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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP Maurício Nascimento Cruz Filho A Celebração Eucarística pela TV: Aspectos teológicos e comunicacionais MESTRADO EM TEOLOGIA São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP

Maurício Nascimento Cruz Filho

A Celebração Eucarística pela TV: Aspectos teológicos e comunicacionais

MESTRADO EM TEOLOGIA

São Paulo 2012

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP

Maurício Nascimento Cruz Filho

A Celebração Eucarística pela TV: Aspectos teológicos e comunicacionais

MESTRADO EM TEOLOGIA

Dissertação apresentada como exigência parcial para a obtenção do título de mestre em Teologia Prática à comissão julgadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Mons. Tarcísio Justino Loro.

São Paulo 2012

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COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________________ Prof. Dr. Mons. Tarcísio Justino Loro _____________________________________________ Prof. Dr. _____________________________________________ Prof. Dr.

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“Entoai a ação de graças ao SENHOR, cantai na cítara hinos a nosso Deus. Manda à terra a sua mensagem, sua palavra corre veloz. Anuncia a Jacó a sua palavra, seus estatutos e suas normas a Israel. Não fez assim com nenhum outro povo, aos outros não revelou seus preceitos. Aleluia!”

(Sl 147, 7.15.19-20).

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DEDICATÓRIA

Dedico o resultado desta pesquisa aos meus paroquianos da Paróquia São Pedro Apóstolo que rezaram por mim e me ajudaram respondendo à pesquisa de campo.

Dedico-o também aos meus amigos de perto e de longe que, conhecendo os desafios porque tenho passado, me acompanharam nessa empreitada rezando por mim.

Dedico-o também à minha família nas pessoas de meus pais Maurício e Célia.

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AGRADECIMENTOS Eu agradeço a Cristo Jesus, meu Senhor e Deus, que de todas as minhas angústias me liberta, por mais este tão importante passo que tenho a alegria de realizar em minha vida.

À minha Diocese de Santo Amaro, na pessoa de Dom Fernando Antonio Figueiredo, pelo apoio aos meus estudos.

Ao Prof. MatthiasGrenzer, Coordenador da Pós-Graduação em Teologia da PUC, que a todo o momento me incentivou e me dedicou especial atenção.

Aos professores da pós-graduação que com sua dedicação me ofereceram as disciplinas do mestrado.

Aos amigos de sala de aula, pelo companheirismo e incentivo.

À Adveniat, pelo auxílio que me ofereceu com bolsas de estudo.

E, de modo muito especial, quero agradecer ao meu orientador, Prof. Dr. Mons. Tarcísio Justino Loro, que acreditou em mim e me dedicou preciosíssimos momentos de auxílio na orientação desta pesquisa.

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Resumo

O objetivo desta pesquisa é refletir a presença da liturgia eucarística no espaço da televisão,

tendo como foco a missa televisionada. A reflexão sobre a liturgia sacramental eucarística

pela TV passa pela contextualização histórica desta mídia, destacando sua base conceitual

ancorada ao jornalismo, que entendemos como ofício justificador para toda ação midiática.

Em primeiro instante, a intenção é mostrar a realidade atual da TV diante do fato de que o

jornalismo se rendeu ao espetáculo da mercantilização da informação, e evidenciar a

problemática que isso significa para a veiculação da sagrada liturgia nesse ambiente, com as

consequências éticas que decorrem desse fato. A partir do contexto histórico do período

industrial que gerou a TV, o estudo apresenta a dinâmica interna desta mídia, sua produção e

sua relação com os telespectadores. Em segundo momento, a pesquisa traz o contexto da

sagrada liturgia da Igreja, mostrando conceitos fundamentais como rito, culto, celebração,

Eucaristia, Mesa da Palavra, participação, sacramento e sacramentais, comunhão,

comunicação, validade, identidade, comunidade, presença, assembleia, tempo, espaço...,

advindos dos documentos eclesiásticos sobre o culto divino na comunicação. Por fim, analisa-

se diretamente o objeto de estudo a partir de pesquisa de campo realizada junto a

telespectadores católicos, fazendo um paralelo entre as contribuições dos autores que

observam a cultura midiática, as orientações dos documentos da Igreja e a apreciação dos

entrevistados na pesquisa de campo quanto à realização da celebração eucarística pela

televisão, divisando no horizonte da evangelização um espaço privilegiado para esse

programa televisivo.

Palavras-Chave: Eucaristia, Celebração, Liturgia, Televisão, Comunicação.

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Abstract

This research aims to reflect on the presence of Eucharistic liturgy on television with focus on

the broadcasted Mass. The reflection on the sacramental liturgy of the Eucharist on TV is in

the historical context of this media, highlighting its concepts anchored to journalism, which is

seen as the reason for every media action. In a first moment, the intention is to show the

current reality of the TV considering that journalism has given in to the commercialization of

information and, in addition, to highlight the concern about broadcasting the sacred liturgy in

this sort of environment as well as its ethical consequences. Having the industrial period as

the historical context from which TV emerged, the study shows the internal dynamics of this

media, its production and relation with the viewers. In the second stage, the research provides

the context of the sacred liturgy of the Church, showing fundamental concepts such as rite,

cult, celebration, the Eucharist, the Table of God’s Word, participation, sacraments and

sacramentals, communion, communication, validity, identity, community, presence,

assembly, time, space and others, coming from ecclesiastical documents of divine worship in

communication. Finally, based on research conducted with Catholic viewers, the object of

study is analyzed drawing a parallel between contributions of the authors who observe media

culture, the guidance documents of the Church, and the appreciation of survey respondents

about Eucharistic celebration on television, standing out on the horizon of evangelization a

privileged means for this type of TV program.

Keywords: Eucharist, Celebration, Liturgy, Television, Communication.

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SIGLAS E ABREVIAÇÕES

AT Antigo Testamento

CELAM Conselho Episcopal Latino-Americano

CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

IGMR Instrução Geral do Missal Romano

MCS Meios de Comunicação Social

NT Novo Testamento

PASCOM Pastoral da Comunicação

PCMCS Pontifícia Comissão para os Meios de Comunicação Social

PUC Rio Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

TM Tradução minha – indicação de tradução pessoal

TV Televisão

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SUMÁRIO

SIGLAS E ABREVIAÇÕES ................................................................................................. 09

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

CAPÍTULO I – A TV EM CONTEXTO DE ESPETÁCULO ........................................... 23

1. O jornalismo como base conceitual à compreensão da TV ................................................. 24

2. A cultura midiática televisiva como produto industrial do espetáculo ................................ 31

3. A televisão como veículo de comunicação ........................................................................... 45

CAPÍTULO II – A LITURGIA DA IGREJA E A MÍDIA ................................................. 53

1. A gênese da comunicação litúrgica: do rito ao culto ........................................................... 53

2. O culto divino na liturgia cristã: a celebração eucarística ................................................. 59

3. A linguagem da Igreja frente à linguagem da mídia ............................................................ 74

4. A presença litúrgica da Igreja no espaço midiático ............................................................ 79

CAPÍTULO III – O SACRAMENTO DA EUCARISTIA PELA TV ............................... 84

1. A Celebração Eucarística pela TV nos documentos da Igreja ............................................. 84

2. O fiel católico e o sacramento da Eucaristia pela TV: análise da pesquisa de campo ....... 98

2.1 - Apresentação dos dados da pesquisa de campo ............................................................... 99

2. 2 - Análise dos dados da pesquisa de campo ...................................................................... 102

3. A Celebração Eucarística pela TV no limiar da evangelização ........................................ 117

CONCLUSÃO – A EVANGELIZAÇÃO NO ESPAÇO MIDIÁTICO: A televisão como lugar teológico ........................................................................................... 121

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 134

ANEXO .................................................................................................................................. 140

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa de Mestrado desenvolve-se, sob o título “A Celebração Eucarística pela

TV: aspectos teológicos e comunicacionais”, nas Áreas de Teologia Sistemática e Teologia

Prática da Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, tendo como eixo a pesquisa “Teologia frente aos desafios da

modernidade e pós-modernidade”. A metodologia do trabalho científico aqui desenvolvida

segue as orientações determinadas pelo manual de dissertações da Faculdade de Teologia

Nossa Senhora da Assunção. A temática desta investigação científica, por sua novidade em

termos de recente surgimento, exige estudos mais aprofundados e muita pesquisa,

especialmente pelo fato de ainda não se ter domínio teórico sobre ela. O universo midiático já

é em si um tema recente, e sua conexão com a sagrada liturgia da Igreja o é ainda mais.

A opção por este tema foi definida pela percepção de certa lacuna de comunicação

entre a tentativa de a Igreja se fazer presente no espaço midiático, levando sua mensagem

como sacramento de Cristo, e a multidão dispersa de fiéis e da grande maioria da população, à

qual ela tem se dirigido, às vezes, impulsivamente, sem preparo adequado, nem do ponto de

vista litúrgico nem comunicacional. E, frente a isso, não causa menos estranheza o fato de as

pessoas constatarem ritualidades díspares de um mesmo culto nos veículos televisivos da

Igreja no Brasil, além da comum interrogação sobre a validade ou não da transmissão da

missa pela TV. Mesmo compreendendo a complexidade do simbolismo que envolve os ritos

litúrgicos da Igreja, é de consenso que a liturgia eucarística possui um rito previsto e objetivo.

Contudo, a diversidade de modos com que essa mesma liturgia é apresentada pela TV pode

dar margem a compreensões distorcidas. A objetividade e clareza do rito litúrgico eucarístico

parece se perder no contexto dos diversos canais de TV, em que cada um apresenta a missa de

um modo, comprometendo talvez a originalidade dessa ritualidade, bem como os aspectos

identitários e comunitários do ato celebrativo.

Esses apontamentos nos levam a considerar que muitas especulações não teriam lugar

na mídia nem fora dela que dessem margem a observações de caráter escuso que geralmente

se veem nos comentários dos profissionais da imprensa sobre a mídia católica, e ainda mais

daqueles veículos dominados por outras denominações religiosas, ditas igrejas eletrônicas ou

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igrejas de marketing, que aproveitam para granjear adeptos através das lacunas do culto e da

pouca habilidade da práxis católica no chamado uso dos meios.

No limite que determina a continuidade ou a descontinuidade da comunicação da

Igreja no espaço sagrado das assembleias litúrgicas e a cobertura da mídia na liturgia da missa

é que reside a importância deste trabalho, bem como sua atualidade e relevância. Isso exigirá

de nós uma busca por respostas que sejam capazes de contribuir positivamente, indicar

avanços e possibilitar ganhos nesta área de estudo científico.

Alguns teóricos já assumiram essa empreitada, mas ainda são incipientes as produções

científicas acerca deste tema, mesmo quando consideramos o fato de já estarmos, na

contemporaneidade, vivendo a cultura da comunicação por excelência. Aí imaginamos residir

o aspecto de originalidade dos objetivos deste estudo, e assim também sua legitimação.

O desenvolvimento do projeto desta pesquisa nos possibilita a aproximação do nosso

objeto de estudo, localizando seus limites e possibilidades, tanto no campo teológico quanto

comunicacional. No campo teológico, a observação estrita da liturgia sacramental eucarística

e, no campo comunicacional, as potencialidades e limites da mídia televisiva no serviço de

mediação da liturgia da Igreja. Nossa pretensão é aprofundar o estudo do tema a partir da

observação da ritualidade do culto divino católico desenvolvido na celebração da missa no

ambiente da mídia televisiva no Brasil. O propósito da pesquisa é identificar elementos que

possibilitem um diálogo entre os aspectos teológicos e comunicacionais que fundamentam a

transmissão da missa pela TV: observar como se dá a comunicação litúrgica da Igreja

Católica Apostólica Romana, vivida nos espaços tradicionalmente sagrados das comunidades

e, agora, transpostos à produção da mídia televisiva. Essa observação pretende se estender

sobre os veículos católicos mais conhecidos, como Rede Vida, TV Aparecida, Canção Nova,

ou mesmo seculares, como a Rede Globo, quando da transmissão de uma missa produzida em

estúdio e também fora dos espaços de produção de um estúdio, ou seja, ver como a televisão

está transmitindo a celebração eucarística e o que isso tem significado para os fiéis que

acompanham essa programação religiosa na TV. Para isso, realizamos uma pesquisa de

campo que deve nos traduzir em números a qualidade e o valor dessas iniciativas, bem como

analisamos os documentos da Igreja a respeito da sagrada liturgia na cultura midiática da

televisão. Compreende-se aqui, portanto, a necessidade de destacar os aspectos teológicos que

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possam fundamentar a transmissão de uma missa pela TV, buscando com isso encontrar

caminhos de aproximação entre teologia e comunicação, que viabilizem tal possibilidade.

O estudo traz como primeiros questionamentos: É possível ao fiel católico uma efetiva

participação na liturgia eucarística através da TV? Se existem, quais são os limites dessa

participação pela TV? A presença do fiel que assiste a celebração da missa pela TV é

comparável à do que vai à igreja? Que valor possui assistir a missa pela TV? A missa

televisionada possui valor sacramental? Com isso, pretendemos apresentar a problemática

que este objeto de estudo nos impõe, questionando se a ritualidade da missa consegue se

expressar pela técnica dos meios televisivos ou se realmente instaura-se um problema de

comunicação entre a liturgia da Igreja vivida na comunidade e a liturgia veiculada através da

mídia televisiva, e como se dão essas relações de comunicação e seus efeitos no ambiente

eclesial e social a partir de suas implicações teológico-comunicacionais.

Assim, as pesquisas teóricas e de campo sobre a presente temática constituem os

objetivos gerais dos nossos esforços neste estudo, visando oferecer contribuição científica ao

campo de conhecimento teológico e eclesial, como também apresentar propostas

significativas para a construção cultural e o entendimento do cotidiano social contemporâneo,

marcado pelas mediações. São também nossos objetivos específicos e práticos localizar

elementos de continuidade e descontinuidade entre aspectos teológicos e comunicacionais na

transmissão televisiva da celebração eucarística. Pretende-se, para isso, partir da análise de

documentos eclesiásticos sobre a presença dos meios de comunicação na missão da Igreja,

bem como da apreciação de transmissões televisivas da celebração da missa e outros

programas religiosos, como os realizados pela Rede Vida de Televisão, TV Canção Nova, TV

Século XXI, Rede Globo e outras emissoras, que vamos observar mediante a pesquisa de

campo.

O objeto de estudo, a partir das ferramentas conceituais da cultura teológica e da

cultura da comunicação, poderá nos apontar possibilidades para a veiculação da celebração

eucarística pela TV como espaço de fortalecimento da expressão de fé para os envolvidos

nessa mediação, como também nos poderão mostrar com maior evidência algum limite

presente nessa mediação televisiva, especialmente do ponto de vista litúrgico-sacramental.

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Logo que demos início aos primeiros movimentos desta pesquisa, pudemos verificar

que são muito poucas as referências teóricas especificamente voltadas para esta temática. As

contribuições científicas existentes na área não possuem um foco direcional, delimitado aos

nossos objetivos, e, portanto, não apresentam uma preocupação clara com o objeto específico

da nossa proposta de estudo, que é a relação entre a liturgia sacramental e a mediação

televisiva. Com isso, a orientação teórica desta pesquisa, partindo de uma bibliografia

selecionada e de algumas referências eleitas como relevantes sobre o tema, buscará analisar as

transmissões televisivas da missa a partir de documentos da Igreja e de autores da

comunicação e suas respectivas contribuições apresentadas adiante.

A hipótese que mobiliza este nosso esforço científico busca descortinar a qualidade do

caráter teológico, litúrgico, identitário e comunitário do rito católico da celebração

eucarística celebrada e transmitida pela TV, considerando inclusive a validade sacramental da

celebração, e nessa abordagem estão implícitas a forma e a produção da transmissão de uma

celebração. A problemática envolve os pressupostos de verdade, fidelidade e segurança acerca

das missas veiculadas pela TV, dado que em alguns casos a celebração eucarística sofre

variação de aspectos, semelhante ao que ocorre com a produção de um programa cotidiano de

TV, e isso se acentua quando consideramos os diversos canais. Pois que cada emissora acaba

reproduzindo em sua transmissão aspectos de seu ideário particular, mesmo que fale em nome

da Igreja na sua universalidade, e assim seja vista pelos telespectadores. Desse modo, a

pesquisa se propõe a começar pela observação do caráter informativo que toda mídia

naturalmente traz em seu princípio básico como razão de ser de algo que se presta a um

serviço público. É a partir dessa base que pretendemos analisar a celebração eucarística no

interior da grade de programação da TV e sua interatividade com o público. Como a televisão

não é um aparato midiático apartado dos demais e nem isolado na história da mídia,

consideramos altamente oportuno fazer um retrospecto da história midiática, e reler, sob a

ótica do jornalismo, as relações predominantes entre a mídia e a sociedade. É igualmente

relevante que seja o jornalismo o nosso instrumento de análise dos fundamentos da TV

porque foi em vista dele, como genuína profissão, surgida da autêntica necessidade humana

de se comunicar, que toda mídia foi criada na história, desde as primeiras gravuras registradas

na pedra. É, pois num período de decadência de princípios éticos e predomínio econômico

sobre o jornalismo, até então considerado a referência primordial da comunicação social, que

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nasce a TV, dando sequência à construção histórica da atual sociedade midiática, com seus

valores, potencialidades e limites.

Após a contextualização do meio televisivo e sua prática que, conforme a nossa

pesquisa, resvala do jornalismo ao entretenimento, passaremos a abordar o culto divino da

celebração eucarística nesse contexto midiático.

No primeiro capítulo, lançamos vista sobre o jornalismo, por nós considerado, como a

base conceitual imprescindível para justa compreensão do contexto em que a televisão foi

concebida. Entendendo a era da industrialização e sua força econômica empregada na

produção de capital e consequente produção simbólica, os autores José Marques de Melo,

Cremilda Medina, Juarez Bahia, Manuel Chaparro nos trazem as ideias preliminares do

ambiente cultural mercantil no qual surgiu o jornalismo como atividade humana justificada

pela criação das primeiras mídias de comunicação. Esses autores refletem a natureza das

relações comerciais estabelecidas na economia industrial e transpostas às mídias enquanto

suas porta-vozes. A profissão jornalística, nascida nesse ambiente, já trazia desde o berço uma

forte tendência a reproduzir tão somente a linguagem simbólica da então chamada cultura

industrial, até atingir a ultimidade do que hoje se chama cultura midiática. Como queriam os

padrões éticos da saciedade moderna, tal profissão deveria, sobretudo, espelhar a face do

homem na sua integridade. Mas não o que se verificou com o progresso tecnológico e

conceitual da cultura midiática. O jornalismo, como todas as demais produções de mídia,

foram cada vez mais distanciando-se da natureza dos fatos, por múltiplos motivos de ordem

econômica, politica e social, e formatando-se a uma cultura sempre mais produzida, artificial

e espetacular de fazer notícia. A televisão nasce nessa hora de glamour. Ela vem responder a

tal sede de apresentar a vida como espetáculo, como um mundo de sonhos, cores, movimento,

que encantam e levam à fantasia.

A cultura midiática, entendida como produto industrial do espetáculo, é o nosso

segundo movimento na compreensão do contexto de base da televisão. Na aproximação a esta

cultura nos ajudarão também os autores, mencionados na bibliografia, Guy Debord, Cláudio

Coelho, Valdir Castro, Jaime Patias, Roberto Elísio dos Santos, Michel Kunczik, Leandro

Marshall, Alberto Klein, Eugênio Bucci e Maria Rita Khel, Roland Barthes, Ignacio Ramonet,

Dimas Kunsch e o documento conciliar da Igreja Gaudium et Spes. O diálogo com esses

autores e obras nos permitirá uma visão geral da atmosfera cultural predominante no universo

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midiático nascente que começava a se delinear na forma que o conhecemos atualmente,

iniciando pela teoria da comunicação de massa à atual cultura de mídia. Na busca de

compreender a televisão e seus profissionais nesse universo, é muito significativo o

comentário de Marshall sobre o jornalismo pós-moderno, a conceituação do jornalismo

profundamente transmutado pelo poder do capital na força do mercado e da tecnologia. Isso

implica, segundo Marshall, numa mudança de estilo de vida social, inclusive dos profissionais

da informação, os jornalistas, porque também o conteúdo da informação foi transmutado, bem

como os veículos de transmissão. Essa linha de mutação é ditada pelo mercado que submete a

si o editorial e introduz na mídia o poderoso fator da imagem, que coloca a imprensa no nível

do espetáculo e do sensacionalismo. Essa característica extremamente nova da imprensa, de

fazer dos fatos um produto midiático, é uma das possíveis lacunas de comunicação que podem

marcar a distância entre os objetivos reais de uma missa transmitida pela TV e a missa

celebrada na comunidade, quando por vezes esta última pode inclusive sofrer influências

daquela primeira: no ambiente sagrado, na ritualidade dos participantes do culto, na

sacramentalidade da celebração. Interessa-nos também a exposição de Marshall sobre a

estética da mercadoria, em que ele defende que as mutações dos paradigmas do jornalismo,

das quais a contemporânea linguagem jornalística é fruto, são generalizadas e subvertem as

lógicas da comunicação e da informação. Essa sua consideração é muito relevante no

momento em que se busca considerar a existência de possíveis limites aos aspectos litúrgicos,

teológicos ou pastorais na transmissão da missa pela TV.

Como obras de apoio à pesquisa ainda no campo do jornalismo, entendido como

contexto cultural da televisão, propomos também A tirania da comunicação de Ignácio

Ramonet, cuja preocupação se volta para a chamada sociedade da informação, na qual todos

comunicam tudo, especialmente através da internet como espaço democrático da comunicação

e lugar de consequente excesso de informações transmitidas. Ramonet indica uma possível

crise de identidade do jornalismo, destaca o jornalismo mercadoria, fabricado sob o império

da imagem com vistas ao espetáculo, e pensa a cultura mundial com dois polos: o econômico

e o midiático. A percepção de Ramonet contribui para a identificação das estruturas de um

jornalismo comercial capaz de criar dependência psíquica de consumo de marcas e seus

valores. Ele fala de uma poluição do cérebro provocada por informações plantadas e em

demasiada exposição que geram lixo informacional. Trata-se certamente de uma relevante

observação para o que pode acontecer com toda a semiótica teológica dos conteúdos litúrgicos

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da celebração eucarística, ainda recentemente destacada pelos documentos pontifícios como a

fonte e o ápice da vida da Igreja, por vezes vitimada pela cultura espetacular da mídia, em

nosso caso específico a TV.

Encontramos também na obra de apoio Ética e Meios de Comunicação de Niceto

Blásquez, uma publicação riquíssima de conteúdo teórico que contempla vasta abordagem

sobre a informação jornalística, com destaque para as mudanças havidas nos paradigmas

éticos dos meios de comunicação e os problemas fundamentais daí surgidos no ambiente da

comunicação midiática.

Videologias, de Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl, nos traz à vista a complexidade da

imagem televisiva, e é tomada aqui como obra de apoio à crítica teórica do jornalismo pela

compreensão que estes cientistas da comunicação apresentam da sociedade contemporânea na

perspectiva da televisão, que ocupa o centro das relações comunicacionais dessa sociedade

dominada pela violência da imagem. Bucci e Kehl fazem uma abordagem do império da

imagem sob análise crítica e aproximação psicanalítica das comunicações televisivas,

considerando também as concepções de mito e ideia. Depreende-se daí o papel relevante da

violência do poder da imagem e suas consequências nas relações do cotidiano social. Essa

visão epistemológica traz a esta pesquisa a preocupação da força política dos meios de

comunicação sobre o espectador, paralisado pela convulsão de imagens. O grande desafio da

missa televisionada é mostrar que a televisão pode ser mais do que uma doentia reprodução de

imagens. Ela pode também ser um ponto de encontro e valorização do humano, e, mais, um

lugar teológico, de encontro com Deus.

Apresentar o conceito de sociedade do espetáculo e a comunicação como produto de

consumo mercadológico dessa face social é a preocupação da pesquisa ao fazer uso do texto A

sociedade do espetáculo, de Guy Debord. A aqui, o jornalismo e as diversas produções no

âmbito das comunicações são considerados reflexos de uma organização social que

espetaculariza suas relações e comercializa essas relações como produtos midiáticos

sensacionalistas. A compreensão desse panorama atual das comunicações reforça a

possibilidade de uma ruptura entre a verdade natural de um fato e o conteúdo conceitual

produzido pelas agências de notícias, talvez pondo em evidência a dificuldade de se

estabelecer veraz comunicação entre a Igreja e a mídia, e, por conseguinte, desta para com seu

público na ocasião de uma notícia proveniente da Santa Sé. E o mais grave é que os veículos

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católicos podem, inclusive pela força própria da cultura da mídia com toda a dinâmica de sua

economia, espetacularizar os ritos da Igreja, os seus serviços, a sua missão. Ainda nesse

campo da espetacularização da imagem, é também oportuna a contribuição das obras Imagens

de culto e imagens da Mídia: interferências midiáticas no cenário religioso de Alberto Klein,

que oferece uma compreensão sobre a passagem do mundo espetacular da economia midiática

para a economia religiosa, e A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura, de

Norval Baitello Jr., que nos traz a observação da voracidade da imagem que se autoconsome.

A televisão é o palco privilegiado dessas observações, porque é nela que a imagem se torna a

tentativa mais fiel de reprodução do cotidiano social.

A perspectiva histórica de contextualização conceitual da televisão se conclui

discutindo a própria fisionomia desta mídia, com a contribuição principal de Newton Cannito

e apoio de Sérgio Mattos, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho e Joana Puntel. Descreve-se a

televisão com sua nova linguagem cultural como veículo atuante na sociedade com visão de

mundo social e política diferenciada do que se tinha até pouco tempo atrás no mundo da

mídia, onde ainda imperava a imprensa e o rádio. A televisão cria novos espaços de presença,

participação e debate. Em nossos dias, a cultura televisiva tende a ganhar força por meio da

interatividade proporcionada pelas tecnologias digitais.

Para estabelecer diálogo teológico e eclesiástico com as contribuições teóricas do

universo cultural midiático supracitado, estão em primeira mão os documentos da Igreja e os

estudos científicos teológicos que tratam de modo geral da temática Igreja e Comunicação. A

partir dos discursos da Igreja e das pesquisas teológicas havidas no contexto da comunicação,

buscaremos vislumbrar o objeto da nossa pesquisa, tendo em vista a liturgia sacramental

mediada, e nisso a celebração eucarística pela televisão. Nesse sentido, destacamos aqui o

compêndio Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais organizado por Noemi

Dariva, que traz os documentos eclesiais de maior relevância publicados sobre o tema da

comunicação na Igreja até o ano da edição, 2003. A pesquisa deve necessariamente fazer uma

aproximação desses documentos eclesiásticos para neles reconhecer o perfil de comunicação

que a Igreja pretende manter no caso de uma transmissão da missa pela TV, e isso pode

consequentemente nos possibilitar algum diálogo que venha a ser teologicamente considerado

litúrgico com esse ambiente de mídia ou, ao menos, frutuoso do ponto de vista da missão

evangelizadora da Igreja.

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No segundo capítulo, os textos de contribuição no âmbito litúrgico que temos em vista

são os documentos da Sé Apostólica: Inter Mirifica, Communio et Progressio, Aetatis Novae,

entre outros. Do CELAM: Liturgia de radio y televisión, Comunicação: missão e desafio,

Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-

Americano e do Caribe, entre outros. Da CNBB:Comunicação e Igreja no Brasil e Igreja e

comunicação rumo ao novo milênio, entre outros. Assim também várias participações de

estudos teológicos como A celebração na Igreja 1: liturgia e sacramentologia fundamental de

Dionísio Borobio, Panorama Histórico Geral da Liturgia e A Liturgia: momento histórico da

salvação, de diversos autores, e verbetes em dicionários especializados em teologia e liturgia,

entre outras fontes. Estabelecendo a conexão entre a liturgia da Igreja e a mídia, temos ainda

as indicações de Perseu Abramo, John Mackenzie, A. Bergamini, Fernando Figueiredo,

Casiano Floristán, José Marques de Melo, Noemi Dariva, Eugênio Bucci e Maria Rita Khel.

