Michel Cury Neto

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Michel Cury Neto A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA PRÉVIA DO TRIBUNAL DE CONTAS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS Dissertação de Mestrado Orientadora Professora Titular Odete Medauar Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP São Paulo 2012 Michel Cury Neto

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Michel Cury Neto

A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA PRÉVIA DO TRIBUNAL

DE CONTAS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS

Dissertação de Mestrado

Orientadora Professora Titular Odete Medauar

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP

São Paulo

2012

Michel Cury Neto

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2

A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA PRÉVIA DO TRIBUNAL

DE CONTAS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS

Dissertação de Mestrado

Orientadora Professora Titular Odete Medauar

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP

São Paulo

2012

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3

Michel Cury Neto

A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA PRÉVIA DO TRIBUNAL

DE CONTAS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação Stricto Sensu em Direito do

Estado, da Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo, para obtenção do

título de Mestre em Direito.

Orientadora: Professora Titular Odete

Medauar

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

São Paulo

2012

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4

TERMO DE APROVAÇÃO

MICHEL CURY NETO

A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA PRÉVIA DO TRIBUNAL

DE CONTAS NAS LICITAÇÕES PÚBLICAS

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em

Direito, no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito do Estado, da

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pela seguinte banca examinadora:

Orientadora: Professora Titular Odete Medauar

Departamento de Direito do Estado - USP

_____________________________

Membros: Prof. Dr.

_____________________________

Prof. Dr.

_____________________________

São Paulo, de de 2012.

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5

AGRADECIMENTOS

A realização desta dissertação só foi possível porque tive o

privilégio de contar com o incentivo, a colaboração e a confiança de

diversas pessoas, às quais venho expressar meus sinceros agradecimentos.

Agradeço, primeiramente, minha orientadora, professora

Odete Medauar, exemplo de vida e docência, por saber compreender e

apontar minhas limitações, ensinando-me e incentivando-me na execução

desta dissertação.

Agradeço, ainda, o grande amigo, sócio e professor Marcos

Jordão Teixeira do Amaral Filho, que, com sua experiência e carinho,

lançou as primeiras sementes em favor deste projeto, sempre me

transmitindo confiança, conhecimento e disposição.

Agradeço, de modo muito especial, meus queridos pais,

Amir Cury e Lenice Lapolla Cury, exemplos de vida honesta e dedicada

aos filhos, de quem aprendi tudo o que sou e por quem nutro imenso

orgulho.

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6

RESUMO

A Lei de Licitações e Contratos, em seu artigo 113, instituiu regra

garantidora do controle das despesas e demais instrumentos insertos na mencionada lei

ordinária federal aos Tribunais de Contas. O mesmo diploma confere, outrossim, a

faculdade aos Tribunais de Contas de solicitar editais de licitação antes da fase de

abertura das propostas.

Fruto desta lei de licitações em vigor, com vistas a assegurar o amplo

direito de petição, foi admitida a possibilidade que todo licitante, ou pessoa física ou

jurídica, que observe irregularidade em algum item de edital formulado pela

Administração Pública, pudesse representar ao Tribunal de Contas, contra o que

entender de ilegal ou irregular, podendo até pleitear a suspensão do procedimento

licitatório.

Desde que formulada tal petição apresentando indícios de

irregularidades no edital, a Corte de Contas pode, com fulcro no artigo 113 da Lei

8.666/93, até o dia anterior à data prevista para a abertura dos envelopes, requisitá-lo,

com outros elementos completos, para proceder ao seu exame prévio.

Nesta hipótese, o Tribunal, à vista dos elementos processuais poderá

determinar a suspensão do procedimento licitatório, até que decida o processo,

concluindo por determinar retificação nos itens em que houver irregularidade ou, em

não havendo, cancelar a suspensão, podendo o Órgão continuar o normal procedimento.

Esta inovação legal implicou na mudança do modelo de fiscalização

do Tribunal, que, via de regra, só controla posteriormente. Neste caso, como o próprio

nome indica, o exame é prévio.

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7

Ocorre que tal inovação gerou críticas formuladas por certas correntes

doutrinárias1 e por administradores públicos, no sentido de afirmarem que tal controle

externo não poderia implicar na direta interferência na gestão dos órgãos ou entidades a

ele submetidos nem ingerência no exercício de suas competências.

O presente trabalho se propôs a analisar esta competência atribuída

pelo legislador constituinte ao Tribunal de Contas, no exercício da função de controle

prévio no tocante aos certames licitatórios e contratos da Administração, além de seus

reflexos na gestão dos órgãos ou entidades submetidos a este controle.

PALAVRAS CHAVES: FUNÇÃO CONTROLADORA, TRIBUNAL DE

CONTAS, CONTROLE PRÉVIO, FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA.

1 p. ex. MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração

Pública. Biblioteca Digital Fórum de Contratação e Gestão Pública FCGP,Belo Horizonte, ano 9, n. 100,

abr. 2010

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8

ABSTRACT

The Procurement and Contracts Law, in Article 113, guaranteeing the

rule instituted cost control and inserts other instruments mentioned in the federal

common law Courts of Auditors. The same law provides, moreover, the right to audit

courts to request the bidding stage before the opening of tenders.

Result of this bidding law in force, with a view to ensuring full right

of petition, admitted the possibility that any bidder or person or entity who observes any

irregularity in item announcement made by the Administration, could represent to the

Court of Auditors, to understand against the illegal or irregular, and may even demand

the suspension of the bidding process.

Since such a request formulated by presenting evidence of

irregularities in the notice, the Court of Auditors may, with the fulcrum in Article 113 of

Law 8666/93, until the day before the date scheduled for the opening of the envelopes,

order it, complete with other elements to proceed to the preliminary examination.

In this case, the Court, in view of the procedural elements may decide

to suspend the bidding process, until you decide the process for determining correction

in concluding that there are items or irregularity in the absence thereof, cancel the

suspension, the Board may continue normal procedure.

This legal innovation resulted in changing the model of the Court

ruled that, as a rule, only judges later. In this case, as its name indicates, the exam in

advance.

It happens that this innovation has generated criticism by certain

doctrinal trends as well as public administrators, to assert that such external control

could not involve the direct interference in the management of the agencies or entities to

the subject or interference with the exercise of its powers.

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This study proposes to examine this constitutional power granted by

the legislature to the Court, in exercising control with respect to the previous exhibitions

of the bidding and contract administration as well as your reflexes in the management of

agencies or entities subject to this control.

KEY WORDS: CONTROL FUNCTION, COURT OF AUDITORS, PRIOR

INSPECTION, PRIOR FISCALIZATION

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................................12

CAPITULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO E PERTINÊNCIA DO CONTROLE

NA AÇÃO ADMINISTRATIVA.............................................................................14

1.1 – O CONCEITO DE CONTROLE.......................................................................15

1.2 – ESPÉCIES DE CONTROLE.............................................................................17

1.2.1 – CONTROLE INTERNO......................................................................20

1.2.2 – CONTROLE EXTERNO.....................................................................22

CAPITULO II – O TRIBUNAL DE CONTAS E SUA FUNÇÃO DE

CONTROLE EXTERNO NO BRASIL..................................................................24

2.1 – O TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE CONTAS.....29

2.2 – A NATUREZA JURÍDICA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS........................31

2.3 – A NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE

CONTAS.....................................................................................................................37

2.4 – A JURISDIÇÃO DAS CORTES DE CONTAS..............................................41

CAPÍTULO III - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E CRITÉRIOS DE

CONDUTA APLICÁVEIS AO CONTROLE PRÉVIO REALIZADO PELO

TRIBUNAL DE CONTAS........................................................................................54

3.1 – PRINCÍPIO DA MORALIDADE......................................................................55

3.2 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA..........................................................................58

3.3 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.......................................................................60

3.4 – CONTROLE DE LEGITIMIDADE.................................................................64

3.5 – ECONOMICIDADE..........................................................................................65

CAPÍTULO IV – CONTROLE PRÉVIO REALIZADO PELO TRIBUNAL

DE CONTAS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO FISCALIZADORA.........67

4.1 – CONTROLE PRÉVIO: CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E PRÁTICAS NO

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11

EXERCÍCIO DA ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS...............................67

4.1.1. – O DESAFIO DAS CORTES DE CONTAS NO CONTROLE

PRÉVIO DAS LICITAÇÕES..................................................................................70

4.2 – REQUISITOS PROCESSUAIS PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE

FISCALIZATÓRIO PRÉVIO....................................................................................78

4.2.1 – O TRATAMENTO NORMATIVO DESTA MATÉRIA NO

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO..................................................................79

4.2.1.1 – DENÚNCIA..........................................................................79

4.2.1.2 – REPRESENTAÇÃO.............................................................81

4.2.2 – O TRATAMENTO NORMATIVO DESTA MATÉRIA NO

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO................................83

4.2.2.1 – REPRESENTAÇÃO.............................................................84

4.2.2.2 – DENÚNCIA..........................................................................85

4.2.2.3 – EXAME PRÉVIO DE EDITAL............................................86

4.2.2.4 – CONSULTA..........................................................................87

4.3 – O CONTROLE PRÉVIO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS SUB EXAMEN

PELO PODER JUDICIÁRIO...................................................................................88

4.4 – O CONTROLE PRÉVIO E SEUS REFLEXOS SOBRE A GESTÃO DOS

ÓRGÃOS OU ENTIDADES A ELE SUBMETIDOS..............................................91

CAPÍTULO V – CONCLUSÕES...........................................................................96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................98

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INTRODUÇÃO

A observação de que o homem tende a abusar do poder levou o Barão

de Montesquieu a aprimorar e sistematizar a teoria da separação dos poderes, residindo

seu ponto fundamental na necessidade de os poderes instituídos serem controlados por

órgãos diferenciados. Subjaz, nessa doutrina, a idéia de proteção dos direitos e liberdades

dos indivíduos.

Atualmente, a teoria da tripartição dos poderes vem sofrendo severas

críticas relacionadas à sua insuficiência e incompatibilidade com as dimensões do Estado

contemporâneo, chegando-se mesmo à afirmação de que perdeu autoridade, vigor e

prestígio, porque os valores que a inspiraram desapareceram ou estão em via de

desaparecer, não havendo mais lugar para a prática de um princípio rígido de separação,

segundo o qual o povo é o verdadeiro detentor do poder e o Estado assumiu

responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu.2

Não obstante as críticas, indubitavelmente a teoria cumpriu papel

fundamental na evolução jurídica do poder político, tendo sido um dos mais valiosos

instrumentos para a organização do poder e salvaguarda dos direitos individuais,

subsistindo na organização atual do Estado, facetas que ainda se aplicam perfeitamente,

sendo uma delas a relativa ao controle por órgãos diferentes e independentes do órgão

controlado. A necessidade desse controle permanece viva porque é decorrência lógica do

Estado de Direito.

Por essa razão, forçoso considerar que poucas instituições possuem

papel tão relevante como aquela criada com o objetivo primordial de fiscalizar e

controlar os gastos públicos, não existindo países democráticos sem um órgão incumbido

da fiscalização da gestão do dinheiro público.

O controle de contas de determinado órgão estatal, por órgão distinto

dele, é tradição do nosso direito constitucional desde 1891, sendo que mediante ação

2 BONAVIDES,Paulo. Ciência Política . 10ª edição. Malheiros. São Paulo. 1999. p.146.

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13

fiscalizadora, o mesmo é exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de

Contas.

Para Alfredo Cecílio Lopes ―isto ocorre em todos os países civilizados.

E, levando-se em conta a retomada do regime democrático, que é por excelência o da

crítica dos atos governamentais, parece pertinente enfocar o Tribunal de Contas, no seu

aspecto precípuo de controlador da administração financeira.‖3

O Tribunal de Contas, órgão de estatura constitucional, além de aplicar

sanções administrativas, - instrumento largamente utilizado no exercício da função

administrativa, por força da autorização estabelecida no inciso VIII do artigo 71 da

Constituição Federal, no exercício da função controladora , ainda pode, com fulcro no

artigo 113 da Lei 8.666/93, exercer o exame prévio de certames licitatórios antes da fase

de abertura das propostas a serem efetuados pela Administração Pública.

Esse controle do qual estamos falando não pode, entretanto, significar

a imobilização da ação do gestor público, mas a garantia de uma utilização racional,

eficiente, transparente, regular e compatível com o esforço de submissão dos indivíduos

ao Estado. É como diz La Boétie: ―É inacreditável como o povo, desde que se sujeita,

caia tão subitamente em tal e tão profundo esquecimento da liberdade‖.4

A função de controle prévio conferida pela Lei de Licitações ao

Tribunal de Contas é a vertente que interessa no presente estudo, que se propõe a

analisar o processo envolvido no exercício deste controle, a maneira como se dá a

instrução e processamento nos órgãos de assessoramento dos tribunais de contas, o

conteúdo das manifestações dos órgãos e entidades representados e as sanções

aplicáveis a órgãos, entidades e seus dirigentes.

Ao final, será inserida uma breve síntese do conteúdo de cada capítulo;

as principais premissas elaboradas ao longo do presente estudo serão expostas de

maneira sintética nas conclusões do trabalho.

3 LOPES. Alfredo Cecílio. Ensaio sobre o Tribunal de Contas. São Paulo, 1947. 4 LA BOÈTIE, Étienne. Discurso Sobre a Servidão Voluntária. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2003,

comentários e tradução de J. Cretella Jr. E Agnes Cretella, p. 34.

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14

CAPITULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO E PERTINÊNCIA DO CONTROLE NA

AÇÃO ADMINISTRATIVA

José Afonso da Silva anota que ―o princípio pelo qual a

Administração se subordina à lei – o princípio da legalidade – revela-se como uma das

conquistas mais importantes da evolução estatal. Seria, contudo, ineficaz, se não

previssem meio de fazê-lo valer na prática. A função fiscalizadora engloba esses meios

que preordenam no sentido de impor à Administração o respeito à lei, quando sua

conduta contrasta com esse dever de boa administração, que fica também sob a

vigilância dos sistemas de controle.‖5

O nascimento deste dever de fiscalização ocorrido a partir do

implantado Estado de Direito após a Revolução Francesa, sempre constituiu tarefa

básica dos parlamentos e assembléias legislativas, afirma José Afonso da Silva.

Relevante, no entanto, questionarmos quais objetivos perseguidos ao se fiscalizar a

Administração Pública6.

Conforme lembrado pela professora Odete Medauar7, a Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, já continha, no art. 15, o seguinte

preceito: ―A sociedade tem o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua

administração‖. Aí está o significado do controle incidente sobre as atividades da

Administração Pública, evidenciando que a preocupação com o controle, além de

antiga, privilegia a participação popular.

O tema do controle também se liga à questão da visibilidade ou

transparência no exercício do poder estatal, sobretudo da Administração, inserida no

Executivo, hoje o poder hegemônico. E relaciona-se em profundidade com o tema da

improbidade, pois se os mecanismos de controle sobre a Administração se mostrassem

mais eficientes, os índices de corrupção e de obtenção de vantagens ilícitas seriam

menores.

5 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 727. 6 CF. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração

Pública. fls. 04/05. 7 MEDAUAR, Odete, Direito Administrativo Moderno, 11ª ed., SP: RT, 2007, p. 376.

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15

Nesse sentido, a professora Odete Medauar8 aponta que os índices de

corrupção em um Estado democrático de direito seriam inversamente proporcionais aos

de controle da Administração.

O nosso ordenamento jurídico é farto no que toca à criação e

aprimoramento dos sistemas de controle. O Poder Executivo tem suas funções

fiscalizadas pelos demais poderes e pelo Tribunal de Contas e Ministério Público; o

Judiciário, por sua vez, submete-se à fiscalização seja da sociedade, seja do Tribunal de

Contas, seja do Ministério Público.

Também o Legislativo sofre igual ingerência e tutela. Cada Poder, por

sua vez, submete-se a mecanismos de controle interno. Isto sem falar no controle social

exercido pela imprensa, população, entidades não governamentais e partidos políticos.

1.1 – O CONCEITO E FINALIDADE DO CONTROLE

Originalmente, a palavra controle era associada à arrecadação de

recursos para a coroa, ou seja, para o príncipe. Com o passar do tempo houve a

separação entre o tesouro do príncipe e os recursos do Estado. Esta modificação foi

concretizada em Portugal, com a distinção entre Contos de Lisboa (do país) e os Contos

do Rei (da casa real).

Atualmente, pode-se aventar que a idéia de controle é a defesa do

patrimônio público, pois, como é legítimo proprietário de todos os bens que integram

seu patrimônio, o Estado não só teria o poder, mas sim o dever de defender seu

patrimônio.

Guardando ainda relação com o discorrido objetivo, pode-se ainda falar

na adequada aplicação dos recursos públicos, pois, como proprietário que deve

cumprir uma função social, o Estado possui o dever de responsabilizar-se por sua gestão

orçamentária, com a organização e gestão de seus orçamentos, alocando os recursos

disponíveis nas atividades que sejam prioritárias e necessárias ao bom exercício de suas

8 op. cit., p. 377

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16

atividades.

O conceito que expõe Hely Lopes Meirelles é o seguinte: ―a

faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou

autoridade exerce sobre a conduta funcional do outro.‖9

Odete Medauar apresenta várias acepções da palavra

controle conceituando-o como ―a verificação da conformidade da atuação

desta a um cânone, possibilitando ao agente controlador a adoção de medida

ou proposta em decorrência do juízo formado.‖10

Sob o prisma preventivo, o controle objetiva impedir que a atuação

administrativa seja praticada de forma ilegal. Sob a perspectiva reativa, é forma de

verificar se, ao desempenhar suas atividades, a Administração Pública respeitou a

ordem jurídica. Sob ambas as perspectivas, o controle da legalidade pode ser visto como

instrumento para aplicação de políticas gerais uniformes, de decisões coerentes no

âmbito da Administração Pública11

.

Atualmente, o controle sobre a legalidade da atividade administrativa

tem despertado muita atenção. Não apenas pela dificuldade em si de a conduta

administrativa ser estritamente determinada pela lei, mas também porque a lei já não

consegue mais prever de maneira precisa e a priori os limites da atuação da

Administração, o que faz com que cresça a margem de controle da atuação

administrativa, inclusive da discricionariedade12

.

Importa observar que, relacionado a esse processo, a adstrição do

9 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª Ed. São Paulo, Malheiros, 1999, p.

637. 10 MEDAUAR. Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo, Revista do tribunais, 1993, pp. 14-

15. 11 Cf. MEDAUAR, Odete. Controles internos da administração pública. Boletim de Direito Administrativo,

p. 363-364

12 Sobre a ampliação do controle judicial da Administração, ver MEDAUAR. Direito

administrativo moderno, p. 396; DI PIETRO. Direito administrativo, p. 709;

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17

controle à mera verificação formal do cumprimento de prescrições legais pode gerar um

déficit de responsividade13

, ou seja, um distanciamento em relação aos objetivos e efeitos

alvitrados pela sociedade e perseguidos pela atuação administrativa.

A finalidade do controle volta-se a assegurar a transparência dos atos

da Administração e a observância dos princípios constitucionais.

(CONTROLE – ODETE MEDAUAR – INSERIR CITAÇÃO)

1.2 – ESPÉCIES DE CONTROLE

Existem vários critérios para classificar as modalidades de controle:

Em relação ao momento do controle, ele pode incidir prévia,

concomitante e posteriormente à edição do ato.

1) Prévio (preventivo): é o que antecede à conclusão ou operatividade

do ato, como requisito para sua eficácia. É um controle preventivo porque visa impedir

que seja praticado ato ilegal ou contrário ao interesse público. Ex.: art. 49, II, III, XV,

XVI, XVII, e 52, III, IV e V, da Constituição Federal, quando sujeita à autorização ou

aprovação prévia do Congresso Nacional ou de uma de suas Casas determinados atos do

Poder Executivo.

13 "A responsabilidade (accountability), como se vê, corresponde sempre à obrigação de executar algo,

que decorre da autoridade delegada e ela só quita com a prestação de contas dos resultados alcançados e

mensurados pela Contabilidade. A autoridade é a base fundamental da delegação e a responsabilidade

corresponde ao compromisso e obrigação de a pessoa escolhida desempenhá-lo eficiente e eficazmente."

in TINOCO. João Eduardo Prudêncio. In Balanço social: balanço da transparência corporativa e da

concentração social. Revista Brasileira de Contabilidade n. 135 – maio/junho 2002. p. 62

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18

2) Concomitante (simultâneo): incide sobre a atuação administrativa

desde o momento de sua origem, a exemplo do controle de gastos públicos e o

acompanhamento da execução contratual.

Considerado o mais eficaz, o controle concomitante recai sobre o

procedimento evitando riscos inúteis e prejuízos à Administração, administrado e erário.

É verdade que tal modo de controle depende do avanço da máquina

estatal, da tecnologia de ponta em matéria de informática e demais meios de

comunicação, de forma a torná-lo o mais rápido e eficiente possível no combate às

irregularidades e desperdícios.

3) Posterior (subsequente-corretivo): tem por objetivo a revisão dos

atos já praticados, para corrigi-los, desfazê-los ou apenas confirmá-los. O controle

posterior, tradicional e ainda muito utilizado, realiza-se após a conclusão do ato

praticado ou procedimento, a exemplo do registro de admissões de pessoal, das

licitações e contratos devidamente celebrados e publicados.

Em que pese possibilitada a indicação dos responsáveis, porque

sobejamente conhecidos ao longo do procedimento sujeito à verificação, tal modo de

controle recebe severas críticas de diversos segmentos interessados, por dificultar a

recuperação de valores e punições.

Em relação ao tipo de decisão, pode ela originar-se de organismo

monocrático ou colegiado.

No tocante à forma de instauração, necessário mencionar o controle

de ofício ou por provocação. Acionado em cumprimento à ordem legal ou à esfera de

competência dos entes estatais, o controle de ofício independe de provocação. De modo

contrário, o controle de provocação somente é acionado por iniciativa do interessado

legitimado para tal.

Quanto aos aspectos, o controle subdivide-se em: de legalidade, de

mérito e de resultados.

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19

1) De legalidade: verifica a conformação do ato ou do procedimento

administrativo com as normas legais que o regem. Pode ser exercido pelos três poderes.

2) De mérito: cabe à própria Administração e, com limitações, ao

Poder Legislativo. Visa comprovar a eficiência, resultado, conveniência e oportunidade

do ato controlado.

Compete normalmente à Administração e, (com limitações, em casos

expressos na Constituição Federal) ao Legislativo.

3) De resultados, ou eficiência (avaliando a relação custo-benefício da

atuação administrativa em face de sua destinação e custo social como no controle de

economicidade).

Quanto ao órgão executor o controle divide-se em Administrativo,

Legislativo ou

Parlamentar e Judicial.

Em relação à esfera de controle, há mencionar, ainda, o interno e o

externo.

