Michelle Lana Resende - As agências de meios de comunicação … · 2011-03-14 · (Anthony...
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Michelle Lana Resende
As agências de meios de comunicação norte-americanas nas Relações
Internacionais:
a liberdade de imprensa articulada pós 45 e a atuação da mídia na
Guerra do Iraque.
Belo Horizonte 2007
Michelle Lana Resende
As agências de meios de comunicação norte-americanas nas Relações
Internacionais:
a liberdade de imprensa articulada pós 45 e a atuação da mídia na
Guerra do Iraque.
Monografia apresentada ao Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais do Centro Universitário de Belo Horizonte - Uni-BH como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais.
Orientadora: Alexandra Nascimento
Belo Horizonte
2007
“Após o final da guerra, ele escreveu um segundo artigo,“The Gulf War did not happen”(“A Guerra do Golfo não aconteceu”) O que ele quis dizer com isso? Para Baudrillard, essa era uma guerra diferente das outras que a história registra; uma guerra da era da mídia, um espetáculo televisual, no qual, junto com outros telespectadores espalhados pelo mundo, George Bush e Saddam Hussein assistiam à cobertura da CNN para verem o que de fato estava “acontecendo”.
(Anthony Giddens)
Sumário Introdução................................................................................................................pág. 05 1. Referencial Teórico Gramsciano
1.1 Hegemonia e Bloco Histórico.................................................................pág. 08
1.2 Hegemonia e Relações Internacionais....................................................pág. 10
1.3 Hegemonia e Bloco Histórico Transnacionais........................................pág. 19
2. Evolução e atuação dos meios de comunicação no sistema internacional
2.1 Origem e expansão das agências internacionais de notícia ....................pág. 28
2.2 Pilares da liberdade de imprensa.............................................................pág. 34
2.3 Globalização, Capitalismo e Oligopolização das Mídias.. .....................pág. 40
3. Papel da mídia na Guerra do Iraque
3.1 Cobertura Jornalística na Guerra do Golfo (1991) .................................pág. 44
3.2 O Iraque, George W. Bush e Tony Blair.............................................pág. 47
3.3 A estratégia de comunicação dos aliados................................................pág. 54
Considerações Finais ................................................................................................pág. 59 Referências Bibliográficas.........................................................................................pág. 62
5
INTRODUÇÃO
A convergência tecnológica no campo das telecomunicações depois do advento da era
digital colocou a mídia como elemento fundamental da engrenagem da globalização
econômica e cultural, e ainda, como um dos setores mais dinâmicos da economia
internacionalizada, para o qual estão sendo canalizados os grandes investimentos dos
conglomerados transnacionais (VENÍCIO A., 2001). Nesse sentido, o trabalho aborda o
papel da mídia, que com o transcorrer do tempo, tornou-se elemento central na vida
econômica internacional atuando como palco privilegiado de disputas de poder político
na contemporaneidade.
Para tanto se fez necessário elaborar um capítulo abordando conceitos de Gramsci,
político e escritor que, por meio de um viés marxista, parte do pressuposto que o
conceito de hegemonia está atrelado ao Estado-Nação, no qual as mudanças na ordem
mundial remetem a transformações fundamentais nas relações sociais. O autor defende
a idéia de que essa relação de hegemonia tende a ultrapassar os limites de uma
determinada nação abarcando relações mais complexas e tendo como palco de atuação
a esfera mundial. Cabe ressaltar que segundo Gramsci, o Estado é a entidade primordial
nas relações internacionais, onde ocorrem os conflitos, logo, onde a hegemonia é
construída. (Ramos, 2006)
6
Gramsci defende a idéia de que em nível internacional a hegemonia é uma ordem
dentro da economia mundial, um modo dominante de produção que adentra em vários
países se atrelando a outros modos subordinados de produção. Sendo assim, a
hegemonia internacional pode ser compreendida como um conjunto das estruturas
econômicas, políticas e sociais, sendo expressa por meio de normas universais de
comportamento para os Estados e para forças da sociedade civil que atuam além das
fronteiras nacionais, e que amparam o modo dominante de produção. Nesse mesmo
contexto, o bloco histórico seria identificado como um elemento nacional no qual uma
classe hegemônica se manifestaria como um elemento internacional no momento em
que representa o desenvolvimento de uma forma peculiar de relações sociais de
produção (Ramos, 2006). Nesse sentido, uma vez que a hegemonia tenha sido
consolidada em âmbito doméstico, ela pode ir para além de uma ordem social particular
atuando em escala mundial.
Para este estudo se fez também necessário uma retrospectiva dos Comitês de
Comunicação com o intuito de se entender como a radiotelegrafia é elemento
primordial no histórico de ascensão das agências internacionais de notícia.
Posteriormente, são elencados diversos fatores que visam demonstrar que a emergência
de tais agências de notícias só foi possível no cenário internacional devido ao avanço da
globalização. Ou seja, a história de expansão da mídia está vinculada com a história de
expansão da globalização econômica. Desta forma, a mídia é retratada como uma
empresa transnacional de comunicação, partindo do pressuposto que ela está inserida
no mundo business, sendo assim, reproduzida a partir de interesses específicos.
7
No último capítulo do presente estudo são discutidas questões pontuais que visam
demonstrar a atuação da mídia na Guerra do Iraque (também conhecida como Segunda
Guerra do Golfo), com intuito de fazer frente ao discurso de mídia livre implementado
pelos Estados Unidos principalmente através da ONU no decorrer do período da Guerra
Fria. O Estado norte-americano difundiu essa idéia de liberdade de expressão como um
discurso ocidental contra a URSS no período da Guerra Fria com a finalidade de passar
a impressão de que somente existia essa liberdade de imprensa no ocidente. Contudo, a
reprodução de orações estabelecidas nas Conferências das Nações Unidas suscita
questionamentos acerca da cobertura jornalística efetuada neste conflito internacional,
posto que os Estados Unidos atuaram no campo de batalha direcionando as reportagens
a seu favor com o propósito de manter e reproduzir seus interesses e ideologias para
todo mundo.
8
1. O PENSAMENTO GRAMSCIANO
Gramsci escreveu suas teorias em uma prisão fascista entre 1929 e 1935. O antigo líder
do partido comunista italiano estava preocupado em entender os problemas das
sociedades capitalistas no período compreendido entre 1920 e 1930, bem como com o
significado do fascismo1, as possibilidades de construir uma forma alternativa de
Estado e uma sociedade pautada pela classe trabalhadora. Gramsci concentra atenções
na centralidade do Estado, no relacionamento entre a sociedade civil e o Estado, e na
ética e produção de ideologias. Entretanto, mesmo Gramsci não escrevendo sobre
relações internacionais, os pensamentos de tal autor ajudam a entender o significado
das organizações internacionais. Cabe também ressaltar que valores particulares estão
relacionados com seu conceito de hegemonia. (COX, 1993)
Os conceitos de Gramsci são derivados de suas reflexões sobre períodos históricos aos
quais ele vivenciou: suas experiências pessoais de lutas políticas e sociais que
envolvem sua participação na Terceira Internacional2 e sua oposição ao fascismo. As
idéias de Gramsci são sempre relatadas no seu próprio contexto histórico, ou seja, ele
1 O facismo é a expressão de uma crise estrutural profunda do capitalismo moderno, isto é, resulta da tendência do capitalismo monopolista a organizar o conjunto da vida social de uma maneira totalitária. (Bottomore, 2001) 2 A Terceira Internacional (1919-1943) foi fundada em Moscou por iniciativa dos bolcheviques, após a Revolução de Outubro na Rússia e numa época de grande agitação revolucionária na Europa Central. Lênin definiu o “reconhecimento da ditadura do proletariado e do poder soviético em lugar da democracia burguesa ”. (Bottomore, 2001:197)
9
visa ajustar seus conceitos para especificar as circunstâncias históricas. Um conceito no
pensamento gramsciano é vago e obtém precisão somente quando conectado a uma
situação particular que o ajuda explicar – uma conexão que também desenvolve o
significado do conceito. Essa é a força do historicismo gramsciano e nisso encontra-se
seu poder explanatório. (COX, 1993)
Os Cadernos do Cárcere3 englobam pensamentos relacionados com cultura e povo, o
processo de formação do Estado italiano, a história dos intelectuais bem como suas
relações com as massas. São mencionados problemas teóricos interligados à análise do
processo histórico que são sempre empregados de maneira concreta através de um
conciso objetivo político. No transcorrer das análises de Gramsci encontra-se sempre
presente uma linha de raciocínio que concerne à questão da hegemonia, muita vezes
restrita à sua situação na Itália, fazendo com que ele desempenhasse uma análise de
caráter nacional. Entretanto, os resultados de sua pesquisa acabaram tendo alcance geral
que abarcaram o desenvolvimento e a teoria do marxismo em sua totalidade. Cabe
ainda mencionar que também está presente nos Cadernos do Cárcere uma analogia
metódica entre Gramsci e Lênin, posto que em Gramsci, além do sentido de
especificidade histórica de Lênin existe também a idéia da relevância do sujeito
histórico, da consciência de classe, da concreticidade dos processos, da teoria
revolucionária e da iniciativa política. (GRUPPI, 1978)
3 Trabalhando em vários cadernos e diferentes temas, Gramsci esteve sujeito à censura da prisão às possibilidades incertas de acesso a fontes de informação, mas mesmo assim o autor escreveu 34 cadernos apontando o estudo das funções políticas dos intelectuais expostas nos Cadernos do Cárcere. (Bottomore, 2001)
10
1.1 Hegemonia e Bloco Histórico
É no volume denominado O materialismo histórico e a filosofia de Benedetto Croce
que o conceito de hegemonia foi cunhado por meio de bases teóricas gerais de maneira
mais precisa. Gramsci parte da idéia de que o homem é um filósofo pelos simples fato
de ser homem, por possuir uma linguagem, compartilhar um senso comum e possuir
uma concepção de mundo mesmo que essa não seja crítica. Por isso, os pensamentos de
tal autor estão vinculados à vida cultural das classes subalternas, dos camponeses e dos
trabalhadores. Sendo assim, Gramsci articula suas idéias voltadas para os problemas
oriundos da linguagem, alegando que todo homem está inserido em uma consciência
imposta pelo recinto em que ele vive. Na consciência humana ainda não consciente
(acrítica) estão presentes simultaneamente influências ideológicas diferentes e dados
díspares que se aglomeraram por meio de diversas estratificações culturais e sociais.
Com isso, a consciência do homem nada mais é do que o resultado de uma relação
social, sendo ela própria uma relação social. Nessa perspectiva, um processo de
formação crítica de interferência ativa e consciente no procedimento da história
mundial não é, para Gramsci, o resultado de uma reflexão pessoal. Na verdade, é o
resultado de um processo social de uma formação político-ideológica, em que o partido
possui um desempenho primordial. (GRUPPI, 1978)
Nesse sentido, Gramsci acredita que as classes sociais, subalternas ou dominadas, estão
inclusas em uma visão de mundo imposta pelos grupos dominantes, em que o ideal
dessas classes é pautado pela função histórica deles, e não pelos interesses das classes
11
subalternas. Suas ideologias chegam a essas classes subordinadas por meio de vários
canais, através dos quais as classes dominantes arquitetam sua influência e sua
capacidade de abarcar as consciências da coletividade, logo a própria hegemonia. O
autor menciona que o primeiro desses canais é a escola: a escola profissional é
direcionada para os que irão trabalhar em posições subalternas e a colegial voltada para
a classe dirigente da sociedade. A partir disso, Gramsci almeja uma escola média
unificada com pressuposto de possuir uma formação geral. O segundo canal é a religião
(Igreja), mais especificamente o catecismo, que através de seu livro fundamental torna
possível disseminar para grandes massas uma determinada visão de mundo. O seguinte
canal concernente à educação é o serviço militar, em que Gramsci atenta para o manual
do cabo, livro instrutivo que o guia, posteriormente forma os soldados e, finalmente,
produz e transmite toda uma mentalidade. É importante mencionar também os jornais
locais, para os pequenos episódios relacionados com a cultura local e para todas as
manifestações do folclore. Por isso, é necessário compreender a maneira pela qual
surge e se expressa uma consciência ainda subalterna, uma vez que somente através
dessa consciência elementar que se pode conduzir as massas para uma consciência
crítica. (GRUPPI, 1978)
Gramsci também concentra atenções para o cinema falado e também para o rádio pela
importância que eles podem assumir. Entretanto, se as classes subordinadas são
dominadas por uma ideologia que as alcança por meio de variados canais construídos
pelas classes dominantes, a ocorrência é que as reivindicações, as lutas e os
movimentos das classes subalternas vão de encontro com a concepção de mundo que
elas foram educadas. É nesse sentido que Gramsci indaga: “onde está a filosofia real,
12
tendo em vista a ocorrência dessa ruptura entre a concepção (que de resto não é
criticamente unificada) e a ação?” (GRUPPI, 1978:69). O autor responde que a filosofia
real precisa ser encontrada no agir, já que a filosofia de uma pessoa está na política
dessa pessoa. Por isso, Gramsci afirma que enquanto existir incongruência entre ação e
a visão de mundo que a orienta, a ação não deve ser consciente e também não deve se
tornar coerente, sendo sempre uma ação fragmentada, já que sempre haverá rebeliões e
depois uma certa passividade. Desse modo, a ação precisa ser guiada por uma
percepção de mundo a partir de uma visão unitária e crítica dos processos sociais.