O tecido discursivo deste capítulo resgata a gênese da comunicação litúrgica, buscando

compreender os aspectos rituais e cúlticos que constituem a liturgia da Igreja desde o seu

nascedouro, no Antigo Testamento, até a sua moderna compreensão como comunicação entre

Deus e o homem. A ideia é apresentar a liturgia nos diversos contextos pelos quais ela tem

atravessado a história, buscando entrever no culto a revelação da mais alta expressão da

comunicação do homem consigo mesmo e com Deus. Destaca-se a percepção de que a liturgia

é memória e memorial, ela recorda, mas também atualiza aquilo que o culto realiza.

Nesta fase da pesquisa, encontra-se a observação propriamente dita da liturgia cristã

como a coroação da experiência cúltica que o homem desenvolveu ao longo de milênios na

construção de sua história de fé com Deus. A pessoa do Cristo catalisa em Si a plenitude do

culto divino. Ele mesmo é sacerdote, altar e cordeiro da Ceia Pascal que a assembleia litúrgica

celebra. Tal celebração eucarística é, portanto, o princípio e o fim de todo o culto divino, onde

todo o gênero humano agora se dirige a Deus por Cristo, com Cristo e em Cristo. Assim,

devidamente localizada no interior da liturgia da Igreja como sendo o seu próprio coração, a

celebração eucarística é também o maior gesto de comunicação de Deus para com o homem.

Nela, Deus esvazia-se de Si, entrega-se totalmente à causa do resgate da dignidade humana

até à sublime morada celeste. Portanto, a ritualidade litúrgica da celebração eucarística não

pode ser diminuída na força do seu simbolismo, nem reduzida na pujança do sinal sacramental

que ela porta em si. Como se trata de um memorial comunitário, é na comunidade, na

assembleia reunida, orante e celebrante que esse sinal atinge sua plenitude, não ocorrendo o

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mesmo quando tal celebração é mediada pela televisão, situação em que os celebrantes

eletrônicos se veem reduzidos em seu acesso à ação comunitária, especialmente sacramental.

A partir dessa constatação, observa-se a linguagem litúrgica e eucarística da Igreja

frente à linguagem imagética midiática da televisão. A missa televisionada é a conversão em

imagem da celebração eucarística realizada no estúdio ou numa igreja. Surge a necessidade de

maior elucidação sobre conceitos como participação, vínculo, comunhão e eficácia da liturgia

da Palavra e da liturgia sacramental da celebração eucarística transmitida pela TV,

considerando ambas as mesas tanto no espaço litúrgico tradicional quanto no virtual, em rede

televisiva.

Ao realizarmos essa aproximação veremos o próprio caminho da Igreja na construção

de sua linguagem conceitual ao elaborar seus documentos sobre a comunicação em relação à

sagrada liturgia. Desde o total fechamento à iniciativa midiática até à compreensão do

irreversível processo dessa cultura, à qual a Igreja sentiu a exigência de responder e se fazer

presente. Ao longo dos anos, com a apropriação conceitual e domínio de conhecimento sobre

as novas tecnologias, a Igreja vem percebendo que é urgente estar à altura do diálogo

estabelecido na cultura midiática, e cada documento lançado vem trazendo atualizações de

perspectiva, sem perder de vista, e nem poderia, a grave tarefa de conservar e potencializar

seu memorial eucarístico.

No terceiro capítulo, a investigação se detém ao objeto em questão, o sacramento da

Eucaristia pela TV. A primeira parte do capítulo aprofunda aquele aspecto litúrgico da

celebração eucarística visto anteriormente, observando-a de perto nos documentos da Igreja,

agora considerando a presença da missa no ambiente midiático da televisão. Destacam-se na

aproximação deste capítulo, os documentos Vigilanti Cura, Miranda Prorsus, Inter Mirifica,

Communio et Progressio, Orientações para a formação dos futuros sacerdotes, Liturgia de

Radio y Televisión, Comunicação e Igreja no Brasil, Liturgia de Radio e Televisão,

Assembleia Eletrônica Litúrgica, Documentos da CNBB n.2 e n.29, e os autores Leandro

Marshall, Noemi Dariva, D. Borobio. Apesar de nesses primeiros passos de sua presença no

universo midiático, a Igreja encontrar-se reticente, ela vai demonstrando a cada novo

documento uma observação mais acurada da inovadora cultura de mídia que permeia a

sociedade. A Igreja quer e precisa dialogar com a sociedade, e isso a impulsiona à buscar de

ferramentas conceituais que lhe permitam uma incursão eficaz nesse universo. Contudo, a

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Igreja não se lança de corpo e alma no abraço às inovações da cultura contemporânea. A

conservação de seu posto de vigilância indica que aquilo que de mais precioso ela possui

precisa ser devidamente resguardado, ainda que seja sua missão urgente a publicação desse

tesouro escondido. Os documentos demonstram que o tesouro litúrgico eucarístico precisa ser

publicado, mas não jogado aos porcos, isto é, não de qualquer jeito. O memorial eucarístico é

o grande patrimônio da fé cristã confiado à Igreja. Ela é consciente disso. A Igreja, então,

pelos documentos conciliares e pós-conciliares incentiva à pesquisa nessa área, num esforço

grandioso de tentar encontrar alternativas para o culto divino, especialmente litúrgico

eucarístico na televisão, o que muito nos anima. Pois esta breve investigação pode, em algum

momento, vir a tornar-se um corpo de estudos científicos extraordinariamente desenvolvidos

numa pesquisa de doutorado e outras pesquisas de caráter técnico-científicas. A grande meta é

encontrar as interseções entre liturgia sacramental e cultura midiática, localizando a presença

da Santa Missa pela televisão.

A segunda parte do capítulo analisa a pesquisa de campo, examinando a entrevista

concedida por telespectadores católicos. Foi oferecido um questionário aos entrevistados. Eles

puderam respondê-lo no momento em que o receberam e também puderam leva-lo para casa e

devolvê-lo respondido. Esta última qualificou atitude vivida pela maioria dos participantes. A

pesquisa contemplou sexo, idade, ocupação, escolaridade e participação na vida eclesial. Os

participantes responderam sobre o fato de assistirem ou não a programas religiosos na TV,

quais os programas de sua preferência, se esses programas lhes trazem algum conforto

espiritual e que falassem um pouco a respeito dessa experiência, se gostam de participar da

missa pela TV, e, se na opinião deles, a missa pela TV tem alguma diferença da missa

celebrada em sua comunidade paroquial, dando também o seu parecer a respeito.

Considerando a faixa etária isoladamente, a maioria dos entrevistados, está acima de 60 anos,

com 28,58%. Mas o número fica equilibrado quando consideradas as outras idades, com um

total de 52,37% para os participantes entre 21 a 50 anos, e 47% para os que se apresentam

tendo de 51 anos para frente. A pesquisa revela o alto nível de educação dos participantes, o

que também é demonstrado pelos comentários que eles realizam quando solicitados, os quais

foram muito valorizados por este trabalho científico, ora para enriquecer as ideias

concernentes ao nosso trabalho, ora para refutar as ideias apresentadas pelos entrevistados que

não foram consideradas consoantes ao Magistério, com base nas contribuições dos

documentos da Igreja. A entrevista expõe uma concatenação entre os tópicos, coligando-os

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em porcentagens a partir das respostas que os entrevistados vão dando às alternativas

disponíveis. Vale destacar que as bênçãos não são o serviço religioso mais procurado pelo

telespectador católico, embora o senso comum indique que sim. Aparentemente todos querem

e buscam bênçãos, mas a pesquisa revela outra atitude do telespectador católico. Ele tem

capacidade de observação e tem clareza sobre o lugar da celebração eucarística na TV, o seu

programa predileto.

A última parte do capítulo busca projetar no horizonte da evangelização a razão

primeira da missa televisionada como uma das inciativas de cumprimento da missão

evangelizadora da Igreja. Tendo observado de perto a celebração eucarística televisionada a

partir dos documentos da Igreja e do olhar do telespectador católico entrevistado, a presente

pesquisa concluiu sua tarefa apontando uma perspectiva temporária para além dos limites

encontrados na linguagem televisiva, bem como na linguagem litúrgica, para uma concepção

sacramental da missa pela TV. Tais limites inviabilizam hoje qualquer possibilidade de uma

concepção sacramental mediatizada. A natureza do sacramento e o limite da mediação

concorrem para a inércia nesta fronteira, a qual precisa ser desbravada com instrumentos

conceituais alternativos que sejam capazes de trilhar novos caminhos que promovam uma

comunicação mais perfeita desejada por Deus entre ele e o homem, ou seja, a comunhão entre

liturgia sacramental e cultura midiática.

Enquanto a busca científica pela superação dessa fronteira continua, a Igreja vê

claramente a celebração eucarística pela TV como um exímio modelo de evangelização, e a

majoritária aprovação dos fiéis telespectadores parece corroborar essa opção atual da Igreja.

Assim, a pesquisa científica neste campo está absolutamente aberta e de início. Temos no

universo midiático um campo teológico desconhecido, através do qual Deus certamente quer

falar melhor aos seus e aos de boa vontade que habitam a terra. Cabe-nos o enfrentamento

desta empreitada com iniciativa e determinação.

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CAPÍTULO I

A TV EM CONTEXTO DE ESPETÁCULO

Antes de ingressarmos no estudo propriamente dito da relação entre a mídia televisiva

e o culto divino da Santa Missa, propomos uma breve reflexão sobre a própria mídia TV em

suas relações internas com a prática jornalística, para cujo fim ela surgiu em primeiro

momento e do qual se derivou toda sorte de utilidade, como especialmente o entretenimento.

A TV não é uma cultura de comunicação nascida sem território. Ao ser concebida, ela

já encontrou um lastro jornalístico histórico sobre o qual se consolidou. Iniciar por essa base

contextual consideramos imprescindível para uma adequada compreensão da cultura de mídia

chamada TV. Por isso, objetivamos aqui trazer à luz uma breve descrição conceitual sobre o

jornalismo a partir do pensamento e da prática de tendências majoritárias na

contemporaneidade. Observaremos que a perspectiva descritiva tradicional contraposta a uma

observação teórica mais alargada e complexa demonstra em certa medida a crise de

paradigmas conceituais e técnicos que tem desafiado a construção do discurso

midiático/jornalístico, com maior acento desde a metade do século XX até o presente

momento.

A complexidade das relações que estruturam o discurso midiático/jornalístico tende a

encontrar maior profundidade quando o observamos a partir da contribuição temática do

espetáculo, compreendendo o jornalismo como instância de informação indissociável do

sistema de produção da indústria cultural. E nisso verificamos que a TV tornou-se, com o seu

advento, a mídia de maior expoência dessa indústria, e é de fundamental importância destacar

que a programação religiosa, e dentro da qual a celebração eucarística, aparece disputando

espaço nesse ambiente de espetáculo e consumo.

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1. O jornalismo como base conceitual à compreensão da TV

Nosso primeiro passo aqui é apresentar alguns conceitos concernentes ao jornalismo

em geral, buscando apresentá-lo a partir das categorias de informação e opinião e,

posteriormente, destacar suas conexões com o mundo do espetáculo, que se insere de modo

proeminente na TV e sua programação.

A TV é produto de uma era de industrialização da comunicação. Ela está na linha de

produção de um jornalismo cada vez mais pautado na velocidade e na estetização imagética

da informação enquanto produto à venda1. É preciso olhar a TV como lugar por excelência da

complexidade da informação e dos relatos jornalísticos.

Uma primeira característica que destacamos no estudo do jornalismo é a concepção

majoritária de que ele é um produto da era industrial. O pesquisador de jornalismo José

Marques de Melo2 caracteriza tradicionalmente a comunicação como um processo de diálogo,

aproximação, construção de ideias e opiniões e coloca a informação no campo da

unilateralidade, como processo indireto, geral, impessoal e imperativo na “reprodução

simbólica”3 dos meios de comunicação.

O desenvolvimento do jornalismo, desde o seu nascedouro, foi potencializado pelo

poder do capital. A força econômica empregada na produção de bens forjou também as

técnicas de construção da informação. Como produto exemplar desse conjunto produtivo em

vista do lucro, chega-se à elaboração da imagem impressa, que cria novas paisagens para as

narrativas jornalísticas, configurando novas estruturas à indústria da notícia, e que mais tarde

ganhará movimento e cor na tela do cinema e da TV.

O novo ambiente tecnológico do jornalismo passa a sofrer profundas transformações

advindas do desenvolvimento dinâmico da imagem, especialmente cinematográfica, de cujas

produções se destaca a preocupação comercial, tendo em vista que o primeiro objetivo do

cinema era sobretudo fazer espetáculo, promover o entretenimento.

1 Cf. MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial. 2ª ed. São Paulo: Summus, 1988. 2 Cf. MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro [3ª edição revista e ampliada]. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2003. 3 Ibidem, p. 19.

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Pode-se considerar, então, que desde os primeiros instantes da era industrial, onde

consensualmente se situa o nascedouro do jornalismo, já se percebe a inexorável força do

conjunto tecnológico da mídia sobre o texto jornalístico. Pois os próprios meios e suas

técnicas também surgem como consequência das pesquisas idealizadas pela corrida industrial.

Isso demonstra que o modelo de comunicação responde à atualidade do cotidiano social: “o

processo informativo passou a ser na sociedade industrial um processo cultural”4. Hoje, a TV

não se restringe mais a programações fixas de sinal aberto, mas tem conteúdos variados de

canais exclusivos e interativos, também não se transmite mais apenas por grandes e estáticos

televisores, mas está presente no dia-a-dia de crianças, jovens e adultos através de aparelhos

móveis, gerando interatividade em tempo real, permitindo o compartilhamento de conteúdos

múltiplos.

Marques de Melo considera que o jornalismo opinativo estruturou-se como a força

propulsora da comunicação compreendida como atividade coletiva5. Para este pesquisador, o

gênero opinativo define essencialmente a comunicação enquanto ambiente de relacionamento

dialógico.

Como princípio de aproximação ao gênero opinativo, Melo distingue jornal de

jornalismo. Para ele, jornal é o veículo, jornalismo é a “atividade da comunicação coletiva”6

que se realiza neste veículo, como também em outras mídias, como acontece com a TV. O

pesquisador defende enfaticamente a origem opinativa do jornalismo, dado que, segundo ele,

a origem do fazer jornalístico é naturalmente real e racional. Ele propõe que a atividade

jornalística está diferenciada da propaganda e da publicidade pelo recurso da persuasão, ainda

que reconheça a coabitação simultânea dessas distintas atividades em uma mesma mídia.

É imperioso distinguir que são atividades informativas essencialmente diferentes: a fronteira entre elas está no território da persuasão. Enquanto a propaganda e as relações públicas processam mensagens que pretendem persuadir e levar os cidadãos à ação, adentrando muitas vezes o espaço do imaginário e apelando para o inconsciente, o jornalismo atém-se ao real, exercendo um papel da orientação racional7.

4 BAHIA, Juarez. Jornalismo, informação, comunicação. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1971, p. 9. 5 Cf. MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro [3ª edição revista e ampliada]. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2003, p. 41. 6 Ibidem, p. 16. 7 Ibidem, p. 16.

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Fazendo uso da contribuição teórica de Otto Groth, Marques de Melo pondera que, no

conjunto das informações midiáticas, o jornalismo tem sua epistemologia própria, possui

identidade teórica e autonomia metodológica; apoiando-se no conceito de atualidade, também

define a essência do jornalismo como “fluxo de informações”8 que ocorre nos espaços

midiáticos. “... a essência mesma do jornalismo... se nutre do efêmero, do provisório, do

circunstancial, e por isso exige do cientista maior argúcia na observação e melhor

instrumentação metodológica para que não caia nas malhas do transitório”9. Desse modo, o

pesquisador destaca que ...

... o jornalismo é concebido como um processo social que se articula a partir da relação (periódica/oportuna) entre organizações formais (editoras/emissoras) e coletividades (públicos receptores), através de canais de difusão (jornal/revista/rádio/televisão/cinema) que asseguram a transmissão de informações (atuais) em função de interesses e expectativas – universos culturais e ideológicos10.

Observando o pensamento de Roger Clausse11, Melo imagina a informação como

evento, ato, acontecimento que potencializa “uma utilização prática na formação de uma

opinião ou decisão de uma ação adequada”12. Podemos, portanto, pensar na informação como

um fato que possui relevância para a “ação, pensamento ou opinião”13 no sentido de atingir as

expectativas da coletividade.

O conjunto dessas observações conceituais nos dá conta de que, de um lado, a

publicidade e a propaganda vão-se configurando objetivamente no campo das informações

comerciais, ganhando força de persuasão e conquistando espaços cada vez mais disputados

com as atividades jornalísticas. De outro lado, o jornalismo, livre das censuras, vai-se

firmando como “atividade comprometida com o exercício do poder político, difundindo

ideias, combatendo princípios e defendendo pontos de vista, caracterizando-se fortemente

pela expressão de opiniões”14.

8 Ibidem, p. 15. 9 Ibidem, p. 11. 10 Ibidem, p. 17. 11 Cf. Ibidem, p. 18. 12 Ibidem, p. 18. 13 Ibidem, p. 18. 14 Ibidem, p. 23.

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Encontrar o lugar dessas bases políticas do jornalismo é fundamental na

contextualização do fazer jornalístico enquanto produto das relações sociais e espelho das

mesmas. A mesma sociedade que, no século XVIII, com sua Revolução, conquista o embrião

da “liberdade de imprensa”15 ao escapar das “censuras prévias”16, vai, mais adiante, movida

pelo poder do seu capital e, em defesa deste, impor novas regras à prática do jornalismo e

submetê-lo à agressiva economia capitalista que um dia o fez nascer na forma incipiente dos

informes:

... os donos do poder, incomodados pela virulência com que se praticava o jornalismo, atacando, denunciando, combatendo o governo, [procuraram] reduzir o ímpeto da expressão opinativa... A instituição de taxas, impostos, controles fiscais atacava o flanco da sobrevivência econômica. A decretação de limites à liberdade de imprensa dava conta do cerceamento político, estabelecendo o mecanismo da censura a posteriori, ou seja, a punição dos excessos cometidos, nos termos da legislação vigente.Tais restrições fazem medrar o jornalismo de opinião e estimulam o jornalismo de informação17.

Melo faz breve apresentação do jornalismo de informação nos seus gêneros mais

comuns encontrados no Brasil, e que no seu entender se distinguem entre si apenas no

processo de evolução dos fatos:

A distinção entre a nota, a notícia e a reportagem está exatamente na progressão dos acontecimentos, sua captação pela instituição jornalística e a acessibilidade de que goza o público. A nota corresponde ao relato de acontecimentos que estão em processo de configuração e por isso é mais frequente no rádio e na televisão. A notícia é o relato integral de um fato que já eclodiu no organismo social. A reportagem é o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística. Por sua vez, a entrevista é um relato que privilegia um ou mais protagonistas do acontecer, possibilitando-lhes um contato direto com a coletividade18.

A proposta de José Marques de Melo ao classificar as categorias jornalísticas obedece

à seguinte composição:

15 Ibidem, p. 22. 16 Ibidem, p. 21. 17 Ibidem, p. 23. 18 Ibidem, p. 65-66.

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a) Jornalismo informativo: é uma categoria que se compõe dos gêneros nota, notícia,

reportagem e entrevista, cujas breves definições foram acima apresentadas no excerto do

próprio texto do pesquisador19.

b) Jornalismo opinativo: é a categoria constituída pelos gêneros editorial, comentário,

artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura, carta, e outros mais, que em conjunto com as

produções jornalísticas de informação constituem o universo da comunicação contemporânea

e que plasmam a programação da TV em cuja grade também se vê presente a celebração

eucarística, um culto religioso que convive com princípios alternativos20.

A partir dessa breve apresentação dos tradicionalmente chamados gêneros jornalísticos

informativos e opinativos, podemos avançar para a compreensão dos mesmos enquanto

produtos de um jornalismo inserido num contexto de espetáculo, quando o próprio jornalismo

pode se tornar, por força de produção, um subproduto da indústria cultural. É importante

ainda destacar que o jornalismo contemporâneo está marcado pela textura da complexidade e

que já não obedece à risca àqueles padrões tradicionais tão veementemente propostos por

Melo. Assim, os chamados gêneros já não possuem uma definição tão clara no cotidiano das

mídias contemporâneas, mas estão amalgamados a estilos variados de conteúdo e

programação e às vezes apenas subjazem como forma de inspiração ao fazer jornalístico. Essa

complexidade é um vetor importantíssimo na observação da presença da celebração

eucarística no universo midiático atual, especialmente televisivo.

Consideramos, portanto, necessário fazer aqui um oportuno contraponto ao

pensamento tradicional defendido por José Marques de Melo, que embora tenha reconhecido

mérito de precursor nas reflexões sobre este campo de pesquisa no Brasil, apresenta no seu

discurso aqui posto certo determinismo.

Para além da simplificação do discurso jornalístico como de matriz informativa ou

opinativa, Manuel Chaparro vê relações de complexidade nos textos jornalísticos como um

todo, superando a visão seccionista e ideológica das editorias que compõem o discurso de um

órgão de notícias e mesmo das escolas de jornalismo:

19 Cf. Ibidem, p. 65. 20 Cf. Ibidem, p. 65.

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Novas formas de relato. A pesquisa deixou claro que a criatividade jornalística, as interações democráticas, as razões do mercado e as novas possibilidades de linguagem criadas pelas novas tecnologias não são nem estão condicionadas por classificações acadêmicas. A busca da eficácia, tendo em vista o sucesso das ações comunicativas que o jornalismo medeia e implementa, produziu novas intencionalidades e as impôs na utilização das formas discursivas do relato da atualidade.A diversidade de subespécies pouco ou nada tem que ver com o rigor classificatório dos gêneros jornalísticos, entendidos como formas do discurso21.

Essa perspectiva de Chaparro nos lança em observação mais objetiva e aproximada da

complexidade que envolve as relações jornalísticas na contemporaneidade, quando já não

podemos mais considerar aspectos particularizados da produção de notícias como formas

exemplares e ideais a serem seguidas como manuais. Compreendemos assim que tanto as

narrativas da produção de notícias quanto as construções textuais opinativas se entrecruzam

como resultado de opções da instância produtora de informação, e isso se acentua

exponencialmente na grade da TV contemporânea.

Os paradigmas estruturalistas e funcionalistas que, mormente, sedimentaram o pensar

e a prática jornalística nos séculos XIX e XX tornaram-se obsoletos frente às exigências

conceituais e tecnológicas do século XXI, cujas referências são absolutamente novas, pelo

que ainda não são dominadas e muito menos definidas. Consideremos inclusive que domínio

e definição são categorias metodológicas que precisam ser revistas no exercício da pesquisa

epistemológica contemporânea.

O jornalismo como elemento constitutivo da cultura, sujeito e objeto das relações

sociais, acompanha intimamente os reveses da história, suas mudanças, adaptações no tempo

e no lugar de onde fala, assumindo inclusive posições determinadas, embora veladas em vista

de preservar o princípio da independência, acerca do cotidiano em que está inserido. Essa

independência no discurso jornalístico é evidentemente mais um dado da complexidade da

cultura contemporânea que atinge as instâncias produtoras de notícia e seus agentes. Veja-se o

caso relatado por Chaparro:

21CHAPARRO, Manuel Carlos. Sotaques d'aquém e d'além mar: travessias para uma nova teoria de gêneros jornalísticos. São Paulo: Summus, 2008, p. 37.

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Os jornais, como a maioria da população, apoiaram a destituição de João Goulart e a tomada do poder pelos militares. Até o Correio da Manhã, único dos grandes jornais a opor-se de verdade aos militares, havia exigido o afastamento de Goulart, em três editoriais seguidos, antes do levante militar. Os títulos: “Basta!”, “Fora” e “Não pode continuar”.Mas o Correio da Manhã queria a transferência do poder para o sucessor legal, razão pela qual de imediato optou por um jornalismo de oposição22.

A posição do jornal deixa claro que ele não tem como ser imparcial nem independente

do que acontece, porque enquanto mediador, ele também é parte do diálogo que está sendo

travado no espaço social. Tal constatação é de grande relevo quando observamos a missa pela

TV. Produzida ou não, a missa transmitida é influenciada pela emissora, recebe características

determinadas pela dinâmica do grupo de comunicação editor.

Em vista da complexidade das relações sociais contemporâneas que marcam o ritmo

dos discursos jornalísticos defrontados à crise de paradigmas, Chaparro propõe três ideias,

que transcrevemos a seguir, como indicação de possíveis escolhas de observação para

jornalistas e estudiosos da área:

1. É preciso romper, de vez e urgentemente, com o velho paradigma que divide o jornalismo em Opinião e Informação. Por decorrência, romper, também, com os equívocos produzidos por essa fraude teórica no estudo das formas discursivas (chamadas de “gêneros”). Alguns desses equívocos se refletem, por exemplo, na rigidez das fronteiras que, na prática jornalística, separam as formas de Relato das formas de Comentário. 2. As redações dos meios impressos têm o dever de romper os limites do “mundo noticiado”, definidos pelo poder massivo do telejornalismo, e aceitos pelo jornalismo impresso passivamente. Ao delimitar o “mundo noticiado” com o qual trabalha e se realimenta obsessivamente, a televisão cria, ainda que sem querer, a noção de um “mundo não noticiado”, que deveria ser entendido e assumido como desafio pelo jornalismo impresso. 3. Para dar conta do “mundo não noticiado”, e de suas relações umbilicais com o “mundo noticiado”, o jornalismo impresso tem de reinventar formas e combinações para as ações de narrar e argumentar – e isso inclui o resgate criativo da notícia, para papéis sociais diferentes dos que teve na segunda metade do século XIX23.

22 Ibidem, p. 87. 23 Ibidem, p. 223-224.

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Guardadas essas relevantes contribuições de aproximação ao jornalismo, aqui

considerado a estrutura basilar de nossa reflexão sobre a TV, o próximo passo é observarmos

a trama complexa das relações midiáticas televisivas no interior de um contexto jornalístico

de espetáculo, no qual prevalecem as forças de produção econômica com as quais a

celebração eucarística disputa espaço.

2. A cultura midiática televisiva como produto industrial do espetáculo

No advento da era pós-moderna, com a superação dos interesses meramente industriais

e a assunção de valores de consumo cada vez mais sofisticado, a cultura de massa transforma

o jornalismo em espetáculo multifacetado e o público, em consumidor voraz e exigente24.

A edição de jornais e revistas que, nos seus primórdios, possui o caráter de participação política, de influência na vida pública, transforma-se em negócio, em empreendimento rentável. O rádio e a televisão já nascem e se afirmam nesse contexto mercantil25.

A TV passa a ocupar nesse espaço histórico um papel crucial, fazendo o discurso

midiático atingir um nível de relevância jamais experimentado na história da humanidade. E,

com isso, vale dizer que as características do público também se multiplicam à mercê da

oferta de informações. Algumas das características da comunicação pós-moderna são, no

entanto, mais perceptíveis nos países tidos como desenvolvidos. No Brasil, onde a totalidade

da população ainda não tem acesso facilitado aos recursos tecnológicos de alto padrão,

verificam-se apenas alguns grupos sociais mais perfilados com o consumo de massa, uma vez

que a população muito pobre ou miserável não tem poder econômico que lhe permita a

aquisição dos recursos tecnológicos avançados da sociedade de consumo, à exceção da

24 Cf. SANTOS, Roberto Elísio dos. As teorias da comunicação: da fala à internet. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 58. 25MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro [3ª edição revista e ampliada]. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2003, p. 24.