Trata o controle interno da estrutura de fiscalização inserida em cada

entidade pública.

Não sem razão, a Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal

estabelece incumbir à Administração a revogação dos atos inoportunos e inconvenientes

e a anulação dos atos ilegais.

Por sua vez, o controle externo encontra-se a cargo do Poder

Judiciário, do Congresso Nacional, dos Tribunais de Contas, do Ministério Público, bem

como da própria sociedade.

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20

A contínua influência da globalização, o avanço tecnológico e o

aperfeiçoamento dos recursos humanos alteraram o panorama institucional brasileiro.

Assim, a ampliação do controle da gestão dos negócios públicos exercido pelas Cortes

de Contas era inevitável.

A propósito, pontuou Sérgio Ciquera Rossi:

―O principal objetivo do controle exercido pelas Cortes de

Contas é assegurar que a administração das finanças públicas,

independentemente da dinâmica político-social, seja realizada

dentro dos parâmetros constitucionais da legalidade,

economicidade e moralidade. Os Tribunais de Contas devem

estar sempre vigilantes para defender esses postulados, sem

perder de vista a necessidade de adaptarem-se às novas

realidades, acompanhando a evolução dos acontecimentos.‖14

Destes tipos de controle tratar-se-á mais detidamente.

1.2.1 – CONTROLE INTERNO

De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro, controle

administrativo é ―o poder de fiscalização e correção que a Administração Pública (em

sentido amplo) exerce sobre sua própria atuação, sob os aspectos de legalidade e mérito,

por iniciativa própria ou mediante provocação‖.15

14

ROSSI, Sérgio Ciquera. O controle externo sobre a administração pública. Caderno Fundap, São

Paulo, n. 22, p. 169-174, 2001, p. 169. 15 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 730.

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21

O controle exercido, pela Administração, sobre seus órgãos é controle

interno, decorre do poder de autotutela,16

que encontra fundamento, em especial, nos

princípios da legalidade e da predominância do interesse público.

Esse controle sobre os próprios atos pode ser exercido:

a) ―ex officio‖: quando a autoridade competente constata a ilegalidade de seu próprio

ato ou de ato de seus subordinados;

b) provocado: pelos administrados, pela via do direito de petição (direito de petição —

art. 5º, XXXIII, XXXIV, ―a‖, CF.17

Se a Administração ignorar o pleito caberá

responsabilidade e, dependendo do caso, aplicar-se-á o art. 37, § 6º, da CF ou, se for o

caso, art. 5º, LXIX, da Constituição) ou por recurso do interessado.

Pelo controle, a Administração pode anular, revogar ou alterar seus

próprios atos e punir seus agentes.

Os artigos 53 e 54, da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, dispõem

como obrigatoriedade para a Administração anular seus próprios atos, quando eivados

de vícios, e revogá-los, por razões de conveniência e oportunidade, respeitados os

direitos adquiridos.

A Administração anula o ato ilegal e revoga o ato legal, mas

inoportuno e inconveniente. Há, porém, limites à revogação e à invalidação.18

16

Destaca Marçal Justen Filho que ―grande parte da teoria das nulidades no direito administrativo foi

desenvolvida sob a influência não democrática, em que a atuação estatal refletia a vontade suprema do

governante‖ Acrescenta que a Súmula 473 do STF refletia essas concepções fragmentárias e incompletas

em seu enunciado. E que ―esse entendimento deve ser adequado à evolução do direito brasileiro,

especialmente considerando o sistema jurídico instaurado pela Constituição de 1988. As ressalvas à

Súmula 473, na passagem relativa às nulidades, envolvem dois ângulos [...]. O primeiro é a

impossibilidade de modificação das categorias de invalidade (nulidade absoluta e nulidade relativa) a uma única. O segundo é o equivocado entendimento de que atos nulos não geram direitos.‖ (JUSTEN FILHO,

Marçal. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 365) 17

Art. 5o, XXXIII: ―Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse

particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de

responsabilidade, ressalvadas àquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do

Estado.‖ 18

Em decisão de 27 de maio de 2004, o Supremo Tribunal Federal considerou que não poderia mais ser

revista, com fundamento na ilegalidade da admissão, a contratação de empregados pela Infraero ocorrida

em 1991 e 1992, tendo em vista o tempo decorrido (mais de 10 anos) e a presunção de legitimidade do ato

de admissão quando de sua edição — controvérsia sobre necessidade ou não de concurso público para

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22

1.2.2 – CONTROLE EXTERNO

Indubitavelmente nota-se em um Estado de Direito a necessidade de

se conscientizar quanto aos seus direitos e de dividir o poder político em funções, como

forma de exigir prestações estatais e de vê-las, adequadamente, controladas.

Neste teor de idéias, a Constituição Federal de 1988 visou conter os

desvarios e desmandos na Administração Pública e, para tanto, dedicou especial atenção

aos Princípios Fundamentais, Republicano e Federativo, aos vetores arrolados no

Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, aos concernentes à

Administração Pública, à Ordem Econômica e Financeira e à Ordem Social,

objetivando, assim, construir uma sociedade justa, pluralista e participativa.

Era, pois, inevitável que o Estado sofresse condicionamentos de modo

a amoldar-se à nova vestimenta alinhavada pelo legislador constitucional: o de guardião

do bem comum, a serviço do povo e para povo. A respeito da nova roupagem estatal,

assinalou Dinorá Adelaide Musetti Grotti:

Redefinindo o papel do Estado, fez-se necessário definir também o

papel da Administração Pública, adotando-se oito princípios básicos

como estratégias predominantes: desburocratização, com a

finalidade de dinamizar e simplificar o funcionamento da

Administração, descentralização, transparência, accountability,

ética, profissionalismo, competitividade e enfoque no cidadão. No

plano da cidadania, propagam-se os direitos difusos, caracterizados

pela pluralidade indeterminada de seus titulares e pela

admissão nas empresas públicas e sociedades de economia mista (CF, art. 37, II c/c o art. 173, § 1º). (MS

22.357, rel Min. Gilmar Mendes, DJ de 05-11-2004).

O Supremo Tribunal tem rejeitado a possibilidade de revogação ou anulação de atos administrativos em

face da infringência do direito ao contraditório e à ampla defesa, ou em razão de decurso de tempo

razoável, e tem reconhecido e mantido atos concretos a despeito da declaração de inconstitucionalidade

de lei que lhes dava base legal . MS 24.927/RO, rel. Cezar Peluso, DJ de 25-08-2006; MS 24.268/MG, rel

Min. Gilmar Mendes, DJ de 17- 09-2004; RMS 24.699/DF, rel. Eros Grau, DJ de 01-07-2005; RE-ED/PR

351.489, rel. Gilmar Mendes, DJ 09- 06-2006; RE 452.721, rel. Gilmar Mendes, DJ 03-02-2006.

Page 23: Michel Cury Neto

23

indivisibilidade de seu objeto, nesses se incluindo a proteção ao

consumidor.19

Daí a criação de mecanismos de controle e aprimoramento dos

existentes na busca da garantia da legitimidade20

e eficácia da fiscalização do patrimônio

comum. Necessário, então, que o poder detivesse o poder desalinhado com os objetivos

para os quais se voltara: os do bem comum.

Controlar constitui, na fiscalização, equalização de oportunidades no

alcance dos objetivos predefinidos e gerenciamento de riscos, observado aí o binômio

probabilidade/impacto do evento.21

Visa à persecução da atuação do administrador

público, sob a égide dos princípios constitucionais arrolados nos arts. 37 e 70, caput, da

Constituição Federal e demais princípios afins.

Reserva a Constituição Federal a função do controle externo da

Administração Pública ao Poder Judiciário, ao Congresso Nacional, e aos Tribunais de

Contas.

19

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. As agências reguladoras. Revista Eletrônica de Direito

Administrativo e Econômico, Salvador, n. 6, maio/jul. 2006. Disponível em: <direitodoestado.com.br>.

Acesso em: 12 fev. 2009, p. 2. 20 O art. 70 da Constituição Federal, ao disciplinar a respeito do controle econômico, financeiro e

operacional da Administração, a par do princípio da legalidade, menciona o da legitimidade, cujo

conteúdo substancial vai além da legalidade para abarcar a própria justiça. ―O conceito da legalidade ou ilegitimidade do ato administrativo não se restringe somente à violação frontal da lei. Abrange, também, o

abuso, por excesso ou desvio de poder ou relegação dos princípios gerais do direito.‖(Agravo de

Instrumento 325-PE, TRF da 5ª Região, Rel.Des. Fed. Francisco Falcão, DJU 25.05.90). 21 AKUTSU, Luiz. Definição de indicadores e fortalecimento das auditorias de resultado no âmbito

dos

Tribunais de Contas. IX Seminário Nacional da Educação: Avaliação da qualidade dos gastos e criação

de indicadores de desempenho, p. 9. Disponível em:

www.tcm.sp.gov.br/legislação/doutrina/IXSeminarioEducação/09-08%20luiz%20Akutsu.pdf>. Acesso

em: 25 jun. 2010

Page 24: Michel Cury Neto

24

CAPITULO II – O TRIBUNAL DE CONTAS E SUA FUNÇÃO DE CONTROLE

EXTERNO NO BRASIL

A fiscalização dos atos de determinado órgão, por outro distinto dele, é

tradição do nosso direito constitucional sendo que esse controle, mediante ação

fiscalizadora, é exercido pelo Poder Legislativo, que o faz com o auxílio do Tribunal de

Contas.

Antonio Roque Citadini salienta que:

― (...)nos dias atuais, não existe país democrático sem

um órgão de controle com a missão de fiscalizar a boa gestão do

dinheiro público.

São exceções apenas os regime ditatoriais – nos quais

o que os dirigentes menos querem e menos aceitam é o controle de seus

atos – e os Estados de forte atraso na organização política e

econômica.‖22

Historicamente o Tribunal de Contas surgiu no Brasil por iniciativa do

então Ministro da Fazenda Ruy Barbosa, em 7 de novembro de 1890, mediante, o

Decreto nº 966-A sendo atualmente entidade prevista no ordenamento jurídico em

âmbito constitucional, com atribuições fiscalizatórias e controladoras da atividade

administrativa.

Inicialmente faremos uma breve explanação sobre o surgimento e a

evolução das competências constitucionais do Tribunal de Contas no ordenamento

nacional, a fim de que seja possível situar adequadamente sua competência fiscalizatória,

ocasião em que também situaremos a natureza dessa competência, desempenhada no

exercício de função controladora.

Só é possível afirmar que um Estado é de Direito se existirem

22 CITADINI,Antônio Roque. O Controle Externo da Administração Pública , p.12.

Page 25: Michel Cury Neto

25

instituições e mecanismos hábeis para garantir sua submissão à lei, de modo que, no

exercício de suas funções, a Administração Pública se sujeita ao controle externo por

parte dos poderes Legislativo e Judiciário, além de exercer, ela mesma controle sobre

seus próprios atos.

No Brasil, a tentativa de instituir Tribunal de Contas surgiu pela

primeira vez em 1826, por idéia dos Senadores do Império, Visconde de Barbacena e

José Inácio Borges. Não obstante as tentativas, o Império não teve seu Tribunal de

Contas idéia que só ganhou força com a Proclamação da República, em 1889.

Dessa forma, durante o governo de transição da Monarquia para a

República, foi editado o Decreto 966-A, de 7 de novembro de 1890, da lavra do então

Ministro da Fazenda Rui Barbosa, criando o Tribunal de Contas, órgão destinado ao

exame, revisão e julgamento dos atos concernentes à receita e despesa pública.

Todavia, o Tribunal de Contas institucionalizou-se somente na Carta

de 1891, através do artigo 89 das Disposições Gerais, com as funções de liquidar as

contas da receita e despesa e verificar a sua legalidade. Foi efetivamente instalado em

1893, quando se iniciou a fiscalização das contas públicas, de forma independente do

Poder Executivo, num modelo bastante influenciado pelo francês.

Não obstante a independência garantida, sobretudo pela permanência

dos Ministros nos cargos, as decisões do Tribunal passaram a ser fortemente contestadas

pelo Poder Executivo, que as via como provocações e passou a reduzir suas

competências através de decretos.

A Constituição Federal de 1934, com a preeminência das preocupações

sociais, em ambiente inteiramente diverso daquele que deu origem à Constituição de

1891, ampliou as competências do Tribunal de Contas, inserindo-o no capítulo

denominado ―dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais‖, juntamente com

o Ministério Público.

A Carta outorgada de 1937, segundo Paulo Bonavides e Paes de

Andrade ―conhecida como ‗a polaca‘ por assimilar muitos elementos da vaga autoritária

Page 26: Michel Cury Neto

26

que assolava a Europa na época‖23

, inseriu o Tribunal de Contas no âmbito do Poder

Judiciário, e, em consonância com o regime político da época, conhecido como Estado

Novo, restringiu a competência desta instituição, suprimindo a função de emitir parecer

prévio sobre as contas do Presidente da República.

O liberalismo do Texto Constitucional de 1946, pôs fim à ditadura de

Vargas, restaurou o princípio federativo, as liberdades e garantias individuais e buscou

devolver ao Legislativo e ao Judiciário a dignidade e prerrogativas de um regime

democrático.

Nesse contexto, o Tribunal de Contas reassumiu as competências antes

suprimidas e ganhou grande prestígio dadas as suas relevantes e independentes

atribuições constantes do art. 77.

A partir de 1946, as Constituições brasileiras passaram a tratar do

Tribunal de Contas no capítulo destinado ao Poder Legislativo, de forma que tanto na

Constituição de 1967 como na Emenda Constitucional n.º 1 de 1969, os Tribunais de

Contas foram disciplinados em seção integrante do capítulo do Poder Legislativo, mas

especificamente destinada à fiscalização financeira e orçamentária. Cumpre registrar que

as alterações promovidas no texto de 1967 diminuíram substancialmente as prerrogativas

do Tribunal de Contas, que só voltaram a ser elevadas por ocasião da promulgação da

Carta de 1988.

A Constituição Federal de 1988, além de consolidar as conquistas

advindas com a Carta de 1946, ampliou as atribuições do Tribunal de Contas,

acrescentando a competência para exercer a fiscalização operacional, ao lado da

financeira, orçamentária, contábil e patrimonial. E além do exame sob o aspecto da

legalidade, introduziu a competência para avaliar os aspectos da legitimidade e

economicidade dos atos da Administração Pública direta e indireta.

23 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10a edição. São Paulo: Malheiros, 2000, fl. 147.

Page 27: Michel Cury Neto

27

Desta forma, fortalecendo o papel do controle, de limitar o exercício do

poder, a Constituição Federal colocou o Tribunal de Contas ao lado do Poder

Legislativo, para auxiliá-lo no controle externo, com atribuições bastante ampliadas, uma

vez que a atual noção de legalidade, antes concebida por um ângulo puramente formal,

em sua evolução superou essa concepção, passando-se a exigir do administrador uma

conduta não apenas em consonância com a lei, mas com o Direito.

O controle externo da função administrativa prescrito pela Constituição

Federal, nos artigos 70 e seguintes, compreende dois aspectos: o político, atribuído aos

órgãos do Poder Legislativo, e o técnico, exercido pelo Tribunal de Contas. O controle

externo também é exercido pelo Poder Judiciário.

Trata-se de órgão auxiliar do Poder Legislativo, mas não subordinado,

e que tampouco integra sua estrutura. Foi criado posteriormente à teoria da separação dos

poderes e não se insere nas linhas rígidas da tripartição, a exemplo do que ocorre com o

Ministério Público. Todavia, não o concebemos como um dos poderes da República,

mas, adotando o entendimento do Ministro Celso de Mello e Odete Medauar24

, o

consideramos um conjunto orgânico autônomo. A subordinação hierárquica a qualquer

poder representaria limitação e até mesmo a inviabilidade da efetivação da função de

controle em sua plenitude.

A abrangência das atribuições da Corte de Contas faz com que a

matéria relacionada à natureza jurídica de seus atos encerre acirradas controvérsias em

âmbito doutrinário e jurisprudencial. Respeitados juristas defendem que, com exceção

dos aspectos processuais ou de manifesta ilegalidade, a decisão da Corte de Contas se

impõe ao Judiciário no que concerne aos aspectos técnicos, ocorrendo um abrandamento

no princípio da unidade de jurisdição, quando a própria Constituição confere a

competência privativa aos Tribunais de Contas para julgar as contas dos

24

MEDAUAR, Odete: ―Se a função é de atuar em auxílio ao legislativo, sua natureza, em razão das

próprias normas da Constituição é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos

três poderes. A nosso ver, por conseguinte, o Tribunal de Contas configura ´instituição estatal

independente´.‖In Controle da Administração Pública. p.140. Em sentido semelhante, Jorge Ulisses

Jacoby Fernandes cita manifestação do Ministro Celso de Mello: ―(...) como o Texto maior desdenhou

designá-lo Poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um Poder. Basta-nos uma

conclusão ao meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico

perfeitamente autônomo‖.In Tribunais de Contas: Enquadramento na estrutura tripartite dos poderes.‖

Revista Fórum Administrativo . p.6527.

Page 28: Michel Cury Neto

28

administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos (inciso II do

artigo 71 da Constituição Federal).

De acordo com Edgard Camargo Rodrigues ―poder-se-ia cogitar se os

Chefes do Executivo (Prefeitos e Governadores) e Legislativo (Presidentes das Casas

Legislativas) seriam ou não passíveis de serem sancionados caso pratiquem infração.

Estão investidas estas pessoas de funções simultâneas de agentes políticos e de

administradores. Enquanto ajam na esfera da discricionariedade política, ao Tribunal de

Contas não é dado interferir. Entretanto, no transcorrer de seus mandatos praticam eles

também atos administrativos vinculados ao regimento jurídico-legal pertinente, e aqui

se sujeitam à fiscalização do Tribunal de Contas e às sanções resultantes das infrações

que cometerem. Enquanto administradores públicos, todos estão sujeitos ao controle da

legalidade e legitimidade dos seus atos‖.25

Destaque-se disposição do parágrafo 1° do artigo 74: ―Os

responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer

irregularidade ou ilegalidade dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob

pena responsabilidade solidária.‖

Pretende o dispositivo evitar a omissão, tão comum na esfera

administrativa. O ordenador da despesa, por vezes, conhece fatos que comprometem a

lisura da gestão pública, porém permanece silente, como se a coisa pública também dele

não fosse. Evidencia-se, destarte, a cumplicidade por omissão.

Muito embora, na realidade brasileira, além do Tribunal de Contas da

União existam, ainda, 26 Tribunais de Contas Estaduais, 4 Tribunais de Contas

Estaduais dos Municípios (Goiás, Bahia, Ceará e Piauí), 1 Tribunal de Contas do Distrito

Federal e 2 Tribunais de Contas Municipais (São Paulo e Rio de Janeiro), estes últimos

agora só viáveis porque preexistentes à Carta de 1988, a análise do presente trabalho

enfocará o Tribunal de Contas da União, aplicando-se as conclusões, no que couber, aos

demais Tribunais de Contas, pelo princípio da simetria e em sintonia com o disposto no

25

O Tribunal de Contas e o poder sancionador. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São

Paulo -

TCESP, São Paulo, n. 65, jan./jun. 1991, p. 82-83.

Page 29: Michel Cury Neto

29

artigo 75 da Constituição Federal, que estendeu a disciplina a ele conferida às demais

Cortes de Contas, limitando-se a estabelecer o número de Conselheiros que integrarão os

Tribunais de Contas estaduais. No mais, remeteu a disciplina de cada qual às

Constituições dos respectivos Estados e Municípios.

2.1 – O ATUAL TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DE

CONTAS

A atual Constituição Federal concedeu ao Congresso Nacional,

competência para fiscalizar em sede de controle externo e pelo sistema de controle

interno de cada poder, os aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e

patrimoniais dos entes da administração direta e indireta, inclusive no tocante à

legalidade, legitimidade e economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de

receitas.

No exercício dessa atividade o Congresso Nacional conta com o

auxílio do Tribunal de Contas, instituição, como vimos antiga em nosso ordenamento e

reconhecida pelo texto de 1988.

A atual Constituição, reconhecendo o Tribunal de Contas como órgão

já existente, concedeu-lhe novas atribuições e corrigiu alguns defeitos. Vemos a

existência de Tribunais de Contas no âmbito dos três entes federativos brasileiros.

Conforme afirmado anteriormente, nosso estudo versará somente sobre o Tribunal de

Contas da União, visto ser ente paradigmático aos demais.

Nas palavras de Valmir Campelo, ―o Tribunal de Contas da União é

hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, o ente máximo de auxílio ao Congresso

Nacional no controle externo da administração pública federal. Autônomo, a ele compete

fiscalizar a totalidade de atividades desenvolvidas pelo poder público, o que leva a

verificar a contabilidade de receitas e despesas, a execução orçamentária, os resultados

operacionais e as variações patrimoniais do Estado, sob os aspectos de legalidade,

compatibilidade com o interesse público, economia, eficiência, eficácia e efetividade‖.26

26 CAMPELO, Valmir; et alli. ―O Tribunal de Contas no Ordenamento Jurídico Brasileiro‖, p. 134.

Page 30: Michel Cury Neto

30

Passou a Corte de Contas a desempenhar papel fiscalizatório mais

intenso do Poder Público. Nos dizeres do Professor Marcos Jordão Teixeira do Amaral

Filho27

, o Tribunal de Contas, devido às suas atribuições e alcances, passou a

assemelhar-se à figura de um ombudsman no controle da administração, em seus

dizeres:

―Como se pode observar, os constituintes ampliaram de forma

bastante nítida o rol de competências do Tribunal de Contas da União, que

decididamente deixa de ser mera Corte de Contas para passar à condição de fiscal do

Poder Público, com grandes semelhanças em relação às atribuições clássicas do

ombudsman.‖

A disciplina constitucional atual do Tribunal de Contas da União

encontra-se na Seção IX, do Capítulo I que alude ao Poder Legislativo, e vem intitulada

como ―Da fiscalização contábil, financeira e orçamentária‖.

O Tribunal de Contas da União é composto por 9 Ministros e,

conforme dispõe o artigo 73 § 1º da Constituição Federal, para a nomeação deverão

cumprir os seguintes requisitos: ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, possuir

idoneidade moral, reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis,

econômicos e financeiros ou de administração pública e mais de 10 anos de exercício de

funções ou efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos relacionados aos

assuntos mencionados.

Aos Ministros do Tribunal de Contas da União, por força do

estabelecido no § 3º do artigo 73 da Carta Magna são asseguradas as mesmas garantias,

prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior

Tribunal de Justiça.

