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Revista Brasileira de Geociências 41(2): 256-262, junho de 2011 Arquivo digital disponível on-line no site www.sbgeo.org.br 256 Micromorfologia aplicada a estudos geológico-geotécnicos Vitor Ribeiro Silos 1 , Helena Polivanov 1 , Leandro Victor dos Santos 1 , Antonio Soares da Silva 2 , Emilio Velloso Barroso 1 , Thiago Teles Álvaro 1 & Bruno Lima de Almeida Cruz 1 Resumo A micromorfologia é uma técnica de estudo de amostras não deformadas de solos e de rochas que permite, com a ajuda de técnicas microscópicas e ultramicroscópicas, identicar os constituintes elementares e as diversas associações destes (esqueleto, plasma, nódulos, poros), além de permitir precisar suas relações mútuas no espaço e, muitas vezes, no tempo. Para o preparo de uma lâmina é necessário a coleta do material em campo, impregnação com resina para seu endurecimento e a posterior laminação. Com as respectivas lâminas prontas realiza-se a descrição micromorfológica de cada amostra coletada. O presente estudo tem como objetivo contribuir, através da análise micromorfológica, no entendimento das características geológicas e geotécnicas de um perl de alteração de um cambissolo. A análise dos dados micromorfológicos permitiu auxiliar o entendimento do sistema de percolação de água nos diversos horizontes estudados. O horizonte C é o destacadamente mais arenoso entre os materiais analisados e a condutividade hidráulica é semelhante ao dos demais horizontes estudados. Pode-se justicar esse fato pela análise das laminas de micromorfologia, onde se vericou que os poros deste horizonte não são conectados, dicultando a circulação da água livremente. Com isso, pode-se concluir que a micromorfologia pode ser uma ferramenta importante para a compreensão de características geológico-geotécnicas de solos. Palavras-chave: micromorfologia, condutividade hidráulica de solos, solos. Abstract Aplication of micromorphology in geologic-geotechnic studies. The micromorphology is a ultramicroscopic and microscopy technique applicable for grounds and rocks studies in order to identify its primary components and their associations: skeleton, shapes, nodules and hollows. Based on micromorphology it is possible to recognize the mutual relations of those components in space and time. After soil obtaining, a thin section with a resin application is prepared to provoke the hardening allowing the cut. This study has the objective to contribute for the knowledge of the geologic characteristics that can indicate the behavior of an alteration prole of Cambissolo (INCEPTSOL). The analysis of the data allowed to infer about the systems of water percolation in several soil horizons. Horizon C is more outstandingly rich in sands when compared to the other horizons, but the hydraulic conductivity is very similar to the others horizons. In the images of thin laminas can be veried that the pore presence is not interconnected and, therefore, prevent the free circulation of water. It was possible to conclude that the micromorphology is an important tool for understanding the geologic-geotechnics characteristics and help in the interpretation of the geotecnic behavior. Keywords: micromorphology, hydraulic conductivity, soil. INTRODUÇÃO A micromorfologia vem sendo do- cumentada desde a década de quarenta do século passa- do (Kubiena 1938). É uma ferramenta importante que permite observar os componentes estruturais do solo na sua forma natural, possibilitando melhor visualização do comportamento da estrutura e do espaço poroso para a compreensão de muitos problemas identicados no campo, em diversas áreas da ciência do solo (Brewer 1976, Leprun 1979, Bullock et al. 1985). Essa técnica é uma complementação às análises realizadas convencionalmente, em questões associadas à gênese e manejo dos solos, a biologia do solo, a ge- otecnia e a geologia de engenharia e ambiental entre outras. Sua utilização auxilia na compreensão da mi- neralogia, química e física dos solos; análises das suas transformações estruturais; estudos da atividade bio- lógica no solo; qualicação e quanticação do índice de vazios; caracterização dos agregados e indicação do seu comportamento mecânico; estimativa granulomé- trica; caracterização dos tipos de ligações estruturais; determinação do grau de isotropia e homogeneidade entre outras. Trabalhos pioneiros, usando análise de imagens para quanticar e caracterizar a porosidade de amostras de solos impregnadas, foram realizados por Jongerius et al. (1972) e Murphy et al. (1977 a, b). Bouma et al. (1977) introduziram o uso desta técnica no estudo da continuidade dos poros. Bullock & Thomasson (1979) zeram comparações de medidas de macroporosidade, derivadas da análise de imagens, com aquelas oriundas 1 - UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] 2 - UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: [email protected]

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Revista Brasileira de Geociências 41(2): 256-262, junho de 2011

