Metodologia de projeto para adaptacao inclusiva de conteudo literario para deficientes visuais

download Metodologia de projeto para adaptacao inclusiva de conteudo literario para deficientes visuais

If you can't read please download the document

Transcript of Metodologia de projeto para adaptacao inclusiva de conteudo literario para deficientes visuais

  • 1. Metodologia de projeto para adaptao inclusiva decontedo literrio para deficientes visuaisDominique Adam, Universidade Federal do [email protected] Calomeno, Universidade Federal do [email protected] objetivo dessa pesquisa apresentar uma metodologia para adaptar representaesgrficas para crianas com deficincia visual congnita, ou seja, aquelas que j nasceram coma deficincia ou a adquiriram at os cinco anos de idade. Utilizando tcnicas de produogrfica diferenciadas e independentes do mtodo braile, o projeto de adaptao inclusiva visaestimular as habilidades sinestsicas necessrias pr-alfabetizao a partir de pesquisa,identificao e anlise de materiais direcionados atravs da traduo intersemitica paraposterior adaptao grfica. Aliada com as pesquisas tericas sobre o assunto, a pesquisa decampo observacional foi imprescindvel para a efetivao do projeto inclusivo.Palavras-chave: metodologia de projeto, literatura cientfica, adaptao inclusivaAbstract:The aim of this research is to introduce a methodology to adapt visual representations forchildren with congenital visual impairments, those who have been born with visualimpairment or its detection occurred until 5 years old. Using different kinds of graphicproduction independent of Braille process, this inclusive adaptive design urges tosynesthesics skills needed to literacy - from research, identification and analisys of differentgraphic materials through intersemiotic translation for graphic adaptation afterwards. Inpair with academical researches, the field research was indispensable to conclude thisinclusive adaptive design.Keywords: Projects methodology, academical researches, inclusive adaptive design.10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA).

2. IntroduoA linguagem um tipo de tcnica que pode ter efeitos decisivos na vida do indivduo ena vida das pessoas a seu redor, sendo necessria para as mais variadas atividades: informar-se, comunicar-se, interpretar um poema, ler um livro. Atravs da linguagem escrita, falada,desenhada possvel adquirir conhecimento, entretenimento e se localizar no mundo. Umaforma de interao entre pessoa-mundo dada atravs da leitura, dos livros extensos oucurtos, ldicos ou sistemticos os quais so imprescindveis para a alfabetizao. SegundoRichard Bamberger (1994, p. 34), Se conseguirmos fazer com que a criana tenhasistematicamente uma experincia positiva com a linguagem, estaremos promovendo o seudesenvolvimento como ser humano. De fato a leitura e os livros em geral tm sumaimportncia para o desenvolvimento das pessoas, seja propondo entretenimento ouconhecimento.A literatura infantil, por sua vez, traz desde cedo a inteno de fazer com que ospequenos seres desbravem o mundo. O livro infantil utilizado como recurso pedaggico epode ser um auxlio para compor, enriquecer, constituir bagagem intelectual de cada um.Alm de auxiliar na alfabetizao, este tem o potencial de despertar curiosidade, auxiliar noprocesso de captao e comparao de coisas, objetos, pessoas, lugares, etc. Porm, estaspeculiaridades que os livros possuem so pouco utilizadas em materiais grficos destinados spessoas com deficincia visual. So necessrias muitas palavras para representar umailustrao, por exemplo. Como descrever as cores de um arco ris para uma criana que possuideficincia visual? As palavras servem como apoio, mas necessrio proporcionar aosdeficientes visuais experincias to ricas quanto aquelas vividas pelos videntes.A partir do contexto apresentado, a pesquisa tem como objetivo apresentar um modelometodolgico para adaptao inclusiva de livro infantil, com foco no usurio e na efetividadeda compreenso sensorial, sendo capaz de integrar e estimular as experincias sensoriais dascrianas cegas congnitas o mais cedo possvel.Dessa forma, utilizar uma metodologia voltada para compreender o usurio e suasnecessidades, o que garante efetividade no processo de design.Para dar inicio pesquisa, o pblico alvo foi definido: o material a ser adaptado destinado s crianas com deficincia visual congnita ou