O processo de escolha se dará de acordo com o estabelecido no § 2º do

27

AMARAL, Marcos Jordão Teixeira. O Ombudsman e o Controle da Administração. São Paulo: Ícone

Editora, 1993, p. 123

Page 31: Michel Cury Neto

31

mesmo dispositivo constitucional, sendo um terço pelo Presidente da República, com

aprovação do Senado Federal, escolhidos dentre os indicados em lista tríplice do

Tribunal e de forma alternada entre auditores e membros do Ministério Público junto ao

Tribunal de Contas, e dois terços são escolhidos pelo Congresso Nacional.

Estruturalmente, o Tribunal divide-se em duas câmaras e o plenário,

cujas sessões se realizam sempre com a presença de um membro do Ministério Público

junto ao Tribunal. O presidente e o vice-presidente do Tribunal são eleitos pelos seus

pares para o mandato de um ano e podem ser reeleitos uma vez.

2.2 – A NATUREZA JURÍDICA DOS TRIBUNAIS DE CONTAS

É recorrente a discussão doutrinária acerca da posição ocupada pelo

Tribunal de Contas em relação aos poderes ou funções do Estado, ou seja, em relação ao

Poder Legislativo, ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário.

O que se pretende nesta parte é fixar, no âmbito da estrutura do Estado

Brasileiro, onde estão situados os órgãos de controle externo da Administração Pública,

ou os Tribunais de Contas.

Sobre esta temática, verificamos três posicionamentos e assim não

poderia deixar de ser tendo em conta a teoria da separação dos poderes. Os que entendem

que o Tribunal de Contas é órgão pertencente ao Poder Judiciário (primeira corrente).

Aqueles que pretendem ser ele um órgão do Poder Executivo (segunda corrente) e, ainda,

aqueles que o concebem como parte integrante do Poder Legislativo (terceira corrente).

Para a primeira corrente,que tem como expoente José Luiz de Aranha

Mello, os órgãos de controle da Administração Pública pertencem ao Poder Judiciário e

exercem uma parcela de sua jurisdição. Suas decisões se assemelhariam às decisões deste

Poder e seus integrantes seriam equiparados aos membros da magistratura, gozando de

prerrogativas, impedimentos, vencimentos, vantagens, para viabilizar o exercício de suas

funções com autonomia e independência.

Nas palavras de José Luiz de Anhaia Melo, o que acabamos de afirmar:

Page 32: Michel Cury Neto

32

―/.../ me encanta a idéia de um Tribunal de Contas inserido na órbita do Poder Judiciário,

como uma Justiça Especial, a par da eleitoral, da trabalhista, da agrária, como uma

Justiça de Contas/.../.‖28

Para Antonio Roque Citadini, ―a verdade é que vincular o órgão de

fiscalização da Administração ao Poder Judiciário não encontra acolhida em qualquer

grande país, sendo apenas experiência em alguns países africanos (como Angola) até que

o Estado organize um órgão autônomo de fiscalização.‖29

Para os adeptos da segunda corrente, que entende que o Tribunal de

Contas é órgão vinculado ao Poder Executivo, Antonio Roque Citadini rememora que

―no Brasil durante o regime ditatorial de Getúlio Vargas, as funções de controle dos atos

da Administração passa RAM para órgãos vinculados à Fazenda Pública. Seus membros

eram indicados pelo chefe do Poder Executivo e suas competências eram bastante

restritas, até porque numa ditadura o poder é todo do Executivo. Em Portugal, durante o

período Salazarista, embora o Tribunal de Contas se mantivesse atuante, seus membros

eram designados pelo Ministro das Finanças.‖30

Relevante observar que esses órgãos de controle iniciam como

auditorias internas das áreas de contabilidade e finanças do Estado, evoluindo para um

órgão autônomo. Daí porque de maneira errônea há os que confundem este órgão de

controle externo quando vinculados ao Poder Executivo com o departamento de

auditoria interna da administração.

Há, ainda, a terceira corrente preconizada por aqueles que entendem

que os órgãos de controle externo vinculam-se ao Poder Legislativo.

Dentre os expoentes desta posição encontra-se Michel Temer,quando

aduz que ―o Tribunal de Contas é parte componente do Poder Legislativo, na qualidade

de órgão auxiliar, e os atos que pratica são de natureza administrativa‖.31

Para os expoentes deste entendimento haverá formas diversas de

28 CITADINI, Antonio Roque. O Controle Externo da Administração Pública, p. 24. 29 CITADINI, Antonio Roque. O controle Externo da Administração Pública., p. 25. 30 CITADINI, Antonio Roque. O Controle Externo da Administração Pública, nota de rodapé 18, p. 25. 31 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 18ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2002, p. 134.

Page 33: Michel Cury Neto

33

vinculação ao parlamento, mas sempre a vinculação ocorrerá em relação ao Poder

Legislativo.

Tratando destes órgãos que se vinculam ao Poder Legislativo, mas

mantém sua autonomia Antonio Roque Citadini32

traz o exemplo do General Accounting

Office - GAO33

nos Estados Unidos e do National Audit Office - NAO34

na Inglaterra.

Cita ainda o exemplo do Canadá, no qual ―o auditor geral dispõe de

ampla autonomia administrativa e de competência. Seu mandato é de 10 anos sendo que

durante este período ele é inamovível. Seu mandato, todavia, não pode ser renovado. Ele

exerce o controle de legalidade e de mérito econômico em roteiro organizado pela

Controladoria e suas conclusões são informadas pelo Parlamento‖.35

E da Cour des Comptes da França assiste tanto o Parlamento quanto o

governo. É órgão autônomo e seus membros gozam das garantias da magistratura.

Constitui-se em um dos órgãos mais antigos de fiscalização e controle, exercendo ampla

verificação de legalidade e mérito econômico de gestão.

Diante de toda esta exposição, verificamos que ao parlamento é

interessante a existência de um órgão técnico autônomo e de subordinação às maiorias

que oscilam no Poder Legislativo.

Discorre Antonio Roque Citadini que ―embora seja grande o número

de países onde os órgãos de controle têm vínculos com o Legislativo, são poucos aqueles

em que o vínculo é de subordinação e a fiscalização dos atos da administração é

realizada por um departamento do parlamento. Mesmo em países onde vigora o sistema

de controladoria, que nasceu como órgão do Parlamento, esta situação evoluiu para um

modelo no qual o trabalho de verificação dos atos administrativos é executado por órgãos

32 CITADINI, Antonio Roque. O controle externo da Administração Pública. n. 24, p. 28. 33 Órgão vinculado ao Congresso do Estados Unidos e que apresenta total autonomia. Este órgão é

dirigido por um chefe com mandato de 15 anos, podendo haver recondução e nomeado pelo presidente da

República a partir de uma lista encaminhada pelo Congresso Nacional. 34 É órgão responsável pelo Controle e fiscalização dos atos do governo. Atua com autonomia

administrativa e é dirigido por um Controlador Geral que só deixa o cargo a pedido das duas casas do

parlamento e a concordância do monarca. 35 CITADINI, Antonio Roque. O controle Externo da Administração Pública., n. 24, p. 28.

Page 34: Michel Cury Neto

34

com autonomia, ainda que mantenham forte vínculo com o parlamento.‖36

O que,

levando-se em consideração que o parlamento é um órgão político, melhor seria se o

órgão incumbido de fiscalizar tecnicamente a ação governamental não fosse a ele

subordinado.

Nesse diapasão, Antonio Roque Citadini afirma que a fiscalização

exercida pelo parlamento será sempre política e não dispensa o trabalho da auditoria.

Relevante observarmos que, atualmente, não há vínculo de

subordinação entre o Tribunal de Contas e os poderes do Estado. Referimos a hoje

porque SEABRA Fagundes nos conta que nem sempre fora assim. ―Sob a Constituição

de 1937, integrava-se ele no Poder Executivo. Apesar de sua restrita atribuição judicante,

no que respeitava às contas dos responsáveis por dinheiros e bens públicos em geral, a

grande massa das atribuições a ele cometidas, concernentes à invalidez e regularidade de

contratos, ordens de pagamento, despesas e mais atos da gestão financeira da União /.../

figurando o Presidente da República, como instância de recurso para muitos de seus atos

(Dec.-Lei n° 7, de 17-11-1937, artigos 3° e 5°, parágrafo único). Era órgão fiscalizador

engastado (embutido) no mecanismo da Administração. Sob a Constituição de 1946

(artigo 77) retoma ele o caráter com que se apresentava nas Constituições de 1891 (artigo

89) e de 1934 (artigos 99, 101 e 102), ou seja, de órgão fiscalizador da execução

orçamentária e da gestão financeira em geral, articulado com o Poder Legislativo, como

caracterizava Ruy Barbosa quando de seu ingresso, com a República, entre os

instrumentos de ação superior do Poder Público.‖37

Entendemos, juntamente com Pontes de Miranda, Celso Antônio

Bandeira de Mello38

e Odete Medauar39

que o Tribunal de Contas é órgão autônomo de

matriz constitucional e que não se vincula a nenhum dos poderes instituídos, muito

36 CITADINI, Antonio Roque. O controle Externo da Administração Pública., n. 24, p. 28. 37 FAGUNDES, Miguel SEABRA. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 169. 38 Na revista de Direito Público n. 72, p. 37 ele assim se pronuncia: ―como o texto maior desdenhou

designá-lo como poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um poder. Basta-nos uma

conclusão ao meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico

perfeitamente autônomo. 39 ―se a função é de atuar em auxílio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas da

Constituição, é de órgão independente, desvinculado da estrtutura de qualquer dos três poderes‖. In

Controle da Administração pública pelo Tribunal de Contas, Revista de Informação Legislativa, n°

108/101-127, p. 141.

Page 35: Michel Cury Neto

35

embora tenha função auxiliar do Poder Legislativo em sua tarefa constitucional.

A independência e autonomia caracterizam as Cortes de Contas e nem

poderia ser de outra forma, em face da competência jurisdicional de controle e

fiscalização que lhes reserva a Constituição Federal.

Auxiliando o Legislativo, o Tribunal de Contas desempenha papel de

colaborador, sem submissão hierárquica ou administrativa, de todos os Poderes, nos

respectivos desempenhos de suas atividades administrativas.

Porque a independência, se não é, deveria ser o norte desta instituição,

é que melhor seria defini-la como ―órgão auxiliar da República‖.40

E, em arrimo à tese defendida, mencione-se Sérgio Ferraz: ―Em

momento algum, entretanto, a Constituição denomina o Tribunal de Contas ―órgão

auxiliar‖ (de quem quer que seja). O que ela faz, repita-se, é afirmar que o controle

externo da execução financeiro-orçamentária, de atribuição do Congresso Nacional, será

exercido com o auxílio do Tribunal de Contas. Trata-se, a toda evidência, de um

mecanismo de cooperação integrada, fórmula essa, aliás, encontrada ao longo do texto

constitucional, unindo diversos Poderes Estatais na consecução de um fim comum (o

exemplo mais notável dessa cooperação independente mas integrada é a que se dá, na

Constituição, entre Executivo, Legislativo e Judiciário e a Ordem dos Advogados do

Brasil, para a nomeação de magistrados a terem assento nos tribunais superiores, como

representantes da advocacia).‖41

De outra parte, compõem o Congresso Nacional o Senado Federal e a

Câmara dos Deputados (artigo 44 da Constituição Federal), logo o Tribunal de Contas

da União não compõe o Poder Legislativo, em que pese inadvertidamente inserido no

40

MARANHÃO, Jarbas. Tribunal de Contas: natureza jurídica e posição entre os poderes. Revista de

Informação Legislativa, Brasília, v.27, nº 106, p. 99-102, abr./jun. de 1990, p. 102. 41

FERRAZ, Sérgio. A execução das decisões dos Tribunais de Contas: algumas observações. In:

ARRUDA

ALVIM; ALVIM, Eduardo Arruda; TAVOLARO, Luiz Antonio. Licitações e contratos

administrativos: uma visão atual à luz dos Tribunais de Contas. Curitiba: Juruá, 2006, p. 169-177

Page 36: Michel Cury Neto

36

capítulo dedicado ao mencionado Poder.42

Como observa Carlos Ayres Britto:

[...] algumas atividades de controle nascem e morrem do lado de fora das

Casas Legislativas. A partir da consideração de que as próprias unidades

administrativas do Poder Legislativo Federal são fiscalizadas é pelo Tribunal

de Contas da União (inciso IV do art. 71 da CF). Como poderia, então, o

Poder administrativamente fiscalizado sobrepairar sobre o órgão

fiscalizante?43

Destarte, forçosa a conclusão de que as Cortes de Contas não integram

o Poder Legislativo, o que afasta qualquer subserviência de ordem funcional. Não sem

razão, Carlos Ayres Britto acrescenta:

[...] quando a Constituição diz que o Congresso Nacional exercerá o controle

externo ―com o auxílio do Tribunal de Contas da União‖ (art. 71), tenho

como certo está a falar de ―auxílio‖ do mesmo modo como a Constituição

fala do Ministério Público perante o Poder Judiciário. Quero dizer: não se

pode exercer a jurisdição senão com a participação do Ministério Público.

Senão com a obrigatória participação ou o compulsório auxílio do Ministério

Público. Uma só função (a jurisdicional), com dois diferenciados órgãos a

servi-la, sem que se possa falar de superioridade de um perante o outro.44

42

Recorde-se Odete Medauar: ―Criado por iniciativa de Ruy Barbosa, em 1890, o Tribunal de Contas é

instituição estatal independente, pois seus integrantes têm as mesmas garantias atribuídas ao Poder

Judiciário (CF, art. 73, § 3º). Daí ser impossível considerá-lo subordinado ou inserido na estrutura do

Legislativo. Se a sua função é de atuar em auxílio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias

normas constitucionais, é a de órgão independente, desvinculado da estrutura de qualquer dos três

poderes.‖ (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010, p. 404). 43 BRITTO, Carlos Ayres. O Regime Constitucional dos Tribunais de Contas. Revista Diálogo Jurídico,

Salvador, v. 1, n. 9, dez. 2001. Disponível em:

<http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGOJURIDICO- 09-DEZEMBRO-2001-CARLOS-

AYRES-BRITTO.pdf>. Acesso em: 12 maio 2011. 44

BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos Tribunais de Contas. Revista Diálogo Jurídico,

Salvador, v. 1, n. 9, dez. 2001. Disponível em:

<http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGOJURIDICO- 09-DEZEMBRO-2001-CARLOS-

AYRES-BRITTO.pdf>. Acesso em: 12 maio 2011.

Page 37: Michel Cury Neto

37

2.3 – A NATUREZA JURÍDICA DAS DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS

A partir da sistematização proposta por Rodolfo de Camargo

Mancuso45

, podem-se aglutinar as decisões das Cortes de Contas em quatro tipos:

declaratórias, constitutivas, mandamentais e condenatórias.

São declaratórias aquelas destinadas a chancelar determinada situação

e eliminar incertezas, sem, contudo, inovar no mundo jurídico. Certificam o

procedimento atestando-o como válido. Desta natureza revestem-se os atos de registro

de aposentadoria e de admissão de pessoal.

São constitutivas as decisões que inovam no mundo jurídico, alterando

substancialmente a situação anterior existente. Servem de exemplo as decisões em ações

de rescisão e revisão de julgado e as relativas a licitações e contratos. Também aqui

cabe o parecer, favorável ou desfavorável, a respeito das contas anuais do Chefe do

Executivo, uma vez que tal decisão traz em seu bojo alterações significativas no

panorama jurídico-político, ―dada a eventualidade daquele parecer contrário vir a ser

referendado pelo Poder Legislativo, daí podendo resultar, na sequência, mesmo o

impeachment e a inelegibilidade da Autoridade faltosa‖, no dizer de Rodolfo de

Camargo Mancuso.46

As decisões de ordem mandamental revestem-se de um comando ou

ordem. São exemplos a suspensão prévia de edital, a instauração de auditoria para

verificação de certo fato, a determinação para anulação de certame e a sustação, se não

atendido, da execução do ato impugnado, com comunicação da decisão à Câmara dos

Deputados e ao Senado Federal.

As decisões condenatórias geram pretensões insatisfeitas e cominam

obrigação ou abstenção da prática de determinado ato pelo condenado. Sujeitam-se,

observadas as peculiaridades legais, a prazos de prescrição e/ou decadência. No tocante

às Cortes de Contas, tais decisões, porque podem apontar débito ou aplicar multa, ou

45

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos Tribunais de

Contas,

especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 743, p. 74-95, set. 1997, p.78. 46 op. cit., p.78.

Page 38: Michel Cury Neto

38

seja, porque condenam à devolução de ordem pecuniária, geram título executivo

extrajudicial, conforme o artigo 71, § 3º, da Constituição Federal.47

O título gerado pelas Cortes de Contas deve possuir os mesmos

elementos formadores do título executivo judicial previstos no artigo 586, do Código de

Processo Civil: liquidez, certeza e exigibilidade.

Ensina Rodolfo de Camargo Mancuso a necessidade de satisfação do

credor pela constrição da vontade do devedor, por meios adrede estabelecidos pelo

legislador para consecução de tal fim.

―Alguns desses meios são de tipo ―coativo‖, na medida em que

atuam psicologicamente sobre a vontade do devedor, induzindo-o a adimplir a

obrigação, em espécie (v.g.,a multa diária); outros são de tipo ‗sub-rogatório‘

(realização do objeto através de terceiro, quando o permita a fungibilidade da

obrigação); em casos mais especiais pode mesmo dar-se a substituição, pelo

próprio título judicial, do contrato não aperfeiçoado, da declaração da

vontade não emitida, como se verifica nas adjudicações compulsórias, nas

renovatórias de locação comercial, nas promessas de contratar; ainda,

através de outros meios, pode-se tentar a prestação específica do objeto

através de atos de natureza constritiva do patrimônio ou da atividade negocial

do devedor (penhora, interdições, seqüestro, imposição de contrapropaganda,

fechamento de estabelecimento); finalmente, se ainda assim nada se revelar

eficaz para vencer a recalcitrância do devedor, e se a obrigação for daquelas

que não comportam realização por terceiro (ou ainda por livre opção do

exeqüente), tudo se reduzirá às perdas e danos (CPC, arts. 633 e 461, § 1º).‖48

47

―Embargos à execução - Certidão de dívida ativa constituída com base em decisão proferida pelo

Tribunal de Contas do Estado de São Paulo - Certeza, liquidez e exigibilidade do título presentes -

Nulidade do procedimento administrativo não apurada - Constatado regular exercício do direito de defesa,

nos termos do que prevê a Lei Complementar Estadual nº 709/93 - Pedido improcedente - Sentença

mantida - Recurso improvido.‖ (TJSP. Ap. n° 686.684.5/2-00, Pereira Barreto, j. 22.09.08, rel. Des. Leme de Campos). 48

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos Tribunais de

Contas,

especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 743, p. 74-95, set. 1997, p. 82.

Page 39: Michel Cury Neto

39

Grande parte das decisões prolatadas pelas Cortes de Contas ainda é

condenatória, em que pesem incansáveis esforços de caráter pedagógico empreendidos

no sentido do aprimoramento dos procedimentos fiscais, planejamento econômico

orçamentário e transparência nas contratações.

As condenações a obrigação de fazer ou de não fazer dirigem-se ao

autor da prática do ato (ou omissão). O pagamento da multa, e a recomposição do

erário, têm caráter personalíssimo e devem ser adimplidos e/ou questionados pelo

apenado, observando-se que a entidade pública é a beneficiária final da recomposição (e

não a autoridade ou ex-autoridade pública apontada como a responsável pelo dano,

como decidiu, a propósito, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo em diversas

ocasiões).49

Há casos, ainda, de obrigação atribuível à autoridade responsável

enquanto titular do cargo, a exemplo do fornecimento de justificativas, produção de

provas, e instauração de sindicância. Contudo, havendo vacância, a obrigação deverá ser

adimplida pelo novo titular com fundamento no princípio da continuidade do serviço

público, cabendo, quando necessário, ação regressiva contra o responsável. É nesse

sentido o decidido nos autos do TCE-SP 13759/026/07, sessão de 05.11.08, Rel.

Conselheiro Antonio Roque Citadini, e pelo TCU.50

Para cumprimento de suas decisões o sistema legal dotou as Cortes de

Contas de diversos meios e providências. Dentre eles, destacam-se a aplicação de

sanções pecuniárias, a exemplo das multas de até cem por cento do valor atualizado do

dano causado ao erário, em razão de contas julgadas irregulares de que não resulte

débito, e/ou por desatendimento às determinações do Tribunal; inabilitação para o

exercício do cargo em comissão ou função de confiança no âmbito da Administração

Pública (respectivamente artigos 57 a 60 da Lei Federal nº 8.443/92); remessa de autos

ao Ministério Público; oficiamento ao Poder Legislativo para providências de sua

49

TCE-SP (TC 1318/007/92- sessão de 09.11.99, Rel. Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues; TC

785/005/07 - sessão de 31.03.09, Rel. Conselheiro Cláudio Ferraz de Alvarenga; TC 62195/026/87 -

sessão de 09.09.98, Rel. Conselheiro Renato Martins Costa). TCU (Acórdão 289/2001 - sessão de 14.11.01, Rel. Ministro Augusto Sherman Cavalcanti). 50

Ac. 225/2002, sessão de 26.06.02, Rel. Ministro Ubiratan Aguiar e Ac. 903/2004, sessão de 27.04.04,

Rel.

Ministro Augusto Sherman Cavalcanti.

Page 40: Michel Cury Neto

40

alçada; além de outras supletivamente previstas na legislação pertinente (cf. artigo 116,

Lei Complementar Estadual nº 709/93, e artigo 298 do Regimento Interno do Tribunal

de Contas da União).51

No âmbito das Cortes de Contas do Brasil, observadas pequenas

variações nas respectivas Leis Orgânicas, quando existentes, as decisões em tomadas de

contas ou prestação de contas revestem-se das seguintes formas e efeitos:

1. Parecer prévio: emitido sobre as contas apresentadas anualmente,

pelos Chefes do Poder Executivo.

A apreciação será realizada de forma geral e fundamentada sobre o

exercício e a execução orçamentária, oportunidade em que se indicarão as

irregularidades, as parcelas impugnadas, as ressalvas e as recomendações.

2. Decisão definitiva, no tocante às contas dos gestores e demais

responsáveis por bens e valores públicos da Administração direta e autarquias, empresas

públicas e sociedades de economia mista, inclusive fundações instituídas ou mantidas

pelo Poder Público, e às contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra

irregularidade de que resulte dano ao erário:

51

―Do Poder Judiciário, guardam, no Brasil, os Tribunais de Contas a forma e a denominação de

Tribunais,

dentro da boa tradição continental européia e lusitana, com o mesmo estatuto de auto-governo de que

gozam as Cortes Judiciais.

[...]

As decisões dos Tribunais de Contas de que resulte imputação de crédito ou multa são executadas perante

os órgãos da Justiça comum, mas assumem, segundo a própria Constituição, a eficácia de título executivo.

