticiar um acontecimento, não contamos esta história na

ordem temporal clássica das ações que o compõem. É por isso que se diz que a notícia segue a

estrutura da Pirâmide Invertida, isso significa que ela é composta segundo o agrupamento

hierárquico das informações referentes aos elementos básicos da narrativa. Este agrupamento

abre com o Lead 7 informando o fato a ser noticiado, ao respondendo as perguntas “quem?”, “o

quê?”, “como?”, “quando?”, “onde?” e “por quê?” referente ao acontecimento noticioso. Em

seguida o texto traz algumas informações secundárias que não são essenciais, mas que

complementam e esclarecem o fato principal. Nessa hierarquia não há espaço para

contextualização histórica ou de relações de causa/consequência dos fatos aprofundadas como

nos artigos da ALAI.

A Folha de S. Paulo, por ser um veículo noticioso que consequentemente privilegia o

timing, acaba se limitando ao fato jornalístico, à novidade. Nesse sentido, alguns temas como

Educação, Meio-Ambiente, Relações Étnicas e Raciais e Movimentos Sociais acabam se

tornando ausentes nas publicações. Apesar desses temas geralmente não estão relacionados a

grandes novidades ou fatos inesperados, eles certamente estão muito presentes em problemáticas

históricas do continente latino-americano – como reforma agrária, educação pública, racismo e

exclusão social, desmatamento amazônico e aquecimento global – e por isso podem

evidentemente serem considerados de interesse público, tão quanto às questões políticas internas

e externas dos países. Mas por exigirem uma abordagem não só noticiosa, mas também de

aprofundamento, contextualização e debate, não se enquadram no perfil editorial da Folha e não

são publicados.

7 “Lide” é o aportuguesamento da palavra inglesa lead, que significa “liderar”.

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2.2 Especificidades da ALAI

Já no caso do America Latina en Movimiento, 228 categorias couberam nos 88 artigos

sobre América Latina publicados no veículo durante o período de um ano. Isso evidencia que os

artigos publicados na revista, são muito mais abrangentes e que cada artigo não trata apenas de

um tema específico, mas sim de vários temas ao mesmo tempo.

Esse caráter de abordagem mais ampla se deve ao perfil analítico do conteúdo da revista.

Apesar de muitos artigos, a princípio, terem um tema principal muito específico, o

desenvolvimento do tema é bastante aprofundado. Por isso são comuns introduções apresentando

o contexto histórico do tema, e na mesma lógica também é comum tratar as causas e

consequência do tema central, trazendo a tona também novas temáticas além da principal. Assim,

o artigo possui uma estrutura de afunilamento, começando com uma abordagem mais ampla do

assunto central, que também aborda outros temas, e ao decorrer do texto a abordagem vai se

estreitando rumo uma especificação do tema, até atingir a raiz do tema central.

Essa estrutura de texto é praticamente padrão nos artigos da revista, sendo possível

inúmeros exemplos, como o artigo Consenso dos commodities e mega-mineração8 da socióloga

argentina Maristella Svampa, publicado na edição 473, do mês de março de 2012. Com o título

de capa “Extrativismo: contradições e conflitos”, o tema central da edição era os danos causados

no meio-ambiente pelas práticas extrativistas nos países da América Latina. Mas além de ser

enquadrado na categoria Meio-Ambiente, o artigo também foi categorizado nos temas Política

Externa e Economia devido aos outros fatores que tangem o tema central: causas, consequências

e contexto histórico, por exemplo.

Além do texto, a própria composição da revista e a disposição e ordem dos artigos em

cada edição influencia em como cada volume da revista privilegia alguns temas listados na tabela

em detrimento de outros. O primeiro motivo que justifica isso é as edições da America Latina en

Movimiento são temáticas. Cada uma delas tem um tema central diferente, que sempre aparece

em destaque na capa acompanhado por ilustrações. Assim, geralmente todos os artigos quem

integram uma mesma edição abordam o tema central em comum, além dos temas periféricos que

aparecem segundo as condições já descritas acima (contextualização histórico, relações de causa

e consequência, etc.).

Esse fenômeno pode ser facilmente observado na Tabela 2 acima. Como, por exemplo,

no mês de abril, dos oito artigos publicados sobre América Latina, todos os oito também

8 SVAMPA, Maristella. Extractivismo: contradicciones e conflictividade – América Latina en

Movimiento, No 473. Ed ALAI. Quito: 2012 .Vide artigo na íntegra em Anexos 1

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abordam o tema Drogas/Narcotráfico e Política Interna, que é o tema central daquela edição, com

o título em português “Grana, Prata, Bala e Poder”. Além do tema central da edição, os artigos

também abordam outros temas específicos, que apesar de serem periféricos ao tema central,

acabam se tornando a especificidade de cada artigo, dentro da temática mais ampla

Drogas/Narcotráfico e Política Interna. Exemplos desses temas específicos no mês de abril são

Economia, Política Externa, Direitos Humanos e Relações Étnicas/Raciais.

O artigo “México: a violência exponencial” 9, da socióloga americana Laura Carlsen,

publicado na edição 464, de abril, por exemplo, foi classificado nas seguintes categorias: Direitos

Humanos, Política Externa, Drogas/Narcotráfico e Política Interna – sendo os dois últimos os

temas centrais da edição. Por fazer um recorte mais específico sobre a questão da política anti-

drogas mexicana, relacionado-a com a violência, casos de violação dos direitos humanos e com a

política externa dos Estados Unidos para a América Latina, que o artigo também foi enquadrado

nos “temas periféricos” Direitos Humanos e Política Externa. Situação semelhante pode ser

observada com os outros sete artigos dessa edição: todos estão enquadrados nos temas centrais

Direitos Humanos, Política Externa, e além deles, em temas mais específicos que os diferenciam.

Em complementação à Tabela 2, a Tabela 3, abaixo, evidencia melhor a relação entre os

temas centrais de cada publicação da revista America Latina en Movimiento e como eles são

abordados nos artigos, gerando essa concentração de um mesmo tema em cada edição:

Tabela 3 – Temas centrais abordados na ALAI

MÊS Artigos sobre

América Latina

Título da capa

Tema Principal

Nº de matérias enquadradas no tema

principal

Mar/11 7 Redes Sociais – nem tanto nem tampouco Meios de Comunicação 7

Abr/11 8 Grana, Prata, Bala e Poder

Drogas/Narcotráfico

Política Interna

8

Mai/11 9 Cuba: “transformações necessárias”

Política Interna 7

Jun/11 7 Ajustes e desajustes

Economia e Política Externa 6

Jul/11 11 Afrodescendencia: memória, presente e perspectivas.

Relações Étnicas e Raciais 11

Set,Out/11 14 O conto da Economia Verde Meio-Ambiente 13

Nov/11 9 América Central no coração da globalização Política Interna 8

Dez/11 9 De indignações e alternativas Política Externa 8

Fev/12 6 Educação: justiça social e ambiental Educação 6

Mar/12 8 Extrativismo: Contradições e Conflitos

Meio-Ambiente 8

Total 88

9 CARLSEN, Laura. Pasta, Plata, Pomo y Poder – America Latina en Movimiento, No. 464. Ed. ALAI.

Quito: 2011. Vide matéria na íntegra em Anexos 2.

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Ao retomar a Tabela 2, é possível perceber que semelhante à Folha de S. Paulo, os temas

mais tratados pela ALAI também são Política Interna e Política Externa, apesar de não terem

tanta disparidade em relação aos demais como no caso do jornal. Pela diferença de apenas uma

matéria e abordando 55,7% do total de artigos, Política Externa Aparece na liderança dos temas

mais abordados. Em seguida vem Política Interna com 54,5%; Economia com 33% e depois

Meio-ambiente com 31,8%.

Diferentemente da Folha de S. Paulo, é possível perceber uma distribuição mais

equilibrada dos temas abordados entre as matérias, não há grandes disparidades entre os

temas.Todos os temas listados na Tabela 2 estão presentes em pelo menos três das matérias

publicadas ao longo de um ano pela revista, o que representa 3,4 % de representação do tema,

como se pode observar no caso do tema Cultura na Tabela 4 e no Gráfico B, a seguir:

Tabela 4 – Porcentagem com que cada tema foi abordado nos veículos

TEMAS Folha de S. Paulo ALAI

Meio-ambiente 0% 31,80%

Economia 9,40% 33%

Política Interna 62,50% 54,54%

Política Externa 37,50% 55,70%

Meios de Comunicação 6,25% 9%

Movimentos Sociais 0% 18,20%

Cultura 4,10% 3,40%

Educação 0% 8%

Direitos Humanos 8,30% 16%

Relações Étnicas/ Raciais 0 18,20%

Drogas/ Narcotráfico 11,50% 11,40%

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Gráfico B – Temas abordados pela revista America Latina en Movimiento

Diante da própria proposta editorial da revista – que se define como um veículo de

comunicação comprometido com a vigência plena dos direitos humanos e da igualdade – é

possível justificar que os artigos tenham uma diversidade de temas maior que a Folha. Por não

ser um veículo apenas informativo e noticioso, a América Latina en Movimiento não se detém

simplesmente ao fato jornalístico. Os temas dos artigos publicados são com o objetivo de atingir

a missão de “formular e desenvolver respostas aos diversos desafios que envolvem a

comunicação, enquanto área estratégica para a transformação social” 10

, definida pelo próprio

veiculo. Assim, temas que parecem ser negligenciados na Folha de S. Paulo apresentam

destaque significativo na revista, como Meio-ambiente (31,8%), Movimentos Sociais (18,2%),

Relações Étnicas e Raciais (18,2%), como se pôde observar anteriormente no Gráfico B.

Na medida em que a revista se apresenta como um instrumento para a transformação

social, a abordagem de temas como Educação (8%), Direitos Humanos (16%) e Meios de

Comunicação (9%), além dos temas citados acima, são mais constantes que na Folha de S. Paulo.

Essa maior uniformidade na distribuição dos temas também acontece porque a própria

definição dos temas para a categorização e análise quantitativa do corpus foi baseada na grande

diversidade de temas abordados pela ALAI, para que a maioria dos assuntos pudessem ser

10

Idem 3

ALAI

0,00%

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Dro

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fico

ALAI

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incluídos na classificação. Caso fosso feito o contrário, se os temas fossem definidos com base

nos assuntos que mais apareciam nas matérias da Folha, a classificação ficaria praticamente

restrita entre Política Interna, Política Externa e Drogas/Narcotráfico, fazendo com muitos

artigos publicados na ALAI não pudessem ser enquadrados em nenhuma categoria. A opção de

definir as categorias baseada nos assuntos mais recorrentes na ALAI, resultou no fenômeno

observável na Tabela 1, em que há ausência de matérias da Folha de S. Paulo que abordem três

das categorias criadas.

2.3 Comparações

O Gráfico C a seguir ilustra em termos comparativos como cada um dos veículos de

comunicação estudados na pesquisa abordaram os diferentes temas listados nas tabelas.

Gráfico C – Temas abordados

Temas Abordados

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

Mei

o-am

bien

te

Eco

nom

ia

Políti

ca In

tern

a

Políti

ca E

xter

na

Mei

os d

e Com

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ão

Mov

imen

tos

Socia

is

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ra

Edu

caçã

o

Dire

itos

Hum

anos

Relaç

ões Étn

icas

/ Rac

iais

Dro

gas/ N

arco

tráfic

o

Folha de S.Paulo

ALAI

É interessante notar que os dois veículos tiveram uma quantidade próxima de matérias em

três categorias: Meios de Comunicação, Cultura e Drogas/Narcotráfico. Sendo que em

Drogas/Narcotráfico a percentagem com o tema aparece é exatamente igual nos dois veículos:

11,5%, com onze matérias publicadas na Folha e dez artigos publicados na ALAI. Entretanto, o

conteúdo e a maneira com que cada um dos veículos tratam o tema são muito distintas, como

será observado adiante na Analise Qualitativa.

Apesar de Política Externa ser o tema que mais apareceu nos artigos da ALAI, a diferença

entre ele o Política Interna é pequena, e Política Interna também foi o tema mais abordado nas

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16

matérias da Folha. Por isso, foi considerado que uma análise quantitativa mais especifica sobre o

tema deveria ser feita, para saber como cada um dos veículos o tratava. Assim, todo o conteúdo

que anteriormente tinha sido classificado como “Política Interna” nos dois veículos, foi

novamente classificado segundo sub-categorias de Política Interna.

Ou seja, as 60 notícias da Folha e as 48 da ALAI sobre o tema foram reclassificadas,

como mostra a tabela e o gráfico abaixo, para criar um novo parâmetro de comparação e

diferenciação de como cada veículo trata o tema da Política Interna, que será aprofundado mais

adiante durante a análise qualitativa.

Tabela 5 – Classificação por país do conteúdo sobre Política Interna

Política Interna - Temas: Folha de S. Paulo ALAI

Meio Ambiente 0 6

Movimentos Sociais 0 4

Drogas e Narcotráfico 10 10

Eleições 20 0

Imprensa/ Meios de Comunicação 6 2

Extrativismo 0 4

Saúde de Hugo Chávez 6 0

Afrodescendentes 0 6

Congresso PCC 1 4

Ditadura Argentina/Direitos Humanos 3 0

Crise 0 4

Bem Viver/ Estado Plurinacional 0 2

Governo Kirchner 3 0

Questão Agrária 2 0

Transição de Cuba 2 4

Integração 0 2

Outros 7 0

Total de matérias/artigos sobre Políca Interna 60 48

Page 17: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

17

Gráfico D – Classificação do conteúdo sobre Política Interna

Classificação do conteúdo sobre Política Interna

0 0

20

6

0

6

01

3

0 0

32 2

0

76

4

10

02

4

0

64

0

4

20 0

4

20

10

0

5

10

15

20

25M

eio

Am

bie

nte

Movim

ento

s

Socia

is

Dro

gas e

Narc

otr

áfic

o

Ele

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Impre

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ação

Extr

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Saúde d

e H

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s

Crise

Bem

Viv

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do

Govern

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Questã

o A

grá

ria

Tra

nsiç

ão d

e

Cuba

Inte

gra

ção

Outr

os

Folha de S. Paulo

ALAI

Apesar do tema Política Interna se destacar nos dois veículos, é possível observar como

ele é dado um enfoque diferente em cada um deles. A Folha, por ser um veículo

predominantemente informativo, como já foi dito acima, privilegiou no conteúdo sobre América

Latina o que era noticia no momento, que basicamente eram assuntos ligados às eleições na

Argentina e na Venezuela, a doença do presidente Venezuelano Hugo Chávez e episódios

ligados ao tráfico de drogas, principalmente no México. Outro tema que apesar de menos

abordado, também recebeu certo destaque foram notícias sobre as tentativas de

regulamentação/controle da imprensa por parte dos países latino-americanos.

Já a revista America Latina en Movimiento, por ser do gênero analítico e ter um projeto

editorial que coloca o veículo como instrumento para a transformação social, não se direciona

apenas aos recentes fatos políticos internos dos países, mas privilegia debate de problemáticas

que não são não necessariamente novidades ou notícias, mas que contribuem para seu objetivo

editorial. Desse modo, a publicação da ALAI não tem o conteúdo concentrado praticamente em

torno de um mesmo assunto, como a Folha de S. Paulo faz com o tema “Eleições”. Ela aborda de

modo mais equilibrado diferentes assuntos sobre Política Interna, como Movimentos Sociais,

Meio-Ambiente, Extrativismo, Afrodescendentes, Congresso do Partido Comunista de Cuba e as

transições políticas sofridas pelo país – que são assuntos praticamente ausentes na abordagem de

política interna da Folha.

Mesmo os subtemas que são abordados nos dois veículos com uma frequência

semelhante, apresentam qualitativamente uma abordagem diferente do conteúdo, muitas vezes

Page 18: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

18

até ideologicamente contrária, como foi possível observar na análise qualitativa das notícias e

artigos sobre Imprensa e Drogas/ Narcotráfico durante a análise qualitativa.

Durante a separação por subtemas, as matérias de Política Interna também foram

classificadas de acordo com o país sobre o qual ela tratava. Como seria inviável, do ponto de

vista prático, fazer essa classificação com toda a amostragem copilada durante um ano, foi feita a

opção de classificar por países apenas as notícias sobre o tema principal nos dois veículos, para

saber sobre quais países se concentram o conteúdo de cada veículo, como é possível observar nos

gráficos abaixo:

Gráfico E – Classificação por país do conteúdo de política interna da Folha

Gráfico F – Classificação por país do conteúdo de política interna da ALAI

O

Folha de S. Paulo - Países

2%

10%

3%

0%

5%

2%

3%

3%

38%

10%

18%

2%

0%

2%

2%

Geral

Argentina

América Central

Peru

Equador

Bolívia

Honduras*

Venezuela

Uruguai

Brasil

Cuba

México

Colombia

Paraguai

Haiti

ALAI - Países

40%

0%

13%4%

8%

8%

2%

2%

2%

4%

13%

2%

2%0%

0%

Geral

Argentina

América Central

Peru

Equador

Bolívia

Honduras*

Venezuela

Uruguai

Brasil

Cuba

México

Colombia

Paraguai

Haiti

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19

Os países foram listados de acordo com sua aparição nas pautas das notícias e artigos. O

conteúdo de política interna que não tratava de nenhum país especificamente, mas sim da

América Latina de uma maneira mais ampla, foram classificados na categoria “Geral”, nos

gráficos acima. Outra observação importante é que o conteúdo sobre a América Central

geralmente abordava mais de um país daquela região do continente, sendo assim foi feita a opção

de fazer uma única categoria “América Central” em que todos aqueles países se adequassem. A

única exceção é o caso de Honduras, que por ter em recentemente sofrido um importante

episódio político que envolvia a deposição do presidente Manoel Zelaya, obteve destaque entre

os demais países centro-americanos em notícias separadas. Por isso, na legenda do gráfico,

Honduras aparece com o símbolo de um asterisco (*), sinalizando que o conteúdo referente

àquele país não foi contabilizado junto como restante do conteúdo sobre América Central, de um

modo geral.

O gráfico abaixo permite comparar como o conteúdo sobre Política Interna aparece

distribuído entre os países latino-americanos em cada um dos veículos, e como determinados

países são privilegiados nas duas publicações:

Gráfico G - Classificação por país do conteúdo de política interna

Classificação por país do conteúdo sobre Política Interna

1

23

1

6

10

1

11

2

0

3

6

12 2

19

0

6

2

4 4

1 1 12

6

1 10 0

0

5

10

15

20

25

Ger

al

Argen

tina

Amér

ica Cen

tral

Peru

Equad

or

Bolívia

Hon

dura

s*

Venez

uela

Uru

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Brasil

Cub

a

Méx

ico

Colom

bia

Parag

uai

Haiti

Folha de s. Paulo

ALAI

No gráfico acima podemos perceber que a Folha de S. Paulo privilegiou notícias sobre a

política interna da Argentina, estabelecendo um grande desequilíbrio com os demais países. Esta

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20

concentração de notícias sobre Argentina aconteceu também porque o período de compilação do

corpus coincidiu com o período de campanha eleitoral e eleições presidenciais do país, assim a

maioria do conteúdo da Folha sobre política interna da América Latina se focou nesse episódio,

cobrindo muitos dos fatos centrais e adjacentes às eleições, disputas entre os candidatos e

partidos e campanha. Depois da Argentina, os países mais abordados pela Folha foram

Venezuela, Peru e México.