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televisão que construiu no Brasil uma trajetória ímpar, penetrando praticamente a totalidade

dos lares brasileiros. Muito além disso, na realidade, a comunicação de massa, no conjunto

dos efeitos especiais, cria no espaço social contemporâneo um ambiente fictício, uma

ambiência mercantilista de informações produzidas, quase sempre de entretenimento, que

simulam a vida real e são veiculadas em alta rotatividade. Nessa atmosfera, incluem-se

também as produções de programas religiosos, com grande variedade de conteúdos e de

atores midiáticos reconhecidos na qualidade de confissões de fé. A celebração eucarística

aparece nesse contexto ao mesmo tempo como parte e alternativa a essas produções. Como

ilustração disso, tomemos como exemplo as celebrações veiculadas pela Rede Vida, as missas

que são produzidas no espaço próprio da emissora, no santuário-estúdio, e as missas que são

apenas transmitidas a partir de comunidades localizadas em qualquer área geográfica do país

ou fora dele. Se compararmos as missas produzidas com as apenas transmitidas, só o fato de

considerarmos esse dado, se tornará possível perceber a indubitável modificação de formato e

mesmo de conteúdo transmitido, sem falar da presença de patrocinadores, quase sempre

empresas fabricantes ou comerciantes de produtos e serviços religiosos.

Essa condição comercial à qual está submissa a comunicação de massa, especialmente

a televisiva, em vez do progresso social e consolidação da democracia, contribui para a

criação de uma cultura do espetáculo, que fantasia o real e subverte a justiça26, engessa o

espírito e emoldura o rito.

O discurso midiático que para Chaparro é concebido como relato e comentário, já não

decorre mais da espontaneidade dos fatos. É produzido a partir da pauta do mercado em vista

do consumo, e seu estilo, forma e conteúdo nos meios utilizados já são previamente

26 Para melhor compreensão dos efeitos danosos da cultura do espetáculo como ambiência generalizada da comunicação de consumo, cf. Cláudio Novaes Pinto Coelho e Valdir José de Castro (Orgs), Comunicação e sociedade do espetáculo, p. 109-110. Ainda no âmbito dos efeitos da comunicação de massa sobre o indivíduo receptor, Michael Kunczik, Conceitos de jornalismo, norte e sul, manual de comunicação, p. 292-293, propõe que a partir da análise científica desses possíveis efeitos, evidencia-se dos mesmos múltipla característica, viabilizando distingui-los do seguinte modo: “quais efeitos se dão, sob quais condições e sobre quais receptores”, de modo que um efeito não é sempre igual sobre situações e indivíduos diferentes. Para certos receptores, alguns efeitos em determinada circunstância podem ser benéficos, e negativos para outros receptores em outras situações. Kunczik também faz referência ao espaço público macro enquanto receptor dos efeitos da comunicação, e não apenas do indivíduo ou de pequenos grupos isolados, é o que ele chama de macroefeitos, que se encarnam nos meandros políticos relevantes da sociedade como um todo, veja também p. 89-95. Um efeito é, portanto, decorrente da personalidade do receptor, da circunstância em que ele se encontra e do próprio conteúdo que ele recebe.

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elaborados de modo a garantir o espetáculo27, isto é, a fantasia e o prazer do interlocutor em

seu contato com a produção jornalística da TV compreendida em toda a complexidade da

indústria cultural.

O mercado constitui-se a primeira referência da comunicação dita de massa, e não

mais a ética da informação clássica, baseada no humanismo:

O padrão do jornalismo contemporâneo, compromissado com o mercado, abdica dos princípios humanísticos, libertadores e idealistas que residiam na essência do jornalismo clássico28.

A ética econômica capitalista que predomina no ambiente das instituições jornalísticas

tem um fator decisivo na veracidade da comunicação proposta por seus veículos:

O resultado da pressão do mercado e da competição exacerbada entre jornais tem sido o rompimento do “contrato social” entre a imprensa e o público, em que a verdade fica relegada à posição não mais de princípio, mas de artifício do processo da informação. O repórter e o editor rendem-se às graças do marketing e aos imperativos do lucro e submetem a informação ao processo estético da mercadoria, secundarizando a verdade e a cartilha da notícia29.

Essa falta para com a verdade não se reduz à técnica da construção jornalística, mas à

sua finalidade política:

É notório que, embora apregoada como um direito que garante a liberdade de expressão e de opinião para todos os cidadãos, a luta pela liberdade de imprensa não escondeu e não esconde ainda hoje o sutil objetivo das organizações jornalísticas em praticar a liberdade de empresa, isto é, poder competir num mercado capitalista como qualquer empresa capitalista. Camuflados pela sanha histórica da humanidade na busca da liberdade plena, os empresários da informação acabam usando o direito de liberdade de imprensa como estratagema para alcançar seus interesses comerciais30.

27 Veja a definição de espetáculo de Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo – Comentários Sobre a Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 1997, p. 14-15, também referida em COELHO, Cláudio N. P. & CASTRO, Valdir J. de (Orgs). Comunicação e Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Paulus, 2006, p. 14. 28 MARSHALL, Leandro. O Jornalismo na era da Publicidade. São Paulo: Summus Editorial, 2003, p. 56. 29 Ibidem, p. 53. 30 Ibidem, p. 84-85.

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Fica evidente a natureza eminentemente política que o jornalismo assume desde o seu nascimento como processo social31.

A definição clássica da informação como dado jornalístico pauta-se pela verdade

como caráter essencial na conjuntura da comunicação:

A informação é a principal finalidade do jornalismo. Ela deve ser verdadeira e íntegra, descobrindo e comunicando, pela imprensa, pelo cinema, pelo rádio, pela televisão ou outros meios, os fatos que pela sua própria natureza convém sejam públicos e não meramente particulares32.

Se classicamente a comunicação goza da definição de “processo social básico”33, isto

é, de diálogo recíproco em torno de necessidades reais, do qual a informação é elemento

constitutivo preponderante, as implicações da ética econômica capitalista introduzem na

comunicação uma profunda mudança conceitual. O processo comunicacional é reduzido a

uma relação mercadológica, que lhe confere adjetivos de superficialidade e lhe subtrai o

brilho da conceituação original, pondo em perigo a credibilidade das informações tratadas:

A imprensa falsifica informações mediante produções distorcidas, a manipulação dos fatos, a supressão de elementos fantasiosos ou a invenção de acontecimentos ou depoimentos. No fundo, esses exercícios de falseamento demonstram um objetivo básico: favorecer interesses, sejam eles dos jornalistas, da empresa ou do poder econômico ou político34.

A partir da provocação de Marshall, pensamos que possa haver mais que falha de

entendimento no processo de construção do jornalismo, levando a crer que uma produção

jornalística é potencialmente falsa por uma opção proposital, quiçá de cunho sensacionalista.

Vale ressaltar que, em geral, para o receptor/interlocutor, a verdade é o que está na mídia, a

notícia produzida, e não o fato em si, ao qual ele muitas vezes nem tem acesso por outros

meios.

31MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo: gêneros opinativos no jornalismo brasileiro. 3ª edição revista e ampliada. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2003, p. 21. 32 BAHIA, Juarez. Jornalismo, informação, comunicação. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1971, p. 37. Ver também 65-69. 33 Ibidem, p. 73-79. 34 MARSHALL, Leandro. O Jornalismo na era da Publicidade. São Paulo: Summus Editorial, 2003, p. 53.

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Cumpre destacar, então, os fundamentos que dão origem à transmutação35 da

comunicação em espetáculo e da informação em entretenimento:

A matriz do processo de mutação dos paradigmas do jornalismo é uma espécie de ideologia publicitária-mercadológica-liberal pós-moderna. A linguagem jornalística incorpora antes, durante, depois, sob, sobre, intra, inter e trans a palavra, a linguagem e o discurso da racionalidade econômica da sociedade. Não só da razão pura do mercado, mas da estética, do simulacro e do teatro do mercado representados na mercadoria. Na sociedade contemporânea, a informação, a notícia, o jornal e a imprensa em geral são estetizados, marketizados e mercadorizados. A realidade dá lugar à estética da realidade. O esforço da objetividade dá lugar à estética da subjetividade. A apresentação torna-se uma representação protética e artificial. As mutações, enfim, são generalizadas e subvertem as lógicas da comunicação e da informação. O ultramercado, mediante sua ideologia publicitária-mercadológica-liberal, altera o DNA da realidade, em sua essência e em sua aparência, e produz uma estética pós-moderna, transgênica e cor-de-rosa, que domestica os espaços, os corpos, os sentidos e as tangências, bem como sintetiza uma forma de “Renascimento Imagético” que orbita com liberdade na sociedade midiática. O que conforma a realidade e o que determina a verdade é uma derivação da ética da estética, uma ética ultra-ética, estabelecida pela derrisão dos princípios e das matrizes epistemológicas e sociais36.

Marshall defende que a lógica do mercado transformou o jornalismo em produto de

mídia e a comunicação, que antes se caracterizava por uma relação interpessoal, dialógica e

humanizadora, em transação de compra e venda. A produção da notícia atende ao gosto do

público, e não mais a uma necessidade básica sua, aquela da informação, porque o que antes

era informação é agora objeto de entretenimento. Disso resulta o sensacionalismo como

produto da chamada “imprensa cor-de-rosa”37, que suaviza a informação com a estética da

imagem, ocultando as agruras do cotidiano com o retoque à realidade. Ela só é concebida

quando se apresenta, produzida, acabada, fechada, como gênero jornalístico nos meios de

comunicação de massa:

... todos os processos naturais do jornalismo ficam condicionados ao crivo moral, estético e mercadológico do mercado, representado no processo jornalístico pelo seu sujeito, o jornalista38.

35 Cf. Ibidem, p. 36. 36 Ibidem, p. 145. 37 Ibidem, p. 27 38 Ibidem, p. 55.

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O avanço do “processo de colonização da lógica publicitária sobre a lógica

jornalística”39 submeteu o mundo da informação, com todos os seus profissionais, à “ética

hegemônica do mercado e da publicidade”40, de modo que “o principal efeito para o universo

da comunicação é a sua subordinação às regras do livre-comércio”41, onde não se tem medida

nem limite, isto é, nenhum princípio ético de valoração humana, senão e apenas a visão de

ganhos capitais. A constatação de Marshall nos lança diante da TV com um desafio aterrador,

permitindo-nos perceber o quanto a interferência financeira é nociva ao propósito de

evangelizar através da veiculação da missa pela TV, pois o ganho capital acaba assumindo

para si o tempo e o espaço da celebração.

Essa questão ética faz emergirem os limites reais entre o modelo de comunicação

midiática afinada com a lógica publicitária capitalista e o modelo de comunicação que se

pauta em valores morais de humanidade, com os quais a Igreja não cessa de se preocupar e

defender. Enfático, Marshall declara que

a ética da estética transcende a ética e a estética e estabelece uma verdadeira patologia jornalística, que, em metástase, espalha-se pela cultura e pela sociedade da comunicação e da informação42.

A partir da concepção original de Guy Debord43, a sociedade contemporânea,

fundamentada em cadeias produtivas capitalistas de artifício, é apresentada por Cláudio

Coelho e Valdir Castro como “sociedade do espetáculo”44, cujas relações repousam sobre

trocas culturais marcadas pelo fetichismo de “informações-mercadoria”45 de entretenimento,

que substituem o fato natural pela sua representação e aparência produzida na imagem

fantasiosa da notícia:

39 Ibidem, p. 89. 40 Ibidem, p. 89. 41 Ibidem, pp. 88-89. 42 Ibidem, p. 167. 43 Cf. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 44 Ibidem, p. 13. 45 Ibidem, p. 28.

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O mundo inteiramente dominado pela economia é o mundo espetacularizado: a representação da realidade aparece como realidade separada. A alienação é simultaneamente material e intelectual (cognoscitiva). Se as relações mercantis são a única forma de relação social possível, a alienação presente no processo de produção estende-se a toda a vida social46.

Essa imagem fantasiosa do real é um perigo que ameaça gravemente toda construção

jornalística e, por conseguinte, toda a grade de programação midiática da TV. A celebração

eucarística, enquanto culto religioso exposto à mídia, pode ser vítima desse perigo, como

adverte Alberto Klein47. Aprofundaremos melhor esse ponto de observação na conexão do

espaço midiático com a celebração eucarística, considerando inclusive os aspectos teológicos

dessa conexão.

A consequência da desterritorialização do real na mídia é o aviltamento da ética

jornalística baseada no princípio da comunicação dialógica, cuja reflexão e preocupação

estavam originalmente voltadas para as relações de cidadania e de manutenção da identidade e

dignidade humana: “não se engana o homem, quando se reconhece superior às coisas

materiais e se considera como algo mais do que simples parcela da natureza ou anônimo

elemento da cidade dos homens”48. A informação-mercadoria, subtraindo ao receptor a

faculdade de pensar e refletir, envolve-o na teatralidade da violência e emoção do fetiche: “ao

sentir que participou do acontecimento, talvez até chegar às lágrimas, então, aquele

acontecimento terá se tornado real porque a pessoa o vivenciou”49.

Diversamente do que se apresenta como senso comum, o espetáculo não é uma peça

artística isolada num contexto social à qual o espectador apenas assiste. Compreendido por

Coelho e Castro, o espetáculo sintetiza as relações sociais como teatralidade, da qual o

espectador também é ator e assume papel significativo enquanto elemento constitutivo da

cadeia mercadológica da indústria cultural, não somente como consumidor, mas também

como vítima de uma comunicação a cujo produto ele pode não ter acesso:

46 COELHO, Cláudio N. P. Introdução: em torno do conceito de sociedade do espetáculo. In: COELHO, Cláudio N. P. & CASTRO, Valdir J. de (Orgs). Comunicação e Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Paulus, 2006, p. 16. 47 Cf. KLEIN, Alberto. Imagens de culto e imagens da mídia: interferências midiáticas no cenário religioso. Porto Alegre: Sulina, 2007. 48Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 554. 49 PATIAS, Jaime. O espetáculo no telejornal sensacionalista. In: COELHO, Cláudio N. P. & CASTRO, Valdir J. de (Orgs). Comunicação e Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Paulus, 2006, p. 99.

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O espetáculo é a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta em sua plenitude o substrato de todo sistema ideológico: o empobrecimento, a sujeição e a negação da vida real, provocados pelo sistema capitalista50.

O culto à imagem é uma referência explícita ao dinheiro, estando no mesmo plano o

poder e o gozo, tema abordado em Videologias por Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl, para

quem o sistema produtivo capitalista camufla-se, quanto à sua face excludente, escondendo as

consequências de suas relações estritamente mercadológico-parasitárias, na produção de

imagens que fantasiam a realidade. Tomando a TV como mídia protagonista, Bucci e Kehl

demonstram que a imagem “fechada, espetacularizada”51 aprisiona e embala a realidade como

produto de consumo, através do artifício da ficção, em vista de atender à demanda de uma

sociedade que se articula por meio de gêneros jornalísticos informativos pautados na ética do

fetichismo. A sociedade do consumo fetichista usa da violência e do exibicionismo como

expressões vigorosas de sua indústria cultural que concentra na mídia o ambiente do poder

político-econômico. Esse ambiente midiático construído sobre o fetiche, entretenimento e

espetáculo, traz profundas consequências éticas e políticas sobre o papel estético e pedagógico

da comunicação.

Alienação e fetichismo são conceitos constitutivos das teorias de Marx e Freud e estão

relacionados à transformação dos produtos do trabalho humano em mercadorias. Em processo

perverso, a mercadoria ganha contornos de humanidade. O ser humano é coisificado e as

coisas são humanizadas.

O que nos diferencia hoje de outros períodos da modernidade é a espetacularização da imagem e seu efeito sobre a massa dos cidadãos, indiferenciados, transformados em platéia ou em uma multidão de consumidores da (aparente) subjetividade alheia. Na sociedade contemporânea, a estreita ligação entre o mercado e os meios de comunicação de massa é evidente, e necessária. Nesta “sociedade do espetáculo (...) a mídia estrutura antecipadamente nossa percepção da realidade, e a torna indiscernível de sua imagem estetizada” (Guy Debord, La société de l’espetacle, apud S. Žižek, Um mapa da ideologia, Rio de Janeiro, Contraponto, 1996). A mídia produz os sujeitos de que o mercado

50 CASTRO, Valdir J. de. A publicidade e a primazia da mercadoria na cultura do espetáculo. In: COELHO, Cláudio N. P. & CASTRO, Valdir J. de (Orgs). Comunicação e Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Paulus, 2006, p. 115. 51 BUCCI, Eugênio & KEHL, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 67.

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necessita, prontos para responder a seus apelos de consumo sem nenhum conflito, pois o consumo – e, antecipando-se a ele, os efeitos fetichistas das mercadorias – é que estrutura subjetivamente o modo de estar no mundo dos sujeitos. A exaltação do indivíduo como representante dos mais elevados valores humanos que esta sociedade produziu, combinada ao achatamento subjetivo sofrido pelos sujeitos sob os apelos monolíticos da sociedade de consumo, produz este estranho fenômeno em que as pessoas, despojadas ou empobrecidas em sua subjetividade, dedicam-se a cultuar a imagem de outras, destacadas pelos meios de comunicação como representantes de dimensões de humanidade que o homem comum já não reconhece em si mesmo. Consome-se a imagem espetacularizada de atores, cantores, esportistas, e alguns (raros) políticos, em busca do que se perdeu exatamente como efeito da espetacularização da imagem: a dimensão, humana e singular, do que pode vir a ser uma pessoa, a partir do singelo ponto de vista de sua história de vida52.

A contribuição dos autores acima faz saltar aos olhos ministros de Deus como artistas

e celebrações eucarísticas como shows, porque é exatamente nisso que não raro o espetáculo

televisivo os transforma. Essa percepção recobra a epistemologia dos signos em Barthes no

seu texto Mitologias, em que ele trabalha o sistema semiológico e sua capacidade de criação,

produção, de mitos. Para Barthes, “o mito tem efetivamente uma dupla função: designa e

notifica, faz compreender e impõe”53. O império da imagem e a tirania da fantasia, do gozo,

são decorrentes da ideia mercadológica capitalista, são produtos da indústria cultural liberal:

A semiologia nos ensinou que a função do mito é transformar uma intenção histórica em natureza, uma eventualidade em eternidade. Ora, este processo é o próprio processo da ideologia burguesa. Se a nossa sociedade é objetivamente o campo privilegiado das significações míticas, é porque o mito é formalmente o instrumento mais apropriado para a inversão ideológica que a define: a todos os níveis da comunicação humana, o mito realiza a passagem da antiphysis para a pseudophysis54.

A compreensão de Barthes permite cogitar que o processo de despolitização que o

mito realiza nos fatos sociais mediatizados pelos veículos de comunicação, evidencia-se nas

produções jornalísticas e de entretenimento que, a partir do mercado do gozo e seu

sensacionalismo, extraem da produção midiática a sua carga de reflexão ou incomodidade

oriundas da realidade. A fantasia da vida real exerce, então, sobre a pessoa individualizada, 52 Ibidem, pp. 66-67. 53 BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Difel, 2003, p. 208. 54 Ibidem, p. 234.

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culturalmente criada para ser potencial consumidora, o seu poder imagético vertiginoso,

violento, tirânico.

Exemplos extremamente significativos da coisificação da pessoa sob o poder tirânico

do espetáculo são apresentados por Ignácio Ramonet em seu texto A Tirania da

Comunicação, onde ele descreve a busca desvairada pelo sensacionalismo da notícia-

escândalo e de futilidades, com a voracidade da imagem televisiva pela informação-

mercadoria em vista de audiência. Presentificando o efeito mitológico e fetichista da imagem

das imagens, a transmissão direta, instantânea, cria o efeito de verdade. Ele exemplifica a

cobertura que a mídia fez do acidente que cerceou a vida da princesa Diana e do caso Clinton-

Lewinsky, em que se perderam todos os princípios da deontologia, se transgrediram todos os

fundamentos morais e se subverteram todas as recomendações éticas55.

A World Culture (tendência mundial ao cultivo de imagens sensacionalistas,

fantasiosas) é o mais recente produto cultural que se estabelece como ambiência social da

comunicação contemporânea. Ramonet destaca dessa cultura de informação a fábrica de

escândalos e fantasias para atrair e despertar interesse no público, especialmente na TV, cujo

conteúdo informativo e de entretenimento também é notícia. A World Culture ainda encontra,

contudo, certa resistência no seu assédio ao usuário de Internet, por ser este espaço na

atualidade uma frente de horizontalização do poder, onde a pessoa ainda tem opção de escolha

e pode exercer, dentro dos limites e filtros dessa cultura midiática global da rede de

computadores, uma possível cidadania e estabelecer uma censura democrática, quiçá

recuperando traços de uma identidade totalmente perdida nas imagens fechadas da televisão.

A horizontalidade que marca as comunicações do ambiente virtual da rede de computadores

abriria aqui a discussão sobre uma possível democratização da mídia através da internet, ou

seja, a multimídia.

Considerada a democratização da comunicação como possibilidade remota, o que se

tem na atualidade é a contaminação do ambiente virtual com o acúmulo de informações que

geram lixo letal nas mídias ditas eletrônicas, rádio e TV:

Ninguém se lembrou que hoje em dia a informação televisionada é essencialmente um divertimento, um espetáculo. Que ela se nutre

55 Cf. RAMONET, Ignacio. A Tirania da Comunicação. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 8-20.

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fundamentalmente de sangue, de violência e de morte. E isto mais ainda devido à concorrência desenfreada entre as emissoras que obrigam os jornalistas a buscar o sensacional a qualquer preço, a querer ser, cada um deles, o primeiro no local e a enviar de lá imagens fortes56.

Michael Kunczik, abordando a publicidade como produto da indústria cultural

capitalista que sintetizou as relações sociais sob a forma de comércio, constata que “a

ideologia desgastou-se na idolatria do status quo e do poder, ambos controlados pela

tecnologia”57. Isso implica dizer que a realidade se tornou prisioneira da técnica e de sua

virtualidade como características predominantes de uma sociedade fundamentada nas relações

econômicas. Como viabilizar então o espírito eucarístico e o vigor da Palavra de Deus nesse

ambiente dominado pelo poder econômico que determina seu tempo e espaço? Como não

sucumbir à fantasia urbana das facilidades, mas fazer da cultura midiática da TV oportunidade

de encontro entre irmãos na fé? São questionamentos que instigam nossa busca teológica.

Às voltas com a estrutura sociocultural contemporânea pautada na tecnocracia da

informação, o homem urbano vive imerso num mundo espetacular do qual ele não tem

alternativa de escape, uma vez que o ambiente que o cerca é produto de suas próprias

escolhas, individuais e coletivas, como Cremilda Medina destaca em sua análise sobre a

informação como produto das circunstâncias industriais, nascidas de uma opção econômica

do homem urbano:

... os próprios avanços tecnológicos fazem parte das necessidades da industrialização, ou que reforça a informação, no caso, jornalística, como decorrência normal do sistema econômico que está na base. Há então a considerar a informação como outro produto, mais um, desse sistema. Nesse momento, é preciso examinar o problema no seu enquadramento geral: informação jornalística como produto de comunicação de massa, comunicação de massa como indústria cultural e indústria cultural como fenômeno da sociedade urbana e industrializada58.

56 Ibidem, p. 101-102. 57KUNCZIK, Michael. Conceitos de Jornalismo: Norte Sul - Manual de Comunicação. São Paulo: EDUSP, 2002, p. 86. 58MEDINA, Cremilda. Notícia, um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial. 2ª ed. São Paulo: Summus, 1988, p. 16.

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Assim, a relação estabelecida entre comunicação e espetáculo se vê envolvida por uma

opção de modelo. No caso da comunicação contemporânea predominante na mídia, se verifica

claramente um modelo econômico liberal plenamente perfilado com a indústria cultural do

entretenimento que submete as relações sociais ao império do hedonismo. O cotidiano do

ambiente midiático tende a produzir o que parece agradável ao público, como destaca Medina,

discutindo as correntes teóricas que se encarregaram de selecionar, explicar e padronizar as

técnicas de mídia em seu nascedouro elaborando leis para a comunicação a partir de filtros

econômicos:

... o gosto do público. Temos então uma seleção regulada pelos interesses do consumidor. Há uma escala teórica já relativamente bem estabelecida: seja na perspectiva afetiva das emoções primárias que exigem certos conteúdos, na esfera racional que pede informações originais ou no âmbito da vontade de um público que quer estar informado para participar, os interesses representam para a notícia um termômetro indispensável. E é em torno desta identificação da mensagem com o gosto do público, que se teoriza o critério da proximidade da informação59.

Analisando as teorias comuns acerca da construção midiática que ainda predominam

na contemporaneidade, mesmo que seus limites estejam cada vez mais se demonstrando

superados, Medina mostra no seu discurso a tessitura interna da indústria da notícia, o

cotidiano dos profissionais e seus embates com as teorias, práticas e técnicas da produção

informativa, e descobre que nesse universo industrial, o jornalista nem sempre é sujeito no

processo de industrialização da notícia:

... assim como o brasileiro alfabetizado médio, também o produtor de informação não pesquisa a história de sua cultura, a história de seu povo, a história da sociedade em que está inscrito como canal e agente de comunicação60.

O processo espetacular do mercado parece ingerir indistintamente a todos os membros

do sistema, não fosse a opção pessoal de cada indivíduo de constituir ou não parte da cadeia

produtiva:

59 Ibidem, p. 20. 60 Ibidem, p. 142.

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O profissional e o empresário dos meios de comunicação se inscrevem no amplo contexto da sociedade, sofrem todos os condicionamentos estruturais e conjunturais do Brasil histórico e do Brasil de hoje, bem como a situação do Terceiro Mundo em que o país, por sua vez, se insere. A nível de indústria cultural e a nível de produção técnica não escapam também às conjunturas contemporâneas internacionais. O esforço para eliminar os descompassos tem privilegiado, como já foi dito antes, a tecnologia. Com isso, poucos investimentos têm sido carreados para os recursos humanos que produzem a informação – o jornalista ou o comunicador social61.

A fixação no processo técnico produtivo impediu por muito tempo aos produtores da

notícia de se verem como sujeitos construtores da comunicação, aprofundando a distância

entre eles e seus interlocutores, ambos vistos pela indústria através do filtro das cifras. O ápice

desse processo é o que as mais recentes contribuições teóricas compreendem por

complexidade, quando já não observamos mais a sociedade e suas relações estritamente como

resultantes de um processo sistemático da cadeia econômica, mas também de uma agenda

global movida e recriada a todo instante por suas intermitentes invenções e reinvenções que

envolvem a totalidade das relações sociais.

Essa agenda global reestrutura a pauta política e econômica do mundo todos os dias e

põe em xeque aqueles paradigmas outrora tão precisos e defendidos pela técnica industrial

como infalíveis. A formulação dos discursos midiáticos, como parte daquelas técnicas, vê-se

imersa num mundo de incertezas e inseguranças que a lançam no desafio de reconquistar seu

espaço no espectro das relações sociais, inclusive e principalmente, a partir da reflexão

teórica:

O tema da epistemologia – a ciência que pensa a ciência – assume, pois, o lugar e importância decisivos na “era das incertezas”, de crise do pensamento. O sentimento de perda de rumo, insegurança, angústia intelectual e existencial que a crise gera, aguça os espíritos mais rebeldes, atiçando sua criatividade. Opção possível, estudiosos e cientistas de diversos saberes se reúnem para a troca de ideias, o diálogo de posições, a comunhão possível, tentando romper o isolamento causado pela tradição científica fragmentalista62.

61 Ibidem, p. 143. 62KÜNSCH, Dimas Antônio. Maus pensamentos: os mistérios do mundo e a reportagem jornalística. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2000, p. 56.

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O esforço conjunto de redescobrir caminhos em meio à crise de paradigmas tanto

técnicos quanto teóricos relança à pesquisa os estudiosos e os profissionais da comunicação.

A saturação do tecnicismo, que já não dá conta das demandas do relacionamento social

contemporâneo, abre espaço para alternativas do pensar e do tecer o discurso midiático.

Alternativas há, porém, ainda indefinidas, sem a clareza tão paradigmática dos caminhos de

outrora:

É crise do pensar, explicar, tentar entender. É crise de práticas e estratégias de ação. É também crise de grandes instituições, ontem mais sólidas que hoje, ansiosamente à procura de novas identidades, num mundo em rápidas mudanças. Para vencer a angústia e o sentimento de derrota que acompanham toda crise, sempre pode ser útil e interessante insistir na lembrança do seu caráter de novidade e promessa. Apenas como exemplo: a crise da idéia de progresso ilimitado, por meio do domínio da natureza, cede vez a novas mensagens e práticas, de tipo ecológico. Ferida ainda, mas confiante, a natureza agradece. A vida agradece, feliz da vida63.

