Michelle Proença 2011

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Dissertação de Mestrado

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO

    MICHELLE ALVES MLLER PROENA

    LUDICIDADE NA EDUCAO INFANTIL: RELAES DA PRTICA DOCENTE NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA CRIANA NO MUNICPIO DE COXIM-

    MS

    CAMPO GRANDE/MS 2011

  • MICHELLE ALVES MLLER PROENA

    LUDICIDADE NA EDUCAO INFANTIL: RELAES DA PRTICA DOCENTE NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA CRIANA NO MUNICPIO DE COXIM-

    MS

    Dissertao apresentada ao Curso de Ps-Graduao em Educao, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre, sob orientao da Prof. Dr. Rosana Carla Gonalves Gomes Cintra.

    CAMPO GRANDE, MS 2011

  • MICHELLE ALVES MLLER PROENA

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao, do Centro de Cincias Humanas e Sociais, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, como

    requisito parcial obteno do ttulo de Mestre.

    COMISSO EXAMINADORA

    ______________________________

    Profa. Dra. Rosana Carla Gonalves Gomes Cintra Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    ______________________________

    Profa. Dra. Anamaria Santana da Silva Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    ______________________________

    Prof. Dra. Lucrcia Stringhetta Mello Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    ______________________________

    Prof. Dr. Wagner Corsino Enedino Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

    Campo Grande, _____ de ________ de 2011.

  • A Deus, autor e consumador de todas as coisas. Porque dele e por ele, para ele, so todas as coisas [...] (Rm 11:36)

  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo a Deus pela oportunidade de escrever essa dissertao, ao Esprito Santo que meu ajudador, consolador e amigo fiel e a Jesus Cristo, por direcionar a minha vida.

    A minha me Maria Alves, que sempre me incentivou a estudar e a superar os desafios da vida de estudos. Sua companhia e da Geovana, nos momentos de pausa de leitura e escrita desse trabalho, foram muito importantes para relaxar. Ao meu pai Raul Carlos, por sempre apoiar minhas decises, e alegrar-se nas minhas conquistas.

    Ao meu esposo amado Douglas, grande companheiro, obrigado por sempre me incentivar a continuar, a compreender as madrugadas de estudo e as viagens semanais a Campo Grande para estudar, voc faz parte dessa conquista.

    Aos meus irmos, Carlos Victor e Daniel, presentes de Deus na minha vida. At nos momentos de descanso, lembrava-me desse trabalho, pois o pequeno Daniel conta comigo para um bom futebol, vlei, pular corda e os demais suportes que temos em casa para brincadeira.

    A minha mentora intelectual, professora Rosana Cintra. sempre um prazer ser sua orientanda! Um bom relacionamento de amizade possibilitou um processo de escrita agradvel. Obrigada pela ateno nos momentos que precisei, por me receber em sua casa desde o perodo da Graduao e por todas as orientaes. Mesmo nos dias que vinha a Coxim no final de semana para coordenar a Especializao em Educao Infantil sempre teve a disposio em me atender. Por apresentar a pesquisa com muito amor e cientificidade, ensinar a trilhar os primeiros passos desde a Iniciao Cientfica em 2007, e me proporcionar tantas experincias tericas.

    Aos meus pastores queridos, Czar e Fabola, por sempre me incentivarem a avanar nos estudos. A todos da (RRP) Rede Radical Peniel, uma equipe que sempre traz alegrias. Ao meu cunhado Rafael e cunhada Priscila, por fazerem parte da minha famlia. O Rafael que j passou madrugadas restaurando meus documentos do netebook e instalando programas.

  • A minha tia Neusa, tio Edson e prima Glucia, que me acolheram em sua casa nos dias que ficava em Campo Grande para fazer o Mestrado, quanto carinho e ateno recebi de vocs. Ao meu av Rodolfo, que foi o primeiro mediador a proporcionar o gosto pela obra literria e o interesse pela leitura.

    Aos meus professores do curso Mestrado em Educao da UFMS, sem exceo, que contriburam significativamente para o amadurecimento dessa pesquisa. Aos meus colegas do Mestrado, pelas boas discusses que tnhamos nas disciplinas, em especial a Mirtes que se tornou uma amiga to especial. A todos os funcionrios da Secretaria do Programa de Ps-graduao em Educao, pela disposio em atender e pela eficincia, em especial a Jaqueline Mesquita, por sua ateno em tirar minhas dvidas at mesmo por telefone.

    A Linha de Pesquisa da qual fao parte, Educao, Psicologia e Prtica Docente, obrigada professoras Rosana Cintra, Jucimara Rojas, Lucrcia Stringhetta e Snia Urt por fazerem parte dessa conquista. Lembro-me do primeiro Seminrio da Linha de Pesquisa que participei em 2007 por meio da professora Rosana, essa experincia foi um marco na minha vida, pois comecei a alimentar o desejo de fazer parte desse universo de pesquisa do PPGEdu. Ao (GEPEMULT) Grupo de Estudos e Pesquisas em Educao e Mltiplas Linguagens, que responsvel pelo nascimento dessa pesquisa e tantas outras que surgiro ao longo do caminho. Ajudar o nascimento do GEPEMULT em Coxim-MS foi uma experincia inesquecvel.

    A toda equipe da CEI Ildon Torquato Ribeiro em Coxim, pela ateno em me receber como pesquisadora e as crianas do nvel IV pelo carinho e oportunidade de aprendizado com vocs.

    Assim, agradeo a todos que contriburam de forma direta e indireta nesse trabalho. E como expresso de agradecimento gostaria de compartilhar do processo de gestao dessa dissertao por meio da poesia: uma menina, o nome dela Ludicidade na Educao Infantil: relaes da prtica docente no processo de aprendizagem da criana, no municpio de Coxim-MS. que resolvi brincar um pouco com as palavras a partir de analogias, pois quem disse que brincar com as palavras tambm no coisa sria?

    Sou apaixonada por minha filha1. Ficava imaginando como iria ser quando crescer.

    1 Dissertao de Mestrado.

  • Lembro-me das consultas com minha mdica2, que com todo profissionalismo orientava como deveria me alimentar para o feto se desenvolver. No dava mole, teve um dia que disse que eu precisava me alimentar mais. Mas sempre levei a srio esse papo de ser me3, pois sei que uma gestao mal cuidada pode levar o beb desnutrio, anemia e pode at morrer. Graas a Deus que nas consultas, a menina sempre estava bem. Procurava tomar as vitaminas4 certinho, para ela crescer. Inclusive, s vezes, ligava para a mdica quando encontrava um fortificante5 que achava interessante. Quem disse que escapava do GEPEMULT6? Uma academia e tanto para fazer timos exerccios e esticar a musculatura. Contudo, uma gestao7 passa por percalos que refletem no nosso fsico. Quando viajava8, s vezes, passava mal, uma dor de cabea, enjo... Nessa hora, nada melhor do que ficar quietinha para relaxar. E a partir dos ossos, ou seja, pargrafos, ela foi formada, tendo como base para sua fortificao, autores conceituados como Vigotski, Moyles e Kishimoto. Fazia questo de lev-los nas viagens, inclusive, apresentei esse pessoal estudioso para umas mames. Como diz Arrojo, todo texto um verdadeiro palimpsesto9. Porm minha filha carrega dentro de si traos de sua me, pois como toda pessoa, ela no igualzinha a ningum, uma vez que ter as suas particularidades em sua gentica, e, claro, tambm ser produto do seu tempo e no escapou da influncia do meio em que vive. Fiz uma ultrassonografia10 para ver que vitamina estava faltando no organismo do beb, qual reparo precisava fazer para melhorar o desenvolvimento da criana. Aps o parto11 todos a conheceram e podero peg-la no colo. Espero que essa dissertao possa contribuir na formao de pesquisadores apaixonados pelo que fazem, que sintam prazer [...] um pouco de sabedoria e o mximo de sabor (Barthes, 2007, p. 45) por escrever assim como essa filhota proporcionou na minha trajetria do Mestrado em Educao. (PROENA, 2011)

    Obrigado, mdica Rosana que me acompanhar nesta gestao, doutores Anamaria, Lucrcia e Wagner, por contriburem no processo de formao da minha criana.

    2 Professora Doutora Rosana, orientadora da presente dissertao.

    3 Pesquisadora.

    4 Leitura dos referenciais tericos e pesquisa de campo.

    5 Autor que poderia contribuir para o trabalho.

    6 Grupo de Estudos e Pesquisas em Educao e Mltiplas Linguagens.

    7 Elaborao da dissertao.

    8 Moro na cidade de Coxim-MS, durante o ano de 2010 realizei as disciplinas do Mestrado em Campo

    Grande-MS. Em 2011, viajei apenas para participar das reunies do GEPEMULT e reunies com a orientadora individualizadas. 9 Para, (ARROJO, 2002, p. 23, 24) [...] o palimpsesto passa a ser o texto que se apaga, em cada

    comunidade cultural e em cada poca, para dar lugar a outra escritura (ou interpretao, ou leitura, ou traduo). A palavra palimpsesto se refere a um antigo material de escrita, um tipo de pergaminho, usado duas ou trs vezes, depois de passar por uma raspagem do texto anterior. 10

    Qualificao. 11

    Defesa.

  • "Brincar com crianas no perder tempo, ganh-lo; se triste ver meninos sem escola, mais triste ainda v-los sentados

    enfileirados em salas sem ar, com exerccios estreis, sem valor para a formao do homem."

    Carlos Drummond de Andrade

  • RESUMO

    O presente trabalho tem como objetivo analisar os principais aspectos que so relevantes na aprendizagem da criana, evidenciando a ludicidade a partir da mediao na Educao Infantil. O trabalho surgiu por meio de questionamento, que instigou pesquisa do Estado da Arte, realizada em Julho de 2010 e revisada em Julho de 2011, a fim de verificar os trabalhos desenvolvidos sobre o tema, alm de afirmar a necessidade dessa investigao no mbito social e cientfico. O estudo tem como aporte autores como Vigotski (2003, 2008), Moyles (2006), Kishimoto (2009), dentre outros, ressaltando o jogo, brinquedo e brincadeira como o ldico em ao. Como metodologia de pesquisa foi realizado levantamento, seleo e anlise das fontes primrias e secundrias referentes temtica, investigao da infncia e do histrico da Educao Infantil, estudo do conceito de ludicidade na infncia, teorizao e problematizao acerca da prtica docente e anlise dos dados. O vis metodolgico d nfase pesquisa qualitativa, para anlise das informaes dos sujeitos e dos dados coletados que evidenciam os principais aspectos que so relevantes na aprendizagem, com destaque para a ludicidade. Delimitamos a parte emprica do trabalho desenvolvida no Centro Educacional Infantil Ildom Torquato Ribeiro em Coxim-MS. A ludicidade foi encontrada na Educao Infantil a partir da Literatura infantil, na msica e nas brincadeiras. Os aspectos relevantes evidenciados destacam-se a seguir: o gosto pela arte a partir do contato com a literatura infantil e a msica; alm do conhecimento de temas como: incluso, preservao ambiental, preconceito, a noo de nmeros, conhecimento de algumas letras do alfabeto; compreenso e interpretao de textos; as cores; noo de ritmo; coordenao motora; a lateralidade; a expressividade; o aprendizado de regras; compartilhar; ampliao de viso de mundo e o autocontrole. Temos como matriz epistemolgica a Psicologia Histrico-Cultural de Vigotski, o qual contempla o pensamento marxista a partir da anlise da forma como o homem se relaciona com os meios de produo, e como a sociedade se organiza a partir de suas relaes e contradies.