Um dos motivos para que a Argentina seja o país que mais aparece na Folha, é um

considerado critério de noticiabilidade: proximidade11

. Ou seja, quanto mais próximo do público

alvo do veículo é o fato jornalístico, maior é a probabilidade de ele receber destaque na

publicação. No caso da Argentina, o país não só é fronteiriço com o território brasileiro, mas

além da proximidade física, também detém uma histórica proximidade política e econômica com

o Brasil12

. Essa relação bilateral torna assuntos ligados à política interna argentina relevantes

para o Brasil, já que podem interferir e gerar consequências na política bilateral dos países, como

no caso das eleições.

Outro critério de noticiabilidade do conteúdo internacional da Folha de S. Paulo, é a

relevância do fato jornalístico para os demais países do mundo, principalmente para aqueles que

assumem papel de destaque na geopolítica internacional, como os Estados Unidos e os países da

Europa. A Venezuela e o México, por tratarem de países latino-americanos que também possuem

maior destaque no próprio cenário internacional extra-América Latina, cabem nesse critério.

O polêmico boliviarismo do governo de Hugo Chávez e o próprio estado de saúde do

presidente, que muitas vezes foi associado a um possível uma futura crise e fragilidade do estado

bolivariano, do qual o presidente Chávez era o maior símbolo e sustentação13

. O conteúdo sobre

o México está sempre relacionado com a questão das Drogas e do Narcotráfico e como essa

questão influencia nas relações entre o país e os Estados Unidos faz o tema ganhar uma

11

Quando as noticias saem nos meios de comunicação social, como a televisão ou os telejornais, elas

foram previamente sujeitas a um processo de seleção. Ou seja, nem todos os acontecimentos são

suscetíveis de serem transformados em notícia, mas apenas aquelas que respondem a uma série de

critérios – são esses os critérios de noticiabilidade, como define Nelson Traquina. No caso da

proximidade, quanto mais próximo for um acontecimento, mais possibilidades tem de ser selecionado.

Esta proximidade é vista em termos afectivos, socioprofissionais, temporais, geográficos e culturais.

12

Fonte: Agência Brasil de Comunicação. “Na Argentina, Dilma fala em fortalecer a América Latina no

século 21”. [http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2011-01-31/na-argentina-dilma-fala-em-fortalecer-

america-latina-no-seculo-21] 13

Vide o exemplo da matéria Câncer de Chávez agrava caos venezuelano, disponível em Anexos 3

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21

dimensão internacional, não propriamente por se tratar do México, mas mais na perspectiva de se

tratar de um país fronteiriço dos Estados Unidos14

.

Por ambos serem países que aparecem ligados a assuntos de destaque internacional e que

também são considerados como relevantes para a Europa e para os EUA é que recebem destaque

na Folha, que é um veículo hegemônico cujo próprio caderno internacional “ Mundo” privilegia

o conteúdo ligado aos EUA e a Europa, em detrimento da América Latina.

Já o conteúdo sobre política interna da ALAI aborda os países latino-americanos de

maneira mais diversificada e publica mais notícias que tratam de questões sobre a América

Latina de um modo geral, sem se deter a países específicos. Depois de “Geral”, com 40% dos

artigos, as categorias que mais aparecem são “América Central” e “Cuba”, as duas com 13%.

Isso ocorre porque a categoria América Central acaba incluindo todos os artigos sobre os países

daquela região do continente, concentrando uma quantidade maior de conteúdo em uma mesma

categoria. Já no caso de Cuba, há esse destaque na abordagem do país porque a publicação da

revista do mês de maio de 2011, Cuba: "transformações necessárias", tratava exclusivamente de

questões envolvendo a política interna do país devido a conclusão do último Congresso do

Partido Comunista de Cuba.

A classificação em países do conteúdo sobre política interna foi a última etapa da análise

quantitativa prevista neste projeto de iniciação científica. É importante ressaltar que todo o

trabalho quantitativo foi feito com o objetivo de constituir um banco de dados juntamente com as

informações coletadas pelos demais colegas envolvidos no mesmo projeto de pesquisa central do

orientador – Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração Latino-Americana – que

analisaram outros veículos midiáticos alternativos: o jornal Brasil de Fato, a versão brasileira do

jornal Le Mond Diplomatique e o site do jornal argentino Página/12.

A próxima etapa deste projeto foi a análise qualitativa de parte do conteúdo compilado

durante o período de um ano, em complementação a analise quantitativa na busca de chegar a

conclusões mais concretas e entender melhor os fenômenos ilustrados nos gráficos e tabelas

anteriores.

14

Vide o exemplo da matéria Tráfico encurrala candidatos no México, disponível em Anexos 4

Page 22: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

22

3. ANÁLISE QUALITATIVA

É importante ressaltar que a análise qualitativa apresenta um papel de complementação da

análise quantitativa, não ocupando, assim, uma função central no projeto de pesquisa. Ela se

coloca na perspectiva de tentar responder alguns dos fenômenos constatados no trabalho de

comparação durante a análise quantitativa.

Diante da dificuldade de se analisar qualitativamente todas as matérias e artigos do

corpus, foram selecionadas aquelas julgadas como importantes exemplos na perspectiva de

estabelecer comparações qualitativas entre o material publicado na Folha de S. Paulo e na revista

América Latina en Movimiento e aquelas que estabeleciam algum paralelo com as referências

bibliográficas que basearam a formação teórica do projeto.

Para basear a análise qualitativa, foram feitos leituras e discussões teóricas com os demais

integrantes do núcleo de pesquisa acerca de textos de autores que debatiam questões políticas,

sociais, culturais e históricas referentes ao continente latino-americano. Entre eles estão o texto

do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, o sociólogo peruano Aníbal Quijano, o

antropólogo argentino Nestor Garcia Canclini e o escritor mexicano Octávio Paz.

3.1 Boaventura de Sousa Santos

A obra deste sociólogo, “Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde

uma epistemologia Del Sur”, que foi a principal referencia bibliográfica que baseou a análise

qualitativa do conteúdo, é dividida em duas partes.

3.1a ) Primeira Parte

Na primeira parte da obra, Boaventura questiona os dogmas da teoria do direito e do

Estado, a equação estado-nação, o estado de direito e a própria hegemonia eurocêntrica sobre o

conhecimento, a ciência e a cultura, que historicamente foram introduzidos por meio do

colonialismo e do imperialismo ao redor do mundo, e a partir daí reproduzidos em territórios que

pouco ou nada se assemelham com a realidade política, social ou cultural europeia. Assim, o

autor defende que essas heranças coloniais e imperialistas europeias, que perpetuam até hoje em

nosso continente, pouco contribuíram para inclusão e melhorias na vida das minorias no Brasil e

na América Latina, já que foram criadas em um contexto eurocêntrico. Em contrapartida, ele

propõe a criação de uma epistemologia própria do Sul, que corresponda às necessidades locais da

America Latina.

Page 23: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

23

Diante disso, Boaventura considera que há dois grandes desafios das políticas

progressistas no continente: o pós-capitalismo e o pós-colonialismo. E para superá-los, é

necessário o protagonismo do movimento das minorias: indígena, campesino, afrodescendente e

feminista. As bandeiras desses movimentos, que são reflexos da opressão colonialista, e as

dificuldades da política progressista latino-americana determinam a necessidade de se distanciar

em relação à tradição crítica eurocêntrica.

A dominação de classes e a dominação étnico-racial se alimentam

mutuamente, portanto a luta pela igualdade não pode estar separada da

luta pelo reconhecimento da diferença15

.

A revista America Latina en Movimiento, por ter como projeto editorial a própria

publicação como instrumento da transformação social, também defende o protagonismo popular

e a superação do colonialismo e do imperialismo em muitos de seus artigos, o que vai

diretamente de encontro com os desafios políticos defendidos acima por Boaventura, como nos

trechos dos artigos publicados na revista abaixo:

É possível criar uma plataforma de luta em confluência com

movimentos muito distintos entre si e governos comprometidos com a

auto-determinação dos povos das Américas16

.

É o momento para que a população diga basta, que comece a

organizar a vida de uma maneira que nos recupere como humanos, que

nos recupere o melhor dos avanços da civilização, como o Bem

Viver17

.

Além disso, alguns artigos publicados na ALAI fazem uma digressão partindo do mesmo

raciocínio do sociólogo descrita na citação acima, em que relacionam a questão racial, que teve

início com o colonialismo e a escravidão, com a desigualdade social e estruturação da sociedade

em classes como temos até hoje. O sociólogo peruano Aníbal Quijano também partilha de uma

concepção semelhante sobre a questão racial, como será observado mais adiante.

15

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p.29. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010 * Em tradução

livre 16

ROBINSON, Willian. ¿El capitalismo global en jaque? Crisis estructural y rebelión popular

transnacional; De indignaciones y alternativas. Revista America Latina em Movimiento. Ed. ALAI.

Quito: 2011 *Em tradução livre 17

PÉREZ, Pedro. Entevista: La nueva arquitectura financiera: alternativa viable aquí y ahora De

indignaciones y alternativas. Revista America Latina em Movimiento. Ed. ALAI. Quito: 2011* Em

tradução Livre

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24

Um exemplo do destaque que as questões raciais receberam nas publicações da ALAI no

corpus da pesquisa é a edição especial de julho de 2011, chamada “Afrodescendencia: memória,

presente e perspectivas”, que tratava exclusivamente da questão do povo negro na América

Latina, envolvendo temas como exclusão e desigualdade social, como os exemplos abaixo:

[...] A condição étnica e racial dos e das afrodescendentes os coloca

numa situação social e econômica de desvantagem , pelo legado da

escravidão e como consequência do racismo estrutural e dos modelos

de desenvolvimento excludentes, o quais se manifestam em

desigualdade sociais e econômicas, insuficiente representação política,

acesso limitado a educação superior e técnica, serviços de educação

pública deficiente nas comunidades, maiores índices de mortalidade

materna e infantil, um menor acesso aos serviços de saúde, inclusive o

de saúde sexual e reprodutiva para mulheres, sub-registro dos bebês ao

nascer e a criminalização dos jovens.

Este Ano Internacional, deve ser o início de uma década de ações que

permitam o gozo efetivo dos direitos humanos de afrodescendentes,

com debates e decisões para avançar a democracia intercultural e

paritária, para não só garantir a representação de homens e mulheres

dos diversos grupos, povos e comunidades, como que permite uma

distribuição justa dos recursos e oportunidades em um modelo de

desenvolvimento humano sustentável 18

.

E também o seguinte trecho da edição “Grana, Prata, Bala e Poder”, de abril de 2011:

[...]É importante repensar as estratégias de combate ao tráfico,

principalmente porque a atual repressão militar vitimiza os setores

mais frágeis da sociedade: classes sociais baixas, jovens, imigrantes,

indígenas, negros. [...]O combate ao narcotráfico como ele tem sido

feito criminaliza a população indígena, que desprovida de terra e sem

chance de competir na economia agrária legal encontra no tráfico de

drogas uma saída para a miséria19

.

No Gráfico C, disponível na Análise Quantitativa, é possível perceber como a Folha de S.

Paulo não dá nenhum destaque para a questão racial, tanto negra quanto indígena, e nem a

relaciona com temas como pobreza, violência e tráfico de drogas. As próprias notícias sobre

narcotráfico, nunca fazem o debate social em conjunto e se focam apenas na questão da violência

propriamente dita, sem questionar as causas que estão por detrás dela.

18

BARR, Epsy - Um ano para reafirmar compromissos de inclusão; America Latina en Movimiento,

p.09 - No. 467. Ed. ALAI. Quito: 2011. * Tradução Livre 19

SOBERÓN, Ricardo - As tendências do narcotráfico na América Latina – América Latina en

Movimiento. ALAI. Quito: 2011 * Tradução Livre

Page 25: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

25

Em outros casos, a questão das drogas aparece inclusive apenas em pautas que abordam

conflitos eleitorais e de campanha. Este é o caso das matérias “Narcotráfico vira tema de debate

em eleições argentinas”20

, publicada dia 09 de outubro de 2011 na Folha e “Tráfico encurrala

candidatos no México”21

, publica dia 02 de outubro de 2011. Ou seja, a narcotráfico e a

desigualdade social aparecem muito mais em um contexto de disputa política do que em um

contexto de debate social.

Muitos dos temas discorridos por Sousa Santos são também pautas de análises na revista

America Latina en Movimiento. A edição de fevereiro, por exemplo teve como título: “Bem-

viver: germinando alternativas ao desenvolvimento”; e seu conteúdo não defende o popular

“desenvolvimento alternativo”, geralmente defendido por empresas e indústrias que diante do

contexto de degradação ambiental resolveram levantar a bandeira verde, mas ao contrário,

defende uma alternativa ao desenvolvimento.

Essa alternativa seria baseada na inclusão e na equidade (tais como na educação, saúde,

segurança, comunicação social, transporte, ciência, etc), com enfoque na conservação da

biodiversidade e manejo dos recursos naturais, que são princípios vinculados aos saberes

tradicionais dos povos indígenas latino-americanos. E ainda rompe com a tradição crítica

eurocêntrica, como prevê Boaventura.

Essa relação pode ser observada claramente no seguinte trecho:

El socialismo é uma das grandes tradições próprias da modernidade

européia e o Bem-viver deseja justamente romper a subordinação

dessa perspectiva. Isso explica porque o boliviano Simon Yampara

sustenta que o ‘homem aymara não é nem socialista, nem capitalista22

.

Esse sistema defendido na revista é algo muito próximo do que Boaventura chama de

Epistemologia do Sul:

A primeira premissa da Epistemologia do Sul é ter a compreensão de

mundo muito mais ampla que a compreensão ocidental de mundo.

Logo, a revolução poderia ocorrer por caminhos não então previstos

nas teorias ocidentais, incluindo o marxismo. Nessa epistemologia

20

Vide artigo na íntegra em Anexos 5. 21

Vide artigo na íntegra em Anexos 4. 22

Texto “La crítica desde dentro”; America Latina en Movimiento. ALAI. Quito: Fevereiro, 2011 * Em

tradução livre

Page 26: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

26

deve-se considerar toda diversidade e alternativas que são

negligenciadas pelo norte23

.

Para o autor, um dos modos de atingir na prática a Epistemologia do Sul, é superando o

que ele chama de Sociologia da Ausência, que segundo ele é muito comum dentre as

epistemologias do norte: O estado de não-existência, ou ausência, é produzido sempre que certa

entidade é desqualificada, se tornando invisível. Um dos exemplos dado é o caso da ignorância,

que é a ausência de conhecimento na medida em que apenas certas tradições culturais e suas

teorias são designadas “conhecimento”.

A ignorância ou a incultura é resultado da monocultura do saber. A

ciência e a cultura moderna são estabelecidas como únicos e

verdadeiros, se tornando canais exclusivos de produção de

conhecimento e de produção artística. Tudo aquilo que esses canais

não legitimam ou reconhecem é tratado com inexistente24

.

Seguindo a mesma lógica, considera-se pertinente afirmar que é também a Sociologia das

Ausências determina o que é considerado notícia e o que não é, sendo que os acontecimentos que

segundo esse raciocínio não podem ser considerados notícia, são como se não tivessem

acontecido: cria-se um estado de não-existência de um fato a partir do designação de notícia.

Portanto, a Sociologia das Ausências é aplicada todos os dias nas redações de veículos de

comunicação do sul e do norte, como foi possível perceber na classificação das matérias por

temas durante a análise quantitativa, em que em alguns temas foram mais ausentes na Folha do

que na ALAI e vice-versa.

A partir disso faz sentido falar em democratização da comunicação, que daria o poder de

voz tanto ao existente quanto ao ausente, como defende o projeto editorial da revista America

Latina en Movimiento.

Não são esses os únicos exemplos que mostram os encontros entre obra de Boaventura

com o jornalismo. Sua obra também apresenta uma boa perspectiva de análise do uso de

determinados substantivos e adjetivos, e carga político-ideológica que eles vinculam nas

publicações da imprensa.

23

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p.43. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010 * Em tradução

livre 24

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p.37. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010 * Em tradução

livre

Page 27: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

27

Atualmente, as teorias progressistas, também chamadas de teoria

crítica, adjetiva os substantivos próprios das teorias conservadoras ou

convencionais. Não se usa mais os substantivos que marcavam a

diferença com relações às teorias convencionais burguesas. Por

exemplo: socialismo, comunismo, lutas de classes, alienação, frente de

massas e etc. Ao invés disso, a teoria crítica adjetiva os mesmo

adjetivos que são próprios das teorias convencionais, fazendo uso de

termos como ‘desenvolvimento alternativo’, ‘desenvolvimento

sustentável’, ‘democracia radical’ e ‘democracia participativa25

.

Segundo Sousa Santos, há uma enorme discrepância entre o que prevê a teoria, e as práticas

progressistas de lutas que estão em curso no continente. Nos últimos 30 anos, as lutas que

avançaram foram protagonizadas por grupos sociais (indígenas, campesinos, mulheres,

afrodescendentes e desempregados) cuja presença na história política não foi prevista por

nenhuma teoria eurocêntrica. A teoria crítica tradicional só prevê, por exemplo, a organização

por meio de partidos e sindicatos que habitariam majoritariamente os centros urbanos industriais.

Para o sociólogo, quando os movimentos sociais latino-americanos traduzem seu discurso

nas línguas coloniais, não aparecem termos familiares às teorias eurocêntricas, nem mesmo as

socialistas, mas sim termos como dignidade, respeito, território, autogoverno, o bem-viver e

mãe-terra. A identificação dessas palavras também pode ser muito proveitosa para a análise do

discurso dos veículos de comunicação.

Podemos identificar esse fenômeno na matéria “Peru: incompatibilidade de uma aposta

extrativista” da ALAI, que faz uma crítica aos atuais meios de se atingir o desenvolvimento do

país, em contraposição com a matéria “PIB da América Latina tem maior alta em três décadas”,

sobre o crescimento econômico do continente, da Folha de S. Paulo.

O crescimento de 6,1%, o maior registrado desde o ano de 1980, faz

mudar o status de ‘região esquecida’. Os olhares de fora voltados para

ela se explicam pelo desempenho econômico. Em 2010, houve

crescimento de 6,1%, a mais alta taxa de expansão desde 1980, antes

da crise da dívida externa. Outros dados econômicos positivos de 2010

não eram registrados há, pelo menos, 30 anos. A América Latina foi a

segunda região que mais cresceu no ano passado, perdendo apenas

para a Ásia. Além disso, na lista dos 15 países do mundo com taxas de

25

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p.30. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010. * Em tradução

Livre

Page 28: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

28

expansão do PIB mais altas, havia quatro sul-americanos: Paraguai,

Argentina, Uruguai e Peru26

.

No trecho acima da matéria da Folha podemos observar vários termos econômicos da

tradição crítica europeia – PIB, taxa de expansão, dívida externa, desempenho econômico– que

são indicadores diretamente ligados com concepções também eurocêntricas de crescimento e

desenvolvimento dos países.

Já o trecho abaixo do artigo “Hegemonia ou Emancipação?” publicado na ALAI em

dezembro de 2011, observamos exatamente o contrário:

As revoltas americanas inauguraram um ciclo lutas contra

descolonização e a alienação; pela desobjetificação dos sujeitos; pela

complementaridade da diversidade; para a recuperação de

intersubjetividade, para humanidade e contra a carreira suicida de um

sistema insustentável e perverso. Baseado no mundo onde caibam

todos os mundos, proclamada pelos Zapatistas das profundezas da

diversidade negada até as revoltas andino-amazônicas, que chama para

reestabelecer a relação com a natureza e restaurar a integridade da

Mama Pacha, tem-se percorrido um caminho conceitual, que emana

uma política subversiva e libertária, cujo poder só pode ser medido em

horizontes de tempo e espaços mais amplos, em que estão localizados

nos movimentos emancipatórios, que crescem em todos os cantos do

mundo27

.