No Brasil, a rejeição de contas por irregularidade insanável é motivo de inelegibilidade, cumprindo, em conseqüência, ao Tribunal de Contas, nos termos de sua Lei Orgânica (art. 90 da Lei nº 8.443-92), enviar

ao Ministério Público Eleitoral, em tempo hábil, o nome dos responsáveis condenados nos cinco anos

imediatamente anteriores à realização de cada eleição.‖ (Tribunal de Contas e Poder Legislativo. In: IV

ENCONTRO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 2000,

Brasília.

Anais do IV Encontro das Instituições Supremas de Controlo da Comunidade dos Países de Língua

Portuguesa. Portugal: Centro de Estudos e Formação das Instituições Supremas de Controlo da

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, 2001, p. 18-19. Disponível em:

<http://www.tcontas.pt/pt/publicacoes/outras/enc_cplp/4enc.pdf>. Acesso em: 13 set. 2008).

Page 41: Michel Cury Neto

41

2.1. Contas regulares: demonstradas a exatidão das contas e a correta

aplicação de valores, alcance de metas governamentais, ou seja, atos de gestão

responsável;

2.2. Contas regulares com ressalva: contas apresentadas com

irregularidades formais

passíveis de regularização e de que não resultem dano ao erário;

2.3. Contas irregulares: decisão de maior gravidade, sempre que

ocorra uma das seguintes condições:

2.3.1. Omissão do dever de prestar contas — o responsável não presta

contas dentro do prazo estabelecido, sem justificação;

2.3.2. Prática de ato ilegal, ilegítimo e antieconômico ou então

infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária,

operacional ou patrimonial — significa dizer que as demonstrações contábeis estão

distorcidas;

2.3.3. Dano ao erário público decorrente da prática de ato de gestão

ilegítimo ou antieconômico — o Tesouro ficou prejudicado pela prática do ato; 2.3.4.

Desfalque ou desvio de bens, dinheiro ou valores públicos.52

3. Contas iliquidáveis: ocorrência de força maior ou caso fortuito,

comprovadamente alheio à vontade, tornando materialmente impossível o julgamento

de mérito do responsável.

2.4. A JURISDIÇÃO DAS CORTES DE CONTAS

―Com a finalidade de dar efetividade às suas decisões e prevenir

lesão ao erário, é reconhecida a existência de poderes implícitos dos Tribunais de

Contas para o exercício das suas prerrogativas constitucionais‖.53

52 CICCO FILHO, Alceu José. Tribunal de Contas da União e a natureza jurídica de suas decisões.

Revista Jurídica, Brasília, v. 9, n. 84, p. 171-194, abr./maio 2007, p. 182.

Page 42: Michel Cury Neto

42

Não sem razão necessitam as Cortes de Contas de porto seguro para as

tentativas daqueles que querem maleabilizar o controle, torná-lo menos rigoroso e

menos atento aos valores constitucionais.

Em que pesem lutas acirradas travadas entre instituições, agentes e

servidores a respeito dos limites e conteúdo do controle, a prática afigura-se de todo

salutar, pois não há que perder de vista ―o correto‖, o equilíbrio e o aprimoramento da

máquina pública. E nesta caminhada, vedado é olvidar o importante papel pedagógico e

institucional desempenhado pelas Cortes de Contas.

Necessário, pois, analisar o processo administrativo conduzido pelas

Cortes de Contas, que apresenta matizes específicos, extrapola a simples relação

Administração-administrado, muito se aproximando do processo judicial (autor, réu e

juiz).

Há países em que, a par do processo judicial, há, ainda, dois outros

processos: o administrativo contencioso e o administrativo gracioso. Na Espanha, a

título de exemplo, vigora a dualidade de jurisdição: a afeta ao Poder Judiciário (civil e

penal) somada à que trata do contencioso administrativo exercida pela ―jurisdição

administrativa geral‖, e aquela relativa à ―jurisdição administrativa especial‖, a cargo

dos Tribunais de Contas ou Comissões de Contas ou Conselhos de Contas.

Segundo a maioria de doutrinadores,54

não existe dualidade de

jurisdição quando apenas ao Poder Judiciário cabe apreciar, com força de coisa

julgada,278 lesão ou ameaça a direitos individuais e coletivos.

53 STJ, RMS n. 26.978/MT (2008/-0118806-8), T.2, rel. Min. Eliana Calmon, j. 16/06/09, v.u., DJ de

29/06/09. 54

Por todos, vejam-se BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 27.

ed., rev. e atual até a Emenda Constitucional, 64 de 04.02.2010., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 952; e

SEABRA

FAGUNDES, Miguel de. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed., atual., Rio

de

Janeiro: Forense, 2005, p. 159.

Page 43: Michel Cury Neto

43

Quando de natureza contenciosa, o processo administrativo, voltado à

solução de conflitos entre Administração-administrado, cerca-se de todas as garantias

do devido processo legal: competência do julgador, direito de defesa e contraditório,

imparcialidade, segurança jurídica e garantia da coisa julgada, entre outras.

Nos chamados ―processos graciosos‖ visa-se apenas cumprir as

finalidades públicas para as quais foram criados, procedendo-se à averiguação dos fatos,

adequação do caso à hipótese normativa, com edição de uma série de atos visando ao

ato final pautado na discricionariedade administrativa.

No Brasil, impera a chamada ―unidade de jurisdição‖, assim entendida

como o monopólio da competência constitucional de aplicar o Direito contenciosamente

a casos concretos, em lides qualificadas por uma pretensão resistida, com observância

do devido processo legal e da coisa julgada formal e material.

Há, entretanto, outros elementos, especialmente em face da

Constituição Federal de 1988, que integram e alargam o conceito de jurisdição,

concebida como a prerrogativa de julgar, de dizer o direito. É sobre este enfoque, à parte

de se reconhecer a jurisdição judicial, que se ousa questionar a expressão ―monopólio da

jurisdição‖.

Alceu José Cicco Filho divide didaticamente o processo

administrativo em seis modalidades básicas: processo de expediente, de outorga, de

controle, punitivo, administrativo disciplinar e administrativo tributário.55

Para o desenvolvimento do tema interessa apreciar o processo de

controle. Em 1891, escrevia Ruy Barbosa:

O Governo Provisório reconheceu a urgência inevitável de

reorganizá-lo; e acredita haver lançado os fundamentos de um

Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediária à

55

CICCO FILHO, Alceu José. Tribunal de Contas da União e a natureza jurídica de suas decisões.

Revista

Jurídica, Brasília, v. 9, n. 84, p. 171-194, abr./maio 2007, p. 176.

Page 44: Michel Cury Neto

44

administração e à legislatura, que, colocado em posição

autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de

garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas

funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-

se em instituição de ornato aparatoso e inútil.56

Embora se quisesse ver os Tribunais de Contas como integrantes do

Poder Judiciário, é fato que, pelo menos nos países observados (Espanha, França ,

Itália), eles não integram tal Poder. Figuram como órgãos autônomos com função e

competências derivadas da própria Constituição.

A natureza das decisões dos Tribunais de Contas enfrenta acirrado

debate na doutrina e jurisprudência, especialmente no que toca aos limites do controle e

eficácia.

Duas as correntes formadas: a que atribui natureza jurisdicional às

decisões prolatadas pelas Cortes de Contas; logo, ao Poder Judiciário caberia apenas

exame de conformação do ato à hipótese legal; e a segunda a que, negando função

jurisdicional às Cortes de Contas, atribui ao Judiciário poder de revisão das decisões

respectivas, não só sob o aspecto formal, como sob o material, ou seja, o mérito.57

No centro da divergência, a competência atribuída pela Constituição

Federal aos Tribunais de Contas para julgar os responsáveis, direta ou indiretamente,

por bens e valores públicos (art. 71, II, CF).58

56

BARBOSA, Ruy. Obras completas de Ruy Barbosa. v. XVIII, t. III, 1891, relatório do Ministro da

Fazenda, Ministério da Educação e Saúde, Rio, 1949, p. 363, 368-369 e 384 apud GUALAZZI, Eduardo

Lobo Botelho. Regime jurídico dos Tribunais de Contas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p.

176. 57

Nega a função jurisdicional das Cortes de Contas (OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Improbidade

administrativa e sua autonomia constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 109). 58

―Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal

de

Contas da União, ao qual compete:

[...]

II – julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da

administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder

Público

federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte

prejuízo ao erário público.‖

Page 45: Michel Cury Neto

45

Em que pese seu poder seja uno e indivisível, atua o Estado de

maneiras diversas: ora administrativa, ora legislativa, ora jurisdicionalmente. Ensina De

Plácido e Silva que a jurisdição, em sentido lato, implica o poder ou autoridade

conferida pelo Estado à pessoa para conhecer de certos negócios jurídicos e resolvê-

los.59

O Estado [...] atua por seus próprios órgãos, em especial, por meio

da figura do juiz. ―Mas o juiz, e assinala Carnelutti, não é somente o indivíduo

julgador, também o que dispõe cuja decisão tem eficácia ordenadora e que essa

eficácia esteja consubstanciada numa sentença que tem a característica principal para

a sua configuração como ato jurisdicional, ―a autoridade da coisa julgada‖ na devida

expressão de Liebman [...].60

E acrescenta: ―[...] jurisdição é o poder de julgar que, decorrente do

imperium, pertence ao Estado. E este, por delegação, o confere às autoridades judiciais

(magistrados) e às autoridades administrativas‖.61

Ao termo ―jurisdição‖, entretanto, a doutrina foi acrescentando

conceitos, transfigurando sua idéia original de poder conferido ao Estado de aplicar o

direito ao caso concreto. Segundo Hely Lopes Meirelles:

Jurisdição é atividade de dizer o direito, e tanto diz o direito o

Poder Judiciário como o Executivo e até mesmo o Legislativo,

quando interpretam e aplicam a lei. Portanto, todos os Poderes e

órgãos exercem ―jurisdição‖, mas somente o Poder Judiciário tem

o monopólio da jurisdição judicial, isto é, de dizer o direito com

força de coisa julgada. Não se confunde, pois, o controle judicial,

privativo do Poder Judiciário, com o controle jurisdicional

59 DE PLÁCIDO E SILVA, Oscar Joseph. Vocabulário jurídico. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987.

v. 3, p. 27-33. 60

ROSAS, Roberto. Aspectos jurisdicionais na competência do Tribunal de Contas. Revista do

Tribunal de

Contas do Distrito Federal, Brasília, v. 1, p.82-88, 1975, p. 82. 61 Ibidem, p. 27.

Page 46: Michel Cury Neto

46

administrativo, exercido por qualquer outro órgão, inclusive do

Poder Judiciário em função administrativa.62

O controle jurisdicional dos atos administrativos assume, na doutrina,

grosso modo, duas vertentes: a comum e a especial.

No primeiro caso, ao Poder Judiciário assegura-se a apreciação dos

atos estatais, executados sob a égide pública ou privada. Portanto, ao Judiciário compete

examinar toda a matéria do contencioso administrativo. É a chamada, por muitos,

―jurisdição única‖, ou o modelo inglês, segundo o qual somente o Poder Judiciário

exerce, com exclusividade, a função jurisdicional.

A jurisdição dúplice implica o julgamento por um tribunal específico

de contendas de que participa a Administração. É possível, pois, que outra jurisdição,

não integrante do Poder Judiciário, aprecie dada matéria, impossibilitando sua

reapreciação por outro Poder.

Nesse caso, origina-se aí a coisa julgada material e formal.63

Há, pois,

duas jurisdições em igualdade de exercício: a comum e a administrativa.

No Brasil, é invocado o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal para

defender a inafastabilidade de apreciação pelo Judiciário: ―a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito‖.

A leitura do dispositivo assinala um pilar do Estado Democrático de

Direito, ou seja, independentemente da situação patrimonial, pessoal, vantagens ou

62

MEIRELLES, Hely Lopes. A Administração Pública e seus controles. Revista de Direito

Administrativo, Rio de Janeiro, n. 114, p.23-33, out./dez.1973. p. 23, nota de rodapé 1. 63

―Em síntese, os especialistas em direito processual associam coisa julgada formal com a imutabilidade

da própria sentença. [...] A seu turno, coisa julgada material diz respeito à relação jurídica que foi

apreciada, ou ao bem da vida assegurado ao autor ou réu, em virtude do pronunciamento do Estado,

impedindo que em outro processo seja decidida de modo diferente. A coisa julgada material, na legislação

pátria, como no direito comparado, merece interpretação restrita, só se perfazendo entre as mesmas partes

e mesmo objeto, não alcançando nem prejudicando terceiros.‖ (FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby.

Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte:

Fórum, 2005, p. 123).

Page 47: Michel Cury Neto

47

desvantagens, a todos, indistintamente, será concedida a tutela judicial. Neste sentido, o

art. 3º da Constituição Federal, ao arrolar os fundamentos da República.

Contudo, tal não significa, tampouco implica excluir que a própria

Constituição Federal conceda a outro órgão, ou instituição, poder jurisdicional. Uma

coisa não exclui a outra.

Avançou o legislador constitucional ao ampliar as vias de acesso do

cidadão à justiça, por meio do aperfeiçoamento de instituições e criação de novos

instrumentos para solução de conflitos.

Salientou o E. Tribunal de Justiça de São Paulo que, ―Na instância

administrativa, o Tribunal de Contas julga com amplitude de poderes‖.64

Daí a

referência de Pontes de Miranda à competência de julgar das Cortes de Contas como

―função judicialiforme‖, e não judiciária.65

A Constituição Federal confere aos Tribunais de Contas, observadas

as peculiaridades de cada órgão, as mesmas atribuições reservadas aos tribunais

judiciários, conforme o disposto no artigo 73: ―O Tribunal de Contas da União,

integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e

jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições

previstas no art. 96.‖

Nesse caso, pode-se dizer que o próprio sistema normativo deferiu ao

Tribunal de Contas poder jurisdicional, com apuração de fatos, julgamento com

aplicação do direito (regularidade e/ou irregularidade) e irretratabilidade de efeitos

(coisa julgada).

A respeito das Cortes de Contas, não é demais recordar Pontes de

Miranda ao inseri-las no ―corpo judiciário‖, no plano material, e, no plano formal, no

64

Mandado de Segurança nº 65.016/Capital, Relator Edgard de Moura Bittencourt, em sessão de

17.02.1954.

Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 43, jun. 1954, v. 224, p. 345-359, p. 345. 65

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição de 1967, com a

Emenda nº 01 de 1969. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. t. III, p. 254.

Page 48: Michel Cury Neto

48

―corpo auxiliar do Congresso Nacional‖, ao cooperar na sua missão de controle da

execução orçamentária.66

Daí a dupla função da instituição: a de avaliar tecnicamente as contas

dos administradores responsáveis por bens e valores públicos e a de cooperar com o

Poder Legislativo na fiscalização política e jurídica da gestão financeira.

Assim, descabe relacionar a coisa julgada unicamente com as decisões

emanadas pelo Judiciário. Também à esfera administrativa foi reservado um núcleo de

decisão.

Esta a lição de Seabra Fagundes:

O Poder Judiciário, chamado a atuar no processo de realização

do direito, para remover anormalidade porventura surgida,

circunscreve o âmbito da sua atuação ao caso sobre o qual tenha

sido provocado. Extinguindo-se a situação anormal com o seu

pronunciamento, cessa, por isso mesmo, a razão de ser de sua

interferência.67

As Cortes, especializadas ou não, devem conviver em harmonia, na

busca do bem maior: a justiça. Assim, ainda que privativa a tomada de contas pelo

Tribunal de Contas, importa reconhecer, como faz Jorge Ulisses Jacoby Fernandes,

―que a jurisdição dessas Cortes guarda relações com o processo judiciário e, portanto,

podem ter o exame de mérito impedido por força de decisão judicial transitada em

julgado‖. E, no exame de tais relações, arrola as seguintes premissas básicas:

66

―Desde 1934, a função de julgar as contas estava, claríssima, no texto constitucional. Não havíamos de

interpretar que o Tribunal de Contas julgasse, e outro juiz as rejulgasse depois. Tratar-se-ia de absurdo bis

in idem. Ou o Tribunal de Contas julgava, ou não julgava.‖ (PONTES DE MIRANDA, Francisco

Cavalcanti.

Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda nº 01 de 1969. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. t. III, p. 63). 67

SEABRA FAGUNDES, Miguel de. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7.

ed. rev.

e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 193-194.

Page 49: Michel Cury Neto

49

- as esferas administrativas, civil, e penal são independentes;

- as penalidades de cada uma das esferas de competência,

descritas anteriormente, podem cumular-se;

- o julgamento por fatos conexos pode ensejar a atuação

simultânea de dois Tribunais de Contas, o que ocorreria, por

exemplo, quando um prefeito, tendo aplicado irregularmente

recursos federais, para pagar o débito utilizasse de recursos do

erário municipal;

- a responsabilidade administrativa do servidor deve ser afastada

no caso de absolvição civil ou criminal que negue a existência do

fato ou a autoria;

- só pode ser considerada como exceção peremptória a decisão

judicial que: tenha transitado em julgado; tenha adotado por

fundamento fato que, diretamente, seja objeto do processo debatido

nos Tribunais de Contas e sobre o qual expressamente se tenha

pronunciado, reconhecendo-se não ocorrido ou sendo o

responsável outro que não o indicado;

- a tomada de contas especial que busca apurar a responsabilidade

do agente e, se for o caso, a recomposição do erário, pode ter

pleno e normal curso ainda que uma ação judicial absolva o

agente da prática de determinado crime;

- como os processos judiciais sofrem uma tramitação mais lenta e

as esferas são independentes, os Tribunais de Contas não têm o

dever de sobrestar o processo, para aguardar decisão do Poder

Judiciário. Exemplo disso: o Poder Judiciário, há 25 anos, debate

famoso escândalo na aplicação de recursos públicos no DF.68

Lúcia Valle Figueiredo, observa que ―a característica essencial e

fundamental do ato administrativo, no Estado de Direito, é sua contrastabilidade pelo

Poder Judiciário‖.69

E conclui que o Judiciário é qualificado para dizer se a conduta

administrativa quedou-se dentro da moldura legal, não a desbordando.70

68

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2. ed.

rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 604-605. 69

FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 9. ed. rev., ampl. e atual. até a Emenda

Page 50: Michel Cury Neto

50

Assim é em relação à decisão das Cortes de Contas. O controle do

Judiciário é admissível unicamente para coibir abusos e não para rediscutir critérios

técnicos adotados.

Nessa linha, o decidido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São

Paulo nos autos do Mandado de Segurança nº 72.598 (Relator Desembargador Sinésio

de Souza) e na Apelação Cível nº 844.768-5/7 (Relator Desembargador Corrêa Vianna),

pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Mandado de Segurança nº 6.960, Recursos

Extraordinários nº 55.821 e 7.280 (Ministro Henrique D‘Ávila),71

e pelo Superior

Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial nº8970/SP, Recursos Ordinários em

Mandado de Segurança nº 628/RS e 12.487.72

Adiciona Roberto Rosas:

No STF asseverou o Ministro Rafael de Barros Monteiro que as

decisões do Tribunal de Contas não podem ser revistas pelo Poder

Judiciário, a não ser quanto ao seu aspecto formal, palavras

corroboradas na mesma assentada pelo Min. Djaci Falcão,

considerando essas decisões com força preclusiva (RE 55.821, RTJ

43/151). Ainda quando o ato administrativo seja praticado pelo

Tribunal de Justiça não ficará imune à apreciação do Tribunal de

Contas com competência para isso (RE 47.390, RTJ 32/115), bem

como com o exercício de auditoria financeira e orçamentária sobre

Constitucional 56/2007. São Paulo: Malheiros, p. 178. 70

―Ao Poder Judiciário, em face do encargo constitucional, que lhe foi atribuído, de apreciar qualquer

lesão, ou ameaça a direito, incumbe exercer o controle de legalidade do ato administrativo. Tal controle

não se cinge, apenas, ao simples exame da legalidade formal do ato administrativo. Deve exercê-lo, inclusive, no exame de sua legalidade substancial, cabendo-lhe descer à análise dos motivos desse ato,

para verificá-lo se é legal, ou não. A motivação errônea, não condizente com a realidade, equivale à falta

de motivação, tornando írrito e nulo esse ato.‖ (Ap. Cível 18252/99, Tribunal de Justiça do Estado do Rio

de Janeiro, Rel. Des. Luiz Odilon Bandeira). 71

―Ementa: Ao apurar o alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, o tribunal de contas pratica

ato insusceptível de revisão na via judicial a não ser quanto ao seu aspecto formal ou tisna de ilegalidade manifesta. Mandado de segurança não conhecido.‖ 72 ―Ementa: Processual e administrativo. Resolução do Tribunal de Contas do Município. Imputação de

débito por pagamento indevido. Não há como reconhecer a ilegitimidade de resolução do Tribunal de

Contas para imputação de débito por pagamento realizado a maior pelo Presidente da Câmara de

Vereadores aos seus pares, sem prévio exame da resolução, sobre a qual se fundaram os atos praticados

pelos recorrentes, bem como sua legitimidade e adequação dos fatos ao seu conteúdo. O Poder Judiciário

não detém competência para rever as decisões dos Tribunais de Contas dos Municípios, no que diz

respeito ao exame de contas, não competindo a esta Corte analisar a motivação da imputação de débito.

Recurso improvido.‖

Page 51: Michel Cury Neto

51

as contas dos Três Poderes. Inclusive Legislativo (art. 70, § 3.º,

Const.) assim interpretado pelo STF na Representação 764 do

Espírito Santo (RTJ 50/245). Em outro julgado do pretório Excelso

(MS n.º 16.255, RTJ 38/245) o Relator Ministro Lins, ainda que

restringindo o âmbito da função jurisdicional do Tribunal de Contas,

não negou sua competência constitucional, afirmando que ―tudo

quanto ultrapassa este limitado projeto de exame da regularidade

intrínseca das contas prestadas pelos responsáveis, refoge à

competência jurisdicional restrita, e inampliável por lei, do Tribunal

de Contas. Só o que toca a este exame, já para liberar o responsável,

já para declará-lo em alcance, constitui decisão jurisdicional

definitiva, a cavaleiro de qualquer revisão judicial‖, afirmou o

iminente magistrado. No mesmo passo acentuaram os Ministros

Aliomar Baleeiro e Carlos Medeiros Silva em aresto da Corte

Suprema (MS n.º 15.831, RTJ 37/462).73

As Cortes de Contas encontram-se aparelhadas e tecnicamente

preparadas para o exercício do controle e julgamento dos atos que causem lesão ao

erário, em que pese tal aspecto desagrade a muitos. E, embora digam não caber a elas a

edição de atos jurisdicionais típicos, inconcebível imaginar não detenham, ainda que em

dose diminuta, tal condição.74

73

ROSAS, Roberto. Aspectos jurisdicionais na competência do Tribunal de Contas. Revista do

Tribunal de

Contas do Distrito Federal, Brasília, v. 1, p. 82-88, 1975, p. 85. 74 Este o entendimento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto: ―Algumas

características da jurisdição, no entanto, permeiam os julgamentos a cargo dos Tribunais de Contas.