Arquivo digital disponível on-line no site www.sbgeo.org.br256

Micromorfologia aplicada a estudos geológico-geotécnicos

Vitor Ribeiro Silos1, Helena Polivanov1, Leandro Victor dos Santos1, Antonio Soares da Silva2, Emilio Velloso Barroso1, Thiago Teles Álvaro1 & Bruno Lima de Almeida Cruz1

Resumo A micromorfologia é uma técnica de estudo de amostras não deformadas de solos e de rochas que permite, com a ajuda de técnicas microscópicas e ultramicroscópicas, identifi car os constituintes elementares e as diversas associações destes (esqueleto, plasma, nódulos, poros), além de permitir precisar suas relações mútuas no espaço e, muitas vezes, no tempo. Para o preparo de uma lâmina é necessário a coleta do material em campo, impregnação com resina para seu endurecimento e a posterior laminação. Com as respectivas lâminas prontas realiza-se a descrição micromorfológica de cada amostra coletada. O presente estudo tem como objetivo contribuir, através da análise micromorfológica, no entendimento das características geológicas e geotécnicas de um perfi l de alteração de um cambissolo. A análise dos dados micromorfológicos permitiu auxiliar o entendimento do sistema de percolação de água nos diversos horizontes estudados. O horizonte C é o destacadamente mais arenoso entre os materiais analisados e a condutividade hidráulica é semelhante ao dos demais horizontes estudados. Pode-se justifi car esse fato pela análise das laminas de micromorfologia, onde se verifi cou que os poros deste horizonte não são conectados, difi cultando a circulação da água livremente. Com isso, pode-se concluir que a micromorfologia pode ser uma ferramenta importante para a compreensão de características geológico-geotécnicas de solos.

Palavras-chave: micromorfologia, condutividade hidráulica de solos, solos.

Abstract Aplication of micromorphology in geologic-geotechnic studies. The micromorphology is a ultramicroscopic and microscopy technique applicable for grounds and rocks studies in order to identify its primary components and their associations: skeleton, shapes, nodules and hollows. Based on micromorphology it is possible to recognize the mutual relations of those components in space and time. After soil obtaining, a thin section with a resin application is prepared to provoke the hardening allowing the cut. This study has the objective to contribute for the knowledge of the geologic characteristics that can indicate the behavior of an alteration profi le of Cambissolo (INCEPTSOL). The analysis of the data allowed to infer about the systems of water percolation in several soil horizons. Horizon C is more outstandingly rich in sands when compared to the other horizons, but the hydraulic conductivity is very similar to the others horizons. In the images of thin laminas can be verifi ed that the pore presence is not interconnected and, therefore, prevent the free circulation of water. It was possible to conclude that the micromorphology is an important tool for understanding the geologic-geotechnics characteristics and help in the interpretation of the geotecnic behavior.

Keywords: micromorphology, hydraulic conductivity, soil.

INTRODUÇÃO A micromorfologia vem sendo do-cumentada desde a década de quarenta do século passa-do (Kubiena 1938). É uma ferramenta importante que permite observar os componentes estruturais do solo na sua forma natural, possibilitando melhor visualização do comportamento da estrutura e do espaço poroso para a compreensão de muitos problemas identifi cados no campo, em diversas áreas da ciência do solo (Brewer 1976, Leprun 1979, Bullock et al. 1985).

Essa técnica é uma complementação às análises realizadas convencionalmente, em questões associadas à gênese e manejo dos solos, a biologia do solo, a ge-otecnia e a geologia de engenharia e ambiental entre outras. Sua utilização auxilia na compreensão da mi-neralogia, química e física dos solos; análises das suas

transformações estruturais; estudos da atividade bio-lógica no solo; qualifi cação e quantifi cação do índice de vazios; caracterização dos agregados e indicação do seu comportamento mecânico; estimativa granulomé-trica; caracterização dos tipos de ligações estruturais; determinação do grau de isotropia e homogeneidade entre outras.

Trabalhos pioneiros, usando análise de imagens para quantifi car e caracterizar a porosidade de amostras de solos impregnadas, foram realizados por Jongerius et al. (1972) e Murphy et al. (1977 a, b). Bouma et al. (1977) introduziram o uso desta técnica no estudo da continuidade dos poros. Bullock & Thomasson (1979) fi zeram comparações de medidas de macroporosidade, derivadas da análise de imagens, com aquelas oriundas

1 - UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] - UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E-mail: [email protected]

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da retenção de água, método comumente utilizado na determinação da distribuição do tamanho de poros. Yu-rong et al. (2006) fi zeram o uso da micromorfologia para ajudar no controle de escorregamentos de solos e Wongpokhoma et al. (2008) utilizaram o estudo micro-morfológico para quantifi car o efeito da salinidade nos solos da Tailândia.