(GRUPPI, 1978)
A dificuldade consiste em tornar clara a filosofia implícita na ação de cada um e na
ação dos grupos sociais, e para conseguir isso é necessário criticar a percepção imposta
às classes subalternas e superá-la com intuito de construir uma nova, na qual se
preserve a unidade entre teoria e prática, e entre política e filosofia que estão presentes
na classe dominante. E é justamente a falta dessa unidade entre teoria e prática que
caracteriza as classes subordinadas. Com isso, tais classes tendem a permanecer sempre
subalternas até o momento em que não progredir o processo de unificação entre política
e filosofia, entre ação e teoria. Portanto, é preciso estabelecer uma concepção nova, que
parta do senso comum, não para se manter presa ao senso comum e sim para recriminá-
lo e levá-lo ao que Gramsci denomina de bom senso: a visão crítica de mundo, que visa
preocupar com o vínculo entre a cultura e as grandes massas. Desta forma, a hegemonia
para Gramsci nada mais é do que a
“capacidade de unificar através da ideologia e de conservar unido um bloco social que não é homogêneo, mas sim marcado por profundas contradições
13
de classe. Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante até o momento em que, através de sua ação política, ideológica e cultural, consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploda, provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve à recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise política das forças no poder.” (GRUPPI, 1978:69)
Existem duas principais linhas de pensamento que nos guiam à idéia gramsciana de
hegemonia. A primeira surge dos debates da Terceira Internacional concernente à
estratégia da revolução bolchevique4 e a criação de um estado socialista soviético; e a
segunda provém dos escritos de Maquiavel. No traçar da primeira corrente, alguns
teóricos procuraram contrapor o pensamento gramsciano com o pensamento leninista
aliando Gramsci com a idéia de uma hegemonia do proletariado e Lênin com sua
ditadura do proletariado5. O importante é que Lênin referiu-se ao proletariado russo
como sendo uma classe dominante devido ao ditatorialismo e dirigente por obter
liderança com o consentimento das classes aliadas (notavelmente os camponeses).
Nesse sentido, Gramsci discute uma idéia que se inseria previamente nos arredores da
Terceira Internacional, em que os trabalhadores exerciam uma hegemonia sobre as
classes aliadas e as ditaduras exerciam sobre as classes inimigas. Ainda que essa idéia
fosse aplicada pela Terceira Internacional somente a classe trabalhadora liderou a idéia
de uma aliança de trabalhadores, camponeses e talvez alguns outros grupos
potencialmente mantenedores de mudanças revolucionárias. (COX, 1993)
4 A posição bolchevique partia de uma estratégia política que requeria o primado do engajamento ativo na prática política, com o partido político marxista como a “vanguarda” ou direção da classe operária. A tomada do poder pelo partido bolchevique na Rússia em 1917 repercutiu sobre os demais partidos socialista, e em 1921 a Internacional Comunista foi organizada a partir do modelo do partido russo. Desde então, o bolchevismo tornou-se um movimento de escala internacional. (Bottomore, 2001) 5 A ditadura do proletariado é a forma política na qual se relata o procedimento de conquista e de realização hegemônica. “O proletariado pode se tornar classe dirigente e dominante na medida em que consegue criar um sistema de alianças de classe que lhe permita mobilizar contra o capitalismo e o Estado burguês a maioria da população trabalhadora”. GRUPPI, 1978:05
14
A originalidade de Gramsci repousa no que concerne à primeira corrente, na qual o
autor aplica a idéia à burguesia devido ao aparato do mecanismo de hegemonia da
classe dominante. Isso torna possível distinguir casos em que a burguesia alcançou uma
posição de liderança hegemônica sobre outras classes. No norte europeu, onde o
capitalismo se estabeleceu primeiramente, a hegemonia burguesa foi mais completa,
ainda que houvessem concessões às classes subordinadas em retorno a condescendência
da liderança burguesa. Tais concessões foram capazes de contribuir para a criação da
democracia social que preservaria o capitalismo e o tornava mais acessível para os
trabalhadores e para a baixa burguesia. Pelo fato de sua hegemonia ter sido firmemente
introjetada na sociedade civil, a burguesia posterior não precisou recorrer ao Estado.
(COX, 1993)
Essa percepção de hegemonia guiou Gramsci para consolidar sua definição de Estado.
Quando os aparatos administrativo, executivo e coercitivo do governo foram de fato
constrangidos pela hegemonia da classe dominante de uma formação social completa
(Estado e sociedade civil), isso se tornou insignificante para limitar a definição do
Estado para aqueles elementos do governo. Para ser significante, a noção de Estado
também deveria incluir sustentáculos da estrutura política numa sociedade civil. As
idéias de Gramsci foram elaboradas com base em termos históricos concretos - a igreja
batista, o sistema educacional, e inclusive a imprensa, ou seja, todas as instituições que
auxiliam a criar nas pessoas específicos modos de comportamento e expectativas
consistentes com a ordem hegemônica social, o que comprova que o Estado nada mais
é do que um instrumento da classe dominante. Gramsci argumenta que as lojas
15
maçônicas na Itália foram uma junção entre os oficiais do governo que adentraram no
maquinário estatal depois da unificação da Itália e, portanto, devem ser considerados
como parte do Estado pelo propósito de uma ampla avaliação da estrutura política. A
hegemonia de uma classe dominante dessa forma liga as categorias convencionais de
Estado e sociedade civil, categorias estas que retém um certo uso analítico, mas cessam
em corresponder a entidades separadas da realidade. (COX, 1993)
Conforme exposto, essa corrente traduz a idéia gramsciana de hegemonia oriunda de
Maquiavel e auxilia na ampliação mais profunda do potencial escopo de aplicação do
conceito. Gramsci havia ponderado acerca do que Maquiavel havia dito, especialmente
em “O príncipe”6, que diz respeito ao problema da busca de um novo Estado.
Maquiavel, no século XV, estava preocupado com o encontro da liderança e o suporte
das bases sociais para a unificação da Itália, e Gramsci, no século XX, com a liderança
e as bases de suporte para uma alternativa ao fascismo. Nesse sentido, Maquiavel
concentrou atenções para o príncipe individual, e Gramsci para o príncipe moderno,
logo, para o partido revolucionário engajado na continuação e no desenvolvimento do
diálogo com as próprias bases de suporte. Gramsci incorporou as idéias de Maquiavel à
imagem do poder como um Centauro: metade homem e metade cavalo, à combinação
necessária do consenso e coerção. A coerção é sempre latente, mas somente aplicada
em casos marginais, enquanto a hegemonia é suficiente para assegurar a conformidade
de comportamento em muitas pessoas a maioria do tempo. O Maquiavelismo conecta
liberdade de conceito do poder (e da hegemonia como uma forma de poder) com o nó
historicamente específico de classes sociais, e dá a elas uma aplicabilidade para as
6 Para maiores informações ver Nicolló, 2006.
16
relações de domínio e subordinação. Entretanto, isso não vai separar as relações de
poder de suas bases sociais, como nos casos das relações da ordem mundial do fazer
relações entre estados de entendimento limitado, mas direciona sua atenção em direção
ao aprofundamento no anúncio de suas bases sociais. (COX, 1993)
Desta forma, percebe-se que a hegemonia tende a construir um bloco histórico, ou seja,
a estipular uma unidade de forças sociais e políticas diferentes, e tende a conservá-las
juntas por meio da concepção de mundo que ela desenhou e disseminou. Para Gramsci,
o bloco histórico é formado pela estrutura e pela superestrutura. O autor argumenta que
a luta pela hegemonia deve envolver todos os níveis da sociedade: a base econômica, a
superestrutura política e a superestrutura ideológica. Através desse pressuposto o autor
estabelece uma visão dinâmica do processo onde se desenvolvem e dissolvem as
hegemonias, quando afirma que a supremacia de uma classe social se manifesta através
da dominação e da direção intelectual e moral. Dessa forma, um grupo social é
dominante dos grupos oponentes que tendem a liquidar ou a submeter inclusive com a
força armada, e também é dirigente dos grupos afins e aliados. Com isso, um grupo
social é capaz de ser dirigente antes mesmo de conquistar o poder governamental: essa
é uma das principais condicionantes para a conquista do poder. Posteriormente quando
pratica o poder mantendo-o sob controle, torna-se dominante, mas também deve
continuar a ser dirigente. Nesse momento, interligado ao conhecimento de hegemonia,
é inserida a noção de supremacia, caracterizada por possuir domínio e direção, logo
domínio e hegemonia. Sendo assim, a hegemonia se perpetua com a afirmação da
capacidade de direção política, moral e ideológica sobre a classe subalterna. (GRUPPI,
1978)
17
Nesse sentido, a supremacia entra em crise no momento no qual, mesmo que se
sustente a dominação, desapareça a capacidade de dirigir. Quando a classe provida de
poder político não sabe mais dirigir e/ou resolver os problemas da coletividade, ou
quando a concepção de mundo que ela conseguiria afirmar passa a encontrar
resistência. Por sua vez, a classe dominada passa a ser dirigente no instante que ela sabe
apontar de maneira concreta a saída para os problemas, ou então quando ela possui uma
visão de mundo que conquista novos adeptos. Essa é a concepção gramsciana de
conquista da hegemonia. Marx demonstrava a crise revolucionária como a contradição
entre as relações de produção e o desenvolvimento das forças produtivas (infra-
estrutura). A partir dessa perspectiva, as observações de Gramsci giram em torno de um
outro momento de crise na sociedade, visando orientar o movimento operário em
direção a um momento até então não tão evidenciado: o momento ideológico, moral e
cultural. Em Gramsci, a crise revolucionária é vista no plano da superestrutura, e
entendida no nível da hegemonia. É idealizada como crise de hegemonia, a qual acaba
envolvendo toda a sociedade, logo, todo o bloco histórico. Portanto a crise
revolucionária é compreendida por Gramsci na totalidade do processo social e o
conceito de hegemonia, é assim, uma chave de leitura histórica, de análise de processos.
(GRUPPI, 1978)
A questão das relações entre estrutura e superestrutura é um dos assuntos mais
relevantes que a análise do bloco histórico sugere. Para Gramsci, a estrutura é definida
como o somatório das forças sociais e do mundo da produção, na qual o grau de
desenvolvimento das forças materiais de produção estipulam-se os conglomerados
18
sociais e cada um deles representa uma função e guarda uma posição na própria
produção. Para estabelecer um bloco histórico é necessário que a estrutura e a
superestrutura estejam ligadas organicamente. O autor acredita que esse vínculo
orgânico corresponda a uma organização social bem concreta. A princípio, o vínculo
parece na influência que desempenha a estrutura sobre a evolução da superestrutura.