precoce, ou seja, aquelas quenasceram cegas ou adquiriram a doena at os cinco anos de idade. A cegueira, em crianas,provm de anomalias do desenvolvimento, de infeces transplacentrias e neonatais (comoexemplo, a toxoplasmose, a rubola, a sfilis), a prematuridade, os erros inatos dometabolismo, as distrofias, os traumas e os tumores.Para compreender relao da sociedade perante as pessoas com deficincia visual, foirealizada uma entrevista com o cientista social Manoel Negraes - integrante da equipe demobilizao social da Unilehu - Universidade Livre para a Eficincia Humana, OSCIP -Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico, que atua na rea de incluso social nomercado de trabalho e na sociedade em geral. Pode-se observar que o preconceito existente fruto da falta de informao e de uma imagem errnea que a sociedade possui sobre aspessoas que compartilham essa deficincia. Esse fator prejudica o desenvolvimento como serhumano desses indivduos, dificultando as relaes interpessoais. As dificuldades encontradasno se limitam falta de convvio social. O acesso aos bens e recursos materiais (lupaseletrnicas, computadores com leitores de tela, etc.) e aos servios pblicos de qualidadedificulta a pessoa com deficincia visual a superar obstculos para conseguir uma boaeducao e colocao no mercado de trabalho. Os investimentos nessa rea ainda sodiminutos, j que necessrio que todas as pessoas, independentes de terem problemas deviso ou no, tenham disposio sade e educao de qualidade. Como no pas ainda h10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 3. muita desigualdade nesse aspecto, as pessoas com que apresentam alguma deficincia enecessitam de ateno especial, ainda ficam para terceiro plano, pois, mesmo em algumasescolas que j possuem salas com recursos pticos diferenciados, como as lupas eletrnicas,computadores com leitores de tela, impressoras braile, no apresentam profissionaisqualificados para realizar o trabalho de alfabetizar algum que no enxerga e tambm, casosem que profissionais esto preparados mais os recursos necessrios no esto disponveis.Para lidar com este problema, a sociedade faz bastante coisa, muitas vezes atua em reas emque o poder pblico abandona ou esquece. Trabalhos pontuais tanto na alfabetizao depessoas com a deficincia visual at a reeducao para com o espao fsico, para aqueles quese tornaram cegos, sem a ao do Estado, infelizmente no minimizam os problemas. O Brasilpossui umas das melhores legislaes do mundo para quem tem alguma deficincia, porm ogoverno no assume seu papel, no aplicando as leis e no fiscalizando seu cumprimento.Dessa forma, o problema persiste, abrindo espao para outras colocaes, como: empresasque disponibilizam vagas de emprego destinadas s pessoas portadoras de deficincia umatima ao inclusiva, porm, se o acesso at o local de trabalho continua precrio (transporteinacessvel, ruas sem sinalizao adequada), a incluso no ocorre. A necessidade da alianaentre governo e sociedade indispensvel para que os problemas possam ser solucionados.Para que todos esses obstculos sejam enfrentados pelas pessoas com deficinciavisual o convvio familiar imprescindvel. Juntamente com o apoio de bons profissionais, afamlia pode e deve se tornar a maior aliada da pessoa com deficincia para que esta possaenfrentar as dificuldades e alcanar seus objetivos.Aps o breve conhecimento sobre a posio do deficiente social no Brasil, foi possvelcompreender as dificuldades e obstculos que essa populao tem de enfrentar para fazerparte da sociedade. Com isso, uma premissa foi estabelecida: Incluir uma criana deficientevisual na sociedade em que ela vive atravs da adaptao de materiais de literatura infantilcorriqueiros em produtos diferentes na forma de apresentao, rompendo com padrespreestabelecidos e gerando solues mais criativas abrangendo a traduo intersemitica1 e asinestesia, ou seja, associando sensaes de naturezas distintas com percepes tteis eolfativas.A partir dessa etapa, foi imprescindvel analisar a realidade diria desse pblico alvo.Para isso, uma pesquisa de campo foi realizada no Instituto Paranaense de Cegos, localizadoem Curitiba-PR. O objetivo inicial da pesquisa foi o de conhecer o comportamento de umacriana deficiente visual em um ambiente social a sala de aula. Com o desenvolvimento daspesquisas observacionais realizadas durante todo o processo, foi possvel projetar um materialgrfico destinado s crianas deficientes visuais, tendo como base metodologias de anlisecentradas no usurio e tambm a convivncia com o pblico alvo.Algumas metodologias centradas no usurio foram estudadas e, de acordo com ocontexto dessa pesquisa, foram adaptadas para melhor colaborar no processo de coleta deinformaes.1Roman Jacobson define traduo intersemitica como traduo" que consiste nainterpretao dos signos verbais por meios de sistema de signos no visuais, ou de umsistema de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a msica, a dana, o cinema oua pintura. Traduo Intersemitica, Julio Plaza. 