Esse olhar largueado de Dimas Künsch sobre os caminhos traçados pela sociedade

contemporânea é igualmente animador no campo da produção televisiva que, embora ainda

conserve muito das tradições de bases jornalísticas tecnicistas no formato e no conteúdo de

suas transmissões, tais estruturas técnicas já não têm mais aquela força tão proeminentemente

estratificadora de meados do século passado. Isso acontece, por exemplo, com as chamadas

editorias das programações jornalísticas, em que uma temática pode perpassar várias

programações editoriais sendo abordada de diversas perspectivas. Esse modo globalizante de

visão sobre uma matéria jornalística já é fruto das redescobertas e experiências da

contemporaneidade, marcada pela multiplicidade não só dos assuntos temáticos da imprensa

como também da variedade de abordagem que se dá a esses assuntos. Essa novidade deixa

entrever o retorno daquela preocupação primeira do lugar do sujeito na construção do discurso

midiático, quem é ele, onde ele está, o que está dizendo, quais seus interesses.

Transitando do conceito às técnicas do jornalismo, ao qual creditamos a base

contextual e situação sobre a qual se edificou a mídia TV, imaginamos que o profissional da

comunicação, o jornalista/programador, seja o ponto-chave na discussão sobre a crise

63 Ibidem, p. 50.

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paradigmática, e também ética, do pensar e do fazer comunicação na contemporaneidade.

Cremos que esse profissional pode e deve construir seus discursos realmente de modo mais

independente à medida que conseguir distanciar sua prática dos limites rígidos dos conceitos e

da força exclusiva da instância financiadora do seu trabalho; à medida que se permitir

experimentar fundir seus conhecimentos técnicos, teóricos, acadêmicos em equilibrada

relação entre os interesses dos telespectadores, os seus e os da instituição noticiosa. Pois, se

for certo dizer que o jornalismo não sobrevive sem os parâmetros da mediação dos conceitos e

da dinâmica do sistema econômico, também é certo que inexiste quando uma produção

noticiosa cala o jornalista e intoxica o telespectador com as superficialidades do espetáculo.

A insistência que fazemos em ver a TV a partir da conceituação de produções

jornalísticas traz consigo o anseio de evidenciar o processo histórico no qual a mídia TV se

insere e fora do qual ela não pode ser concebida. Toda a sua estrutura de produção e os seus

formatos passam pelo delineamento do jornalismo entendido como instância propulsora maior

de qualquer veículo de comunicação. A TV hoje é mais que um veículo, mais que uma mídia.

É uma cultura.

Todo o apanhado dessa perspectiva contextual tencionou preparar aos nossos olhos a

apresentação da TV como mídia histórica construída a partir do progresso tecnológico

industrial e que adquire no universo midiático contemporâneo uma linguagem própria.

3. A televisão como veículo de comunicação

A TV é apenas uma mídia, um meio, mas como tal possui uma linguagem própria.

Nesses seus 90 anos de criação, a TV propiciou à humanidade uma experiência inédita: ver-se

e ouvir-se simultaneamente. Situada numa trajetória de invenções industriais e culturais,

ganhou elementos comunicacionais que herdou da mídia impressa, do rádio, do teatro e do

cinema, muitas vezes confundindo-se com essas mídias, especialmente o rádio, do qual

herdou a programação contenudística, e o cinema, do qual herdou a arte de roteirizar e

produzir imagens.

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Já de início é preciso usar de muita clareza quanto a esta incursão sobre a temática da

mídia televisiva. A perspectiva histórica da TV nos traz um grave problema, ela é nova e os

estudos científicos no Brasil ainda são incipientes sobre sua constituição enquanto mídia: “o

tema é recente, e a bibliografia, escassa, o que nos obrigou a entrar no debate e a participar de

inúmeros seminários”64. Há, porém, muitos ensaios que abordam os efeitos midiáticos em sua

relação com o social e o político, como vimos sobejamente nos tópicos anteriores sobre a

economia midiática, o jornalismo, o espetáculo, e que aqui vão nos ajudar a entender de modo

mais particularizado a mídia TV. Desejamos, com isso, submeter a mídia televisiva a objeto

de estudo científico em si mesmo, com abordagens específicas mais sistematizadas. Sabemos,

no entanto, que o mundo da TV é muito cheio de presunções operacionais, mais do que de

objetividade.

Buscaremos, no entanto, apresentar a TV a partir de contribuições de autores que,

mesmo com inúmeras dificuldades, atreveram-se a pesquisar o tema e nos brindar com suas

reflexões. Consideramos essas poucas palavras sobre a televisão de alta prioridade, porque é

nessa mídia que de algum modo a Igreja tem celebrado sua fé com um alcance jamais

experimentado na história e através da qual o povo de Deus tem se encontrado com a

mensagem do Evangelho.

A televisão não é apenas um aparelho de transmissão ou recepção de sinal codificado

que nos permite ver imagens se movendo e ouvir sons produzidos concomitantemente, ou

ainda, a grade de programação apresentada por determinado canal.

A televisão é muito mais que um aparelho, muito mais que um sistema de transmissão. É também muito mais que os programas que esse aparelho exibe. A televisão é o encontro dos programas com seu público. Robert C. Allen, no ensaio “O trabalho em e sobre Dancing withthe Stars”, afirma que o estudo de textos ou programas de televisão requer que se examine o modo como eles estão situados nos contextos de sua produção, circulação, audiência e recepção. [...] a “análise” consiste em tentar estimar, de alguma maneira, o seu efeito [do contexto social atual] na experiência desse objeto [o texto/programa de televisão]”. Robert C. Allen. “O trabalho em e sobre ‘Dancing with Stars’”. Cadernos de Televisão, Rio de Janeiro, n.2, 2008. Ou seja, para entender a televisão temos também de entender como o público recebe a programação... resumindo, eu destacaria algumas características dos formatos de televisão: ela é mais jogo do que narrativa, mais fluxo do que

64 CANNITO, N. A televisão na era digital. Interatividade, convergência e novos modelos de negócio. São Paulo: Summus, 2010, p. 5.

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arquivo, está mais para a arte pop do que para a arte clássica, trabalha com séries e com processos vivos (e não com produtos prontos). Por fim, a televisão não é teatro, não é cinema, nem internet. É uma mistura de circo e rádio65.

Essa proposta de abordagem de Allen que Cannito apresenta é o que nos propomos

fazer no terceiro capítulo deste estudo, quando analisaremos a pesquisa de campo efetuada

com a finalidade de conhecer, de modo mais particular, como os produtos religiosos da

televisão estão sendo percebidos pelos telespectadores fiéis que assistem e talvez acreditem

estar participando das celebrações eucarísticas televisionadas. Quando Cannito fala da

televisão como “mistura de circo e rádio”66, somos imediatamente remetidos aos tópicos

anteriores deste capítulo onde trabalhamos à saciedade o tema do espetáculo na mídia, através

do filtro jornalístico. Não é só a TV que tem essa prerrogativa de fantasiar o real, mas ela é

seguramente a mídia mais afinada com esse discurso. Precisaremos divisar nesse campo a

produção e/ou a transmissão da celebração eucarística, buscando localizar seu espaço nesse

universo ideológico de atmosfera saturada de relações comerciais.

A televisão é política e atua diretamente sobre o campo social. Ela cria e edita

informações, ela mesma é notícia, um produto comercial. A televisão é antes de tudo uma

instituição noticiosa e de entretenimento, e, como temos visto ao longo deste estudo, antes

este do que aquela. Sua linguagem obedece a uma liturgia, um arranjo, um enredo, uma

narrativa. Embora o conjunto técnico da televisão elabore um roteiro criterioso que envolve

luz, som e captação, o tecido linguístico da TV se entretece a partir de mitos, verdades e falas

do senso comum. A fala da televisão é de domínio comum do telespectador, de fácil acesso e

assimilação. O corpo profissional atualiza-se a todo o momento no estudo de campo de seus

receptores para estar na ordem do dia da fala do povo e oferecer a ele o que está na moda. A

ludicidade tem esse aspecto de instantaneidade, contemporaneidade, e a fala da TV pauta seu

roteiro a partir desse ponto conceitual.

Com uma linguagem polida e criteriosamente selecionada para cativar e prender a

atenção do telespectador, a TV procura ser lúdica, atraente, e com isso, ela cria a magia do

jogo, de modo que ao mesmo tempo em que o telespectador vê a vida na TV, essa mesma

vida adquire tons e sons diferenciados que a tornam mais fácil de ser vivida como se a própria 65 Ibidem, pp. 40-41. 66 Ibidem, p. 41.

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vida se tivesse submetido a um roteiro de arte. Em muitos casos, a vida real chega a ficar de

fato em segundo plano.

Os estudos acadêmicos sobre a recepção da televisão nos anos 1990 mostram que esse aparelho se firmou no Brasil como fonte de lazer presente em todas as classes sociais, com influência em telespectadores de todas as idades. Em cidades pequenas e médias, a TV passou a dominar o horário noturno, chegando a normatizar a vida das pessoas, definindo o horário do jantar para antes da novela e reuniões sociais para depois dela67.

Uma linguagem que seja sempre atraente não é fácil de ser mantida. O profissional da

TV sabe que para fidelizar os telespectadores ele também precisa entrar no jogo. Muitas vezes

a emissora não tem sorte na sua produção, mas quando ela se atreve a investir mais pesado na

criação e conservar os padrões de qualidade dos programas acaba ganhando a confiança do

público. E ganhar a confiança do público é sinônimo de bilhões em cifras. A TV é a mídia

mais cara do mundo. Entre horários nobres e programas especiais produzidos especialmente

para ela, seus investidores lucram ou perdem muito a cada ano.

Qualquer emissora que realmente deseje crescer, deve se preocupar em fidelizar o público... Em médio prazo, o sucesso será de quem conseguir realizar obras de qualidade, pelas quais o público realmente se apaixone e que marquem seu imaginário... [no caso da Globo], o público se lembra de grandes novelas do passado da emissora e espera que a que se inicia tenha a mesma dimensão. Por isso, os telespectadores têm mais “paciência” com a Globo do que com as outras emissoras. Resta a elas... investir sistematicamente em qualidade, conquistando um público fiel a suas obras68.

Se pensarmos no caso das emissoras católicas, é perceptível o avanço que tiveram na

última década em todo o Brasil, na qualidade e em número. A Rede Vida ampliou sua rede de

retransmissão e a ela se juntaram canais estreantes no cenário midiático como a TV Aparecida

e a TV Canção Nova, que somaram forças na cobertura do espaço brasileiro com a TV Século

XXI, a TV Horizonte, a TV Nazaré, a TV PUC Rio e outras de menor alcance. O

investimento financeiro na área da televisão é astronômico, e mesmo assim, tendo de lidar

com cifras milionárias a cada mês, as TVs de inspiração católica têm sobrevivido aos canais

estritamente comerciais e aos de outras denominações religiosas. A permanência desses

canais no ar revela a existência de um público fiel mantenedor dessas emissoras, que

67 Ibidem, p. 59. 68 Ibidem, pp. 61-62.

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inclusive, na maioria dos casos fazem campanhas para arrecadar doações dos telespectadores

para esse fim. Sabemos que, na verdade, o correto seria elas serem capazes de se manter pela

criatividade e qualidade de suas produções, que em nosso caso, precisariam traduzir em sua

linguagem a mensagem do Evangelho com uma qualidade tal que as mantivesse em operação

como as demais. Ou seja, as TVs de inspiração católica ainda têm de percorrer um longo

percurso de profissionalização que as leve a elaborar produções de qualidade que fidelizem

seus receptores.

O receptor, como pudesse sugerir esse termo, não é passivo à programação da TV,

ocorre uma relação cognitiva com a produção que ele assiste. É o que Cannito defende ao

comentar uma pesquisa de opinião sobre a relação que o telespectador brasileiro mantém com

a televisão. A pesquisa, na qual foram ouvidas dez mil pessoas, foi realizada pelo Instituto

Datanexus em São Paulo, em 2003. Achamos por bem apresentá-la para também tecermos

alguns comentários a partir de seus dados.

1. Satisfação com o modo como assiste TV?69 Satisfeito – 71% Insatisfeito – 29%

2. Costumo ver TV sozinho ou acompanhado? Sozinho – 38% Acompanhado – 62%

3. Prefere assistir à TV sozinho ou acompanhado? Sozinho – 40,6% Acompanhado – 59,1% Tanto faz – 0,3%

4. Por que prefere assistir à TV sozinho? Entender melhor – 41% Quer sossego – 32% TV só pra mim – 27%

5. Por que prefere assistir à TV acompanhado? Troca de ideias – 66% Quer vibração – 20% Estar com a família – 14%

6. Resumo da motivação Entender/trocar ideias: 50,2% (cognitivo) Sossego/vibração: 31,6% (fruição?) Estar só/família: 18%

69 Ibidem, pp. 64-65.

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Consideremos que essa pesquisa se realiza no grande centro urbano do país, e de algum

modo retrata a vida em São Paulo. Certamente teríamos alguma diferenciação de números se

tivessem sido tomadas pequenas e médias cidades. O elevado número de pessoas sozinhas que

assistem a TV em São Paulo dá-se por vários fatores que a pesquisa não traz, mas que se

revelam nos poucos momentos que os paulistanos tem de ficar à frente da TV durante a

correria do dia-a-dia. A família se mostra fragmentada. Quem está em casa, por vezes, está

desempregado ou aposentado. Mas se percebe na pesquisa que o movimento tendente é de que

quem assiste a TV deseje estar gozando desse momento com alguma companhia,

provavelmente para estabelecer uma conversa, ou sobre o que se vê na TV ou sobre outros

assuntos da vida, diante dos quais a TV passa a ser apenas mais uma interlocutora, alguém

que está ali falando e que de vez em quando ganha atenção dos receptores que dialogam entre

si.

O número de pessoas satisfeitas ao assistir a televisão é muito grande, mas não é

desprezível o número dos insatisfeitos. Isso aponta para uma série de condições: a falta de

conteúdo que agrade ao telespectador, a qualidade da produção, a ausência de um interlocutor,

o tempo disponível, as condições físicas onde o telespectador se encontra, a qualidade do sinal

de transmissão... Esse tópico evidencia que, por mais que a televisão tenha um alcance

majoritário nos lares brasileiros, há algo a ser melhor equipado na sua relação com seu

público. É preciso levar em consideração que hoje mais de 187 milhões de brasileiros têm

acesso à TV pelo celular70, 41 milhões tem acesso a canais por assinatura, uma evidência de

que no Brasil ter acesso à TV é uma prioridade que, por vezes, antecede a saúde, com

saneamento básico de água tratada e esgoto. Esse tratamento vip que o brasileiro dá à TV

explica a grandeza de uma pesquisa como esta que movimentou dez mil entrevistados e um

desconhecido número de profissionais e de cifras envolvidos na sua realização.

Essa prioridade que o telespectador brasileiro devota à TV talvez revele o seu anseio

de algum modo tomar parte num diálogo, mesmo que seja lúdico, sobre um determinado

programa ou outro fato midiático presente no ar. O brasileiro, com isso, deseja mostrar que

quer ser visto e ouvido, e a tela mágica da TV parece ser o lugar ideal para isso. A TV

consegue suscitar debates, conversas, motivar assuntos, causar polêmicas, evidenciar temas de

70 Cf. Ibidem, p. 107.

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difícil abordagem, marcados pela violência e pelo preconceito. Nesse ponto, se satisfazem os

desejos do público de interagir o quanto possível com a produção da TV, o que se torna nos

dias de hoje mais acessível dada a interatividade que a TV digital tem proporcionado aos lares

que já possuem acesso a essa recente tecnologia que ainda está se implantando no Brasil.

A chegada da TV digital no Brasil promete trazer o aprofundamento dessa dialogia,

essa interação cada vez mais próxima do telespectador com a televisão. Mas é preciso ter em

conta que a televisão é uma instituição midiática e que, como qualquer mídia, possui um

discurso próprio que norteia suas produções. Desse modo, não deve haver ilusão de que a

digitalidade vai mudar esse padrão. A TV tem se tornado até aqui cada vez mais dialógica,

mas não democrática.

O debate sobre as formas de participação da audiência é fundamental, mas esconde um grande perigo: esquecer que a televisão em si tem um texto, elabora um discurso. É esse discurso que pode abrir mais ou menos espaço para a real participação da plateia. Esse debate é o mesmo da teoria literária e foi muito bem equacionado por Bakhtin, em livros como Problemas da poética de Dostoiévski (2002)71.

A participação do telespectador, porém, só se dá efetivamente quando ele tem acesso a

um papel democrático na televisão que assiste, isto é, quando lhe é possível intervir de algum

modo como parte num processo de decisão significativo. Não se trata meramente de interagir

com a TV, através de dispositivos de correspondência, mas de participar dos seus rumos,

através de voto, como alguém que faz diferença nas questões decisórias, mesmo que essa

participação seja compartilhada com milhões de telespectadores. A televisão nunca foi tão

interativa quanto nos dias de hoje, disponibilizando recursos de última geração, aplicativos

personalizados e sob medida, mas não podemos dizer que com isso aumentou a participação

do público no diálogo com a TV. Ela continua sendo, como é o seu propósito, uma instância

produtora de conteúdos sistematizados, obtendo da parte do telespectador que com ela

interage apenas as indicações de melhor conversão de seu conteúdo à demanda. Não que com

isso, a TV não tenha concedido espaço de participação ao telespectador. Na verdade, quando

ele participa é porque conquista esse espaço, ou porque demonstrou um talento especial que

merece ser destacado ou porque obteve direito de resposta da justiça sobre algum programa 71 Ibidem, p.66.

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diante do qual se sentiu ofendido. Diante disso, o horizonte da TV precisa descortinar-se

como um futuro tecnológico mais promissor à democracia, onde a interatividade leve a uma

mais efetiva participação do telespectador, sem que com isso a televisão perca seu

posicionamento de instância mediadora que também possui suas características próprias de

fazer comunicação.

Destacar o relevo dessas considerações preliminares contextualizando no jornalismo e

na programação da TV o ambiente onde se veicula a celebração eucarística foi o objetivo das

discussões apresentadas na paisagem deste primeiro capítulo. Aqui trabalhamos ideias,

conceitos e técnicas que permeiam a complexidade do cotidiano das produções jornalísticas e

televisivas como espaço privilegiado da comunicação midiática contemporânea, desde o seu

nascedouro até sua reformulação no momento em que, como produto final, são apropriadas

pelo usuário de mídia, que, por sua vez, nunca é simplesmente passivo frente a essas

produções midiáticas, como pode vir a ser o caso da veiculação da santa missa pela TV.

Algumas indagações pertinentes surgem no decorrer desta pesquisa. Se o jornalismo

que, pelos princípios fundamentais da comunicação, se pretendia como a figura proeminente

de qualquer organização midiática encontra-se em condição de total dependência do poder

econômico, o que dizer das produções periféricas da mídia? O que dizer da transmissão da

missa pela TV? A missa ocupa na TV um lugar periférico na grade de programação? Há

espetáculo/entretenimento nessa ação midiática? Que sentido a missa veiculada pela TV traz

ao fiel? Em que contribui para a Igreja? E qual o lugar da comunidade eclesial como

expressão maior de comunhão? São questionamentos que têm nos acompanhado e perseguirão

os esforços dos próximos passos.

Após essa breve contextualização histórica da TV como mídia, passando pelo filtro do

jornalismo, objetivamos no próximo capítulo tratar do mistério celebrado pela Igreja, sua

liturgia, sua fé como memorial no espaço e no tempo sagrado da celebração eucarística. A

partir daí examinaremos a apresentação da missa pela TV e suas consequências teológicas e

pastorais na vida da Igreja, observando seus documentos orientativos e fazendo uso das

pesquisas científicas que têm contribuído para a compreensão teológica da sagrada liturgia.

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CAPÍTULO II

A LITURGIA DA IGREJA E A MÍDIA

Liturgia também é comunicação. Em níveis distintos, mas concomitantes, liturgia

televisionada e mídia se fundem na cultura contemporânea. A televisão, imersa na cultura da

produção, como vimos sobejamente a partir do ponto de análise jornalístico, também obedece

a padrões72 que poderíamos com toda segurança chamar de rituais litúrgicos midiáticos, isto é,

a mídia comporta um rito, uma liturgia própria.

Convém agora nos impor uma interrogação crucial de como encontrar o ponto de

interseção entre a liturgia midiática, isto é, os recursos técnicos próprios da mídia TV e suas

potencialidades comunicacionais, com a liturgia orante da Igreja. Em que ponto elas se

intercruzam e se potencializam mutuamente?

Em primeiro lugar, vale fazermos uma definição de termos como rito e liturgia.

Mesmo que a mídia possua uma ritualidade, vamos preservar o conceito de liturgia à natureza

teológica da comunicação com o divino. Apresentadas essas terminologias, trabalharemos

outros termos, tais como: Celebração, Culto, Eucaristia, Mesa da Palavra, Participação,

Sacramento e Sacramentais, Comunhão, Comunicação, Validade, Identidade, Comunidade,

Presença, Assembleia, Tempo e Espaço na liturgia e na mídia. É o que buscaremos apontar

com as argumentações a seguir.

1. A gênese da comunicação litúrgica: do rito ao culto

A comunicação é uma relação entre sujeitos, e como tais, são eles que definem seu

alcance, sua textura e profundidade. Um dos sujeitos inicia o processo e o outro corresponde.

Movidos pela fé, trazemos como pressuposto que de Deus provém o ponto de partida da

comunicação, ele se move ao encontro do homem para falar-lhe de Si: “Muitas vezes e de 72 Cf. ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: EFPA, 2003.

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muitos modos, Deus falou outrora aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os

últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas e pelo

qual também criou o universo” (Hb 1,1-2)73. É da natureza de Deus o comunicar-se, e desde o

princípio ele o faz respeitando a condição histórica da humanidade que dialoga com ele.

Mostrando-se sob véus aos patriarcas e profetas, o Deus de Israel culminou em Cristo sua

revelação: “quem me vê, vê aquele que me enviou” (Jo 12,45)74.

As Sagradas Escrituras atestam essa comunicação com um distintivo, um selo de

aliança, indestrutível no coração do homem a quem Deus escolhe para se comunicar.

Assumindo para Si a história humana, Deus age nela como soberano, e o homem se reconhece

como criatura a partir da aceitação do diálogo com Deus. Compreendendo a vontade de Deus,

o homem a ela se submete, e sua fiel resposta rende-lhe a confiança divina, criando espaço

para o estabelecimento de uma aliança.

A comunicação entre Deus e o homem no antigo testamento baseou-se em primeiro

momento na oralidade: Deus falou e o homem ouviu, e com o passar da história, o discurso

havido entre os dois foi ganhando complexidade e técnica com o advento da escrita. A palavra

já não era tãosomente falada, mas agora registrada na pedra, na pele de animais, em produtos

vegetais e em outras superfícieis de mídia:

Na sociedade hebraica primitiva, era muito pequeno o uso de documentos escritos. Em seu lugar, a palavra falada adquiria uma solenidade ritual que lhe conferia uma forma de realidade concreta. Assim pronunciada, a palavra não podia ser anulada ou desmentida... a aliança era um acordo ritual e solene que tinha a função de contrato escrito75.

Se os suportes midiáticos foram mudando com o tempo, o intuito dos comunicadores

não. O objetivo deles continou sendo o mesmo. Estabelecer uma aliança inquebrantável.

Embora não se deva atribuí-la aos suportes midiáticos em si mesmos, é justo reconhecer que a

comunicação entre os sujeitos sofreu dissoluções ao longo da história, às vezes, com soluções

simples, às vezes com soluções à base de sangue. Ainda que influenciem na precisão do

diálogo comunicacional, os suportes são apenas meios a serviço dos comunicadores, de modo

73 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 74 Ibidem. 75 MACKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. São Paulo: Paulus, 1984, p. 24.

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que Israel por exemplos nunca poderia atribuir às pedras da lei nem aos pergaminhos o fato de

se ter distanciado da Aliança com Deus, e nem mesmo Deus reclama dessas mídias qualquer

falha na comunicação.

Na interlocução com o homem, Deus assumiu vários papéis ao longo do discurso da

aliança: Criador, Senhor, Juiz, Pastor, Salvador... A aliança “surge a partir da iniciativa e da

eleição do Senhor e não dos méritos de Israel”76. Essa comunicação litúrgica de Deus com o

povo de Israel ocupa necessariamente um espaço cúltico e um ritual. Assim fazemos vista

neste momento do aspecto de rito que comporta a liturgia do Antigo Testamento e que dá

bases à liturgia cristã:

O ritual da aliança descrito em Gn 15,10ss é provavelmente aquele que era seguido amiúde nas alianças, embora só seja mencionado nesse caso. Abraão mata as vítimas sacrificiais e as divide em duas partes; em visão, o Senhor passa por entre as duas partes. No ritual da aliança, sem dúvida as duas partes passavam entre as duas metades da vítima sacrificada, ameaçando-se a si mesmos com uma sorte igual à do animal morto se houvessem violado os termos da aliança77.

A partir dessa observação de ritualidade como base na ação litúrgica, encontramos outro

termo igualmente basilar, o culto. É ele que estabelece e confirma a comunicação entre os

pares que dialogam, permitindo o evento da liturgia. O culto é mais que uma expressão da

cultura de fé que um povo possui, ele se revela como relação íntima da pessoa humana com

Deus:

Toda expressão cultual, na verdade, é constituída de ritos que exigem tempos e lugares sagrados. A natureza do culto é tal que não pode ser reduzida, mesmo nas suas manifestações exteriores, a mera funcionalidade no sentido de que o seu valor decorra somente do fato de favorecer e sustentar o relacionamento religioso com a divindade; pelo contrário, o culto constitui e exprime a relação Deus-homem78.

A relação culto-religião é igualmente íntima, e embora seja propriamente nela que ele

se estabelece e confirma, o culto encontra-se num nível anterior à religião, expressando-se

culturalmente de diversas formas e, ao mesmo tempo, similares, porque apesar das diferenças

76 Ibidem, p. 25. 77 Ibidem, p. 25. 78 BERGAMINI, A. In: Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulus, 1992, p. 271.

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culturais, a base é a mesma, o relacionamento do homem com Deus. Isso explica o parodoxo

do diferente e do similar convivendo numa mesma religião, e ao mesmo tempo presente em

outras:

Para compreender o significado do culto e das suas formas em Israel é necessário levar em conta dois elementos: de um lado, o povo hebraico recebeu do seu contexto cultural um conjunto de crenças, de ritos e de práticas religiosas que estabelecem pontos comuns entre ele e os povos do Oriente Médio; de outro lado, Israel encontrou Deus na sua história através de acontecimentos que se acham na origem de sua constituição como povo. Por causa desta originalidade absoluta, o seu culto, ainda que consevando formas iguais aos cultos dos povos daquela época, tem um significado totalmente diferente[...] recordemos aqui apenas alguns ritos e festas de particular interesse para o nosso tema. O rito do cordeiro, por exemplo, era próprio dos pastores nômades e seminômades do deserto; era realizado e celebrado pelas famílias e pelas tribos no começo da primavera; o sangue do cordeiro, aspergido nos tempos mais antigos sobre os suportes das tendas dos pastores e, em seguida, sobre os estípites das casas, possuía valor apotropaico, isto é, de exorcismo, de esconjuro, de propiciação. O rito dos ázimos era próprio dos agricultores sedentários; consistia nos pães que se faziam na primavera com a cevada nova, sem fermento, para significar que, com o princípio do ano, tudo devia ser novo e sem vínculos com o ano velho. Encontramos ainda a festa da ceifa com a oferta das primeiras espigas de trigo e a festa da colheita dos frutos (cf. Ex 23,14-17; 34,18-23). Estamos diante de festas de caráter agrícola ligadas à natureza e às estações: a festa da primavera (ázimos), do verão (ceifa) e do outono (colheita)79.