Gramsci indaga que para qualquer análise do bloco histórico deve evoluir acerca de
dois princípios. O primeiro pauta-se na idéia de que uma sociedade não se propõe a
nenhum exercício para o qual não existam condições básicas e satisfatórias que estejam
em vias de aparição ou de desenvolvimento. O segundo alega que nenhuma sociedade
pode ser substituída enquanto não tiver desenvolvido todas as formas de vida contidas
em suas relações. Após ter destrinchado tais condições estruturais concernentes à
evolução da superestrutura, resta a Gramsci considerar como se traduz esse vínculo
orgânico, certificado pela camada social incumbida de gerir a superestrutura do bloco
histórico – os intelectuais, que atuam não somente no âmbito econômico, mas também
no social e político. (PORTELLI, 1977)
Estabelecida a conexão entre a estrutura, as ideologias e atividades políticas tornam-se
o palco onde os homens tomam consciência dos conflitos que se desenvolvem no nível
da estrutura, o que lhes atribui um valor estrutural e ratifica a compreensão de bloco
histórico, no qual as forças materiais são o conteúdo e as ideologias são caracterizadas
pela forma. Assim, a articulação do bloco histórico permite distinguir duas esferas
complexas, conhecidas como a estrutura sócio-econômica e a superestrutura ideológica
e política, cujo vínculo orgânico é pautado pelos intelectuais, que são responsáveis por
19
analisar a dinâmica do bloco histórico, particularmente no exercício da hegemonia.
(PORTELLI, 1977)
1.2 Hegemonia e Relações Internacionais
“Do international relations precede or follow (logically) fundamental social relations? There can be no doubt that they follow. Any organic innovation in the social structure, through its technical-military expressions, modifies organically absolute and relative relations in the international field too”. (COX apud GILL, 2000)
Nessa passagem Gramsci almeja expressar que mudanças básicas nas relações
internacionais de poder ou na ordem mundial são tidas como mudanças não somente no
campo estratégico-militar, posto que também existem modificações na balança
geopolítica, fazendo com que ocorram mutações fundamentais nas relações sociais.
Gramsci não diminui a importância do Estado, uma vez que ele é a entidade básica nas
relações internacionais, onde os conflitos sociais se sucedem e as hegemonias das
classes sociais podem ser construídas. Nessas hegemonias, as características
particulares das nações combinam em um único canal, já que a classe trabalhadora cujo
poder pode ser considerado como atuante em âmbito internacional a partir de um senso
abstrato visa à concretização do processo de construção desta hegemonia. O Estado que
permanece como foco primário da disputa social e é a entidade básica das relações
internacionais, acaba abarcando um Estado ampliado composto de suas próprias bases
sociais. Esta visão estreita ou superficial do Estado reduz isso para política burocrática
externa ou para as capacidades militares dos Estados. (COX, 1993)
20
Hegemonia internacional é compreendida como um domínio de um Estado sobre
outros: quando líderes políticos chineses acusam a URSS de ser hegemônica, eles
parecem fazer uma interpretação da hegemonia como sendo imperialismo7. Ao se
aplicar o conceito de hegemonia à ordem mundial é necessário determinar quando um
período hegemônico começa e termina. No contexto histórico mundial existem dois
períodos concernentes ao poderio econômico britânico, em que um foi hegemônico e o
outro houve uma relação de domínio, logo, não foi hegemônico. O primeiro período
(1845-1875) foi hegemônico, no qual o centro da economia mundial era a Inglaterra e a
doutrina econômica britânica possuía supremacia universal (marítima inclusive) e força
coercitiva, possibilitando que tal país mantivesse a estabilidade da sua balança de poder
na Europa. Entretanto, o segundo período (1875 – 1945) não foi hegemônico, fazendo
com que os países questionassem a supremacia inglesa. Por isso, a balança de poder na
Europa se desestabilizou, possibilitando a eclosão de duas guerras mundiais e fazendo
com que a economia mundial se fragmentasse em blocos econômicos. (COX, 1993)
Ainda nesse contexto, houve ainda, um terceiro período (1945–1965), em que os EUA
criaram uma nova hegemonia mundial similar à estrutura base que tinha a Inglaterra
(1845-75), mas com instituições e doutrinas modificadas e reajustadas a uma economia
mundial mais complexa, caracterizada por repercussões políticas devido às crises
econômicas. Mais ou menos entre os anos 1960 e 1970, ocorre o quarto período.
Durante esse tempo surgiram três possibilidades de transformação estrutural da ordem 7 Em seu folheto sobre o imperialismo, Lênin estabeleceu uma relação das características do fenômeno: “(1) a exportação do capital adquire importação primordial, lado a lado com a exportação de mercadorias; (2) a produção e a distribuição passam a ser centralizadas por grandes trustes ou cartéis; (3) os capitais bancário e industrial se fundem; (4) as potências capitalistas dividem o mundo em esferas de influência, e (5) essa divisão é concluída, abrindo possibilidade de uma futura luta intercapitalista para redividir o mundo”. (Bottomore, 2001:187)
21
mundial. A primeira era pautada pela idéia de que uma reconstrução hegemônica era
visada pela comissão trilateral. A segunda estava relacionada com o aumento da
fragmentação da economia mundial entre esferas econômicas centralizadas. E por fim,
a terceira acreditava na possibilidade de um acerto entre a base hegemônica do terceiro
mundo e da nova ordem econômica internacional. (COX, 1993)
A partir desses fatos históricos, torna-se possível perceber que para se tornar
hegemônico, o Estado tem que proteger a ordem mundial e não visar a exploração de
uma nação sobre a outra, fazendo com que a concepção de hegemonia da ordem
mundial passe a ser fundada, não apenas com o intuito de regular conflitos inter-
estatais, mas também, pelo conceito global de sociedade civil. A revolução não só
modifica a economia interna e a estrutura política dos Estados em questão, mas também
libera para além das fronteiras do Estado um espírito revolucionário. A hegemonia
mundial é, em seu principio, uma expansão da hegemonia de uma classe social interna
dominante. Hegemonia no nível internacional não é meramente uma ordem entre
Estados, mais do que isso é uma ordem baseada na economia mundial como um modo
de produção que adentra em todos os países e os subordina a este modo de produção. É
também, um complexo de relações sociais internacionais. Sendo assim, a hegemonia
mundial é descrita como uma estrutura social, econômica e política, não podendo ser
apenas uma dessas características, mas todas. E ainda, a hegemonia mundial é expressa
pelas normas universais, instituições e mecanismos que geram regras de
comportamento para os Estados e para a sociedade civil que atua além das fronteiras
nacionais. (COX, 1993)
22
1.3 Hegemonia e Bloco Histórico Transnacionais
A globalização e a hegemonia são conceitos que ocupam um lugar crescentemente
importante nas pesquisas quem envolvem as ciências sociais e por isso, são centrais ao
entendimento do século XX na sociedade mundial. Sendo assim, Robinson (2005)
examina a questão da hegemonia no sistema global do ponto de vista da teoria global
do capitalismo, em contraste com outros pontos de vista que analisam este fenômeno do
ponto de vista do estado-nação. A hegemonia pode ser firmemente situada em nosso
vocabulário social científico, contudo, ela possui significados diferentes para teóricos
diferentes. Existem cerca de quatro concepções interligadas na literatura da ordem
internacional e do sistema mundial capitalista. (ROBINSON, 2005)
A primeira delas está relacionada com hegemonia e relações internacionais, em que a
hegemonia na tradição realista de relações internacionais integrada às políticas
mundiais e à economia política internacional, é entendida como uma dominância
devido às atividades de dominação e hegemonismo. Sendo assim, a forma como a
União Soviética exerceu hegemonia sobre a Europa Oriental e os Estados Unidos
exerceram sobre o mundo capitalista durante a Guerra Fria podem ser exemplos dessa
concepção. Num segundo momento, a hegemonia é aplicada através de um Estado
hegemônico, presente através de um estado-nação dominante que serve como âncora no
sistema mundial pelo fato de impor suas regras. (ROBINSON, 2005)
23
A terceira concepção abarca a idéia da hegemonia como a dominação de um consenso
ideológico. Essa perspectiva é desenvolvida por Gramsci e parte do pressuposto de que
um grupo governante consegue estabelecer e manter sua regra. Nesse momento, a
hegemonia é uma regra estabelecida por consentimento que pode ser exercida por uma
liderança intelectual ou cultural, uma fração de classe, de estrato ou grupo social. Nas
sociedades capitalistas modernas, a burguesia conseguiu alcançar sua hegemonia em
períodos estáveis, embora essa hegemonia tenha entrado em colapso durante períodos
de crise, tais como no transcorrer das Grandes Guerras e do autoritarismo no século
XX. (ROBINSON, 2005)
E por fim, a quarta e última concepção abrange a idéia da hegemonia como o exercício
de liderança no seio de um bloco histórico instaurado dentro de uma ordem mundial
particular. Essa é uma visão da hegemonia que combina um sentido amplo de algum
poder estatal no sistema mundial com um sentido mais específico da construção de
consentimento ou liderança ideológica ao redor de um projeto histórico particular.
Assim, os Estados Unidos foram capazes de alcançar uma hegemonia internacional
após a Segunda Guerra Mundial como um resultado não somente devido ao seu
domínio econômico e militar na economia política global, mas sim devido ao
desenvolvimento de uma estrutura social de acumulação baseada em Ford e Keynes que
tornou-se internacionalizada sob a liderança da classe capitalista norte-americana.