No Brasil, a micromorfologia teve início na década de 70 com trabalhos que tinham como obje-tivo descrever características micromorfológicas, tais como cutans (Falci & Mendes 1973), técnicas de im-pregnação de amostras de solo (Mendes et al. 1973); gênese de pequenos agregados arredondados (Moura Filho & Buol 1976); e como técnica auxiliar para inter-pretações pedogenéticas (Dematté et al. 1977). Atual-mente a micromorfologia vem sendo usada para traba-lhos aplicados, podendo-se citar Juhász et al. (2007), os quais estudaram o uso dos atributos da micromorfo-logia, como a porosidade, relacionados com a retenção de água no solo. Oliveira (2006) buscou, através da micromorfologia, estudar a evolução do grau de intem-perismo de um perfi l de solo.

O fator motivador para este estudo é a aplica-ção da micromorfologia para a compreensão do com-portamento geotécnico de solos residuais e coluviais, levando em consideração, principalmente, o que con-cerne aos padrões estruturais dos materiais analisados. Os parâmetros estruturais infl uenciam diretamente no desempenho de solos em obras civis e na percolação de fl uidos e transporte de contaminantes através dos mes-mos. Outro fator é a possibilidade da defi nição das ca-racterísticas microestruturais que possam servir como indicadoras da evolução do grau de intemperismo de perfi s de solos, associando essas características com o comportamento hidráulico dos solos.

A área de estudo está compreendida dentro da Faixa Ribeira (Almeida et al. 1973), mais precisamen-te no Arco Magmático Rio Negro (Tupinambá 1999). As unidades inseridas dentro deste contexto são: Com-plexo Rio Negro, Batólito Serra dos Órgãos, Granito Teresópolis, Diques e Coberturas Aluvionares. A uni-dade mais representativa da área é o Batólito Serra dos Órgãos, que ocupa cerca de 60%, quase o dobro da área coberta pelo complexo Rio Negro que ocupa 33%, enquanto que as intrusões pós-tectônicas da unidade Granito Teresópolis ocupam 6%. O 1% restante são os diques e as coberturas quaternárias (Santos 2008).

Geomorfologicamente, Dantas et al. (2000) inse-riram a área na unidade Geomorfológica Escarpas das Serras do Couto e dos Órgãos. Esta unidade consiste em uma muralha montanhosa, alçada por tectônica, que delimita o recôncavo da Baía de Guanabara. Esta unidade caracteriza-se como uma barreira orográfi ca abrupta. É comum a ocorrência de movimentos de mas-sa nas escarpas fl orestadas, demonstrando o processo de evolução geomorfológica dessa unidade de relevo.

Os solos predominantes regionalmente são LA-TOSSOLOS (OXISOL) e CAMBISSOLOS (INCEPT-SOL). Os primeiros são desenvolvidos devido ao in-tenso intemperismo propiciado pelo grande volume de

chuvas que caem na área. Os CAMBISSOLOS estão associados aos locais mais íngremes, que promovem intensa remoção dos materiais intemperizados (Carva-lho Filho et al. 2000).

OBJETIVOS O presente trabalho tem como obje-tivo estudar as características micromorfológicas de um perfi l de CAMBISSOLO (INCEPTSOL) buscando compreender a sua evolução intempérica, através da identifi cação dos constituintes presentes na fração sóli-da e os arranjos ou modos de organização do esqueleto e plasma com os poros, correlacionando-os com a con-dutividade hidráulica desses materiais.

MATERIAIS E MÉTODOS Para o presente estudo foi selecionado um perfi l de CAMBISSOLO, situado próximo à rodovia BR-116, no bairro Jardim Meudon, no município de Teresópolis - RJ (Fig. 1), situado na região Sudeste do Brasil.

A região escolhida para este estudo apresenta um perfi l de solo desenvolvido in situ com uma cobertura coluvionar. Neste perfi l observou-se uma sequência de horizontes A-B-C (Fig. 2) com horizonte B pedologica-mente pouco evoluído, marcado pela presença de mine-rais herdados do material original, pouco intemperiza-do. O horizonte A possui pequena espessura, em torno de 40 cm, e é caracterizado por uma coloração marrom escura devido aos materiais orgânicos presentes. O ho-rizonte B apresenta uma espessura aproximada de 150 cm, sendo defi nido como horizonte B incipiente, de co-loração amarelada, textura média, cerosidade pouco ex-pressiva, com desenvolvimento de estrutura em blocos muito fraca, fragmentos e seixos provenientes da rocha original. O horizonte C guarda as características da de-composição mineral e textural da rocha-matriz. Apre-senta coloração avermelhada e textura arenosa (Fig. 3).