Neste trecho podemos observar, ao contrário da Folha de S. Paulo, alguns outros termos

que não estão ligados á tradição crítica eurocêntrica principalmente no que diz respeito á

estratégias econômicas e de desenvolvimento. Alguns desses termos são “diversidade”,

“integração com a natureza” e “Pacha Mama”, que tem origem nas concepções ancestrais e

nativas indígenas de desenvolvimento, bem estar, qualidade de vida – não ligadas ao crescimento

da indústria, comércio e consumo. O trecho faz inclusive menção ao movimento Zapatista e às

revoltas andino-amazônicas, como referência para os movimentos sociais contemporâneos, ou

seja, faz referência às doutrinas de raízes latino-americanas e não às europeias, bem como o

sociólogo Boaventura alertou na citação acima.

26

PIB da América Latina tem maior alta em 3 décadas. Folha de S. Paulo. Caderno Mundo. Dia

01/05/2011 27

CECEÑA, Ana Esther. Hegemonía o emancipación. América Latina en Movimiento; nº 471. Ed. ALAI.

* Em tradução livre

Page 29: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

29

3.1b) Segunda Parte

Na segunda parte da obra, Boaventura se concentra em caracterizar o atual contexto

latino-americano, e diagnosticar os desafios de se atingir a Epistemologia do Sul. Para o

sociólogo, o primeiro passo foi discorrer sobre a questão da democracia no continente.

Segundo ele, tomando o continente latino-americano como unidade de análise, assistimos

a uma dualidade poderes de um novo tipo, que se cruzam, no marco democrático, as lutas

socialistas e as lutas fascistas, sem que seja possível, por agora, saber quem vai vencer:

As lutas de vocação ou potencial socialista se manifestam nos

processos de radicalização da democracia; da democracia participativa,

comunitária e intercultural; da democratização do acesso a terra; da

redistribuição das rendas de exploração dos recursos naturais;da

promoção de alternativas ao desenvolvimento, como são o bem viver (

o Sumak Kawsay e o Suma Qamaña); o da negação de separação entre

sociedade e natureza, concebida como a Mãe Terra ( Pachamama).

As lutas fascistas se manifestam na defesa da uma democracia de

baixa intensidade representativa e com baixa capacidade de

redistribuição social; o clamor de autonomia/descentralização para

proteger os interesses oligárquicos contra o Estado central nacional-

popular; em formas de violência (assassinatos políticos e ameaças)

por parte dos atores estatais ou como resultado de alianças

publico/privadas (o paramilitarismo); a violência estrutural do

racismo; a repressão brutal (incluindo massacres) do protesto social; a

negação dos direitos trabalhistas; o sempre reemergente trabalho

escravo; o silencio diante dos crimes contra a humanidade cometidos

nas ditaduras militares ou a repressão dos grupos que lutam pelo

direito a memória das vítimas desses crimes e etc. Se trata de um

fascismo de um novo tipo, fragmentado, que busca impedir que o jogo

democrático seja utilizado para as lutas mais avançadas28

.

O conteúdo publicado na revista America Latina em Movimiento, se posiciona

claramente a favor da “luta socialista” descrita por Boaventura. Isto pode ser observado inclusive

nos trechos da revista já citados anteriormente, em que se questiona a teoria capitalista e suas

respectivas concepções de desenvolvimento e bem-estar.

Já a Folha de S. Paulo, não se declara estar em nenhuma das duas posições, e ao contrário

da revista da ALAI, que se posiciona publicamente de um lado, o jornal se declara neutro e

imparcial – como descrito em seu projeto editorial já mencionado anteriormente. Entretanto, ao

28

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p. 63-65. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010. * Em

tradução Livre

Page 30: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

30

observar o conteúdo publicado, é possível perceber que a Folha privilegia determinados temas

justamente direcionados a temas que o Boaventura enquadra dentro das “lutas fascistas” como na

matéria “Brasileiro faz fortuna e má fama no Paraguai”.

Isso nos faz questionar qual a concepção ideológica de democracia intrínseca ao conteúdo

veiculado por cada uma das duas publicações. Como podemos observar nos trechos enumerados

abaixo desta matéria da Folha, publicada no dia 5 de Fevereiro de 2012:

Brasileiro faz fortuna e má fama no Paraguai 29

(1) O maior produtor de terra individual no país vizinho é tachado de

usurpador pelos sem- terra.

(2) Radicado há 42 anos do outro lado da fronteira, ele chama

acampados de “delinquentes" e diz que odeia a pobreza.

(3) Esse catarinense nascido na pequena cidade de Videira chamou os

camponeses que cercam sua fazenda de delinquentes; elogiou o

governo do ditador Alfredo Stroessner (“Naquela época você podia

dormir com a janela aberta e ninguém te roubava. Só estamos piorando

desde então”); e disse que é inútil lidar com os sem-terra na base da

diplomacia, que eles têm de ser tratados "como mulher de malandro,

que só obedece na base do pau".

(4) Os sem-terra, segundo Favero, insistem em um sistema obsoleto de

agricultura: “Um sistema à base de carros de boi, usados na época do

meu avô. Hoje, se não podemos competir lá fora, morremos”.

(5) Odeio a pobreza, mas não acredito em esmola para gente sã. Nem

em milagres. Sou católico, mas se ficar ajoelhado diante de um salame

pendurado, rezando “Pai nosso que estais no céu', morro de fome. E o

salame não vem".

Duas das características descritas por Boaventura de Sousa Santos como parte de

democracias fascistas podem ser identificadas nos trechos acima: a repressão brutal (incluindo

massacres) do protesto social e a baixa capacidade de redistribuição social. É também importante

relatar que a única fonte que aparece no texto da matéria é o próprio produtor Tranquilo Fávero.

Em nenhum momento a Folha de S. Paulo dá a palavra a algum representante do movimento

sem-terra, cujas ações são caracterizadas e julgadas apenas pelas próprias palavras do produtor,

fazendo com que os sem-terras não possam se defender ou expor os motivos da acusação feita.

29

Vide matéria na íntegra em Anexos 6.

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31

Os trechos 1 e 2 fazem parte da linha fina e da chamada da matéria, e já introduzem parte

do teor político ideológico contido no conteúdo que vem a seguir. O trecho 1, ao iniciar com o

termo “o maior produtor de terra” e contraposição com o termo “tachado de usurpador pelos

sem-terra”, parece criar um efeito de valorização e destaque ao status de maior produtor de terra,

e consequentemente, pode gerar o efeito de sentido que deslegitima a acusação de usurpador

feita por aqueles que não possuem nenhuma produção, ou seja, os sem-terras. Como se não

pudesse ser legítima a reivindicação daqueles que “nada produzem” acusar o maior produtor

agrícola do Paraguai de usurpador, sendo que segundo a matéria ele símbolo do agronegócio,

setor que responde por 80% do PIB do país e seria em grande medida responsável pelos 15,3%

de crescimento da economia verificados em 2010.

Nos trechos 2 e 5, o jornal dá destaque a duas declarações da fonte se colocando contrário

a pobreza, mas ao mesmo tempo, indiretamente se colocando também contrário às reivindicações

políticas de redistribuição de renda e redistribuição de terras, considerada por ele como uma

“esmola” da qual ele nunca precisou para conseguir atingir seu status de maior produtor

paraguaio. Ao mesmo tempo, o próprio jornal se ausenta de debater a questão de políticas de

redistribuições de terra, as reivindicações dos movimentos-sociais não dando voz a eles na

matéria, mas colocando em destaque apenas as afirmações de Fávero contrárias ao movimento.

No trecho 3, Fávero se coloca a favor do regime ditatorial de Alfredo Stroessner, o que

evidencia também o silêncio diante dos crimes contra a humanidade cometidos nas ditaduras

militares, considerado pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos como uma característica

semelhante a dos movimentos democráticos de vertente fascista. Em sua fala, Fávero parece

desconsiderar todas as violações dos direitos humanos cometidas durante o governo de Alfredo

Stroessner e com o consentimento dele; o produtor destaca como a ditadura lhe trouxe vantagens

individuais, desconsiderando as consequências geradas pelo regime nos demais setores da

sociedade paraguaia. No mesmo trecho Fávero ainda defende a repressão violenta aos sem-terra:

“É inútil a diplomacia [...] Eles só obedecem na base do pau”. Esta colocação se enquadra na

repressão brutal (incluindo massacres) do protesto social, que para Boaventura é uma

característica do movimento democrático fascista.

No trecho 4, Fávero considera métodos de cultivo que são base da agricultura familiar e

dos pequenos produtores como obsoletos, ou seja, coloca o agronegócio como prioridade e como

objeto central para o desenvolvimento econômico do país, pautado em uma política econômica

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32

de exportação – diferente da política que os movimentos sociais defendem para o uso da terra

(pequenas propriedades, agricultura familiar voltada para o mercado interno).

Através dessa matéria escolhida como exemplo, é possível afirmar que a seleção das

fontes, as citações privilegiadas, e de um modo mais amplo o conteúdo abordado tendia muito

mais para a defesa do que Boaventura define como uma democracia mais restrita, de baixa

intensidade representativa e com baixa capacidade de redistribuição social; além do clamor de

autonomia/descentralização para proteger os interesses oligárquicos – na matéria claramente

representado pelos interesses econômicos do latifundiário Fávero, que defendeu publicamente a

repressão aos movimentos sociais, o regime militar paraguaio.

Já a revista América Latina en Movimiento, ao contrário ta Folha, se aproxima muito

mais do que Boaventura define como a luta buscada pelos movimentos socialistas, que se

manifestam nos processos de radicalização da democracia; da democratização do acesso a terra;

da redistribuição das rendas de exploração dos recursos naturais; da promoção de alternativas ao

desenvolvimento, como são o bem-viver.

Essa mesma diferença de perspectiva democrática é possível perceber quando os dois

veículos tratam de temas relativos aos meios de comunicação e à imprensa. No período de

compilação do corpus, houve uma considerável concentração de notícia sobre meios de

comunicação, mais especificamente sobre a relação entre regulamentação da imprensa e os

governos de esquerda latino-americano, como é o caso das matérias “Vingada, Cristina acirra

atrito com a imprensa argentina”(1); “Correa aperta cerco a mídia Equatoriana” (2) e “Lei

boliviana dá mais poderes a Morales sobre comunicações”(3) da Folha de S. Paulo. Veja alguns

trechos abaixo:

(1)

"É impossível fazer jornalismo na Argentina. Se hoje é o "Clarín" que

não pode circular, amanhã posso ser eu”

“O Grupo Clarín, desde 1989, extorquiu todos os governos da

Argentina. Cristina foi a única capaz de resistir”, afirma Bulla. “Além

do quê, um monopólio como o do ‘Clarín’ ameaça qualquer projeto

democrático”.

“O nível de concentração da mídia na Argentina é absurdo, nem a

Globo no Brasil é assim. O Clarín vai continuar grande, talvez

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33

continue a ser o maior grupo do país. Mas terá que reduzir sua

participação na TV a cabo”, diz.30

(2)

A ratificação da condenação de três diretores e um editor do jornal "El

Universo" pela Justiça equatoriana, na última semana, assinala uma

nova etapa dos ataques do presidente Rafael Correa à imprensa de seu

país.

“A situação está muito mais grave no Equador. Há uma campanha

agressiva do governo contra a liberdade de expressão”, disse à Folha o

diretor da Sociedade Interamericana de Imprensa, Ricardo Trotti.

Desde que iniciou sua gestão, em 2007, o presidente Correa deu início

a um processo de expropriação de canais de TV e rádio, uso

discriminatório de verba para publicidade oficial e condenação judicial

por injúria de jornalistas que criticam o governo. Já são 21 os meios

governistas, que se dedicam a propagandear ações de Correa.31

(3)

O congresso boliviano, controlado pelo partido do presidente Evo

Morales, aprovou na noite de quinta-feira uma polêmica lei de

telecomunicações que dá ao governo e seus aliados dois terços das

licenças de rádio e televisão e permite escutas telefônicas. A oposição

afirma que a lei ameaça a independência das redes privadas de

telecomunicações.

A lei reserva para o Estado 33% do espectro eletromagnético, outros

33% para o setor privado e 34% para organizações sociais e indígenas,

que são aliadas do governo.

Segundo os críticos, na prática, Evo Morales vai controlar até 67% das

ondas eletromagnéticas do país, ameaçando as redes privadas. “As

rádios comunitárias e indígenas, como não têm faturamento, precisam

do Estado para sobreviver, e portanto o governo terá na prática 67%”,

disse Raúl Novillo, presidente da Associação Boliviana de

Radiodifusoras. “É séria ameaça à liberdade de expressão’, disse.”32

30

Vingada, Cristina acirra atrito com a imprensa argentina . Folha de S. Paulo. Caderno Mundo. Dia

28/08/2012. Vide matéria na íntegra em Anexos 7.

31 No Equador, presidente Rafael Correa aperta cerco à mídia. Folha de S. Paulo. Caderno Mundo. Dia

19/02/2012. Vide matéria na íntegra em Anexos 8. 32

Lei boliviana dá mais poderes a Morales sobre comunicações. Folha de S. Paulo. Caderno Mundo. Dia

21/07/2011. Vide matéria na íntegra em Anexos 9.

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34

Todos os trechos das matérias acima fazem menção, de algum modo, à “censura e

cerceamento à liberdade de imprensa”. E ainda é possível afirmar que essas matérias da Folha se

concentram nesse aspecto dos fatos, relacionando-os como um ataque a liberdade de imprensa.

Isso pode ser observado também através das fontes escolhidas, no trecho 3, sobre o caso

equatoriano, apenas se afirma que os setores minoritários da sociedade (indígenas, campesinos,

movimento sociais) terão direito ao usufruto de uma porcentagem do espectro eletromagnético,

mas colocam esses grupos apenas na perspectiva de serem aliados ao governo de Rafael Corrêa,

ou seja, cria o efeito de sentido que apenas por isso eles receberão essa quota.

É importante relembrar aqui, o jornal Folha de S. Paulo, pertence ao grupo Folha, um dos

maiores conglomerados midiáticos do país, como já foi dito na Introdução. Este fato somado a

preocupação do jornal em condenar a política de regulamentação dos meios de comunicação nos

países vizinhos podem significar o próprio interesse da Folha em legitimar os monopólios dos

meios, já que faz parte de um, e simultaneamente prestar solidariedade aos jornais vizinhos, de

perfil semelhante ao dela e que estão sofrendo “prejuízos” com essas políticas de

regulamentação.

Em nenhum momento os fatos são debatidos na perspectiva de democratização da

comunicação – de dar voz ao povo – como fazem os artigos publicados na revista America

Latina en Movimiento, que quando tratam das relações de imprensa a fazem numa direção

contrária à Folha.

É possível observar isso em alguns trechos abaixo, dos artigos publicados na edição de

março de 2011, “Redes Sociais – nem tanto nem tampouco”:

A internet abriu brechas para que novas vozes pudessem se expressar

na sociedade. Mas ela não deve ser idealizada. Quem detém maior

audiência são os portais de noticias e entretenimento dos mesmos

grupos midiáticos. A publicidade, que cresce na rede ( nos EUA, ela

superou pela primeira vez na historia os anúncios dos jornais

impressos) é totalmente absorvida pelos barões desses meios. A

internet é um meio de disputa. Sem ampliar e qualificar essa produção,

a blogosfera progressista será derrotada e falará para pequenos nichos.

Além disso, a tecnologia não é neutra. Os monopólios da comunicação

já estudam mecanismos para cercear a liberdade na rede33

.

33

BORGES, Altamiro. As forças e os limites da blogosfera.América Latina en Movimiento; nº 463. Ed.

ALAI. * Em tradução livre

Page 35: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

35

O ciberespaço é um território em disputa em que estão presentes tanto

atores estatais e transnacionais que tratam de controlá-lo e moderá-lo

de acordo com suas visões e interesses como atores que apontam a

projetos emancipadores e democratizantes. Esse território está aberto a

todas intervenções, e sai composição interna reproduz, com mínimas

variações, a relação de forças existentes no mundo exterior, de onde

sem duvida não são favoráveis as mídias alternativas. A tentação de

controlar e moderar o ciberespaço para fazer prevalecer a hegemonia e

os objetivos imperiais faz parte das visões estratégicas de Washington.

Essa tentação é enganadora, pois vem disfarçada de liberdade de

expressão na internet 34

.

Apesar de esta edição tratar majoritariamente da comunicação via internet, o contraste

com a abordagem feita nas matérias da Folha de S. Paulo é evidente. Para a ALAI, que em seu

próprio projeto editorial se coloca a favor da democratização da comunicação – sendo a própria

revista um instrumento para tal –, são essenciais leis de regulamentação da mídia para garantir a

pluralidade de vozes e a representatividade democrática também nos meios de comunicação.

Assim, enquanto a Folha destaca argumentos e citações que colocam a regulamentação da mídia

como um afronto a liberdade de imprensa, e portanto a democracia, os artigos da ALAI

consideram como antidemocrático justamente a concentração e os monopólios dos meios de

comunicação, defendido pela Folha. Os dois trechos acima, da ALAI, inclusive conhecem o

argumento utilizado pelo jornal de tratar a regulamentação dos meios de comunicação como

censura e alertam o leitor a tomar cuidado com esse argumento, que para os autores dos artigos

não passam de disfarces.

O segundo trecho acima, de um dos artigos da ALAI, também menciona o imperialismo

em relação à mídia, e o condena. O imperialismo é também um tema muito recorrente nos artigos

da revista, como será observado mais adiante.

No que diz respeito á democracia latino-americana, o sociólogo Boaventura também faz

uma outra observação a respeito, e relaciona a democracia com as minorias étnicas, sociais e

culturais do continente:

[...] Esses movimentos mudaram de modo radical os pontos de partida,

e os prováveis pontos de chegada das transições. Para todos eles, a

duração da transição é muito mais longa que a duração das transições

democráticas. Para os povos indígenas, a transição começa com a

resistência a conquista e ao colonialismo, e só termina quando a

autodeterminação dos povos indígenas seja plenamente reconhecida.

34

TAMOYO, Eduardo. A luta pela hegemonia na Internet. América Latina en Movimiento; nº 463. Ed.

ALAI. * Em tradução livre

Page 36: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

36

Para os movimentos afrodescendentes, a transição começa com a

resistência a escravidão e o aprofundamento do colonialismo e do

capitalismo, feito possível por causa da escravidão, e só termina

quando acabarem o colonialismo a acumulação primitiva que até agora

sustentam a permanência do racismo e de formas de trabalhos

análogos à escravidão. Finalmente para os campesinos em sentido

amplo (cholos, mestiços, pardos, ribeirinhos, caboclos, pescadores,

indígenas ou negros), a transição começa com as independências e

com a resistência ao saque das terras comunais, a concentração de

terras nas mãos das oligarquias, agora livres do controle imperial e ao

patrimonialismo e ao coronelismo e só terminará quando a reforma

agrária for finalmente comprida.

Esses movimentos tem subvertido toda a trabalhosa investigação sobre

as transições ao mostrar que suas durações são demasiadamente curtas

e que as transformações canonizadas por elas, sem minimizar ou

menosprezar, surgem como muito limitadas uma vez que situam no

contexto muito mais amplo da emancipação e liberação 35

.