10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 4. MetodologiaA partir do modelo centrado no usurio de Frascara, (Frascara, 2004) o qual abrangeas etapas de definio do problema, coleta de informaes, definio do problema com basena coleta, definio dos objetivos do produto, especificaes e princpios do design e por fim,a proposta de design (contedo, forma, mdia, tecnologia) meios de linguagem grfica foramadicionados, com base em Twyman (1979) e Spinillo(2001) com a inteno de identificar asprincipais caractersticas de materiais grficos para os usurios pertinentes ao objeto deestudo.Segundo Frascara (2004), no fcil estabelecer uma sequncia de passos paracompor um processo de design devido variedade de situaes onde a comunicao empregada. Alguns passos podem ser identificados e utilizados como base para a gerao deum processo de design. A seguir a sequncia e passos apresentados por Frascara, relacionadoscom a proposta desse projeto inclusivo.1. Misso do projeto: primeira definio do problema. A escassez de materiais grficos destinados a crianas deficientes visuais.2. Coleta de informaes: sobre o cliente, pblico alvo e produtos competitivos (seexistirem).Pesquisa de campo realizada no Instituto Paranaense de Cegos. Curitiba - PR3. Segunda definio do problema: anlise, interpretao e organizao das informaescoletadas. Materiais perceptveis ao tato e que podem ser utilizados em matrias grficos inclusivos.4. Definio dos objetivos: o que o produto deve fazer? Definio dos canais decomunicao, forma de atingir o publico esteticamente e perceptualmente.Adaptar um livro de histria infantil para deficientes visuais atravs das relaes sinestsicasque abrangem o tato e o olfato.5. Terceira definio do problema: especificao de produo, relacionando os problemasde design com os termos de produo, escrevendo um briefing a respeito.Definio dos materiais e tcnicas de produo grfica mais acessveis percepo ttil eolfativa, como o relevo resultante da impresso braile e timbragem, aliado ao vernizaromtico.6. Desenvolvimento da proposta de design: consideraes sobre forma, contedo, mdia etecnologia.Estudo do mtodo de representaes grficas utilizado por crianas deficientes visuaiscongnitas j experientes em desenho.7. Apresentao ao cliente: um ato informacional e persuasivoTestagem do material adaptado. Ilustraes selecionadas pela criana deficiente visual comomelhor representao ttil.8. Organizao de produo: preparao para o design final para a produo.10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 5. Estudo de formas, tamanhos e espaos necessrios para conter as representaes grficas deacordo com o estudo de campo realizado, onde foi possvel observar a rea til do papelonde a criana deficiente visual realiza suas interpretaes grficas.9. Superviso de implementao.Testagem do material adaptado em verso final: livro finalizado, podendo ser lido pelacriana deficiente visual sem a ajuda de um vidente.10. Avaliao da execuo: comparao de resultados com os estabelecidos pelo sistemaoperacional, ajustes eventuais baseados na avaliao e ajustes futuros.Ajustes necessrios em tcnicas viveis de produo grfica. Figura 1: O processo de designA pesquisa se inicia com o referencial terico sobre deficientes visuais, o processo deaprendizagem, a importncia do livro para este pblico alvo abordando a literatura infantil.Aspectos de produo grfica e as tecnologias existentes tambm so de grande importnciapara a realizao do projeto.Aps compilao desses dados, o desenvolvimento projetual iniciado, abordando aseleo de amostragem, com modelo de estutura da linguagem de Twyman (1979) revisto porSpinillo (2001); a anlise e complicao de resultados realizada atravs de modelo de anlisebaseado em Frascara, (2004); Twyman (1979) e Spinillo (2001). 