Meu Protesto Mal Sucedido

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Meu protesto mal sucedido..... Em um belo dia de junho de 2013, estava eu na cidade do Rio de Janeiro cumprindo compromissos do meu doutoramento no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para quem não conhece bem o Rio de Janeiro, o IFCS fica no Largo de São Francisco, paralelo com a Avenida Getúlio Vargas, onde aconteceram as grandes manifestações do famoso “junho de 2013”. Terminados meus compromissos, sai da Universidade com alguns colegas e meu orientador. O Largo de São Francisco estava lotado de jovens se preparando para uma manifestação que seria uma das maiores desse período no Rio e no Brasil. Era um momento histórico. Não poderia perder! Embora já tenha participado de protestos durante a vida, nesse caso estava mais curioso do que realmente disposto a “protestar”. A confusão toda de 2013 começou por causa do preço da passagem no Rio e em São Paulo. Pagando o que se paga em Cachoeiro, nem achava a passagem de ônibus tão cara pelas bandas fluminenses. Meus trajetos na cidade maravilhosa eram sempre curtos, muitas vezes de metrô, diferente do caso de muitos colegas moradores do Rio que demoravam horas e horas até chegar até em casa. Afora a solidariedade com os que sofrem horas naqueles coletivos horrorosos, honestamente, estava realmente movido pela curiosidade. E tinha certa razão. Faixas com dizeres “espirituosos”, personagens excêntricos, jovens excitados (devia ser a primeira vez deles), namoros, uma pichação aqui ou acolá de algum anarquista vandalizando algum banco abarrotado de dinheiro (confesso que meu lado anarquista se agradou de algumas). Das janelas dos prédios da Getúlio Vargas papel picado. Das sentinelas e das janelas do Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste, o olhar desconfiado. Ao passar pela Central do Brasil, meu professor disse algo que me soou meio sombrio, do tipo “64 começou aqui...”. Frio na barriga. Uma latinha de vez em quando porque não dá para protestar no Rio,

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Crônica

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Meu protesto mal sucedido.....

Em um belo dia de junho de 2013, estava eu na cidade do Rio de Janeiro cumprindo compromissos do meu doutoramento no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais – IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para quem não conhece bem o Rio de Janeiro, o IFCS fica no Largo de São Francisco, paralelo com a Avenida Getúlio Vargas, onde aconteceram as grandes manifestações do famoso “junho de 2013”. Terminados meus compromissos, sai da Universidade com alguns colegas e meu orientador. O Largo de São Francisco estava lotado de jovens se preparando para uma manifestação que seria uma das maiores desse período no Rio e no Brasil. Era um momento histórico. Não poderia perder!

Embora já tenha participado de protestos durante a vida, nesse caso estava mais curioso do que realmente disposto a “protestar”. A confusão toda de 2013 começou por causa do preço da passagem no Rio e em São Paulo. Pagando o que se paga em Cachoeiro, nem achava a passagem de ônibus tão cara pelas bandas fluminenses. Meus trajetos na cidade maravilhosa eram sempre curtos, muitas vezes de metrô, diferente do caso de muitos colegas moradores do Rio que demoravam horas e horas até chegar até em casa. Afora a solidariedade com os que sofrem horas naqueles coletivos horrorosos, honestamente, estava realmente movido pela curiosidade.

E tinha certa razão. Faixas com dizeres “espirituosos”, personagens excêntricos, jovens excitados (devia ser a primeira vez deles), namoros, uma pichação aqui ou acolá de algum anarquista vandalizando algum banco abarrotado de dinheiro (confesso que meu lado anarquista se agradou de algumas). Das janelas dos prédios da Getúlio Vargas papel picado. Das sentinelas e das janelas do Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste, o olhar desconfiado. Ao passar pela Central do Brasil, meu professor disse algo que me soou meio sombrio, do tipo “64 começou aqui...”. Frio na barriga. Uma latinha de vez em quando porque não dá para protestar no Rio, mesmo em junho, sem uma geladinha para se integrar a turma exótica.

A noite não terminou bem, como foi amplamente divulgado na televisão. A PM do Rio de Janeiro avançou sobre manifestantes; Black blocs reagiram atirando foguetes na PM, que descarregou balas de borracha e gás lacrimogêneo sobre a multidão, depois de desligarem as luzes de toda a avenida provocando correria. Refugiei-me em uma passarela enquanto a pancadaria comia solta lá no asfalto. Só do gás não dava para fugir. Posso dizer que chorei muito. Debaixo de bombas e mais bombas de gás laçadas às costas dos que fugiam para um terminal rodoviário mais próximo buscando escapar da confusão que se tornou o que antes mais parecia um desfile carnavalesco, consegui alcançar um coletivo e chegar até a rodoviária. Fugi covarde e orgulhosamente para meu pequeno e pacífico Cachoeiro!

A vergonhosa história pessoal de como fui a um protesto legítimo e pacífico sem intenção de protestar e de como tive de fugir dele debaixo de uma nuvem de gás lacrimogêneo e desviando de balas de borracha é para trazer em debate o verdadeiro motivo pelo qual nos

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envolvemos em protestos. Grotescamente, no domingo do show do Impeachment, uma deputada elogiou seu marido pelo bravo combate a corrupção, e na segundo o moço era preso pela Polícia Federal por corrupção. Virou même, ou mitou, como dizem os mais jovens conectados. Grotescamente, o show do Impeachment onde brados e mais brados contra a corrupção foram evocados com vozes exaltadas, era conduzido por um réu, indiciado e suspeito de inúmeras denúncias de corrupção. Fato raramente lembrado, a não ser por opositores, quase sempre também – direta ou partidariamente – envolvidos em corrupção. Esquizofrênico, para dizer o mínimo.

Os protestos são importantes. E é extremamente importante que aconteçam. Essa semana, já nacionalmente agitada, localmente, conforme noticiado pelo site Panorama ES, está sendo marcada pelos protestos em Itapemirim contra o atual prefeito, que já foi, já voltou, e os processos vão, vem, vão de novo, voltam de novo, por aí vai. E é a mesma Itapemirim que anos atrás enterrou um prefeito, o Juninho. A mesma Itapemirim da ex-prefeita que andou visitando as carceragens capixabas. Longe de julgar antecipadamente a qualquer um desses, pois não sou juiz e nem tenho gosto pela coisa, o que chama a atenção é que parece haver um ciclo vicioso que nunca se encerra na cidade. Reproduz-se eleição após eleição. E nada parece parar esse ciclo. E não é só em Itapemirim. Outros municípios da região parecem ter mergulhado no mesmo terrível ciclo.

Faz-se necessário protestar. Mas o protesto não pode ser carnaval, curiosidade (eu que o diga), desabafo, passeio de domingo, expiação de pecados, demonstração de raiva ou revanchismo. Protesto não pode ser campanha política, embora deva se converter em ações políticas. Protesto tem que ter proposta. Protesto tem que ter projeto. A energia social dos protestos precisa se converter em energia política boa, capaz de romper com o ciclo terrível que parece ter se instalado em Itapemirim e nos demais municípios. E me parece que desde 2013 estamos vivendo tempos de muitos protestos e poucos projetos. De muita energia social para protestar contra ou a favor; domingo ou sexta feira; com mortadela ou com coxinha; de vermelho ou verde amarelo; mas pouca energia política para transformar essa insatisfação em ação que produza resultados.

Que todos que legitimamente protestam contra a corrupção nas ruas ou nas redes sociais possam, além de protestar, encontrar caminhos para que não precisemos protestar tanto mais.