É possível observar sutilmente que a Folha de S. Paulo considera a democracia um

regime já consolidado na sociedade latino-americana, sendo que para Boaventura ela está

consolidada apenas para o grupo hegemônico na sociedade. A Folha parece considerar enquanto

cidadãos exatamente esses setores da sociedade, cujos direitos democráticos estão restritos a eles.

Isto é perceptível no tratamento que o jornal dá a temas que envolvem movimentos sociais,

pobreza, distribuição de renda e democratização da mídia, nos trechos da Folha citados

anteriormente. Há uma subversão, de modo que qualquer tentativa de estender esses direitos

(deter e ter acesso aos meios de comunicação, terra, por exemplo) aos outros setores da

sociedade acabam sendo consideradas de medidas antidemocráticas – como no próprio caso das

matérias sobre imprensa, em que enquanto a ALAI chama de democratização da comunicação, a

Folha chama o mesmo fato de censura.

Já o conteúdo veiculado na revista América Latina em Movimiento, parece partilhar da

mesma concepção de Bovetura de Santos descrita nos trechos acima: a ALAI sempre parte do

pressuposto que a América Latina vive uma democracia restrita aos setores hegemônicos, ou

seja, às classes com mais recursos, branca, enquanto a população pobre, indígena, negra e

campesina ainda vive a margem desses direitos, mesmo depois dos processos de democratização

após o período das ditaduras militares no continente. Nessa perspectiva, a própria revista se

coloca como instrumento de transformação desta realidade social, visando a democracia plena,

35

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p.64-65. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010. * Em

tradução Livre

Page 37: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

37

que inclua todos os setores e grupos da sociedade latino-americana. Na edição 467, especial

sobre Afrodescendentes, é possível observar muitos exemplos disso:

O povo afro-boliviano é um dos menos estudados e relativamente

pouco conhecidos no continente. Essa invisibilidade, esse sentimento

de não existência, tem sido um obstáculo para considera-lo como

sujeito com direitos36

.

Atualmente, quase 10% da população uruguaia é afro-descendente.

Mais da metade vive abaixo da linha da pobreza, pleo mesmo trabalho

se paga 35% menos, as mais prejudicadas são as mulheres afro,

predominantemente subempregadas e trabalhadoras do setor

doméstico37

.

No Brasil republicano do século 21, a igualdade só existe no papel e na

lei. Não há efetivamente igualdade de condições e oportunidades. A

república brasileira não se emancipou socialmente os milhões de

homens e mulheres negros que saíram da escravidão. Mas do ponto de

vista constitucional, todos são iguais ‘perante a lei’. Sem vida, a

desigualdade entre negros e brancos se mantém: 64% dos pobres e

70% dos indigentes brasileiros são negros. A discriminação racial

amplia as desigualdades sociais porque são reforçados pelo racismo,

machismo e homofobia. 38

Os trechos acima da revista America Latina em movimento, que identifica a necessidade

de inclusão do povo negro, e consequente, dos demais povos excluídos do atual regime

democrático latino-americano, conversam com a definição de democracia defendida por

Boaventura de Sousa Santos para o continente, a democracia intercultural, que consiste em:

1. a existência de diferentes formas de deliberação

democrática, do voto individual ao consenso, de eleições a rotação,

da luta por assumir cargos a obrigação e responsabilidade de assumi-

los.

2. diferentes critérios de representação democrática

(representação quantitativa, de origem moderna eurocêntrica e

representação qualitativa, de origem ancestral indocêntrica)

36

TAMOYO, Eduardo. Bolívia : Se tem avançado mas ainda falta muito para vencer. América Latina en

Movimiento; nº467, p.20. Ed. ALAI. Quito: 2011 * Em tradução livre

37

ANDRADE, Susana. Afrodescendentes no Uruguai – A hora de exercer a cidadania efetiva. América

Latina en Movimiento; nº467, p.26. Ed. ALAI. Quito: 2011 * Em tradução livre

38 LEÓN, Osvaldo. Brasil: tímidos passos importantes. América Latina en Movimiento; nº467, p.28. Ed.

ALAI. Quito: 2011 * Em tradução livre

Page 38: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

38

3. reconhecimento dos direitos coletivos dos povos como

condição do efetivo exercício dos direitos individuais (cidadania

cultural como condição de cidadania cívica)

4. reconhecimento dos novos direitos fundamentais

(simultaneamente individuais e coletivos): direito a água, a terra, a

soberania alimentar, aos recursos naturais, a biodiversidade, as

florestas e aos saberes tradicionais

5. educação orientada para formas de sociabilidade e

subjetividades assentadas na reciprocidade cultural: um membro de

uma cultura somente está disposto a reconhecer a outra cultura se

sente que a sua propria é representada, e isto se aplica tanto as

culturas indígenas quanto as não indígenas. 39

3.2 Colonialismo e imperialismo

Como já dito anteriormente, outro fenômeno frequente no conteúdo do ALAI é relacionar

a problemática central do artigo com as práticas de imperialismo e colonialismo no continente.

Esses temas são centrais na obra do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, já que para ele é

necessária uma Epistemologia do Sul e a refundação dos estados latino-americanos justamente

por levar em consideração o passado colonial do continente, e considerar que mesmo com o fim

do período histórico colonial, o colonialismo e o imperialismo persistem de diversas formas nas

relações sociais no continente. Portanto ele considera que há dois grandes desafios das políticas

progressistas do continente latino americano: o pós-capitalismo e o pós-colonialismo.

A presença do imperialismo [...] é mais do que nunca visível na

determinação imperial de controlar a terra, a água doce, a

biodiversidade e os recursos naturais por via da guerra, ocupações,

pressão diplomática e instalação das bases militares. Assim se explica

que o Banco Mundial, ao mesmo tempo em que saúda as novas

políticas sociais em alguns países do continente (Ex. Bolsa Família no

Brasil), antes satanizadas, segue pressionando o sul global para

privatizar a água, a educação, a saúde, os recursos naturais, assim

como para eliminar formas comunais de propriedade da terra, privando

por essa via os Estados nacionais dos recursos financeiros para

sustentar as políticas sociais focais, agora legitimadas pelo próprio

Banco40

.

39

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p.98-88. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010. * Em

tradução Livre

40

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p.58-59. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010. * Em

tradução Livre

Page 39: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

39

Alguns artigos publicados na ALAI, parte da mesma concepção exposta acima pelo

sociólogo, como é possível observar no trecho do artigo Honduras: Colonialismo, militarismo y

presencia extranjera, abaixo:

A militarização de Honduras, como em todo continente, se iniciou com

o ato brutal e violento da conquista, que continuou com a cruzada de

colonização e evangelização nos marcos de se executar o maior

genocídio da história, pretendendo destruir nossas populações nativas,

roubando os bens da natureza e destruindo a Mãe Terra. A partir da

independência, a dominação continuou de outras formas. Os setores

liberais e locais abriram a economia para entrada de capitais

estrangeiros para o cultivo do café, de banana, para o desenvolvimento

da mineração, a indústria florestal, a indústria turística entre outras.

Simultaneamente com essa abertura para o capital estrangeiro, se

criaram forças militares e policiais para protegê-los. Militarismo e

colonização são duas caras da mesma moeda. Desde 1854 em Hoduras

os governos tem sido subservientes aos EUA, com que firmaram

acordos muito vantajosos para as companhias bananeiras41

.

O trecho acima é o exemplo clássico de como a ALAI aborda o tema, colocando o

continente latino-americano numa perspectiva imperialista em relação aos Estados Unidos,

Europa e o neoliberalismo de um modo geral. Entretanto, pude observar algumas exceções a essa

perspectiva quando se tratava das relações externas entre os próprios países do continente.

Nesses casos, o Brasil aparecia na posição de vilão imperialista pelos artigos da revista,

criticando publicamente a política brasileira para com os países vizinhos. Isto pode ser observado

no trecho abaixo do artigo Una mirada macroscópica al conflicto del TIPNIS, de outubro de 2011.

No ano 2000, os presidentes neoliberais da região lançaram uma

iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional (IIRSA), o mais

agressivo plano de “Desenvolvimento e Integração da Infraestrutura

regional sul-americana”. IIRSA é um pacote de 514 megaprojetos

hidroelétricos, carreteiros, gasíferos, portuários, com uma inversão

inicial estimada de 69 bilhões de dólares, financiados pelo Banco

Interamericano de Desenvolvimento, a Corporação Andina de

Fomento, FONPLATA ( os mesmos da antiga ALCA na região), a

União Erupéia, Banco Santander, o Banco Nacional de

Desenvolvimento Economico e Social (BNDES) do Brasil para

beneficio imediato das construtoras majoritariamente brasileiras, tais

como: Odebrecht,Andrade Gutiérrez, Camargo-Correa, OAS, Furnas,

Suez-Tractebel. Esses mega projetos são parte da histórica estratégia

brasileira de colonizar a Amazônia continental, já disseminada pela

41

COPINH. Colonialismo, militarismo y presencia extranjera. America Latina en Movimiento; nº 470.

Ed. ALAI. * Em tradução livre

Page 40: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

40

ditadura militar e chamada sucessivamente: Brasil em Ação, Avança

Brasil e agora Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

Desenvolvimento? Sim para as corporações multinacionais

mineradoras, metalúrgicas, petrolíferas, agroindustrial, farmacêutica, e

engenharia genética, empresas construtoras e florestais. Para os

subcontratantes locais sobram migalhas suficientes para gerar o apoio

político necessário para a implementação.

Integração? Clara, mas subordinado ao Brasil em primeira instância, e

logo a economia capitalista global liderada pelos BRICS, ou seja, por

empresas multinacionais que operam neles e a partir deles42

.

Este trecho coloca o Brasil enquanto país imperialista, que quer expandir seus projetos

desenvolvimentistas para os países vizinhos através de empresas, muitas delas privadas, que

exploram a mão de obra local, mas concentram todo o lucro e arrecadação do projeto na matriz

brasileira – incluído projetos do Programa de Desenvolvimento Econômico (PAC), criado pelo

ex-presidente Lula – subordinando os países vizinhos ao Brasil. Apesar de não ser uma crítica

constante no conteúdo da ALAI avaliado sobre a política externa do Brasil, esta colocação

apareceu algumas vezes em artigos que tratavam a questão do continente latino-americano mais

geral e que também tocava no tema da integração entre os países. O trecho acima coloca que

existe alguma integração a integração no continente, mas que ela está subordinada a uma

situação de desigualdade nas relações econômicas entre os países.

Na Folha de S. Paulo apenas uma matéria, Em clima eleitoral, Peru lança PAC e

beneficia brasileiros 43

, também ilustra essa relação econômica entre o Brasil e os demais países

que a ALAI denomina como imperialistas. A Folha, entretanto, aborda o fato como uma notícia

de economia e política externa padrão, e por ser um veículo brasileiro, se atenta aos benefícios

que o evento traz ao nosso país, sem fazer qualquer tipo de menção aos prejuízos que o negócio

pode trazer ao Peru e também sem fazer qualquer crítica ou reflexão política sobre o

comportamento do Brasil com o país vizinho.

Apensar de o Brasil ser criticado como imperialista no continente pela revista da ALAI, a

Folha de S. Paulo também publicou algumas matérias em que o país, as políticas brasileiras e a

personalidade do Lula aparecem como referencias e exemplo a serem seguido pelos demais

países da América Latina. É o caso das matérias “Candidatos a eleição do Peru tentam vincular

42

SANTIESTEBAN, Gustavo Soto. Una mirada macroscópica al conflicto del TIPNIS . America Latina

en Movimiento; nº 468/469. Ed. ALAI. * Em tradução livre 43

Em clima eleitoral, Peru lança PAC e beneficia brasileiros. Folha de S. Paulo. Caderno Mundo. Dia

03/04/2011. Vide matéria na íntegra em Anexos 10.

Page 41: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

41

imagem a Lula”44

(1), “Chávez faz seu ‘Minha Casa, Minha Vida’”45

(2) e “ Campanha na

Argentina experimenta fator Lula”46

(3).

Candidatos á eleição do Peru tentam vincular imagem a Lula Keiko Fujimori e Olanta Humala disputarão o segundo turno. Os dois

candidatos estão competindo para convencer o eleitorado de quem é

mais Lula.

Chávez faz seu ‘Minha Casa, Minha Vida’

Megaprograma do líder venezuelano promete construir 350 mil casas

até o final do mandato e 2 milhões até 2017.

Campanha na Argentina experimenta fator Lula

Candidatos a presidência incorporam ideias como ‘Fome Zero’ e

Conselhão. Para tarair eleitorado à esquerda, Eduardo Duhalde e

Rivcardo Afonsin aproximam imagem da do brasileiro

Os trechos acima mostram outro aspecto que parece comum a alguns países do

continente, podendo até gerar algum tipo de relação de integração entre eles: a referência que os

demais governos progressistas dos países latino-americanos têm no ex-presidente Lula. A

popularidade e aprovação de Lula no Brasil o tornou um exemplo a ser seguido pelos seus

companheiros dos países vizinhos. Entretanto, poucos artigos da ALAI defendem publicamente

que Lula deve ser um exemplo a ser seguido nos outros países, alguns artigos mencionam que

algumas políticas efetivadas durante seu governo são exemplares, como programas de

redistribuição de renda e inclusão social, mas em nenhum momento se faz um apelo a figura

pessoal do presidente, como foi frequente nas matérias da Folha.

Ao contrário, já foi observado anteriormente que os artigos da ALAI, na perspectiva de

defender o bem-viver, ou seja, uma espécie de bem estar social em total harmonia com a

natureza – estabelecendo com ela uma relação horizontal de eqüidade – , frequentemente

condenam o desenvolvimentismo (representado pelo PAC, por exemplo), que foi uma das

políticas centrais do governo Lula e dos demais governos latino-americanos, inclusive aquelas

mais progressistas, como Bolívia e Equador com seu projeto plurinacional de Estado:

44

Candidatos a eleição do Peru tentam vincular imagem a Lula. Folha de S. Paulo. Caderno Mundo, p.

A26. Dia 08/05/2011. Vide matéria na íntegra em Anexos 11. 45

Chávez faz seu ‘Minha Casa, Minha Vida’. Folha de S. Paulo. Caderno Mundo, p. A20. Dia

22/05/2011. Vide matéria na íntegra em Anexos 12. 46

Campanha na Argentina experimenta fator Lula . Folha de S. Paulo. Caderno Mundo, p. A22. Dia

22/05/2011. Vide matéria na íntegra em Anexos 13.

Page 42: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

42

A ideia de um novo projeto de país é forte nos dois casos, tal como a

ideia de pluranacionalidade, de outra política nacionalista centrada em

outra relação com a natureza e o horizonte de um caminho pós-

capitalista, seja o socialismo do século XXI, o socialismo comunitário

ou o socialismo da revolução cidadã. Em ambos países há uma certa

ambiguidade em relação a esses objetivos: um certo

desenvolvimentismo conduzido pelo estado (que alguns não vacilam

em sesignar como capitalismo nacionalista de Estado e outros

capitalismo andino-amazônico) é uma condição previa para que a

sociedade protagonize um socialismo de um tipo novo, social e não

estatal. Esses dois processos políticos as conduzidos por seus lideres

carismáticos47

.

3.3 Desenvolvimentismo e Estado Plurinacional

Esta dualidade entre o desenvolvimentismo, nos moldes neoliberal e de referência

eurocêntrica que vem sendo aplicado na América Latina , e uma alternativa ao desenvolvimento

foi uma questão muito tratada por Boaventura de Sousa Santos, em que ele evidente se posiciona

ao lado de uma alternativa, chamada por ele de Epistemologia do Sul. Porém, o sociólogo

reconhece que mesmo nas tentativas mais genuínas de alguns governos por transformações

sociais, ainda existem significativas diferenças conceituais e diferentes referências de projeto de

futuro entre o governo e os setores mais populares:

A concepção de tempo linear que sustenta a modernidade ocidental, as

transições são sempre uma trajetória que vão do passado ao futuro. O

que pensar então, no caso dos movimentos indígenas, quando de

cultiva uma transição em que o regresso ao passado ancestral, pré-

colonial se transforma na versão mais capacitada do projeto/vontade

de futuro? Como imaginar o contrário, partir do que não existe para o

que já existiu, recuperando de suas ruínas sobreviventes, reais ou

imaginárias, para um futuro que não ter que ser inventado, mas que

tem que ser “des-produzido” como ausente ou inviável?

[...] As transições canônicas das décadas passadas são transições no

seno das totalidades hegemônicas: ditadura e democracia enquanto

subespécies de regimes políticos modernos. No caso dos indígenas e

negros, as transições ocorrem entre civilizações distintas, universos

culturais com visões próprias, cujo diálogo possível, apesar de tanta

violência e de tanto silêncio, somente é possível através da tradução

intercultural e sempre com o risco das ideias mais fundamentais, os

mitos mais sagrados e as emoções mais vitais se percam no trânsito

entre universos linguísticos, semânticos e culturais distintos. Ou seja,

47

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p. 114. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010. * Em tradução

Livre

Page 43: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

43

quando exitosa, a transição neste caso é também é também uma

transição conceitual , que se configura com mestiçagem conceitual48

.

Assim mesmo, quando as Constituições do Equador e da Bolívia estabelecem o bem

viver como principio orientador da organização econômica, política e social, recorrem a um

dispositivo conceitual e normativo hibrido, que junta o texto jurídico matricial da modernidade

ocidental – a Carta Política – recursos linguísticos e conceituais coloniais e não ocidentais.

Entretanto, Sousa Santos ainda questiona como seria possível incluir nas comunidades

dos beneficiários de políticas públicas e direitos humanos aos antepassados, os animais e a Mãe

Terra? Então ele conclui que são possíveis novas hibridações baseadas no reconhecimento do

duplo direito humano pós-colonial: temos o direito de sermos iguais quando a diferença nos

inferioriza, temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. Assim para

o sociólogo, a plurinacionalidade não seria a negação da nação, mas sim o reconhecimento de

que a nação não está concluída.

3.4 A questão da modernidade

Mas além de Sousa Santos a teoria sociólogo peruano Aníbal Quijano, também parte do

princípio questionador do e estabelecimento histórico e linear de desenvolvimento e progresso, e

nessa perspectiva o atrasado é resultado do estabelecimento um único sentido em direção ao

desenvolvimento, progresso e modernidade. Essa lógica produz estado de ausência na medida em

que determina atrasado aqueles que segundo a norma temporal são diferentes dos avançados.

Produz-se assim a não contemporaneidade do contemporâneo: o selvagem, o primitivo e o

obsoleto.

Pressupondo uma trajetória civilizatória que parte de um estado de

natureza e culminam onde imaginam estar situados os europeus

ocidentais, estes se colocam como os modernos da humanidade e da

história, e ao mesmo tempo como os mais avançados da espécie 49

.

Em sua obra Colonialidade do Poder, Quijano expõe que apesar de difundirem essa

perspectiva histórica como hegemônica, não tardou surgir uma resistência intelectual, quando no

48

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina: Perspectivas desde uma

epistemologia Del Sur; p.64-65. Instituto Internacional de Derecho y Sociedad. Lima , 2010. * Em

tradução Livre

49

QUIJANO, Aníbal. Colonialidad Del Poder. Em Edgardo Lander, comp. Colonialidad del Saber, Eurocentrismo y

Ciencias Sociales. CLACSO-UNESCO 2000, Buenos Aires, Argentina.

Page 44: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

44

fim do século XIX e inicio do século XX foi vinculado o debate de desenvolvimento -

subdesenvolvimento. Um dos argumentos sustentava que a modernização não implica

necessariamente na ocidentalização das sociedades e culturas não europeias, colocando a

modernidade como um fenômeno de todas as culturas, e não só da europeia.