    PALAVRAS-CHAVE: Educao Infantil; Ludicidade; Prtica Docente; Aprendizagem.

  • ABSTRACT

    The present work aims to analyze the main aspects that are relevant to the child's learning, showing the playfulness from the mediation in kindergarten. The work came about through questioning, which prompted the state of the art survey, conducted in July 2010 and revised in July 2011, to verify the work on the subject, and affirm the necessity of such research in the social and of science. The study is the authors contribution to Vygotsky (2003, 2008), Moyles (2006), Kishimoto (2009), among others, highlighting the game, toy and game as the playful action. The methodology of survey research was conducted, selection and analysis of primary and secondary sources related to the topic, research the history of childhood and early childhood and early chidhood education, study of the concept of childhood playfulness, questioning and theorizing about teaching practice and data anaysis. The methodological bias emphasizes the qualitative research, to analyze the data of the subjects and collected data that show the main aspects that are relevant to learning, with emphasis on playfulness. Delimited from the empirical work developed in the Child Educational Center in Cochin Ildom Torquato Ribeiro-MS. The playfulness was evident in Early Childhood Education from the Children's literature, in music and games. The relevant evidence submitted to the following: a taste for art from contact with children's literature and music, besides the knowledge of topics such as inclusion, environmental protection, prejudice, sense of numbers, knowledge of some letters of the alphabet ; understanding and interpretation of texts, colors, sense of rhythm, coordination, laterality, the expressiveness, the rule learning, sharing, expansion of world view and self-control. We as a matrix epistemological Historic-Cultural Psychology Vygotsky, which includes Marxist thought from the analysis of how man relates to the means of production, and how society organizes itself from its relations and contradictions.

    KEYWORDS: Early Childhood Education; Playfulness; Practice Teaching; Learning.

  • SUMRIO

    INTRODUO.......................................................................................................................13 CAPTULO I: UMA ABORDAGEM HISTRICA DA INFNCIA E EDUCAO INFANTIL...............................................................................................................................18

    1.1 Uma viagem bibliogrfica dos olhares sobre a criana: que infncia essa?...........18 1.1.1 A infncia no Brasil.....................................................................................................25 1.2 O processo de consolidao da Educao Infantil no Brasil: um breve relato...............29 1.3 Polticas pblicas para a infncia...................................................................................32 1.4 Conceito de Educao Infantil: cuidar versus educar....................................................37

    CAPTULO II: LUDICIDADE NA EDUCAO INFANTIL: CONTRIBUIES PARA A APRENDIZAGEM.................................................................................................40

    2. 1 Conceituando o ldico...................................................................................................40 2.2 A criana e a insero da ludicidade na Educao.........................................................44 2.3 Contribuies de tericos acerca da importncia do ldico para a Educao da criana..................................................................................................................................49 2.3.1 Vigotski: aspectos da teoria histrico-cultural............................................................50 2.3.2 Kishimoto: os jogos e as suas especificidades............................................................54 2.3.3 Moyles: consideraes sobre o brincar.......................................................................56 2.4 A utilizao do ldico como fator de aprendizagem......................................................60

    CAPTULO III: PRTICA DOCENTE NA EDUCAO INFANTIL A PARTIR DA PSICOLOGIA HISTRICO CULTURAL.........................................................................67

    3.1 Uma breve reflexo dessa prtica...................................................................................67 3.2 A prtica docente a partir de Vigotski............................................................................68 3.2.1 A prtica docente e a valorizao do espao na Educao Infantil.............................71 3.2.2 A prtica docente e o tempo na Educao Infantil......................................................75 3.2.3 por que valorizar o brincar na prtica docente?..........................................................81 3.3 A importncia da mediao............................................................................................86

    CAPTULO IV: A CONSTRUO DO PERCURSO METODOLGICO....................91 4.1 Como surgiu essa pesquisa?...........................................................................................91

  • 4.2 Constituio do olhar ao objeto de estudo a partir da matriz epistemolgica de Vigotski................................................................................................................................92 4.3 Estado da Arte................................................................................................................95 4.4 Percurso metodolgico da pesquisa emprica..............................................................101 4.5 Breve contextualizao dos Centros de Educao Infantil em Coxim-MS.................104 4.5.1 Conhecendo o Centro Educacional Infantil Ildom Torquato Ribeiro.......................106

    CAPTULO V: ANLISE DOS DADOS...........................................................................110 5.1 Literatura Infantil.........................................................................................................111 5.2 Msica..........................................................................................................................116

    5.3 Brincadeiras................................................................................................................. 121

    CONSIDERAES FINAIS..............................................................................................130 REFERNCIAS...................................................................................................................137 ANEXOS................................................................................................................................144

  • 13

    INTRODUO

    Ao abordar a temtica Ludicidade na Educao Infantil: Relaes da Prtica Docente no Processo de Aprendizagem da Criana no Municpio de Coxim-MS sabemos que de suma importncia que, no Centro Educacional Infantil, a infncia seja reconhecida por meio da ludicidade. Porm qual o significado do termo ldico que nos propomos a estudar? A origem do termo ldico est na palavra latina ludus, que quer dizer jogo. Conforme o dicionrio Aurlio (1986), o ldico se refere ao brincar, brincadeira e jogo de crianas. O ldico pode ser evidenciado no brincar livre e mediado/dirigido, desde que seja prazeroso criana. Portanto, a concepo de ldico no se pauta num simples passar de tempo sem suportes para a brincadeira, mas no sentido de que a brincadeira, o jogo e o brinquedo so componentes fundamentais na Educao Infantil, pois so promotores de aprendizagem significativa.

    Assim, o objetivo geral deste trabalho analisar os principais aspectos que so relevantes na aprendizagem da criana, evidenciando a ludicidade a partir da mediao na Educao Infantil. Os objetivos especficos destacam-se abaixo:

    - Levantar as referncias bibliogrficas de autores clssicos e contemporneos referentes temtica que engendrar a pesquisa;

    - Selecionar referncias bibliogrficas levantadas na rea da Educao, especificamente no que diz respeito Educao Infantil, relacionando as palavras: prtica docente, ludicidade e aprendizagem para a elaborao inicial da pesquisa bibliogrfica da dissertao;

    - Investigar o histrico da infncia e Educao Infantil;

    - Estudar o conceito de ludicidade na infncia e sua contribuio para aprendizagem;

    - Teorizar acerca da prtica docente na Educao Infantil a partir da psicologia histrico-cultural, bem como Vigotski (2008) v a mediao;

    - Explanar acerca da construo do percurso metodolgico;

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    - Realizar a coleta de dados a partir da observao, entrevista semi-estruturada e registro de imagens;

    - Analisar as investigaes realizadas no CEI Ildon Torquato Ribeiro, por meio da pesquisa qualitativa na perspectiva do materialismo histrico e dialtico, com o objetivo de levantar os principais aspectos que so relevantes na aprendizagem promovidos por meio da ludicidade.

    Quando nos propusemos a estudar a criana no locus da instituio de Educao Infantil na contemporaneidade, entendemos que esse pequeno ser no se encontra deslocado do conceito de que o homem scio-histrico. Dessa forma, ao iniciar a discusso terica do primeiro captulo, buscamos refletir acerca do termo infncia como uma construo histrica, visto que o olhar da sociedade sobre a criana depende do momento histrico. Para essa viagem bibliogrfica, trouxemos o clssico autor, considerado precursor do estudo referente histria da infncia: Philipe Aris (1981). Dentre as fontes para sua pesquisa, destaca-se a iconografia religiosa e os dirios de famlia. O foco de anlise centra-se na criana e a famlia na Frana Medieval, a partir da vertente de que no havia o sentimento de infncia durante o Antigo Regime da Idade Mdia. Nesse sentido, desenvolveu o conceito de que a criana era vista como um adulto em miniatura.

    Buscamos realizar um contraponto com as ideias de Aris a respeito da ausncia do sentimento de infncia at o final do sculo XVII, a partir do terico contemporneo Kuhlmann (2007), o qual afirma que, ao invs de afirmar que no existia o sentimento de infncia, seria melhor perguntar como foi ou como essa infncia.

    Com o entendimento de que o olhar sobre a criana depende do momento histrico, buscamos realizar uma breve reflexo referente infncia no Brasil, que j viveu momentos de escravido, Independncia e continua marcada pelas contradies que o modo de produo apresenta. Atualmente, vivemos numa sociedade capitalista, que reflete paradoxos, crianas pobres, ricas, marginalizadas e com a agenda repleta de atividades, sem tempo para brincar.

    A seguir, trouxemos um breve relato do processo de consolidao da Educao Infantil no Brasil, bem como a trajetria das polticas pblicas para a infncia, fundamentada em diferentes documentos legais: Constituio Federal de 1988, Estatuto da Criana e Adolescente (1990), Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (1996) e o Referencial

  • 15

    Curricular Nacional para a Educao Infantil (2001), o qual afirma que o cuidar e o educar so indissociveis na Educao Infantil.

    No segundo captulo, dissertamos a respeito da ludicidade na Educao Infantil: contribuies para a aprendizagem, observando que o ldico fundamental no Centro de Educao Infantil, visto como uma necessidade da criana. Ao propor uma reflexo sobre a conceituao do ldico, trouxemos a contribuio terica de Huizinga (2007), em sua obra Homo Ludens, por ser a obra de referncia no assunto. Com inteno de compreender as mudanas que ocorreram na vida da criana, buscamos teorizar, de forma sucinta, a respeito do jogo, brinquedo e brincadeira desde a sociedade primitiva at a sociedade contempornea.

    Ao teorizar a respeito do ldico, enfatizamos o pensamento de autores contemporneos como Vigotski (2003), Kishimoto (2009) e Moyles (2002), os quais trouxeram significativas contribuies na rea da Educao Infantil, bem como a utilizao do ldico como fator de aprendizagem.