(ROBINSON, 2005)
Todas as referidas concepções permitem entender o desenvolvimento das estruturas
históricas do sistema capitalista mundial. Entretanto, Robinson (2005) concentra
24
atenções para a idéia de que as forças sociais transnacionais não estão atreladas a um
estado-nação. O autor visa reverter essa concepção de que hegemonia é exercida por
Estados e adequar à visão de hegemonia oriunda de Gramsci que parte do princípio que
a hegemonia é uma forma social de dominação exercida por grupos e classes sociais
através dos Estados e de outras instituições. Robinson aproxima o conceito de
globalização com o conceito de capitalismo global, para o qual a globalização tende a
representar uma nova etapa na história do capitalismo mundial envolvendo a integração
de economias regionais nacionais numa nova produção global e no sistema financeiro,
fazendo com que tais processos estejam atuantes em uma formação transnacional de
classe. (ROBINSON, 2005)
Dessa forma, o crescimento de uma classe transnacional capitalista é entendido como
um grupo desvinculado do Estado que constrói, em linhas gerais, a formação de uma
classe global. Com isso, essa transnacionalização de classes permite o
compreendimento de uma transnacionalização da hegemonia. Naturalmente, as
Relações Internacionais estudam as relações entre as nações. Entretanto, Robinson visa
escapar dessa noção de hegemonia de relações internacionais em direção a uma
concepção distinta de hegemonia existente na sociedade global, posto que o autor
acredita na existência de forças sociais que nascem a partir de um âmbito nacional e são
capazes de atuar nesta arena. As classes e forças sociais são integradas verticalmente
nos Estados nacionais que desenvolvem relações horizontais entre os Estados nacionais
em âmbito internacional. Nessa perspectiva, a hegemonia mundial é, a princípio, a
expansão de uma hegemonia estabelecida em nível interno por uma classe social. Uma
vez a hegemonia consolidada domesticamente, ela pode expandir para além de uma
25
ordem social particular e mover externamente para uma escala global e ser diretamente
inserida na ordem mundial. Contudo, Robinson quer focalizar na integração horizontal
de classes e forças sociais que operam por teias de instituições transnacionais nacionais,
fazendo com que estratos dominantes capitalistas transnacionais se aliam e se integram
horizontalmente no cenário mundial. (ROBINSON, 2005)
No tocante à globalização, uma nova classe fracionada tem surgido entre o âmbito
nacional e o transnacional. Assim, os Estados principais são capturados por grupos que
dominam transnacionalmente o cenário internacional e usam os Estados para
interagirem e integrarem seus países dentro dessas estruturas globais capitalistas
emergentes. A globalização da produção e a ampliação intensa do capitalismo nas
décadas recentes constituem a base material para o processo de formação transnacional
da classe. (ROBINSON, 2005)
Estruturas produtivas nacionais tornam-se integradas transnacionalmente por meio do
processo da globalização, em que tais classes mundiais desenvolvidas organicamente
surgiram de um estado-nação, contudo, são capazes de experimentar uma integração
supra-nacional em conjunto à uma classe nacional de outros países. Sendo assim, a
globalização cria novas formas de relações transnacionais de classe além fronteiras e
também cria novas formas de clivagens de classes globais e dentro de países, regiões,
cidades e comunidades locais, bastante diferentes das velhas estruturas nacionais de
classe. Sendo assim, uma classe capitalista transnacional está envolvida na produção
globalizada, no marketing internacional e nas finanças, além de administrar circuitos
globalizados de acumulação que lhes dão um condicionamento para existirem de
26
maneira objetiva e com identidade política global acima de qualquer território e
governo. (ROBINSON, 2005)
Nessa perspectiva, a hegemonia no século XXI é exercitada por grupos sociais, por
classes ou frações de classe, ou então por uma configuração social particular destas
frações e grupos. Em hipótese alguma existe hegemonia transnacional de um Estado. O
processo de globalização econômica cria as condições para uma mudança no local das
classes por meio de uma formação social de um grupo de um estado-nação no sistema
global. Sendo assim, pode-se perceber uma hegemonia no cenário internacional como
uma sociedade global não exercitada por um estado-nação, mas sim por uma classe
capitalista transnacional que atua além fronteira. (ROBINSON, 2005)
Em condições modernas, Gramsci argumenta que uma classe mantém seu domínio não
simplesmente por meio de uma organização especial provida de força, mas sim porque
ela é capaz de ir além de seus interesses corporativos, implantando em âmbito global
uma moral através de uma liderança intelectual, com acordos e aliados que são
unificados em um bloco social de forças, denominado bloco histórico. Cabe lembrar
que o bloco histórico representa a base de consentimento para uma certa ordem social,
em que a hegemonia de uma classe dominante é criada por um leque de instituições,
relações sociais e idéias. (ROBINSON, 2005) Em outras palavras, um bloco histórico
refere-se a uma congruência histórica entre forças materiais, instituições e ideologias,
uma aliança de diferentes forças políticas de classe organizadas em um conjunto de
idéias hegemônicas que dão direção estratégica e coerência para que esses elementos
constituam. (GILL, 2003)
27
Nessa perspectiva, Gill (2003) vai além, e acredita na possibilidade de que um novo
bloco histórico deslanche no palco internacional. Para tal, ele deve não somente agir
dentro da sociedade civil e econômica, mas também precisa difundir idéias persuasivas,
argumentos e iniciativas que construam e desenvolvam suas organizações e alianças
políticas. Recentemente, mudanças políticas e econômicas globais têm determinado
uma integração hegemômica, como por exemplo, a mudança que gira em torno dos
neoconservadores na política e neoliberais na economia. As finanças tomam o lugar da
produção como um meio de determinante de acumulação capitalista estratégica. Essa
mudança política ocorreu com a marginalização do trabalho e com os partidos social-
democratas instalados em círculos de poder (à exceção de alguns países como
Alemanha, USA, Inglaterra e Japão). Esse contexto Gill denomina de “terrain of
political constestability”, o que substituiu os países da OCDE8 desde a década de 1970
e tem mudado mais adiante em uma direção neoliberal durante a década de 1990 de
período de triunfo da América. (GILL, 2003)
A partir de então, instituições e agências coletivas de grande capital passaram a ser
importantes para a vida política internacional e para a formação transnacional de
classes, o que propiciou a promoção da liberalização de produção, capital, mercado,
rápida inovação e difusão da tecnologia e consequentemente, o surgimento de redes de
complexos comunicativos. Sendo assim, com a emergência de uma intensa política
econômica global, surgiu a formação de bloco históricos transnacionais. A supremacia
desse bloco é baseada em um oligopólio gigante, onde firmas operam politicamente
8 Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
28
dentro e fora do Estado e ainda, são incluídas como parte local e global da estrutura
política. (GILL, 2003)
2. EVOLUÇÃO E ATUAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NO
SISTEMA INTERNACIONAL
2.1 Origem e expansão das agências internacionais de notícia
Durante o século XIX começaram a se desenvolver as primeiras regulamentações
internacionais específicas para a comunicação. O telégrafo elétrico esteve presente
como o primeiro acordo bilateral de comunicação no final da década de 1840, contudo,
como cada acordo era estabelecido por cada país em nível nacional, para se estabelecer
linhas telegráficas, eram necessários diversos acertos bilaterais. Desta forma, devido à
rápida expansão das redes telegráficas em variados países, vinte estados europeus se
organizaram com intuito de desenvolver uma regulamentação que facilitasse as
interconexões internacionais. Foi assim que em maio de 1865 foram assinadas a
Convenção Telegráfica Internacional e a União Telegráfica Internacional, as quais são
embriões do que mais tarde passaram a ser as organizações internacionais voltadas para
a comunicação.
Com a ampliação da telefonia, a União Telegráfica Internacional organizou uma
conferência na cidade de Berlim com o objetivo de estudar a questão da regulação
internacional para a comunicação radiotelegráfica, que resultou na assinatura da
29
primeira Convenção Radiotelegráfica Internacional, criando em 1906, a União
Radiotelegráfica Internacional. Essa União foi capaz de legitimar o problema das
interferências e delinear as bases de uma ordem desigual da comunicação mundial9.
Contudo, cabe ressaltar que as potências marítimas que utilizavam a radiotelegrafia
impuseram a regra de que bastava notificar à União sua finalidade de utilizar uma faixa
de ondas para que o país já se tornasse beneficiário, fazendo com que essa prática
resultasse na monopolização dos canais radiofônicos por uma minoria de Estados.
Posteriormente, em 1924 foi estabelecido o Comitê Internacional Consultivo do
telefone, e um ano seguinte, o do telégrafo. Mais tarde, em 1927 foi instaurado o
Comitê Internacional Consultivo de Rádio10, em que cada qual era incumbido de fazer
testes e mediações em vários campos das telecomunicações, coordenar os estudos
técnicos, bem como realizar critérios para padrões internacionais. Em 1947, após a
Segunda Guerra Mundial, a União Telegráfica Internacional organizou uma conferência
nos EUA com o intuito de modernizar a organização. Nesse sentido, e com respaldo da
recém criada Organização das Nações Unidas, a UTI se transformou em uma das
agências especializadas11 da ONU. E em 1956, os Comitês Internacionais Consultivos
sobre o telégrafo e o telefone foram fundidos para responder de maneira mais precisa às
demandas geradas pelo desenvolvimento desses tipos de comunicação. A década de 9Informações retiradas de ITU- International Telecommunication Union. Disponível em: http://www.itu.int/home/index.html. Acesso em: 23 jun. 2006 às 11:30.. 10 Sobre o estabelecimento dos Comitês Internacionais Consultivos de Rádio, do Telefone e do Telégrafo, ITU- International Telecommunication Union. Disponível em: http://www.itu.int/home/index.html. Acesso em: 23 jun. 2006 às 12:20. 11 Agências especializadas são organizações separadas, autônomas, com seus próprios orçamentos e funcionários internacionais e estão ligados à ONU através de acordos internacionais. Inclusive, algumas delas são anteriores a criação da ONU, como por exemplo, a União Postal Internacional (UPU) criada em 1875. Centro de Informação das Nações Unidas no Brasil. Disponível em: http://www.unicrio.org.br. Acesso em: 23.jun.2006 às 13:10.
30
1970 foi marcada pelo início da era espacial devido ao lançamento do primeiro satélite
artificial, o soviético Sputinik-1. Com isso, em 1963 foi realizada a Conferência
Administrativa Extraordinária para as Comunicações Espaciais com o intuito de alocar
freqüências para os vários serviços espaciais.
Desta forma, torna-se relevante mencionar e destrinchar todo esse retrospecto dos
Comitês de Comunicação para se obter uma maior compreensão da ascensão da
radiotelegrafia. Somente com seu aperfeiçoamento que foi possível criar condições de
maior autonomia para as distintas agências internacionais de notícia de alcance nacional
se firmarem no cenário internacional como o primeiro fenômeno transnacional da
comunicação de massa.
Nessa perspectiva, as agências internacionais de notícia surgiram em meados do século
XIX, interligadas à expansão política e financeira da França, Reino Unido e Alemanha,
o que posteriormente também ocorreu com no início do século XX, entre as agências
norte-americanas de notícia e a expansão do capitalismo norte-americano. Um dos
mecanismos que marcou a difusão da informação foi o sistema de acordos entre as
grandes agências que vigoravam na época que visou distribuir o globo em zonas de
influência. MATTA (1980)
A princípio, os acordos foram exclusivamente europeus entre as agências de Havas,
Reuter e Wolff. Mas em 1875, o acordo já incluía a Associate Press (AP) dos EUA, a
31
qual já requeria a necessidade de instaurar o princípio do “fluxo livre da informação”12
visando expandir os interesses norte-americanos no mundo. Havas e Reuter citados por
MATTA 13 (1980) são reconhecidos como os fundadores das agências internacionais de
notícia que disputavam entre si o domínio pelo mercado de informação internacional
apoiado nas vinculações financeiras que tinham dado origem a suas agências e no apoio
político que obtinham dos Estados que estavam ligados. Para tal, eles decidiram dividir
o mundo em três partes, em que Reuter ficou com as informações do Império Britânico,
Estados Unidos, alguns países ao longo do Mediterrâneo, o Canal de Suez e grande
parte da Ásia; Havas ganhou o Império Francês, Europa Ocidental do Sul e certas
partes da África; e Wolff ficou com o resto da Europa, incluindo a Áustria-Hungria, a
Escandinávia e os Estados Eslavos. MATTA (1980)
Nesse mesmo contexto, entretanto, surgiu nos Estados Unidos um grupo de
proprietários de jornais que criou um sistema coorporativo que visava capturar notícias,
sendo ele, denominado Associated Press. A partir de sua implementação, chegou-se ao
grande acordo com a incorporação norte-americana de inseri-la no sistema mundial de
distribuição, compra e venda de notícias14. É muito importante ressaltar que as relações
entre as agências e os Estados eram intrínsecas, visto que apesar dos convênios terem
12 O princípio do “livre fluxo” significa que, na prática, as agências as agências determinam o que deve ser considerado como notícia. Ou seja, elas possuem o direito de selecionar, dentre os mais variados acontecimentos domésticos e internacionais o que deve ser noticiado em todo o mundo. 13 MATTA, Fernando Reyes. A evolução histórica das Agências Transnacionais de notícia no sentido da dominação. IN: MATTA, Fernando Reyes (org). A informação na nova ordem internacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.p.62. 14 Frédérix, citado por Matta (1980), escreve: “As três agências da Europa permutariam suas informações com a AP, via Londres, mediante uma soma mensal que esta lhe pagaria. Desistiram de distribuir suas informações aos Estados Unidos por outras agências. A AP, em troca, comprometeu-se a não distribuir ela mesma seus serviços na Europa e América do Sul.”. MATTA, Fernando Reyes. A evolução histórica das Agências Transnacionais de notícia no sentido da dominação. IN: MATTA, Fernando Reyes (org). A informação na nova ordem internacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.p.62.
32
um caráter técnico, toda a divisão territorial estava sempre vinculada com as ações
políticas de expansão e domínio de seus Estados de origem. Ou seja, a ampliação da
atuação das agências norte-americanas aumentava na medida em que o país se
consolidava como nação. (MATTA, 1980)
Em 1907, surgiu a United Press, a UP, fundada por Edward Scripps, um dos
investigadores do jornalismo de ação, e em 1909 foi criada a International News
Service, que também se propunha em publicar sensacionalismos. A Primeira Guerra
Mundial também criou condições para o desenvolvimento das agências norte-
americanas, uma vez que com a incrementação da radiotelegrafia, foi possível a
abertura de canais de comunicação mais baratos. Nesse sentido, o que impulsionou o
fim da divisão territorial de influência comunicativa entre as agências foi um acordo
conjunto assinado entre as quatro em 1927, permitindo que todas elas estabelecessem
acordos com toda e qualquer agência nacional. E ainda, reconhecia à AP o direito de
estender seus serviços à América do Sul. (MATTA, 1980). Sem dúvida, as agências
aliadas continuaram a permutar notícias na Europa. Mas no que concerne ao resto do
mundo, não acontecia mais a exclusividade para nenhuma delas.
Somente no ano de 1934 que as relações entre as agências passaram a ser regidas por
contratos bilaterais, não existindo mais exclusividade para nenhuma delas, como já
mencionado, visto que a Lei das Comunicações de 193415 definiu parâmetros para a
mídia norte-americana de telecomunicações voltada apenas para os sistemas telefônico,
15 Trecho reproduzido de DIZARD, Wilson. “A Nova Mídia: a comunicação de massa na era da informação” . Jorge Zahah Editor, 2000.
