Mestre Bruno Pocópio Neto - Identidade Cultural - Texto

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“Meu barco, cerca de meio-dia, abriu também suas asas e voou gracioso e veloz, rio acima, em cujas margens iam se desenrolando cenários simples e magníficos. Na larga curva, logo a noroeste de Penedo, aparece primeiro a pequena Boacica, com uma bonita capela no cimo de uma colina e mais adiante, na margem plana do lado direito, a de Sergipe, surge entre a verdura a pequena povoação de Nossa Senhora da Saúde, mais um grupo de casas espalhadas do que propriamente uma aldeia. Nas margens, e mais frequentemente ainda nas ilhas verdes inteiramente planas, pastam cavalos e bovinos… Veem-se aí pequenos arrozais, aparentemente no meio da água, sobretudo nas calmas enseadas do rio, como pequenos lagos muitas vezes ligados ao rio apenas por uma estreita entrada. Às margens dessas enseadas, a maior parte das vezes, vê-se um casal, no meio das várzeas verdes, com pequenos rebanhos de bovinos; tudo parece pobre, humilde e, contudo, ameno e aprazível.” Robert Avé-Lallemant

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UNIVERSIDADE TIRADENTESREALIDADE BRASILEIRA E REGIONAL

DANIEL SIMÕES CALDASISAAC BUZZOLA CHÊNE

ISIS GUIMARÃESCAIO GÓES SANTOS

JOSÉ ALBERTO

RELATÓRIO DE PESQUISA

IDENTIDADE CULTURAL

AracajuMarço, 2012

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“Meu barco, cerca de meio-dia, abriu também suas asas e voou gracioso e veloz, rio acima, em cujas margens iam se desenrolando cenários simples e magníficos. Na larga curva, logo a noroeste de Penedo, aparece primeiro a pequena Boacica, com uma bonita capela no cimo de uma colina e mais adiante, na margem plana do lado direito, a de Sergipe, surge entre a verdura a pequena povoação de Nossa Senhora da Saúde, mais um grupo de casas espalhadas do que propriamente uma aldeia. Nas margens, e mais frequentemente ainda nas ilhas verdes inteiramente planas, pastam cavalos e bovinos… Veem-se aí pequenos arrozais, aparentemente no meio da água, sobretudo nas calmas enseadas do rio, como pequenos lagos muitas vezes ligados ao rio apenas por uma estreita entrada. Às margens dessas enseadas, a maior parte das vezes, vê-se um casal, no meio das várzeas verdes, com pequenos rebanhos de bovinos; tudo parece pobre, humilde e, contudo, ameno e aprazível.”

Robert Avé-Lallemant

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SUMÁRIO

1. OBJETIVO DE PESQUISA...............................................04

2. DESENVOLVIMENTO .....................................................05

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................08

REFERÊNCIAS ......................................................................09

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1. OBJETIVO DE PESQUISA

Esta pesquisa tem o intuito de apresentar aos alunos do curso de Jornalismo,

Publicidade e também a pessoas interessadas, um pouco mais sobre o Artesão Naval (Mestre)

Bruno Procópio Neto e seu trabalho. Para a elaboração deste trabalho, nosso principal

método foi a pesquisa em campo e em referências bibliográficas recomendadas pela

professora Henriete Cabral. Conhecer o artesão, seu trabalho, sua história e procurar se

aprofundar mais nos meios que construíram a identidade artística deste senhor.

Num primeiro momento, nosso grupo ainda não havia tido nenhum contato com o

artista, nem com seu trabalho. Então marcamos um encontro para uma conversa informal e

que, no final das contas, acabou se tornando uma entrevista. Para nossa surpresa, ao conhecer

o Mestre Bruno, notamos que havia algo peculiar no seu trabalho e na sua vida como artesão

naval. Sua humildade foi o que mais nos cativou e que realmente gerou interesse em pesquisar

mais a fundo sobre sua história, pois, ao prestar atenção na vida deste homem, percebemos

que há uma relação íntima com a carpintaria, especificamente com a fabricação de barcos,

desde os seus seis anos de idade.

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2. DESENVOLVIMENTO

Encontramos apenas um texto sobre o Mestre Bruno, escrito há alguns anos atrás

pelo Jornalista Paulo Lima, em 2004. É uma pequena narrativa sobre sua visita ao artesão

Bruno. No texto e como nos conta o Sr. Bruno, é um homem que veio da roça, de Escurial,

um povoado próximo a Nossa Senhora de Lourdes, região do baixo São Francisco, em

Sergipe. Seu pai, agricultor, nunca havia tido relação alguma com a fabricação de barcos ou

carpintaria em si, apenas uma pequena canoa que usava para pescar.