    No terceiro captulo, dissertamos a respeito da prtica docente a partir da Psicologia Histrico-Cultural. Por intermdio de Vigotski (2003), avaliamos a importncia do meio social para a Educao e o papel que o educador apresenta como organizador desse ambiente. Assim, refletimos a respeito da prtica docente e a valorizao do tempo, do espao e do brincar na Educao Infantil, pois:

    O espao na Educao Infantil constitudo como uma estrutura de oportunidades, uma condio que favorecer ou dificultar o processo de crescimento pessoal e o desenvolvimento das atividades instrutivas. Ser estimulante ou pelo contrrio, limitante em funo do nvel de congruncia em relao aos objetivos e dinmica geral das atividades que forem colocadas em prtica ou em relao aos mtodos educacionais e instrutivos que caracterizam o nosso estilo de trabalho. O ambiente de aula, enquanto contexto de aprendizagem, constitui uma rede de estruturas espaciais, de linguagens, de instrumentos e, finalmente, de possibilidades ou limitaes para o desenvolvimento das atividades formadoras. (FORNEIRO apud ZABALZA, 1998, p. 236)

    Dessa forma, o educador um mediador no Centro de Educao Infantil, possibilitando oportunidades da criana se expressar, por meio de atividades que interessem a criana. Nesse sentido, encerramos esse captulo argumentando a respeito da mediao.

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    No quarto captulo, apresentamos a construo do percurso metodolgico. A presente pesquisa surgiu a partir do interesse da pesquisadora em ser aluna bolsista de Iniciao Cientfica no ano de 2007, mesmo inserida no Curso de Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Campus de Coxim, interessou-se em pesquisar a rea da Educao Infantil, investigou a importncia do reconhecimento do tempo do ser criana, no sentido de valorizar o brincar na Educao Infantil, temtica essa que possibilitou monografia de concluso de curso. Porm como em toda pesquisa, ficaram lacunas a serem respondidas, dentre elas, destaca-se a seguinte: Quais so os aspectos relevantes na aprendizagem da criana, a partir do ldico mediado? Tal questionamento tem o objetivo de ser respondido a partir da dissertao de Mestrado.

    Sabemos que todo trabalho cientfico tem olhares diferentes, dependendo da perspectiva terica. Ainda, no quarto captulo, consideramos importante discutir a respeito da matriz epistemolgica que engendra a pesquisa. Vigotski (2008) nos leva a analisar a sociedade historicamente, o homem compreendido nas categorias dialticas: contradio e totalidade. Assim, deve ser estudado a partir do modo como produz suas necessidades materiais, ou seja, do modo de produo.

    Destacamos a respeito do Estado da Arte realizado em Julho de 2010, com inteno de verificar os trabalhos realizados sobre a temtica deste trabalho, alm de justificar sua relevncia cientfica e social. Nesse sentido, buscamos analisar os assuntos que vem sendo discutidos nas dissertaes, teses e artigos, verificando as lacunas existentes que poderiam dar sustentao a esse trabalho. Foi realizada consulta no Banco de Teses e Dissertaes da CAPES12 (Coordenao Nacional de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior) e no portal da SCIELO 13 (Scientific Eletronic Library Online), a partir do levantamento, seleo e anlise da produo acadmica com a temtica do objeto de estudo, tendo como palavras-chave: prtica docente, ludicidade e aprendizagem. Os trabalhos que tiveram a inteno de estudar o ldico na Educao Infantil concluram a partir da anlise dos dados que as educadoras no oferecem o brincar livre na Educao Infantil. Nas observaes sistematizadas realizadas no nvel IV do Centro Educacional Infantil Ildon Torquato Ribeiro em Coxim-MS verificamos que o brincar livre tambm se encontra restrito na prtica da professora. Porm, tivemos como objetivo analisar os principais aspectos que so relevantes

    12 Disponvel em . Acesso em: 13 Jul. 2010 e

    revisado no dia 15 de Jul. 2011. 13

    Disponvel em: . Acesso em: 13 jul. 2010.

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    na aprendizagem da criana a partir do brincar mediado, pois foi uma das lacunas encontradas nos trabalhos acadmicos que poderiam ser estudadas.

    Optamos por realizar um breve mapeamento dos Centros de Educaco Infantil no municpio de Coxim para, enfim, evidenciar de forma mais profunda o locus onde a pesquisa emprica foi realizada, no nvel IV, do CEI14 Ildom Torquato Ribeiro, em Coxim-MS, tendo como objetivo contribuir na Educao do municpio por no ter nenhuma pesquisa referente a esse assunto na instituio escolhida. No estudo de caso, para adentrarmos a realizada dos sujeitos da pesquisa, foi realizada a coleta de dados, por meio de observaes, registro em dirio de campo e fotografias, entrevista semi-estruturada e tabelas.

    Na anlise dos dados, buscamos relacionar a parte terica e emprica a partir da pesquisa qualitativa, tendo como objetivo verificar os principais aspectos relevantes na aprendizagem da criana, a partir da ludicidade mediada pelo educador do nvel IV do CEI Ildom Torquato Ribeiro, evidenciada a partir da literatura infantil, da msica e das brincadeiras.

    Finalmente, apresentamos as consideraes finais, sabendo que o ldico mais que direito da criana reconhecido legalmente, uma necessidade. Nesse sentido, a prxis deve resultar no ldico como processo integrante no bojo da Educao Infantil.

    14 Centro de Educao Infantil.

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    CAPTULO I: UMA ABORDAGEM HISTRICA DA INFNCIA E EDUCAO INFANTIL

    1.1 Uma viagem bibliogrfica dos olhares sobre a criana: que infncia essa?

    Saiba: Todo mundo foi nenm, Einstein, Freud e Plato tambm. Hitler, Bush e Sadam Hussein, quem tem grana e quem no tem. Saiba: Todo mundo teve infncia, Maom j foi criana, Arquimedes, Buda, Galileu e tambm voc e eu. (CALCANHOTTO, Adriana. Letra da msica Saiba)

    Atualmente, a infncia vista como um perodo especfico pelo qual todos passam. As fases da vida que o homem vive so definidas pela idade, com caractersticas especficas com o desenvolvimento do corpo e da inteligncia. Temos a fase da infncia que abrange os bebs e as crianas; em seguida, vem a fase da adolescncia, a fase adulta e a velhice. Porm por diversos perodos se questionou o tempo da infncia. De acordo com o dicionrio Larouse (1992) o termo infncia compreende o perodo da vida entre o nascimento e a puberdade. Segundo o Estatuto da Criana e do Adolescente (Lei n 8.069, de 13/7/90) at os 12 anos de idade incompletos, a pessoa considerada criana e a adolescente aquela entre os 12 e os 18 anos.

    Para discorrer acerca da temtica que engendrar esse trabalho: Ludicidade na Educao Infantil: relaes da prtica docente no processo de aprendizagem da criana no municpio de Coxim, a partir da anlise dos aspectos que so relevantes para a aprendizagem da criana por meio de uma prtica que tenha como prisma a ludicidade, intrnseco destacar o conceito de infncia. Segundo Aris (1981), como esta sofre transformaes em decorrncia dos elementos sociais, culturais, polticos e econmicos, no temos um conceito universal. Assim, o olhar para criana depende do momento histrico da sociedade.

    O sentimento de infncia foi construdo historicamente e a histria da criana foi marcada por diferentes olhares da sociedade. Nesse sentido, acreditamos ser impossvel pensar o presente, e refletir sobre, sem olhar para o passado. Assim, sentimos a necessidade de fazer um recorte terico a respeito da concepo de infncia como ocorreu a construo social de tal sentimento, a fim de que possamos refletir sobre a criana no sculo XXI, no locus da instituio de Educao Infantil.

  • 19

    Philipe Aris (1981), por meio da publicao de sua obra Histria social da criana e da famlia, considerado o precursor da histria da infncia, por meio de estudos realizados com variadas fontes, como a iconografia religiosa e leiga, dirios de famlia e cartas, analisando a representao da criana do sculo XII ao XVII. Seu objeto de estudo a criana e a famlia na Frana Medieval e sua tese a de que no existia o sentimento de infncia durante o Antigo Regime na Idade Mdia, sendo que a criana era vista como um adulto em miniatura.

    Aris (1981) descreve a respeito das idades da vida adulta, afirmando que a maneira de representar a cronologia do homem passou por diversas mudanas, indicando diferentes formas de representar os perodos. As representaes utilizavam-se dos elementos da natureza, fenmenos naturais e sobrenaturais, aspectos das crenas populares, dentre outros. Assim, as representaes da idade do ser humano pareciam abstratas. A infncia era definida como

    [...] a primeira idade a infncia que planta os dentes, e essa idade comea quando nasce e dura at os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce chamado de enfant (criana), que quer dizer no falante, pois nessa idade a pessoa no pode falar bem nem formar perfeitamente suas palavras [...] (ARIS, 1981, p. 36)

    Dessa maneira, a fase da infncia era vista pelo perodo que a criana no falava, alm das manifestaes no racionais. No se dava muita importncia para a criana, pois tal fase na vida seria uma condio a ser superada. De acordo com (ARIS, 1981, p. 10) [...] a passagem da criana pela famlia e pela sociedade era muito breve e insignificante para que tivesse tempo ou razo de forar a memria e tocar a sensibilidade [...]. A criana e o idoso no eram valorizados, pois no eram produtivos na sociedade.

    A construo do sentimento de infncia pode ser observada na lngua, nas manifestaes artsticas, nos jogos, no comportamento sexual, dentre outros. Portanto, faremos uma breve reflexo sobre tais temas, a partir das consideraes de Philippe Aris (1981).

    No sculo XVII, a burguesia adquiriu o hbito de definir palavra infncia contemplada no tendo em vista o carter biolgico, pois o termo infncia caracterizava a dependncia

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    econmica. S se saa da infncia ao se sair da dependncia ou, ao menos, dos graus mais baixos da dependncia. (ARIS, 1981, p. 42).

    At o sculo XVIII, no havia termos na lngua francesa que marcavam a

    diferenciao da infncia e da adolescncia. Crianas ou jovens eram representados pela palavra enfant. Nesse sentido, pode-se observar que havia uma despreocupao em empregar no cdigo lingustico o termo que expressamos hoje por infncia, representando a ausncia da singularidade com relao criana. A partir do sculo XVIII, especialmente nas famlias mais nobres, surgem as expresses para designar a infncia em francs (bambis, pichouns, fanfans).

    Com relao s artes, pode-se verificar, paulatinamente, o processo de descoberta da infncia. A criana era ignorada nas telas no sculo XII. Aos poucos, as crianas eram representadas nas telas, seja se crescessem, ou se morressem.

    Numa anlise de Aris a uma tela que desenvolve a cena do Evangelho em que Jesus pede que se deixe vir a eles as criancinhas (ARIS, 1981, p. 50), crianas se diferem dos adultos apenas no tamanho. At os traos do rosto e a musculatura reproduzem as caractersticas fsicas do adulto.

    Nos sculos XV e XVI d-se nfase iconografia leiga. De acordo com Aris (1981), as telas representam crianas que estavam sempre nos mesmos locais que o adulto, em reunies de trabalho, jogos, dentre outros. Alm disso, desenvolveu-se o gosto do pitoresco anedtico, ou seja, a representao de uma criana engraada.