10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 6. Figura 2: Modelo de estrutura da linguagem - Twyman (1979) Michael Twyman um historiador de design que se props a tentar resolver algumasdas questes da linguagem grfica direcionadas ao design grfico. Ele constata que osdesigners possuem uma percepo diferente das sutilezas da linguagem grfica e que socapazes de diferenciar a linguagem grfica verbal da linguagem pictrica. A partir disso,Twyman props um modelo capaz de conciliar a viso tradicional da lingustica com a visodos designers. Neste modelo, a distino principal feita atravs do canal de comunicao. Esta podeser realizada atravs da audio ou da viso. Twyman admite que existam outros meios decomunicao, como o tato, para deficientes visuais, porm opta pelas situaes mais comunsem comunicao. (Twyman, 1985). A partir desse modelo, pode-se observar que a linguagem grfica pode ser ramificadaem trs aspectos: a linguagem verbal - a representao grfica da linguagem falada; alinguagem esquemtica - formada por formas grficas que no incluem palavras, nmerosou imagens pictricas; e, por fim, a linguagem pictrica comporta as imagens produzidasartificialmente que remetem por mais remota que seja aparncia ou estrutura de algoimaginado. (Twyman, 1985). Este modelo foi revisto por Spinillo, 2001 e apresenta a caracterstica ttil.10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 7. Figura 3: Modelo de estrutura da linguagem revisto por Spinillo (2001)O modelo de anlise criado para essa pesquisa foi baseado na seleo de livros infantisdirecionados para crianas com deficincia visual e tambm para videntes. Os similaresexploram a produo grfica que servem como guias da tecnologia utilizada nos mtodos deimpresso atuais. O modelo foi adaptado tendo como base a estrutura da linguagem propostapor Twyman, 1979 e revisto por Spinillo, 2001, a qual agrega questo da linguagem visualgrfica as variantes verbais, pictricas e esquemticas a partir dos canais da linguagem visual e ttil.Figura 4: Modelo de anlise criado a partir de Twyman (1979) e Spinillo (2001) 10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 8. A partir do canal da linguagem, se ramificam os aspectos esquemtico, verbal epictrico. O aspecto verbal abrange os textos em braile e textos de apoio que possam conterno livro. J o pictrico aborda o tamanho das representaes grficas e suas formas queforam divididas em orgnicas ou geomtricas. A partir disso, os canais ttil e olfativo foramramificados para anlise mais profunda. Esses dois canais possuem as funes de nfase edestaque. O canal olfativo aborda essencialmente os aromas que alguns livros podemrepresentar atravs de tcnicas de impresso em verniz aromtico. O canal ttil abrange osrelevos e as texturas.Relevo ficou definido como contorno de uma representao grfica e textura como asilhueta que a representao grfica apresenta. Para esses dois aspectos, quatro caractersticasforam apontadas: se possui relevo ou textura como fundo, em parte da imagem, na imagemcompleta ou se somente o texto enfatizado por esse aspecto. Todos esses aspectos estorelacionados com a produo grfica que pode abordar o movimento no caso de livros pop-up ou puxa-estica. Outros aspectos da produo grfica como tcnicas de impresso, materiaisutilizados, formato do livro, tamanho das representaes grficas foram levados emconsiderao.Processo de pesquisaFrascara (2002) prope a desmaterializao do design, com a finalidade deaproxim-lo das cincias sociais, buscando maneiras para tornar a vida das pessoas melhor.Com isso, a importncia do estudo do comportamento das pessoas, no contexto em que osobjetos e comunicaes so utilizados pelas pessoas e seus efeitos sobre elas. necessrioconhecer a sociedade para quem voc est criando para que seu produto seja aceito e til.Dessa forma, foi realizada uma pesquisa de campo no Instituto Paranaense de Cegos -IPC, localizado em Curitiba PR para conhecer o pblico alvo, seu comportamento e suasnecessidades.Essa pesquisa partiu com uma solicitao feita pelo departamento de Design daUniversidade Federal do Paran, para poder realizar a coleta de informaes na instituio.Como se trata de um grupo de usurios menores de idade foi anexado um termo deconsentimento livre e esclarecido, redigido para os pais das crianas que participariam dapesquisa um cego precoce (que j nasceu com a deficincia) e outro tardio (deficinciaadquirida ps os 5 anos de idade). A partir da