33
telegráfico e da radiofusão devido à tecnologia primitiva da ocasião. A lei de 1934
efetivou um consenso entre o governo, a indústria e os grupos de interesse público no
que tange ao desempenho dos recursos de comunicação e informação via norte-
americana. Outra aquisição relevante foi a implementação da Federal Comminication
Commission (FCC)16 com intuito de regulamentar a indústria das telecomunicações e a
do rádio. (DIZARD, 2000)
Como se percebe, a Lei das Comunicações consagrou uma fase de relativa estabilidade
para a mídia eletrônica dos Estados Unidos que perdurou cerca de trinta anos através
de um momento expansionista e de prosperidade geral para as indústrias de mídia, uma
vez que foi capaz de proteger a ocupação da concorrência externa, propiciando assim,
uma nova percepção da mídia como um grande negócio comercial. A comunidade
financeira norte-americana impulsionou um interesse em fusões, aquisições e outras
propostas para consolidar as operações de mídia em combinações lucrativas, fazendo
com que empresários do ramo adquirissem um controle de serviços de comércio que
proporcionassem vantagens financeiras. (DIZARD, 2000). Com isso, a AP foi capaz de
adquirir o direito de vender diretamente suas informações em todo o mundo.
Nessa perspectiva, cabe também ressaltar que a Segunda Guerra Mundial criou diversos
condicionamentos que propiciaram emergir a Guerra Fria, envolvendo, nesse contexto,
as agências internacionais de notícia norte-americanas através da justificativa do “livre
fluxo da informação”, o qual praticamente forçou o estabelecimento da AP e da UP em
16 Para maiores informações ver Federal Communications Commission. Disponível em: http://www.fcc.gov/. Acesso em: 02.nov.2006 às 15:10.
34
vários países. A princípio, a doutrina do livre-fluxo era levantada em nome das
repressões estabelecidas ao fascismo, mas posteriormente, ela também foi utilizada,
através dos princípios de liberdade de expressão e de imprensa, como um mecanismo
de promoção das condições mais adequadas à expansão do capitalismo norte-americano
com intuito de fazer frente à ideologia soviética17. (MATTA, 1980)
2.2 Pilares da liberdade de imprensa
Com o propósito de assegurar sua expansão com plena liberdade de ação no mundo, as
agências norte-americanas com amplo apoio de seu governo, efetuaram a aplicação
internacional do princípio do “livre fluxo de informação”, e obtiveram sua aprovação
na Conferência sobre Liberdade de Informação, realizada entre os dias 25 de março e
21 de abril no ano de 1940, em Genebra, Suíça, através da UNESCO18. A partir de
então, esse conceito passou a ser a base conceitual para justificar e desenvolver suas
atividades sem regulamentação internacional ou nacional de espécie alguma.
(SOMAVÍA apud MATTA, 1980)
17 Schiller citado por Matta (1980), escreve: “ Os meios de negócios norte-americanos e seus representantes políticos não levaram muito tempo para compreender a importância crescente e o benefício potencial que oferecia esta doutrina à empresa crescente e o benefício potencial que oferecia esta doutrina à empresa privada que tratava de abrir os antigos impérios coloniais ao comércio e às inversões norte-americanas. Apesar da Europa Ocidental serem conscientes das intenções norte-americanas, aceitavam a legitimidade desta doutrina dada a sua inquietude ao ver estender-se a influência soviética na Europa; esta inquietude era mais forte que sua oposição à penetração comercial dominante dos Estados Unidos” . MATTA, Fernando Reyes. A evolução histórica das Agências Transnacionais de notícia no sentido da dominação. IN: MATTA, Fernando Reyes (org). A informação na nova ordem internacional. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.p.72. 18 United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization ( Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura da ONU)
35
Ou seja, esse foi um mecanismo capaz de legitimar o direito das agências de atuar de
acordo com seus interesses, transmitindo suas visões particulares dos fatos de acordo
com as determinantes políticas e econômicas do sistema internacional em que estão
inseridas e que são influenciadas. O princípio do “livre-fluxo” na prática significa que
as agências determinam o que dever ser considerado como notícia. Isto é, elas são aptas
a selecionar, entre os diversos acontecimentos nacionais e/ou internacionais, aquilo que
deve ser transmitido. (SOMAVÍA apud MATTA, 1980)
Essa doutrina nada mais é do que uma “consagração do laissez-faire de maneira
informativa” (SOMAVÍA apud MATTA, 1980:48) visto que uma agência pode abusar
do exercício de sua capacitação de informação sem ser responsável por distorções que
possam ter acontecido. Isso ocorre pelo fato de que a doutrina orienta a informação de
maneira mais conveniente para a agência, com a única restrição de responder à procura
de seu mercado. Através dessas observações, percebe-se que com o transcorrer do
tempo, a informação nada mais é do que uma mercadoria que se vende no mercado, em
que as agências negociam e comercializam a coleta e a observação dos fatos, assim
como a apreciação dos acontecimentos. De certa maneira, suas comercialização
modifica a natureza e inclusive, a importância dos acontecimentos, os quais na maioria
das vezes, não são retratados para o público geral, a menos que sejam escolhidos para
publicação pelas fontes noticiosas. (SOMAVÍA apud MATTA, 1980)
“A agência transforma, assim, um fato, cuja dimensão e compreensão específica estão
dadas pelos contextos e circunstâncias que o rodeiam, em uma notícia, que, para sê-lo,
necessita seja apresentada de tal maneira que resulte vendável”(SOMAVÍA apud
36
MATTA, 1980: 43). Ou seja, as práticas exercidas pelas agências demonstram que elas
puseram sua capacidade operacional a serviço da estrutura transnacional de poder.
Dessa conotação mercantil da notícia acaba surgindo uma certa discriminação contra
alguns fatos que não podem ser vendidos, e que portanto, não são notícia, pelo fato de
não interessarem ao mercado dominante. (SOMAVÍA apud MATTA, 1980)
Com isso, existe uma tendência à distorção para adequar o enfoque dos fatos aos
mecanismos que os tornem mais vendáveis. A distorção da notícia passou a ser um
recurso sistemático da informação noticiosa internacional, na qual ela não pressupõe
necessariamente uma falsa apresentação dos fatos, mas sim uma seleção arbitrária e
uma avaliação intencional da realidade. Nesse sentido, a natureza do acontecimento
embasada na história que o origina acaba se perdendo, dando lugar a uma mensagem
fora do contexto e determinada, em seu conteúdo, pela lógica do mercado. (SOMAVÍA
apud MATTA, 1980)
A conferência Interamericana sobre Problemas da Guerra e da Paz que se reuniu em
fevereiro de 1945 no México foi uma das primeiras tribunas internacionais para a
expressão da doutrina. Essa conferência aprovou uma resolução sobre o “livre acesso a
informação”, que estava, em sua maioria, fundada sobre os preceitos dos Estados
Unidos. Com isso, o mundo inteiro pode perceber que as estruturas internacionais de
manutenção da paz foram colocadas em seu lugar, enquanto que os Estados Unidos
asseguraram-se de que as Nações Unidas e a UNESCO, insistiram sobre esse tema.
(SCHILLER apud MATTA, 1980)
37
No tocante ao contexto econômico internacional de trinta anos é onde pode-se
compreender de maneira mais clara como as Nações Unidas bem como seus
organismos filiados converteram-se em instrumentos da política norte-americana e
ainda, em foros para a propagação da doutrina da livre circulação da informação.
Atualmente, os Estados Unidos possuem minoria de votos na ONU, contudo, na década
de 1940 a situação na era a mesma. (SCHILLER apud MATTA, 1980)
Em 1945, cerca de cinqüenta países estavam representados nas primeiras reuniões das
Nações Unidas, isto é, mais da terça parte do número atual de participantes. Dentre esse
cinqüenta, 2/5 eram países latino-americanos, logo quase que completamente
submetidos às pressões norte-americanas. Os Estados membros da Europa Ocidental
estavam abalados economicamente e politicamente, logo dependiam da ajuda
econômica dos Estados Unidos. Os poucos países do Oriente Médio, da Ásia e da
África, estavam, de fato, submetidos ao sistema imperialista do ocidente. Ou seja, as
Nações Unidas em 1945 longe de ser um organismo universal, e ainda menos,
independente, acabaçam possuindo uma maioria de certa forma automática, que era
invocada no momento em que seus administradores e seus adeptos economicamente
mais poderosos precisavam utilizar. (SCHILLER apud MATTA, 1980)
Nessa perspectiva, torna-se totalmente perceptível que a ONU abarcou a doutrina da
livre circulação, proporcionando assim, um exemplo notório da maneira como uma
organização internacional pode ser colocada à disposição do Estado membro mais
poderoso. Nessa linha de raciocínio, isso também seria válido para a UNESCO. As
primeiras premissas para a criação da UNESCO, que foram articuladas por um conjunto
38
de especialistas norte-americanos e supervisionadas pelo Departamento de Estado,
colocaram em pauta a livre circulação da informação como um objetivo da UNESCO,
colocando essa finalidade como uma das preocupações principais. (SCHILLER apud
MATTA, 1980)
No relatório que se realizou em Paris em novembro e dezembro de 1946 os Estados
Unidos anunciam que havia sugerido à comissão encarregada dos meios massivos de
comunicação que a “UNESCO coopere com a subcomissão de liberdade de informação
da Comissão dos Direitos do Homem, a preparação do relatório das Nações Unidas
sobre os obstáculos que se opõe à livre circulação da informação e das idéias”
(SCHILLER apud MATTA, 1980: 108). De fato, foi desenvolvida uma seção com esse
intuito no departamento das comunicações de massa da UNESCO. (SCHILLER apud
MATTA, 1980)
No que tange às Nações Unidas foram adotadas empreendimentos semelhantes desde
sua criação. O Conselho Econômico e Social da ONU estabeleceu a comissão dos
Direitos do Homem, em 1946 e a obrigação de desenvolver uma subcomissão sobre a
liberdade de informação e de imprensa. Anteriormente, a delegação da Comunidade das
Filipinas tinha enviado à comissão preparatória das Nações Unidas , com o propósito de
que fosse considerado um projeto de resolução a favor de uma conferência
internacional sobre a imprensa, destinado a “assegurar o estabelecimento, a atividade e
a circulação de uma imprensa livre no mundo inteiro” (SCHILLER apud MATTA,
1980:109). As Filipinas eram, desde o final do século XIX, e certamente continuavam
sendo, dependentes dos Estados Unidos. (SCHILLER apud MATTA, 1980)
39
Um novo projeto de resolução foi apresentado pela delegação filipina na Assembléia
Geral a qual propunha que a conferência internacional também atingisse outros meios
de comunicação, tais como o cinema e o rádio. Com isso, em 14 de dezembro de 1946 a
Assembléia declarava: “ a liberdade de informação é um direito fundamental e a pedra
de toque de todas as liberdades em cuja defesa as Nações Unidas estão interessadas”
(SCHILLER apud MATTA, 1980:110), em que essa liberdade está relacionada com o
direito de transmitir, reunir e publicar notícias em todas as partes sem obstáculo algum.
(SCHILLER apud MATTA, 1980)
E ainda, a Assembléia também autorizou a celebração de uma conferência de todos os
membros das Nações Unidas sobre a liberdade de informação em Genebra. Nela,
Willian Benton pretendia “obter um acordo sobre o estabelecimento de uma estrutura
permanete nas Nações Unidas que manterá a atenção mundial fixada sobre a questão
vital da liberdade de expressão no seio das nações e entre elas” (SCHILLER apud
MATTA, 1980):110. A ata final da conferência em relação aos pontos de vista dos
Estados Unidos sobre a “livre circulação” foi adotada por um somatório de trinta votos
contra um da Polônia e cinco abstenções (URSS, Bielorussia, Iugoslávia,
Tchecoslováquia e Ucrânia). Sendo assim, a Conferência representava em seu conjunto
uma grande vitória dos objetivos norte-americanos. (SCHILLER apud MATTA, 1980)
Apesar dos aliados da Europa Ocidental, principalmente a Inglaterra terem percebido a
ameaça comercial que esta doutrina poderia causar às suas própria indústrias de
comunicação, diante da potência dos meios de comunicação norte-americanos, as
40
economias ocidentais continuavam defendendo o princípio com o propósito de
confundir o campo soviético, colocando-o na defensiva no plano ideológico. Nessa
lógica, a posição da Europa ocidental juntamente com os EUA era de defender a
propriedade privada dos meios de comunicação e informação. Em 1948, o mundo
assistiu a realização concreta da doutrina através da conferência sobre a Liberdade de
Informação. (SCHILLER apud MATTA, 1980). A nova tecnologia da informação, que
engloba mecanismos eletrônicos unida à poderosa expansão das sociedades privadas
através dos fluxos globalizantes possibilitou, cada vez mais, a ascensão dos Estados
Unidos na economia mundial, e nesse mesmo contexto, permitiu que a mídia ganhasse
maior espaço e destaque no sistema internacional.