    Aproximadamente, a partir do sculo XVIII, crianas um pouco mais prximas ao sentimento moderno comearam a surgir. Os artistas representavam um menino grande como uma criana, com afetao os traos graciosos e bem redondos e um pouco afeminados, porm no eram reproduzidos em escala reduzida da miniatura otoniana (ARIS, 1981, p. 52).

    Naquela poca, havia um alto ndice de mortalidade infantil, devido s precrias condies de vida. Geralmente, tinham muitos filhos, pois nem todos conseguiam sobreviver. No havia o entendimento que criana teria a personalidade de um homem. De acordo com (DEL PRIORE, 2002, p. 84) [...] o certo que, na mentalidade coletiva, a infncia era, ento,

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    um tempo sem maior personalidade, um momento de transies e por que no dizer, uma esperana.

    Com relao maneira de se vestir, a diferena entre a roupa do adulto e da criana era apenas o tamanho. No existia uma diferenciao dos modelos de roupas de criana, at mesmo porque o conceito de infncia no se baseava no conceito biolgico, mas de dependncia econmica. No que diz respeito s crianas filhas dos nobres, essa situao comea a ser alterada na Frana a partir do sculo XVIII, pois houve uma preocupao em buscar uma roupa adequada condio social, manifestando a diferena entre crianas e adultos.

    Aos poucos a criana ocupa espao central nas pinturas e telas. As famlias queriam

    ter seus filhos representados, mesmo sendo crianas. Tal costume comeou no sculo XVII e perdura at a sociedade contempornea, sendo que a partir do sculo XIX, a pintura foi substituda pela fotografia.

    Vejamos abaixo a tela de Philippe de Champaigne:

    Fonte: http://patatitralala.blogspot.com/2010/09/o-conceito-de-infancia-atraves-da.html

    A tela de Philippe de Champaige, datada de 1649, representa os sete filhos da famlia Harbert. Pode-se observar que as crianas menores no se vestem como adultos em miniatura. Conforme (ARIS, 1981, p. 70) [...] os dois gmeos (que aparecem na tela), que esto afetuosamente de mos dadas e ombros colados, [...] no esto mais vestidos como adultos.

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    Usam um vestido comprido, diferente daqueles das mulheres, pois aberto na frente e fechado ora com botes, ora com agulhetas: mais parece uma sotaina eclesistica.

    Surgiu uma nova tendncia na arte, a representao de crianas nuas tomou fora na segunda metade do sculo XVII.

    Por meio da compreenso da organizao de brincadeiras e jogos de determinadas comunidades, podemos entender, de certa maneira, a organizao social de tais povos, pois os jogos so manifestaes de sociabilidade.

    No dirio de Lus (futuro rei da Frana), havia a participao em brincadeiras com crianas e adultos. [...] esse menino de quatro a cinco anos brincava com o arco, jogava cartas, xadrez (aos seis anos) e participava de jogos de adultos, como o jogo de raquetes e inmeros jogos de salo. (ARIS, 1981, p. 86).

    Na sociedade contempornea, inconcebvel a participao de crianas em jogos de azar, fato que no perodo medieval certamente no se fazia restries, pois no existia o reconhecimento da condio do ser criana e das necessidades advindas desse perodo. As crianas estavam integradas no mundo dos adultos, fato que teve mudana a partir do sculo XVII. Houve uma separao de atividades nas quais crianas podiam ou no participar, o espao infantil foi separado do espao destinado aos adultos. De acordo com (ARIS, 1981, p. 104) [...] antes desconhecia, de preservar sua moralidade [da criana] e tambm de educ-la, proibindo-lhe os jogos ento classificados como maus, e recomendando-lhes os jogos ento reconhecidos como bons.

    Com relao ao comportamento sexual, no perodo medieval no se fazia restries esse assunto. Era comum a participao de crianas em situaes, as quais na sociedade contempornea, pode ser definido at como abuso. Vejamos a situao relatada por (ARIS, 1981, p. 125) na qual a criana Lus XIII [...] muito alegre, anota Heroard (o mdico de Lus XII), ele manda que todos lhe beijem o pnis. Outras situaes sero citadas, na qual pode-se observar certa aprovao dos adultos na insero de crianas a prticas sexuais:

    Ele e Madame (sua irm) foram despidos e colocados juntos com o Rei, onde se beijaram, gorjearam e deram muito prazer ao Rei. O rei perguntou-lhe Meu filho, onde est a trouxinha da Infanta? Ele mostrou o pnis dizendo No tem osso dentro papai. Depois, como seu pnis se

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    enrijecesse um pouco, acrescentou: - Agora tem, de vez em quando tm. (ARIS, 1981, p. 126)

    Portanto, com relao ao sentimento de infncia defendido por Aris (1981):

    [...] A descoberta do sentimento de infncia comeou sem dvida no sculo VIII, e sua evoluo pode ser acompanhada na histria da arte e na iconografia dos sculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do sculo XVI e durante o sculo XVII. (ARIS, 1981, p. 65).

    Aris (1981) enfatiza que a ideia de infncia teve sua origem a partir do momento histrico e social da modernidade, com a alta reduo dos ndices de mortalidade infantil. Mudanas culturais refletem nas relaes entre pais e filhos, ocasionando em transformaes, a criana passou a ser educada pela sua famlia, tal atitude caracterizou o surgimento do sentimento de infncia, chamados por Aris de paparicao e apego.

    Esse sentimento foi despertado pela ingenuidade, beleza e graa das crianas, fazendo que os pais aproximassem dos filhos. A partir de ento, a criana passou a distrair adultos, tornado-se se bichinhos de estimao. Conforme enfatiza (ARIS, 1981, p. 68):

    [...] ela fala de um modo engraado: e titota, tetita y totota [...] ela faz cem pequenos carinhos, bate, faz o sinal da cruz, pede desculpas, faz reverncia, beija a mo, sacode os ombros, dana, agrada, segura o queixo: enfim, ela bonita em tudo o que faz. Distraio-me em tudo o que faz. Distraio-me com ela a horas a fio [...].

    De acordo com Del Priore (2002) a partir da modernidade, a infncia passa a ser vista como um perodo de preparao para a vida. Nesse sentido, o espao escolar passa a ser o local dessa preparao.

    [...] a escolarizao, iniciada na Europa do sculo XVI e levada a cabo por educadores e padres, catlicos e protestantes, provocou uma metamorfose na Educao moral e espiritual da criana, em oposio Educao medieval feita pelo aprendizado de tcnicas e saberes tradicionais, no mais das vezes, ensinado pelos adultos da comunidade. A idade Moderna passa a preparar o futuro adulto nas escolas. A criana, esse potencial motor da histria, vista como adulto em gestao. (DEL PRIORE, 2002, p. 9)

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    Na obra de Kuhlmann (2007) Infncia e Educao Infantil: uma abordagem histrica, observamos um contraponto com as ideias de Aris sobre a ausncia do sentimento de infncia at o final do sculo XVII. Na escrita de (KUHLMANN, 2007, p. 22)

    O sentimento de infncia no seria inexistente em tempos antigos ou na Idade Mdia, como estudos posteriores mostraram. Em livro escrito pelos historiadores Pierre Rich e Daniele Alexandre-Bidon, por ocasio de uma mostra na Biblioteca francesa, em 1994, fartamente ilustrado com pinturas e objetos, arrolam-se os mais variados testemunhos da existncia de um sentimento da especificidade da infncia anteriormente ao sculo XVII. Os autores advertem que o estudo das imagens no poderia se contentar em trabalhar apenas a iconografia publicada nos livros de arte, fora de contexto.

    De acordo com Kuhlmann (2007), a histria contada por Aris (1981) teve como padro crianas de classe mdia, fato que confirma uma Educao diferenciada s duas infncias, da criana rica para a pobre.

    Infncia, todo mundo teve, resta saber como foi essa infncia, se o tempo de criana foi reconhecido ou se a infncia passou e deixou marcas to cruis, que difcil lembrar dessa fase na memria sem trazer algum tipo de tristeza. importante ressaltar que o momento histrico influencia toda a sociedade, assim como a criana tambm influenciada pela fase na qual se encontra, bem como o reconhecimento da sua infncia. Portanto, o olhar criana deve ser histrico, como podemos verificar no excerto abaixo:

    [...] preciso conhecer as representaes de infncia e considerar as crianas concretas, localiz-las nas relaes sociais, etc, reconhec-las como produtoras da histria. Desse ponto de vista, torna-se difcil afirmar que uma determinada criana teve ou no infncia. Seria melhor perguntar como , ou como foi, sua infncia. Porque geralmente se associa o ter infncia a uma caracterstica das crianas pobres. (KUHLMANN, 2007, p. 30)

    O Brasil sofreu influncias da Europa, mesmo com uma organizao social e poltica diferente. Nossa nao viveu diversos momentos, como a escravido de negros africanos, a dependncia entre colnia e metrpole, acontecimentos que refletiram na criana brasileira. Portanto, se torna necessrio uma reflexo acerca da infncia no Brasil.

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    1.1.1 A infncia no Brasil

    Fazendo um breve olhar na Histria do Brasil, observamos que passamos por uma transio de Independncia, mas na verdade temos muito que conquistar. Mulheres e homens no podiam se expressar, as primeiras pelo preconceito no que diz respeito ao gnero e os segundos, pela diferena de classe social. Imagine a criana nesse contexto, esse pequeno ser era ignorado e a vivncia de uma boa infncia demorou a surgir. Hoje, em pleno sculo XXI, se fizermos uma anlise a partir do materialismo histrico e dialtico, a sociedade a que estamos engendrados permeada de diferenas.

    O Brasil j sofreu diversas transformaes. O Pas passa por uma poca escravista, onde a criana negra tambm era vista como escravo fazendo-se presente em trabalhos, mesmo quando tinham, aproximadamente, de seis a onze anos. Infelizmente, quando completavam doze anos a sua vida era outra, se tornavam realmente escravos, podendo at ter uma vida sexual ativa. A criana branca tinha tratamentos pouco diferenciados, pois ainda no era valorizada pela sociedade patriarcal, ficavam geralmente com suas amas negras. Aproximadamente, aps os seis anos, iniciavam seus estudos, a aprender a se comportar melhor e ser mais bem vista pelos demais.

    Um estudo realizado por Del Priore (2002) aponta que no Brasil do sculo XVII as amas negras desempenhavam papel fundamental na construo da linguagem, fator que caracterizava a maneira diferente que os adultos comearam a ver as crianas. Palavras como dodi, pipi, cac, so exemplos de mimos dos adultos s crianas que refletiram na lngua.