Toda essa trajetória ritualística e cúltica constitui a base sobre a qual se construiu a

religião de Israel em torno do monoteísmo javista. Assim, compreendemos, como que numa

aproximação metodológica, que o rito constituiu o culto e este, por sua vez, favoreceu o

surgimento da religião como a instituição que ordena o rito e o culto. Nesse processo histórico

de revelação de Deus ao homem e de comunicação do homem com Deus se vislumbram, para

além dos elementos comuns a outras culturas, a criatividade e a originalidade das fontes

cúlticas de um povo e que podem marcar a memória de toda a humanidade, como é o caso do

povo israelita, com a revelação do culto monoteísta; um culto que tece a história do povo,

trazendo à memória seus feitos passados e demonstrando a cada passo que aquele Deus que

falava a Abraão, Isaac e Jacó, que conduziu os antepassados pelo deserto e se fez presente em

tantas batalhas gloriosas, é o mesmo e único Deus, e é só Ele, só com Ele e nEle que esse

mesmo povo passa a Ser o que é. Essa é a função primordial do rito, celebrado no culto,

devidamente ordenado na liturgia: rememorar e atualizar a comunicação entre Deus e o 79 Ibidem, p. 271.

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homem. Era assim na liturgia hebraica dos sacrifícios antigos, é assim na liturgia da Igreja no

santo sacrifício da Eucaristia, com uma diferença: Jesus modifica o status do rito, que adquire

uma nova compreensão a partir do espírito. O rito por si só já não faz sentido no discurso de

Jesus, é preciso que ele esteja revestido do espírito, e por vezes até ser abandonado, pelo fato

de encontrar-se na qualidade de tradição meramente humana e vazia: “[...] por que

desobedeceis aos mandamentos de Deus em nome de vossa tradição?[...] Vós abandonais o

mandamento de Deus e vos apegais à tradição humana[...] Desse modo, anulastes o

mandamento de Deus em nome de vossa tradição” (Mt 15,2; Mc 7,8; Mt 15,6)80. Com isso, o

culto cristão também se desenvolve de modo a encontrar novos horizontes frente à ritualidade

cúltica antiga; se Jesus propõe ao rito um segundo lugar em relação ao espírito, o mesmo se

dá com a ritualidade, isto é, o culto; o exercício daquelas práticas antigas precisa ser

revigorado pelo espírito, para que o culto não se torne uma ofensa a Deus, mas se configure

naquela relação pura e verdadeira desejada por Deus e almejada pelo coração do homem.

Cristo não condena o culto do seu povo; ele próprio participa de tal culto, mas exige, de um lado a pureza do coração sem a qual os ritos são vãos (cf. Mt 23,16-25) e, do outro, declara o seu fim, porque nele se cumpre um novo tempo e um novo culto (cf. Jo 2,14-19). Com Jesus, conclui-se a época profética da ‘figura’ e do anúncio; termina o culto ligado a lugares particulares e inaugura-se o culto “em espírito e verdade” (Jo 4,24)81.

O culto cristão inaugura no próprio Cristo a sua natureza, sua razão de ser e suas

expressões rituais. O culto cristão eleva à dignidade máxima aquilo que os ritos antigos

prefiguravam, quando o Cristo assume para Si a dimensão cósmica do culto divino, realizando

em sua própria pessoa a tríplice dimensão do mistério sacrificial: sacerdote, altar e cordeiro.

Nisso consiste a concepção de verdade no culto e também a de espírito, porque Jesus é Deus.

O Espírito Santo é quem agora realiza em Cristo a presidência de tal ação sacrificial. Essa

consideração é muito importante porque hoje é comum no meio do povo a ideia de comunhão

espiritual como o imaginar-se comungando intimamente do pão eucarístico na condição de

dele não poder se aproximar materialmente. Entendemos aqui que a ação “em espírito”82 não

é isso, mas é na verdade a moção mesma do Espírito Santo que age eficaz e plenamente no

80 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 81 BERGAMINI, A. In: Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulus, 1992, p. 274. 82 Ibidem, p. 274

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fiel que realiza o culto. “Em espírito”83, por tanto, não quer dizer fora do corpo, mas o que

move o corpo à comunhão plena e real. O culto inaugurado em Jesus, parte do pressuposto do

envolvimento total da pessoa que dele toma parte.

Não se trata de culto oferecido ‘de modo espiritual e não corporal’ ou de culto somente interior; trata-se, ao invés, de um culto que tem como princípio vital o próprio Espírito Santo. Assim, a expressão ‘em verdade’ não deve significar ‘culto verdadeiro’ contraposto a ‘culto falso’, ou então ‘culto real’ em face do ‘culto prefigurado’ do AT. Para João, a ‘verdade’ é a revelação messiânica que se identifica com a pessoa e com a mensagem de Jesus. O culto ‘em espírito e verdade’, por conseguinte, é o culto oferecido com toda a vida da pessoa, como o viveu e exemplificou o próprio Cristo84.

O culto cristão constitui-se, portanto, do antigo e do novo, parte do antigo, mas

conserva com ele uma continuidade que o projeta na plenitude da encarnação do Verbo, no

qual se realizam todas as promessas e esperanças antigas. A Igreja celebra os mistérios de sua

fé, fazendo memória do Cristo, mas ao mesmo tempo relendo nele toda a história da salvação,

desde os primevos sacrifícios. Desse modo, a Igreja constrói passo a passo a sua liturgia,

organizando o culto e conferindo à ritualidade provinda do AT novas perspectivas conceituais

vividas na fé e recebidas do próprio Cristo.

Os livros do NT, ao mesmo tempo que mostram a continuidade com o AT, põem em evidência a superação e a novidade. Disto encontramos sinal evidente no fato de que, quando se trata de falar do culto da Igreja, nascida da páscoa e manifestada com a efusão do Espírito Santo no pentecostes, os autores dos livros do NT evitam expressá-lo com termos usados pelo AT, recorrendo de preferência a termos de certa maneira profanos que não têm absolutamente nada de cultual. A celebração eucarística, por exemplo, nunca é chamada de “sacrifício”, porém de “fração do pão” (At 2,42-46; 20,7-11; 1Cor 10,16), “ceia do Senhor” (1Cor 11,20), “mesa do Senhor” (1Cor 10,21), “cálice de bênção” ou “cálice do Senhor” (1Cor 10,16-21)85.

Essa tensão havida entre o velho e o novo descortina o horizonte cultual da liturgia da

Igreja, nos projetando no futuro escatológico da celebração da fé, o ápice da comunicação

entre Deus e o homem. A partir de Jesus, a Igreja busca reconstituir à luz de uma nova 83 Ibidem, p. 274 84 Ibidem, p. 274. 85 Ibidem, p. 275.

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esperança os tesouros antigos que recebeu de seus antepassados israelitas. Nasce uma liturgia

que embora conserve ritos ancestrais, está adornada de novos domínios conceituais de culto

que a ligam com Deus através do tempo e do espaço na pessoa do Cristo.

2. O culto divino na liturgia cristã: a celebração eucarística

Pontuando aspectos históricos do rito e do culto divino, observamos que a liturgia é

mais que um culto ritual, e muito mais que a simples organização desses elementos religiosos

fundamentais. Ela encontra no discurso de Jesus uma amplitude para além da observância

estrita de gestos e costumes, bem como das suas leis regimentais. A liturgia apresenta-se em

Jesus como instante culminante da comunicação entre Deus e o homem. A liturgia adquire

uma dimensão de serviço a Deus que se acentua na celebração da memória da Salvação e se

extende aos atos cotidianos da vida do fiel. A liturgia cristã apresenta-se, portanto, como a

celebração da vida de Deus no homem, o ponto de encontro do homem com Deus. Entende-se

com isso o alargamento conceitual de culto para além da ação litúrgica em si. O homem crê,

como graça e dom de Deus, antes, durante e depois da ritualidade litúrgica, do momento

celebrativo em si, traduzindo na sua vida cotidiana o seu culto a Deus, e de certo modo,

estendendo à prática da vida o alcance da sagrada liturgia, que agora já não se vê mais como

simples gestos rituais repetitivos, mas como memória celebrada, sacramento divino, ação

eficaz de Deus na existência humana.

A sacramentalidade da ação litúrgica se faz ver como sinal eficaz da graça de Deus na

vida do fiel. O sacramento é bastante e suficiente em si, e supera a cerimônia ritualística, não

se prende a ela, mas é na assembleia celebrativa, enquanto comunhão de homens e mulheres

de fé, reunidos sob a ação do Espírito Santo, que a ação sacramental tem seu lugar86. Na

assembleia do povo fiel, Deus realiza a sua pedagogia de salvação, acolhendo, ensinando e

conduzindo o gênero humano.

86 Cf. Instrução geral sobre o missal romano, n. 14. In: SÉ APOSTÓLICA. Missal Romano. 9ª edição. São Paulo: Paulus, 2004, p. 35.

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A liturgia, podemos dizer, então, é ponto de interseção entre o céu e a terra. Faz bem

analisarmos agora algumas pontuações a respeito deste termo, para que possamos prosseguir

com os demais que dele dependem, como celebração, sacramento, Eucaristia e seus

correlatos. Comecemos por considerar o mistério da Igreja a partir de Jesus: “Ide pelo mundo

inteiro, ensinai a Boa Nova a toda criatura!” (Mc 16,15)87. A Igreja nasce do coração de

Jesus88, da força e do poder de sua palavra:

Eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e as forças do Inferno não poderão vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mc 16, 18.19)89.

O Consolador impulsiona a Igreja à missão que lhe fora confiada, mas esta mesma missão

ela não a realiza sozinha. A própria missão da Igreja provém do Pai, passa pelo Filho e se

realiza no Espírito Santo. Desta forma, temos a construção do mistério que a Igreja encerra

em si mesma, sendo ela, por sua natureza constitutiva, verdadeiro sacramento da Caridade

divina. Na qualidade de sacramento da caridade salvífica de Deus, a Igreja reúne em si a

plenitude do culto divino, nela se opera a liturgia celeste na terra90.

A Igreja se realiza como esposa imaculada do Senhor na liturgia, manifestando-se plenamente a aliança matrimonial e o amor nupcial entre Cristo e a Igreja durante as celebrações litúrgicas. Da mesma maneira, a liturgia é o momento em que a Igreja se mostra como verdadeiro templo do Espírito Santo, onde os cristãos adoram a Deus em espírito e em verdade. De fato, a liturgia é a assembleia dos cristãos, reunida em nome de Jesus sob a experiência da presença de Deus no meio do seu povo. É nela que aparece especialmente a força do Espírito, como testemunho de Jesus, e é nela que os cristãos recebem os seus dons, carismas e frutos, como água viva que se dirige à vida eterna91.

87 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 88 Pois, do lado de Cristo agonizante sobre a cruz nasceu “o admirável sacramento de toda a Igreja”. Cf. Constituição Sacrossanctum Concilium sobre a sagrada liturgia, n. 5. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 36. 89 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 90 Cf. Constituição Sacrossanctum Concilium sobre a sagrada liturgia, n. 8. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 38. 91 BOROBIO, D. A celebração na Igreja 1. Liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo: Edições Loyola, 1990, p. 268.

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Estando claro então que a Igreja é mistério divino e é nela que se realiza de modo pleno a

sagrada liturgia, compreendemos também nisso a definição de sacramento como sinal eficaz

da graça de Deus. A Igreja, visível no mundo, é esse sinal, realiza esse sinal e o opera pela

força do Espírito Santo que age nela e por meio dela. A sacramentalidade da liturgia da Igreja

promove a assembleia do povo de Deus. E é exatamente nessa comunhão de fé que o povo

reunido é santificado e se torna sujeito no culto divino, participante do mesmo. Nisso, a

assembleia também se torna sinal, Deus fala a ela, nela e por meio dela. Essa comunicação

havida entre a assembleia e Deus é a própria liturgia. Assim, entendemos que a assembleia é

sujeito da liturgia, mas também que é a liturgia que a realiza como assembleia de fé. Nascida

da cruz, pelo batismo, a assembleia fiel celebra sua vida e sua fé no Senhor num movimento

de oração, louvor e adoração que encontra seu ponto culminante na sagrada liturgia.

... a liturgia é o culto de todo o povo de Deus, os batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito de Jesus, que é sinfonia e júbilo onde nascem a fraternidade e a vida nova na terra prometida. Portanto, a liturgia já não é um direito classista dos clérigos e de pessoas selecionadas que recebem da Igreja o mandato de exercício do ministério. Pelo sacramento do batismo, todos recebem o direito e a obrigação de participar ativa e frutiferamente da liturgia, como afirma de modo claro a constituição litúrgica Sacrossanctum Concilium, 14,2692.

A liturgia é a celebração da Igreja. A Igreja torna célebre sua aliança com Deus, sua

natureza humana e divina, e expressa nos ritos a grandeza de sua memória, a razão e o sentido

de ser de sua existência sobre a terra. Ao realizar a liturgia, a Igreja celebra. Celebra a Cristo,

o seu amado, o seu tesouro escondido, mas que precisa ser desvelado e revelado e ao mesmo

tempo mantido como sublime mistério sob o olhar da reverência, da adoração e da

contemplação. A Igreja celebra no Cristo o agora e o ainda não da plenitude salvífica do seu

Senhor. Na liturgia, a celebração reúne aspectos de escuta e de fala, de olhar e de encontro, de

abraço e de perdão, de dom e de esperança.

O primeiro passo da assembleia litúrgica é a sua convocação à reunião. De todos os

lugares, de muitos afazeres, o Senhor convoca sua assembleia, reúne seus filhos para com eles

celebrar, isto é, festejar um encontro de família, de amigos: “já não vos chamo servos, porque

o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer

92 Ibidem, p. 272.

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tudo o que ouvi de meu Pai” (Jo 15,15). É esse clima fundante que dá sentido à assembleia

celebrativa. Com alegria, ela se dirige à casa de Deus, pressurosa, na expectativa de vê-lo e

ouvi-lo.

A assembleia convocada promove a grande festa litúrgica obedecendo aos ritos

ordenados da memória, do tempo e do espaço, e de certo modo dela tomam parte os que

mesmo à distância no tempo ou no espaço desejem festejar. No começo da vida cristã, já se

tinha um cuidado todo especial com a assembleia litúrgica, sua constituição e sua ação

privilegiada ao celebrar a fé em Cristo, como atestam documentos antigos da era patrística:

Entre os padres [da Igreja], devemos mencionar, antes de tudo, João Crisóstomo, pela sua insistência e sua visão profunda sobre o particular. Com uma sensibilidade notavelmente moderna, ele nos diz que o fato de os que estão dispersos se reunirem já é um início de gozo, uma alegria e, portanto, uma festa, um começo do “festejar”, uma inauguração do festejo: “Embora, a cinquentena (Pentecostes) tenha passado, a festa não passou. Toda assembleia é uma festa. Provam-no as palavras de Cristo, que dizem: onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estarei. A maior prova de que é festa, temo-la nessa presença de Cristo no meio dos fiéis reunidos”93.

A indicação de São João Crisóstomo que Borobio nos apresenta aqui traz um

apontamento ao diálogo sobre a participação mediada de uma celebração. Mas como podemos

imaginar alguém tomando parte numa festa de tão grande valor através de uma mediação

técnica, ou seja, através de uma mídia, em nosso caso, televisiva? São João Crisóstomo indica

o ímpeto de ir à reunião como um “começo”94da festa, isto é, a festa litúrgica começa em

casa, ao nos prepararmos para sair em direção à assembleia. Ao mesmo tempo em que a festa

é a reunião, ela se eleva à mais alta dignidade pela presença do Cristo, que é o esplendor da

celebração em si.

Observando São Justino em seu conceito de libertação total do homem em Cristo,

Figueiredo traz uma importante contribuição quanto ao pensamento deste Padre da Igreja

sobre a Eucaristia e os efeitos dela sobre os fiéis que participam deste mistério:

93 Ibidem, p. 164. 94 Ibidem, p. 164.

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De fato, não tomamos essas coisas como pão comum ou bebida ordinária, mas da maneira como Jesus Cristo, nosso Salvador, feito cane por força do Verbo de Deus, teve carne e sangue por nossa salvação, assim nos ensinou que, por virtude da oração do Verbo que procede de Deus, o alimento sobre o qual foi dita a ação de graças, alimento com o qual, por transformação (katà metabolén), se nutrem nosso sangue e nossas carnes, é a carne e o sangue daquele mesmo Jesus encarnado (1Apol. 66,2). A expressão ‘por transformação’ (katà metabolén) parece indicar uma transformação, que, no texto em pauta, incluiria também o homem corporal, pois na medida em que este adere ao bem, isto é, a Deus, Bem supremo, ele atinge uma mudança total, tanto corporal, como moral e espiritual. Justino, portanto, fundamenta a possibilidade de uma mudança no homem e mudança que abrange todo o seu ser, graças à aceitação ou rejeição de uma vida orientada para Deus. Ele afirma que esse ordenamento, base do texto em que fala da criação do homem à imagem e semelhança de Deus, consiste na adesão da vontade humana à Verdade total, que é Jesus Cristo... conclui-se que a Eucaristia realiza uma verdadeira e real mudança no ser humano, não apenas na alma, mas no homem integral, do homem total (anthrwpos sarkikós)95.

Na presença de Jesus, a assembleia reunida se reconhece, participa e vivencia o

encontro com seu Senhor. A assembleia se transfigura, se transforma; ela celebra e é elevada,

ela adora e é exaltada, ela glorifica a Deus e nele é glorificada. Temos aqui o cerne da

celebração eucarística96 na qual Cristo se faz tudo para todos97, dá-se aos convidados do

banquete festivo como ‘flor e fruto’98, ‘cordeiro sem mancha, inocente’99, ‘pão vivo que

desceu do céu’ (Jo 6,51)100.

Cada esforço de santidade, cada iniciativa para realizar a missão da Igreja, cada aplicação dos planos pastorais deve extrair a força de que necessita do mistério eucarístico e orientar-se para ele como o seu ponto culminante. Na Eucaristia, temos Jesus, o seu sacrifício redentor, a sua ressurreição, temos o dom do Espírito Santo, temos a adoração, a obediência e o amor ao Pai. Se transcurássemos a Eucaristia, como poderíamos dar remédio à nossa indigência?101

95 FIGUEIREDO, F. Antonio. Introdução à Patrística: vida, obras e doutrina cristã nos primeiros anos da Igreja. Petrópolis: Vozes, 2009, pp. 79-80. 96 Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia. Roma: Libreria Editrice Vaticana, 2003, n. 60. 97 Cf. Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB, 1Cor 15,28. 98 Hino da celebração da paixão do Senhor. In: SÉ APOSTÓLICA. Missal Romano. 9ª edição. São Paulo: Paulus, 2004, p. 264. 99 Sequência Pascal. In: SÉ APOSTÓLICA. Lecionário Dominical ABC. 2ª edição. São Paulo: Paulus e Paulinas, 1994, p. 190. 100 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 101JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia. Roma: Libreria Editrice Vaticana, 2003, n. 60.

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Diante disso, o que podemos dizer, então, da participação à distância? Sabendo que

sacramento é sinal visível e eficaz da ação de Deus na vida do homem, e que todo sacramental

é apenas uma referência ao sacramento, como fica quem está longe, toma parte de um

sacramento ou de um sacramental? Esses questionamentos nos vão acompanhando ao longo

desta aproximação ao contexto celebrativo da Eucaristia e da elucidação conceitual mesma

deste sacramento até que por fim possamos também elucidá-los ou quem sabe apenas apontar

novas perspectivas de abordagem.

A sagrada Eucaristia é o sacramento por excelência, e o lugar privilegiado de sua

realização é a “Missa ou Ceia do Senhor”102, “celebração da memória do Senhor ou sacrifício

eucarístico”103 que vulgarmente se conhece apenas como missa. Em nossa pesquisa, optamos

por fazer mais uso da terminologia “Celebração Eucarística”104. De todas as celebrações

litúrgicas, a mais excelsa, a mais sublime, porque inaugurada pelo sacrifício de Jesus no alto

da cruz. Celebrar a Eucaristia é fazer essa memória: “Toda vez que se come deste pão, toda

vez que se bebe deste vinho, se recorda a paixão de Jesus Cristo e se fica esperando a sua

volta”105.

Na missa ou Ceia do Senhor, o povo de Deus é convocado e reunido, sob a presidência do sacerdote que representa a pessoa de Cristo, para celebrar a memória do Senhor ou sacrifício eucarístico. Por isso, a esta reunião local da santa Igreja aplica-se, de modo eminente, a promessa de Cristo: “Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estou no meio deles” (Mt 18,20). Pois, na celebração da Missa, em que se perpetua o sacrifício da cruz, Cristo está realmente presente tanto na assembleia reunida em seu nome, como na pessoa do ministro, na sua palavra, e também, de modo subtancial e permanente, sob as espécies eucarísticas. [...] De fato, na Missa se prepara tanto a mesa da Palavra de Deus como a do Corpo de Cristo, para ensinar e alimentar os fiéis106.

102 Instrução geral sobre o missal romano, n. 9. In: SÉ APOSTÓLICA. Missal Romano. 9ª edição. São Paulo: Paulus, 2004, p. 33. 103 Ibidem, p. 33. 104 Cf. Capítulo V. O Decoro da Celebração Eucarística. In: JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia. Roma: Libreria Editrice Vaticana, 2003, nn. 47-52. Ver também: BOROBIO, Dionísio (Org). A celebração na Igreja 1: liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo: Edições Loyola, 1990, pp. 61 e 183. Ver ainda: VISENTIN, P. Eucaristia. A celebração eucarística: as grandes etapas de sua evolução histórica. In: Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulus, 1992, p. 399. 105 Oração Eucarística V, do Congresso de Manaus. In: SÉ APOSTÓLICA. Missal Romano. 9ª edição. São Paulo: Paulus, 2004, p. 497. 106 Instrução geral sobre o missal romano, n. 7. In: SÉ APOSTÓLICA. Missal Romano. 9ª edição. São Paulo: Paulus, 2004, p. 33.

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Vemos aqui que a celebração eucarística acontece num espaço e num tempo que se

tornam sagrados, tais como a assembleia e o rito cultual que ela realiza, porque são de

natureza divina. É Deus quem convoca os membros da assembleia para o seu culto, e distribui

a esses membros as responsabilidades e atribuições devidas a cada um no tempo e no espaço

reservados à festa litúrgica:

[...] e dizei ao dono da casa: “O Mestre manda perguntar: ‘Onde está a sala em que poderei comer a ceia pascal com os meus discípulos? ’. Ele então vos mostrará uma grande sala arrumada, no andar de cima. Preparai ali” (Lc 22,11.12)107.

A celebração litúrgica comporta especial preparação anterior. É preciso preparar o

ambiente da festa, seu espaço, seu tempo e preparar-se a si próprios enquanto membros da

assembleia eleita para o festim. Essa preparação não é mera arrumação exterior do espaço,

organização do roteiro litúrgico ou dos paramentos da assembleia. A preparação aponta

inclusive para o fato de se estar em estado de graça sacramental, para poder participar

dignamente do santo sacrifício do Cristo. A assembleia precisa estar de coração aberto, estar

livre para celebrar o mistério do encontro com o Senhor, de modo a cada membro reconhecer-

se como filho de Deus.

[...] pelo batismo, os homens são inseridos no mistério pascal de Cristo: com ele mortos, sepultados e ressuscitados; recebem o espírito de adoção de filhos, “no qual clamam: ‘Abba, Pai’” (Rm 8,15) e se tornam assim verdadeiros adoradores que o Pai procura108.

O mistério celebrado é a grande motivação da assembleia litúrgica ao qual nenhuma

outra intenção pode se sobrepor, apesar de costumeiramente, a cada missa, a comunidade

trazer suas motivações espontâneas. No entanto, por mais significativa que possa ser,

nenhuma outra motivação deve ter o poder de convocar a assembleia do povo de Deus que

não seja o augusto mistério pascal de Cristo, no qual se encontra escondida e revelada toda a

esperança humana.

Em sua Palavra e em todos os sacramentos, Jesus nos oferece um alimento para o caminho. A Eucaristia é o centro vital do universo, capaz de saciar a fome de vida e felicidade: “Aquele que se alimenta de mim, viverá por mim”

107 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 108 Constituição Sacrossanctum Concilium sobre a sagrada liturgia, n. 6. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 36.

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(Jo 6,57). Nesse banquete feliz, participamos da vida eterna e, assim, nossa existência cotidiana se converte em Missa prolongada. Porém, todos os dons de Deus requerem disposição adequada para que possam produzir frutos de mudança109.

Vejamos agora no interior da celebração litúrgica as categorias de tempo e espaço. A

liturgia sacraliza essas categorias e atribui-lhes o domínio de Cristo. Ele é o Senhor da

temporalidade e da grandeza espacial. Tudo lhe foi submetido pelo Pai: “Com efeito, Deus

pôs tudo debaixo de seus pés. Ora, quando ele disser: ‘Tudo está submetido’, isso

evidentemente não inclui Aquele que lhe submeteu todas as coisas (1Cor 15,27)”110. Cristo

domina sobre o ano civil ao qual se denomina ano do Senhor. E seu predomínio sobre o

tempo cronológico demarca-o a partir das festas litúrgicas, santificando-o e constituindo o ano

litúrgico. O ano litúrgico é o calendário santo das celebrações da fé. Dele toma posse a

assembleia convocada por Deus que no decorrer do ano do Senhor vai plasmando a cada dia o

ano celebrativo com os rituais do seu culto memorial. Além do ano litúrgico marcado pelo

calendário das festas, há também o tempo litúrgico celebrativo, aquele vivido pela assembleia

no interior da própria celebração, o grande momento da festa. “‘No momento favorável, eu te

ouvi, no dia da salvação, eu te socorri’. É agora o momento favorável, é agora o dia da

salvação (2Cor 6,2)”111. Também dentro deste momento, o tempo sagrado se subdivide nas

funções litúrgicas cabíveis aos membros no exercício de suas específicas funções. O tempo

litúrgico marca o espaço e a ação da assembleia. Ele determina os símbolos utilizados na

celebração, as cores dos paramentos, os próprios paramentos a serem usados em ocasiões

solenes e comuns, o momento da gestualidade, o levantar-se, o sentar-se, o ajoelhar-se, o

caminhar em procissões na entrada, nas ofertas, na comunhão e na saída, a oração do ministro

ordenado, a participação da assembleia nas orações, nos cânticos, leituras e preces. Todo esse

contexto de ação litúrgica é determinado pelo tempo de Deus, o kairós, o tempo da graça, um

tempo sacro em que a história se confunde com o eterno porque é perpassada por ele de modo

a tudo estar aos pés do Senhor.

Como o tempo, o espaço também é sagrado, e a assembleia celebrativa é o espaço por

excelência do culto a Deus. É nela que ele se manifesta em todo o seu esplendor e glória. O

povo se transfigura ante a face de Deus, e nele o Senhor faz sua morada. “Se alguém me ama,

guardará a minha palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”

109 CELAM. Documento de Aparecida. Aparecida: Edições CNBB, Paulus e Paulinas, 2007, n. 354, p.163. 110 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 111 Ibidem.

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(Jo 14,23)112. O templo encontra aqui sua razão de ser, ele é esse lugar privilegiado do

encontro da assembleia com Deus. O Senhor usa o templo para construir na assembleia a sua

morada e a assembleia faz do templo o abrigo de sua experiência numinosa de Deus. Deus se

faz templo para a assembleia acolhendo-a sob suas asas de proteção e paz. O templo físico

construído sobre a terra é antes de tudo símbolo dessa relação sagrada, é a casa de oração, o

lugar da aliança, onde a assembleia faz memória do seu Senhor. É nessa casa que a mesa é

preparada, um ambiente especial, acolhedor e alegre, seguro e sereno. Vemos bem essa

dimensão no cântico a seguir usado no momento de entrada da celebração eucarística.

Refrão: Alegres, vamos à casa do Pai; E na alegria cantar seu louvor! Em sua casa, somos felizes: Participamos da ceia do amor.

1. A alegria nos vem do Senhor. Seu amor nos conduz pela mão. Ele é luz que ilumina o seu povo. Com segurança lhe dá a salvação.

2. O Senhor nos concede os seus bens, Nos convida à sua mesa sentar. E partilha conosco o seu pão. Somos irmãos ao redor deste altar113.