Se a modernidade for associada apenas a ideia de novidade, de

avançado, de racionalidade científica, de laico e de secular – que são

as ideias e experiências geralmente associadas a esse conceito, não há

duvidas de que é necessário admitir que ela é um fenômeno possível

em todas as culturas e em todas as épocas históricas50

.

Cabe aqui então questionar qual visão a respeito da relação entre moderinização e

ocidentalização que a Folha de S.Paulo e que a América Latina em Movimiento tem sobre a

América Latina. No caso da Folha, ela parece defender a concepção de um desenvolvimentismo

baseado nessa ocidentalização, basta observar os parâmetros e padrões que ela se utiliza nas

matérias: índices econômicos baseado na industrialização. Ex. X; comparação da situação dos

países latino-americanos com a Europa e os EUA, sem em nenhum momento considerar a

diferença histórica entre, sem ponderar o passado colonial, escravista e imperialista.

Ou seja, na perspectiva da Folha de S. Paulo a América Latina tem, ou deveria ter, que se

modernizar e desenvolver, tomando sempre nos moldes europeus ou norte-americanos. O jornal

não considera as sociedades nativas indígena, por exemplo, como moderna a seu modo, como o

sociólogo Aníbal Quijano cogita em seu texto, sim como atrasada e arcaica, que deve ser

modernizada aos moldes europeus. Isso acontece porque o que a Folha entende por modernidade

tem muito mais a ver com atingir o auge em produção e consumo, aliado com a melhor qualidade

de vida possível dentro do sistema neoliberal do que com buscar uma receita de modernidade

própria da América Latina, que leve em consideração o passado colonial, os povos nativos e

escravizados, que até hoje vivem a margem da sociedade, em que a busca por modernidade não

parece considerar prioritariamente o desejo de inclusão social – como faz a ALAI. Ao contrário,

desse modo, a Folha acaba por assumir a concepção do colonizador de modernidade.

Este é outro debate feito por Aníbal Quijano: como a Modernidade, enquanto período

histórico, e suas conquistas se deram na Europa, e como os europeus repercutiram essa

modernidade mesma modernidade de um modo diferente na América Latina.

50

QUIJANO, Aníbal. Colonialidad Del Poder. Em Edgardo Lander, comp. Colonialidad del Saber,

Eurocentrismo y Ciencias Sociales. CLACSO-UNESCO 2000, Buenos Aires, Argentina.

Page 45: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

45

Na Europa, em 1979 Revolução Francesa marcou o início da Modernidade, com a

ascensão da classe burguesa, e consequentemente a consolidação do liberalismo. Junto a isso, foi

proclamado os Direitos dos Homens e Cidadão, na defesa dos três grandes motes da Revolução –

Liberté, égalité, fraternité – valores que foram difundidos no restante da Europa pelos

intelectuais Iluministas.

Entretanto é curioso observar que a escravidão africana permaneceu até 1888, ou seja, a

proclamação de Liberdade, Igualdade e Fraternidade pareceu ficar restrita apenas no continente

europeu, enquanto os próprios países que defendiam esse mote para o seu sistema político

interno eram os mesmos que por meio da apropriação da liberdade, estabelecia sociedades

desiguais através de relações pouco fraternas com suas colônias na América Latina.

Esse fenômeno traz o questionamento: Que igualdade e liberdade viviam os países latino-

americanos? Para começar o sistema colonial por si só, em que os países não tinha nenhuma

liberdade enquanto colônia, já que eram politicamente e economicamente totalmente

dependentes da metrópole, e assim, se estabelecia um status desigual, entre a população da

metrópole e a população colonial. Além disso, a própria estrutura da sociedade colonial era

pautada na desigualdade: portugueses, espanhóis e seus descendentes constituíam a elite que

tinham cargos administrativo governamentais, e detinham de privilégios por serem

representantes da metrópole na colônia. E simultaneamente, para manter esse sistema colonial e

essa relação de exploração da metrópole em relação à colônia, eram mantidos sistemas de

escravidão e servidão da população africana e indígena. Assim, na verdade, o grande mote da

Revolução Francesa que ecoava na América Latina colonial era o liberalismo – a exploração das

riquezas coloniais que garantia a consolidação da burguesia europeia.

A modernidade foi colonial desde seu ponto de partida. Na América, a

escravidão foi deliberadamente estabelecida e organizada para

produzir mercadorias para o mercado mundial e desse modo, servindo

ao capitalismo, assim como a servidão dos povos indígenas e

escravidão dos africanos 51

.

Mesmo parecendo um fato histórico conflituoso, na realidade eram fenômenos

dependentes, já que o grande marco da modernidade na Europa foi o estabelecimento do Estado

burguês. Então era a partir da manutenção da desigualdade da relação colonia-metrópole versus

(égalité) e da escravidão (versus liberté) nas colônias que se assegurava a ascensão e

consolidação da burguesia e do liberalismo burguês na Europa. Desse modo, a modernidade

51

QUIJANO, Aníbal. Colonialidad Del Poder. Em Edgardo Lander, comp. Colonialidad del Saber,

Eurocentrismo y Ciencias Sociales. CLACSO-UNESCO 2000, Buenos Aires, Argentina.

Page 46: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

46

europeia se estabeleceu também a partir da manutenção colonialismo na América Latina – que

para Boaventura e Quijano, permanecem até mesmo após os processos de independência até

hoje.

“ A América Latina tem problemas

modernos para os quais não há

soluções modernas.”

Boaventura de Sousa Santos

Page 47: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

47

4. DIFICULDADES

Algumas dificuldades foram encontradas durante a execução do projeto. A primeira está

relacionada com a dificuldade de analisar um corpus muito volumoso, correspondente a

publicação de dois veículos diferentes durante o período de um ano. Devido a dificuldade de

conseguir analisar minuciosamente qualitativamente todo o conteúdo, como era a proposta inicial

do projeto, fez-se a opção de centrar o projeto na análise quantitativa. Assim a análise qualitativa

ficou restrita apenas à parte específica do conteúdo, que pudesse servir como exemplos típicos

que servissem para a estabelecer uma comparação entre a abordagem que cada um veículos fazia

do tema, e relacioná-lo com os textos teóricos que integravam a pesquisa.

A segunda dificuldade se deu durante a análise quantitativa, ao perceber certos dilemas

no momento de enquadrar as matérias da Folha e os artigos da ALAI dentro das categorias

estabelecidas. A maioria dos artigos e conteúdos sempre cabiam em muitas categorias diferentes

dependendo da leitura que se fazia do tema, ou seja, a classificação foi certamente uma tarefa

subjetiva, apesar do esforço de tentar sempre focar nos temas principais de cada matéria/artigo e

enquadrá-los em não mais de quatro categorias. Isto se deu principalmente nos artigos da revista

América Latina en Movimiento, que devido ao aprofundamento do tema central, abordando

contextos históricos, causas e consequências dos fatos, acabavam por abordar muitos temas

importantes para artigo além do tema central.

Uma terceira dificuldade foi conseguir relacionar a teoria de todos autores lidos e

discutidos durante a pesquisa com o conteúdo publicado na Folha de S. Paulo e na America

Latina em Movimiento. Assim, autores como Nestor Garcia Cancline, Octavio Paz e Noberto

Bobbio não foram citados neste relatório, mas tiveram um importante papel nas leituras e

discussões feitas nas reuniões do núcleo de pesquisa, que muito proveitosas para entender a

América Latina e suas relações sociais, econômicas e culturais de maneira mais ampla. Portanto,

neste relatório foi privilegiada as obras teóricas dos sociólogos Boaventura de Sousa Santos e

Aníbal Quijano, pois se relacionavam mais facilmente com o conteúdo publicado nos veículos

estudados.

É também pertinente observar aqui que tanto todo o conteúdo da revista da ALAI quanto

as obras dos sociólogos Quijano e Sousa Santos foram lidos dos originais em espanhóis, deste

modo as citações dessas publicações presente neste relatório estão em tradução livre, feita por

mim.

Page 48: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

48

Apesar das dificuldades, elas foram essenciais para incentivar a busca por soluções, que

geraram novos questionamentos e acabaram por enriquecerem os projetos. Assim, avalio que

mesmo diante delas, o projeto pôde ser concluído com sucesso.

Page 49: Mídia Alternativa, Diversidade Cultural e Integração ... · comunicacional, democrático, amplio, descentralizado y pluricultural, en sintonía con los procesos de transformación

49

5. CONCLUSÃO

Por meio deste processo de pesquisa de iniciação científica, foi possível perceber que o

jornal a Folha de S. Paulo e a revista America Latina en Movimiento possuem diferentes olhares

sob o continente latino-americano, e isto se refletiu tanto na análise quantitativa quanto na

análise qualitativa.

A Folha de S. Paulo, por ser um veículo nacional, de grande circulação e que privilegia o

gênero informativo factual, publica conteúdos sobre a América Latina a partir de uma

perspectiva externa ao continente, sob o mote da imparcialidade. Ou seja, o jornal se coloca

como se não fosse parte do continente latino-americano, privilegiando o conteúdo sobre política

interna de apenas alguns países da região: daqueles que mantém estreitas relações políticas e

econômicas com o Brasil e aqueles que possuem destaque no cenário internacional, segundo a

concepção europeia e norte-americana. Em suas notícias, o jornal se detém praticamente apenas

ao fato jornalístico, ou seja, a pauta é tratada apenas no que diz respeito ao assunto principal da

notícia e não se resgatam contextos históricos, debates e discussões de outros temas diretamente

relacionados ao tema da notícia. Desse modo, o veiculo se ausenta de tocar na raiz, nas causas e

nas consequências do que está sendo ali noticiado, negligenciando assuntos que são

problemáticas centrais no continente latino-americano, principalmente aquele de caráter social.

Assim, é possível concluir que o conteúdo sobre América Latina da Folha é publicado na

perspectiva dos grupos hegemônicos da sociedade, já que: não considera e nem levanta o debate

sobre os setores das sociedades latino-americanas ainda sofrem consequência do passado

colonial, escravista e imperialista que do continente; parte do pressuposto que a democracia é

efetiva no continente apenas no sentido de garantir os direitos democráticos dos grupos

hegemônicos mas não ao estendê-los aos demais setores da população; projetam a América

Latina na incessante busca pelo desenvolvimentismo, ao molde europeu, mas sem considerar as

óbvias diferenças históricas e sociais entre este continente e os demais. Ou seja, a Folha de S.

Paulo, diante dessas conclusões, defende a manutenção do status quo, considerando mudanças

apenas na medida que possam aperfeiçoá-lo.

Ao contrário, a revista América Latina en Movimiento não se declara imparcial em

nenhum momento e já em seu projeto editorial se coloca como instrumento para a transformação

social. Por ter perfil analítico, a revista não se restringe aos fatos jornalísticos, à notícia e à

novidade, e assim publica conteúdos mais diversos acerca do continente, tanto no que diz

respeito a um melhor equilíbrio entre os temas tratados bem como entre os países do continente.

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50

Os textos que compõem os artigos são muito aprofundados e abordam o contexto

histórico, relações de causa e consequência com o tema principal do artigo, fazendo com que um

mesmo artigo trate de diversos temas. Grande parte dessas abordagens sempre coloca a América

Latina na perspectiva de um continente que ainda sofre grandes consequências do passado

colonial, escravista e imperialista, considerando algumas vezes, inclusive, que essas formas de

dominação persistem em alguns aspectos no continente.

Assim, as soluções trazidas nas problemáticas apresentadas nos artigos da revista, são

sempre na perspectiva de superar essas heranças do passado colonial, presentes no sistema

neoliberal vigente e em um sistema democrático inconcluso. Então a revista incentiva promover

a transformação social com o protagonismo dos setores excluídos da sociedade e dos

movimentos sociais, e a partir daí instaurar uma nova sociedade em que as minorias étnicas,

culturais e sociais sejam incluídas, respeitadas e seus valores preservados; estabelecendo uma

nova sociedade, com inspiração nos valores dos povos nativos latino-americanos, que se viva em

harmonia com a natureza e em um novo sistema de produção, contrário ao desenvolvimentismo.

Portanto, a revista América Latina en Movimiento e a Folha de S. Paulo possuem

diferentes olhares e perspectivas sobre o continente. A revista defende uma transformação social,

com a liderança das classes subalternas e dos setores historicamente excluídos da sociedade, para

estender a eles os direitos que, segundo ela, ainda são restritos apenas ao grupo hegemônico.

Enquanto isso, a Folha de S. Paulo, através da análise do conteúdo publicado parece sutilmente

defender o que a ALAI considera a restrição desses direitos ao grupo hegemônico, e através de

um jogo argumentativo disfarçado de imparcialidade, subverter as mudanças que visam estender

esses direitos aos demais setores, as considerando, inclusive, antidemocráticas.

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51

6. BIBLIOGRAFIA

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Ed. Campus, 2004.

CARVALHO, C.. Sobre limites e possibilidades do conceito de enquadramento

jornalístico. Contemporanea - Revista de Comunicação e Cultura, América do Norte, 7,

mar. 2010. Disponível em :

http://www.portalseer.ufba.br/index.php/contemporaneaposcom/article/view/3701/2885.

Acesso em: 30 Jan. 2012.

BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. Cia das Letras, 2001

CUNHA, Karenine Miracelly Rocha: Agora é Lula: Enquadramentos do Governo do PT

Pelo Jornal Nacional – tese. Unesp (Universidade Estadual Paulista); 2005.

FILHO, Marcondes Ciro. O capital da notícia – jornalismo como produção social da

segunda natureza. São Paulo: Ática, 1986.

MORIN, Violette. El tratamento periodistico de la informacion. Barcelona, A.T.E; 1974.

PAZ, Octavio. Lós hijos Del Limo. Ed. Planeta Pub Corp. Edição espanhola; 1995

QUIJANO, Aníbal. Colonialidad Del Poder. Em Edgardo Lander, comp. Colonialidad del

Saber, Eurocentrismo y Ciencias Sociales. CLACSO-UNESCO 2000, Buenos Aires,

Argentina.

SANTOS, Boaventura de Sousa: Refundación del Estado en América Latina:

Perspectivas desde uma epistemologia Del Sur. Lima , Instituto Internacional de Derecho

y Sociedad, 2010.

Corpus

Revista America Latina en Movimiento; Ed. ALAI. Quito, Equador.

Jornal Folha de S. Paulo; Grupo Folha. São Paulo, Brasil.

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52

7. ANEXOS

1. Consenso de los commodities y megaminería

Maristella Svampa

ALAI, América Latina en Movimiento

03-22- 2012

En el último decenio, América Latina realizó el pasaje del Consenso de Washington, asentado sobre la

valorización financiera y una política generalizada de privatizaciones, alConsenso de los Commodities,

basado en la extracción y exportación de bienes primarios a gran escala, sin mayor valor agregado, hacia

los países más poderosos. Al compás de una nueva división territorial y global del trabajo, el Consenso de

los Commodities cerró la etapa del mero ajuste neoliberal y abrió a otro ciclo económico en América

Latina, caracterizado por las altas tasas de crecimiento y las ventajas comparativas -que en líneas

generales persisten, aún en el marco de la reciente crisis económica y financiera global-, gracias al boom

en el precio de las materias primas.

Convertido en algo más que un orden económico, el Consenso de los Commodities fue definiendo un

espacio de geometría variable, que habilita cierta flexibilidad –hasta donde la globalización lo permita- en

cuanto al rol del Estado-nación, según las orientaciones político-ideológicas de los gobiernos, sobre la

base común de un acuerdo acerca de lo que se entiende por Desarrollo (matriz productivista, modelo

primario-exportador), así como de la aceptación acrítica del rol histórico asignado a América Latina

(“sociedades exportadoras de Naturaleza”, como afirmaba el venezolano Fernando Coronil).

Sin embargo, por encima del discurso triunfalista y del retorno de una ideología desarrollista como gran

relato, la contracara de este proceso de adaptación de las economías latinoamericanas, ha sido la creciente

consolidación de un estilo de desarrollo extractivista, ligada a la sobre-explotación de recursos naturales

no renovables y a la expansión de las fronteras hacia territorios antes considerados como improductivos.

El extractivismo resultante contribuyó a agravar aún más el patrón de distribución desigual de los

conflictos sociales y ecológicos entre, por un lado, los países del centro y las potencias emergentes y, por

otro lado, los países periféricos. En consecuencia, impacto socioambiental mayor y explosión

generalizada de la conflictividad, aparecen como rasgos inherentes a dicho estilo de desarrollo.

Por cuestiones vinculadas con las características negativas del modelo, potenciado cada vez más por

razones de índole histórica -la memoria larga del saqueo colonial-, la megaminería metalífera a cielo

abierto se convirtió en la actividad extractiva más cuestionada por las poblaciones latinoamericanas. No

obstante, lejos estamos de asistir a una oposición contra todo tipo de minería. Las poblaciones, se trate de

comunidades campesino-indígenas o de asambleas de vecinos, multiétnicas y policlasistas, en pequeñas y

medianas localidades, se oponen a un modelo de minería metalífera: el sistema de explotación minera a

cielo o tajo abierto (open pit). Dicho sistema, hoy generalizado frente al progresivo agotamiento a nivel

mundial de los metales en vetas de alta ley, utiliza técnicas de procesamiento por lixiviación o flotación,

esto es, sustancias químicas contaminantes, y requiere de enormes cantidades de agua y energía.

Hay que tener en cuenta que, debido a la aplicación de dichas tecnologías, América Latina es una de las

regiones que tiene las reservas minerales más grandes del mundo, lo cual explica que, en 2011, haya

concentrado el 25% de la inversión mundial en exploración minera[1].

Ahora bien, el cuestionamiento a la megaminería no se refiere exclusivamente al uso de tecnologías

lesivas en relación al ambiente. Uno de los rasgos principales de este tipo de minería es la gran escala de

los emprendimientos, lo cual nos advierte sobre las grandes inversiones de capital que exige (se trata de

actividades capital-intensivas, antes que trabajo-intensivas), el carácter de los actores involucrados

(grandes corporaciones trasnacionales, que controlan la cadena a nivel global), así como de los mayores

impactos y riesgos –sanitarios, ambientales, sociales, económicos- que dichos emprendimientos

conllevan. Asimismo, otro de las consecuencias es la consolidación de economías de enclave, visible en

los escasos encadenamientos productivos endógenos y la fuerte fragmentación social y regional, lo cual

termina configurando espacios socio-productivos dependientes del mercado internacional y de la

volatilidad de sus precios.

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Es entonces esta combinación de aspectos –máxima expresión del despojo económico y destrucción

ambiental-, lo que convierte a la megaminería en una suerte de figura extrema, símbolo del extractivismo

depredatorio. A esto hay que sumar el establecimiento de “áreas de sacrificio”, con lo cual los territorios

intervenidos aparecen como “socialmente vaciables” y desechables, en función de la rentabilidad y la

mercantilización, lo cual posteriormente repercute y tiene efectos visibles sobre los mismos cuerpos. En

consecuencia, la minería metalífera a gran escala es muy cuestionada, no por falta de cultura productiva o

simple demonización de la actividad, sino porque las poblaciones comprenden que ésta constituye una

síntesis acabada del maldesarrollo, que pone en riesgo la vida presente y futura de las poblaciones y los

ecosistemas.

Conflictividad y lenguajes de valoración

Si hay algo que no puede ser minimizado, ni siquiera por el propio discurso tecnocrático prominero, es la

fuerte conflictividad social desencadenada de manera creciente por los proyectos extractivos.