    Nos relatos de naufrgios da Carreira da ndia possvel verificar a difcil separao de filhos e pais. No sculo XVII, mes demonstram, nos testamentos, a dor e a preocupao com o destino que seus filhos teriam. Escravas atemorizadas enviavam cartas tentando impedir que seus filhos fossem para a Guerra no Paraguai. E mesmo numa sociedade escravista, estrangeiros admiravam-se do carinho expressado pelas crianas. (DEL PRIORE, 2002, p. 11) analisa a mudana no comportamento da criana, fato que culminou em mudanas ocorridas ao longo da histria. Nos dias de hoje, educadores e psiclogos atnitos perguntam-se de onde vem o excesso de mimos e a falta de limites da criana brasileira.

    Conforme (FREIRE apud DEL PRIORE, 2002, p. 12) o menino que revela o homem. Podemos verificar essa afirmao apontando para as contradies permeadas na

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    nossa sociedade: temos uma desigual distribuio de renda, uma Educao marcada pelo escravismo, pois:

    [...] Como fazer uma criana obedecer a um adulto, como queria a professora alem que, na segunda metade do sculo XIX, vai s fazendas do vale do Paraba ensinar os filhos dos fazendeiros de caf, quando esses distribuem ordens e gritos entre os seus escravos? E no so apenas as crianas brancas que possuem escravos. As mulatas ou negras forras, uma vez que seus pais integraram-se o movimento de mobilidade social em Minas Gerais na primeira metade do sculo XVIII, tiveram tambm seus escravos. Muitas vezes, seus prprios parentes ou at meio irmos! Na sociedade escravista, ao contrrio do que supunha a professora alem, a criana mandava e o adulto obedecia. (DEL PRIORE, 2002, p. 12)

    No sculo XVIII, temos um acentuado crescimento urbano em cidades como So Paulo. Segundo Del Priore (2002), com o trmino da minerao, crianas andavam pelas ruas pedindo esmolas. Estatsticas criminais de 1900, revelam crianas de rua chamadas de pivettes, tinham uma infncia roubada, pois assumiam papis de ladres, furtavam e vadiavam nas ruas.

    Marx e Engels (2004) fazem uma anlise das consequncias da Revoluo Industrial na Europa, influenciando a explorao de crianas, as leis das fbricas que no cumpriam seus objetivos para a Educao, crianas eram deixadas aproximadamente por 3 horas na escola, o patro recebia semanalmente por isso. Alm disso, anteriormente a 1844, os certificados eram assinalados por professores analfabetos. O espao fsico era pssimo, as crianas encontravam-se no local apenas para receber o atestado de frequncia escolar. A lei fabril exigia das crianas que antes de comear a trabalhar, tinham por obrigao, frequentar a escola pelo menos durante 30 dias e no menos que 150 horas. Os meninos alternavam o trabalho com a frequncia escola, at atingirem 150 horas legais.

    Assim, afirmam que o capitalismo desfez a inter-relao do homem com os demais, pois o indivduo passou a representar uma fora de trabalho vendida a proprietrios dos meios de produo, com a ideia de uma aparente sobrevivncia, observa-se, assim, que o homem no livre, pois se tornou escravo do trabalho.

    Tal situao reflete no Brasil, com a entrada de imigrantes e o crescimento da industrializao, temos a imagem de criana no trabalho fabril (DEL PRIORE, 2002, p. 13). Crianas passam 11 horas diante de mquinas de tecelagem, com intervalo para descanso de

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    vinte minutos. A escravido foi abolida, porm muitas crianas continuam trabalhando intensamente, sem condies bsicas de alimentao, sade e Educao.

    Fonte: http://anaeluciana.wordpress.com/2007/06/12/dia-mundial-contra-o-trabalho-infantil

    A partir do sculo XIX, muitos filhos dos pobres transformavam-se em cidados produtivos na lavoura, diferente dos filhos da elite, que tinham acesso Educao, por meio do ensino realizado por professores particulares. Nesse sentido, a ocupao de crianas com baixa renda, era o trabalho precoce. Vejamos uma anlise realizada por Del Priore (2002) acerca de crianas trabalhadoras em algumas regies do Brasil:

    [...] No Nordeste quase 60% desses pequenos trabalhadores so analfabetos e entre eles a taxa de evaso escolar chega a 24%. No Sul do pas o cenrio no muito diferente. Trabalhando em lavouras domsticas ou na monocultura, as crianas interrompem seus estudos na poca da colheita, demonstrando que estar inscrito numa escola primria, no significa poder freqent-la plenamente. Assim, o trabalho, como forma de complementao salarial das famlias pobres ou miserveis, sempre foi priorizado em detrimento da formao escolar. (DEL PRIORE, 2002, p. 10).

    Conforme pesquisa realizada em 2005 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica), mais de 5 milhes de crianas e adolescentes de 5 a 15 anos de idade trabalham no Brasil. Apesar da Lei estabelecer que a idade mnima para o ingresso no mercado de trabalho seja com 16 anos, muitas crianas ainda so vtimas de explorao infantil15.

    15Disponvel em http://pt.wikipedia.org/wiki/Trabalho_infantil. Acesso em 27/03/11 s 16h30min.

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    Na sociedade contempornea, temos uma infncia metamorfoseada, marcada pela influncia da histria e pelas contradies que engendram o meio em que vivemos, por isso, temos que analis-la dialeticamente16.

    Ao verificar os estudos de Vigotski, possvel verificar a influncia que o capitalismo proporciona na infncia da criana, bem como seus aspectos negativos, como o individualismo, a mercadoria, o consumo, a alienao, dentre outros, uma vez que: O ambiente social contemporneo, isto , o meio da sociedade capitalista, cria, devido a seu catico sistema de influncias, uma contradio radical entre a experincia precoce da criana e suas formas de adaptao mais tardias. (VIGOTSKI, 2003, p. 199).

    A imagem abaixo representa crianas que so influenciadas pelo capitalismo:

    Fonte: http://alessandrafariaestiloemaquiagem.blogspot.com/2010_02_01_archive.htm

    No concurso de beleza, a criana se transforma em um adulto, carregada de maquiagem, com clios postios. normal o perodo de troca de dentes das crianas, mas veja a foto da menina com dentes postios. natural ver as crianas imitando as mes, querendo colocar os brincos, a maquiagem, at uma atividade ldica, mas, a partir do momento que se torna uma excessiva preocupao com sua imagem pessoal, j uma influncia negativa.

    16 Conforme (SAVIANE, 2008, p. 87), a dialtica a teoria que busca captar o movimento objetivo do

    processo histrico.

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    Aris (1981) avalia que a criana era considerada uma adulto em miniatura no perodo medieval, e hoje no muito diferente. Estamos num momento em que a sexualidade est aflorada, e a mdia um dos recursos ao qual a criana tem acesso. Queimar etapas nessa fase seria afastar a criana do seu momento de infncia, uma vez que:

    As crianas constituem hoje uma importante fatia do mercado, o que tem provocado um incremento da produo cultural voltada para a infncia, sobretudo daquela ordem da cultura do consumo e da cultura. O consumismo de nossa sociedade veicula pelos meios de comunicao de massa uma imagem de infncia feliz. Que esta busca os melhores brinquedos e marcas, tornando-se verdadeiros alienados. (BORBA apud OLIVEIRA, 2009, p. 15).

    Atualmente, as crianas tm ocupado lugar central no modelo econmico de nossa sociedade. Podemos verificar que existem paradoxos de infncia, de um lado, crianas bem cuidadas, tendo acesso a diversos bens e servios e, contraditoriamente, temos a criana marginalizada, sem condies mninas de existncia. Portanto, esse olhar acerca da criana necessrio, visto que a infncia uma construo histrica, pois as crianas tambm so sujeitos histricos, pois:

    [...] as propostas para agora no podem ser pensadas como coelhos a se tirar magicamente da cartola, mas precisam envolver uma profunda reflexo ancorada na prtica quanto aos resultados das pesquisas e na produo terica. (KUHLMANN, 2002, p. 13).

    Tal reflexo necessria para se estudar a criana contempornea que, atualmente, tem amparo legal para frequentar o Centro Educacional Infantil. Porm podemos observar que a infncia nem sempre foi reconhecida como uma fase na qual a aprendizagem significativa pode ser desenvolvida a partir da brincadeira no espao educacional.

    Assim, discutiremos a respeito do histrico da Educao Infantil, bem como as polticas pblicas.

    1.2 O processo de consolidao da Educao Infantil no Brasil: um breve relato.

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    O Processo de consolidao da Educao Infantil no Brasil foi marcado pela histria da infncia, da economia, enfim, foi construda pela influncia histrica. Conforme Kuhlmann (2007):

    Alm da composio de foras, a infncia, a maternidade e o trabalho feminino tambm so aspectos presentes na histria da Educao Infantil. No se pode deixar de reconhecer, ainda, que subjacente ao conjunto desses fatores, a questo econmica entendida de modo amplo, como o processo de constituio da sociedade capitalista, da urbanizao e da organizao do trabalho industrial evidencia-se como determinante. [...] (KUHLMANN, 2007, p. 77)

    No ano de 1899, ocorreu o marco inicial das primeiras propostas de instituies de Educao Infantil no Brasil. Foi fundado o Instituto de Proteo e Assistncia Infncia no Rio de Janeiro, e houve a inaugurao da creche da Companhia de Fiao e Tecidos Corcovado, pioneira Creche para filhos de operrios.

    Somente no dia 18 de maio de 1896, comeou o primeiro jardim de infncia oficial brasileiro, que ficava anexo escola Caetano de Campos, na cidade de So Paulo. Porm eram vistos como carter particular, porque era destinado burguesia. O modelo educacional baseava-se em ideias liberais, e A pedagogia na escola seguia os princpios de Froebel, com as crianas divididas em trs grupos de acordo com a idade, que variava de 4 a 6 anos. (VEIGA, 2007, p. 243)

    Em 1908, foi aberta uma escola de Educao Infantil dos 04 aos 07 anos, no governo de Brando. No entanto, conforme Veiga (2007), muitos setores da populao ainda estavam excludos do processo de Educao, alm disso, por mais que os filhos dos pobres tivessem acesso escola, a frequncia e a evaso eram significativas, pois as crianas estavam inseridas precocemente no mercado de trabalho.

    Em 1933, realizou-se uma Conferncia Nacional de Proteo Infncia. Foi observada por Ansio Teixeira a necessidade da criana no ser vista apenas no ngulo da sade fsica, pois seu desenvolvimento abrangeria facetas pedaggicas como habilidades mentais, socializao e importncia de brinquedos. (BRITES, apud KUHLMANN, 2000, P. 14).

    Loureno Filho (1959) realizou um discurso sobre a importncia do jogo nas questes pedaggicas, numa conferncia realizada na Escola Nacional Belas-Artes, na Abertura da II

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    Semana Nacional de Estudos, organizada pelo Cmite Nacional da Organizao Mundial de Educao Pr-Escolar.