permisso dos responsveis desses alunos, asinformaes comearam a ser coletadas. A pesquisa qualitativa, abrangendo um pblicoespecfico que o de alunos com deficincia visual que j possuem experincia com desenho.Este foi um pr-requisito para o estudo de caso.H uma resistncia ao realizar pesquisas de campo, principalmente se estas foremrealizadas com crianas em instituies especializadas. Algumas dificuldades surgiram aorealizar a pesquisa de campo, porm foram amenizadas devido disposio de DieleFernanda, professora de artes do Instituto Paranaense de Cegos, especialista em educao. Elafoi a mediadora entre o contato com a criana com deficincia visual. A partir de suasconsideraes a respeito do comportamento, da forma de pensar e agir de seus alunos, asperguntas e solicitaes foram feitas, em etapas distintas, respeitando o limite individual dacriana. Vlido ressaltar que toda informao coletada e registrada nesta etapa foi provenientede dias de pesquisa e convivncia com os meninos. Cada momento da pesquisa foi registradoora com vdeo, ora com fotografia. Conquistar a confiana, a empatia e o reconhecimento dosfuncionrios e alunos foi um mrito que aqui deve ser mencionado.O processo de pesquisa dentro da instituio durou cerca de seis meses e foi realizadodiante a observao da educadora Diele, durante as aulas de artes. A primeira visita 10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 9. instituio ocorreu para conhecer como o ambiente direcionado para deficientes visuaisrealizarem as aulas de artes. Foi possvel observar que um local de fcil deslocamento, comcadeiras, mesas e vrios tipos de materiais destinados ao desenho: papel branco de altagramatura, lpis de cor, giz de cera, alfinetes, base de borracha e objetos com silhueta. Figura 5: Sala de artes, IPC. Neste primeiro momento, uma conversa com a educadora a respeito de materiaisgrficos destinados a deficientes visuais foi pautada, mostrando sua opinio sobre os tipos demateriais e tcnicas de produo grfica existentes e viveis que podem ser utilizadas paracompor um projeto de design grfico inclusivo. Acabamentos grficos, por exemplo, podem incrementar o aspecto visual de umprojeto. Porm, para ser acessvel a aqueles que dispem somente da percepo ttil, sonecessrias algumas consideraes a respeito de como um indivduo cego compreende umaimagem, para assim representar, atravs de acabamentos grficos perceptveis ao tato, asinformaes de forma simplificada e tatilmente compreensveis. Em um segundo momento, o livro The Black Book of Colors, de Menena Cotin eRosana Fara, que foi o vencedor do Prmio Novos Horizontes 2007 na Feira do Livro deBolonha, foi apresentado criana. O livro todo preto, com ilustraes em verniz incolor demdio relevo, texto em branco, e em braile neste caso, a histria foi contada verbalmente emportugus. A histria a sobre a percepo de uma criana cega em contato com o mundo. Asrepresentaes grficas no foram de fcil entendimento. Apenas duas das representaes,juntamente com a descrio verbal, foram interpretadas pela criana. O livro no destinado pessoas com deficincia visual, mas pretende simular a relao do cego com o mundo. Daforma em que apresentado, visualmente atraente, porm no mostra a realidade da pessoacom deficincia visual. Figura 6: O contato da criana com o livro The Black Book of Colors. 10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 10. Para entender a maneira que a criana deficiente visual compreende a superfcie dosobjetos, vrios papis com texturas diferenciadas foram mostrados a dois alunos do IPC eestes fizeram suas consideraes e associaes entre textura e sensaes, de acordo com orepertrio de cada um. Figura 7: Papis texturizadosPara compreender melhor o comportamento das crianas com deficincia visual emsala de aula, e tambm como so os desenhos de crianas cegas, foram observadas algumasatividades durante as aulas de artes do Instituto Paranaense de Cegos.Em semanas distintas, foi observado o mtodo de desenho da criana, bem como suasreferncias imagticas provenientes da descrio verbal que fora aprendendo sobre as coisas.Dessa forma, foi possvel constatar que a ilustrao do deficiente visual congnito, que j familiarizado com o desenho muito objetiva. As representaes grficas so descritasatravs da linha de contorno e no pela massa visual.A relao entre desenho infantil e processos cognitivos est presente desde osprimrdios dos estudos