Actualmente, no hay país latinoamericano con proyectos de minería a gran escala que no haya suscitado

conflictos sociales entre las empresas mineras y el gobierno versus las comunidades: México, varios

países centroamericanos (Guatemala, El Salvador, Honduras, Costa Rica, Panamá), Ecuador, Perú,

Colombia, Brasil, Argentina, Chile y, recientemente, Uruguay.

Según el Observatorio de Conflictos Mineros de América Latina (OCMAL) existen actualmente 120

conflictos activos que involucran a más de 150 comunidades afectadas a lo largo de toda la región. Sólo

en el Perú, la Defensoría del Pueblo de la Nación da cuenta de que la actividad minera concentra el 70 %

de los conflictos socioambientales y éstos a su vez, representan el 50 % del total de conflictos sociales en

ese país.[2] Asimismo, la conflictividad contribuye directa o indirectamente a la judicialización de las

luchas socio-ambientales y a la violación de los derechos ambientales y colectivos, en la medida en que

no se generan procesos de consultas en las comunidades involucradas, y en no pocas ocasiones los

dispositivos institucionales existentes (como, por ejemplo, el convenio 169 de la OIT) tienden a ser

bastardeados por los propios gobiernos, interesados en la rápida aprobación de los proyectos.

Incluso en aquellos casos donde la megaminería fue rechazada y la actividad no logró instalarse, tal como

sucedió en Intag (Cotacachi, Ecuador), en dos oportunidades (en 1995 y en 2006); o en Famatina (la

Rioja, Argentina), en 2007 y recientemente en 2012, asistimos a la reactivación cíclica del conflicto, con

sus corsi e ricorsi, frente al arribo de una nueva empresa que reemplaza a la anterior, ya expulsada, y puja

por obtener por todos los medios una licencia social que la población ya ha denegado. Asimismo, una vez

instalada la empresa, la conflictividad tiene una sobrevida que excede largamente la del período de

explotación del yacimiento, tal como se puede verificar en casos emblemáticos de la minería

latinoamericana, como en Guanajuato y Zacatecas (México), Cerro de Pasco, La Oroya o la Bahía de Ilo

(Perú)[3]

En consecuencia, gracias a la estrecha alianza entre gobiernos y grandes empresas y por encima de la

orientación político-ideológica de los gobiernos, el actual escenario de conflictos ilustra el modo cómo el

extractivismo pone en jaque a las democracias latinoamericanas, pues se trata de un modelo que avanza

sin el consenso de las poblaciones, generando todo tipo de conflictos sociales, divisiones en la sociedad, y

una espiral de criminalización y represión de las resistencias que sin duda abre un nuevo y peligroso

capítulo de violación de los derechos humanos.

Por lo general, las acciones de oposición arrancan con reclamos puntuales (económicos o ambientales) y

van configurando una nueva “comunidad del no”[4]; pero en la misma dinámica de lucha éstas tienden a

ampliar y radicalizar su plataforma representativa y discursiva, incorporando otros temas, tales como el

cuestionamiento al modelo de desarrollo hegemónico y la exigencia de desmercantilización de los bienes

comunes. Así, los procesos de movilización van conduciendo a una concepción de la territorialidad

opuesta a las nuevas formas de colonización de la Naturaleza, ilustradas por el discurso eficientista y el

neodesarrollismo dominante. Para el caso que nos ocupa, asistimos a la emergencia de una nueva ecología

política del agua, de defensa de las cuencas hídricas, fuertemente amenazadas por la actividad minera, tal

como lo refleja la consigna “el agua vale más que el oro”, que hoy recorre este tipo de luchas en todo el

continente.

Otro de los elementos más novedosos de las resistencias contra la megaminería es la articulación entre

actores diferentes, que incluyen desde organizaciones o comunidades de vecinos, pequeñas

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organizaciones ambientalistas (ONGs), y profesionales y universitarios. Este diálogo productivo entre

disciplinas y organizaciones heterogéneas, ha ido produciendo un saber experto independiente de las

corporaciones y de los gobiernos, desde el cual plantear una disputa, a la vez epistémica y política.

Resulta imposible realizar un listado de las redes auto-organizativas nacionales y regionales contra la

megaminería que hoy existen en América Latina, además de las organizaciones campesino-indígenas

preexistentes. A título de ejemplo, podemos mencionar la CONACAMI (Confederación Nacional de

Comunidades Afectadas por la Minería, nacida en 1999, Perú); la Unión de Asambleas Ciudadanas

(UAC, Argentina), surgida en 2006, que congrega unas setenta organizaciones de base que cuestionan el

modelo minero; y la Asamblea Nacional de Afectados Ambientales (ANAA, México, que incluye

diferentes frentes de lucha), creada en 2008, en instalaciones de la UNAM, con el apoyo de la Unión de

Científicos Comprometidos con la Sociedad (UCCS).

Entre fines de 2011 y comienzos de 2012 las luchas contra la megaminería adoptaron una mayor urgencia

y dramatismo: en Cajamarca, Perú, se llevó a cabo la Marcha en defensa del Agua y de la Vida, en contra

del proyecto Conga, que amenaza con secar cuatro lagunas, para extraer cobre y oro, impactando sobre la

vida de unas 100 mil personas; en Famatina, Argentina, en enero de 2012, se produjo una gran pueblada,

que permitió la visibilización de otras luchas contra la megamineria y colocó la problemática en la agenda

política nacional; en Panamá, en febrero de 2012, hubo una gran represión que costó la vida de dos

miembros de la comunidad indígena Ngäbe Buglé; en México, en el Estado de Veracruz, crece el rechazo

contra la instalación del proyecto minero Caballo Blanco, que pretende desarrollarse a pocos kilómetros

de una central nuclear; en Cajamarca, Colombia, la población se ha movilizado en contra de una

gigantesca mina de oro, La Colosa; en fin, en marzo de 2012, en Ecuador, las manifestaciones se

intensificaron, como lo muestra la ocupación y posterior desalojo de la embajada de China en Quito, de

un grupo de mujeres que querían entregar una nota de protesta contra un proyecto minero de capital chino

que sería la primera explotación a gran escala de la historia de ese país. Estos pocos ejemplos ilustran la

rápida generalización de las luchas continentales en contra de este modelo.

Por último, vale aclarar que no todas las formas de resistencia a la megaminería plantean una redefinición

del modelo de desarrollo aunque sí promueven una democratización de las decisiones (consultas públicas,

audiencias, plebiscitos). En países con una larga tradición de minería a gran escala, como el caso de

Bolivia, Chile y Perú, los escenarios son muy complejos, así como múltiples las visiones de la

territorialidad hoy en disputa. Sin embargo, visto el fracaso de la megaminería como “motor de

desarrollo”, visto la dinámica creciente de desposesión que convierte en sacrificables los territorios, así

como la peligrosa espiral de criminalización y represión de las luchas, los procesos de radicalización de la

población suelen ser impredecibles, tal como lo muestra actualmente el caso peruano, el primer país

latinoamericano en donde se implementó este tipo de minería.

- Maristella Svampa es investigadora del Conicet (Centro Nacional de Investigaciones Científico

Técnicas) de Argentina y profesora de la Universidad Nacional de La Plata. Coordinadora del Grupo de

Estudios Críticos del Desarrollo.

Este texto es parte de la revista “América Latina en Movimiento”, No 473, correspondiente a marzo 2012

y que trata sobre "Extractivismo: contradicciones y conflictividad” -http://alainet.org/publica/473.phtml.

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2. México: La violencia exponencial

Laura Carlsen

ALAI, América Latina en Movimiento; 06-29-2011

Felipe Calderón está enojado. Enfáticamente golpea, una y otra vez, el atril mientras insiste que la

violencia desatada en territorio mexicano es culpa del crimen organizado y de nadie más. Reafirma por

enésima ocasión su compromiso con la guerra contra el narcotráfico que lanzó en diciembre de 2006 y la

decisión de seguir con el combate frontal a los delincuentes.

Esta defensa feroz de la estrategia de seguridad se dirige no hacia los criminales, sino hacía una sociedad

que en su mayoría rechaza el camino trazado por el presidente hace cuatro años. El 6 de abril, sólo unos

días antes del discurso pronunciado a un grupo de empresarios por Calderón, decenas de miles de

personas marcharon en las calles de más de veinte ciudades mexicanas en repudio a “la guerra de

Calderón” y contra la violencia.

Para el presidente, la protesta social que crece en el marco del nuevo movimiento mexicano “NO +

SANGRE” es una respuesta equivocada, politizada e injusta a su causa predilecta. Insiste en que la

ciudadanía debe protestar contra el crimen organizado y no contra su gobierno. En su discurso acusó al

movimiento social indirectamente de utilizar el discurso de la paz como escudo para promover “el deseo

político de atacar al gobierno federal.”

Los miles de jóvenes, padres y madres de familia, mujeres, indígenas y sindicalistas que se han sumado a

las protestas no lo ven así. No niegan que la brutalidad y la audacia de los carteles de la droga han

rebasado todo límite. Pero la razón por la cual aumenta el descontento social contra el gobierno se puede

resumir en un solo dato: en los años antes de que Calderón lanzara la guerra, el número de homicidios

relacionados al narcotráfico fue un poco más de 2,000 al año (2,119 en 2006); para el año 2010 alcanzó

15,273.

Y la crisis de violencia en México desde el 2007 no se puede resumir únicamente en cadáveres. Un

informe reciente del Centro de Monitoreo de Desplazamientos Internos calcula que 230,000 personas(1)

han sido desplazadas por los conflictos y amenazas. Existen aproximadamente 10,000 huérfanos por

causa de la violencia. Los feminicidios se dispararon en la frontera norte en el contexto de la guerra

contra el narcotráfico, junto a otras formas de violencia de género y ataques a defensoras de derechos

humanos. Además de las mujeres, las personas migrantes han sido víctimas de una respuesta no prevista

de los carteles al expandir sus actividades lucrativas hacía el secuestro, la extorsión y el reclutamiento de

migrantes. La masacre de 72 migrantes en San Fernando, Tamaulipas en abril de 2010 fue sólo el

ejemplo más escandaloso de un fenómeno que se ha extendido por toda la república.

La guerra que no se llama guerra

El caos generado por la estrategia se deriva de su carácter militar/policíaco y la falta de cálculo del

impacto de declarar la guerra en el mundo volátil del crimen organizado. Hace unos meses Calderón

negó que hubiera nombrado “guerra” a su estrategia de combate a la delincuencia, lo cual provocó un

diligente trabajo por parte de la prensa de recoger múltiples citas suyas que incluyeran la palabra en

referencia a la estrategia contra el narco.

Llámese como quiera, el modelo parte de la tesis de que la mejor manera de luchar contra el tráfico de

narcóticos prohibidos es cortando el abasto desde los países de producción y tránsito hacia el mercado

principal, que es Estados Unidos. Entonces la mayor parte de los recursos y esfuerzos están dirigidos al

enfrentamiento con los narcotraficantes, buscando detener la droga y capturar a capos. En México, se han

desplegado unos 50,000 soldados a las calles con este propósito.

El resultado es una explosión de violencia en múltiples formas que supera la mortalidad de muchas

guerras formales. Con el ataque del Estado contra un cartel se invita a otro a tomar su lugar y suelen

entrar en batalla. Las luchas por las “plazas”, es decir, las rutas para llevar sustancias ilícitas al mercado,

son una de las fuentes principales de la violencia.

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La violencia se vuelve más compleja y extensa en lugares donde las acciones de las fuerzas de seguridad

han provocado una fragmentación de los carteles. Complicidades entre políticos, policías o militares, con

uno de los rivales ha extendido la violencia en la esfera pública. Los enfrentamientos entre las fuerzas

armadas y los carteles en las calles han cobrado muertes de civiles y se reportan casos de violencia y

extorsión por parte de las mismas fuerzas de seguridad contra sectores de la sociedad. El reporte de

violaciones de derechos humanos cometidos por el ejército ha aumentado más de seis veces en los

últimos años, entre ellos ejecuciones extrajudiciales, tortura, violación sexual y desapariciones.

La guerra contra las drogas y la violencia que la acompaña han erosionado la gobernabilidad en varias

zonas del país y roto el tejido social por el miedo, la militarización y la presencia más activa que nunca

del crimen organizado. Es increíble que el gobierno siga con la retórica triunfalista frente a estos

resultados e indigna que en las esferas del poder esperen que el pueblo mexicano —o cualquier pueblo del

mundo— acepte 40,000 muertos como daño colateral o el precio que hay que pagar para ganar una guerra

que parece no tener fin.

Para el gobierno de Calderón es imposible admitir el fracaso de la mano dura después de haber invertido

tanto capital político y en vísperas de las elecciones presidenciales. Además, desde el inicio, la guerra

contra el narcotráfico en México ha tenido unos objetivos no-enunciados. Calderón lanzó la guerra unas

semanas después de tomar el poder entre protestas masivas y acusaciones de fraude nunca esclarecidas.

La alianza entre el ejecutivo y las fuerzas armadas y el cultivo del miedo frente un enemigo común —el

crimen organizado— funcionó para consolidar su poder en los hechos frente a la falta de legitimidad.

Desde su origen, entonces, la guerra ha privilegiado la militarización por encima de las instituciones

democráticas del país. La presencia del ejército en las ciudades y comunidades sirve para inhibir

protestas y construir una imagen de un Estado fuerte a pesar de su debilidad institucional.

El apoyo de EE.UU. a la guerra

El gobierno de los Estados Unidos, primero de George W. Bush y después de Barack Obama, juega un

papel crítico en sostener la guerra de Calderón con recursos, declaraciones, capacitación y entrenamiento.

De hecho, desde las fases del diseño del modelo, pasando por la instrumentación de la “Iniciativa

Mérida” anunciada por el entonces presidente Bush en octubre de 2007, la guerra contra el narcotráfico en

México ha sido para el Pentágono un sueño realizado.

Washington propuso una colaboración militar más intensa desde el Acuerdo de Seguridad y Prosperidad

de América del Norte que salió del TLC, para proteger sus intereses políticos y económicos en la región

más allá de sus fronteras. La Iniciativa Mérida se presentó como un plan “contra-terrorismo, contra-

narcóticos y para la seguridad fronteriza”. Esos son sus objetivos. Incluye el envío de equipo militar y de

espionaje a México con el fin de incrementar el control del territorio y promover la militarización del

país. Fue presentada como un reconocimiento de “responsabilidad compartida” por parte de EEUU, sin

embargo, abarca una serie de programas en México, sin incluir ninguna obligación de EEUU en su propio

territorio donde el negocio de la droga rinde sus beneficios.

Si antes el gobierno mexicano rechazaba la participación directa de su poderoso vecino en asuntos de

seguridad nacional, con la Iniciativa Mérida —extendida indefinidamente por el gobierno de Obama— se

ha iniciado un periodo de injerencia estadounidense sin precedentes. Sigue el modelo del Plan Colombia

que ha promovido más de una década de militarización del país andino y de presencia militar de EE.UU.,

con los conocidos resultados en violaciones de derechos humanos, desplazamiento y expropiación de los

recursos de los pueblos.

Detrás de la retórica de la guerra contra el narco, los objetivos de la Iniciativa son:

1) Proteger los intereses económicos e inversiones estadounidenses y garantizar el acceso a recursos

naturales estratégicos en México.

2) Imponer la Doctrina de Seguridad Nacional elaborada por el gobierno de Bush que posibilita la

presencia militar de EEUU --o la amenaza de intervención— en todo el mundo como garantía de

estabilidad del sistema y avanza el propósito de integrar a México a la zona de seguridad nacional de

EE.UU.

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En términos prácticos, la Iniciativa rompe con las barreras que había mantenido históricamente por

razones de soberanía nacional el gobierno mexicano a una mayor intervención de los estrategas y agentes

estadounidenses dentro de su territorio.

Hasta ahora han sido asignados más de $1,500 millones de dólares a México en la guerra contra el

narcotráfico. Además se ha reorientado la relación binacional hacia la cooperación en cuestiones de

seguridad. La mayoría de los recursos está destinada a equipo militar y servicios a las fuerzas armadas, la

policía y las agencias de inteligencia. La relación entre los dos países vecinos ahora está siendo definida

por el Pentágono y los Comandos Norte y Sur, con el apoyo del Departamento del Estado, en el contexto

de la seguridad regional.

La presencia ampliada de agencias de seguridad estadounidenses en México tiene graves consecuencias

para la soberanía nacional del país. Se tiene que justificar con un discurso que define a México como una

amenaza a la seguridad nacional del país del norte que se enmarca en una nueva lectura de los carteles de

la droga como “narco-insurgencia” y como una fuerza que desafía directamente la autoridad del Estado.

Abre la puerta a la militarización de México bajo la batuta del Pentágono y el uso del término

“insurgencia” recuerda la manera en que el Plan Colombia fue ampliado por el Congreso de EE.UU. para

apoyar la guerra interna. En México, varias organizaciones de derechos humanos han documentado un

proceso de criminalización de la protesta y represión de la oposición. La postura de EE.UU. promueve

este proceso e impulsa la guerra violenta contra el crimen organizado a pesar de todas las evidencias de

sus impactos negativos para la población.

Hay otra razón por la cual el gobierno de los Estados Unidos tiene interés en mantener la guerra contra el

narcotráfico y la violencia en México. Los términos de la Iniciativa Mérida no permiten la entrega de

dinero a México. Los contratos financiados en la Iniciativa Mérida van a empresas estadounidenses de la

industria de defensa que tienen mucho poder de cabildeo en el Congreso y mucho interés en abrir un

nuevo mercado hacia el sur.

Empresas como Boeing y Lockheed que venden aviones y helicópteros por millones de dólares, y de

seguridad privada como Blackwater y Dyncorp que proveen servicios de capacitación y entrenamiento,

ven en México una oportunidad de expandir su negocio por medio de los contratos de “outsourcing” que

consiguen del gobierno estadounidense. Algunas de estas empresas han sido involucradas en casos de

muerte de civiles y sus actividades no cuentan con mecanismos efectivos de transparencia y rendimiento

de cuentas. Ya tienen contratos de la Iniciativa Mérida y su presencia en México constituye otra amenaza

a los derechos humanos y un obstáculo al proceso de fortalecimiento de las instituciones democráticas en

el país, por promover la privatización y extranjerización de la seguridad cuando no existen reglas claras ni

la capacidad del Estado para aplicar las reglas vigentes. Es decir, gozan de la misma impunidad que los

criminales.

Existen otros caminos

El impacto totalmente contraproducente de la guerra contra las drogas en la sociedad es innegable. Se ve

no tanto en las cifras citadas, sino en el profundo dolor de las familias de las víctimas y en la cultura de

miedo y violencia que distorsiona el futuro de los jóvenes. Las encuestas(2) muestran un cambio

importante en la opinión pública: la mayoría ya no cree que el gobierno está ganando y no apoya la

estrategia.

Tan innegable que en las últimas fechas Calderón ha dejado al lado el mensaje reiterado de que México

está ganando la guerra contra el narcotráfico. Con severos problemas de credibilidad, el presidente ahora

dice que no existen alternativas y ha retado a la gente que exige fin a la violencia que ellos propongan

algo mejor.

El gobierno de Estados Unidos también ha expresado dudas en el modelo. En cables de Wikileaks,

miembros de la embajada en México expresaron sus preocupaciones por la corrupción y falta de

resultados de las fuerzas de seguridad y los tres niveles de gobierno de México, y cuestionan la eficacia

del enfoque en la detención de capos. La última versión de la Iniciativa Mérida presentado al Congreso

por el gobierno de Obama se presenta como Mérida II y hace énfasis en una transición de apoyo militar a

capacitación para impulsar reformas en el sistema judicial y las policías. Sin embargo, el financiamiento

sólo transfiere la ayuda militar directa al rubro de control del narcotráfico, sin aumentar

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significativamente el apoyo a programas sociales ni integrar obligaciones básicas de su país, que sigue

siendo la fuente de la mayor parte de las armas y el dinero del crimen transnacional.