Primeiramente, porque os TC‘s julgam sob critério exclusivamente objetivo ou da própria técnica jurídica

(subsunção de fatos e pessoas à objetividade das normas constitucionais e legais). Segundamente, porque

o fazem com força ou a irretratabilidade que é própria das decisões judiciais com trânsito em julgado.

Isto, quanto ao mérito das avaliações que as Cortes de Contas fazem incidir sobre a gestão financeira,

orçamentária, patrimonial, contábil e operacional do Poder Público. Não, porém, quanto aos direitos propriamente subjetivos dos agentes estatais e das demais pessoas envolvidas em processos de contas,

porque, aí, prevalece a norma constitucional que submete à competência judicante do Supremo Tribunal

Federal a impetração de habeas corpus, mandado de segurança e habeas data contra atos do TCU (art.

102, inciso I, alínea d). Por extensão, caem sob a competência dos Tribunais de Justiça dos Estados e do

Distrito Federal, conforme a situação, o processo e o julgamento dessas mesmas ações constitucionais

contra atos dos demais Tribunais de Contas‖. (BRITTO, Carlos Ayres. O regime constitucional dos

Tribunais de Contas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, v. 1, n. 9, dez. 2001. Disponível em:

<http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGO-JURIDICO-09-DEZEMBRO-2001-

CARLOSAYRES-BRITTO.pdf>. Acesso em: 12 maio 2008, p. 8).

Page 52: Michel Cury Neto

52

Compete, ademais, às Cortes de Contas negar aplicação de lei que

considerem inconstitucional, e tal função decorre da jurisdicional.

Tal controle exercido pelo Tribunal de Contas se dá de modo difuso, é

o chamado ―controle incidental‖. Por meio dele, soluciona-se a questão constitucional

como pressuposto para alcance e apreciação do caso concreto, e os efeitos do incidente

atingem apenas as partes envolvidas no processo sujeito à apreciação da Corte.

Tal prerrogativa, a propósito, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal

Federal ao editar a Súmula 347: ―O Tribunal de Contas, no exercício de suas

atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público‖.

São, pois, diversos e reiterados os julgados no sentido de que não cabe

ao Judiciário rever as decisões dos Tribunais de Contas, salvo quando, quanto ao seu

aspecto formal, ocorra ilegalidade manifesta ou irregularidade formal grave.75

Cabe, ainda, por curiosidade, mencionar julgado afim. Proclamou o E.

Tribunal de Justiça de São Paulo não competir ao Poder Judiciário apreciar o mérito da

rejeição de contas do Poder Executivo pelo Poder Legislativo Municipal.76

Consigne-se a conclusão alcançada por Rodolfo de Camargo

Mancuso:

[...] os pronunciamentos desses órgãos colegiados

configuram verdadeiros julgamentos, atos judicantes aperfeiçoados e

impositivos, embora restritos, obviamente, às matérias

75 Neste sentido consulte-se: RTJ 43/151; REsp nº 8.970/SP, j. em 18.12.91; TJ-SP 7ª Vara da Fazenda

Pública do Processo 053.08.126621-2 julgado de 11.12.08; STF:RE 55821/PR, DJ 24.11.67; STF: MS

7280, ADJ 17.09.62, p. 460. E mais: ―O controle jurisdicional sobre decisões dos Tribunais de Contas é

admissível, mas, tão só, para coibir ilegalidades, e não para discutir os critérios técnicos adotados. Assim

decidiu o Órgão

Especial do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Mandado de Segurança n. 72.598, sob

relatoria de Sinésio de Souza: 'ao apurar o alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, Tribunal de

Contas pratica ato insuscetível de revisão na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal ou tisna

de ilegalidade manifesta' (MS n. 7.280).‖ (AC n° 844.768.5/7-00 - 2a Câmara de Direito Público - rel. Des. Corrêa Viana, j . de 16.12.2008, v.u.) 76

TJSP, Apelação Cível n. 225.020-5/0 - Mogi Mirim - 9ª Câmara de Direito Público, Rel.

Desembargador

Antonio Rulli, j. 19/10/05 - v.u.

Page 53: Michel Cury Neto

53

constitucionalmente atribuídas a esses Tribunais. Sob o aspecto

formal, ressalte-se que no âmbito do Tribunal de Contas do

município de São Paulo, os julgamentos tornam os nomes de

―decisão‖, ou de ―acórdão‖, conforme provenham, respectivamente,

de Juiz Singular/Câmara ou do Plenário (Lei 9.167/80, art. 40).77

Por fim, em que pese nosso sistema consagre a inafastabilidade da

Justiça, o fato é que a Corte de Contas possui como função maior o controle e

fiscalização contábil, financeira, orçamentária operacional e patrimonial, jurisdição

especializada com funções definidas na Constituição Federal. E, embora as decisões das

Cortes de Contas possam ser questionadas pelo Judiciário, necessariamente não serão

todas e a qualquer tempo, mas aquelas que eventualmente possam provocar lesão ou

ameaça a direito legítimo (art. 5º XXXV, CF).

77

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Sobre a execução das decisões proferidas pelos Tribunais de

Contas,

especialmente a legitimação. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 743, p. 74-95, set. 1997, p. 76

Page 54: Michel Cury Neto

54

CAPÍTULO III - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AO

CONTROLE PRÉVIO REALIZADO PELO TRIBUNAL DE CONTAS

Será analisado no presente capítulo a forma como se dá a aplicação dos

princípios constitucionais no controle prévio exercido pelo Tribunal de Contas, analisando

a responsividade aplicada ao controle78

durante sua execução, sendo certo que este deve

ser exercido não só com uma análise acerca da legalidade do ato, como devem ainda ser

avaliadas as consequências da medida de controle antes de adotá-la, em respeito ao

princípio da eficiência administrativa.

Logo, os princípios informadores do controle prévio exercido pelo

Tribunal de Contas, que não destoam dos princípios a serem observados pelos órgãos do

Estado em geral, no exercício do ius puniendi estatal.

A princípio, importa observar que em nosso país, na medida em que

não há um quadro normativo explícito a ser aplicado na Administração Pública, o que

não significa, por óbvio, a inexistência de garantias, há o desafio na identificação desses

princípios.

Inegável a relevância da verificação da ocorrência dos requisitos

(pressupostos de sua prática, competência, formalidades, causa e procedimento) do ato

controlador a fim de constatar sua legalidade. Todavia, perfilhando o caminho proposto

por Celso Antônio Bandeira de Mello, que incluiu nos pressupostos do ato

administrativo os requisitos procedimentais, como ―atos que devem, por imposição

normativa, preceder a determinado ato‖79

, nos preocuparemos nessa oportunidade com o

procedimento, ou seja, com a observância de atos prévios que necessariamente devem

ser levados em conta pela Administração.80

78 Sobre o tema do direito responsivo, ver: NONET; SELZNICK. Law and society

in transition: toward responsive law, p. 73-78. 79 Ato administrativo e direitos dos administrados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 77. 80 Lúcia Valle Figueiredo, nessa mesma linha de pensamento, ao tratar das formalidades legais do ato

administrativo, considera que o tema está intimamente ligado ao tema do procedimento administrativo, e

pondera que o cumprimento das formalidades legais é requisito indispensável à validade do ato, além de

ser garantia fundamental do Estado de Direito, do due process of law. Observa, contudo, que os autores

brasileiros não têm se preocupado com este importante tema como os autores estrangeiros. Aponta o

procedimento administrativo como a maneira pela qual se exercita a função administrativa e cita Giannini

no sentido de que tende a compor o interesse público primário. Afirmando que existem atos que não

Page 55: Michel Cury Neto

55

Acreditamos que os princípios que necessariamente deverão ser

observados no controle prévio exercido pelo Tribunal de Contas são desdobramentos

dos princípios caracterizadores do Estado de Direito, que visam proteger os indivíduos

da própria atuação do Estado, que, em decorrência de um regular procedimento, deverá

proferir decisões imparciais e justas.

Outra importante observação é a de que muitos princípios que

arrolaremos abrigam outros, como própria decorrência de sua aplicação. Nessas

situações procuraremos, sempre que possível, tratá-los conjuntamente. Tais princípios,

como observa Héctor Escola, não se excluem, pelo contrário, devem ser reunidos para

uma aplicação harmônica, resultando em um procedimento eficaz e simples, e que ao

mesmo tempo respeite os interesses e direitos dos administrados.81

3.1 – PRINCÍPIO DA MORALIDADE

Segundo o princípio da moralidade,82

a atividade administrativa deve

se ater às regras de lealdade e boa-fé, conforme registra com propriedade o insigne

Jésus Gonzalez Pérez.83

Sua inserção expressa na Constituição Federal reflete uma das mais

notáveis conquistas positivadas pelo constituinte, na medida em que traz para o terreno

da concretude um conceito indeterminado.

O constituinte andou corretamente ao tentar desmistificar a conotação

de conceito jurídico vago, quando, no momento de aplicação da regra, possa ser

transportado para o plano da determinação.84

prescindem de processo administrativo formal e vinculado, complementa o raciocínio de que o

procedimento adequado condiciona a emanação dos atos e é responsável pela democratização da

atividade administrativa (Curso de direito administrativo. 8ª ed., p. 202-203). 81 Tratado general del processo administrativo. Buenos Aires: Depalma, p.149. 82

BUSQUETS, Cristina Del Pilar Pinheiro; PRATA, Maria Beatriz. A moralidade na Administração

Pública e os Tribunais de Contas. In: XVII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil, São Luis do

Maranhão, 1993. Revista do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, n 73, out./93, p. 29-55, p. 39. 83

PÉREZ, Jesus González. El princípio general de la buena fé en el Derecho Administrativo. 2ª ed.

Madrid: Civitas, 1989, p. 49.

Page 56: Michel Cury Neto

56

Assim, o Direito utiliza-se da linguagem natural, mesclando-a com

termos técnicos, de sorte a torná-lo compreensível aos integrantes da sociedade que visa

a regular, portanto, seus destinatários.

A moralidade constitui-se no conjunto de regras de conduta obtidas do

ordenamento jurídico, disciplinadoras do exercício dos Poderes do Estado. É

pressuposto de validade e eficácia do ato administrativo, diferenciando-se, assim, da

moral comum que se compõe de regras de ética e bons costumes.

A respeito desses elementos, assinala Márcio Cammarosano:

―[...] o Direito e a Moral constituem ordens do

comportamento humano, e que estabelecem, cada qual a seu modo, o que deve

ser, consubstanciando valores. Conseqüentemente, assim como a norma

moral, ―a norma jurídica situa-se no âmbito da normatividade ética‖,

possuindo ―uma essência ética, uma vez que se dirige à conduta social do

homem, indicando-lhe como agir no complexo da realidade social a que se

ajusta, sob a inspiração de valores, cuja fonte comum axiológica é o próprio

homem.‖85

O conceito ínsito ao princípio da moralidade é alicerçado em valores

que informam as normas jurídicas e, muito além delas, estende-se pelos valores

socialmente aceitos e consagrados como íntegros.

Esta diretriz constitucional impõe, indubitavelmente, à Administração

Pública o caminho a ser trilhado em face dos administrados, pautado pela conduta

84

Neste sentido grafa Weida Zancaner que ―os conceitos jurídicos indeterminados são conceitos de

experiência ou de valor, utilizados pelo legislador para se referir a certas realidades que não admitem um

tipo de determinação mais precisa. Ademais, o Direito não pode ser formulado através de uma linguagem

estritamente técnica, já que visa regular comportamentos humanos; o que, em outras palavras pobres,

significa que o Direito, para poder atingir seu objetivo tem que ser inteligível, caso contrário, não se

efetivará‖. (Parecer emitido nos autos do TC 6280/026/91. Proposta de estudos sobre o princípio da

moralidade, estabelecido no capítulo VII da Constituição Federal e sobre o princípio da razoabilidade. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Pleno, rel. Conselheiro José Luiz Anhaia Mello, sessão de

13/03/91, DOE 18/04/91, p. 25-28). 85

CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função

administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 50.

Page 57: Michel Cury Neto

57

correta, sincera e transparente, sendo-lhe vedado comportamento impregnado de

malícia, vício e desídia, cerceador dos direitos e garantias dos indivíduos:

―Valores como esses, e porque juridicizados devem ser

prestigiados pelo Administrador Público. Este, ao interpretar as normas nas

quais se refletem, visando sua aplicação, e ao avaliar situações de fato para

detectar sua incidência, não pode ignorar o sentido que os conceitos que

expressam valores têm no seio da coletividade de que promanam, e em dado

momento histórico, mas sempre atentos ao enfoque contextual do sistema

normativo.‖86

Por conseguinte, a coerência revela-se inerente ao exercício da

atividade administrativa como forma de compatibilizá-la com os comandos

constitucionais. Neste sentido, se viciada, e por meio de mecanismos fraudadores,

atinge finalidade estranha à do ato praticado e tornar-se-á reprovável do ponto de vista

da moralidade.

Por este prisma, observa agudamente Seabra Fagundes:

―[...] a moralidade é elemento do ato administrativo, posto

que este pode ser legal, mas não ser moral. Nesta hipótese, o novo texto

constitucional deixa clara a possibilidade jurídica de se atacar o referido ato,

devendo este ser anulado pela própria Administração ou declarada sua

nulidade pelo Poder Judiciário.‖87

86

CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função

administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 50. 87

SEABRA FAGUNDES, Miguel de. O art. 50 da Constituição Federal. Evento promovido pelo

Instituto de Direito Administrativo Paulista (IDAP), Federação do Comércio de São Paulo, 1989. Notas taquigráficas. ―Já tivemos oportunidade de registrar anteriormente que a Constituição vigente juridicizou

o tão decantado princípio da moralidade, elegendo-o como um dos pilares de sustentação do Estado

brasileiro que o criou [...]

Destarte, a moralidade administrativa indubitavelmente constitui pressuposto de validade de todos os atos

jurídicos em que a Administração Pública tomar parte. A par disto, é mister salientar que este princípio

em tela se traduz como um conjunto de regras de condutas extraídas do regime jurídico administrativo,

tendo em vista as finalidades da função administrativa.‖ (BUSQUETS, Cristina del Pilar Pinheiro;

PRATA, Maria Beatriz. Admissão de pessoal nas empresas públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1991. p. 23.).

Page 58: Michel Cury Neto

58

Ao consignar a moralidade como princípio na Constituição Federal de

1988, o legislador, de outra parte, nada mais fez que tornar inquebrantável um ideal, por

óbvio a ser perseguido e conquistado, portanto ainda longe de se tornar parte integrante

do apenas ―ser brasileiro‖.

3.2 – PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

O princípio da eficiência, já implícito em nossa Carta Política, foi

galgado a princípio constitucional explícito por meio da Emenda Constitucional nº

19/98, que, por ocasião da chamada Reforma Administrativa do Estado, o introduziu no

rol do caput do artigo 37, juntamente com outros dispositivos que tinham por propósito

a substituição do modelo burocrático pelo gerencial, com o abrandamento dos controles

rígidos dos procedimentos e incrementação do controle de resultados.

Foi, portanto, introduzida no bojo desses novos valores, significando,

para Sérgio Ferraz e Adilson de Abreu Dallari, que as concepções puramente

formalísticas foram superadas, dando-se maior ênfase ao exame da legitimidade, da

economicidade e da razoabilidade em benefício da eficiência. Desse modo, meras

formalidades burocráticas devem ser superadas quando resultarem em empecilho à

realização do interesse público, devendo o formalismo ceder diante da eficiência.88

Depreende-se a dificuldade paradoxal da Corte de Contas em face

deste princípio: por diversas vezes uma decisão de paralisação de determinada licitação

mostra-se, inequivocadamente, afronta à eficiência administrativa, no entanto, seu

prosseguimento fere muitos outros princípios norteadores do Direito Administrativo,

tais como a competitividade e economicidade.

Nesses casos, faz-se necessário um raciocínio mais elaborado do

órgão fiscalizador, que mensura a gravidade dos apontamentos levantados em face da

imprescindível legalidade dos atos administrativos, bem como vislumbra possíveis

prejuízos futuros, sejam eles ao erário, aos interessados no certame, ou à própria

coletividade.

88 Processo administrativo., p. 78.

Page 59: Michel Cury Neto

59

Por consequência, deve ser feita devida relativização de tal princípio

ao ser aplicado aos órgão fiscalizados, sendo certo que sua aplicação não pode, de forma

alguma, sobrepujar outros princípios norteadores da administração pública.

Nesse sentido, também a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro

realçou a acentuada oposição entre o princípio da eficiência pregado pela ciência da

administração e o da legalidade, inerente ao Estado de Direito, e, invocando Jesús

Leguina Villa, asseverou que a eficácia que a Constituição exige da Administração não

deve se confundir com a eficiência das organizações privadas, não resultando em valor

absoluto diante dos demais.89

O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello referiu-se ao princípio de

forma sumária, considerando sua fluidez e dificuldade de controle ao lume do direito,

afirmando só poder ser o princípio concebido na intimidade do princípio da legalidade,

sendo uma faceta do princípio da boa administração, já tratado de forma mais ampla

pelo direito italiano.90

Por fim, o professor argentino Agustín Gordillo adverte sobre a

importância da interpretação congruente do princípio da eficiência com os demais

princípios, uma vez que a celeridade, simplificação e economia processual não podem

implicar em prejuízo à defesa do interessado.91

89 Parcerias na Administração Pública. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 295-296. Transcrevemos a

seguir parte do alerta feito por Jesús Leguina Villa, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por

consideramos de extrema lucidez suas ponderações para o entendimento do conteúdo do princípio da

eficiência. Diz o jurista espanhol: ―Agora, o princípio da legalidade deve ficar resguardado, porque a

eficácia que a Constituição propõe é sempre suscetível de ser alcançada conforme o ordenamento

jurídico, e em nenhum caso ludibriando este último, que haverá de ser modificado quando sua

inadequação às necessidades presentes constituía um obstáculo para a gestão eficaz dos interesses gerais,

porém nunca poderá se justificar a atuação administrativa contrária ao direito, por mais que possa ser

elogiado em termos de pura eficiência. Por ouro lado, o princípio da legalidade está acompanhado de uma

constelação de direitos, valores e garantias constitucionais que a eficácia administrativa não pode desconhecer. A igualdade perante a lei, a liberdade de concorrência, a segurança jurídica e o controle

efetivo dos gastos públicos – que são, entre outros, pilares básicos do ordenamento jurídico da

administração – condicionam ou limitam, em concreto, o alcance do princípio da eficácia. Não se deve

esquecer que o Direito administrativo deve garantir simultaneamente os interesses gerais e os direitos e

interesses individuais, não sendo razoável seu abandono em prol da sacralização de uma lógica eficiente,

que não consegue ver na legalidade pública outra coisa senão insuportáveis obstáculos que devem ser

eliminados a todo custo‖. 90 Curso de direito administrativo. p. 118. 91 Tratado de derecho administrativo. p. IX-46.

Page 60: Michel Cury Neto

60

3.3 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Legalidade e Estado de Direito são noções inseparáveis, embora

comportem análise individualizada. O princípio da legalidade é o nascedouro do direito

administrativo, sendo aceitável afirmar que o direito administrativo é verdadeira

conseqüência do Estado de Direito.

Assim é que, embora a Administração Pública, enquanto conjunto de

pessoas e órgãos que exercem a função administrativa do Estado, já existisse em épocas

anteriores, de fato somente passou a se estruturar a partir da formação do Estado de

Direito. Daí a inegável importância dos contornos conferidos pelo ordenamento jurídico

à atuação da Administração Pública, sobretudo em decorrência do princípio da

legalidade, de observância obrigatória no exercício da função administrativa e, como

teremos oportunidade de constatar, com incidência fortemente marcante no exercício da

competência fiscalizatória dos Tribunais de Contas.

Eisenmann colocou o princípio da legalidade sob dois enfoques:92

a) a noção mínima, segundo a qual a legalidade é uma relação de não-contrariedade ou

de perpetração na compatibilidade entre ação e fim (nenhum agente administrativo deve

agir contrariamente à lei); e

b) a noção máxima, a legalidade é uma ação de conformidade (se está conforme uma

regulamentação legislativa, então o ato jurídico-administrativo é aceito como válido).

Na concepção mais rigorosa de relação de legalidade: (i) é

―compatível‖ o ato administrativo que não se oponha ao conteúdo material da lei; (ii) é

―conforme‖ o ato que se apresenta em similitude com a regulamentação.

Utilizando-se desta premissa aos atos administrativos, depreende-se

que o ―princípio da compatibilidade‖ permite que, a partir de uma regulamentação

legislativa, tudo aquilo que não esteja direta ou indiretamente vedado ao administrador é

92

Eisenmann, Charles. ―O Direito Administrativo e o Princípio da Legalidade‖. Revista de Direito Administrativo, v. 56, 1959, p.

48/58.

Page 61: Michel Cury Neto

61

permitido (onde não existe lei, não pode haver ilegalidade). De seu turno, o ―princípio

da conformidade‖ exige que o administrador só aja conforme a lei.

O direito positivo nem sempre exige fundamento para a prática dos

atos jurídicos da Administração em conformidade com uma regulamentação legislativa,

na medida em que existem atos meramente portadores de regras ou normas, como os

regulamentos administrativos.

Os regulamentos elaboram normas-quadro que circunscrevem o poder

regulamentar do agente, o que, de certo modo, inibe a aplicação do princípio da

conformidade, visto que haveria confronto de regra com regra ou norma com norma.

Por isso, parte da doutrina (a exemplo de Eisenmann) conclui que o

princípio da legalidade não se aplica plenamente aos atos jurídicos administrativos, no

que toca a seu fundamento, na medida em que normas ou regras específicas podem ser

tomadas se respeitada a regra legislativa de hierarquia do direito positivo e, mais

precisamente, de conformidade racional entre ―proposição singular‖ e ―proposição

geral‖ dos comandos normativos em confronto.

Os atos administrativos unilaterais nada mais são do que normas

especiais criadas pela Administração Pública. Como tal, improvável que detenham

similitude com outras normas jurídicas específicas, mas devem estar ―conforme‖ as

normas-quadro produzidas pela atividade legislativa ordinária. Essa conformidade quem

dita é o juiz ou, mais precisamente, a jurisprudência.

No que tange à aplicação da legalidade positivista aos atos de

governo, Rafael Bielsa93

divide a atividade do poder executivo da seguinte forma:

a) de governo ou políticos, envolvendo a idéia de soberania; e

b) administrativos, referentes à execução das atividades, funções e serviços públicos.