O primeiro encontro de Bruno com a marcenaria foi aos seis anos, ajudando o pai

na manutenção de seu barco. Isso gerou certo interesse nele pela madeira. Aos doze já fazia

cadeiras, mesas, móveis ainda simples, porém de boa qualidade. Conta-nos que, como naquela

época não havia todo o maquinário para dar suporte, ele teve que desenvolver suas próprias

técnicas para fabricar suas peças. Este interesse em fabricar os objetos de madeira, desde a

infância, pode ser visto em sua qualidade de serviço e produto, e em sua própria fala. Muito

humilde nas palavras, Bruno guarda certa prepotência pelo fato de ser considerado o melhor

artesão naval da região. Considerado até pela própria Petrobrás que o reconheceu e fez um

pedido de 62 barcos de pesca de uma vez só. Bruno conta também que aos 15 anos começou a

fabricar miniaturas de barcos apenas por diversão, ou, de vez em quando, canoas para cumprir

serviço, normalmente encomendas de amigos. Fabricava barcos com cerca de seis a oito

metros de comprimento. Nessa época não produzia, necessariamente, para vender, apenas

pelo gosto de fazer.

Um fato interessante de citar é que em nenhum momento de sua história o Mestre

Bruno fala de uma relação do trabalho com a pescaria, ou com qualquer tipo de atividade

naval, apenas usava como transporte. Haviam outras fontes de renda da família e não existia

necessidade de dinheiro naquele momento. Porém, com o passar do tempo, as pessoas da

região começaram a notar seus trabalhos artesanais e a fazer pedidos na cidade em que estava

e na capital (principalmente). Ele escutou as sugestões e buscou levar a ideia à frente. No

começo fazia apenas canoas, nas quais ele utilizava para fazer serviços fretados para clientes

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em Aracaju. Ele ia para a capital, o cliente fornecia o material, o barco era fabricado e, então,

Bruno voltava para Escurial. A demanda começou a ficar maior e maior, e isto o fez, em

1980, mudar para Aracaju onde até hoje trabalha e vive no Bairro Industrial ao lado da

Orlinha, em um pequeno estaleiro, com alguns assistentes.

Crescendo seu conhecimento e desenvolvendo novas técnicas, junto a novas

ferramentas, Bruno não apenas fabrica canoas como também faz reforma de grandes

embarcações de madeira, barcos de corrida e, seu principal produto, os barcos de pesca

motorizados. Mas, quais relações com a cultura da região podem ser notadas nos trabalhos do

Mestre? Para responder a essa questão, é preciso entender um pouco da região onde o artesão

cresceu. Pensamos em algumas hipóteses buscando encontrar referências históricas.

Começamos pelo próprio rio São Francisco.

No alto São Francisco o homem pouco tem a ver com o rio, pois ele não tem ali

grande importância econômica. Suas águas não são usadas na irrigação, como em outras

regiões, já que chove bastante o ano todo. Pedras e corredeiras impedem a navegação. A

pesca comercial é incipiente, pois o rio, ali, não possui volume para abrigar grandes

cardumes. Por tudo isso, esses habitantes não criaram qualquer identidade mais marcante em

relação ao rio. Isso prova que uma parte do Rio não há uma identidade marcante com pesca

ou economia diante da situação ou do modo que o rio deságua nesse trecho.

A pesca artesanal sempre prevaleceu no baixo curso do rio São Francisco,

persistindo ao longo de décadas até a construção da barragem de Xingó, em

1994. Após essa data, rompeu-se definitivamente a distinção entre pesca de

lagoa e pesca de rio. A distinção era observada tanto em termos de espécies

pescadas como de tipos de artefatos utilizados e também para distinguir o

tipo de pescador. (ALMEIDA, Maria Geralda; RATTS, Alecsandro JP (Orgs). 2003. p. 121)

A cultura de pesca em Sergipe não era e não é tão forte. Participava da economia

do estado, mas em particular. A pesca nada mais era que um modo de vida daquela região do

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intermediário até a foz do Rio São Francisco. Os homens pescavam para ter o que comer, para

sobreviver. De certo que após a construção da barragem de Xingó esse tipo de atividade se

rompeu.