O espaço sagrado se enche de Deus e faz transbordar a partir dele sua graça e bondade

em toda a terra. Por isso, uma assembleia litúrgica é uma igreja local, mas traz em si também

a grandeza que comporta a Igreja universal. No altar eucarístico celebrado em qualquer parte

do mundo se faz presente toda a Igreja que recebe de Deus os dons do alto para a

manifestação de Cristo na terra, superando limites e fronteiras. Como ocorre no tempo

celebrativo, o espaço litúrgico também se subdivide em vários lugares de acordo com as

funções que prestam ao culto divino. Assim, temos, por exemplo, a nave da igreja onde parte

da assembleia se reúne para o culto; o presbitério, onde os ministros ordenados e auxiliares

desenvolvem sua função; o coro, o ambão, a credência e o altar, que é, do templo, o lugar por

excelência, a pedra angular da casa de oração, onde se realiza o santo sacrifício eucarístico.

Tudo se volta para o altar porque é nele que o próprio Cristo se imola, assumindo-o para Si

112 Ibidem. 113 Associação do Senhor Jesus. Louvemos o Senhor. Edição 2008. Campinas: ASJ, 2008, n. 12, p. 3.

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em toda a sua plenitude: “Pela oblação do seu corpo, pregado na Cruz, levou à plenitude os

sacrifícios antigos. Confiante, entregou em vossas mãos seu espírito, cumprindo inteiramente

vossa santa vontade, revelando-se ao mesmo tempo, sacerdote, altar e cordeiro”114.

Nesta Ceia, mais que santa, Jesus ensina pela cruz, transmite um ensinamento

indelével, e nele fortalece a fé da assembleia que o recebe como alimento. O gesto oblativo de

Cristo sobre o altar da cruz é a augustíssima Eucaristia, a partilha de Si mesmo até o fim.

Cristo o fez uma vez por todas e se vive esse memorial, toda vez que no mesmo espírito a

assembleia se reúne para celebrar. Disso temos uma consequência prática, o memorial da

páscoa cristã é mormente entendido como celebração comunitária. Não que Jesus não salve o

fiel na sua individualidade, mas a prática da fé, o exercício dos ministérios e a função cultual

cristã são eminentemente eclesiais, comunitárias. Por isso, mesmo que um ministro celebre

sozinho o santo sacrifício, é em nome da Igreja que ele o faz, é com ela, nela e por ela que ele

o faz. Compreendemos, portanto, que a natureza do culto divino cristão tem suas raízes

firmadas no longínquo tesouro coletivo da antiga aliança, quando Deus chamou seu povo a

fazer uma aliança com ele.

Sendo a celebração da Missa, por sua natureza, de índole “comunitária”, assumem grande importância os diálogos entre o celebrante e a assembleia dos fiéis, bem como as aclamações, pois não constituem apenas sinais externos da celebração comum, mas promovem e realizam a comunhão entre o sacerdote e o povo115.

A celebração eucarística traz em si dois grandes momentos, a mesa da Palavra e a

mesa da Eucaristia. A primeira concentra-se na fala de Deus com o seu povo. Por meio da

proclamação das leituras sagradas, o próprio Deus instrui a assembleia, fazendo memória da

história da salvação e pondo nos lábios do sacerdote e nos ouvidos do povo fiel palavras

acertadas para o tempo presente. Assim, atualizada pela Palavra que Deus lhe dirigiu, a

assembleia avança para a mesa da Eucaristia, onde os fieis encontram-se com o sublime

mistério celebrado, o santo sacrifício de Jesus em sua paixão, morte e ressurreição, que é o

cume do momento celebrativo. “O banquete eucarístico é o centro da assembleia dos fieis a

114 Prefácio da Páscoa V. In: SÉ APOSTÓLICA. Missal Romano. 9ª edição. São Paulo: Paulus, 2004, p. 425. 115 Instrução geral sobre o missal romano, n. 14. In: SÉ APOSTÓLICA. Missal Romano. 9ª edição. São Paulo: Paulus, 2004, p. 35.

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que o presbítero preside. Ensinam, por isso, os presbíteros aos fiéis a oferecer a Deus Pai a

vítima divina no sacrifício da missa, e a fazer, junto com ela a oblação da vida”116. Da Palavra

à Eucaristia, a assembleia litúrgica vislumbra o fim para o qual ela foi criada e chamada por

Deus, a plena comunhão com ele.

É preciso que neste momento divisemos alguns termos inerentes à celebração litúrgica

da Igreja, mais estreitamente ligados ao momento eucarístico como a própria concepção de

comunhão, participação e validade. Existem muitos modos de compreensão dessas

terminologias. Só o verbete comunhão encontra 26 citações no Catecismo da Igreja Católica:

Amizade, comunhão espiritual; catequese e comunhão com Cristo; comunhão com os mortos; comunhão da caridade; comunhão da Igreja do céu e da terra; comunhão do bispo com os fiéis; comunhão do Espírito Santo; comunhão do homem com as Pessoas divinas; comunhão do homem com Cristo; comunhão do homem com Deus; comunhão do homem com os mistérios de Jesus; comunhão do Pontífice com os Bispos; comunhão dos bens espirituais; comunhão dos carismas; comunhão dos sacramentos; comunhão eclesial e cisma; comunhão eclesial e família; comunhão eclesial e pecado; comunhão entre as Pessoas divinas; comunhão entre o homem e a mulher; Comunhão Eucarística; comunhão na fé; Igreja e comunhão; liturgia e comunhão; oração como comunhão e sacramentos a serviço da comunhão117.

Mas nosso objetivo aqui é aproximá-las da experiência sacramental da Eucaristia. A

comunhão nasce e se expressa na sua plenitude em torno da mesa eucarística, na fração do

Corpo de Cristo e no serviço a ele.

Desde o começo, assinalam hoje biblistas e historiadores da liturgia, a Eucaristia foi refeição de grupo e serviço de ajuda mútua. A fração do pão, na Ceia do Senhor, foi entendida como koinonia, ou seja, comunhão e participação, dentro do serviço da Palavra ou do Evangelho, no qual o chefe é servidor. A koinonia é a comunhão cristã total, expressa pela coleta, sinal de caridade fraternal entre as Igrejas e os povos118.

116 Decreto Presbiterorum Ordinis sobre o ministério e a vida dos presbíteros, n. 5. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 501. 117SÉ APOSTÓLICA. Catecismo da Igreja Católica. 11ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 1999, p. 819. 118 FLORISTÁN, Casiano. Comunhão. In: Dicionário de Conceitos Fundamentais do Cristianismo. São Paulo: Paulus, 1999, p. 104.

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Entendemos, portanto, que a comunhão eucarística é algo que se vive presencialmente

na assembleia reunida, tomando parte do Corpo e do Sangue do Senhor. Comer o Corpo e

tomar do Cálice de Cristo é viver como ele, e pôr-se a serviço. “Quem come deste pão viverá

eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne, entregue pela vida do mundo” (Jo 6,51)119.

Consideremos, então, aqui comunhão como tomar parte na mesa eucarística. Na comunhão

sacramental, portanto, tem-se a plena participação na celebração da Eucaristia.

A missa é ao mesmo tempo e inseparavelmente o memorial sacrifical no qual se perpetua o sacrifício da cruz, e o banquete sagrado da comunhão no Corpo e Sangue do Senhor. Mas a celebração do Sacrifício Eucarístico está toda orientada para a união íntima dos fiéis com Cristo pela comunhão. Comungar é receber o próprio Cristo que se ofereceu por nós120.

A comunhão eucarística, portanto, não pode ser reduzida à concepção de comunhão

espiritual, no sentido de se ter o desejo de recebê-la e considerar-se como tendo-a recebido

apenas na intimidade. A comunhão eucarística é efetivamente comer o Corpo e beber o

Sangue de Cristo à sua mesa. “Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do

Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem consome a

minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo

6,53-54)121. Diante disso, o senso comum de comunhão espiritual só pode ser entendido a

partir da comunhão na oração da Igreja. A Igreja reza, e o fiel, impossibilitado de comungar,

participa dos frutos espirituais da oração da Igreja porque ele está orando com ela. A oração

da Igreja viabiliza ao fiel o socorro de Cristo, que se faz presente na oração da assembleia e de

modo real, substancial, no santíssimo sacramento da Eucaristia. Então podemos entender a

comunhão espiritual como essa comunhão de oração com a Igreja, nada mais que isso. Aquele

que participa da comunhão de oração com a Igreja participa também com ela da fruição dos

seus bens espirituais. Tem-se, portanto, uma participação mais reduzida na celebração

eucarística devida à distância da mesa do pão, onde Cristo se faz substancial alimento. A

presença do Senhor nas espécies eucarísticas é única em toda a liturgia da Igreja, é ele

mesmo, todo inteiro, Corpo e Sangue, alma e divindade. Assim sendo, a comunhão eucarística

também só pode ser entendida sob a possibilidade de se tomar parte da sua mesa. Doutro

119 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 120SÉ APOSTÓLICA. Catecismo da Igreja Católica. 11ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 1999, n. 1382, p. 382. 121 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB.

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modo, pode-se dizer que há comunhão de oração no espírito de unidade da Igreja, na

reverência, adoração e contemplação do mistério que se encerra no sacramento da Eucaristia,

que pode ser reverenciado e adorado de qualquer lugar do mundo, através da oração da Igreja,

com o firme propósito de dele se aproximar no banquete eucarístico.

“Cristo Jesus, aquele que morreu, ou melhor, que ressuscitou, aquele que está à direita de Deus e intercede por nós” (Rm 8,34), está presente de múltiplas maneiras em sua Igreja: em sua Palavra, na oração de sua Igreja, “lá onde dois ou três estão reunidos em meu nome” (Mt 18,20), nos pobres, nos doentes, nos presos, em seus sacramentos, dos quais ele é o autor, no sacrifício da missa e na pessoa do ministro. Mas sobretudo (está presente) sob as espécies eucarísticas122.

A oração presentifica a pessoa de Jesus na assembleia orante, como também leva

qualquer fiel à presença dele. A oração interioriza e assimila a Liturgia durante e após sua

celebração. Mesmo quando é vivida “no escondido” (Mt 6,6)123, a oração é sempre oração da

Igreja, comunhão com a Santíssima Trindade. Na oração, a Trindade Santíssima modela o ser

humano à sua imagem e semelhança, estabelecendo com ele uma comunhão de bens entre o

céu e a terra. Essa comunhão, porém, é tão mais sublime quando alcança seu ápice no gesto

de comer e beber as espécies eucarísticas, onde a substância de Deus encontra-se com o corpo

do homem, selando entre eles perfeita aliança que extrapola os limites do intercâmbio de dons

entre o céu e a terra. É o próprio Deus que vem à terra, e o próprio homem é arrebatado a

contemplar as coisas do céu. Quanto ao modo de comungar, vale ressaltar o seguinte:

Graças à presença sacramental de Cristo sob cada uma das espécies, a comunhão somente sob a espécie do pão permite receber todo o fruto de graça da Eucaristia. Por motivos pastorais, esta maneira de comungar estabeleceu-se legitimamente como a mais habitual no rito latino. “A santa comunhão realiza-se mais plenamente sob sua forma de sinal quando se faz sob as duas espécies. Pois sob esta forma o sinal do banquete eucarístico é mais plenamente realçado” (IGMR 240). Nos ritos orientais, esta é a forma habitual de comungar124.

A presença do fiel à mesa da Eucaristia define o grau de participação dele na

celebração eucarística, a qual se torna sacramento eficaz de salvação para ele, se ele, em 122SÉ APOSTÓLICA. Catecismo da Igreja Católica. 11ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 1999, n. 1373, p. 379. 123 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. 124Ibidem, n. 1390, p. 384.

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condições favoráveis e bem disposto, recebe as espécies eucarísticas. Doutra forma, sua

participação fica diminuta frente à grandeza do mistério celebrado, o qual ele apenas pode

contemplar à distância pela adoração e reverência, pela intimidade da oração da Igreja. Sua

participação efetiva na comunhão eucarística fica, assim, condicionada à sua aproximação da

mesa do Senhor. Obviamente que podemos entender sua participação orante, inclusive,

através das funções litúrgicas desempenhadas pelo povo fiel, mas, não há na liturgia algo que

se compare ao mistério sublime de comungar o Corpo e o Sangue de Cristo.

Depreendemos dessa consideração que a Eucaristia, o augustíssimo sacramento, fonte

e cume de toda a ação litúrgica da Igreja, não pode ter sua celebração vista como

simplesmente uma bênção, um sacramental, embora não neguemos a importância salvífica da

oração da Igreja àquele fiel que participa da celebração eucarística mesmo à distância da

mesa. A presença do fiel à mesa do Senhor tem, inclusive, a ver com identidade. A fé que ele

recebe e professa é dom de Deus comunicado a uma comunidade, a Igreja universal e local.

Expressando sua fé em comunidade, na assembleia, o fiel encontra a fisionomia do seu

próprio rosto em Cristo Jesus, se reconhece nEle, através do memorial que celebra

comunitariamente. Esse memorial é o próprio Cristo, que o aproxima de Si. Compreendemos,

então, que é na mesa da Eucaristia que o batizado visualiza, melhor ainda, saboreia a delícia

do pão vivo descido do céu, promessa feita por Deus nos tempos antigos ao povo da Aliança.

A fé encontra na experiência comunitária a sua validade, à medida que resgata a

memória da comunicação de Deus com seu povo na história da salvação. Portanto, a

comunhão com a Igreja viabiliza a edificação da identidade do povo fiel e corrobora a

autenticidade da sua fé enquanto assembleia peregrina rumo ao céu, querida e convocada pelo

próprio Cristo em sua oblação. O Senhor institui sua assembleia, sua Igreja, como sinal

visível de sua presença no mundo, capacitando-a a confirmar na fé todo homem que

livremente O queira conhecer e se aproximar do Seu mistério de amor.

Já que os sacramentos são os mesmos para toda a Igreja e pertencem ao depósito divino, compete unicamente à suprema autoridade da Igreja aprovar ou definir os requisitos para a sua validade, e cabe a ela ou a outra autoridade competente, de acordo com o cân. 838, §§ 3 e 4, determinar o que

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se refere a sua celebração, administração e recepção lícita, e à ordem a ser observada em sua celebração125.

Entendemos aqui a condição necessária de se observarem as prescrições litúrgicas para

um bom termo de toda a ação sagrada. Disso se conlcui que para a validade dos sacramentos

em sua vida, o fiel e o ministro precisam obedecer aos princípios litúrgicos que a asseguram,

conforme determinado pelo depósito da fé confiado à Igreja. Partindo desse pressuposto, e

sabido que, para sua validade, um sacramento precisa que sua forma, sua matéria, seu

ministro e a intenção do mesmo estejam condizentes com as válidas prescrições da Igreja, não

é preciso muito para reconhecer que um fiel à distância da mesa eucarística não comunga,

pois, está longe da matéria do sacramento que são as espécies eucarísticas. Neste caso, o fiel

participa do mistério deste sacramento apenas na contemplação, mas não ativamente, por não

se aproximar da mesa do santo sacrifício. Assim sendo, a participação do fiel não

comunicante na celebração eucarística torna-se também parcial.

Assim como a liturgia se opera num tempo e num espaço sagrados, obedecendo aos

princípios que lhes são próprios em matéria de validade e liceidade diante da gravidade da

ação litúrgica de Deus com seu povo, a mídia televisiva também acontece num tempo e num

espaço apropriados e se vale de uma linguagem técnica e valorativa específica, como já

estudamos anteriormente. Tanto a liturgia da Igreja quanto a televisão buscam comunicar

algo. Ambas possuem seus símbolos, ritos e modos de comunicar. Como colocá-las em

diálogo em vista de uma comunicação mais plena é o que buscaremos fazer nos próximos

passos, observando a linguagem própria de cada uma e a presença de uma no espaço da outra.

125SÉ APOSTÓLICA.Código de Direito Canônico. 14ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2001, cân. 841.

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3. A linguagem da Igreja frente à linguagem da mídia

Desde o surgimento dos meios de comunicação que a Igreja se preocupa com o modo

como eles podem ser usados na ação evangelizadora. Ao menos os documentos mais

rudimentares acerca do tema trazem essa preocupação que, naqueles primeiros momentos de

vida da era midiática que hoje vivemos, eram muito simples em todos os aspectos dada a

novidade que se impunha à sociedade. Na maioria das vezes, os documentos falam de uso dos

meios, é o caso especialmente de Vigilanti Cura e Miranda Prorsus, que são anteriores ao

Concílio Vaticano II. O Decreto Inter Mirifica é um documento do Concílio, seguido de

Communio et Progressio e Aetatis Novae que são pós-conciliares e que dão sequência aos

anteriores. Mesmo nestes últimos, a linguagem da Igreja ainda não havia se apropriado de

termos mais adequados, e muitas vezes se confundiam meios com tecnologias e

programações, tal como aconteceu com a mais recente invenção do computador, quando nem

mesmo a cultura midiática tinha construído suas terminologias. Ainda não se percebia que o

que estava nascendo era um novo e definitivo instante na história humana. Uma nova cultura

baseada na comunicação midiática. Contudo, os efeitos dessa cultura, mesmo que incipiente,

já se faziam sentir com toda a sua pujança. E a Igreja sabia que era preciso dominá-la.

Contudo, é a partir do Concílio Vaticano II que de fato a Igreja se lança à conquista desse

novo universo, publicando o Decreto Inter Mirifica sobre os meios de comunicação social.

A relação da Igreja como o universo midiático é, portanto, desde os primórdios,

perpassada pela problemática de modelo, entre as suas práticas de comunicação e os modos de

produção da mídia, bem como entre o contexto da estrutura institucional eclesiástica e sua

deontologia na qualidade de instituição social.

Se os modos de comunicação refletem os modos de produção da economia capitalista

da mídia contemporânea, “no caso específico da Igreja Católica, ... as práticas de

comunicação têm variado no tempo, correspondendo às mutações estruturais da instituição e

refletindo o seu relacionamento com a sociedade global”126.

126MELO, José M. de. Comunicação eclesial: utopia e realidade. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 23.

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Nesse processo histórico de aproximação da Igreja com o ambiente midiático, é

importante destacarmos as dificuldades enfrentadas e os embates sofridos na tentativa de se

estabelecer um diálogo entre a instituição eclesiástica e as mídias, que em primeiro momento

eram vistas com muita desconfiança e resistência. Marques de Melo trabalhou em 2005 essa

temática na sua pesquisa Comunicação eclesial: utopia e realidade, na qual ele esboçou

quatro fases do desenvolvimento histórico dessa relação turbulenta da Igreja com as mídias127.

Segundo este pesquisador, a primeira fase teria sido o exercício da censura e da repressão,

pelo controle rigoroso dos processos de produção da palavra escrita que durou do século XIII

ao XIX. A segunda fase se caracterizaria por uma “aceitação desconfiada dos novos meios de

comunicação”128, do século XIX ao XX, quando “a Igreja exercitou um controle sobre a

imprensa, vigiando-a, bem como os novos instrumentos que surgiam, em particular o cinema

e o rádio”129, ao mesmo tempo em que começa a aceitá-los e a “usá-los, [servindo-se] deles

para difundir suas mensagens”130, e o mesmo se daria no tratamento dispensado à imprensa. A

terceira fase seria marcada pela pressão das transformações sociais e tecnológicas sobre a

Igreja, exigindo dela profundas e imediatas adaptações à velocidade informativa da sociedade

atual. Disso teria decorrido a convocação do Concílio Vaticano II, com o propósito de

aggiornare o fazer eclesiástico no mundo contemporâneo e, consequentemente, da sua

comunicação, com a proclamação do Decreto Inter Mirifica e a Instrução Pastoral Communio

et Progressio131. Essa brusca mudança precipitou a Igreja num ambiente hostil ao seu modelo

de comunicação. Ela passou a utilizar todos os meios à sua disposição para comunicar o

Evangelho e acabou penetrando num ambiente de mídia, cuja ética é contraditória à própria

mensagem evangélica, acreditando que o simples uso dos meios seria capaz de atender suas

demandas pastorais. A quarta fase dessa busca dialógica da Igreja com o espaço midiático

seria a atual, quando acontece a superação do deslumbramento e o uso insólito dos meios. A

Igreja hoje se propõe a “avaliar criticamente sua postura diante da comunicação, analisando

127 Para mais acurada compreensão do processo histórico de construção ética da Igreja relacionada à comunicação, veja também o “Capítulo VI – Deontologia dos MCS no Magistério da Igreja” de Niceto Blázquez, Ética e meios de comunicação. São Paulo: Paulinas, 1999, pp. 181-195. 128MELO, José M. de. Comunicação eclesial: utopia e realidade. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 25. 129Ibidem, p. 25. 130Ibidem, p. 25. 131 Consulte esses dois documentos em Noemi Dariva, Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais, pp. 67 e 81, respectivamente.

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seus posicionamentos anteriores e buscando novos padrões, resgatando as práticas do

cristianismo primitivo”132, privilegiando assim uma comunicação realmente mais dialógica.

A evidente transformação do modo de a Igreja se comunicar é decorrente da mudança

de paradigmas que a instituição sofre de tempos em tempos ao longo de sua história. E isso

lhe traz consequências:

Pretendendo evangelizar a qualquer custo, queimar etapas na intensificação do seu magistério, a Igreja confunde de modo ingênuo a essência com a aparência. E deixa de perceber que a massificação do Evangelho não conduz necessariamente à sua vivenciação, à recriação no cotidiano comunitário133.

O insucesso produzido pelo uso inadequado dos meios, o que poderíamos chamar de

instrumentalização da mídia, forçou a Igreja a trilhar novos horizontes, lançar-se ao mar de

uma nova cultura, flexibilizando suas práticas comunicacionais, que no interior da instituição

têm hoje um caráter mais dialógico e democrático. Mas isso ainda está difícil de acontecer nas

práticas de comunicação externa, em que predomina uma formação massiva, quando na

verdade a sua proposta genuína seria, partindo do Evangelho, favorecer a criação de espaços

comunitários, fortalecendo as comunidades cristãs, confirmando-as na comunhão.

Embora reconheça o caráter massificante da reprodução simbólica que se opera através dos mass media, a Igreja ainda persiste utilizando-os como se tal dimensão não tivesse sido constatada e autocriticada. Ou seja, ela proclama e pratica internamente formas dialógicas, horizontais, interativas de comunicação; externamente, prossegue ocupando espaços no rádio, na televisão, na imprensa, no cinema para difundir mensagens evangélicas à maneira dos demais mercadores de bens e serviços que se valem desses recursos potencialmente abrangentes da moderna tecnologia134.

É preciso notar que esse descompasso é devido a pelo menos dois fatores: a

comunicação interna da Igreja é mais direta, clara, objetiva e possui a chancela da

representação institucional. A comunicação evangelizadora católica possui muitos

interlocutores. Existem muitos canais de TV, por exemplo, que falam em nome da Igreja, mas

132MELO, José M. de. Comunicação eclesial: utopia e realidade. São Paulo: Paulinas, 2005, pp. 25-26. 133 Ibidem, p. 28. 134 Ibidem, p. 30.

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que falam a partir de perspectivas distintas e muitas vezes não estabelecem uma parceria entre

si, para que a Igreja apareça e não eles. A consequência disso, é que possivelmente a Igreja

seja vista como uma instituição que não sabe se comunicar ou observada a partir de um

espectro fragmentário em que sua imagem parece múltipla, dispersa, falando para muitos e ao

mesmo tempo para poucos. A superação desse ruído comunicacional é o grande desafio da

Igreja na sua relação com a mídia e a sua plataforma de indústria cultural.

Como superar as contingências tecnológicas dos mass media que não possibilitam, pelo menos de forma coletiva, o retorno da palavra dos ouvintes, leitores e telespectadores? Como evitar que a mensagem evangélica seja um mero monólogo?[...] Cabe ao contingente dos comunicadores comprometidos com a evangelização (...) prosseguir nessa trilha, buscando compatibilizar as práticas interpessoais, comunitárias da comunicação eclesial com as práticas tecnológicas, eletrônicas, coletivas135.

Criar comunidade com programas participativos, fomentar a identidade cristã do fiel

católico que assiste a programação eclesiástica pela TV precisa ser, à luz do Evangelho, a

prioridade da Igreja no domínio da cultura midiática. Apesar de ainda incipiente, esse também

poder ser um caminho alternativo para a problemática defendida por Bucci e Khel no texto

Videologias136, como, por exemplo, a possibilidade de uma TV capaz de criar vínculos

educativos.

Desde situar-se no ambiente da mídia industrial até reconhecer o seu verdadeiro

espaço nesse campo, a Igreja no Brasil ainda travará muitas batalhas internas e externas,

apesar de já ter sofrido na carne a perda de muitos fiéis por conta de ainda não ter definido

seus paradigmas técnicos operacionais e estratégicos nessa área, a cada dia mais exigente e

necessária. “As relações entre igreja e mídia no Brasil, têm-se caracterizado por

ambiguidades, defasagens, conflitos e desconfianças”137. No entanto, os organismos da Igreja

responsáveis pela comunicação têm-se empenhado visceralmente por um equilíbrio nessas

relações com a mídia não católica. O esforço tem valido a pena, com os eventos promovidos

pelo Setor de Comunicação da CNBB e encontros formativos para os membros dos

departamentos de comunicação, bem como de todo o povo de Deus que trabalha nas pastorais

135 Ibidem, p. 31. 136 BUCCI, Eugênio & KEHL, Maria Rita. Videologias. São Paulo: Boitempo, 2004. 137 MELO, J. Marques de. Comunicação eclesial: utopia e realidade. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 135.

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vinculadas à comunicação em suas dioceses. Mas ainda é preciso fazer mais, pois, a

linguagem da TV ainda não foi suficientemente apropriada pelas emissoras de inspiração

católica, especialmente no que se refere à transmissão da celebração eucarística. Noutras

programações, o avanço cultural é perceptível na qualidade dos produtos apresentados que, de

modo geral, melhoraram muito.

A diversidade enfrentada pela Igreja no espaço midiático brasileiro hoje advém

inclusive de mais um fator de poder. Além das empresas jornalísticas e dos partidos políticos,

tradicionalmente refratários ao magistério eclesiástico, a Igreja tem ganhado uma nova

concorrência que se fortalece a cada dia, as “igrejas evangélicas da TV ou igrejas

eletrônicas”138, que a rivalizam em duas frentes: a comunicação e a fé. A Igreja se vê

atualmente obrigada a dizer quem ela é, não só para o público, mas também para si mesma. A

Igreja no Brasil tem se visto pela TV, analisando-se por meio desse espelho eletrônico e

buscando se reconhecer nele. Num esforço titânico de firmar sua identidade frente às

mutações do mundo contemporâneo e identificar as necessidades dele, para responder ao seu

desafio com um modelo eclesiológico que atenda ao menos em parte os anseios da

humanidade combalida pela já saturada artificialidade da indústria cultural, a Igreja precisa

favorecer que “os protagonistas da comunicação eclesial [se deem conta] da natureza peculiar

do sistema midiático que constitui o lastro emergente da sociedade da informação”139. Ou

seja, se, portanto, a Igreja deseja participar da vida do homem midiático do mundo

contemporâneo, ela precisa então mergulhar no universo dele, e, sem medo, escutar seus

anseios para falar com ele sobre o Evangelho usando linguagem adequada.

Apesar de a Igreja dispor, na sua pluralidade estrutural, de vários modos de fazer

comunicação, de maneira geral predomina a relação institucional tanto para dentro quanto

para fora, ou seja, o modelo que os teóricos da comunicação identificam como funcionalista.

Mesmo já superado, esse modelo, que parte de um pressuposto utilitarista dos meios de

comunicação e que pretende exercer a função de informar algo, no caso, ampliar o alcance do

magistério da Igreja, ainda é muito presente na ação comunicativa católica.

138MELO, José M. de. Comunicação eclesial: utopia e realidade. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 138. 139 Ibidem, p. 138.

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Se em âmbito local é possível identificar focos de um modelo dialógico de

comunicação, que privilegia o espaço social, comunitário e democrático, e nisso a própria

identidade católica, em âmbito global já se percebe na comunicação da Igreja, inclusive pela

variedade de fontes comunicadoras em seu nome, a acentuação de um modelo massivo,

funcionalista, quiçá até formalista, próprios ainda de um tempo passado de reticências, que

precisam ser superadas pela urgência do Evangelho na atual cultura midiática que predomina

no mundo de hoje.