93BIELSA, Rafael, Derecho administrativo. Buenos Aires, Lajouane, 1938, p. 136

Page 62: Michel Cury Neto

62

Distingue o autor os atos característicos a estes dois ramos, tipificando

os primeiros como atos políticos sujeitos à responsabilidade política, e os segundos atos

administrativos sujeitos ao controle jurisdicional.

Como observa a Profa. Odete Medauar, tal higidez da fórmula

legalista clássica foi ganhando contornos mais flexíveis, ―na obtenção de poderes livres,

o que gerou os contrapesos ao princípio da legalidade ou zonas de ampla liberdade,

refletidas na discricionariedade e nos atos de governo, muitas vezes fundamentadas no

chamado poder de supremacia especial‖94

Essa idéia de maior liberdade de ação administrativa contrastava, nos

primórdios do Direito Administrativo, com o princípio da legalidade e o Estado de

Direito. O que pudesse escapar aos limites de submissão à lei comprometia a defesa

dos direitos fundamentais do indivíduo. Evolutivamente, constatou-se que o poder

discricionário decorre da separação das funções do poder político, servindo como fator

de equilíbrio.

Pertinente citar exemplificativamente o sistema jurídico francês, onde

o controle jurisdicional dos atos administrativos não deveria interferir nas decisões de

conveniência e oportunidade do interesse público, mas apenas na salvaguarda do

cumprimento formal da lei. Até meados do séc. XX, a França não permitia revisão

jurisdicional dos atos concentrados de administração do Estado. Até que o Conselho de

Estado, a partir de 1958, passou a realizar o efetivo papel de controle, inclusive dos atos

normativos da Administração Pública, reservando-se na Constituição um número certo e

determinado de matérias que só podem ser reguladas por lei.

A vontade do administrador é ―conforme‖ se vinculada à lei. Contudo,

se discricionária for, haverá legalidade apenas na hipótese de ―conformidade‖ ou

também de ―não contrariedade‖ à lei.

Logo, ao se constatar que é necessário um nexo entre ato

administrativo e sua motivação (fato, lei e interesse público) para sustentar a

discricionariedade, constata-se que essa faculdade do administrador público evoluiu na

94 Medauar, Odete. ―O Direito Administrativo em evolução‖. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

1992, p. 143.

Page 63: Michel Cury Neto

63

mesma proporção à legalidade, saindo do plano meramente formal para o

essencialmente material.

Denota-se que a discricionariedade fomentou o poder normativo da

Administração Pública, criando as bases de uma atividade regulamentar que a lei

ordinária não daria conta, diante da necessária fluidez e rotina de emissão de comandos

(normas) de gestão administrativa.

Conforme bem apontado pela professora Jaqueline Morand-Deviller, o

regime jurídico dos atos administrativos podem ser afetados por uma situação de

exceção que justifica uma adaptação do princípio da legalidade95

. Doutrinadores

alemães chamam de Teoria do ―estado de necessidade‖: em circunstâncias excepcionais,

pode-se utilizar de legislação de emergência.

Nesse diapasão, disserta Antonio Carlos de Araújo Cintra sobre a

constituição de uma exceção ao princípio da legalidade que se chama teoria das

circunstâncias excepcionais, ou seja, quando ocorrem situações anormais onde a

observância de certas regras jurídicas seria impossível, ou tornaria ineficaz a atuação da

Administração, podendo causar grandes danos ao bem coletivo96

.

Analisando a atual ordem jurídica, o controle jurisdicional por vezes

trata o princípio da legalidade de maneira atenuada, em específico por uma grande

influência do Direito Privado, validando condições a favor do particular, mesmo que a

autorização não esteja contida numa norma jurídica.

Na experiência contemporânea, o princípio da legalidade assume uma

conotação aberta, representando um paradigma mais afinado com a práxis

administrativa. A atividade administrativa é, então, representada por um conteúdo

autorizador da norma jurídica, correlato a uma situação sugestiva do Direito Privado,

que provoca efeito de extinção ou de limitação do ato administrativo.

95

MORAND-DEVILLER. Jacqueline. Droit Administratif. Montchrestien, 2009.

96

CINTRA. Antonio Carlos de Araújo. Motivo e Motivação do Ato Administrativo. São Paulo, 1978.

Page 64: Michel Cury Neto

64

Assim, a discricionariedade administrativa, com a evolução

interpretativa do princípio da legalidade, deixou de ser uma faixa de atuação onde o

administrador público podia agir fora dos limites da lei, posto que por ela legitimado,

para se tornar uma esfera de atividade na qual o administrador, dentro dos confins

legais, apreciando determinada situação concreta, decide pela solução que melhor

satisfaça o interesse público.

Por conseguinte, buscando a observância da legalidade e legitimidade

dos atos fiscalizados previamente pelos Tribunais de Contas, a relação de legalidade

precisa ser vista como uma relação de conformidade.

3.4 – CONTROLE DE LEGITIMIDADE

A necessidade de se examinar o controle da Administração Pública

pelo Tribunal de Contas, sob o prisma da legitimidade, decorre de expressa previsão

contida no artigo 70, caput, da Constituição Federal.

Trata-se de controle que abre aos órgãos controladores a possibilidade

de realização de análise de mérito acerca da política econômica empreendida pelas

autoridades governamentais, ou dos atos de gestão orçamentária financeira da

Administração, desbordando, assim, para a efetivação de uma intervenção política.97

Nessa perspectiva, pode o Tribunal de Contas tanto considerar

ilegítima compra de determinados materiais por se mostrarem com valor acima daquele

praticado no mercado, quanto apontar ilegitimidade na aquisição de algum produto

porque incompatível com os valores ou as necessidades da coletividade.

O controle de legitimidade, portanto, não significa apenas a verificação

da relação de adequação entre o ato administrativo a ser praticado e a capacidade do

agente para fazê-lo. Significa a verificação da relação de adequação entre o ato

administrativo a ser praticado e os valores e necessidades fundamentais da coletividade.

97 TORRES, Ricardo Lobo. ―O Tribunal de Contas e o Controle da legalidade, economicidade e

legitimidade‖, in R. Inform, Legislativa, n° 121, jan/mar/94, p. 269/271.

Page 65: Michel Cury Neto

65

Como aponta Celso Bastos, a expressão legitimidade é bem mais

ampla que a mera legalidade. ―Um ato pode ser legal, mas não ser legítimo por estar em

descompasso com os valores fundamentais da coletividade. Destarte, um dispêndio

excessivo com atividades de representação ou mesmo cerimônias festivas, embora

regulares do ponto de vista legal, visto que financiados por verbas competentes do

orçamento, podem ter a sua legitimidade questionada. É dizer, reconhecer-se que aquela

despesa transcende ao que seria razoável a um ato daquela natureza.‖98

De forma mais genérica, Sergio Ferraz assevera que ―o âmbito da

atuação do legislativo e das Cortes de Contas é, hoje, imenso, por isso não mais restrito à

legalidade, abrangendo a legitimidade e a economicidade‖.99

Ainda sobre o assunto Ricardo Lobo Torres: ―O aspecto da

legitimidade, por conseguinte, engloba todos os princípios constitucionais orçamentários

e financeiros, derivados da idéia de segurança jurídica ou de injustiça, que

simultaneamente são princípios informativos do controle. A análise do exato

cumprimento do princípio da capacidade contributiva, que manda cobrar impostos de

acordo com a situação e riqueza de cada um, do princípio da redistribuição de rendas,

que proclama a necessidade de justiça redistributiva, do princípio do equilíbrio

financeiro, que postula a adequação entre receita e despesa para a superação das crises

provocadas pelo endividamento público, por exemplo, praticam o controle da

legitimidade.‖100

3.5 – ECONOMICIDADE

Em um sentido mais genérico, a atuação administrativa, de modo a

despender recursos públicos o menos possível, corresponde a uma preocupação atávica,

inerente a qualquer sociedade organizada.

Desta forma, o dever do administrador público de agir com

parcimônia, cuidado, para preservar os recursos públicos, escassos desde sempre,

98 Curso de Direito Financeiro e de Direito Administrativo, p. 91. 99 SILVA, José Afondo da. Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 16ª Ed., São Paulo,

1999., p. 276. 100 Op. Cit., p. 269

Page 66: Michel Cury Neto

66

corresponde a uma derivação do dever de fidelidade de qualquer agente público. Ao

violar este preceito, no mínimo, o administrador seria reconhecido como irresponsável e

em descompasso com a regra da boa administração e da moralidade administrativa; neste

sentido, agir de forma antieconômica resulta em atuação ilegítima e imoral.

A Constituição de 1988 expressamente adotou a ―economicidade‖

como um dos critérios orientadores da atuação da Administração Pública, em seu artigo

70, caput, elevando-a, implicitamente, à condição de princípio; no seu delineamento,

encontra-se ínsito o dever de eficiência do administrador público.

Conforme preleciona Ricardo Lobo Torres, o controle da

economicidade significa controle da eficiência na gestão financeira e na execução

orçamentária, com minimização de custos e gastos públicos e maximização da receita e

arrecadação. ―Transcende o mero controle da economia dos gastos, entendida como

aperto ou diminuição de despesa, pois abrange também a receita, na qual aparece como

efetivamente na realização das entradas orçamentárias.‖101

Sua verificação exige análise abrangente da situação que gerou o ato

controlado, podendo ser aferida não só em processo de prestação de contas ou auditoria,

mas previamente, mediante a apresentação de orçamento prévio elaborado pela

Administração Pública.102

Assim, o órgão controlador deixa a posição de mero órgão censor, para

assumir o papel de colaborador da Administração, no sentido de atuar como fornecedor

de subsídios para o aprimoramento da eficiência das atividades da Administração

Pública.

101 Op. Cit., p. 267. 102 A propósito, Antonio Roque Citadini, op. Cit., p. 18: ―Este controle de mérito, que procura verificar a

economicidade do ato administrativo, é sem dúvida a principal marca das Controladorias. Somente nos

anos recentes os Tribunais de Contas vêm-se libertando do mero controle da legalidade, para adotar meios

de fiscalização mais eficientes, dentre eles o que privilegia as auditorias, como acontece no cntrole de

mérito ou gestão. Neste tipo de controle, procura-se verificar a relação existente ente o serviço ou obra

realizada e o seu custo.‖

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67

CAPÍTULO IV – CONTROLE PRÉVIO REALIZADO PELO TRIBUNAL DE

CONTAS NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO FISCALIZADORA

Os Tribunais de Contas, criados no Brasil já em nossa primeira

Constituição Republicana de 1891, detiveram competência apriorística para o exame de

atos praticados no âmbito da Administração Pública, tanto federal como estaduais e

municipais. Tal atuação acabou por ensejar críticas no sentido de que tais competências

levavam a paralisia da Administração eis que sujeitas ao controle prévio da Corte de

Contas.

A Constituição de 1988 ressalvou uma única hipótese de controle a

priori, qual seja, aquela constante no inciso X do artigo 71, in verbis:

Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:

X - Sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara

dos Deputados e ao Senado Federal;

A resistência ao alargamento do exame apriorístico dos atos

administrativos foi, contudo, excepcionada textualmente na Lei n.º 8.666, de 21 de

junho de 1993 que, no seu art. 113, §2º, prescreve que os Tribunais de Contas poderão

solicitar para exame, até o dia útil imediatamente anterior à data de recebimento das

propostas, cópia do edital de licitação já publicado, obrigando os órgãos ou entidades da

Administração interessada à adoção de medidas corretivas pertinentes que, em função

desse exame, lhe forem determinadas.

4.1 – CONTROLE PRÉVIO: CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E PRÁTICAS NO

EXERCÍCIO DA ATUAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS

Impugnado o ato da administração, e acolhida a mesma pelo Tribunal

de Contas exsurge a primeira indagação acerca de prazos para que a Corte aprecie o

mérito do processo evitando-se nefasta paralisia da Administração.

As Cortes de Contas teriam prazo para cumprir as competências

constitucionais que lhes foram reservadas, em especial no caso do controle prévio que, a

Page 68: Michel Cury Neto

68

princípio, deve ocorrer de maneira célere e eficiente, de modo a não ensejar prejuízos à

gestão pública?

O controle e a fiscalização das contas públicas pelo Tribunal de

Contas e, de outra parte, o dever do Administrador Público de prestá-las configuram

muito mais que um dever constitucional: repercutem também no direito público

subjetivo de todo cidadão se inteirar do que fazem com o patrimônio que é tão dele

como de todos, característica cerne do denominado direito difuso.

O dever de prestar contas, bem como o de prestar esclarecimentos

e/ou enviar documentos informadores compõem uma das facetas da função dos órgãos

de controle externo; as respectivas Leis Orgânicas viabilizam tais procedimentos,

inclusive, e, se necessário, mediante aplicação de sanções.

As Cortes de Contas, como, aliás, todos os demais órgãos públicos do

país, estão sujeitos à observância do princípio do due process of law,103

da eficiência, da

busca da perfeição e da rapidez em suas decisões. O disposto no artigo 5º, incisos LIV e

LV, da Constituição Federal equiparou em termos de garantias constitucionais o

processo administrativo ao processo judicial, o que vincula a conduta da administração

e dos próprios tribunais a respeitar os requisitos garantidores insculpidos nos mesmos.

Por outro lado, ignorar a necessidade de que a administração haja com

celeridade, implicaria também na inobservância de disposto constitucional, eis que o

artigo 37 em seu caput consagrou, através da Emenda Constitucional n° 19, o princípio

da eficiência como também vinculante para a conduta da Administração Pública em

todos os seus níveis.

103

A respeito do devido processo legal, confira-se Lúcia Valle Figueiredo: ―O devido processo legal

passa a significar a ‗igualdade na lei‘, e não só ‗perante a lei‘. É uma distância enorme entre respeitar-se a

igualdade em face da lei e outra coisa, como a breve passo nos referiremos, é se atentar para a igualdade dentro da lei. Assim, o due process of law passa a ter conteúdo material e não mais apenas formal —

passa a ter duplo conteúdo e vamos ver que, também, em alguns princípios processuais, aparece com

duplo conteúdo, com conteúdo substancial e com conteúdo formal. Somente será due process of law

aquela lei — a assim poderá ser aplicada pelo Magistrado - que não agredir, não entrar em confronto, não

entrar em testilha com a Constituição, com os valores fundamentais consagrados na Lei das leis.‖

(FIGUEIREDO, Lúcia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente

do planejamento. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 13, abr./maio 2002. Disponível em:

http://www.direitopublico.com.br/pdf_13/DIALOGO-JURIDICO-13-ABRILMAIO- 2002-LUCIA-

VALLE-FIGUEIREDO.pdf>. Acesso em: 25.jul. 2009).

Page 69: Michel Cury Neto

69

Ainda que tal princípio informador não tivesse sido incluído no texto

constitucional, estão as Cortes de Contas sujeitas igualmente à observância do disposto

no inciso LXXVIII do artigo 5° da Constituição Federal, que assegura ―a todos, no

âmbito judicial e administrativo‖ (...) ―a razoável duração do processo e os meios que

garantam a celeridade de sua tramitação‖. A redação deste dispositivo reconhece a

inferioridade do cidadão comum e mesmo da Administração na condição de litigante em

face da reiterada morosidade dos órgãos julgadores, razão pela qual sujeitou-os, de

modo expresso, ao princípio da eficiência.

Debatem-se os órgãos jurisdicionados com a difícil missão de

respeitarem as garantias constitucionais com a conduta exigida de serem dadas

oportunidades de defesa e de exercício do contraditório sem que isso resulte na ofensa à

razoabilidade, eis que sabemos dos artifícios processuais e de expedientes

frequentemente usados nos processos para que os mesmos se eternizem.

O desafio dessa mudança de hábitos já tão arraigados pode contribuir

para reduzir o descrédito da sociedade para com a Administração e os órgãos de

controle respectivos, ressalvando-se que a satisfação da opinião pública não pode

justificar a violação de garantias, pondo-se em risco o próprio Estado Democrático de

Direito.

Como precisamente destacou Sérgio Ferraz, a atuação dos Tribunais

de Contas ―não se cinge a um desempenho meramente formal, não se faz um exame

atinente exclusivamente à legalidade. Faz-se um exame também de legitimidade, de

economicidade, de eficiência‖.104

Para tanto, valem-se tais Cortes de instrumentos processuais

tradicionais, como a coleta de provas, podendo igualmente buscarem laudos e pareceres

técnicos nas mais diversas áreas de atuação para formarem seu convencimento. Não se

104

FERRAZ, Sérgio. Prazos: Preclusão no processo administrativo. I Seminário de Direito

Administrativo,

Tribunal de Contas do Município do Estado de São Paulo, 2003. Disponível em:

<http://www.tcm.sp.gov.br/legislacao/doutrina/29a03_10_03/6sergio_ferraz1.htm>. Acesso em: 25 maio

2010.

Page 70: Michel Cury Neto

70

pode esperar, portanto, decisões apressadas, que estão muitas vezes sujeitas a uma

avaliação técnica acurada e que demanda tempo.

A par das imperfeições humanas, desmotivação de alguns

funcionários e julgadores, os processos nos Tribunais de Contas possuem tramitação

relativamente célere, especialmente se compararmos ao Poder Judiciário.

Contudo, nem sempre a Administração disponibiliza as informações

aos técnicos auditores. É frequente, infelizmente, a ocultação de documentos,

informações, dados de todos os tipos, ou, o que toma ainda mais tempo, o fornecimento

de dados falsos, com erros, por ignorância simplesmente, ou má fé.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem hoje sob sua

jurisdição 644 Prefeituras, e todos os demais entes estatais e terceiros que administrem

ou que, de alguma forma, gerenciem dinheiro do Estado. Segundo relatório da

instituição, no exercício de 2010 realizaram-se 4.190 auditorias e instruíram-se 22.120

processos, o que confirma nossa assertiva anterior sobre a celeridade do órgão.

Dos 19.513 julgados, 487 foram encaminhados ao Ministério Público,

aplicaram-se 409.150 Ufesp‘s de multas, perfazendo, entre condenações de devolução

de importâncias e multas, um total de R$ 6.485.027,50 reais (UFESP = R$ 15,85). Pelos

dados conhecidos, as demais Cortes de Contas do país sofrem com a mesma elevada

carga de atribuições e, talvez, tenham dificuldades ainda mais alargadas em face das

dificuldades de comunicação e da precária infra-estrutura administrativa de outras

unidades federativas.

4.1.1. – O DESAFIO DAS CORTES DE CONTAS NO CONTROLE PRÉVIO

DAS LICITAÇÕES

Além do conjunto de atribuições constitucionais, os Tribunais de

Contas enfrentam agora verdadeira avalanche de impugnações a processos licitatórios,

obrigando-os a examinar a legalidade de Editais com rapidez e precisão, para não serem

responsabilizados por atrasos administrativos.

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71

Relevante apontarmos a evolução do número de exames prévios

julgados pelo TCE/SP. Só no primeiro trimestre do exercício de 2007, conforme

Comunicado SDG n° 09/2007, o número de Exames Prévios julgados pelo TCE/SP

totalizou 30 (trinta). Já no ano de 2009, de acordo com os Comunicados SDG n°

12/2009 e 19/2009, foram 76 os Exames Prévios julgados naquele trimestre. Por fim, no

exercício de 2011, conforme Comunicado SDG n° 33/2011, foram efetuados 139

julgamentos de Exames Prévios no primeiro trimestre da Corte de Contas paulista.

Ou seja, após constatarmos que, a cada dois anos, o número de

Representações e Exames Prévios apresentados vêm praticamente dobrando, forçosa a

conclusão de que tais instrumentos processuais estão cada vez mais sendo utilizados por

terceiros e pela própria Administração, causando insegurança jurídica quanto ao

conteúdo de Editais em certames licitatórios.

Os Tribunais de Contas, por conseqüência, têm realizado louváveis

esforços na busca de seu aprimoramento técnico e operacional. Como exemplo destes

esforços, desde outubro de 2011 o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, por meio

do Comunicado SDG n° 30/2011, comunicou a todos os órgãos e entidades

jurisdicionados, das Administrações Estadual e Municipais, diretas e indiretas, a

obrigatoriedade de credenciamento, inclusive de seus respectivos responsáveis, com o

objetivo de manutenção de cadastro atualizado, o qual serviu, principalmente, para

implantação do Processo Eletrônico (e-TCESP), cujo início se daria com processos que

tratassem de Exames Prévios de Edital.

Em dezembro do mesmo ano, por meio do Comunicado SDG n°

38/2011, o TCE/SP comunicou o início da utilização do Processo Eletrônico – e-

TCESP, a partir de 09 de janeiro de 2012, com as Representações versando sobre

Exame Prévio de Edital, nos termos do § 2º do art. 220 do Regimento Interno daquela

Corte, visando, assim, eliminar etapas burocráticas e ganhar agilidade processual.

No mesmo sentido, no caso do Exame Prévio de Edital, previsto na

Seção III, Capítulo VIII do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de São

Paulo, o Artigo 222 é expresso ao dispor que o órgão da Administração ora fiscalizado

deve remeter, em até 48 (quarenta e oito) horas contadas do recebimento de Ofício

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72

Requisitório, cópia completa do edital, incluindo projetos básicos e executivos, quando

for o caso, memoriais, planilhas, minuta do contrato, parecer jurídico da aprovação do

edital, e outras peças se existentes e cópia dos atos de publicidade.

Ademais, o artigo 223 do supracitado Regimento Interno além de

declarar que o procedimento a ser adotado em Exame Prévio deva ser o rito

sumaríssimo, estabelece em seus incisos prazos para o pronunciamento de seus órgãos

auxiliares105

, sendo certo que tais informações poderão todas agora ser disponibilizadas

por meio digital, evitando-se extravio de documentos e acúmulo desnecessário de papel.

No entanto, os processos formados nos Tribunais de Contas possuem

peculiaridades e cada qual demandará, in concreto, um tempo de duração. De outra

parte, em que pese a celeridade seja meta perseguida, o devido processo legal deve ser

observado não só no tocante ao aspecto formal, como também no substancial dos atos

procedimentais.

Mais grave se apresenta o Exame Prévio de Edital, vez que a ausência

de pronunciamento do órgão julgador impede que o licitante prossiga a licitação.

Quanto às demais atribuições, em geral realizadas a posteriori pela Corte de Contas,

remanesce sempre a preocupação quanto a prazos prescricionais, pois que não tem sido

incomum a imposição de multas e de outras cominações legais, contra administradores

públicos e que estão sujeitas à regra da quinquenalidade, impondo a urgência das

decisões, sem prejuízo do respeito ao contraditório e ampla defesa.