Los esfuerzos de los dos gobiernos, por un lado, para consolidar el apoyo binacional a la guerra y, por

otro, para darle una imagen reformada, reflejan un reconocimiento implícito de que su fracaso es

evidente. Ante este reconocimiento y la quiebra del modelo, la sociedad organizada contra la guerra está

intensificando las protestas y respondiendo al reto de proponer alternativas no-violentas en la lucha contra

el crimen organizado. Algunas de estas alternativas están en la propuesta del pacto nacional que propone

el poeta Javier Sicilia, después del asesinato de su hijo. Su tragedia ha inspirado una nueva ola de

movilizaciones en el país.

La primera es tratar el problema de la demanda de drogas como un problema de salud, con prioridades en

la prevención, la rehabilitación, el tratamiento y la reducción de daños, en México y sobre todo en

Estados Unidos donde el gobierno no ha asumido plenamente su responsabilidad. Hacen falta mayores

oportunidades educativas y de empleo para que los jóvenes tengan proyectos de vida y para enseñar los

riesgos de la adicción. Es una solución que mejora la calidad de vida y reduce la demanda.

Segundo, la manera más rápida y efectiva para reducir la demanda de drogas ilícitas que enriquecen los

criminales es legalizar las drogas, empezando con la marihuana. Es una propuesta que tiene cada vez más

apoyo entre la población y los expertos y merece más estudio y debate público.

Tercero, es urgente desmantelar las estructuras financieras que permiten el lavado y el traslado del dinero

del crimen organizado.

Finalmente,promover las soluciones que están surgiendo desde abajo. Los proyectos autogestionarios en

Ciudad Juárez y otros lugares ofrecen opciones viables y dan a la sociedad un papel que no sea sólo de

víctima. Cuando se utiliza el ejército o la policía como herramienta principal contra el crimen

organizado, la sociedad queda marginada y expuesta a abusos. Se crea una situación peligrosa que se

acerca a una ocupación interna, o un estado militar/policíaco, con la pérdida de derechos humanos y

civiles.

Una sociedad civil fuerte y participativa es mucho más capaz de resistir la infiltración del crimen

organizado. Comunidades fuertes -con empleos, vivienda, educación, recreo sano, e espacios propios-

pueden defenderse a la vez que fortalecen las instituciones democráticas.

(1)

http://mexico.cnn.com/nacional/2011/04/07/los-desplazados-en-mexico-en-busca-de-un-hogar-para-huir-

de-la-violencia

(2)

http://www.consulta.mx/Estudio.aspx?Estudio=percepcion-seguridadmx-2010

Laura Carlsen, analista y escritora, es directora del Programa de las Américas en la Ciudad de México.

Publicado en América Latina en Movimiento, No. 464: http://alainet.org/publica/464.phtml

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3. São Paulo, domingo, 03 de julho de 2011

Câncer de Chávez agrava caos venezuelano

País vive sucessão de crises; nos últimos meses, rebeliões prisionais somaram-se a inflação alta e

falta de energia

Para analistas, situação desgastou o governo sem debilitá-lo, mas o impacto do câncer ainda não se

fez sentir

Harold Escalona-23.jun.2011/Efe

Parente de preso rebelado na penitenciária de Rodeo 2, perto de Caracas, pede ao governo Chávez que

evite violência

FLÁVIA MARREIRO DE CARACAS

A revelação de Hugo Chávez de que tem câncer, sua prolongada estada em Cuba e as incertezas que a

situação abre no cenário eleitoral engrossam o caldeirão de uma crise que se arrasta na Venezuela desde o

fim de 2009.

Na terça, Chávez completa um mês fora do país e 25 dias de convalescência em Havana. Durante sua

ausência, problemas recrudesceram.

No começo do mês, o governo reconheceu que a deficiência elétrica surgida no fim de 2009 não fora

sanada.

Voltaram os apagões programados, as multas por alto consumo. As medidas derrubaram as expectativas

de crescimento econômico do país, justamente quando o governo comemorava o fim da recessão de dois

anos.

A pasta econômica sustenta que o país vai crescer 3%, com inflação ao redor de 30% anuais. Já são três

anos consecutivos de queda do salário real, diz a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), e a

previsão é que 2011 não seja distinto.

Em meio à falta de transparência sobre a doença de Chávez -só na quinta-feira ele revelou que fora

operado para retirada de um tumor-, a Venezuela seguia pela TV a tentativa da Guarda Nacional de

retomar o controle de dois complexos prisionais.

Cerca de mil detentos se amotinaram, fortemente armados, em batalha com os soldados nacionais,

seguida com desespero pelos parentes do lado de fora.

Na sexta, o governo dispersou um protesto de familiares com gás lacrimogêneo.

"'É uma situação delicada. Já havia um mal-estar acentuado num país dividido. Um número recorde de

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protestos desde os anos 80. Há uma crise de gestão, que é muito má. A doença de Chávez adiciona

pressão à panela", diz a socióloga Margarita López Maya.

As crises simultâneas desgastaram, mas não debilitavam o governo como se esperaria. A explicação,

segundo o analista Javier Corrales, vem do que ele chama de caráter híbrido do regime (eleições livres,

mas não justas, deterioração progressiva da separação de Poderes).

"Os regimes híbridos têm mais condições de resistir a crises. A cada novo dia no poder, Chávez avança

mais no domínio do Estado. Indica mais funcionários, juízes", afirma o especialista.

Num país onde uma massa importante é funcionária pública e depende de alinhamento político para

manter o posto, o efeito de três anos de recessão pode não se refletir nas urnas como outros países,

completa Corrales.

Hoje, a popularidade de Chávez é pouco superior a 50% -fora da sua "zona de conforto" e em empate

virtual com os antichavistas, mas nada ruim para um governante há 12 anos no cargo.

'INVULNERÁVEL' O panorama de dano controlado rumo às eleições presidenciais de 2012 deve se alterar com o fator "saúde

do presidente bolivariano".

"O anúncio muda dramaticamente a situação política da Venezuela. A revolução é Chávez. Não existe

sem ele. A declaração de Chávez é tão importante que não é possível prever seu impacto antes que ela se

assente", diz Luis Vicente León, do instituto de pesquisas Datanálisis.

"Estamos falando de um líder invulnerável, controlador. Nem ele sabe bem qual pode ser o desenlace."

4. São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2011

Tráfico encurrala candidatos no México

Debate político está focado na estratégia do presidente Felipe Calderón para combater os cartéis de drogas

no país

Conflitos já causaram mais de 40 mil mortes; jornalistas e usuários de redes sociais são novos alvos da

violência

Ronaldo Schemidt - 26.ago.2011/France Presse

Manifestantes acendem velas no palácio do governo do México em homenagem aos 52 mortos em

incêndio de cassino

FLÁVIA MARREIRO

DE CARACAS

SYLVIA COLOMBO DE BUENOS AIRES

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A guerra contra o narcotráfico, declarada pelo presidente Felipe Calderón, do PAN (Partido da Ação

Nacional), quando assumiu o poder no México em 2006, encurrala os candidatos à sua sucessão.

A menos de um ano para a votação, em julho de 2012, os pré-candidatos medem palavras para falar do

tema.

Sobram críticas à estratégia do governo, mas há desalento pela falta de alternativas -inclusive no campo

opositor- e temor de que o crime organizado influencie a campanha.

O conflito já causou até hoje mais de 40 mil mortes.

No caso da mídia, os novos alvos são as redes sociais, revertidas em refúgio para jornalistas e cidadãos

num ambiente de escalada da autocensura na imprensa.

No fim de semana passado, uma jornalista que escrevia sob pseudônimo para um site de Nuevo Laredo,

na fronteira com os EUA, foi decapitada por narcotraficantes.

Eles deixaram um aviso de que o crime era um castigo por falar demais na rede. Foi a quarta vítima do

gênero na cidade em um mês.

Em agosto, um ataque a um cassino em Monterrey deixou 52 mortos. O atentado foi atribuído ao cartel

mexicano Zetas.

Calderón, na reta final de seu mandato, promete manter a luta contra os cartéis.

Porém, no momento em que a estratégia se reflete em mal-estar e paranoia, a bandeira governista é um

fardo pesado de carregar para os aspirantes à Presidência do governista PAN (conservador). Mas se torna

uma vantagem para os opositores do PRI (Partido da Revolução Institucional, de centro).

A corrida eleitoral já começou, com a desincompatibilização dos pré-candidatos dos seus cargos. Pelo

PAN tentam ser candidatos o ex-ministro da Fazenda Ernesto Cordero e a ex-chefe do partido na Câmara

Josefina Vázquez Mota, entre outros.

Já o PRI -que perdeu a Presidência para o PAN em 2000 após 70 anos de governo- tem até agora o nome

mais forte da disputa, o midiático Enrique Peña Nieto, ex-governador do Estado do México.

No entanto, nem o priista nem os pré-candidatos esquerdistas do fragilizado PRD (Partido da Revolução

Democrática) sinalizam um recuo total das ações de Calderón. Peña Nieto, por exemplo, diz que Calderón

improvisou a guerra às drogas, mas evita se pronunciar sobre um de seus pilares: o uso das Forças

Armadas contra o crime.

"Na situação atual, há margem de manobra para corrigir a estratégia de Calderón, mas não muito ampla",

diz Eduardo Guerrero, especialista em segurança.

O escritor Jorge Volpi concorda que o debate eleitoral vai estar circunscrito à "guerra ao narcotráfico" de

Calderón. "O PRI tentará sugerir de maneira não muito clara que em sua época as coisas estavam mais

sob controle."

Guerrero diz que a mensagem pode se voltar contra o PRI se os adversários conseguirem colar a ideia de

que a tranquilidade era fruto do pagamento por conivência com o crime e acomodação.

5. São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2011

Narcotráfico vira tema de debate em eleições argentinas

Oposição acusa governo de permitir controle de parte do país por traficantes; Cristina não aborda

o assunto

Recente apreensão de cocaína mostra ação de cartel mexicano Los Zetas, um dos mais violentos do

mundo

LUCAS FERRAZ

SYLVIA COLOMBO

DE BUENOS AIRES

Um dos temas mais incômodos na corrida eleitoral argentina, principalmente para a presidente Cristina

Kirchner, é o expressivo aumento do narcotráfico, que se desenvolve inclusive com a presença do cartel

mexicano Los Zetas, um dos mais violentos do mundo.

Antes rota do tráfico internacional, a Argentina se transformou também num polo de processamento de

cocaína, facilitado pela demanda de seu mercado interno e pela grande quantidade de laboratórios e

produtos químicos em circulação no país.

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Há duas semanas, surpreendeu o anúncio feito pelo governo da província de Buenos Aires de que um

integrante dos Zetas havia sido detido em La Plata com 50 kg de cocaína.

Esse foi apenas mais um registro entre dezenas de apreensões de drogas e detenções de traficantes. Em

janeiro, três argentinos foram presos quando tentavam entrar na Espanha com quase uma tonelada de

cocaína num jatinho. O voo tinha partido do aeroporto de Ezeiza.

Com os recentes episódios no meio da campanha eleitoral, o assunto entrou no debate político. Francisco

de Narváez, candidato à província de Buenos Aires, atacou o governo local e nacional por, segundo ele,

deixar o entorno da capital sob o controle do narcotráfico.

Favorita para ser reeleita no primeiro turno, daqui a duas semanas, Cristina não aborda o tema. "Na

verdade toda a classe política precisa se desculpar, pois nós todos subestimamos esse assunto", disse à

Folha o deputado socialista Fábian Peralta, presidente da Comissão de Combate ao Narcotráfico da

Câmara dos Deputados.

Para ele, a Argentina oferece pouco risco para os traficantes e é o segundo país que mais consome cocaína

na América Latina, perdendo apenas para o Brasil, conforme dados da ONU. "E o pior é que o governo

não sabe como lidar com a questão."

Parte do problema está na desavença dentro da Casa Rosada sobre os produtos químicos controlados pelo

governo -são 60 atualmente, mas uma ala do governo diz que a lista está defasada.

Outro problema, não muito diferente do Brasil, é a falta de controle nas fronteiras. O governo Kirchner

ainda não implementou, como havia prometido, um sistema de vigilância aérea em toda sua faixa de

fronteira.

A falta de controle leva ao crescimento dos cartéis e das pistas clandestinas, que, segundo a Associação

Antidrogas da Argentina, chegam a mais de 1.500, principalmente no norte do país.

6. São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2012

Brasileiro faz fortuna e má fama no Paraguai

Tranquilo Favero, 74, o maior produtor individual de soja no país vizinho, é tachado de usurpador

pelos sem-terra

Radicado há 42 anos do outro lado da fronteira, ele chama acampados de "delinquentes" e diz que

odeia a pobreza

LAURA CAPRIGLIONE ENVIADA ESPECIAL A ASSUNÇÃO

O brasileiro Tranquilo Favero, 74, tem seu nome gravado em inúmeras faixas no acampamento dos sem-

terra instalado bem na frente de suas propriedades, no município de Ñacunday, a 95 km de Foz do Iguaçu.

"Favero cue", a frase em guarani que significa "Favero já era", também aparece em camisetas usadas

orgulhosamente pelos sem-terra.

É que Favero, o maior produtor individual de soja do Paraguai, transformou-se em símbolo do

agronegócio, setor que responde por 80% do PIB do país e é em grande medida responsável pelos 15,3%

de crescimento da economia verificados em 2010.

Mas, além do fato de ser muito rico em meio a uma população em que 35% vivem abaixo da linha da

pobreza, Favero é um brasileiro no Paraguai, país que até hoje lambe as feridas da derrota humilhante

sofrida na guerra contra o Brasil, Argentina e Uruguai, no século 19.

Na entrevista que concedeu à Folha, no QG de seu grupo empresarial em Assunção, esse catarinense

nascido na pequena cidade de Videira chamou os camponeses que cercam sua fazenda de delinquentes;

elogiou o governo do ditador Alfredo Stroessner ("Naquela época você podia dormir com a janela aberta

e ninguém te roubava. Só estamos piorando desde então"); e disse que é inútil lidar com os sem-terra na

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base da diplomacia, que eles têm de ser tratados "como mulher de malandro, que só obedece na base do

pau".

Favero pilota um império que inclui terras, produção de sementes, fábrica de agroquímicos, máquinas

agrícolas, linhas de financiamento à produção, silos de armazenagem e até um porto.

Os sem-terra dizem que suas propriedades somam mais de 1 milhão de hectares.

"Eles querem pregar em mim o rótulo de 'latifundiário gringo de mierda'. Tenho bem menos terras", diz.

Quanto? Favero não conta.

Há 42 anos no Paraguai, ele descobriu o país logo após a inauguração da Ponte da Amizade, entre Foz do

Iguaçu e Ciudad del Este. "Foi só olhar o mato para perceber que era terra extraordinária."

O preço foi definitivo. "Um dólar comprava um hectare. Terra com escritura, diga-se. Vendendo 50

hectares de terra no Paraná, dava para comprar 5.000 hectares aqui."

Segundo ele, "naquela época, quando se falava no Paraguai era para dar notícia de brasileiro que cruzou a

fronteira, fugindo da Justiça".

Hoje, há 300 mil brasiguaios, brasileiros que foram ganhar a vida no Paraguai.

Os sem-terra, segundo Favero, insistem em um sistema obsoleto de agricultura: "Um sistema à base de

carros de boi, usados na época do meu avô. Hoje, se não podemos competir lá fora, morremos. Você não

é dono do preço do produto. O preço vem de fora. Somos obrigados a ser eficientes."

Favero se considera paraguaio. "Eu me naturalizei paraguaio há 25 anos." Quando indagado se fala

guarani, a língua indígena que sobreviveu como símbolo da nacionalidade, ele se esquiva: "Um amigo me

disse que eu não precisaria aprender guarani se tivesse muitos deles no bolso". Guarani é também o nome

da moeda do país.

"Odeio a pobreza, mas não acredito em esmola para gente sã. Nem em milagres. Sou católico, mas se

ficar ajoelhado diante de um salame pendurado, rezando 'Pai nosso que estais no céu', morro de fome. E o

salame não vem."

7. São Paulo, domingo, 28 de agosto de 2011

Vingada, Cristina acirra atrito com a imprensa argentina

Casa Rosada interpreta a vitória da presidente em prévia eleitoral como respaldo à

sua política para setor de mídia

Governo diz que irá "até o final" em seu plano de combater os monopólios do setor com leis

restritivas

LUCAS FERRAZ

SYLVIA COLOMBO

DE BUENOS AIRES

Respaldado pelo apoio de mais de 50% do eleitorado nas votações primárias, o governo de Cristina

Kirchner prevê aprofundar as medidas contra o monopólio da mídia.

A Casa Rosada, em guerra declarada contra a imprensa desde 2008, a considera a maior derrotada do

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pleito de duas semanas atrás, uma espécie de prévia da disputa presidencial, que acontece em outubro. As

primárias confirmaram o favoritismo de Cristina à reeleição.

À Folha, Gustavo Bulla, um dos formuladores da lei contra o monopólio da mídia, disse que a

"acachapante votação da presidente legitimou a vigência da legislação".

E afirmou: "Não há uma vinculação explícita entre uma coisa e outra, não foi um plebiscito, mas as

pessoas votaram também na lei, que é uma das políticas mais importantes do governo".

Bulla, diretor nacional de supervisão e avaliação da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação

Audiovisual, órgão responsável pelo tema, diz que não há "possibilidade de retrocesso, o governo vai até

o final".

Elaborada logo depois do conflito entre produtores do campo e o governo, em 2008, quando o "Clarín"

passou de aliado a principal inimigo dos Kirchner, a legislação foi aprovada pelo Congresso em 2009. Ela

visa regular o setor de rádio e TV, limitando a participação de empresas privadas nesses mercados.

O Grupo Clarín, maior conglomerado de mídia da Argentina, é o principal afetado. No ano passado,

obteve liminar judicial que suspendeu a aplicação da lei.

"Esses poderes concentrados fizeram reféns não só os governos argentinos, mas também o poder

judiciário", comenta Bulla. O governo recorre, e o caso será julgado pela Suprema Corte, provavelmente

no início de 2012.

PAPEL-JORNAL Mas há outras medidas.Uma delas é tirar a empresa de papel-jornal Papel Prensa do controle dos jornais

"Clarín" e "La Nación", que são sócios do Estado argentino no empreendimento desde a última ditadura

militar (1976-83).

O governo argumenta que os jornais se alinharam à ditadura e cometeram crime de lesa-humanidade para

controlar a empresa. Relatório recente do Ministério da Economia aponta má gestão dos diários, que se

beneficiariam ao comprar papel por valor abaixo do praticado no mercado.

Cristina enviou ao Congresso, neste ano, projeto que considera o papel-jornal um insumo de interesse

nacional -ainda não foi votado. Outra medida é fortalecer a TV aberta, atacando por tabela o Grupo

Clarín, dono da Cablevisión, a maior operadora de TV a cabo do país.

O primeiro passo foi dado com a estatização do campeonato argentino, exibido atualmente na TV pública

-antes os jogos só eram exibidos em um canal pago, pertencente ao Clarín.