    [...] no se pode tratar da pedagogia atual sem que se fale de jogo e atividades livres. Como hoje observam grandes filosficos, a cultura humana brota do jogo como jogo, e nele, e s por ele, vem a desenvolver-se. Pelo menos, o jogo anterior a qualquer construo da cultura, o que demonstra que por ele e que se manifestam as foras criadoras do homem. (LOURENO FILHO apud KULMANN, 1959, p. 2000)

    Kuhlmann (2000) afirma que, de certa maneira, as creches compartilharam de um clima pedaggico. No ano de 1952, o DNCr declara que, de 29 creches que foram pesquisadas, mais da metade tinham jardim-de-infncia. No texto do DNCr, citado por (KUHLMANN, 2000, p. 15), o texto dizia que nas creches existiam materiais importantes para a Educao, como veremos a seguir:

    Caixa de areia, quadros-negros, bolas, blocos de madeira, bonecas, lpis, tesouras, livros, papel, quadros, roupas de bonecas, pastas de modelos, livros de pano, pratos para bonecas, brinquedos de animais, puzzles, carrinhos de boneca, material de costura, caixinhas, cubos, embutveis, pianos, etc.

    Conforme Kuhlmann (2000), no ano de 1940, em Porto Alegre, houve a criao de jardins-de-infncia, concentrados em praas pblicas. O parque infantil comeou a ser formado em So Paulo, instituio vinculada ao Departamento de Cultura. No interior de So Paulo, Rio Grande do Sul, Recife, Minas Gerais, Bahia, Amazonas e Distrito Federal, houve a expanso do parque infantil no perodo de 1940.

    Em 1942, o DNCr projeta uma instituio que reuniria todos os estabelecimentos em um s: a Casa da Criana. Em um grande prdio seriam agrupados a creche, a escola maternal, o jardim-de-infncia, a escola primria, o parque infantil, o posto de puercia e, possivelmente, um abrigo provisrio para menores abandonados, alm de um clube agrcola, para o ensino do uso da terra. [...] (KUHLMANN, 2000, p. 10)

    O DNCr17, no ano de 1967, orienta a Igreja na implementao dos Centros de Recreao, indicao realizada como proposta de emergncia para o atendimento de crianas. Conforme Kuhlmann (2000), o plano foi realizado para cumprir as exigncias do UNICEF,

    17 Plano de Assistncia ao Pr-Escolar, do Departamento Nacional da Criana do Ministrio da Sade.

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    cumprindo as exigncias dos emprstimos internacionais. Alm disso, as instituies criadas no perodo de 1930 a 1950 tinham como preocupao maior a higiene e a sade das crianas.

    Aproximadamente, at o ano de 1960, ocorreu um processo lento nas instituies de Educao Infantil. Parte estava vinculada aos sistemas de Educao, com atendimento de crianas de 4 a 6 anos e a outra parte estava ligada aos rgos de sade e assistncia. Todavia, a partir desse perodo, houve um crescimento das creches na classe mdia. [...] esta tambm se ampliou no interior das classes populares, que buscavam alternativas para a Educao dos seus filhos pequenos, compatveis com as exigncias apresentadas pelo mundo do trabalho [...]. (Kuhlmann, 2007, p. 182).

    A expanso de Centros de Educao Infantil vive um crescimento desde o perodo de 1970 no Brasil, acompanhando a expanso de pesquisas a respeito dessa temtica.

    Portanto, podemos verificar por meio dessa breve anlise histrica, que a Educao Infantil sofreu mudanas e ainda sofre problemas em nossa sociedade contraditria. Conforme afirma Kramer (2002):

    Mas qualquer Educao Infantil contribui para o desenvolvimento humano e social? Tambm em termos qualitativos o trabalho realizado em creches e pr-escolas no ainda democrtico: muitas tm apenas carter assistencial ou sanitrio, que so importantes mas no substituem a dimenso educativa, social e cultural, cruciais para favorecer o desenvolvimento das crianas e seu direito de cidadania. A Educao Infantil como espao de socializao e convivncia, que assegure cuidado e Educao da criana pequena, no ainda realidade das creches e pr-escolas brasileiras. (KRAMER, 2000, p. 46)

    1.3 Polticas pblicas para a infncia

    A sociedade na qual estamos inseridos permeada de contradies, marcada pela luta das classes sociais. Nessa esteira de pensamento, observa-se que Somos um povo formado do desterro, em uma histria de colonizaes, aculturaes, conflitos, genocdios, exploraes [...].(KUHLMANN, 2000, p. 6).

    No perodo colonial, a Histria da Educao comeou por meio dos jesutas, os quais chegaram em 1549, comandados pelo padre Manuel de Nbrega. Nesse momento, a Igreja

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    exercia poder sobre a Educao. Segundo Lajolo e Zilberman (2002), houve uma mudana na dinmica educacional, pois o Marqus de Pombal expulsou os jesutas e trouxe a Educao laica, os contedos baseavam-se nas cartas rgias.

    Em 1878 ocorreu uma reforma criada por Lencio de Carvalho18 na qual surgiu uma preocupao com a Educao na pr-escola. Foi Joaquim Teixeira quem trouxe a legislao educacional at ns. Os alicerces para o jardim de infncia se encontravam nas ideias de Pestalozzi19 e Froebel20 (fundador do jardim de infncia na Alemanha), os quais defendiam que a criana necessitava ser tratada com carinho.

    Com a Abolio e chegada da Proclamao da Repblica (1889-1930), temos melhoria dos meios de comunicao, ampliao das grandes cidades, dentre outros. Aps mudanas marcadas pelo crescimento na urbanizao, a Educao passou a ser vista de maneira diferente, como se por meio dela a histria do Brasil fosse transformada. No entanto, houve muitas reformas na Educao, mas neste perodo a pr-escola ainda no foi lembrada.

    importante ressaltar que, com a abolio da escravatura, o trabalho livre21 ocupou o lugar do trabalho escravo, que marcou as diferenas sociais: classe dominante, exercendo poder por meio das terras e meios de produo, em contradio ao restante da populao desprovida da riqueza produzida socialmente e de condies materiais melhores de vida.

    No ano de 1932, podemos verificar o Manifesto dos Pioneiros, que em seu documento, constavam ideias de uma escola gratuita, obrigatria e laica, numa tentativa de trazer para o interior da Repblica as classes menos favorecidas. Nasceu a Escola Nova, tendo como princpio a reorganizao social por meio da escolarizao.

    18 Disponvel em www.uff.br/feuff/departamentos/docs.../educacao_infantil_e_leis.doc. Acesso em

    06/07/09 s 15 horas. 19

    Para Peslalozzi (1746) o professor se comparava a um jardineiro que deveria cuidar de suas plantas com muito cuidado, dando amor para elas se desenvolverem em seu processo natural. Assim, o aprendizado seria muito influenciado pelo aluno que aprendia a partir do contato com a prtica. 20

    Froebel (1782) j trabalhava com o ldico sem nem mesmo ouvir falar disso. Para o estudioso, o desenho e atividades que envolviam ritmos eram fundamentais, pois chamavam a ateno dos membros do corpo da criana que passaria a se conhecer melhor, bem como as histrias e contato com a natureza que trazia desenvolvimento agradvel. 21

    De acordo com Marx e Engels (2004), o modo de produo capitalista caracterizado pela explorao, acarretando na alienao do trabalhador. O capital apropria-se da fora de trabalho e a objetiva, gerando a mais-valia.

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    Dentre os pioneiros do escola-novismo, destacam-se Loureno Filho (1877-1970), Ansio Teixeira (1900-1971) e Fernando de Azevedo (1894-1974). Tais autores tinham uma viso filosfica e, por isso, no podemos v-los apartados do seu locus de produo, com discursos na rea da Filosofia, Sociologia e Psicologia. Observamos neles uma viso positivista, ligados moral econmica e ao iderio republicano. Tais liberais apoiaram o desenvolvimento de uma Educao livre, numa preparao para o mercado de trabalho. Nesse perodo, dentre iderios da Escola Nova, observa-se centralidade na escola e a centralidade da criana na aprendizagem, dessa maneira:

    O que ficou conhecido como Manifesto dos Pioneiros, nos anos de 1930, configura uma espcie de sntese de embates travados do final do sculo XIX at os anos de 1930 e, ao mesmo tempo, um iderio que matiza a Educao at o presente. De fato, a anlise do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova sinaliza que o mesmo conjugava intelectuais vinculados ao liberalismo conservador, como Loureno Filho, ao liberalismo social, como Ansio Teixeira, e uma perspectiva que guarda relao com teses socialistas, como Pascoal Leme. (FRIGOTTO, 2005, p. 228)

    Podemos considerar o Manifesto dos Pioneiros um dos documentos mais importantes da Histria da Educao no Brasil. A criana era vista nesse perodo pelo Estado de maneira homogeneizada (a-histrica). Assim, o Estado liberal fortaleceu-se, agindo como se no estivesse vinculada aos interesses de uma classe social, alm de agir como se superasse os conflitos sociais, pois:

    [...] Os movimentos por Educao que comeavam a se articular, em especial o da Escola Nova, fundamentavam-se nos princpios da psicologia do desenvolvimento que despontava e crescia de importncia nos Estados Unidos e na Europa. (KRAMER, 1982, p. 58)

    O golpe militar implantou um regime militar no Brasil, disseminando uma mentalidade tecnicista no ensino. Podemos verificar a influncia do regime de exceo na educao. Rotinas marcadas por uma organizao militarizada, com crianas dispostas em fileiras e com atividades reprodutivistas, sem proporcionar a criana reflexo, ensinado as crianas a mera reproduo de atividades.

    De acordo com Monarcha; Nvoa (2005, p. 256) [] a nao brasileira surgiu historicamente como parte dependente do sistema capitalista mundial, em sua fase concorrencial.

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    A partir do ano de 1960, houve a insero de diversos profissionais na Educao Infantil, como pedagogos e psiclogos, fato que influenciou a rotina das crianas. Assim, Queiroz (2009) afirma que teve uma ateno ao desenvolvimento das habilidades infantis, a insero de brincadeiras, jogos e a organizao do espao.

    Promulgada no ano de 1961, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional n 4.024, em seu artigo 23 e 24, citou a Educao Pr-Primria, porm a lei no garantiu recursos por parte do poder pblico para a Educao Infantil.

    Em 1965, a UNICEF promoveu a Conferncia Latino-Americana sobre a Infncia e a Juventude no Desenvolvimento Nacional, com intuito de oferecer baixo custo para a Educao, apoiado na ideologia do desenvolvimento da comunidade. (KUHLMANN, 2000, p. 11).