As TVs de inspiração católica no Brasil retratam um pouco essas feições ainda

distorcidas da imagem da Igreja, exatamente por não exercerem uma práxis comunitária, não

estarem em muitos casos de comum acordo. Embora a inspiração seja a mesma, os objetivos

dos grupos católicos que possuem a concessão dos canais são diversos, bem como o perfil de

ideias que promovem nos seus ambientes de TV. Contudo, o que se percebe de comum nas

emissoras televisivas de inspiração católica, seja qual for sua orientação pastoral, é a

veiculação da celebração eucarística, presente em todas elas.

4. A presença litúrgica da Igreja no espaço midiático

Com seguintes disposições, a sagrada liturgia se manifesta perante o novo horizonte de

possibilidades apresentadas pela então nascente cultura midiática:

As transmissões por rádio e televisão das funções sagradas, particularmente em se tratando da santa missa, façam-se com discrição e dignidade, sob a direção e responsabilidade de pessoa competente, escolhida para tal ofício pelos bispos140.

A partir desse pressuposto, a Igreja busca caminhos possíveis de aproximação entre a

liturgia e a mídia, caminhos que lhe permitam a conquista de novos ambientes onde ela possa

140 Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada liturgia, n. 20. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 43.

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celebrar para evangelizar e evangelizar para celebrar. Embora a ação evangelizadora seja

intrínseca à ação litúrgica e esta também seja perpassada pela primeira, na realidade, estamos

diante de dois momentos distintos da vida da Igreja. E é preciso considerar isso. No entanto, a

partir da supracitada disposição da Igreja, verifica-se que, através do gesto litúrgico

televisionado, ela busca estar mais presente na vida dos fiéis, promovendo neles os mesmos

sentimentos que eles vivenciam na igreja de sua comunidade, despertando neles o sentido de

pertença ao rebanho de Cristo, confirmando neles a vocação ao sacerdócio batismal, onde

quer que se encontrem, e confirmando neles a universalidade do culto divino.

Isso posto, observamos que com essa preocupação, a Igreja pretende fazer dos meios

aquilo que eles realmente são, mediação para a finalidade maior que é a pregação do

Evangelho, a qual encontra seu ápice na celebração litúrgica. Para esse fim, mesmo a

celebração eucarística tem ocupado o espaço midiático televisivo, ao lado de toda sorte de

programas religiosos, inclusive, com o uso dos sacramentais, como bênção de água e de

enfermos. Tem-se aqui, portanto, mesmo nos dias atuais uma dicotomia entre a cultura

midiática e a cultura litúrgica da Igreja herdada dos tempos de outrora. Essa dicotomia

persiste porque, apesar dos esforços no sentido de superá-la, a liturgia sacramental possui uma

normativa que precisa ser observada, ao mesmo tempo em que a cultura midiática também

precisa ser vista como uma realidade e acolhida como tal pela Igreja, que não pode continuar

pensando em fazer uso dos meios, uma vez que as teorias atuais assinalam tal concepção

como algo já ultrapassado e, pior, próprio de quem resiste à novidade. A superação desse

descompasso é fundamental para que não se confunda ação litúrgica com ação evangelizadora

no ambiente cultural midiático.

É certo que a celebração litúrgica tem seu lugar próprio, o templo, e nele de modo

pleno, o coração do fiel, que é membro do Corpo de Cristo e da assembleia santa de Deus.

Desse modo, toda a ação litúrgica da Igreja pela TV, como fora dela, tende para a

contemplação desse mistério, que precisa ser salvaguardado com todo o cuidado pelas

normativas canônicas, mas também proclamado com todo o seu potencial: “o que vos digo na

escuridão, dizei-o à luz do dia; o que escutais ao pé do ouvido, proclamai-o sobre os

telhados!” (Mt 10,27)141. É, portanto, o equilíbrio de linguagem com relação ao domínio da

141 Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB.

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cultura midiática que a Igreja tem como desafio, diante do qual ela é convidada a flexibilizar o

que é possível e inculturar à mídia o que não é no campo litúrgico, uma vez que no tocante às

variadas formas de evangelização como pregações, formações, documentários e outras ações

da Igreja pela TV não se têm tantas dificuldades de diálogo porquanto não envolvem os sinais

sacramentais.

Diante disso, nos lançamos agora a buscar horizontes para alguns questionamentos que

viemos realizando até o presente momento deste estudo acerca dessa turbulenta relação entre

a sagrada liturgia da Igreja e a cultura midiática contemporânea.

No primeiro capítulo já nos questionávamos sobre como viabilizar a presença do

espírito eucarístico e cultivar o vigor da Palavra de Deus no ambiente midiático, sabidamente

dominado pelo poder econômico, um poder que determina o tempo e o espaço da mídia,

mesmo porque foi em função dele que floresceu a cultura midiática. Acreditamos, neste caso,

que é exatamente pela proclamação vigorosa da Palavra de Deus que o ambiente midiático se

torna apto a receber o espírito eucarístico e potencializá-lo junto aos telespectadores, criando

neles o grande desejo de contemplar e adorar ao Senhor. Mesmo com o tempo e o espaço da

TV vendidos à lógica da economia, é possível incutir o Evangelho, obedecendo à

normatização da linguagem midiática. Num ambiente devidamente bem preparado, segundo

as possibilidades propostas pela liturgia, e num breve espaço de tempo, bem selecionado,

muito se pode dizer e fazer através da televisão no que toca à pregação da Palavra e também

quanto à presença eucarística do Senhor.

A grande tentação pode recair sobre as vantagens de ser assistir à programação

religiosa pela TV e abandonar o encontro comunitário com os demais membros na igreja

local. Por isso, tendo o domínio da linguagem midiática, a Igreja pode reduzir esse impacto,

incentivando os fiéis a buscar a vida comunitária local, o que representa, na verdade, é o

grande desejo da Igreja. Para isso, a ela precisa perder o medo de se fazer presente com todo o

seu potencial na cultura da mídia, buscando apropriar-se de tal cultura, evangelizando-a de

dentro para fora. Mesmo com todas as facilidades que a cultura midiática oferece, ela não

pode dar à humanidade o que só a Igreja tem, a graça de Deus, sua paz, sua esperança. Ainda

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que os fiéis de algum modo se encontrem numa “assembleia eletrônica”142, a sede que trazem

no coração é de encontrar-se com os irmãos sem mediação, porque é nessa condição que

podem ver Jesus; e todo fiel sabe disso, porque recebeu de Deus esse conhecimento como

dom de seu Espírito Santo, dom de comunhão, de congregar o que está disperso. Assim, as

facilidades que a televisão oferece, longe de afastarem os fiéis, promovem ainda mais a sua

unidade na fé e a vontade de estarem juntos celebrando a memória litúrgica.

Ainda no primeiro capítulo, fazendo uma comparação com o jornalismo que é a base

fundamental sobre a qual se construiu a cultura midiática, indagávamos acerca da influência

direta do poder econômico sobre as produções televisivas e a submissão desses produtos ao

preço do mundo financeiro, e consequentemente sobre as produções periféricas da mídia. O

jornalismo e ainda segue sendo o carro chefe da investigação e propagação midiática, mas ele

perdeu a conotação moral e ética que possuía desde o seu nascedouro até pouco tempo atrás.

Hoje, está dominado pela linguagem econômica como tudo que se faz na mídia. Mas como já

dissemos acima, é possível incutir o Evangelho nesse meio, mesmo que essa ação seja

considerada periférica, como de fato é. A presença da Igreja no mundo midiático é periférica,

não tem grande relevo como fato midiático, seja enquanto ação evangelizadora e ainda menos

litúrgica. Na verdade, a Igreja não tem escolha. Sua escolha é “duc in altum!”, mergulhar

nesse universo e, sem medo, apropriar-se dele, revestindo-o do espírito de Cristo. Essa

coragem, inclusive, a Igreja tem tido, haja vista, a manifestação sempre a tempo do Vaticano e

dos bispos reunidos com o Papa em Aparecida em 2007, no tocante à urgência da

comunicação da Igreja na América Latina. Neste fato mesmo, a Igreja prestou um ótimo

serviço dispondo todos os canais de TV de inspiração católica à cobertura do evento. E não só

neste evento específico tem ela demonstrado grande desejo de se aproximar com melhor

qualidade do universo midiático, o atestam os encontros e seminários sobre o tema que

ocorrem ao redor do mundo.

Em termos de localização periférica, a transmissão da missa pela TV não possui

alcance relevante se comparamos um canal de TV de inspiração católica como outra emissora

laica. E não só isso, mesmo na grade interna da programação, a missa não tem um destaque

todo especial como merece ter. Na Rede Vida, tomando-a como exemplo, isso já não ocorre.

142 CNBB. Assembleia eletrônica litúrgica. Estudos 48. São Paulo: Paulus, 1987, n. 17, p. 15.

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O próprio fato de se ter uma produção especial e um espaço sagrado específico para esse fim,

põe em evidência a centralidade da celebração eucarística, que é o pico de audiência da

emissora. Falamos isso pela própria experiência de lá ter dedicado muitos momentos de

celebração ao longo do nosso ministério presbiteral. Mas se formos considerar o público que

assiste as missas pela TV, veremos que não se atinge outro público além do que já está

acostumado à liturgia. Outras pessoas podem até assistir à missa pela TV, mas não com o

mesmo olhar de quem a conhece na vida comunitária; certamente entram aí outras variantes

motivacionais. O impacto da transmissão da missa pela TV incide, portanto, mais sobre a

própria hierarquia da Igreja e os modelos de liturgia e celebração apresentados na

transmissão, que muitas vezes se tornam alvo de comentários de bispos e acirrados debates

entre padres, às vezes, incomodados pelo modo como um ou outro padre preside a celebração

eucarística pela TV, que de certa maneira é vista pelo povo das paróquias como uma liturgia

exemplar.

Essas indagações aqui apresentadas são apenas parte do repertório do primeiro e do

segundo capítulos, mas as que restaram serão o motor de nossa aproximação com maiores

detalhes do nosso objeto de estudo que é a própria celebração eucarística pela TV. Neste

capítulo, buscamos apresentar e problematizar a liturgia da Igreja na sua relação com o

universo midiático, revendo passos históricos e apontando possibilidades para uma proveitosa

interseção liturgia-mídia. No próximo e conclusivo capítulo, pretendemos desenvolver o

binômio celebração eucarística-TV, que, através da análise da pesquisa de campo, vai nos

permitir melhor domínio sobre essa temática.

No próximo capítulo, trabalharemos a temática sacramental da Eucaristia mediada

pela TV, descortinando os limites e potencialidades dessa mediação da liturgia eucarística.

Nos ajudarão nessa etapa final de nosso estudo as contribuições advindas dos documentos da

Igreja e a pesquisa de campo que realizamos. Concluiremos o capítulo com indicações da

missão evangelizadora da Igreja a partir da sua já existente presença litúrgica na mídia,

especialmente a missa televisionada.

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CAPÍTULO III

O SACRAMENTO DA EUCARISTIA PELA TV

Nesta parte da pesquisa, utilizaremos os documentos da Igreja que tratam do tema

midiático, buscando fazer a aproximação com o nosso objeto de estudo que é o sacramento da

Eucaristia mediado pela televisão. Tomaremos então alguns documentos da Igreja como

pontos de partida ou referenciais para essa reflexão. Na segunda parte deste capitulo, faremos

a apresentação dos dados coletados em pesquisa de campo e a análise dos mesmos. Na

terceira parte, divisaremos horizontes para a celebração eucarística televisionada, tendo em

vista a evangelização.

1. A Celebração Eucarística pela TV nos documentos da Igreja

Comecemos pela Carta encíclica sobre cinema, rádio e televisão, Miranda Prorsus,

publicada pelo Papa Pio XII, em 1957. Neste documento, a Igreja traz algumas preocupações

já presentes em outro documento muito anterior, Vigilanti Cura, datado de 1936, sobre o

cuidado que se devia dispensar para com “os poderosíssimos meios de divulgação”143, mas

agora com um horizonte mais largo, vendo a comunicação não mais como algo somente

perigoso, mas também como maravilhoso instrumento capaz de levar o bem a muitas pessoas

ao mesmo tempo. A linguagem corrente era de “meios técnicos”144, mas ao mesmo tempo já

havia uma semente de futuro na fala da Igreja neste documento:

Antes de vos falarmos separadamente das questões relativas aos três grandes meios de comunicação – e sabemos bem que o cinema, o rádio e a televisão constituem, cada um de per si, um fato cultural diverso, com problemas

143Vigilanti Cura, n. 4. In: DARIVA, Noemi (Org). Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 21. 144Miranda Prorsus, n. 2. In: DARIVA, Noemi (Org). Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 34.

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próprios no campo da arte, da técnica e da economia –, parece-nos oportuno expor os princípios que devem regular a comunicação, entendida no sentido de um meio de comunicar, em grande escala, os bens destinados à comunidade toda e a cada indivíduo145.

Vale destacarmos deste discurso, transportando-nos para a época em que foi escrito,

que “meio de comunicar”146 é uma terminologia que indica um grande passo evolutivo na

conceituação dos anteriores “meios técnicos”147, e, mais, entendemos uma incipiente

percepção da Igreja de que o futuro desses meios trará uma cultura que lhes é própria, quando

o documento faz menção a “fato cultural”148 ao referir-se aos chamados meios. Estamos

falando de 1957. Observar esse processo evolutivo de conceituação é fundamental para

percebermos o esforço da Igreja em acompanhar as transformações culturais da sociedade que

ela deseja evangelizar.

Só o interesse positivo e solidário pelos meios de comunicação social e seu devido uso, tanto por parte da Igreja como do Estado e dos profissionais, permitirá às próprias técnicas virem a tornar-se instrumentos construtivos de formação da personalidade, ao passo que, sendo deixadas sem vigilância ou direção, só irão favorecer o abaixamento do nível cultural e moral do povo149.

O Papa Bento XVI, inclusive, tem insistido ultimamente em seus vários discursos pelo

mundo que se acentue essa perspectiva positiva na apresentação do Evangelho aos povos,

bem como do fato de ser católico diante de tantas propostas espiritualistas que ganham força

na contemporaneidade. É preciso falar positivamente de Cristo, do Evangelho e da Igreja,

abandonando todo negativismo e exclusivismo que possam estar presentes no discurso cristão.

É preciso crer, viabilizar possibilidades e criar oportunidades para a vida da Igreja no mundo

materialista da sociedade midiática atual. Como vemos, a Miranda Prorsus acertou em cheio:

a ausência de uma atenção ética e moral no universo midiático, de fato, contribuiu para a

geração das atuais grandes massas de baixo nível cultural e moral. No entanto, “diante de tão

grandes possibilidades e tão graves perigos dos meios audiovisuais, deseja a Igreja

desempenhar plenamente a sua missão, que não é diretamente de ordem cultural, mas pastoral

145Ibidem, n. 22, pp. 38-39. 146 Ibidem, n. 22, p. 39. 147 Ibidem, n. 2, p. 34. 148 Ibidem, n. 22, p. 38 149 Ibidem, n. 22, pp. 42-43.

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e religiosa”150. É importante destacarmos esse ponto de partida da Igreja, que embora

preocupada com os aspectos gerais da cultura midiática, ela não perde de vista seu objetivo:

tornar presentes sua pastoral e função religiosa nesse universo. A Igreja sabe da importância e

do relevo dessa presença na mídia e do proveito que traz aos fiéis católicos, e com isso,

procura evidenciar os limites dessa presença, bem como o nível de interação do fiel com os

programas religiosos católicos na televisão, especialmente a celebração eucarística:

Temos conhecimento do interesse com que vasto público segue as transmissões católicas na televisão. É óbvio que a assistência à santa missa pela televisão [...] não é a mesma coisa que a participação física ao sacrifício divino requerida para cumprir o preceito dos dias festivos. Todavia, os frutos copiosos que, para o incremento da fé e santificação das almas, provêm das transmissões televisivas das cerimônias litúrgicas para aqueles que podem, com presença normal, assistir a elas, induzem-nos a encorajar estas transmissões151.

Essa fala da Igreja nos apresenta a resolução de que a participação na celebração

eucarística pela TV, por ser mediada, e, por isso, limitada pelo não acesso à comunhão nas

espécies eucarísticas, não alcança o status de cumprimento de preceito, e como tal, também

não tem a validade mesma requerida pela participação na mesa eucarística. Mas isso, de modo

nenhum menospreza a assistência dos fiéis à missa televisionada. A Igreja reconhece neste

documento que tal ação litúrgico-midiática produz “frutos copiosos”152 para o fortalecimento

da fé e da santidade na vida de quem deles toma parte, e, mais, a Igreja se diz “encorajada”153

a promover sua presença litúrgico-sacramental pela televisão, por causa desses frutos, cujos

efeitos benéficos ela já reconhece no meio dos fiéis nesse tenro momento histórico da TV.

O louvável esforço da Igreja de tomar parte no diálogo com as mídias encontra seu

momento épico quando da convocação do Concílio Vaticano II, ocasião em que os padres

conciliares discutem a temática e preparam um documento que ainda hoje é considerado de

altíssima referência no âmbito da comunicação na Igreja. Trata-se do Decreto sobre os meios

de comunicação social Inter Mirifica, publicado pelo Concílio em 1965. A importância deste

documento está mais em sentido histórico, devido ao significado de ter sido promulgado por

150 Ibidem, n. 67, p. 47. 151 Ibidem, n. 137, p. 61. 152Ibidem, n. 137, p. 61. 153Ibidem, n. 137, p. 61.

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um concílio. No entanto, cria o “Dia mundial das comunicações”154 e estabelece a práxis

comunicativa e de organização geral que a Igreja universal deve promover. Ele não trata de

aspectos específicos do mundo midiático, mas estabelece que seja publicada uma instrução

pastoral155 que cuide desse aspecto. Essa será a tarefa da Instrução Pastoral sobre os meios de

comunicação social Communio et Progressio, promulgada por determinação do Concílio, e

publicada em 1971. Tal documento traz orientações mais precisas156 sobre a presença litúrgica

da Igreja no espaço midiático, e não se detém a isso, mas também procura oferecer

possibilidades de bom proveito da comunicação por parte de todos os que se ocupam dela do

ponto de vista moral, social e ético, e incentiva com grande apelo à participação de toda a

Igreja no diálogo midiático: “bispos, sacerdotes, religiosos, leigos e todos os que têm

responsabilidades no seio do povo de Deus, são convidados insistentemente a escrever na

imprensa e a participar em emissões radiofônicas e televisivas”157. É maravilhoso observar o

detalhe minucioso dessa recomendação ancorada à formação do clero e de todos os

envolvidos na comunicação em nome da Igreja:

É necessário que sacerdotes, religiosos e religiosas conheçam de que modo se geram opiniões e mentalidades na sociedade atual, e assim se adaptem às condições do mundo em que vivem, uma vez que é aos homens de hoje que a Palavra de Deus deve ser anunciada, e que precisamente os meios de comunicação podem prestar valioso auxílio. Os que revelam qualidade e gosto especial, recebam uma formação mais acurada neste campo158.

É certamente algo surpreendente a visão apresentada neste documento, sobretudo

quando observamos a tensão constante entre a segurança da Igreja em sua doutrina, própria de

seu dinamismo estrutural, e, ao mesmo tempo, a urgência159 de ela dar respostas à novidade

de tudo o que se apresenta através da nova cultura midiática que começa a permear a

sociedade atual. A Igreja sabe que não pode estar pela metade nesse universo cultural, é

preciso apropriar-se dele e adaptar-se a ele inteiramente, pois, para ela já é clara a noção de

irreversibilidade desse processo histórico.

154 Cf. Inter Mirifica, n. 18. In: DARIVA, Noemi (Org). Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 77. 155 Cf. Ibidem, n. 23, p. 78. 156 Cf. Communio et Progressio, n. 183. In: DARIVA, Noemi (Org). Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 134. 157 Ibidem, n. 106, p. 115. 158 Ibidem, n. 111, pp. 116-117. 159 Cf. Ibidem, n. 186, p. 135.

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Como ensina o Concílio Vaticano II, deve a Igreja “ler os sinais dos tempos”, que são os modos empregados por Deus para nos falar, e marcos que sinalizam a história da salvação160. [...] Os meios de comunicação social, portanto, prestam um tríplice serviço à Igreja: possibilitam a sua manifestação ao mundo; promovem no seio da mesma Igreja, o diálogo; e, finalmente, põem-na ao corrente da mentalidade dos homens de hoje, aos quais ela deve anunciar o Evangelho, mas usando uma linguagem compreensível ao mundo e partindo da problemática que agita o gênero humano161.

De todas as contribuições, porém, que a Igreja pode oferecer à sociedade a partir da

comunicação, como educação, cultura e evangelização, nenhuma supera o campo litúrgico, no

qual a Igreja, toda ela, plena, se doa como Cristo. Mas é exatamente neste campo em relação à

cultura midiática que se encontram os maiores desafios, aos quais a Instrução Pastoral

Communio et Progressio propõe caminhos de bom êxito: “os modernos meios de

comunicação social [...] permitem aos cristãos seguir, mesmo de longe, as cerimônias

religiosas. Assim, toda a comunidade cristã se reúne, e cada um é convidado a participar na

vida íntima da Igreja”162.

A Igreja considera que a televisão “inaugura um novo estilo de vida”163 no modo de a

sociedade se comunicar, e sua programação religiosa é “útil para doentes e pessoas idosas que

não podem participar diretamente na vida litúrgica”164 da sua comunidade local, bem como,

por meio dela, a Igreja se faz presente onde ela ainda não se instalou, levando a pregação do

Evangelho. Vemos, com isso, que mesmo reconhecendo que a televisão retrata uma nova

ambiência cultural da sociedade contemporânea, a Igreja tem claro que a TV é apenas um

meio, e que, como tal, ela deve fomentar no cristão católico o desejo de estar na sua

comunidade e, àquele impossibilitado de se fazer fisicamente presente, a TV deve confortar

com a presença mediada de sua assembleia comunitária. O pensamento da Igreja é de que

com toda a sua cultura particular, a TV faça o papel de unir à comunidade todo fiel disperso e

a todo fiel distante trazer para perto dele a sua comunidade orante, que é a própria imagem da

Igreja em sua comunhão. Por isso, o documento incentiva a realização de programas 160 Ibidem, n. 122, pp. 120. 161 Ibidem, n. 125, pp. 120-121. 162 Ibidem, n. 128, p. 121. 163 Ibidem, n. 148, p. 126. 164 Ibidem, n. 150, p. 127.

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televisivos católicos que tenham a qualidade de qualquer outro programa de TV, e ao mesmo

tempo sejam fiéis a sua natureza litúrgica quando for o caso: “a missa e outros ofícios

litúrgicos devem ser incluídos no número das transmissões religiosas. É necessário também

que tais programas sejam devidamente preparados, do ponto de vista técnico e litúrgico”165.

Isso significa que mesmo a missa pela TV, como diz o documento, é um programa, e, como

tal, precisa seguir as normas técnicas da mídia televisiva e da sagrada liturgia para atingir seu

objetivo enquanto tal. As diretrizes gerais contidas em Communio et Progressio foram assim

indispensáveis para o avanço da Igreja na cultura da mídia, não tanto quanto a força do

documento parecia provocar de início, mas de qualquer modo, o alcance e a penetração da

vida da Igreja nesse universo hoje deve-se a esse importantíssimo impulso inicial.

A sua presença na mídia faz a Igreja entender que não basta o uso em si dos meios e o

domínio de sua cultura técnica e artística, é preciso investir na formação dos líderes da

comunicação que falam em seu nome, pessoas idôneas e sensatas que munidas dos

instrumentos midiáticos e capacitadas para o diálogo com a sociedade por meio deles, estejam

devidamente formadas para esse fim. Por isso, consideramos aqui como o próximo grande

passo documental a publicação de “Orientações para a formação dos futuros sacerdotes sobre

os meios de comunicação social”166, editada em 1986. Segundo este documento, os novos

membros do clero já devem nascer com o novo espírito da comunicação, o qual devem

receber desde o seminário e demais casas de formação, para que seu falar, sua presença no

espaço midiático, traduza o pensamento e a missão da Igreja, para a qual a comunicação é

mediação para a comunhão. E aqui, novamente, destacamos o pensamento teológico da Igreja

de trazer tudo à contemplação do mistério divino, ao encontro litúrgico comunitário da

celebração eucarística, à perfeita comunhão com Deus.

O magistério pós-conciliar viu na “comunhão” o termo ideal de toda “comunicação”: tanto a interpessoal como a “de massa”; pôs em relevo analogias e convergências com dois exemplares divinos de perfeita comunicação-comunhão. O primeiro é Jesus Cristo, “comunicador perfeito”, no qual o Verbo encarnado fez-se “semelhante àqueles que haviam de receber a sua mensagem [...] e adaptava-se à sua linguagem e mentalidade [...] Pela instituição da Eucaristia, ele legou-nos a mais perfeita comunhão a que o homem pode aspirar [...] Comunicou-nos em seguida, o seu Espírito

165 Ibidem, n. 151, p. 127. 166 Cf. Orientações para a formação dos futuros sacerdotes. In: DARIVA, Noemi (Org). Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais. São Paulo: Paulinas, 2003.

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vivificador, princípio de unidade e fermento de congregação”. O outro exemplar está “no mistério primordial da intercomunicação eterna entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que vivem uma única vida divina”167.

Diante do exposto pelos documentos da Igreja, não deve caber dúvida. Toda a ação

eclesial que se utiliza da comunicação midiática é ação missionária, intuída e conduzida pelo

Espírito Santo ao conhecimento de Cristo, à vivência da vontade do Pai e à realização da

plena comunhão. Compreendemos, assim, que todo o conhecimento humano é meio para esse

fim, que é na verdade o empenho pela salvação das almas. A cultura, a ciência, as técnicas por

si sós não teriam sentido se não conduzissem a Cristo, se não se revestissem dele. A televisão

é meio eficaz para isso, um instrumento cultural contemporâneo que a cada dia precisa ser

mais bem estudado para que a Igreja estabeleça com ela uma relação de igual importância no

cenário midiático. Só com pessoas devidamente preparadas e equipamentos teóricos e

técnicos de última geração a Igreja pode, de fato, se fazer presente nesse cenário,

apresentando produções que comuniquem seu ideal de fazer a comunicação chegar à

plenitude da comunhão. Podemos até nos arriscar a dizer que esse é seu intuito inicial na

veiculação das missas pela TV, uma tentativa de trazer para junto de si toda presença humana

difusa na vastidão do espaço, um desejo de congregar e reunir em torno do altar de Cristo

todos quantos dele, por variadas motivações, se encontram distantes; a vontade de, de alguma

forma, responder à exigência de estar presente neste universo e acolher quem nele se encontra

à procura de paz, de esperança, de vida, de Deus.

A América Latina e o Brasil acompanharam desde cedo essa preocupação da Igreja, e

seus organismos em nossas terras também tem se lançado nessa busca incessante de

corresponder à cultura midiática do homem contemporâneo, cultura que hoje não encontra

mais fronteiras na superfície do globo. O CELAM e a CNBB marcaram presença na história

da implantação de programas midiáticos religiosos desde o primeiro instante que a Igreja

universal, através do Concílio, conclamou a todos à assunção dessa árdua tarefa.

Depois de certo tempo de experiência, se levou a cabo com a participação do clero uma análise crítica sobre as transmissões, principalmente sobre a missa televisionada. Isso ajuda a despertar maior consciência sobre a importância

167 Orientações para a formação dos futuros sacerdotes, n. 3. In: DARIVA, Noemi (Org). Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais. São Paulo: Paulinas, 2003, pp. 140-141.

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da liturgia no radio e na televisão168[...] As celebrações litúrgicas da Igreja transmitidas pelos meios de massa podem oferecer aos destinatários a oportunidade de participar intensamente no mistério de Cristo[...] A transmissão dá espaço também à participação na oração litúrgica, acompanhando os cantos, as preces comunitárias, as orações pessoais, as respostas e as posturas corporais169. (Tradução minha – TM)170

No desenvolvimento de sua missão no ar, a Igreja percebe também as

descontinuidades inerentes à inexperiência no espaço midiático. Suas preocupações revelam

os limites ainda agudos entre a natureza da cultura midiática e a natureza da liturgia sagrada.