Para a realização da análise micromorfológi-ca foram executadas as seguintes etapas: amostragem de solo com estrutura indeformada (micromonólitos), impregnação, laminação, polimento e interpretação no microscópio (Fig. 4).

As amostras indeformadas, ou seja, extraídas com o mínimo de perturbação, mantendo sua estrutura e condições de umidade e compacidade preservadas, foram coletadas conforme a norma NBR-9604 e aco-modadas em pequenas caixas de papelão com dimen-sões de 7 cm x 5 cm e 4 cm de altura.

Estas amostras foram orientadas, possibilitando a identifi cação do topo do perfi l, viabilizando o estu-do da direção do transporte de material dentro do solo. Posteriormente, as mesmas foram secas ao ar livre para eliminação do excesso de umidade. Após esses proce-dimentos, foi realizada a impregnação dos blocos das amostras indeformadas com o objetivo de torná-las re-sistentes para que fossem laminadas. O material foi im-pregnado com uma mistura de resina plástica Araldite XGY-1109 100%, 10% de endurecedor HY-951 e 40 a 50% de acetona P.A. As condições de impregnação não devem afetar o arranjo dos constituintes ou mudar-lhes

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Figura 1 - Localização - imagem retirada do Google Maps (2006).

Figura 2 - Horizonte A sobrejacente ao B, diagnóstico do Cambissolo.

Figura 3 - Horizonte C com evidentes características da rocha de origem.

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A caracterização granulométrica foi realizada empregando-se os métodos do peneiramento e da sedi-mentação conjugados, segundo as recomendações pres-critas na norma NBR 7181 (ABNT 1984).

Nos ensaios de laboratório para a determinação da condutividade hidráulica dos horizontes do solo estudado, os corpos de prova foram obtidos por pun-cionamento de um cilindro de acrílico com 4,9 cm de

as propriedades ópticas. Desta forma, optou-se por uma resina plástica conhecida comercialmente como Aral-dite, que apresenta baixa toxicidade, endurecimento e polimerização mais rápidos e grau de contração mais baixo do que a da resina de poliéster.

Para cada amostra, foram realizadas pelo menos três sessões de impregnação por capilaridade obtida à vácuo seco, em intervalos de 24 h, para melhor penetra-ção da resina na amostra. Neste processo foi utilizada uma bomba de vácuo conectada a um dessecador que abriga a resina e as amostras. Com a polimerização, a amostra tornou-se rija, resistente, mas sem perder a estrutura original, o que permitiu proceder com o seu corte e a sua laminação. O endurecimento completo das amostras ocorreu após duas a três semanas. Houve essa diferença de tempo devido às diferentes características dos materiais.

Depois do endurecimento das amostras deu-se sequência à sua laminação. Cada bloco foi cortado em máquina de disco diamantado em duas partes e, por úl-timo, cada fatia foi polida em um disco em rotação com abrasivo e água (Fig. 5), até alcançar uma superfície lisa e plana o sufi ciente para ser colada em lâmina de vidro. As amostras coladas foram desbastadas e polidas manualmente com abrasivo (carborundum) até a espes-sura de 30 micra quando, fi nalmente, o material fi cou adequado para estudos microscópicos.

Figura 4 - Fluxograma contendo as etapas para a confecção de lâminas das amostras de solo. (a) coleta das amostras em perfi l de solo; (b) amostra de solo impregnada com resina; (c) serra para laminação; (d) lâmina de solo.

Figura 5 - Fase de corte, do solo impregnado por resina, para laminação.

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diâmetro no bloco de solo coletado no campo. O tubo de acrílico foi levado ao permeâmetro de carga cons-tante e foram seguidos os procedimentos de ensaio da NBR 13292 (ABNT 1995).

RESULTADOS OBTIDOS Os resultados dos en-saios de permeabilidade e análises granulométricas foram obtidos em (Santos 2008). Os percentuais gra-nulométricos para os horizontes A, B e C estão de-monstrados na tabela 1.

Os valores da condutividade hidráulica, determi-nados nos horizontes A, B e C, estão demonstrados na tabela 2.