    No ano de 1981, o Governo Federal procurou responder s crticas de insatisfao Educao Infantil, lanando um Programa de Educao Pr-escolar: o PROAPE. Com efeito, Abrantes apud Almeida (1984) afirma que esse programa revelou-se fundado nas concepes liberais de Educao que, de maneira ingnua, no percebeu as diferenas sociais acarretadas histrica e socialmente por meio do sistema, omitindo as maneiras de excluso que o prprio sistema educacional proporciona. Conforme (SILVA, 2000, p. 85)

    Na verdade, o atendimento criana no Brasil diferenciado conforme os segmentos de classe. [...] Para as crianas ricas, a Educao pr-escolar, com mtodos e atividades pedaggicas voltadas para o desenvolvimento social, cognitivo e de outras habilidades, j era oferecida, inclusive pelo poder pblico desde as primeiras dcadas da Repblica. Para os pobres, o atendimento se resumia guarda, alimentao, cuidados com a sade e a higiene, e formao de hbitos de bom comportamento na sociedade.

    Em 1986 o Brasil comeou a se mobilizar. O Pas queria uma mudana na Educao, para isso eram formadas reunies, associaes e vrias organizaes para resolver esse problema que a sociedade vivia. Por meio desses movimentos surgiu uma sntese para a Assemblia Nacional Constituinte, ressaltando a importncia da criana, bem como o adolescente. Em 1988 a Constituio Federal declara uma doutrina relacionada criana, apontado no artigo 227, tornando:

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    [...] dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, Educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-la a salvo de toda negligncia, explorao, violncia e opresso.

    Essa Lei reconheceu a criana como sujeito de direitos. A Constituio ressalta que os pais podem ter assistncia gratuita aos seus filhos e dependentes at os seis anos de idade nas creches e pr-escolas. Ocorre, todavia, que sabemos que ainda no ficou resolvido o problema da Educao Infantil, pois no basta uma conquista apenas no mbito formal, preciso uma dotao de recursos especficos para a Educao Infantil.

    Aps longas conversas, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, n. 9394/96, que est em vigor atualmente e aprova a primeira etapa da Educao Infantil como Bsica. Com relao aos educadores da instituio:

    A LDBEN determina ainda que cada instituio do Sistema de Ensino (portanto, tambm as instituies de Educao Infantil) dever ter um plano pedaggico elaborado pela prpria instituio com a participao dos educadores e de toda comunidade escolar e que os educadores devero ter, sempre que possvel, o curso superior e como formao mnima o curso normal com especializao em Educao Infantil. Para os que trabalham em creches e pr-escolas e no tem a formao exigida dever ser oferecida formao em servio. (GONALVES; PRADO, 2005, p. 49)

    Observamos que houve um avano significativo na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, a Lei n. 9394/96 foi determinante para a insero de cursos de formao de professor. No entanto, necessrio que haja prticas que priorizem uma Educao de qualidade.

    A Lei 11.114/05/2005 altera LDB/1996, incluindo a criana de 6 anos no Ensino Fundamental de 8 anos. A Resoluo CNE/CEB 03/08/2006, define normas nacionais para a ampliao do Ensino Fundamental para nove anos. A Educao Infantil abrange a faixa etria de at 3 anos de idade e a Pr-escola, crianas entre 4 a 5 anos de idade.

    Portanto, de acordo com a LDB, a Educao Infantil desenvolve-se no mbito da creche e da pr-escola, consideradas instituies de Educao Infantil, se diferenciando somente quanto faixa etria das crianas que atendem.

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    Com a Lei Federal 8069/90 (Estatuto da Criana e do Adolescente), chamado tambm como ECA, foram criados diretrizes municipais para atendimento aos direitos que as crianas e os adolescentes tinham. Tambm foi criado o Fundo Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente e o Conselho Tutelar dos Direitos da Criana e do Adolescente. Assim, perante a Lei as crianas passam a ter direito a creches e pr-escolas.

    Agora iremos apontar o RCNEI22. Sua funo serve para ajudar as polticas e tambm os programas de Educao Infantil. Esse documento versa que as crianas tm o direito de viverem nas instituies de maneira realizada e alegre, como observaremos a seguir:

    O Referencial aponta ainda que as experincias oferecidas s crianas devem estar embasadas em princpios como: o respeito dignidade e aos direitos das crianas, considerando-os nas suas diferenas; o direito a brincar; o acesso das mesmas aos bens scio-culturais disponveis; socializao sem discriminao de nenhuma espcie e o atendimento aos cuidados essenciais sua sobrevivncia e ao seu desenvolvimento. (MARTINS, 2005, p. 10)

    Fica grande parte desse legado aos educadores, fazer com que tais direitos se tornem uma realidade no cotidiano dos educandos, para que esses princpios estejam sendo agregados s crianas, de forma ldica, tornando o momento de aprendizado o mais interessante possvel.

    1.4 Conceito de Educao Infantil: cuidar versus educar

    O conceito de Educao Infantil como direito social recente na legislao brasileira. A viso reducionista do assistencialismo passou por transformaes ao longo da histria. Houve uma metamorfose na identidade da instituio de Educao Infantil. Surge outra concepo de criana, que j foi sem importncia para a sociedade, mas em pleno sculo XXI esse pequeno visto em todas as suas especificidades, como um sujeito de direitos perante a Lei.

    22 O Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil se constitui a partir das concepes de

    criana, infncia e Educao, com a proposta de a guiar e fundamentar a prtica pedaggica.

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    De acordo com Boff (1999, p. 34), se o homem no receber cuidado, desde o nascimento at a morte [...] desestrutura-se, perde o sentido e morre, o que significa que o cuidado que possibilita a existncia humana. A Educao faz parte da sociedade humana, na qual o homem desenvolve-se por meio da mediao.

    Conforme o RCNEI, a Educao Infantil tem como objetivo cuidar e educar, sendo tais funes indissociveis, pois educar: significa, portanto propiciar cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada, que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relao interpessoal (BRASIL, RCNEI, vol 1, 2001, p. 23). No que se refere ao cuidado na Educao Infantil, quer dizer [...] compreend-lo como parte integrante da Educao, embora possa exigir conhecimentos, habilidades e instrumentos que extrapolam a dimenso pedaggica (BRASIL, RCNEI, vol 1, 2001, p. 24).

    Um desafio para a Educao Infantil quanto ao cuidar e educar a figura do monitor ou auxiliar. Existem as diferenas de formao, da jornada de trabalho e salrios. As professoras devem ter o Magistrio ou Pedagogia e as monitoras devem ter o ensino fundamental. As monitoras tm uma jornada de trabalho integral e as educadoras apenas meio perodo. Quanto questo salarial, as monitoras ganham um salrio menor. Nas nomenclaturas: professor e monitor, j percebemos certa diferena de significado entre as duas funes, o que na prtica pode trazer alguns conflitos. Num estudo realizado por Wada verificou a distino entre as categorias: as professoras so reconhecidas para tratarem de questes ditas pedaggicas, de ensino-aprendizagem, e as monitoras so reconhecidas para tratar de questes ligadas aos cuidados fsicos, alimentares e higinicos. (WADA, 2003, p. 54). Dessa forma, podemos constatar a crise de identidade no que tange ao professor. Numa profisso que traz em seu passado o assistencialismo, mas que na atualidade tem um compromisso de ver a criana no como aluno e as brincadeiras no como aulas.

    Stuart Hall (1997), discute acerca das concepes de identidade da modernidade e da contemporaneidade. Identifica a identidade referente ao sujeito do Iluminismo. O homem visto como indivduo centrado, equilibrado, dotado de razo, de conscincia, de ao. No enfoque do sujeito sociolgico, no h uma identidade essencial, no h um indivduo passivo que se forme pela internalizao de valores culturais que so estabelecidos. Por ltimo, apresenta a concepo do sujeito ps-moderno, aponta para um sujeito fragmentado, composto de mltiplas identidades, sendo algumas contraditrias.

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    A partir das observaes sistematizadas no CEI Ildon Torquato Ribeiro em Coxim-MS, verificamos que a educadora orienta as crianas a chamarem ela de tia ou professora.

    O resgate do termo professora no apenas uma simples questo de semntica. Adotar essa maneira das educadoras serem chamadas representa um novo papel que a educadora tem na vida da criana, no dando a entender que parte da famlia.

    Paulo Freire (1997), afirma que ser professora assumir uma profisso, ser tia viver uma relao de parentesco. Assim, chamar a professora de tia traz uma ideologia que difere a profissionalizao da educadora. A criana precisa diferenciar o espao do CEI e de casa, percebendo que cada lcus tem a sua importncia.

    Ao longo da histria, podemos verificar que a Educao Infantil se deparou com diferentes funes. A partir de uma pesquisa relacionada organizao institucional em creches e pr-escolas. Gomes (2009) aponta para algumas faces na dinmica da Educao Infantil: o assistencialismo, uma Educao compensatria para suprir as carncias afetivas e sociais, preparatria para o ensino fundamental e, finalmente, com funo pedaggica.

    Entendemos que a Educao e o cuidado devem ser indissociveis na Educao Infantil. Mas, conforme Kramer (2003):

    No possvel educar sem cuidar. Ouso dizer que s uma sociedade que teve escravos poderia imaginar que as tarefas ligadas ao corpo e s atividades bsicas para a conservao da vida alimentao, higiene seriam feitas por pessoas diferentes daquelas que lidam com a cognio! S uma sociedade que teve escravos, que teve seu espao social dividido entre a casa-grande e a senzala, poderia separar essas duas instncias da Educao e entender que cuidar se refere apenas higiene, e no ao processo integrado, envolvendo a sade, os afetos e valores morais. (KRAMER, 2003, p.78)

    Existem conflitos entre o cuidar e o educar. Conforme Gomes (2009) a maneira que muitas famlias se relacionam com o Centro Educacional Infantil so permeados como favor, na qual a educadora vista como bab.

    Veremos a seguir a seguir as contribuies da ludicidade para a aprendizagem da criana.

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    CAPTULO II: LUDICIDADE NA EDUCAO INFANTIL: CONTRIBUIES PARA A APRENDIZAGEM

    2. 1 Conceituando o ldico

    O ldico no est pautado numa postura de educador que deixa a criana brincar apenas para passar o tempo, sem criar oportunidades para que a brincadeira acontea. O ldico proporciona prazer, pois as crianas realizam brincadeiras que gostam, ou seja, que as interessam. Essas brincadeiras podem ser livres ou mediadas pelo educador e podem trazer aprendizagem significativa criana.

    Nesse pensamento, reconhecemos a importncia das atividades ldicas na prtica docente e a sua influncia na aprendizagem da criana. Porm o que ludicidade? importante salientar que:

    Em grego, todos os vocbulos referentes s atividades ldicas esto ligados palavra criana (pas). O verbo pazeim, que se traduz por brincar, significa literalmente fazer de criana. [...] S mais tarde paignia passa a designar indiscutivelmente os brinquedos das crianas, mas so raras as ocorrncias. [...] Em latim a palavra ludribrum, proveniente de ludus, jogo, tambm no est ligado infncia e utilizado num sentido metafrico. [...] Quanto palavra crepundia, freqentemente traduzida por brinquedos infantis parece s ter adquirido sentido depois do sculo IV, e encontrlo- emos freqentemente na pluma dos humanistas renascentista [...] (MANSON apud QUEIROZ, 2009, p. 9).