Por cautela, não se atribuiu prazos únicos à atuação das Cortes de

Contas, porque cada procedimento submetido à análise da Corte demanda ponderação

específica, colheita de provas, muitas vezes ocultas pelo próprio agente público, ou

mesmo oferecidas com vícios de forma e conteúdo sujeitos a contínuas retificações

pelos órgãos técnicos, tudo a dificultar o andamento célere do processo e sua perfeita

instrução e julgamento.

105

Assessoria Técnico-Jurídica, que se manifestará sobre a legalidade e regularidade dos atos da licitação

no prazo de 72 (setenta e duas) horas, Procuradoria da Fazenda do Estado em 24 (vinte e quatro) horas, e

a Secretaria-Diretoria Geral no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

Page 73: Michel Cury Neto

73

No dizer de José Roberto Pimenta Oliveira, o princípio da

razoabilidade, como mandamento de ponderação, ―implica a investigação da

legitimidade de todos os atos que disciplinam determinada atividade administrativa da

razoabilidade in abstracto dos mandamentos legais‖ (...) ―Em outros termos, o

princípio incide na totalidade do processo de concretização do direito

administrativo.‖106

A sujeição ao princípio da razoabilidade subordina a atuação das

Cortes de Contas ao interesse público, razão pela qual não pode sacrificar o devido

processo legal nem prejudicar o andamento da Administração.

O tempo, nesse caso, resulta variável, em face do sopesamento de

valores, princípios, normas e interesses que efetivamente resultem em solução técnica

adequada e justa — e ―ao dever de justa ponderação direciona-se o núcleo do conteúdo

jurídico da razoabilidade‖.107

A atuação dos Tribunais de Contas deve orientar-se à

eficiência e economicidade. Contudo, há situações que o tempo consolida, antes mesmo

da citação do responsável nos autos do processo de tomada de contas.

Caberá, pois, aos órgãos de controle interno e externo estarem atentos

ao tempo a fim de evitar a liberação sem responsabilização da autoridade omissa ou

culposa. Cumpre destacar ainda en passant que, a Lei nº 9.784/1999 criou o instituto da

convalidação dos atos administrativos, na esfera do direito administrativo brasileiro108

.

Tal inovação exige ainda mais presteza por parte dos órgãos de controle pois a

perpetuação de situações de ofensa à legalidade podem em virtude do respeito à

segurança jurídica criarem situações de irreversibilidade.

No Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, a questão foi

enfrentada nos autos do processo TC n° 15760/026/06, por Cláudio Ferraz de

106

OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no

Direito

Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 185. 107 Ibidem, p. 185.

108 ―Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a

terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria

Administração.‖

Page 74: Michel Cury Neto

74

Alvarenga, que expressou sua perplexidade e aflição quanto às questões suscitadas,

tanto de decadência quanto de prescrição, em face das garantias constitucionais

consagradas no texto da Carta Magna:

Como exposto, a propósito da alegação de suposta

decadência, em outro recurso (TC-223/002/1992),109

instituída há mais

de um século, a jurisdição censória do Tribunal de Contas tem feitio

inquisitivo, endereçando-se aos órgãos e agentes da Administração

Pública, em âmbito de controle externo, cujo exercício não experimenta

um só dispositivo legal que o contenha dentro de limites temporais

capazes de porventura obstá-lo, seja a título de decadência, seja a título

de prescrição. As regras legais e a orientação doutrinária, invocadas

pela recorrente, endereçam-se a outros e distintos campos de

intervenção, administrativa ou jurisdicional, ferindo, de um lado, a auto-

tutela da invalidade, a ação punitiva resultante do poder de polícia e a

cobrança da dívida passiva dos órgãos e entidades de Administração

Pública, ou, de outro lado, as ações populares e as ações civis públicas,

não podendo estender seu alcance, sequer por força do argumento a

pari, ao terreno em que opera esta Corte. O assunto, em verdade, teria

de contar com norma explícita, de desenganada incidência, também à

vista do que estipula a parte final do § 5.º, do artigo 37 da Constituição.

A meu aviso, pois, não colhe a prejudicial de mérito que as razões do

recurso articulam.

E, mais adiante acrescenta:

Nesse contexto, não há como pretender limitar a

atuação desta Corte, tanto mais que ela pode concorrer para que a

efetivação do ressarcimento seja menos demorada, com a supressão, na

esfera judicial, da etapa de conhecimento (Constituição, artigo 71, §

3.º).110

109 ―Há acórdão do mesmo teor, deste Plenário, no TC 024290-026-98, na mesma sessão de 11.04.2007.‖ 110

Julgado prolatado em sessão do E. Tribunal Pleno do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, de

23.09.2009.

Page 75: Michel Cury Neto

75

Como desdobramento das decisões das Cortes de Contas, funciona a

atividade jurisdicional do Tribunal como verdadeira atuação ―de natureza preparatória

da ação civil‖.111

A este respeito, recorde-se Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:

[...] o TCE é um processo administrativo que objetiva

quantificar um dano causado ao erário e identificar a autoria, possuindo

natureza preparatória da ação civil. Sendo instrumental e acessória em

relação à ação de reparação de danos e considerada pela

jurisprudência como prejudicial de mérito em relação à ação civil, deve

seguir o mesmo prazo prescricional que essa ação.

Logo, como desde a Constituição Federal a ação de

ressarcimento de danos causados ao erário tornou-se imprescritível, a

TCE, nas mesmas circunstâncias da alínea anterior, também não é mais

alcançada pela prescrição.112

Resulta duvidosa a incidência da Lei Federal n° 9784/99, com seu

conjunto de prazos decadenciais e prescricionais sobre a atuação do Tribunal de Contas

da União e seus congêneres estaduais. O Supremo Tribunal Federal , nos autos do

Mandado de Segurança nº 24.859/DF, por voto da lavra do Ministro Carlos Velloso

decidiu:

111

Assim se pronunciou o E. Relator, Conselheiro Fulvio Julião Biazzi, nos autos do TC 0024290-026-

08, Pleno, sessão de 17.06.2009: ―[...] a respeito da argüição de decadência e dos seus efeitos sobre a

análise da matéria, o tema foi suficientemente abordado quando do exame do Recurso Ordinário

interposto contra o v. Acórdão que julgou irregulares o certame e contrato decorrente. Naquela oportunidade o e. Conselheiro Cláudio Ferraz de Alvarenga anotou que não poderia ser acolhida a

preliminar, uma vez que a ação administrativa que se desenvolve nos Tribunais de Contas objetiva

quantificar eventual dano causado ao erário e identificar o seu responsável, sendo instrumental e acessória

em relação à ação de reparação de danos, a qual está ressalvada de prescrição, nos termos do § 5.º do art.

37, da CF/88. E, conforme lembrado naquele voto, o e. Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues já havia

consignado em processo sob sua relatoria que, se a Constituição ‗ressalvou a prescrição as ‗ações de

ressarcimento de danos causados ao erário‘, a restrição, por óbvio, não pode atingir os atos que lhe são

preparatórios‘‖.

Confiram-se, ainda: TCs 001652-003-96 (Relator: Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, Pleno,

24.11.2009); 00223-002-92 (Relator: Conselheiro Cláudio Ferraz de Alvarenga, Pleno, 11.04.2007);

001354-005-02 (Relator: Conselheiro Robson Marinho, 2.ª Câmara, 20.03.2007); 800834/632/97 (Relator: Conselheiro Robson Marinho, 2.ª Câmara, 08.03.2005); 001678-004-03 (Relator: Substituto de

Conselheiro Marcos Renato Bottcher, Pleno, 23.09.2009). 112

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 2.

ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 88.

Page 76: Michel Cury Neto

76

Corretas as informações, no ponto:

[...]

16. Acerca da discussão da incidência da Lei nº

9.784/99 sobre os atos de controle externo a cargo do Tribunal de

Contas da União, demonstrou-se que a natureza do ato de registro não é

administrativa típica, mas inerente à jurisdição constitucional de

controle externo, compondo o ato de concessão apenas

substantivamente, porquanto lhe irradia efeitos necessários à vitalidade

plena.

17. Por meio da decisão n° 1.020/2000-TCU, Plenário,

firmou-se o entendimento de que a Lei nº 9.784/99, que regula o

processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal,

não tem aplicação obrigatória sobre os processos da competência deste

Tribunal de Contas, definida pelo artigo 71 da Constituição Federal.

18. De acordo com a tese discorrida na mencionada

decisão, a processualística própria de controle externo, que abrange

instrumentos como exame de contas, denúncia, representação, auditoria

e outras formas de defesa do interesse público, culmina em decisões de

controle externo passíveis de recursos especiais, consoante dispõe a Lei

nº 8.443/1992, no caso deste Tribunal, de modo que, tão-somente por

argumentação, ainda que esse processo de natureza especial fosse

considerado administrativo – embora não o seja – contaria com a

excepcionalidade decretada pelo artigo 69 da Lei nº 9.784/1999,

segundo o qual ‗os processos administrativos específicos continuarão a

reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os

preceitos desta Lei.

Donde se conclui a prevalência de lei especial que regula a atividade

processual dos Tribunais de Contas sobre a lei geral que versa sobre processos

administrativos.

Remanescem, pois as Cortes de Contas dispensadas da observância de

prazos que sujeitaram todos os processos da administração federal, mantidas assim as

regras processuais vigentes desde a Lei 8.443/1992.

Page 77: Michel Cury Neto

77

O rol de competências dos Tribunais de Contas aliado a uma dinâmica

reforma administrativa que seguiu a edição da Carta de 1988 impõe às Cortes de Contas

a tarefa desafiadora de aplicar sanções podendo desempenhar decisivo papel no

combate e inibição da corrupção nos serviços públicos, sendo certo porém que ao

legislador incumbe a criação e aperfeiçoamento de diplomas legais nesta direção.

Acerca da corrupção, destaquem-se as considerações de Sérgio Ferraz:

Trata-se da mais deletéria e erosiva conduta que pode

ocorrer no seio das instituições. Ela desmoraliza a convivência social e

corrói os alicerces republicanos. Com isso, transforma em hipocrisia a

concepção de Estado Democrático de Direito. Ou seja, a corrupção é

um crime lesa-pátria, no qual, com o mesmo peso de reprovação,

comparecem dois agentes- corruptor e corrupto — e uma vítima — a

sociedade. Sua mais requintada e arrasadora culminância se dá quando,

por efeito da sinistra trama de corruptor e corrompido, se corrompe a

alma, a inteligência e a escala última de valores da sociedade.113

A demanda pelo pronunciamento dos Tribunais de Contas tem sido

incrementada pela iniciativa de cidadãos, admitida pelo texto constitucional,

destacando-se, contudo, que não raro tal prerrogativa deságua em proteção de interesses

corporativos ou mesmo de amesquinhados interesses políticos.

Com isso, não se advoga o fechamento desta via, mas que o seu bom

uso está sujeito ao crivo parcimonioso das Cortes de Contas.

O fim da guerra fria e consequente triunfo do publico in publico, no

dizer de Bobbio, sujeita os governos que se pretendem democráticos a uma maior

transparência. Entre outras instituições, podem os Tribunais de Contas, desde que

113

FERRAZ, Sérgio. Corrupção: algumas reflexões. Revista Eletrônica da Reforma do Estado –

RERE,

Salvador, n. 17, mar./maio 2009. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere/edicao/17/>.

Acesso em: 30 jun. 2009.

Page 78: Michel Cury Neto

78

asseguradas condições de efetiva independência, contribuírem para a consolidação do

Estado Democrático de Direito em nosso país.

O Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, emérito integrante do

Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, afirmou nessa linha de entendimento o

papel transcendental que exerce o órgão do qual faz parte, in verbis:

Não se pretende pairem os Tribunais de Contas acima

de quaisquer críticas, nem se afirme a excelência do seu funcionamento.

Longe disso. Muito há a se aperfeiçoar, especialmente quanto aos

mecanismos de sua articulação com o próprio Poder Legislativo e com o

Ministério Público, matéria, esta sim, que deverá preocupar o revisor

constituinte.

No mais, fique alerta o cidadão quanto aos que

combatem a presença dos Tribunais de Contas, porque esses os temem;

e, ao temê-los, escondem mais do que simples ignorância.114

4.2 – REQUISITOS PROCESSUAIS PARA O EXERCÍCIO DO CONTROLE

FISCALIZATÓRIO PRÉVIO

Trataremos em seguida dos requisitos para a instauração e

processamento da Representação, Denúncia e Consulta, e das repercussões decorrentes

das decisões e determinações exaradas pelas Cortes de Contas nestes processos.

Relevante destacar o conteúdo contencioso dos processos sub examen

dos Tribunais de Contas, nos quais se deve respeitar o princípio do contraditório.Odete

Medauar, ao diferenciar processo de procedimento administrativo reafirmou a condição

do primeiro de subordinação ao princípio mencionado, in verbis:

―Utilizar a expressão processo administrativo

significa, portanto, afirmar que o procedimento com participação dos

interessados em contraditório, ou seja, o verdadeiro processo, ocorre

114 RODRIGUES, Edgard Camargo. Os inimigos da fiscalização. Folha de São Paulo, São Paulo, 7 jul.

1993.

Page 79: Michel Cury Neto

79

também no âmbito da Administração Pública.‖115

Demonstrar-se-á, em seguida, a difícil definição dos tipos processuais

acima arrolados, vez que o legislador não os direcionou de forma precisa, relegando

aos próprios órgãos de controle a tarefa de melhor aplicá-los ao seu alvedrio.

4.2.1 – O TRATAMENTO NORMATIVO DESTA MATÉRIA NO TRIBUNAL

DE CONTAS DA UNIÃO

Neste ponto, abordaremos a maneira como é tratado o controle prévio

exercido pela Corte de Contas da União, matéria esta tratada no Capítulo III, Subseções

III e IV de seu Regimento Interno.

4.2.1.1 – DENÚNCIA

Admite o art. 234 do Regimento Interno do Tribunal de Contas da

União, que qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato seja parte

legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da

União.

Buscou-se facilitar o acesso do cidadão aos Tribunais de Contas, de

modo a ampliar o controle social e a participação popular no exercício fiscalizatório.

Conforme doutrina Marcos Jordão Teixeira do Amaral Filho116

:

―A introdução do direito de petição aos cidadãos

contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas revela

também a preocupação dos nossos constituintes com a preservação dos

direitos individuais elementares.‖

Nesse diapasão afirma o D. Conselheiro do Tribunal de Contas do

115 MEDAUAR, Odete. Processo Administrativo: aspectos atuais. São Paulo: Cultural Paulista, 1998, p.

14 116

AMARAL, Marcos Jordão Teixeira. O Ombudsman e o Controle da Administração. São Paulo: Ícone

Editora, 1993, p. 119.

Page 80: Michel Cury Neto

80

Município de São Paulo, Roberto Braguim:117

―Mas, exatamente para que essa prerrogativa do

cidadão seja exercida na sua plenitude, é mister que seu uso seja

democraticamente possibilitado a todos, restringindo-se a um mínimo

as exigências à admissibilidade de seu emprego.‖

Nestes termos simples supracitados, a denúncia, sobre matéria de

competência do Tribunal de Contas, deve simplesmente se referir a administrador ou

responsável sujeito a sua jurisdição, conter o nome legível, a qualificação e o endereço

do denunciante e estar acompanhado de prova ou indício concernente ao fato

denunciado ou à existência de ilegalidade ou irregularidade.

Observa-se ainda o caráter simplificado e célere dado à Denúncia o

fato da previsão, no §1° do artigo 234 do RITCU, de encaminhamento desta ao Tribunal

por telegrama, facsímile ou outro meio eletrônico, no caso de fundamentada

emergência.

Após preenchidos os requisitos de admissibilidade a Denúncia é

apurada em caráter sigiloso, conforme previsto no §1º do artigo 55 da Lei Orgânica do

Tribunal de Contas da União, até que se comprove a sua procedência, e somente poderá

ser arquivada após efetuadas as diligências pertinentes, mediante despacho

fundamentado do relator.

Reunidas as provas que indiquem a existência de irregularidade ou

ilegalidade, serão públicos os demais atos do processo, assegurando aos acusados

oportunidade de ampla defesa.

No entanto, apesar da supracitada previsão de sigilo estar inserida na

Lei Orgânica e no Regimento Interno do TCU, O STF firmou entendimento pela

inconstitucionalidade deste dispositivo, por afronta ao disposto no art. 5º, incisos V, X,

117 BRAGUIM, Roberto. A Representação no Procedimento Licitatório in Licitações e Contratos

Administrativos – Uma visão Atual à Luz dos Tribunais de Contas. 1ª Ed. Curitiba: Juruá Editora, 2010.

fl.148

Page 81: Michel Cury Neto

81

XXXIII e XXXV, da Constituição Federal118

.

Por fim, no resguardo dos direitos e garantias individuais, conforme

discorrido no artigo 236 do Regimento Interno do TCU, é dado tratamento sigiloso às

denúncias formuladas, até decisão definitiva sobre a matéria.

4.2.1.2 - REPRESENTAÇÃO

Destina-se a Representação ao combate de irregularidades praticadas

no exercício de cargo ou função pública, podendo ser comunicadas ao TCU, na forma

do que dispõe o artigo 237 do RITCU, que atribui legitimidade ativa às seguintes

autoridades:

I – o Ministério Público da União, nos termos do art. 6º, inciso XVIII, alínea c, da Lei

Complementar nº 75/93;

II – os órgãos de controle interno, em cumprimento ao § 1º do art. 74 da Constituição

Federal;

III – os senadores da República, deputados federais, estaduais e distritais, juízes,

servidores públicos e outras autoridades que comuniquem a ocorrência de

irregularidades de que tenham conhecimento em virtude do cargo que ocupem;

118 STF Processo: MS 24405 DF - Relator(a): CARLOS VELLOSO - Julgamento: 02/12/2003 - Órgão

Julgador: Tribunal Pleno- Publicação: DJ 23-04-2004

Parte(s):

EUCLIDES DUNCAN JANOT DE MATOS

VALDIR ANDRADE SANTOS E OUTRO (A/S)

PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO

Ementa

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TRIBUNAL DE CONTAS DA

UNIÃO. DENÚNCIA. ANONIMATO. LEI 8.443, DE 1992. LEI 8.112/90, ART. 144.

C.F., ART. 5º, IV, V, X, XXXIII e XXXV.

I. - A Lei 8.443, de 1992, estabelece que qualquer cidadão, partido político ou sindicato é parte legítima

para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o TCU. A apuração será em caráter sigiloso, até

decisão definitiva sobre a matéria. Decidindo, o Tribunal manterá ou não o sigilo quanto ao objeto e à

autoria da denúncia (§ 1º do art. 55).

Estabeleceu o TCU, então, no seu Regimento Interno, que, quanto à autoria da denúncia, será mantido o

sigilo: inconstitucionalidade diante do disposto no art. 5º, incisos V, X, XXXIII e XXXV, da Constituição

Federal.

II. - Mandado de Segurança deferido.

Page 82: Michel Cury Neto

82

IV – os tribunais de contas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, as

câmaras municipais e os ministérios públicos estaduais;

V – as equipes de inspeção ou de auditoria, nos termos do art. 246;

VI – as unidades técnicas do Tribunal; e

VII – outros órgãos, entidades ou pessoas que detenham essa prerrogativa por força de

lei específica.

Tratamento similar é dado, por exemplo, no Tribunal de Contas do

Estado de Santa Catarina, que, conforme o art. 101, do seu Regimento Interno, aponta

como legitimados para a apresentação de Representação:

I- o Ministério Público do Estado, nos termos de sua Lei Orgânica;

II- os detentores de mandatos eletivos no âmbito da administração pública federal,

estadual e municipal, juízes, servidores e outras autoridades que comuniquem a

ocorrência de irregularidades de que tenham conhecimento em virtude do cargo que

ocupem;

III- os órgãos de controle interno, em cumprimento ao art. 62, § 1º, da Constitução

Estadual;

IV- os signatários de outras origens, cujos expedientes devam revestir-se dessa forma

por força de lei específica.

Diferentemente da Denúncia que, conforme acima discorrido, apenas

deve referir-se a administrador sujeito à jurisdição do TCU, ser redigida em linguagem

clara e objetiva, estar acompanhada de indício de prova e conter o nome legível e

assinatura do denunciante, a Representação será autuada com os expedientes originários

de órgãos e agentes públicos legitimados que comuniquem a ocorrência de

irregularidades cuja apuração esteja inserida na competência do TCU.

Autuada a Representação, o órgão de controle competente se

manifesta, preliminarmente, quanto ao acolhimento – admissibilidade. Nesse momento

Page 83: Michel Cury Neto

83

o TCU verifica se as formalidades mencionadas na questão anterior foram cumpridas

pelo representante.

Se os requisitos e formalidades não forem cumpridos pelo

representante, o TCU não conhecerá da representação. Assim, os órgãos de controle

competentes informam no relatório técnico e o Tribunal Pleno pode determinar o

arquivamento da Representação.

Sendo acolhida, o Relator determina aos órgãos de controle

competentes que adotem as providências necessárias para apuração dos fatos

representados, que vão desde a diligência, para solicitações de informações ao órgão

representado, até as inspeções e auditorias ― in loco‖.

No caso de comprovação das irregularidades representadas ao TCU,

são indicadas as medidas saneadoras e as pertinentes sanções aos responsáveis e, ainda,

apuradas irregularidades graves, o Tribunal, passado o prazo para interposição de

recurso, representa ao Ministério Publico.

Naturalmente, é sempre assegurado ao representado o direito de

defesa antes da deliberação final do TCU e dado conhecimento da decisão ao

representante e ao representado.

4.2.2 – O TRATAMENTO NORMATIVO DESTA MATÉRIA NO TRIBUNAL

DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO

A singularidade do tratamento normativo dado pelo Tribunal de

Contas do Estado de São Paulo, acerca dos instrumentos processuais descritos no item

anterior, apenas demonstra a dificuldade do tema em face da imprecisão legal e da

omissão do legislador, que deixou esse relevante assunto à competência discricionária

dos órgãos colegiados que redigem seus Regimentos, conforme demonstrar-se-á a

seguir.

4.2.2.1 – REPRESENTAÇÃO

Page 84: Michel Cury Neto

84

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo trata a Representação

como instrumento processual pelo qual o interessado comunica a ocorrência de atos

ilegais, ilegítimos e antieconômicos praticados por administradores públicos estaduais

ou municipais em nomeações, concursos ou licitações e contratos.

Após apresentada a Representação perante o Tribunal de Contas, é

determinada a maneira como a mesma será processada, ou seja, se será esta recebida

como Denúncia ou Exame Prévio de Edital.

Podemos concluir que tratou o legislador normativo a Representação

como verdadeiro gênero, donde se conclui que Denúncia e Exame Prévio constituem

apenas espécies do gênero Representação.