Em cada horizonte foram realizadas as análises micromorfológicas e estas correlacionadas com os re-sultados granulométricos e da condutividade hidráuli-ca, buscando compreender as relações entre essas ca-racterísticas dos solos. As lâminas foram elaboradas para acrescentar informações sobre o solo estudado, permitindo o melhor entendimento da distribuição de seus microporos, microestruturas e microtexturas.

As observações de campo permitiram caracteri-zar o horizonte A como um colúvio (Fig. 6), os resulta-dos da micromorfologia mostraram que este é um hori-zonte pouco retrabalhado devido ao pequeno transporte a que foi submetido. As evidências deste fato estão cal-cadas na observação das lâminas, onde foi constatada a presença de grãos muito angulosos e de feldspatos alterados (pseudomorfi sados) ao lado de feldspatos não alterados. A porosidade encontrada é caracteristica-mente cavitária e de empilhamento bem conectada, os agregados são ligeiramente arredondados e de tamanho pequeno. Logo, pode se associar a estas características micromorfológicas uma maior facilidade à circulação de fl uídos devido à alta conectividade dos poros.

O horizonte B (Fig. 7), apesar de maduro, ainda preserva características do material de origem, com mi-nerais pouco intemperizados, e não foram observadas

descontinuidades entre este horizonte e o localizado imediatamente abaixo. O horizonte B apresenta poros fi ssurais e cavitários assim como agregados de maior tamanho que aqueles presentes no horizonte A. No horizonte B, a presença de poros cavitários e fi ssurais oferece uma maior resistência à circulação de fl uídos. O plasma (fração argila) aparece em maior quantidade quando comparado com o horizonte C.

O horizonte C (Fig. 8) é um saprólito e preser-va as características da rocha de origem. A descrição das lâminas permitiu classifi car a porosidade como cavitária, que neste caso é resultante da dissolução de minerais, sendo essa pouco ou não conectada, promo-vendo um forte impedimento à circulação de fl uidos. Este horizonte marca o início da formação do plasma (alteroplasmação). Este plasma ainda não é sufi ciente para criar microestruturas pedogenéticas. No esqueleto as frações predominantes são areia e silte.

CONCLUSÕES Foi possível concluir que o horizon-te A é transportado e que os horizontes B e C são for-mados in situ a partir da evolução da alteração da rocha.

As porosidades dos horizontes pedológicos A e do B são mais funcionais do que a do horizonte C. No horizonte B a pedogênese possibilitou a formação de estrutura em blocos, à semelhança do que foi verifi ca-do no campo, e poros fi ssurais. Certas feições como, Tabela 1 - Porcentuais granulométricos.

Profundidade(cm)

Condutividade hidráulica(cm/s)

Horizonte A 40 4,7 x 10-3cm/sHorizonte B 190 5,4 x 10-3 cm/sHorizonte C 490 1,8 x 10-3 cm/s

Tabela 2 - Condutividade hidráulica.

Pedregulho Areia Silte ArgilaHorizonte A 9% 52% 14% 25%Horizonte B 12% 54% 15% 18%Horizonte C 4% 78% 16% 2% Figura 7 - Lâmina delgada do horizonte B.

Figura 6 - Lâmina delgada do horizonte A.

1000μm

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por exemplo, os box work de gibbsita, no horizonte A, quando associadas às características de campo e mor-fologia dos minerais (subangulares) são indicadores de que este horizonte é coluvial com transporte de curta

distância. No saprólito (horizonte C) a porosidade de dissolução de minerais é pouco conectada sendo um impedimento à circulação de fl uídos. Este horizonte apesar de arenoso, com elevados teores de silte e com grande volume de poros, possui condutividade hidráu-lica semelhante aos horizontes A e B, que são bem mais argilosos. A micromorfologia possibilitou demonstrar que um horizonte de textura arenosa e elevado volume de poros possui condutividade hidráulica da mesma or-dem de grandeza de solos mais fi nos, devido a pouca conectividade existente entre os seus poros.

A identifi cação de solos maduros, quanto a sua origem (residual ou transportado), é um aspecto que pode ser de difícil identifi cação no campo e é um proble-ma recorrente na Geologia de Engenharia, pois é distin-to o comportamento geotécnico de solos transportados e residuais. Dessa forma, a micromorfologia associada ao trabalho de campo demonstra ser uma ferramenta importante para essa distinção. A descrição micromor-fológica foi importante na compreensão do sistema de percolação de fl uidos nos horizontes estudados.

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Figura 8 - Lâmina delgada do horizonte C.

1000μm

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Manuscrito ID 16501Submetido em 30 de dezembro de 2009

Aceito em 01 de dezembro de 2010