    Veremos a seguir a discusso de um filsofo que disserta a respeito do ldico. Johan Huizinga, escreveu a obra Homo Ludens no ano de 1938, afirmando que o jogo no retratado como fenmeno biolgico, mas cultural, e tem que ser estudado numa tica histrica. Ainda, afirma que tanto as cincias quanto a antropologia tem dado pouca ateno ao significado do jogo, pois o ldico exerce um papel de suma importncia na sociedade.

    A partir do momento que o homem se v como protagonista da evoluo, no qual domina as demais criaturas, temos a denominao Homo sapiens, dotado de inteligncia e razo. A seguir, o homem usa a razo, fabricando objetos importantes para seu trabalho, demonstrando o carter materialista da sociedade, representado pela nomenclatura Homo faber. Porm surge uma terceira funo do homem, demonstrando que no menos

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    importante do que o raciocnio e a fabricao. O jogo destaca-se no perfil do ser humano, a partir da expresso Homo ludens.

    A caracterstica fundamental do jogo definida pelo divertimento, ou seja, a essncia do jogo est na alegria que este pode proporcionar. Devemos compreender o jogo como totalidade, pois o jogo tem uma realidade independente, por mais que uma lngua no tenha o termo que possa defini-lo, no tem como negarmos a presena do ldico.

    Assim, encontramos o jogo em todo lugar. Sua funo social, temos que entend-lo como fator cultural. Huizinga (2007) afirma que as atividades arquetpicas, a linguagem, o mito, o culto e a msica so marcados pelo jogo.

    No podemos afirmar que no jogo no encontramos a seriedade, pois o xadrez, alguns jogos de criana e o futebol so praticados sem a predominncia do riso. Todo jogo voluntrio, crianas brincam porque gostam. Portanto, dentre as caractersticas do jogo destaca-se o fato de ser livre, levar a evaso da vida real, ter limite de tempo e espao, ter ordem, ter regras e proporcionar a formao de grupos sociais com a tendncia a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferena em relao ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros semelhantes. (HUIZINGA, 2007, p. 16).

    Os estudos de Huizinga (2007) evidenciam o significado do jogo, do brincar, principalmente pela funo cultural, como caminho de construo do conhecimento e da cultura do homem, evidenciando o prazer e a diverso nas prticas ldicas. A partir de suas concepes podemos considerar a relao das artes com a ludicidade como mltiplas linguagens, presentes na essncia do homem desde a mais primitiva das civilizaes.

    O jogo para a criana no como o jogo do adulto. Quando o adulto o faz, afasta-se da realidade, mas a criana, quando joga, avana novas etapas de domnio do mundo que a rodeia. Alm disso, a autoestima tem a sua origem na infncia, e a interao social provocada pelo brincar contribui para esse processo.

    Dentre as caractersticas do jogo, destaca-se a liberdade, pois trata-se de uma evaso da vida real para uma esfera temporria de atividade com a orientao prpria (HUIZINGA, 2007, p. 11). Podemos observar o exemplo a seguir a respeito da caracterstica do faz-de-conta no jogo: O pai foi encontrar seu filhinho de quatro anos brincando de trenzinho na frente de uma fila de cadeiras. Quando foi beij-lo, disse-lhe o menino: No d

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    beijo na mquina, Papai, seno os carros no vo acreditar que de verdade. (HUIZINGA, 2007, p. 11)

    Outra caracterstica do jogo que ele pode repetir-se, alm disso, o jogo organizado, a desobedincia no momento do jogo pode desestrutur-lo. A noo de jogo definida de forma geral na obra Homo ludens:

    [...] O jogo uma ocupao voluntria, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espao, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatrias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tenso e de alegria e de conscincia de ser diferente da vida cotidiana. (HUIZINGA, 2007, p. 33).

    Essa noo de jogo abrange jogo de crianas, adultos, animais, ou seja, todo gnero de jogos, como o de fora e de sorte. Huizinga (2007) argumenta a respeito da expresso do jogo na linguagem, afirmando que a definio de jogo no foi apontada da mesma forma por todas as lnguas. No latim, o jogo definido com uma palavra: ludus, de ludere, de onde deriva diretamente lusus. [...] Ludus abrange os jogos infantis, a recreao, as competies, as representaes litrgicas e teatrais e os jogos de azar [...]. (HUIZINGA, 2007, p. 41).

    De acordo com a potica tem uma funo ldica, pois as formas de expresso poticas esto relacionadas ao jogo. Para tal afirmao, h uma investigao da natureza da criao potica, afirmando que o problema:

    [...] toca o prprio cerne de qualquer discusso das relaes entre o jogo e a cultura porque, enquanto nas formas mais complexas da vida social, religio, o direito, a guerra e a poltica vo gradualmente perdendo o contato com o jogo, que nas fases mais antigas se revestia da maior importncia, a funo do poeta continua situada na esfera ldica que nasceu. E na realidade, a poesis uma funo ldica [...]. (HUIZINGA, 2007, p. 133).

    Aristteles, filsofo da Grcia Antiga, a partir da Potica de Aristteles, j afirmava que o homem precisava extravasar seus sentimentos. Sua tese centrou-se na representao do ser humano. Seu efeito no expectador-leitor propicia a liberao de emoes por meio da catarse. O carter ldico j estava presente nesse perodo.

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    Desse modo, existe um fator ldico nos processos culturais. A competio ldica como impulso social mais antigo do que a cultura e a vida est intimamente acoplada a esse esprito ldico:

    [...] O ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se nutriu, a msica e a dana eram puro jogo. O saber e a filosofia encontraram expresso em palavras e formas derivadas das competies religiosas. As regras da guerra e as convenes da vida aristocrtica eram baseadas em modelos ldicos. Da se conclui necessariamente que em suas fases primitivas a cultura um jogo. No quer isto dizer que ela nasa do jogo, como um recm-nascido se separa do corpo da me. Ela surge no jogo [...]. (HUIZINGA, 2007, p. 193)

    Porm o elemento ldico pode afastar-se da cultura, conforme as mudanas na sociedade. No sculo XIX, o autor da obra Homo Ludens afirma que a cultura se afastou do jogo, tornando-se, como em nenhum outro tempo, to sria.

    [...] A cincia analtica e experimental, a filosofia, o reformismo, a igreja e o estado, a economia, tudo no sculo XIX se revestia da mais extrema seriedade. Mesmo em arte e em literatura, depois de passado o entusiasmo romntico, a imemorial associao com o jogo passou a ser considerada pouco respeitvel. [...] No h sintoma mais flagrante da decadncia do fator ldico do que o desaparecimento de todos os aspectos imaginativos, fantasiosos e fantsticos do vesturio masculino aps a revoluo francesa.[...] (HUIZINGA, 2007, p. 213).

    Tal afirmao pautada na anlise das roupas da poca. A fantasia, aos poucos, passou a ser retirada da moda, as cores, deram lugar ao neutro. No havia mais possibilidade de brincar de heri ou de guerreiro, pois suas vestes de gala tornaram o homem num cidado srio, com objetivo de impor respeito na sociedade por meio do vesturio. Os tecidos tornaram-se rudes e as cores alegres desapareceram.

    Pode-se verificar na obra uma reflexo a respeito do elemento ldico na sociedade contempornea. Houve a transio da diverso para a organizao de clubes, bem como competies organizadas. A partir do sculo XIX, os jogos vm incorporando um perfil mais srio, com regras mais rigorosas. Desafios novos so propostos e recordes so vencidos.

    Ora esta sistematizao e regulamentao cada vez maior do esporte implica a perda de uma parte das caractersticas ldicas mais puras. Isto se manifesta nitidamente na distino oficial entre amadores e profissionais (ou "cavalheiros e jogadores", como j foi hbito dizer-se), que implica uma

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    separao entre aqueles para quem o jogo j no jogo e os outros, os quais por sua vez so considerados superiores apesar de sua competncia inferior. O esprito do profissional no mais o esprito ldico, pois lhe falta a espontaneidade, a despreocupao. Isto afeta tambm os amadores, que comeam a sofrer de um complexo de inferioridade. Uns e outros vo levando o esporte cada vez mais para longe da esfera ldica propriamente dita, a ponto de transform-lo numa coisa sui generis, que nem jogo nem seriedade. O esporte ocupa, na vida social moderna, um lugar que ao mesmo tempo acompanha o processo cultural e dele est separado, ao passo que nas civilizaes arcaicas as grandes competies sempre fizeram parte das grandes festas, sendo indispensveis para a sade e a felicidade dos que nelas participavam. (HUIZINGA, 2007, P. 219, 220

    Nesse sentido, o homem precisa jogar como uma criana, para que as caractersticas essenciais do jogo no sejam perdidas. Portanto, verificar o contedo ldico na sociedade contempornea pode levar-nos a uma contradio. No exemplo citado por Huizinga (2007), o que denominado como jogo tem uma complexidade cientfica que se destaca, alm de uma organizao tcnica que podem ameaar o ldico em tal atividade. Sabemos que podemos perceber o brinquedo, a brincadeira e o jogo como objeto cultural que no isolado da sociedade, pois permeado de contexto histrico.

    Segundo Manson apud Queiroz (2009), tanto gregos quanto latinos elaboraram as primeiras reflexes acerca do lugar em que o brinquedo ocupava na vida da criana. As brincadeiras so passadas historicamente, mas por conta das transformaes da sociedade, brinquedos tradicionais vm sendo substitudos, a influncia do capitalismo trouxe criana brinquedos tecnolgicos.

    Dessa forma, para entendermos as mudanas que ocorreram na vida da criana, buscamos teorizar de forma breve acerca da brincadeira, do brinquedo e do jogo na sociedade Primitiva, Antiguidade, Perodo Medieval, Renascimento sociedade contempornea.

    2.2 A criana e a insero da ludicidade na Educao

    Os jogos, brincadeiras e brinquedos so influenciados pela infncia da criana, bem como o momento histrico que viveu. Nesse sentido Kishimoto (2006), ao fazer uma anlise histrica do jogo, afirma que:

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    Do ponto de vista histrico, a anlise do jogo feita a partir da imagem da criana presente no cotidiano de uma determinada poca. O lugar da criana ocupa num contexto social especfico, a Educao a que est submetida e o conjunto das relaes sociais que mantm com personagens do seu mundo, tudo isto permite compreender melhor o cotidiano infantil nesse cotidiano que se forma a imagem da criana e do seu brincar. (KISHIMOTO. 2006, p.7).

    Com efeito, o jogo nasce com as crianas e influenciado pelo modelo econmico da sociedade. Conforme Huizinga (2007), o jogo foi uma das ocorrncias mais antigas dentro das culturas na histria do homem.

    Na sociedade primitiva, as crianas aprendiam por meio da imitao nas atividades cotidianas, por meio da experincia adquirida por geraes passadas, sendo que a aprendiz