Contudo, inobservadas tais hipóteses, poderá o termo Representação

adquirir um sentido estrito, pois se não processada destas formas, a mesma constituirá

matéria de competência das Câmaras do Tribunal de Contas, sendo esta juntada aos

autos do processo referente à matéria ensejadora nas hipóteses previstas, conforme

disposto pelo artigo 214 do Regimento Interno do TCE/SP, interpretado contrario

sensu:

―Art. 214. Quando não processada como denúncia ou

exame prévio de edital, a representação será apreciada pelo Relator,

passando à alçada das Câmaras, nas seguintes situações:

I - quando vinculada a processo de contratos ou

instrumentos congêneres de competência originárias das Câmaras;

II - quando, sem vínculo com qualquer processo, tenha

sido formulada em face de edital de licitação, cujo valor estimado ou

contratado, quando já houver, atinja o limite para concorrência;

III - quando envolver outras matérias de competência

das Câmaras ou aquelas cujo valor tenha atingido o limite para

concorrência..‖

Depreende-se, portanto, que a definição de Representação utilizada

pela Corte de Contas paulista difere amplamente daquela utilizada pelo TCU.

Page 85: Michel Cury Neto

85

4.2.2.2 – DENÚNCIA

Com relação à denúncia, da mesma maneira como estabelecido pelo

Tribunal de Contas da União, qualquer cidadão, partido político, associação ou

sindicato é parte legítima para apontar irregularidades ou ilegalidades, no âmbito da

administração pública do Estado e dos municípios perante o Tribunal de Contas do

Estado, seguindo assim a definição dada pelo artigo 213 do Regimento Interno do

Tribunal de Contas paulista.

Tais possibilidades para o ajuizamento, apontando irregularidades

cometidas contra a probidade administrativa, em órgãos da administração pública,

estão também tratadas no artigo 110 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado

de São Paulo.

Cabe ao Conselheiro designado como Relator determinar a instrução

da denúncia, em caráter sigiloso, sendo que, comprovada a procedência da denúncia, o

processo perde o caráter sigiloso.

No entanto, conforme já mencionado às fls. 81, o posicionamento do

Supremo Tribunal Federal, entendeu inconstitucional tal premissa, por ofender

injustificadamente o administrador público, o qual fica impedido de, no foro

competente, buscar a reparação dos danos decorrentes da denúncia. Importante

argumento disposto no mesmo Acórdão encontra-se no fato de que a negativa de

fornecimento, pelos órgãos públicos, de informações de interesse particular do

solicitante só se justifica quando o sigilo é imprescindível para a segurança da

sociedade e do Estado, conforme artigo 5°, inciso XXXIII da Lei Maior.

Concluída a instrução, na hipótese do parágrafo anterior, serão os

autos submetidos ao Tribunal Pleno, ouvindo-se antes o Ministério Público e a

Procuradoria da Fazenda do Estado, conforme o caso.

4.2.2.3 – EXAME PRÉVIO DE EDITAL

Page 86: Michel Cury Neto

86

Chegamos agora ao centro de nossa dissertação, eis que tal

instrumento, embora tenha disciplinamento legal bastante restrito, tem crescido sua

importância ao vermos multiplicarem-se nos órgãos destinados à apreciação dos

mesmos.

O Exame Prévio de Edital é tratado na Seção III do Regimento Interno

do TCE/SP, onde se atribui competência ao Conselheiro do Tribunal de Contas, para

solicitar, conforme previsto no § 2º do art. 113 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993,

cópia de editais de licitação elaborados pelos órgãos sujeitos a sua jurisdição, da esfera

estadual ou municipal.

Aprovada a apreciação do caso pelo Tribunal Pleno, a Presidência

expede ofício solicitando cópia completa do edital, incluindo projetos básicos e

executivos, e, quando for o caso, memoriais, planilhas, minuta do contrato, parecer

jurídico da aprovação do edital, e outras peças se existentes e cópia dos atos de

publicidade. O Órgão da Administração deve remeter então, em até 48 (quarenta e oito)

horas, contadas do recebimento do ofício requisitório do Tribunal de Contas, as peças

da licitação que lhe forem solicitadas.

No tocante à apreciação da matéria é adotado o seguinte

procedimento, que ocorre em rito sumaríssimo:

Os documentos são imediatamente protocolados e encaminhados ao

Relator que, se assim entender, determina a oitiva da Assessoria Técnico-Jurídica, que

se manifesta sobre a legalidade e regularidade dos atos da licitação.

Aquela Assessoria pronuncia-se no prazo de 72 (setenta e duas) horas,

encaminhando o processo para o Ministério Público e à Procuradoria da Fazenda do

Estado, cujos órgãos terão até 24 (vinte e quatro) horas, cada um, para vista, devendo o

processo seguir, após, para a Secretaria-Diretoria Geral que possui o prazo de 48

(quarenta e oito) horas para sua manifestação.

Deliberado sobre o feito, o Presidente expede ofício dando conta da

decisão tomada, sendo que, comprovada a revogação ou anulação da licitação, a decisão

Page 87: Michel Cury Neto

87

que declarar extinto o processo por perda do objeto é proferida singularmente, dando

conhecimento ao Tribunal Pleno.

Caso não seja remetida a documentação solicitada pelo Tribunal de

Contas, ou não sejam adotadas as medidas corretivas determinadas, fica o responsável

sujeito às sanções previstas nos arts. 101 e 104 da Lei Complementar nº 709, de 14 de

janeiro de 1993, independentemente do processo de responsabilidade.

Por fim, importa salientar que, nos termos do art. 225 do Regimento

Interno do TCE/SP, o Tribunal de Contas pode convocar o responsável pela licitação

para comparecer em Sessão e prestar os esclarecimentos que lhe forem solicitados a

respeito do edital objeto do exame prévio.

4.2.2.4 - CONSULTA

Cumpre igualmente tratarmos do instrumento processual previsto no

Capítulo IX do Regimento Interno da Corte de Contas do Estado de São Paulo, ao qual

deu-se o nome de Consulta.

No tocante à competência, ficou estabelecido no Regimento a

responsabilidade do Tribunal Pleno para resolver as consultas feitas acerca de dúvidas

suscitadas na aplicação das disposições legais concernentes à matéria de sua

competência, desde que não envolva caso concreto ou ato consumado.

Tais consultas, formuladas por intermédio dos Chefes do Poder

Executivos estaduais e municipais, Secretários de Estado e dirigentes das entidades da

administração indireta e fundacional, tanto do Estado como dos Municípios, devem

constar de exposição precisa da dúvida, com formulação de quesitos.

Os pareceres emitidos em virtude de consulta têm força obrigatória,

importando em prejulgamento do Tribunal, sendo que, salvo deliberação em contrário

emitida pelo Tribunal Pleno, o prejulgado emanado em relação ao consulente não

importa na fixação de orientação normativa para a Administração em geral.

Page 88: Michel Cury Neto

88

Contra tais pareceres mencionados, cabe pedido de reconsideração,

apresentado dentro de 15 (quinze) dias pelo próprio consulente se o Tribunal não tiver

apreendido a tese da consulta, se forem necessárias explicações complementares ou

elucidativas ou se a orientação fixada for inoportuna ou inconveniente ao serviço

público.

A qualquer tempo, pode ser repetida a consulta, se fatos ou

argumentos novos puderem importar modificação do parecer, sendo facultado ao

Tribunal, por iniciativa do Presidente ou de qualquer Conselheiro, reexaminar ex officio

o ponto de vista firmado em parecer, submetendo-o ao Tribunal Pleno para apreciação.

Ocorrendo alteração do prejulgado, a orientação que vier a ser adotada

terá força obrigatória, a partir da sua publicação, em relação aos órgãos da

Administração já submetidos aos efeitos do prejulgado modificado.

4.3 – O CONTROLE PRÉVIO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS SUB EXAMEN

PELO PODER JUDICIÁRIO

O Supremo Tribunal Federal, apreciando pedido formulado em sede

de suspensão de segurança119

, cassou medida liminar concedida pelo Tribunal de Justiça

do Rio de Janeiro que determinava que o Tribunal de Contas do Estado do mesmo

Estado se abstivesse de examinar previamente qualquer procedimento licitatório

envolvendo a concessão do serviço público de saneamento básico.

Naquela oportunidade, ao deferir a suspensão de segurança, o então

Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Celso de Mello, salientou que:

(...)―torna-se evidente que essa proibição genérica, imposta pela

liminar ora questionada, frustra, por completo, com grave prejuízo para o interesse

público, a atuação do Tribunal de Contas.

119 Supremo Tribunal Federal, SS 1308/RJ.

Page 89: Michel Cury Neto

89

Cabe enfatizar que a presunção juris tantum de legitimidade dos atos

do Poder Público não deve impedir que o Tribunal de Contas exerça, em plenitude, a

ação fiscalizadora de que foi incumbido pela Lei Fundamental da República. Essa

interdição genérica, fundada na liminar mandamental em causa, parece ofender a

competência institucional do Tribunal de Contas, por neutralizar, indevidamente, o

desempenho da insuprimível atribuição fiscalizadora que, às Cortes de Contas, assiste

no sistema de direito constitucional positivo vigente no Brasil, especialmente se se

considerarem os paradigmas ético-jurídicos que devem pautar a atuação do Poder

Público.‖

No mesmo sentido já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça,

nos autos do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 17.996/RJ, ao manter

multa aplicada pelo Órgão de Contas a agente público que deixara de cumprir

determinação no sentido do encaminhamento, para apreciação prévia, de edital de

licitação. Transcreve-se abaixo excertos do mencionado julgado:

―É sabido que, com a promulgação da Constituição

Federal de 1988 o controle dos atos praticados pelos agentes públicos

passou a ser exercido com maior amplitude pelos Tribunais de Contas,

ou seja, estes passaram a ter um maior controle preventivo visando fazer

cumprir postulado inscrito na Carta Maior, no sentido de que os atos

administrativos a serem praticados passassem a obedecer,

rigorosamente, ao princípio da moralidade.

(...)

A evolução do controle exercido pelos Tribunais de

Contas, quer federais, estaduais assim como municipais, nos mostra que

esse controle, além de preventivo, reveste-se de caráter educativo,

impedindo o malferimento aos princípios da legalidade, eficiência e a

todos os demais postos na Lei de Licitações. Temos aqui o que

denominamos de princípios implícitos do controle da licitação uma vez

que esta não é apenas controlada a posteriori mas, também, a priori,

constituindo-se, pois, um fator a prestigiar a moralidade na prática do

ato administrativo.‖

Page 90: Michel Cury Neto

90

Tal decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, porém, veio a

ser reformada pelo Supremo Tribunal Federal, que modificou seu entendimento sobre a

matéria. Eis a ementa do acórdão, proferido pela 1ª Turma do Supremo Tribunal

Federal, sob a relatoria do Min. Menezes Direito:

―Tribunal de Contas estadual. Controle prévio das

licitações. Competência privativa da União (art. 22, XXVII, da

Constituição Federal). Legislação federal e estadual compatíveis.

Exigência indevida feita por ato do Tribunal que impõe controle prévio

sem que haja solicitação para a remessa do edital antes de realizada a

licitação.

1. O art. 22, XXVII, da Constituição Federal dispõe ser

da União, privativamente, a legislação sobre normas gerais de licitação

e contratação.

2. A Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993

autoriza o controle prévio quando houver solicitação do Tribunal de

Contas para a remessa de cópia do edital de licitação já publicado.

3. A exigência feita por atos normativos do Tribunal

sobre a remessa prévia do edital, sem nenhuma solicitação, invade a

competência legislativa distribuída pela Constituição Federal, já

exercida pela Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que não

contém essa exigência.

4. Recurso extraordinário provido para conceder a

ordem de segurança120

.

No referido julgamento, foram assentadas algumas premissas

importantes, quais sejam:

Em primeiro lugar, enfatizou-se a competência privativa da União

para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação (Constituição Federal, art.

22, XXVII) e o fato de a Lei de Licitações não impor o mencionado controle prévio sem

que exista solicitação para a remessa do edital antes de realizada a licitação.

120 RE 547.063, julgado em 08 de outubro de 2008

Page 91: Michel Cury Neto

91

Considerou-se incabível, tanto do ponto de vista lógico, quanto do

ponto de vista formal, que os Poderes Executivo e Judiciário, em cada procedimento de

licitação, sejam obrigados a encaminhar, previamente, ao Tribunal de Contas estadual

os editais de licitação, bem como ficar aguardando a aprovação, ou não, da legalidade

do certame, concluindo-se que a exigência feita por atos normativos estaduais sobre a

remessa prévia do edital, sem qualquer solicitação específica, invadiria a competência

legislativa distribuída pela Constituição, já exercida pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de

1993, que não contém essa determinação.

Por fim, fixou-se, em linha de princípio, ser perfeitamente legítimo

aos Tribunais de Contas solicitarem, casuisticamente, a remessa de editais de licitação,

havendo, em verdade, interdição a que a determinação seja feita de forma genérica.

Ora, a partir das premissas assentadas, é fácil concluir que a posição

adotada pelo Supremo Tribunal Federal foi, pura e simplesmente, de reverência à norma

do art. 113, §2º, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993: considerou ilegítimo o ato

normativo que exigia, genericamente, o encaminhamento prévio de editais de licitação

ao Tribunal de Contas estadual, mas admitiu que, em casos concretos, mediante

solicitação específica, esse controle seja realizado.

4.4 – O CONTROLE PRÉVIO E SEUS REFLEXOS SOBRE A GESTÃO DOS

ÓRGÃOS OU ENTIDADES A ELE SUBMETIDOS

Passamos agora a discorrer sobre os reflexos do controle prévio

exercido pelo Tribunal de Contas relativamente à discricionariedade administrativa que

detém os órgãos da Administração.

Com intuito de incentivar a boa gestão, bem como prevenir e

combater a corrupção na Administração Pública, uma adequada e eficiente estrutura de

controle externo mostra-se como pressuposto imprescindível na estrutura estatal,

consagrando modelo cuja tradição remonta ao direito francês e que nos acompanha

desde nossa primeira Constituição Republicana de 1891.

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92

No exercício de sua função fiscalizadora, deve o Tribunal de Contas

realizar sua atividade de controle prévio com a devida cautela, uma vez que não se

limitará ao exame estrito da legalidade dos atos, já que também a Administração deve

obediência aos princípios da eficiência, devendo praticar seus atos com eficácia e

economicidade. Em face disso, ouve-se com frequência, contundentes críticas por parte

de gestores da administração, quando culpam os Tribunais de Contas pelo atraso na

realização de obras ou serviços, sujeitos ao exame prévio daqueles.

Nesse sentido, afirma Floriano de Azevedo Marques Neto:

O controle não é um fim em si mesmo. Ele é um

instrumento para o aperfeiçoamento da Administração e para a busca

de eficiência e efetividade. A presunção de que o controle valha, por si

só, como se a mera existência de estruturas de controle seja suficiente

para a Boa Administração trai uma visão formalista do controle (...)

Qualquer controle que, sob o pálio de coibir o desvio ou desperdício

impede a consecução de uma ação administrativa acaba por produzir

um efeito contrário àquele que justifica a existência do controle.121

Com propriedade, assevera ainda que:

O entrave da Administração pelo controle acaba por

causar malefício comparável àquele gerado pelas condutas ímprobas.

Uma Administração pia, proba e impródiga não é necessariamente uma

Boa Administração. Será se conciliar lisura e economicidade com

eficiência e efetividade. Do mesmo modo, um sistema de controle que só

pune, invalida e impede não será um controle conforme aos cânones do

Estado Democrático de Direito.122

Portanto, com o intuito de se mostrar como um mecanismo eficiente e

121 MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública,

fls. 03. 122

MARQUES NETO. Floriano de Azevedo. Os grandes desafios do controle da Administração Pública,

fls. 15.

Page 93: Michel Cury Neto

93

compatível com as finalidades do interesse público, sem portanto paralisar

desnecessariamente a máquina administrativa, deve o Tribunal de Contas antes de tomar

qualquer ação sopesar não só o efetivo dano decorrente de possível ilegalidade no ato,

mas também a afronta à eficiência administrativa que, por exemplo, uma paralisação de

certame licitatório pode causar.

Conforme afirma o D. Conselheiro Roberto Braguim:

―Há de buscar-se um precário equilíbrio. De um lado,

fundada nos mais elevados princípios, a já comentada economia de

exigências para seu processamento. De outro, a possibilidade de que a

Representação, comprometida com interesses subalternos, busque não o

restabelecimento da legalidade, mas tumultuar um procedimento

licitatório escorreito, propiciando, quiçá, a espúria configuração de uma

falsa emergência‖123

Daniel Ferreira, por sua vez, entende que a função precípua da sanção

não é impor castigos, mas sim, num primeiro e mais elevado plano, garantir a eficácia

das normas de conduta previamente reguladas.124

Por conseguinte, não há de se esquecer que a atividade de controle

prévio é em si uma atividade administrativa, devendo portanto se submeter ao cânone da

economicidade e eficiência.

Ademais, tendo em vista a própria natureza célere e simplificada deste

instrumento processual de fiscalização prévia, eu exercício não pode ser permeado de

complexos pressupostos de admissibilidade, visando assegurar assim a efetividade deste

controle pelos interessados.

Assim entende o Eminente Conselheiro do Tribunal de Contas do

Município Roberto Braguim125

, ao afirmar que:

123 op cit, fls. 148 124

FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. Coleção temas de direito administrativo. São Paulo:

Malheiros, 2001, fl. 15. 125 Op cit., fls 148

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94

―Constranger o Instituto da Representação a

complicados pressupostos de admissibilidade seria, por certo, feri-lo na

sua mais íntima essência, com a retirada de sua nobre característica

cidadã.‖

Da mesma forma, há o desafio de alcançar-se um sistema de controle

eficiente sem constituir, no entanto, entrave ao bom gerenciamento da máquina

administrativa e, por conseguinte, negação da lógica da eficiência.

Nessa linha, o próprio Decreto-Lei nº 200/67, ao dar tratamento ao

tema do controle, prevê em seu art. 14 a racionalização do trabalho administrativo

mediante a simplificação de processos, a supressão de controles meramente formais

e o afastamento de mecanismos de controle cujo custo seja evidentemente superior ao

risco.

Afinal, o Controle externo exercido pelos Tribunais de Contas não

pode perder de vista sua função de impedir o desgoverno, mas não governar

propriamente, conforme bem ressaltado pelo Eminente Ministro do Tribunal de Contas

da União, Benjamin Zymler:

―Cabe ressaltar, ainda, que a existência dessa forma de

controle prévio não implica a indesejável substituição do gestor pelo

controlador.‖126

As deficiências reconhecidas da Administração Pública brasileira não

serão, por certo, supridas pela intervenção dos órgãos de controle. É certo também que a

inexistência de mecanismos eficientes de controle tornam ainda mais vulneráveis os já

escassos recursos públicos sujeitos que estão à ação predatória dos maus

administradores. Todavia, constata-se com relativa facilidade que a fraqueza das

instituições e de seus instrumentos são inversamente proporcionais ao desempenho

melhor e mais eficiente da Administração Pública.

126 ZYMLER, Benjamin. O Controle externo das concessões de serviços públicos e das parcerias público-

privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

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95

Page 96: Michel Cury Neto

96

CAPÍTULO V – CONCLUSÕES

Abordamos, sem qualquer pretensão exaustiva, alguns dos principais

aspectos relacionados ao exercício do controle externo prévio pelos Tribunais de Contas

no que tange à atividade contratual administrativa.

Como restou demonstrado, existem inúmeros instrumentos eficazes à

disposição das Cortes de Contas para que possam exercer seu munus constitucional com

efetividade, resguardando a legalidade, a legitimidade e a economicidade da aplicação

de recursos públicos.

Dentre as competências outorgadas aos Tribunais de Contas,

destacando-se aquela relacionada ao controle de licitações e contratos administrativos,

que deve ser realizada, por imposição constitucional, sob a tríplice ótica da legalidade,

da legitimidade e da economicidade, a atividade de controle exercida pelos Tribunais de

Contas não se exaure na mera análise de legalidade da atividade administrativa. Vai

muito além: trata-se de promover uma análise global de mérito, que compreende, além

da legalidade, a aferição da legitimidade e da economicidade das opções

administrativas.

Ora, nessa análise global de mérito é indissociável o exame da

eficiência administrativa, que indubitavelmente se mostra exercida quando respeitados

os preceitos básicos da Lei de Licitações, bem como princípios norteadores das

Licitações Públicas tais como a competitividade, legalidade, publicidade e moralidade.

Embora tenhamos adotado a realização de atividade de fiscalização

financeira sempre a posteriori, a Constituição de 1988 atribuiu competência ao Tribunal

de Contas no controle repressivo de dos atos e contratos administrativos. Nessa linha, o

Supremo Tribunal Federal tem concluído pela admissão, em casos concretos, mediante

solicitação específica, do controle prévio de editais de licitação ao Tribunal de Contas,

em reverência à norma do art. 113, §2º, da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993.

Observa-se crescimento acentuado de casos apreciados no exercício

de tal competência, mas é certo também que há vasto campo a ser lavrado.

Page 97: Michel Cury Neto

97

É compreensível que haja por parte dos gestores públicos resistência

ao exercício de tal função, muitas vezes amparados numa má interpretação do princípio

da separação funcional de poderes, além da circunstância de que é efetivamente o

administrador público aquele que detêm representação democrática para executar as

políticas públicas definidas pelo legislador.

Mas, ao mesmo tempo, é imposição constitucional que o controle

externo prévio seja efetivamente exercido. Esse vetor não se encontra positivado na

Constituição por mero capricho do constituinte; ao contrário, existe uma missão

fundamental a ser cumprida, qual seja, a verificação prévia da compatibilidade entre a

atuação administrativa e o anseio da opinião pública por mais eficiência e transparência

da Administração Pública.

Essa imposição não pode ser negligenciada pelos Tribunais de Contas,

que devem investigar se a opção do administrador efetivamente corresponde aos anseios

do grupo social a ser atingido pela política pública.

Tal adequada e eficiente estrutura de controle é pressuposto para uma

boa administração, incentivando a boa gestão e prevenindo e combatendo a corrupção,

sendo certo que o amadurecimento deste controle pressupõe uma integração cada vez

maior entre o Governo e os entes fiscalizadores externos, sem, no entanto, subordiná-los

aos primeiro.

O aperfeiçoamento do controle prévio exercido pelos Tribunais de

Contas deve ser objetivo permanente de nosso Estado Democrático de Direito. Visa-se

com isso coibir a prática de condutas ilegais, conciliando-se lisura e economicidade com

eficiência e efetividade. As lacunas deixadas pelo legislador e supridas pela

competência normativa das Cortes de Contas não podem constituir argumento em

desfavor do controle prévio. Ao contrário, entendemos de lege ferenda, que seja mais

que hora do pronunciamento de nossos parlamentos na elaboração da legislação

pertinente, antes que ao Judiciário se relegue tal função.

Page 98: Michel Cury Neto

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