referentes a essa prtica infantil. Georges-Henri Luquet apud Duarte,entre os anos de 1910 e 1930 dedicou-se ao estudo da arte pr-histrica e primitiva e tambmao estudo do desenho infantil analisando, em especial, os desenhos de seus filhos. Opesquisador percebe o desenhar como um ato de representao da realidade.Em seu primeiro texto sobre desenho infantil Sur ls debuts Du dessin enfatin(1910), o autor classifica, em um primeiro momento, o desenho infantil como:a) Imitao escrita traar linhas no papel.b) Analogias visuais identifica semelhana entre as linhas grafadas e determinados objetos.c) Desenho propriamente dito o qual a criana se esfora para estabelecer semelhanas entreseu desenho e um objeto qualquer. Aps essa anlise, Luquet nomeia o desenho infantil comorealismo lgico em oposio ao realismo visual, este representando o desenho de adultos. valido ressaltar que o autor se refere qualidade do desenho ser anlogo a um objeto e noa concepo de representao ideal. Sua ideia de realismo ope-se s concepes deesquematismo e idealismo. Desta forma, afirma ser necessria a presena mental de ummodelo interno, isto , a memria de um modo especfico utilizado para desenhar esse ouaquele conjunto de objetos (por exemplo: a figura humana e suas variveis).Segundo Luquet,Todo desenho a traduo grfica da imagem visual que fornea o motivoapresentado e, acreditamos, de uma imagem visual mais ou menos ntida realmentepresente no esprito do desenhista no momento que ele desenha, o que ns10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 11. denominamos modelo interno. Qualquer que seja o ponto de vista subjetivo, do ponto de vista objetivo o desenho incontestavelmente a traduo grfica dos caracteres visuais do objeto representado; isto , tomando emprestado dos estudiosos da lgica o termo compreenso pelo qual eles designam o conjunto de caracteres de um objeto, o desenho de um motivo pode ser definido como a traduo grfica da compreenso visual desse motivo.Analisando a Figura 8, pode-se notar a diferena da representao se comparada comos modelos mentais de figura humana que possumos; sejam eles os famosos bonecospalito, pictogramas, ou ilustraes mais elaboradas. O diferencial neste desenho, e o maisinstigante, que o crculo superior representa a cabea, diferentemente das imagens mentaisque possumos as quais no representam a cabea separadamente do rosto, ou seja, orealismo visual que representa cabea como uma unidade completa (com olhos, nariz eboca) o que diferente do realismo lgico o qual representa a cabea como o topo eunidade separada do que vem a seguir, o rosto. Figura 8: Representao de figura humana.Esta representao foi realizada na sequncia em que a criana com deficincia visualtateia-se: primeiro toca a cabea, aps os olhos, nariz e boca, em seguida pescoo, tronco emembros. Importante ressaltar que o relato verbal por ela feita durante a representao foirelevante para a compreenso de seu modo de pensar e de realizar as atividades.Aps essas observaes, o foco voltou-se para o tipo da ilustrao que compreensvel para o deficiente visual. Com o objetivo de adaptar um livro inclusivo deliteratura infantil para deficientes visuais, e tambm videntes, a proposta foi refazer asilustraes de acordo com o repertrio imagtico de Bruno, a criana que participou de todasas fases do projeto.Conforme suas descries e associaes foi possvel caracterizar objetos atravs desua cor e formato, remetendo a alguma sensao atravs da sinestesia: relacionando aromascom as cores, com as diversas superfcies existentes e tambm com a memriasomatossensorial da criana. 10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 12. Foi possvel observar que as pessoas com limitaes visuais tambm podemcompreender representaes grficas sem dificuldades. Para isso, necessrio que estas sejamrepresentadas de forma clara e objetiva, sem muitos detalhes visualmente atrativos que setornam tatilmente confusos. As imagens devem conter elementos caracterizadores e podemser representadas no papel atravs do relevo (alto ou baixo) realizado atravs de impressoe/ou acabamentos grficos como o verniz, relevo seco e timbragem. importante salientarque a quantidade de detalhes em uma representao grfica influencia muito no momento emque o cego vai compreender a imagem. Muitos detalhes juntos e sobrepostos confundem oentendimento da representao grfica pela pessoa com deficincia visual. Objetividade