2.3 Globalização, Capitalismo e Oligopolização das Mídias
A comunicação do mundo moderno tem acontecido numa escala cada vez mais global,
uma vez que mensagens são capazes de serem transmitidas por longa distância, e ainda,
de maneira mais intensa devido à separação entre o espaço e o tempo trazidos pelos
meios eletrônicos: as distâncias ficaram obscuras pela proliferação dessas redes de
comunicação eletrônica. Com isso, a reorganização do espaço e do tempo, provocada
pelo desenvolvimento da mídia, fazem parte de um conjunto mais amplo de processos
que transformaram o mundo moderno. Esses processos são conhecidos como
globalização, a qual se refere à crescente interconexão entre as diferentes partes do
mundo, o que originou formas complexas de interação e interdependência.
(THOMPSON, 1995:76)
41
Com o transcorrer do tempo e com a intensificação dos fluxos globalizantes, as
agências internacionais de notícia começaram a atuar de maneira mais intensa no
cenário internacional, levando à oligopolização das mídias, traduzida na forte
concentração de comandos estratégicos através da mundialização de conteúdos,
mercadorias e serviços. Nessa perspectiva, tais direcionamentos são facilitados pelas
desregulamentações, pela supressão de barreiras fiscais, pela deslocalização geográfica
das bases de produção, pela acumulação de capital nos países industrializados e,
evidentemente, pelas redes tecnológicas de múltiplos usos. Na base da chamada
“flexibilização dos investimentos empresariais”19 a realização de lucros implica maior
acumulação de capital ao menor custo possível, em que a formação de blocos
interempresariais consolida-se como recurso para se competir em posição de força.
(MORAES, 1998)
Nesse sentido, a ocupação dos mercados multimídias por gigantes empresariais bem
como a emergência da mídia global ocorre nesse ambiente de desregulamentação e
privatização, de abertura e internacionalização econômicas sem precedentes e sob a
ideologia do mundo sem fronteiras. Dos fatores determinantes devem ser ressaltadas a
explosão tecnológica; a reconfiguração das empresas de mídia em conglomerados, com
o aumento das vendas internacionais através de acordos e parcerias; a quebra dos
monopólios de telecomunicação; e a flexibilização da legislação sobre os meios de
comunicação nos EUA. (MORAES, 1998)
19 Expressão utilizada por Dênis de Moraes em que o próprio autor indaga ser um eufemismo para o processo de concentração multinacionalizada de bens e serviços. MORAES, Denis de. Planeta Mídia. Campo Grande: Letra Livre,1998.p.59.
42
O papel desempenhado pelos serviços de informação dos Estados Unidos, com a
cumplicidade da mídia internacional, e da mídia americana em especial20, tem merecido
consistentes críticas de diversas entidades e publicações de expressões em todo o
mundo. A questão da tirania da comunicação, por exemplo, está sendo discutida pelo
fato das mídias televisivas e impressa distorcerem a interpretação dos fatos, criando
assim, verdades em temáticas concernentes à geopolítica internacional e aos interesses
econômicos de grandes Estados, notadamente os Estados Unidos, ou então de grandes
grupos privados. (MATTOS, 1982)
Nesse sentido, essa postura tirânica além de ameaçar, enfraquece a democracia e os
direitos dos cidadãos a uma grande variedade de opiniões. Embora inexista uma
censura explícita nos meios de comunicação como havia na Europa e na América
Latina no decorrer das ditaduras, ela está presente na prática devido ao crescente
comprometimento das grandes redes de comunicações com os negócios privados (em
muitas situações elas se enquadram como acionárias) ou com interesses estratégicos de
grandes países como parte de negócios privados (é o que ocorre com a ligação de
alguns governos dos EUA com a indústria bélica, conforme o atual governo de George
W. Bush). (MATTOS,1982)
20 Mattos (1982) nesse comentário escreve que pode parecer contraditório em situações que o próprio Estados Unidos publicou notícias denunciando interesses do próprio Estado americano. Mas o curioso é que saber que o fato parece ser a exceção que confirma a regra a mídia americana é tão atuante que ela pode se dar ao luxo de denunciar alguns procedimentos calcados sobre o poderio americano sem risco de provocar possibilidades da sociedade se mobilizar contra essa atitude.
43
Esse comprometimento das grandes empresas de comunicação com os negócios
privados, logicamente com certos interesses de Estados que muitas vezes permitem
altos lucros a alguns setores da economia, têm provocado uma aceleração deturpação da
função da imprensa. A globalização dos negócios e a participação das grandes empresas
privadas de comunicação em quantidades significativas têm sido responsáveis pela falta
de compromisso da imprensa com a informação, a qual tem estado cada vez mais
relacionada com articulações e decisões de mercado, e não com o objetivo de informar
o cidadão e logicamente, defender a democracia e a liberdade de imprensa. Essa relação
cada vez mais intrínseca entre os órgãos da imprensa e os negócios privados representa
a marca mais importante das recentes transformações do mundo dos negócios
globalizados. (MATTOS, 1982)
Em suma, a presença da mídia, composta não apenas pelos jornais e TV’s, mas também
pelas novas formas de veiculação das informações tais como as agências de notícias
ligadas à Internet, normalmente propriedade de empresas conectadas aos grupos de
mídia impressa ou televisiva já existentes no mercado, que passam a servir cada vez
mais aos interesses privados, esmagando, dessa forma, o espírito crítico presente na
essência dos primórdios do jornalismo. Essa situação coloca empecilhos aos debates de
idéias, às novas visões de mundo e às novas alternativas de organização política e
econômica das sociedades. (MATTOS, 1982)
Desta forma, torna-se possível perceber que a globalização reforçou enormemente a
hegemonia das indústrias de comunicação baseadas nos EUA. A partir dessa lógica de
pensamento, fica claro que a mídia global nada mais é do que um conjunto de empresas
44
internacionais de comunicação que se insere na lógica do capitalismo global e que se
alinha aos interesses econômicos das grandes potências. No contexto de globalização
econômica, a mídia acaba reproduzindo e defendendo a ideologia política de poderes e
interesses específicos. Essa idéia pode ser confirmada na Guerra do Iraque de maneira
consistente e precisa, uma vez que a mídia atuou no quartel como braço direito das
forças norte-americanas por meio de procedimentos relacionados com censura prévia,
possuindo dessa forma, uma abrangência cada vez mais global, mais subserviente e
menos autônoma.
3. PAPEL DA MÍDIA NA SEGUNDA GUERRA DO GOLFO
Conflitos entre Estados são acompanhados por jornais desde tempos remotos, apesar
dos avanços tecnológicos terem alterado a maneira como a guerra é veiculada. Sendo
assim, para compreender melhor a atuação da mídia na Guerra do Iraque torna-se
prudente saber como foi o desempenho da mesma no decorrer da Guerra do Golfo.
3.1 Cobertura Jornalística na Guerra do Golfo (1991)
Neste confronto, o controle sobre os jornalistas foi tão intenso que a operação de mídia
ficou conhecida como Operação Mordaça no Deserto21. Na Grã-Bretanha, a princípio,
foram nomeadas sessenta e cinco pessoas para coordenar a imprensa, além de cento e
cinqüenta oficiais. Do total de dois mil correspondentes enviados ao Golfo, mil e
duzentos eram americanos. Contudo, a maioria foi retirada do Iraque antes do início da
21 Para maiores informações ver MacArthur J. 1993. Secont Front: Censorship and Propaganda in the Gulf War, Los Angeles, University of California Press.
45
guerra. O Pentágono estabeleceu que dois grupos de dezoito repórteres fariam a
cobertura, mas as organizações de mídia pressionaram o governo que acabou
acrescentando onze grupos de sete jornalistas para acompanhar os acontecimentos.
(FONTENELLE, 2004)
De maneira geral, a campanha de mídia se propôs a minimizar as iniciativas de
coberturas independentes, e assim, favorecer a manipulação dos fatos. Uma das mais
decisivas evidências de que realmente era essa a intenção dos norte-americanos foi
fornecida por Richard Cheney, o Secretário de Defesa de George H. Bush, hoje
conhecido como Dick Cheney e vice-presidente dos Estados Unidos: “... eu achava que
era importante tentar administrar esse relacionamento para evitar que a imprensa nos
ferrasse, se é que posso usar esse termo” (TRRALL A. apud FONTENELLE, 2003).
Posteriormente, o jornalista independente do San Francisco Chronicle, Carl Nolte,
confirmou o sucesso da iniciativa: “Você não precisa esperar pelos militares para que
eles te ajudem. A própria mídia se encarrega disso” (MACARTHUR, J. apud
FONTENELLE, 2004).
O controle foi possível porque a maioria das ofensivas foi estabelecida diretamente
pelos aviões, o que torna o acompanhamento dos fatos mais difícil para a imprensa.
Somente quando as batalhas atingem os campos é que os jornalistas passam a possuir
maior capacidade para cobrir o que ocorre, entretanto, os combates no solo duram
apenas uma semana. Pela falta do que noticiar, os jornalistas enfatizavam a aparência
dos soldados, como os uniformes para proteção contra armas químicas, equipamentos
do exército e cantis. (FONTENELLE, 2004)
46
Durante a guerra, nenhum jornalista tinha permissão de se movimentar no campo de
batalha desacompanhado de algum membro do governo, sendo assim, geralmente os
oficiais os direcionavam para registrar apenas o que era interessante divulgar do ponto
de vista dos aliados. Além disso, a cobertura era feita em rodízio, o que significa que
havia um número reduzido de repórteres para testemunhar os esforços da guerra. Suas
reportagens eram remetidas a outros veículos de comunicação, portanto, o parecer do
que era vivenciado nos campos de batalha era bastante restrita. (FONTENELLE, 2004)
Todas as matérias eram revisadas pelos militares, um processo que, às vezes, levava
horas ou até mesmo dias quando estas não iam ao encontro das expectativas dos
aliados. Eles não chegavam a censurar o material, mas a revisão que era feita atrasava o
envio das reportagens às redações, o que fazia com que algumas delas se tornassem
desatualizadas. Em um total de mil trezentos e cinqüenta e uma reportagens que foram
produzidas, apenas cinco chegaram ao Pentágono para a revisão, e das cinco, quatro
não sofreram modificação. (FONTENELLE, 2004)
Toda informação repassada aos jornalistas era cedida pelos militares, ou seja, grande
parte das reportagens favorecia a versão dos aliados. O impacto desse controle foi
verificado por um estudo do The Freedom Forum22, o qual mostrou que três semanas
antes do início da guerra, “as notícias de controvérsias (negativas) ganhavam em
22 Uma fundação independente que defende a liberdade de imprensa. Para maiores informações: Freedom Fórum, disponível em http://www.freedomforum.org . Acesso em: 17 nov. 2007 às 08:20
47
número para as chamadas fitas amarelas23 (de apoio às tropas) numa proporção de 45 a
8. Seis semanas mais tarde, os números se inverteram e as favoráveis aos militares
tornaram a liderança numa proporção de 36 a 19” (JOWETT, G. e O´DONNEL, V.
apud FONTENELLE, 2004)
O cuidado dos norte-americanos era justificado, já que não havia no Congresso
consenso em relação à guerra, a opinião pública estava dividida e também, devido aos
avanços tecnológicos, o número de telespectadores acompanhando o conflito era
elevado: no dia 16 de janeiro de 1991, um total de cento e vinte milhões de pessoas
foram capazes de assistir pela maior audiência da história o anúncio da guerra.