Podemos então dizer que o Sr. Bruno é um artista por natureza. Uma peça única

na nossa sociedade, pois ele possui duas características que o diferencia de um barqueiro

comum e o torna um ser único no segmento: O talento e a paixão pelo fazer. Na nossa

conversa, ele nos mostra seu primeiro trabalho artesanal relacionado a embarcações1. Uma

miniatura de barco de pesca com todos os detalhes perfeitamente construídos. Pena que estava

um pouco quebrado por conta das crianças que ele emprestou para brincar. De qualquer

forma, a estrutura principal ainda estava intacta. Era uma peça de extremo valor para ele, pois

guardava ali o sentimento de carinho pelo trabalho que faz. Este mesmo apego é visto em suas

criações, como por exemplo: nas cores que são utilizadas para a pintura do barco após a

primeira etapa do processo de fabricação. Normalmente cores quentes e chamativas, em que,

de longe, é possível ver que a embarcação se destaca nas águas, dando uma beleza particular à

região.

Um outro ponto interessante em relação ao processo de personalização das peças.

No fundo dos barcos mais comuns, há sempre uma pequena pintura feita a mão, sendo que,

estas não são feitas pelo mestre Bruno, mas por um de seus assistentes, no qual não

conhecemos. É interessante notar que esta pintura que nós vimos em particular, pode ser

interpretada como a representação de um sentimento conjunto dos homens que possuem uma

relação afetiva com as águas. Era exibida uma cena, como uma fotografia. Um rio, azul claro,

com, ao fundo, morros e árvores. Mais para perto da perspectiva do leitor, um terreno

acinzentado, provavelmente representando as terras de Sergipe, um terreno de terra preta e

areia. Estas cores mais neutras foram postas aí para ressaltar a cor forte e alaranjada do céu,

onde há pássaros, voando para o horizonte. É um entardecer no rio. Talvez o artista que

desenhou isso não tenha conhecimento consciente da obra que produziu, porém para os olhos

mais treinados, percebe-se que ali está representado o sentimento mútuo de relação íntima

com as águas. Natural de se ver o “drama” desta cena em comerciais, filmes ou histórias.

Quase como um “estereótipo sentimental” da relação Homem x Águas.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mestre Bruno Procópio Neto continua em sua mesma situação: construindo seus

barcos por prazer, e recebendo por isso. Ele foi desalojado no seu ponto original para o local

onde ele reside sua profissão, por conta da construção da nova Orla. Encontra-se em um

balcão próximo a mesma no bairro Industrial. Apesar de estar muito bem de vida graças aos

seus trabalhos, ele não mudou seu modo de viver nem seu estilo de vida desde que chegou a

Aracaju. O mestre Bruno, humilde em suas palavras, é conhecido por todos e considerado o

melhor artesão naval da região.

Identidade cultural é um conjunto de relações sociais e patrimônios simbólicos

historicamente compartilhados que estabelece o significado de determinados valores entre os

membros da sociedade. Assim como o artesão Bruno, existem vários outros artistas

manifestando seus talentos seja ele na música, em textos literários, grupos de dança e entre

outras mais ricas informações existentes em nosso estado. Nossa pesquisa não tem a intenção

de terminar por aqui e sim mostrar que existem artistas, como o mestre Bruno, que vivem e

ganham a vida a partir de suas próprias raízes culturais. Fabricando peças, produtos, enfim,

cultura da maneira mais tradicional possível: com as mãos e a paixão.

“A arte é a contemplação: é o prazer do espírito que penetra a natureza e descobre que ela também tem uma alma. É a missão mais sublime do homem, pois é o exercício do pensamento que busca

compreender o universo, e fazer com que os outros o compreendam.”

Auguste Rodin

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REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Maria Geralda; RATTS, Alecsandro JP (Orgs). Geografia: Leituras Culturais.

Editora Alternativa, 2003. 280 p.

Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco – Canoa de Tolda [acesso em 2012 Mar

20]. Disponível em: http://canoadetolda.org.br/?page_id=9

Balaio de Notícias – Reportagem: Carpinteiro das águas. Webjornal - Quinzenal - Edição 46 -

Aracaju, 4 a 11 de janeiro de 2004 [acesso em 2012 Mar 22]. Disponível

em: http://www.sergipe.com.br/balaiodenoticias/reportagema46.htm

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