eclareza devem ser levadas em considerao no momento de realizar ilustraes para essepblico alvo. Enfatizar as linhas de contorno de determinado objeto imprescindvel para acompreenso, pois o cego no utiliza o plano, no desenha por massa. A linha a maior aliadapara a sua representao grfica.A partir dessas consideraes provenientes da pesquisa de campo observacional,alguns princpios foram criados para serem seguidos no momento de gerao de alternativaspara um projeto inclusivo. As ilustraes devem ser simples e feitas somente por linhas e pontos (sem preenchimento); Precisam conter elementos caracterizadores; De forma alguma podem estar sobrepostas; Podem variar de tamanho e posio; Nunca podem variar na quantidade de elementos. Por exemplo, um morango de uma pginado livro no pode ser esteticamente diferente se comparado ao de outra pgina.Importante salientar que no existem mtodos ou instrues consolidadas no Brasilpara que guie o designer a gerar um projeto inclusivo. As informaes adquiridas durante oprocesso de pesquisa so exclusivas deste esse projeto, em especial. Todas as relaes aquiapresentadas vm do repertrio imagtico de uma criana deficiente visual congnita a partirde associaes provenientes de informaes adquiridas.O projetoDiante as escolhas anteriores, a proposta adaptar o livro infantil The Black Book ofcolors podendo ser apreciado tanto por crianas cegas quanto por videntes. O processo deilustrao iniciou-se com a pesquisa de campo e ao decorrer da pesquisa, foram testadosdiferentes tipos de tcnicas para simular a impresso em relevo (com verniz e timbragem).O primeiro teste foi utilizar a cola colorida para conseguir o relevo necessrio. Pormno possvel ter um controle ao pressionar o tubo de cola e desenhar. As imagens ficamirregulares e muito tempo gasto para a finalizao.A segunda tentativa foi bolear as ilustraes com uma caneta sem tinta em um papelde alta gramatura. O relevo obtido ficou semelhante ao relevo seco, porm ainda no ficousaliente o suficiente para ser perceptvel ao tato, pois difcil manter o controle da presso damo sobre o papel.A terceira tentativa e a selecionada para realizar os testes de compreenso com ousurio foi a ilustrao em papel vegetal 90 gramas boleada com a caneta sem tinta. O relevoficou bem saliente perceptvel ao tato. Desta forma, foi possvel representar fielmente umatcnica de impresso em larga escala e fazer a validao do material.10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 13. Figura 10: Teste de alternativas de representaes grficas de morango.Figura 11: Teste de alternativas de representaes grficas de folha seca. 10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 14. Figura 12: Teste de alternativas de representaes grficas de pipa. Figura 13: Teste de alternativas de representaes grficas de gua. Este projeto tem o intuito de instigar os designers para tambm pesquisarem e criarempara deficientes visuais, visto que h pouqussima quantidade de materiais destinados a essepblico. O objetivo incluir deficientes visuais no mundo das representaes grficas,proporcionando o conhecimento e a sensao de liberdade conquistada ao estarem em contatocom um material grfico impresso podendo dizer: eu compreendo!10 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA). 15. Toda a pesquisa realizada, os resultados obtidos e o conhecimento apreendido frutode uma convivncia de aproximadamente 7 meses com uma criana deficiente visualcongnita, do Instituto Paranaense de Cegos. O maior agradecimento aqui para Bruno, essemenino de ouro que pode ensinar como possvel se comunicar com representaes grficassem o auxlio da viso.Referncias bibliogrficasBERTIN, J. Semiologie graphique: les diagrammes, les rseaux, les cartes. Mouton andGauthiers-Villars, The Hague, Paris, 1967.FRASCARA, Jorge. Communication design: principles, methods, and practice. AllworthPress, New York, 2004.GOLDSMITH, E. Research into illustration: An approach and a review. Cambridge:Cambridge University Press, 1984.SPINILLO, C. Linguagem grfica. Notas de aula da disciplina de Linguagem grficapictrica. Departamento de Design; Universidade Federal do Paran, 2009.TWYMAN, Michael. Using Pictorial Language: a discussion of the dimensions of theproblem. In Designing Usable Texts, (Eds, Thomas Duffy & Robert Walker), AcademicPress, Orlando, 198510 Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, So Lus (MA).