Contudo, ocorreram três fatos que fugiram ao controle dos aliados: o bombardeio de
uma fábrica de leite infantil, a destruição de uma casamata em Bagdá, causando a morte
de civis e a destruição de mil veículos do exército iraquiano. Na Inglaterra, pesquisas
de opinião demonstraram que 80% do público eram a favor das restrições impostas à
mídia. (FONTENELLE, 2004)
3.2 O Iraque, George W. Bush e Tony Blair
Para uma melhor compreensão do contexto da guerra contra o Iraque torna-se
necessário retornar a 2 de agosto de 1990 quando o presidente do Iraque, Saddam
Hussein, ordenou a invasão do Kwait. O ato foi condenado pelo Conselho de Segurança
23 Nos Estados Unidos, americanos penduraram fitas amarelas em árvores, cercas e prédios, para demonstrar apoio aos soldados e esperança de ter de volta prisioneiros e seqüestrados. ( FONTENELLE, 2003)
48
das Nações Unidas24 por meio da Resolução 660, um documento maciçamente apoiado
pela comunidade internacional. Quatro dias depois, as Nações Unidas aplicaram
sanções econômicas ao Iraque, acreditando que a medida forçasse o país a retirar suas
tropas. No entanto, ficou claro que Saddam não tinha intenção de sair.
(FONTENELLE, 2004)
No dia 29 de novembro, o Conselho de Segurança emitiu a Resolução 678, autorizando
todos os mecanismos necessários para assegurar o cumprimento da Resolução 660. O
documento deu aos Estados Unidos e aos seus aliados, principalmente a Grã-Bretanha e
a França, permissão para expulsar as forças iraquianas do Kwait. A Guerra do Golfo foi
representada por uma árdua campanha aérea que durou seis semanas. No entanto,
operação no solo durou menos de sete dias. Para os aliados, o conflito obteve uma
demonstração de poderio militar sem precedentes, televisionado, com exclusividade
principalmente pela CNN (canal norte-americano). (FONTENELLE, 2004)
No dia 21 de fevereiro o Kwait foi libertado pela coalizão, e seis dias posteriores o
Iraque aceitou os termos do cessar-fogo, fazendo com que a vitória fosse celebrada
pelos aliados. Contudo, essa situação foi um desastre para a população iraquiana.
Acreditando que teria apoio dos EUA, um grande número de iraquianos havia se
rebelado contra o regime de Saddam. Foram abandonados após a retirada das tropas do
país. Com isso, a retaliação de Saddam gerou um massacre sobre os rebeldes (os
Curdos no norte Shia no sul) matando milhares de civis. O interessante é que no
24 É o órgão das Nações Unidas responsável pela segurança mundial. Dentre os seus objetivos estão o de manutenção da paz. È composto por EUA, França, Inglaterra, Rússia e China. Retirado de United Nations Security, disponivel em: www.un.org/sc. Acessado em 10 de out. de 2007 às 10:25.
49
transcorrer da Guerra do Iraque de 2003, soldados americanos espalharam panfletos
com a frase “desta vez não abandonaremos vocês”, um empenho de propaganda de
guerra para restituir a confiança iraquiana no governo dos EUA. (FONTENELLE,
2004)
Durante a última década houve inúmeras tentativas com intuito de enfraquecer Saddam
Hussein, sempre partindo do pressuposto que o presidente do Iraque estaria
desenvolvendo armas de destruição em massa. Como parte dos condicionamentos
aplicados após a Guerra do Golfo, ele concordou em encerrar sua produção e autorizar
que equipes de inspeção das Nações Unidas monitorassem o país. Contudo, a permissão
durou pouco tempo. Em 1997, os inspetores tiveram seu acesso limitado e algumas
regiões do país não puderam passar por vistorias. (FONTENELLE, 2004)
Em 1998, influenciado pela pressão internacional, o Iraque voltou atrás permitindo a
retomada das inspeções. No entanto, meses depois as Nações Unidas ordenaram que
um relevante percentual de seus funcionários deixasse o país, e em dezembro os
Estados Unidos e a Grã-Bretanha iniciaram bombardeios aéreos visando destruir
regiões onde Saddam estaria produzindo armas biológicas, nucleares e químicas. Em
1999, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprova a Resolução 1284,
substituindo a missão de inspeção pela Comissão de Monitoração, Verificação e
Inspeção, UNMOVIC25. O documento foi rejeitado pelo Iraque. No dia 20 de janeiro de
25 Para maiores informações checar UNMOVIC . Disponível em: http://www.unmovic.org/ Acessado em 04 de nov. de 2007 às 14:10.
50
2001, a população norte-americana elege como seu 43º presidente, George W. Bush.
(FONTENELLE, 2004)
Não é possível estabelecer o exato momento em que o presidente George Bush
começou a planejar a derrubada de Saddam Hussein, contudo, em entrevistas
publicadas no decorrer de sua campanha eleitoral, é possível perceber que mesmo sem
um plano arquitetado, o objetivo de depor Saddam já era consistente. Em entrevista
cedida à BBC, no dia 18 de novembro de 1999, quando Bush ainda era governador do
Texas e candidato à presidência, ele revelou que “Ninguém imaginava que Saddam
ainda estivesse de pé. Chegou o momento de finalizar a tarefa” (BECK, S.e DOWING,
M apud FONTENELLE, 2004).
A frase referia ao fato de seu pai, George W. Bush, não ter tido sucesso em retirar
Saddam do poder durante a Guerra do Golfo. Entretanto, essa não foi a primeira que
Bush expressou seu interesse em destruir o presidente do Iraque. Em setembro de 2000,
a Associação pelo Controle de Armas questionou os adversário de Bush sobre como os
EUA agiriam no tocante às armas de destruição em massa do Iraque, e Bush respondeu:
“... devemos insistir para que Saddam cumpra o acordo de cessar-fogo. Preocupo-me como fato dele não estar cooperando. Se fosse eleito presidente, não aliviaria as sanções e defenderia que os inspetores da ONU tivessem permissão para entrar no país. Ajudaria grupos de oposição a Saddam e, se descobrisse que Saddam Hussein estivesse de alguma forma produzindo armas de destruição em massa, eu os destruiria.” (Arms Control Association apud FONTENELLE, 2004:29)
51
Em fevereiro de 2001 George W. Bush com a ajuda da Grã Bretanha bombardearam o
sistema de defesa do Iraque mostrando que o governo adotaria uma linha dura contra o
regime de Saddam. Além disso, outra de suas promessas também começou a ser
cumprida. Apesar de ter dito a Tony Blair que uma investida rápida contra o presidente
do Iraque não fazia parte de sua agenda naquele momento, membros da oposição ao
Iraque começaram a ser treinados militarmente por forças americanas.
(FONTENELLE, 2004)
Os ataques terroristas conduzidos pelo Al-Qaeda contra os Estados Unidos em 11 de
setembro foram entendidos por vários analistas como o ponta pé inicial da “Guerra
contra o Terror” de Bush. Após a guerra contra o Al-Qaeda e os Talibans no
Afeganistão, o presidente americano dedicou-se a vincular Saddam Hussein ao grupo
terrorista Al-Qaeda. Entretanto, para isso era necessário demonstrar à comunidade
internacional que o regime de Saddam significava uma ameaça à paz mundial.
(FONTENELLE, 2004)
Quatro dias após os atentados, Bush convocou seus principais conselheiros para uma
reunião cujo tema era a guerra contra o terrorismo com foco no Afeganistão. Se era
para levar a sério a guerra contra o terrorismo, em algum momento, os Estados Unidos
teriam que ir atrás de Saddam, defendia a equipe. Contudo, a decisão de Collin Powell
(secretário de Estado norte-americano) foi de ceticismo, defendendo que as chances de
formar uma coalizão desapareceriam caso os EUA partissem para uma ofensiva contra
o Iraque:
52
“Se conseguirmos ligar 11 de setembro ao Iraque, ótimo, vamos acabar com eles no momento certo. Por agora, vamos pegar o Afeganistão. Se o fizermos, aumentaremos nossa habilidade de partir para uma ofensiva contra o Iraque.”(RAMESH, R. apud FONTENELLE, 2004:30)
Bush concordou com Powell que o Iraque podia esperar, contudo, esta durou apenas
dois dias, uma vez que o plano de ataque ao Afeganistão chegou às suas mãos. Ao final,
uma nota endereçada ao Pentágono pedia que as opções para uma invasão militar no
Iraque fossem postas no papel. Ao mesmo tempo em que apesar dos ataques de 11 de
setembro não terem reforçado a atitude dos Estados Unidos em relação ao Iraque, a
decisão de atacar aquele país teve pouca ou até mesmo nenhuma conexão com o ato
terrorista, mas por outro lado, foi o 11 de setembro que tornou a guerra possível.
(FONTENELLE, 2004)
Tony Blair foi o líder mundial que mais apoiou os Estados Unidos. Em contrapartida
enfrentou a maior crise de seu governo: a renúncia de integrantes próximos, queda da
popularidade, rejeição dentro do partido e a realização da maior marcha contra guerra
da história da Inglaterra. Mesmo com todas as repercussões, manteve-se firme em sua
decisão de apoio aos EUA na luta contra o terrorismo internacional. O primeiro passo
foi em 7 de outubro, quando a Grã Bretanha e os EUA iniciaram ataques aéreos contra
o Taliban e a Al-Qaeda, no Afeganistão, numa tentativa de destruir os responsáveis
pelos ataques de 11 de setembro. (FONTENELLE, 2004)
No que tange à ofensiva ao Iraque, a primeira percepção de que os aliados seguiriam
juntos sem a aprovação do Conselho de Segurança da ONU foi no dia 3 de setembro de
2002, durante uma entrevista em que Blair alega que as ações seriam tomadas por meio
53
da ONU somente no caso de haver uma decisão para enfrentar o problema, não
evitando as medidas necessárias. Dias depois, Bush decidiu aguardar a decisão da ONU
acatando os esforços de Blair. Entretanto, dias posteriores, o presidente dos EUA
redirecionou sua atenção do Afeganistão ao Iraque, e no mesmo momento Blair deu
início a uma campanha diplomática com intuito de convencer Bush a obedecer às
Nações Unidas. Contudo, na semana seguinte o primeiro-ministro publicou um dossiê
de 50 páginas afirmando que em 48 horas o Iraque poderia produzir armas químicas.
Em 8 de novembro o Conselho de Segurança aprovou a resolução 1441 ameaçando
sérias conseqüências caso o Iraque não desistisse de suas armas de destruição em
massa. (FONTENELLE, 2004)
Em janeiro, Hans Blix, o inspetor chefe de armas da ONU, declarou que não havia
encontrado vestígios dessas armas no Iraque. Sendo assim, suas declarações foram um
golpe duro para Blair, já que ele precisaria convencer a opinião pública a aceitar a
suposta ameaça imposta por Saddam. Com o objetivo de provar que estava certo, o
governo britânico emitiu um dossiê de evidências contra o Iraque, fazendo com que em
26 de fevereiro o parlamento promovesse novo debate sobre o país em questão. Para o
primeiro-ministro, o resultado é desastroso, posto que um terço dos parlamentares
votaram contra a ação militar, e os que aceitavam a guerra alegavam que ela deveria ser
feita com aprovação das Nações Unidas por meio de uma nova resolução. Em
contrapartida, no dia 15 de março de 2003 mais de um milhão de pessoas participaram
em Londres da maior manifestação popular contra guerra da história daquele país.
(FONTENELLE, 2004)
54
Os EUA invadem o Iraque em março de 2003 sob pretexto de destruir as supostas
armas, levar a democracia ao povo iraquiano que tanto sofreu coma ditadura de
Hussein, e lutar contra o terrorismo. Saddam, porém, nega possuir tais armas, mesmo
tendo autorizado a inspeção. Para decidir o que seria feito, os países que compõem o
Conselho de Segurança da ONU se reuniram. Dos cinco países (China, Rússia, França,
EUA e Inglaterra), os três primeiros eram contra a intervenção. Então, os EUA foram
obrigados a agir em contraposição à decisão do conselho. A ocupação do território
iraquiano por tropas americanas resultou na prisão do Saddam Hussein e na destituição
de seu cargo. Quanto à guerra, esta continua. As tropas americanas continuam a ocupar
o Iraque, mesmo depois de o ditador ter sido deposto e o governo democrático
instaurado. (FONTENELLE, 2004)
3.3 A estratégia de comunicação dos aliados
Durante a guerra contra o Iraque, o governo americano em parceria com forças
britânicas conduziu uma campanha de comunicação que teve efeito direto na maneira
como a guerra foi noticiada em todo o mundo. A estratégia envolvia repórteres
enlistados26, correspondentes no Centro de Mídia do Comando Central27, em Qatar, e
bases nacionais para a coordenação da campanha. De diversas formas, a mídia atuou de
26 No Brasil esse repórter foi chamado de duas formas: enlistados e engajados. Tais termos se referem aos jornalistas que acompanham as tropas no campo de batalha, os quais são capazes de registrar a guerra viva, sem retoques. FONTENELLE, Paula. Iraque: a guerra pelas mentes. São Paulo: Sapienza, 2003.p.59. 27 O Centro de Mídia do Comanda Central, situado em Doha, era um grande armazém de alumínio super equipado pelos americanos. Estrategicamente posicionado num campo aberto em As Sayliya para evitar interferências nas transmissões via satélite, o CentCom foi a grande expectativa da imprensa internacional, contudo, foi também, sua maior decepção. FONTENELLE, Paula. Iraque: a guerra pelas mentes. São Paulo: Sapienza, 2003.p.56.