Em 2012, o governo multiplicará por sete o número de canais na TV aberta. Foi anunciada a licença de

mais 273 canais no sistema de TV digital. Além das frequências, o governo vai abrir uma linha de crédito

para financiar a produção de conteúdo. "O objetivo", diz Bulla, "é garantir a multiplicidade de vozes".

Para o "Clarín", "são movimentos que preocupam, sobretudo a necessidade de criar um adversário.

Ninguém questiona a legitimidade do governo, mas isso não pode dar margem para atos

inconstitucionais", declarou Martín Etchevers, porta-voz do grupo.

Apesar dessas medidas, o sub-diretor do jornal "La Nación", Fernán Saguier, crê que a tensão pode

diminuir num próximo governo Cristina. "A população está pedindo moderação, por isso acho que há

uma chance de que se amenize o conflito. É essencial para a democracia que a imprensa possa ser

exercida livremente", disse.

Para o jornalista Jorge Lanata, fundador do "Página12", o governo deve ampliar a ofensiva ao "Clarín" no

sentido de tentar "desmanchar o monopólio".

A Folha apurou que a permanência de algumas figuras no governo Cristina incomoda os meios. É o caso

do atual ministro da Economia e candidato a vice-presidente, Amado Boudou da província de Buenos

Aires.

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8. São Paulo, domingo, 09 de Fevereiro de 2012

No Equador, presidente Rafael Correa aperta cerco à mídia

SYLVIA COLOMBO

DE BUENOS AIRES

A ratificação da condenação de três diretores e um editor do jornal "El Universo" pela Justiça

equatoriana, na última semana, assinala uma nova etapa dos ataques do presidente Rafael Correa à

imprensa de seu país.

"A situação está muito mais grave no Equador. Há uma campanha agressiva do governo contra a

liberdade de expressão", disse à Folha o diretor da Sociedade Interamericana de Imprensa, Ricardo Trotti.

Desde que iniciou sua gestão, em 2007, o presidente Correa deu início a um processo de expropriação de

canais de TV e rádio, uso discriminatório de verba para publicidade oficial e condenação judicial por

injúria de jornalistas que criticam o governo. Já são 21 os meios governistas, que se dedicam a

propagandear ações de Correa.

Nas últimas semanas, dois casos ganharam relevância. Os jornalistas Juan Carlos Calderón e Cristian

Zurita foram condenados em primeira instância a pagar multa de US$ 2 milhões por conta da publicação

de "El Gran Hermano", livro em que denunciam casos de corrupção vinculados ao irmão de Correa.

A causa contra o jornal "El Universo" ganhou repercussão internacional.

O diário foi condenado por injúria devido a uma coluna do editor de opinião, Emilio Palacio, que

chamava Correa de ditador e questionava sua atuação durante uma revolta policial. A pena é de três anos

de prisão e pagamento de multa de US$ 40 milhões.

Palacio pediu asilo político nos EUA e dois dos irmãos proprietários da empresa estão no exterior. O

terceiro pediu asilo ao Panamá.

"Está piorando o cerco. As nossas ações estão cada vez mais limitadas. O governo fecha as fontes e cria

novos meios para fazer propaganda todos os dias. Mas não vamos desistir", disse à Folha o editor-geral

do "El Universo", Gustavo Cortez.

Outro caso exemplar é o do jornalista Wilson Cabrera, dono e locutor da rádio La Voz de la Esmeralda,

da cidade de Macas. Em abril do ano passado, sua rádio foi tirada do ar pela polícia e até seus cabos e

antenas foram arrancados. Cabrera é acusado de transmitir sem autorização.

"Não é verdade, me tiraram a rádio porque eu noticiava casos de corrupção locais. Esse governo, em vez

de investigar as denúncias, vai contra os jornalistas", diz Cabrera, que há três meses tenta sair do país para

levar seu caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos.

"Esses casos são sérios e muito chamativos, mas há algo ainda mais perigoso. A lei eleitoral e a de

comunicação. Se ambas forem aplicadas, não será mais possível fazer jornalismo lá", diz Trotti.

A lei eleitoral, aprovada em 4 de fevereiro, impede os meios de fazerem matérias apontando aspectos

negativos ou denúncias a candidatos às eleições de 2013.

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Já a lei de comunicação está no Congresso e, se aprovada, determinará que apenas 33% dos meios

poderão ser privados. "Na prática, significa que serão 66% do Estado, porque a cota das minorias é

controlada por Correa", afirma Trotti.

O presidente justifica suas ações dizendo que, assim como qualquer cidadão, tem direito a ir à Justiça

quando se sente injuriado.

Por meio de sua conta de Twitter, anteontem, Correa disse que estava formando um grupo de "ofendidos

e perseguidos pela imprensa" para unidos se defenderem "da imprensa corrupta".

9. São Paulo, domingo, 31 de julho de 2011

Lei boliviana dá mais poderes a Morales sobre comunicações

Projeto aprovado pelo Congresso reserva dois terços de licenças de rádio e TV para o governo e

seus aliados

A medida também deverá permitir escutas telefônicas em caso de haver perigo ao Estado e de

ameaças externas

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

O Congresso boliviano, controlado pelo partido do presidente Evo Morales, aprovou na noite de quinta-

feira uma polêmica lei de telecomunicações que dá ao governo e seus aliados dois terços das licenças de

rádio e televisão e permite escutas telefônicas.

A oposição afirma que a lei ameaça a independência das redes privadas de telecomunicações.

O Senado sancionou a legislação, que agora deve ser promulgada por Morales, disse o presidente da

Câmara, René Martínez.

A lei reserva para o Estado 33% do espectro eletromagnético, outros 33% para o setor privado e 34% para

organizações sociais e indígenas, que são aliadas do governo.

Segundo os críticos, na prática, Evo Morales vai controlar até 67% das ondas eletromagnéticas do país,

ameaçando as redes privadas.

"As rádios comunitárias e indígenas, como não têm faturamento, precisam do Estado para sobreviver, e

portanto o governo terá na prática 67%", disse Raúl Novillo, presidente da Associação Boliviana de

Radiodifusoras.

"É séria ameaça à liberdade de expressão", disse.

Já o senador governista David Sánchez afirmou que o objetivo da iniciativa é dar ao setor rural "uma

distribuição mais igualitária das frequências no país".

A lei também permite ao governo fazer escutas telefônicas "em caso de perigo ao Estado, ameaça externa,

comoção interna ou desastres".

Para o senador da oposição Bernard Gutiérrez, a lei preocupa porque pode permitir que políticos e

jornalistas sejam alvos de grampos.

10. São Paulo, domingo, 03 de abril de 2011

Em clima eleitoral, Peru lança PAC e beneficia brasileiros

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FLÁVIA MARREIRO

DE CARACAS

PATRÍCIA CAMPOS MELLO

DE SÃO PAULO

A poucos meses de deixar o cargo, o presidente do Peru, Alan García, baixou decretos para facilitar

investimento privado em 33 grandes projetos de infraestrutura, num "fast track" para o PAC (Programa de

Aceleração do Crescimento) do país.

Grandes empresas brasileiras, algumas delas as maiores doadoras da campanha eleitoral do Peru, estão

entre as grandes interessadas nesse "PAC peruano".

No próximo domingo, ocorre o primeiro turno da eleição presidencial no país.

Empresas como a Odebrecht já atuam ou têm interesses nas obras do pacote de "necessidade nacional e

de execução prioritária", cujo custo é estimado pelo governo em US$ 9 bilhões.

O PAC peruano foi alterado para incluir o item "energia das novas centrais hidrelétricas". O ponto é

estratégico para o Brasil, que assinou pacto em 2010 para construir ao menos seis usinas de uso

compartilhado na selva peruana, investimento que pode chegar a US$ 16 bilhões.

Ao menos três dos cinco candidatos com chances ir ao segundo turno prometeram revogar o "fast track"

(via rápida) de García: Alejandro Toledo (centro-direita), Keiko Fujimori (direita) e Ollanta Humala

(esquerda).

"O governo está tratando de hipotecar o país", afirma Daniel Abugattás, um dos porta-vozes da campanha

de Ollanta Humala.

A pedido de um grupo de congressistas, o Tribunal Constitucional está avaliando se a via rápida de

García viola a Constituição.

O Brasil entrou em cheio na eleição quando as construtoras brasileiras Camargo Correa e Queiroz Galvão

apareceram como as maiores doadoras, até agora, da campanha do ex-presidente e candidato Alejandro

Toledo.

As somas não são altas para os padrões brasileiros (menos de US$ 100 mil no primeiro caso e pouco mais

de US$ 200 mil no segundo), mas foram suficientes para desatar uma discussão sobre conflitos de

interesses com o "novo imperialismo" do sul.

NEGÓCIOS DO BRASIL

As hidrelétricas no PAC de García são só uma fatia dos negócios brasileiros no país.

Segundo estimativas compiladas entre as empresas, as múltis brasileiras têm investimentos de US$ 3,5

bilhões a US$ 5 bilhões no Peru, mas esse número deve triplicar com outras obras públicas no país. Os

investimentos se concentram em mineração, construção e energia.

"De 2005 para cá, o ambiente político, econômico e de negócios do Peru mudou muito. Fechamos

contratos importantes e passamos a atuar como concessionária das obras executadas", diz Breno

Saldanha, diretor da Andrade Gutierrez no Peru.

"Hoje, o Peru tem a maior taxa de crescimento da região, instituições fortes e muita disposição

para atrair investimentos", completa.

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A Odebrecht, por exemplo, está há 31 anos no Peru. A empresa já fez 54 obras no país e hoje

participa de projetos que representam investimentos de US$ 4,4 bilhões --entre eles, a rodovia

interoceânica, que conectará o Brasil à costa do Pacífico.

11. São Paulo, domingo, 08 de maio de 2011

Candidatos à eleição no Peru tentam vincular imagem a Lula

Keiko Fujimori e Ollanta Humala disputarão o segundo turno

PATRÍCIA CAMPOS MELLO

BERNARDO MELLO FRANCO

DE SÃO PAULO

Os dois candidatos da eleição presidencial do Peru estão competindo para convencer o

eleitorado de quem é "mais Lula". A candidata de direita Keiko Fujimori, que disputará

o segundo turno em 5 de junho com o esquerdista Ollanta Humala, afirma que quer

fazer um governo "como o de Luiz Inácio Lula da Silva".

"Gosto muito do que Lula fez em política social, que resultou em números

extraordinários na luta contra a pobreza", disse Keiko em entrevistas recentes.

À Agência France Presse, ela elogiou a política de segurança do ex-presidente

colombiano Alvaro Uribe e depois afirmou que "se há um estilo de governo a ser

seguido, é o do Brasil, o gigante sul-americano".

"Todo o mundo no Peru virou seguidor de Lula", disse Paola Ugaz, editora do site

político peruano Lamula.

APOIO

Petistas que acompanham a eleição no Peru disseram que Lula é simpatizante de

Humala e condenaram o uso de seu nome por Keiko.

"É oportunismo, uma piada", disse Valter Pomar, do diretório nacional do PT. "Ela é

neoliberal, não tem nada a ver conosco", disse.

A secretária de Relações Internacionais do PT, Iole Ilíada, acusou Keiko de tentar

"confundir o eleitorado" com os elogios a Lula.

Keiko, filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), que cumpre prisão por

corrupção, tem um programa de governo baseado no livre mercado e no

assistencialismo.

Mas ela passou a adotar pontos da plataforma de esquerda de seu rival, como impostos

sobre os ganhos das mineradoras e ampliação de programas sociais.

Já Humala contratou como assessores os petistas Valdemir Garreta e Luís Favre, que o

ajudaram a formular uma "Carta ao Povo Peruano", nos moldes da carta que Lula

divulgou na eleição de 2002.

Segundo uma fonte próxima a Lula, o publicitário João Santana, que coordenou a

campanha de Dilma Rousseff, foi ao Peru neste ano para aconselhar Humala. Desde o

início da campanha, Humala tentou se mostrar como um "novo Lula", um esquerdista

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que migrou para o centro.

Ele teve maior votação no primeiro turno da eleição (31,6% contra 23,5% de Keiko).

Uma pesquisa do Ipsos/ Apoyo, de 4 de maio, mostra Humala com 39% das intenções

de voto, um ponto à frente de Keiko (38%).

Colaborou NATUZA NERY , de Brasília

12. São Paulo, domingo, 22 de maio de 2011

Chávez faz seu "Minha Casa, Minha Vida"

FLÁVIA MARREIRO

DE CARACAS

"Casa digna só é possível no socialismo", diz o papelzinho amarelo, como comprovante de compra, que

Leidy Cona, 26, exibe na praça Bolívar, no centro de Caracas.

O tíquete é a comprovação de que Leidy --grávida, mãe de um bebê de 14 meses e de um menino de 12

anos-- está inscrita na "Gran Misión Vivienda Venezuela", espécie de "Minha Casa, Minha Vida"

venezuelana que é o carro-chefe da campanha de Hugo Chávez para tentar garantir a sua terceira eleição à

Presidência em 2012.

"Tenho esperança. Conheço gente que ganhou uma casa do presidente", diz ela, que paga cerca de R$

632, ou mais de um salário mínimo local, para viver num quarto de pensão com a família.

Leidy faz parte do meio milhão de venezuelanos que, desde 7 de maio, responderam à convocação para se

registrar no programa. Por enquanto, só é possível fazê-lo em cinco Estados mais atingidos pelas chuvas

de 2010.

"Mãe solteira tem prioridade. Ordem do comandante", grita um senhor que distribui formulários na praça.

"Não tem fila! É num instante!"

Ali perto, uma mulher que, desconfiada, não quer dar o nome, diz que foi se inscrever "por via das

dúvidas", vai que a sorte a toca dessa vez...

A estratégia de promoção do programa inunda a TV. O slogan lançado por Chávez é metafísico: "Para

viver vivendo", em contraste com o "viver morrendo" do capitalismo nas favelas que cobrem as

montanhas da capital.

MÁQUINA DE ESPERANÇA

Habitação é agora tema obrigatório de analistas e políticos do governo e da oposição. Em geral, eles

concordam que Chávez conseguiu transformar a tragédia das chuvas e um problema crônico do país --o

deficit de 2 milhões de casas-- em espécie de máquina de esperança.

Em 12 anos, o governo Chávez lançou ao menos três grandes programas habitacionais, com pouco

resultado. O ministério responsável admite que é de 29 mil/ano a média de casas construídas pelo setor

público.

Mas nenhum até agora teve a ênfase dada à ofensiva atual, já aplicada antes para a saúde e a educação (as

missões cubanas) ou alimentação (as redes de mercadinhos com comida subsidiada).

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A meta ambiciosa martelada por Rafael Ramírez, presidente da estatal petroleira PDVSA --a empresa é o

grande caixa do país e a responsável pelo esforço-- é construir 350 mil casas até 2012.

O número soma produção estatal, privada, por mutirão ou por convênios com China, Brasil, Rússia, entre

outros.

Empresários miram a cifra com desconfiança: apontam que a falta de insumos como cimento e vigas de

aço é um gargalo, sem falar dos problemas de execução orçamentária do governo, turbinado pela alta do

petróleo.

"Se a equipe do presidente conseguir entregar parte das casas prometidas, o efeito será muito forte,

alavancará a esperança de um grupo enorme. O importante é a percepção", diz Jesse Chacón, ex-ministro

de Chávez e diretor do instituto de pesquisa GIS 21, próximo do governo.

Com planilha da popularidade do presidente, Chacón diz por que considera que Chávez acertou ao

apostar no tema. Mostra que foi justamente no final do ano passado, com chuvas que deixaram 130 mil

desabrigados, que a sua avaliação subiu.

Hoje a aprovação a Chávez está em 51,1%, segundo a GIS 21, praticamente o mesmo do Datanálisis, o

instituto privado mais importante do país.

Mas o esforço pode se voltar contra o presidente, advertem analistas e o próprio Chacón. "Se não

conseguir entregar casas, aí será o efeito bumerangue", afirma.

13. São Paulo, domingo, 22 de maio de 2011

Campanha na Argentina experimenta "fator" Lula

Candidatos à Presidência incorporam ideias como o Fome Zero e o Conselhão

Para atrair o eleitorado à esquerda, Eduardo Duhalde e Ricardo Alfonsín aproximam imagem à do

brasileiro

LUCAS FERRAZ DE BUENOS AIRES

Para tentar vencer nas urnas a presidente Cristina Kirchner, a oposição da Argentina utiliza como receita

eleitoral o sucesso do Brasil sob Lula, motivo de admiração entre os argentinos.

Dois dos principais pré-candidatos à eleição presidencial de outubro já fazem campanha utilizando

propostas lulistas.

Ricardo Alfonsín (UCR), 59, e Eduardo Duhalde (União Popular), 69, querem desenvolver na Argentina

programas sociais inspirados na gestão de Lula, como o Fome Zero, e adotar medidas econômicas como

as desenvolvidas no Brasil, que permitiram ao país crescer e tornar-se uma referência no cenário

internacional.

Além de repetir a estratégia dos candidatos à Presidência do Peru, que prometem governar seguindo a

cartilha do ex-presidente, Alfonsín e Duhalde buscam ainda identificação à esquerda, espectro político

associado ao governo Kirchner.

Mas não só por isso: Lula, depois do presidente dos EUA, Barack Obama, é o líder estrangeiro mais bem

avaliado na Argentina, segundo pesquisa de opinião divulgada recentemente.

A presidente Cristina Kirchner ainda faz mistério, mas deve se candidatar à reeleição. Sua gestão -assim

como a do seu marido e antecessor, Néstor Kirchner (2003-07)- é criticada por adotar políticas radicais

que deixaram a Argentina próxima de países como Venezuela, Bolívia e Equador e distante de exemplos

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considerados bem-sucedidos, como Brasil, Chile e Uruguai.

É nessa diferença que aposta a oposição.

O Comitê Nacional da UCR (União Cívica Radical), partido de Alfonsín, elabora atualmente o plano de

governo do candidato.

Segundo disse à Folha Agustín Campero, um dos coordenadores de campanha, uma das principais

propostas de Alfonsín é organizar um "conselhão" nos moldes do Conselho de Desenvolvimento

Econômico e Social, criado por Lula no início de seu governo.

"O objetivo é desenvolver políticas estratégicas, minimizando as tensões e buscando coincidências", diz.

A área social é o ponto em que Alfonsín e Eduardo Duhalde têm mais coincidências em relação ao

espólio de Lula. Ambos querem criar na Argentina uma espécie de Fome Zero para tentar aplacar a

pobreza no país.

Estima-se que atualmente 30% dos argentinos estejam abaixo da linha da pobreza, embora o governo diga

que o índice seja de 9%.

Ex-presidente que dirigiu o país após a crise de 2001, Duhalde (União Popular) é um antigo admirador de

Lula. Em 2003, após passar a faixa presidencial a Néstor Kirchner (morto em 2010), ele deixou a

Argentina de férias no avião do brasileiro, que viajou a Buenos Aires para a transmissão do cargo.

Duhalde lançou no mês passado o livro "De Tomás Moro al Hambre Cero" (de Thomas Morus ao Fome

Zero), com prólogo assinado por Lula, em que apresenta o programa como a principal solução para

combater a fome no país.

Lançado por Lula em 2003, o Fome Zero não decolou, sendo substituído depois pelo Bolsa Família, o

programa social de maior êxito em seu governo.

"Lula é muito relacionado ao combate à pobreza e é apontado como o responsável por transformar o

Brasil numa potência internacional. Isso impressiona muito o argentino", disse à FolhaRoberto Lavagna,

ex-ministro da Economia de Kirchner e candidato à Presidência derrotado na última eleição.