55
uma maneira inovadora, visto que a participação de jornalistas no campo de batalha
possuiu um número sem precedentes. Nessa conjuntura, cabe destacar que a operação
de mídia dirigida pelos EUA esteve totalmente relacionada com o momento político
vivenciado pela potência, já que a princípio, Bush contava com um pequeno percentual
da população norte-americana. E externamente, sua preocupação era com a imagem de
seu país no Oriente Médio, sendo assim, sua estratégia inicial era de minimizar o
sentimento antiamericano no mundo árabe. (FONTENELLE, 2004)
Uma abordagem inovadora por parte da Grã-Bretanha cabe ser explicada para uma
maior compreensão da estratégia de manipulação da mídia no que tange ao conflito em
questão. Ao invés de buscar manter a imprensa afastada, como usualmente ocorre nos
focos de tensão, o governo britânico ofereceu aos jornalistas e aos oficiais de alta
patente do exército um interessante acesso aos campos de batalha, além de
disponibilizar uma avançada tecnologia de informação. Além dos diversos artifícios de
comunicação das duas potências e do Centro de Mídia da Coalizão em Qatar, a
Inglaterra acrescentou um novo elemento à campanha: a Unidade Móvel de
Transmissão (UMT)28. Os repórteres engajados às tropas captavam depoimentos e
imagens e as encaminhavam à Unidade para edição, e como tais enlistados não podiam
fazer transmissões ao vivo dos campos de batalha, até mesmo por questões de
segurança, era a partir do Hub que jornalistas de todo o mundo se comunicavam com
28 Também conhecida como Centro de Informação e Imprensa no Campo (de batalha), CIIC, ou simplesmente, o Hub, sigla esta, que em inglês significa o centro de uma roda (como a de uma bicicleta), visto que na prática os repórteres funcionavam como os raios da roda. Da Unidade móvel, os âncoras entravam ao vivo, veiculando reportagens enviadas pelos engajados somadas às informações que eles obtinham junto aos oficiais, e as fitas eram transportadas pelos exércitos. FONTENELLE, Paula. Iraque: a guerra pelas mentes. São Paulo: Sapienza, 2003.p.49.
56
seus públicos. Desta forma, percebe-se que a Unidade teve um papel primordial na
cobertura jornalística da guerra, especialmente para as emissoras de TV.
(FONTENELLE, 2004)
O principal porta-voz era o coronel Chris Vernon; na acessória de imprensa, o Marcus
Deville que era relações públicas do Ministério da Defesa; e o comando das operações
ficou sob responsabilidade do tenente-coronel Sean Tully. O Hub tinha tudo que é
necessário para que um jornalista desempenhe bem seu papel, uma vez que seus
equipamentos incluíam computadores conectados à Internet, conexões via satélite para
comunicação externa, telefones, TVs e rádios. Entretanto, logo no início da guerra os
correspondentes se deram conta de que faltava na Unidade a principal matéria prima
para aquele tipo de cobertura: o acesso imediato aos fatos. E em diversos momentos,
houve discussões entre correspondentes e oficiais do exército britânico, e também,
protestos de jornalistas contra a promessa não cumprida de serem levados ao campo de
batalha. Tanto que em um dia bastante tenso, o coronel. Sean Tully alegou aos
jornalistas que se quisessem sair, teriam que perder os benefícios oferecidos pelo Hub.
(FONTENELLE, 2004)
Na verdade, a inicial intenção dos jornalistas era de utilizar a Unidade somente como
forma de cruzar a fronteira entre o Kuait e o Iraque29. Mas o problema se agravou
quando no terceiro dia de guerra, cinco repórteres independentes foram mortos como 29 O Hub foi montado no norte do Kwait. Nos primeiros dias de bombardeio, a estrutura foi transferida para um antigo complexo das Nações Unidas em Saftwan, cidade na fronteira ente o Iraque e o Kuait. Por fim, a unidade posicionou-se em Barsa. No local, havia em torno de quarenta oficiais, quarenta jornalistas, incluindo correspondentes de guerra, operadores de câmera e equipe técnica. FONTENELLE, Paula. Iraque: a guerra pelas mentes. São Paulo: Sapienza, 2003.p.50.
57
vítima de fogo amigo30. Eles morreram tentando entrar em Barsa, mas acabaram
ficando presos entre um tiroteio entre americanos e iraquianos, o que certamente, fez
com que demais jornalistas alterassem seus planos de início. Com isso, jornalistas e
militares passaram a perceber que a Unidade proveria acesso à linha de frente, fazendo
com que ambos se desapontassem com os obstáculos provenientes do Hub. O principal
empecilho eram os veículos do exército que não eram blindados, o que impossibilitava
o transporte dos jornalistas. Essa percepção fez com que repórteres se conscientizassem
de que não haveria segurança fora da Unidade; e além de tudo, por mais que eles
percebiam que não tinham vivência direta nos acontecimentos, a figura deles era
essencial para as transmissões ao vivo. (FONTENELLE, 2004)
Não há dúvidas de que durante a Guerra do Iraque, os aliados estipularam uma relação
mais aberta com a mídia, mas mesmo assim houve intensa manipulação e controle, os
quais possuem um claro mecanismo para quem planeja, contudo, obscura para os que
ajudam alcançá-lo. Sendo assim, existem alguns aspectos da guerra que necessitam ser
melhor destrinchados. O primeiro deles é o sistema de enlistados. Quando comparado à
Guerra do Golfo, o número de jornalistas acompanhando as tropas duplicou num total
de setecentos. Por que será que os militares decidiram ampliar o acesso aos campos de
batalha? Engana-se quem acha que foi por uma questão de abertura. (FONTENELLE,
2004)
30 Fogo amigo são tiros disparados pelos soldados por desatenção ou engano, contra seus próprios companheiros no campo de batalha. Informação adquirida pelo site http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=5368. Acesso em 24.jun. 2006 às14:50.
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O real motivo foi porque os aliados acreditam que esse contato rende reportagens
positivas, posto que a partir do momento que o repórter estabelece uma relação de
proximidade com os soldados, sua percepção dos fatos é alterada. Até mesmo porque a
relação entre eles não é um relacionamento qualquer, já que os militarem garantem aos
repórteres segurança física, além de dividirem o mesmo espaço, a mesma comida, logo,
acabam compartilhando o mesmo medo. A proximidade entre eles era tão grande que
os enlistados fizeram muitas matérias de apoio aos militares, coisas que normalmente
não acontecem em tempos de paz. (FONTENELLE, 2004)
Outro aspecto merece atenção. Não há como negar, que em linhas gerais, a guerra foi
vitoriosa para os aliados. Eles invadiram o país, assumiram rapidamente o controle de
suas principais cidades e enfrentaram pouca resistência dos iraquianos. Os bombardeios
foram precisos e o fato escolhido para simbolizar o fim da guerra com a derrubada da
estátua de Saddam, gerou excelentes imagens no mundo inteiro. (FONTENELLE,
2004)
No Hub, também era praticada uma manipulação velada da mídia. Para os jornalistas
americanos, havia ainda um agravante concernente à pressão pela prática do
patriotismo. Christiane Amanpour, principal correspondente da CNN no Iraque,
reconheceu, c inço meses após a guerra, que a imprensa norte-americana se deixou
calar. Apenas o repórter Bem Brown da BBC admitiu que foi complicado separar sua
posição de jornalista da dos soldados. Ele conta que num certo dia viu um soldado
britânico atirar em sua direção, e quando virou, percebeu que o alvo era um iraquiano
que, se não fosse a rapidez e a precisão do militar britânico, teria atingido e assassinado
59
o próprio repórter. Com isso, ele reconheceu a espontaneidade de sua reação, mas
admite que ter ido além de sua função jornalística. (FONTENELLE, 2004)
Nessa perspectiva, o modelo conceitual da operação de mídia dos aliados, teve dois
embasamentos principais cujo primeiro ficou calcado na decisão de democratizar o
acesso à informação e o segundo, menos transparente e mais complexo, revelava o
outro lado da campanha. Ao ampliar o sistema de engajados, os governos dos dois
países exerceram um controle que foi acobertado pela aparente mudança de postura
frente à mídia. Desta forma, eles manipularam o processo de geração da notícia,
ajudando a modelar o que era lido e visto em veículos de comunicação em todo o
mundo. (FONTENELLE, 2004)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas três últimas décadas, a indústria da mídia passou por um processo de globalização.
O domínio da mídia se concentra cada vez mais nas mãos de grandes conglomerados.
Nesse sentido, o domínio privado da mídia vem superando o domínio público. Pode-se
observar que as empresas de mídia ultrapassaram as fronteiras e diversificaram suas
atividades, tornando as fusões cada vez mais freqüentes. A indústria global da mídia
tornou-se, assim ,dominada por um número reduzido de corporações multinacionais.
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A posição suprema dos países industrializados, sobretudo dos Estados Unidos, na
produção e na difusão da mídia tem levado analistas a se referirem ao “imperialismo da
mídia”. De acordo com essa forma de pensar, vivemos em um império cultural, no qual
os países menos desenvolvidos são entendidos como vulneráveis pelo fato de não
possuírem os recursos necessários à manutenção de sua independência cultural. As
sedes dos vinte maiores conglomerados mundiais da mídia estão todas localizadas nas
nações industrializadas, a maioria delas nos Estados Unidos (GIDDENS, 2005).
Schiller (apud GIDDENS, 2005) afirmou que o controle das comunicações globais por
parte das empresas norte-americanas deve ser observado segundo alguns fatores: a
televisão norte-americana e a cadeia de emissoras de rádio são cada vez mais
influenciadas pelo governo federal, particularmente pelo Departamento de Defesa dos
EUA. A RCA, proprietária das redes de televisão e rádio NBC, é também a principal
subempreiteira da defesa do Pentágono, o quartel das forças armadas dos EUA. Desse
modo, o autor afirma que, apesar de os norte-americanos terem sido os primeiros
afetados pelo “casulo que protege a mensagem das corporações (...) o que está
acontecendo agora é a criação e extensão global de um novo ambiente cultural-
informacional corporativo” Schiller (apud GIDDENS, 2005). Nesse sentido, a
dominação norte-americana determina os limites para a elaboração de um discurso
nacional.
O estudo da mídia está intimamente relacionado ao impacto da ideologia, conceito que
se refere à influência das idéias sobre as convicções e ações das pessoas. Tal conceito
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tem sido empregado largamente nos estudos referentes à mídia, e há muito provoca
controvérsias. Para autores posteriores, o conceito foi utilizado em sentido crítico.
Segundo Marx, a ideologia seria uma “falsa consciência”. Grupos de poder controlam
as idéias dominantes em uma sociedade no intuito de justificar sua postura.
(GIDDENS, 2005).
O pensamento Gramsciano possui expressão fundamental no transcorrer do trabalho,
posto que através do conceito de hegemonia e bloco histórico, foi possível perceber que
a mídia atuou como um instrumento político controlado pelo capital privado norte-
americano, demonstrando que a imprensa internacional pautada pelos Estados Unidos
no transcorrer da Guerra do Iraque, cumpriu um papel essencial para obter poder e
vantagens que ajudassem na manipulação norte-americana no conflito .
Nessa perspectiva, torna-se possível perceber que a apropriação localizada dos produtos
globalizados da mídia foi o maior fator de estímulo às mais amplas formas de conflitos
e mudanças sociais no mundo moderno, já que muitas formas de conflitos sociais,
políticos e econômicos são extremamente complexas e implicam diversos fatores. Mas
seria plausível dizer que a crescente difusão dos produtos globalizados da mídia tem
desempenhado influência considerável no transcorrer de conflitos. (THOMPSON,1995)
62
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