Os bispos reconhecem que, com todas as potencialidades próprias da mídia na valorização da

mensagem do Evangelho e mesmo da presença litúrgica da Igreja, os destinatários tendem a

ter um “comportamento passivo”171 frente à programação, devido à insuficiente compreensão

do mistério celebrado, o que reduz o grau de participação dos mesmos na ação litúrgica

televisionada:

Os resultados dão a entender que a Igreja chega através do rádio e da televisão aos fiéis, mas ainda não conseguiu, por esse meio, fazê-los sentir-se parte de uma comunidade visivelmente reunida, como ‘sinal’ ou ‘Sacramento de Unidade’ da Igreja172. Existe ainda o perigo de que o fiel assista as transmissões litúrgicas mais como um programa de propaganda católica, do que como algo que se celebra em comunidade e com a comunidade173. (TM)

Ademais, é preciso ter a clareza mesma de que toda a ação litúrgica da Igreja pela TV

não tem fim em si mesma. Seu objetivo é levar o telespectador a um contato próximo da fé na

sua realidade local. A Igreja vai ao encontro do fiel disperso no espaço e no tempo para trazê-

lo ao seu seio comunitário. Não é intuito dela fundar uma comunidade eletrônica ou, na

linguagem contemporânea, uma comunidade virtual. A existência de uma comunidade virtual

é decorrência da natureza mesma da cultura midiática. Contudo, o anseio que palpita no

coração dos comunicadores virtuais é o genético desejo de estar propriamente junto ao outro,

mas que impedidos por dada particularidade de tempo e espaço, o fazem através da mediação:

“o destinatário pode cair no erro de substituir sua participação efetiva e indispensável nos

168 CELAM. Liturgia de radio y televisión. Bogotá: DELCOS, 1983, p. 13. 169 Ibidem, p. 20. 170 Daqui por diante, usaremos TM para dizer que se trata de uma tradução pessoal. 171CELAM. Liturgia de radio y televisión. Bogotá: DELCOS, 1983, p. 26. 172Ibidem, p. 26. 173 Ibidem, p. 30.

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sacramentos por uma espécie de ‘participação eletrônica’174(TM). Vemos, com isso, que para

esse estudo dos bispos, aquela participação natural, da pessoa toda, na ação litúrgica, na

constituição da assembleia celebrativa, não se compara a qualquer participação mediada, é

fundamental e indispensável.

Não obstante os limites da mediação, com suas carências em termos de qualidade

produtiva e teológica, produtiva devido à insuficiente formação, e, teológica, devido à

redução do grau de participação do telespectador, entre outras, as celebrações litúrgicas pela

TV não perdem o prestígio de trazerem consigo o grande valor de promover a comunhão da

Igreja.

Os ritos, imagens e palavras desses meios são instrumentos para que o povo participe mais ampla e conscientemente do Mistério de Cristo. Também de um conhecimento do significado dos ritos litúrgicos, a liturgia de radio e televisão exige uma linguagem adaptada à natureza da liturgia, do canal utilizado e, sobretudo, do receptor que está influenciado pela mudança de estruturas sociais e por sua própria cultura175(TM).

Mesmo que a televisão não consiga realizar o mistério eucarístico em sua plenitude,

ela viabiliza a participação do fiel em variados graus da celebração litúrgica, que de algum

modo lhe trazem proveito espiritual, como efeitos provindos da Ceia do Senhor:

“A celebração [pela TV] não somente admite vários graus de participação, mas também cria novos tipos de presença, de reunião, de comunhão, de participação; todos eles devem tender a um frutuoso proveito dos efeitos do Mistério Pascal”176(TM).

Essa perspectiva é animadora porque não fecha horizontes nem à comunicação

midiática nem à teologia litúrgica de se encontrarem pontos de convergência mais ousados do

que os que temos até o momento. Na verdade, a cultura midiática precisa ser vista como

espaço de comunhão e unidade, e é preciso que o católico se faça presente nesse universo

apresentando tais valores. Através da sagrada liturgia mediada pela TV, a Igreja pode

fomentar laços fraternos no seio de suas famílias e fortalecer a comunhão entre suas diferentes

comunidades paroquiais e diocesanas, pois “os meios de comunicação social são veículos de

autêntica celebração do grupo orante que se sente unido através da palavra que convoca, da

174 Ibidem, p. 29. 175 Ibidem, p. 39. 176 Ibidem, p. 40.

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oração que se faz em comum”177. Assistir à transmissão da missa pela TV equivale, portanto,

a tomar parte da ação sacramental de estar unido à Igreja.

Apesar de diferenciada, em grau menor, a participação no sacramento da Eucaristia

pela TV é sempre positiva, pois, nela Cristo Mestre e Pastor educa e edifica na fé a sua Igreja,

confirmando-a na unidade, como, por exemplo, ocorre com a “graça salvífica de Cristo

comunicada a todos os participantes de uma assembleia que celebra o batismo de uma criança,

um matrimônio, uma unção, sem estarem eles mesmos recebendo o batismo, sendo ungidos

ou casando-se”178(TM). Partindo desse pressuposto, alcançado pela graça de Cristo, qualquer

homem sobre a face da terra ou na órbita terrestre em comunicação ao vivo com o santo

sacrifício eucarístico realizado em algum ponto do mundo, toma parte sacramental de tal ação

litúrgica, embora não plenamente por falta da comunhão no Corpo e no Sangue do Senhor. A

televisão cumpre um papel fundamental de facilitadora da ação da graça de Deus, permitindo

ao homem aproximar-se do sinal sagrado. Não é a televisão que leva a graça, mas é ela que,

neste caso, torna visível o sacramento.

Seguindo esse raciocínio, entendemos também o quanto a TV ocupa destaque na vida

de pessoas enfermas, idosas e encarceradas: “as transmissões litúrgicas [na televisão] têm de

ser verdadeiras celebrações. Devem criar laços de união, proclamar a fé e exercer a

participação eclesial”179. É especialmente às pessoas que se encontram impedidas de fazer

parte da assembleia litúrgica local que a liturgia veiculada pela TV se destina. Isso, no

entanto, não significa que a liturgia da celebração eucarística transmitida pela televisão seja

estritamente uma reprodução ou mera transmissão de uma missa celebrada no templo, pois, a

liturgia eucarística, conservando o que lhe é próprio, precisa estar adaptada à linguagem da

televisão para atingir o objetivo de falar aos fiéis integralmente, fazendo-os participar do

mistério celebrado de corpo e alma. Por isso, o presente documento de estudo do CELAM fala

de “liturgia de la radio y la televisión”180, insinuando a necessidade de compreender que a

mídia tem seu modo próprio de realizar a liturgia. Isso, contudo, ainda hoje não é uma

realidade no Brasil, porque enfrenta, mesmo no ambiente da CNBB, muita resistência por

177 Ibidem, p. 42. 178 Ibidem, p. 43. 179 Ibidem, p. 46. 180CELAM. Liturgia de radio y televisión. Bogotá: DELCOS, 1983, p. 13.

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falta de um diálogo mais frutífero entre o Setor de Comunicação e o Setor de Liturgia181 e

também por parte de muitos bispos e padres, dado que a missa pela TV acaba se tornando

para os fiéis uma espécie de espelho e assumindo um caráter de missa ideal a ser reproduzida

na paróquia.

A CNBB, reunindo as contribuições de quatro encontros nacionais sobre a liturgia de

rádio e televisão, fala, em seus Estudos n. 33, que

sem substituir a participação ao vivo, [a liturgia televisionada possui o valor teológico de ser] um complemento que ajuda a aprofundar o conteúdo de celebrações anteriores e a despertar o desejo de tomar parte nas assembleias litúrgicas182... [bem como possui limites, como o fato de que] certos sinais sacramentais (por exemplo, a Eucaristia, o batismo etc.) exigem a presença física para uma recepção real dos mesmos, o que revela uma limitação na liturgia da televisão183.

Contudo, a liturgia pela TV oferece outras possibilidades de participação, ainda que

não plena. Ela permite que o telespectador participe da celebração litúrgica ouvindo a Palavra

de Deus, vendo os gestos e sinais, orando com a comunidade reunida no estúdio ou no

templo, cantando, acompanhando as preces, respostas e atitudes corporais. Este texto da

CNBB indica inclusive a possibilidade de os telespectadores se unirem em grupo para

acompanhar a assembleia litúrgica e poder realizar seus ritos e gestos que expressem a

comunhão com a celebração que está sendo transmitida, o que favoreceria ainda mais uma

“participação espiritual intensa no mistério de Cristo”184. Tal indicação é altamente válida

para as comunidades rurais ou de regiões urbanas onde não haja, mesmo nos dias de hoje, a

presença efetiva da Igreja com templos e ministros ordenados, mas que haja pelo menos

animadores de comunidade que tenham acesso às paróquias e aos padres, como também

formação, para criar comunhão com a Igreja, facilitando o seu acesso a essas áreas onde

habitam porções isoladas do povo de Deus.

O quinto encontro nacional sobre o tema produziu os estudos 48, “Assembleia

eletrônica”. Neste texto, a CNBB ampliou sua compreensão da presença litúrgica da Igreja no

181 Cf. CNBB. Comunicação e Igreja no Brasil. Estudos 72. São Paulo: Paulus, 1994, n. 3, p. 85. 182 CNBB. Liturgia de rádio e televisão. Estudos 33. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 65. 183 Ibidem, p. 66. 184 Ibidem, p. 66.

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ambiente midiático, definindo melhor os conceitos dessa relação através dos estudos

realizados nos encontros temáticos anteriores:

A “liturgia é de rádio e de televisão”, isto é, uma celebração que integra a linguagem litúrgica da Igreja com a linguagem eletrônica dos meios de comunicação; não se trata, portanto, de “liturgia no rádio e na televisão”, nem de “rádio e televisão na liturgia”, em que não se integrariam as exigências da natureza da liturgia com as exigências da cultura eletrônica; esta assembleia eletrônica só tem sentido se estiver inserida na Pastoral Orgânica; se visar à formação de comunidades; se expressar a caminhada do Povo de Deus; se animar o compromisso transformador de um Plano de Pastoral185.

Podemos destacar dois grandes avanços conceituais nos estudos da CNBB: sua

tentativa de compreender os telespectadores como assembleia eletrônica litúrgica e o conceito

de pastoral orgânica. A Igreja no Brasil pensou a Pastoral Orgânica como um conjunto

colaborativo de pastoral, em que os trabalhos da Igreja em diversos níveis atendam ao povo

de Deus de modo organizado e estruturado, contemplando a participação das diversas

pastorais já existentes e criando oportunidade para o surgimento de novas, que possam

atender melhor às exigências cada vez mais prementes da sociedade. O conceito de

assembleia eletrônica surge nesse contexto. A Igreja encontra nessa terminologia uma saída

provisória para os questionamentos advindos de diversas áreas do saber, acerca do que viria a

ser o conjunto de telespectadores que, em espaços e tempos diversos, assistem as celebrações

litúrgicas. Vinculada à pastoral orgânica, a assembleia eletrônica surge como uma

comunidade eclesial em potência, isto é, existe enquanto tende à comunhão efetiva e

participação concreta na assembleia celebrativa local. Poderíamos dizer que a assembleia

eletrônica é a assembleia litúrgica sacramental sendo gestada. Fortalecendo e criando vínculos

de fé, o objetivo da assembleia eletrônica é chegar à plenitude da participação da vida

comunitária da Igreja. Daí então, o fato de a liturgia da televisão obedecer ao planejamento

pastoral organizado e ter como cenário o campo da evangelização.

O desenvolvimento dessas terminologias auxiliou a CNBB a também encontrar novas

visões conceituais sobre o binômio participação-presença, o que lhe rendeu reconhecimento

185 CNBB. Assembleia eletrônica litúrgica. Estudos 48. São Paulo: Paulinas, 1987, n. 9, p. 10.

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em Roma186 pelo pioneirismo nos esforços de compreensão do campo litúrgico-

comunicacional no mundo católico. Com isso, a Igreja no Brasil passou a ter mais clareza de

sua presença litúrgica no ambiente midiático, ao menos, no sentido de divisar melhor o

entendimento dessa presença, bem como da real participação da chamada assembleia

eletrônica, como atestam as seguintes expressões:

A participação se constitui de: 1) envolvimento corporal, emocional, reação, inserção no contexto, transformação e compromisso; 2) diversos níveis de realização, nível histórico (presença), interior (psicológico) e ritual (participação sacramental). Daí que uma celebração eletrônica pode ser litúrgica, mas não Sacramento. Para ser Sacramento, deve ser grupal, consumando o rito; 3) pode ser formal e material; 4) pode interferir no acontecimento ou sofrer a influência do acontecimento187. A presença: 1) é fundamental na celebração; não há celebração sem presença, porque celebrar significa “trazer à presença”; 2) distingue-se presença física, psicológica e sacramental; 3) há diferença entre os níveis físico e espiritual (onde predomina a intenção) da presença; 4) toda presença pode ser formal ou material; 5) a presença pode ser também contemplativa; 6) a presença litúrgica exige os elementos antropológicos e o rito sacramental188.

Entendemos, portanto, que para ser sacramento, a assembleia eletrônica precisa estar

vinculada à pastoral litúrgica, a qual deve promover a participação dessa assembleia àquilo

que lhe falta para alcançar tal condição, ou seja, a ideia é fazer com que a missa televisionada

alcance grupos católicos distantes que estejam dispostos a se encontrarem para celebrar a fé,

acompanhando a celebração através da TV. Trata-se de um ponto de vista formativo de

comunidade. Doutra forma, os fiéis dispersos, também eles podem acompanhar a liturgia

televisiva, mas pelo fato de não estarem reunidos em grupo e não terem acesso a um momento

litúrgico apropriado no qual possam receber o sacramento, acabam por ter um grau de

participação mais superficial.

Existe a possibilidade, atualmente, de uma assembleia eletrônica litúrgica, mas não como Sacramento. As restrições de lugar e de presença física diminuem o grau de participação, mas não retiram a participação189. Importa, hoje, levar em conta as seguintes considerações: 1) o sinal eletrônico é certamente físico, porém, o acontecimento não se faz materialmente presente; por exemplo, o acontecimento Ceia pode ser

186 Cf. Ibidem, n. 1, p. 7. 187 Ibidem, n. 36, pp. 22-23. 188 Ibidem, n. 37, p. 23. 189 Ibidem, n. 38, p. 23.

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participado formal e não materialmente; 2) a participação psicológica pode ser plena diante de certas situações concretas; por exemplo, a apresentação de uma situação de miséria; 3) a celebração litúrgica, enquanto sacramental, permite participação plena pelo meio eletrônico; a celebração litúrgica, como sacramento, exige a participação grupal; 4) a celebração eletrônica poderá ter uma parte na realização da celebração como sacramento; os ministérios locais terão a sua parte específica sob o aspecto do sacramento190.

Diante disso, a Igreja tem clareza de que “a liturgia não pode ignorar as chances que

os MCS lhe oferecem, mas as exigências próprias deste mundo técnico não devem obscurecer

o autêntico sentido da liturgia”191. Como a temática está em fase de estudos, as definições

atingidas até o momento ainda não dão conta da profundidade deontológica da celebração

litúrgica televisiva, mas, de qualquer modo, a celebração eucarística pela TV é valorizada pela

Igreja como forma de educação e propagação da fé, ainda que este não seja propriamente o

objetivo ao que deve tender a santa missa em si, dado que ela se presta ao fim de santificar,

mesmo porque existem outros modelos comunicacionalmente mais eficazes para o fim de

evangelizar. Como já dissemos acima, a Igreja vive a tensão entre a estrutura própria do culto

litúrgico e a urgência de se fazer presente na cultura midiática, como, mais uma vez,

evidenciam os textos de documentos abaixo.

É necessário aprimorar urgentemente os programas religiosos, especialmente a missa de rádio e TV, tornando-os evangelizadores e “profissionais”192. A comunicação leva a liturgia a ser momento privilegiado da comunhão e participação para uma libertação integral. É importante que a missa e outras celebrações de rádio e TV sejam momentos fortes, geradores dessa comunhão participativa. A comunicação grupal e popular já é bastante vivida pela Igreja no Brasil. Importa tomar consciência do seu valor e da necessidade de integrá-la no conjunto da Pastoral da Comunicação193.

A superação dessa fronteira entre a liturgia sacramental e a comunicação midiática é

fundamental para a comunhão e participação desejada pela Igreja na comunicação com o povo

de Deus e com a sociedade como um todo. E, nesse sentido, é louvável o esforço desprendido

de acolher propostas alternativas e o incentivo à pesquisa no seu plano de ação junto ao Setor

de Comunicação Social:

190 Ibidem, n. 39, pp. 23-24. 191 Documentos da CNBB, n. 2. In: DARIVA, Noemi (Org). Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 516. 192 Ibidem, n. 29, p. 525. 193 Ibidem, n. 29, p. 522.

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Apoiar instituições, pessoas, projetos e atividades existentes na área da comunicação, dentro e fora da Igreja, buscando integrá-los na ação. Promover a pesquisa e o desenvolvimento da comunicação alternativa dentro da Igreja194.

Trata-se, sem dúvida, de um anseio de grande monta que, com a urgência da nova

cultura midiática a cada dia mais vigorosa e o tempo necessário para a aquisição de novos

elementos conceituais teológicos mais precisos, a Igreja conquistará na paciência e na oração,

o que com sabedoria ela tem feito ao longo do tempo, vencendo as barreiras que cada fase da

história lhe tem defrontado.

Tendo em vista o horizonte da evangelização, nosso próximo passo será analisar a

celebração eucarística pela TV a partir da pesquisa de campo que fizemos, localizando nela as

contribuições conceituais advindas das aproximações que até o momento realizamos do nosso

objeto de estudo e das reações e comentários dos participantes da entrevista.

2. O fiel católico e o sacramento da Eucaristia pela TV:

análise da pesquisa de campo

Nesta segunda parte deste terceiro capítulo, faremos a análise da pesquisa de campo,

trazendo presente o que temos considerado até o momento em nossa oficina conceitual. A

partir da contribuição dos autores e obras documentais citados ao longo do estudo,

buscaremos localizar os pontos convergentes e divergentes da presença litúrgica da Igreja no

espaço midiático da televisão, escutando as pessoas que constituem o público dos programas

produzidos e interlocutores da Igreja nesse universo.

A pesquisa sobre a audiência de programas religiosos na TV foi realizada na Cidade

de São Paulo, no bairro de Campo Grande, Zona Sul, Diocese de Santo Amaro, Paróquia São

Pedro Apóstolo, entre os dias 25 de fevereiro a 10 de março de 2012. Foram entrevistadas 42

194 Ibidem, n. 29, p. 525.

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pessoas no total. Muitas responderam ao questionário no momento em que passavam pela

paróquia e muitas levaram o questionário para casa e o devolveram respondido.

2.1 - Apresentação dos dados da pesquisa de campo

2.1.1. Sexo:(Considerando 100% dos entrevistados) Homens = 35,72% Mulheres = 64,28% 2.1.2. Idade:(Considerando 100% dos entrevistados) 15 a 20= 0% 21 a 30= 21,42% 31 a 40= 16,67% 41 a 50= 14,28% 51 a 60= 19,05% Acima de 60= 28,58% 2.1.3. Estudo:(Considerando 100% dos entrevistados) Fundamental = 19,05% Médio = 35,72% Superior = 40,47% Não responderam = 4,76% 2.1.4. Qual sua profissão?(Considerando 100% dos entrevistados) As profissões foram agrupadas em 5 áreas para facilitar a tabulação: Administrativo = 40,47% Aposentado = 14,28% Atendimento ao público = 28,58% Educação = 7,14% Saúde = 7,14% Não respondeu = 2,39% 2.1.5. Vida eclesial:(Considerando 100% dos entrevistados) Participa só das missas = 42,85% Participa das missas e trabalha em alguma pastoral = 57,15% 2.1.6. Você tem o hábito de assistir a programas religiosos na TV? (Considerando 100% dos entrevistados) Sim = 92,86% Não = 7,14% a) Quais? (Considerando os 92,86% dos entrevistados que responderam sim) Espíritas = 0% Católicos = 92,30% Evangélicos = 5,13% Outro = 2,57% b) Que tipos? (Considerando os 92,86% dos entrevistados que responderam sim) Pregações = 20,51%

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Cultos = 0% Missas = 51,28% Bênçãos = 5,13% Novenas = 23,08% c) Com que frequência? (Considerando os 92,86% dos entrevistados que responderam sim) Manhã = 28,20% Tarde = 25,64% Noite = 41,03% Madrugada = 5,13% 2.1.7. Dos programas religiosos que você assiste, de qual você mais gosta? (Considerando os 92,86% dos entrevistados que responderam sim) Terço = 15,39% Novena do Divino Pai Eterno = 17,94% Missas = 56,41% Escola da Fé = 10,26% 2.1.8. Você gosta de participar da missa pela TV? (Considerando os 92,86% dos entrevistados que responderam que assistem aos programas religiosos) Sim = 79,48% Não = 20,52% a) Sim, por quê? (Considerando apenas os 79,48% dos entrevistados que responderam que gostam de participar da missa pela TV) Falta tempo para ir à igreja = 38,71% A missa é mais bonita = 9,68% Outro = 51,61% b) Que canal você usa? (Considerando apenas os 79,48% dos entrevistados que responderam que gostam de participar da missa pela TV) Rede Vida = 45,16% TV Canção Nova = 22,58% Globo = 9,67% TV Século XXI = 3,22% TV Aparecida = 12,92% Outro canal = 6,45% 2.1.9. Os programas religiosos que você assiste lhe trazem algum conforto espiritual? Fale um pouco.(Considerando os 92,86% dos entrevistados que responderam que assistem aos programas religiosos) Sim = 79,48% Não = 5,13% Apenas comentaram = 15,39% Foram selecionados os comentários considerados mais relevantes: 1. Fortalece minha fé. (13 pessoas citaram). 2. Traz paz ao meu coração e me sinto bem. (5 pessoas citaram). 3. Ouvir falar de Deus me mantém em oração. (2 pessoas citaram).

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4. Interesso-me por pregações e formação. (2 pessoas citaram). 5. Quando estou doente assisto TV. (2 pessoas citaram). 6. A palavra é um bálsamo. Reconheço minhas misérias, buscando a santidade todos os dias. 7. Como o programa é a palavra de Deus sempre trará conforto. 8. Quando assisto aprendo a ter paciência e compreendo mais as coisas. 9. É um meio de Jesus adentrar a minha casa. 10. A mensagem é a mesma que ouvimos de um padre na igreja. Todo conhecimento de Deus é válido. 11. Gosto de ver as notícias da Igreja e as missas de outros estados. 2.1.10. Em sua opinião, a missa pela TV tem alguma diferença da missa celebrada na sua comunidade paroquial? Fale sobre isso. (Considerando 100% dos entrevistados) Sim = 50% Não = 14,28% Apenas comentaram = 33,34% Não respondeu nem comentou = 2,38% Com a seleção, apenas três comentários foram descartados por irrelevância: 1. Por ser uma missa transmitida, ela tem diferença em relação à participação. Ela não deve substituir a missa presencial. A missa pela TV deve servir mais àqueles que não podem se locomover (4 pessoas citaram). 2. A diferença é muito grande. Na missa celebrada na comunidade paroquial, com presença ao vivo, participamos da ceia eucarística, comungamos o Corpo de Cristo (3 pessoas citaram). 3. Na paróquia participo e sinto muito mais (3 pessoas citaram). 4. Em casa fico dispersa com tantas coisas (2 pessoas citaram). 5. Na missa pela TV falta o contato com os irmãos, a unção espiritual, o aconchego do olhar e a sintonia com o padre (2 pessoas citaram). 6. É melhor na paróquia, assim podemos comungar (2 pessoas citaram). 7. A diferença é que na missa da comunidade o padre consegue abordar as necessidades da comunidade (2 pessoas citaram). 8. Nada substitui participar da missa na casa do Pai. É um momento de graça em que ele próprio se doa totalmente por amor. 9. As pessoas que têm o costume de assistir a missa pela televisão não comungam e não podem se confessar, e nesta situação ficamos com o pecado. Por falta de tempo, acabamos não colaborando com as obras da paróquia. 10. Só assisto a missa pela TV quando não posso ir à igreja. Na igreja é mais calorosa. 11. Tem diferença porque a missa pela TV não tem calor humano. Na comunidade há mais alegria. 12. Não nego que as missas pela TV sejam boas e que sejam necessárias para aqueles que não podem ir até a igreja, mas a força da oração na paróquia me parece mais forte e real. 13. A diferença está no ao vivo. Fazer tudo junto é mais espiritual. 14. Muitas vezes consigo entender melhor a missa pela televisão porque fico sozinha.

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15. A missa na comunidade é melhor porque, além da comunhão, sinto a energia das pessoas, que pela TV não tem, mas a TV é uma grande aliada para os idosos, enfermos e deficientes físicos. 16. A missa pela TV jamais substitui a missa da paróquia, mas traz comentários e ensinamentos que podem servir de complemento espiritual, dentro de um sadio e necessário discernimento que contemple exatamente o Magistério, a Tradição e as Sagradas Escrituras. Ressalto que a TV não substitui a presença pessoal aos sacramentos. 17. Para mim, a missa pela TV só serve para quem está impossibilitado de ir à missa, de se locomover. Caso contrário, de nada vale. 18. A diferença está na vida em comunidade; viver o sacramento conforme seu significado verdadeiro: comunhão. 19. A missa na TV é algo superficial comparada à missa que se participa na paróquia. 20. Não há diferença, pois a fonte é a mesma. Pode haver diferença quanto ao ritual, mais elaborado ou mais simples, mas a maturidade na fé elimina as diferenças rituais. 21. Na missa de TV falta a comunhão e a fraternidade vivida pessoalmente na comunidade. 22. Em minha opinião, a única diferença é o padre. 23. Gosto mais da missa celebrada na comunidade paroquial, mas, como já tenho 88 anos, fica difícil ir mais vezes à igreja. 24. A missa é melhor na paróquia, pois não há interação pela televisão, não recebemos Jesus (apenas espiritualmente). 25. Na comunidade a missa é especial, pois se recebe o Deus vivo. 26. Gosto de assistir à missa e ouvir a Palavra de Deus dentro da minha casa junto com a minha família. 27. Em minha opinião, as missas são iguais, mas como não posso receber naquele momento a santa comunhão, não posso participar, só assisto.

2. 2 - Análise dos dados da pesquisa de campo

O cômputo dos entrevistados registra 64,28% de mulheres e 35,72% de homens. No

quesito idade, 21,42% estão de 21 a 30 anos, que é o primeiro registro etário da pesquisa, a

qual não contemplou nenhuma criança ou adolescente entre 15 a 20 anos. As pessoas de 31 a

40 registraram 16,67%. As de 41 a 50 somaram 14,28%. Com 19,05% se apresentaram os

entrevistados entre 51 a 60 anos. A maioria dos contemplados na pesquisa, por faixa etária,

está acima de 60 anos, com 28,58%. Como podemos ver, a pesquisa apresentou certo

equilíbrio neste quesito, com exceção das crianças e adolescentes que não foram

contemplados. Poderíamos inclusive, constituir dois grandes grupos percentuais de idade: de

21 a 50 anos com 52,37% e de 51 anos para frente com 47,63%. É neste último grupo que se

encontram os aposentados, por exemplo, bem como aqueles que encontram mais dificuldades

para participar da missa na igreja. No primeiro grupo, que é bem maior, encontra-se o maior

número dos trabalhadores, que não dispõem de muito tempo em casa, com a família.

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Provavelmente assistem TV fora de casa, no trabalho, na hora do almoço ou apenas em casa à

noite, na hora do descanso do dia. Os entrevistados apresentaram muitas profissões que agora

podemos elencar, mas que, para efeitos de tabulação foram agrupadas em 5 áreas/setores:

administrativo, aposentado, atendimento ao público, educação e saúde. Todas as profissões

foram incorporadas nessas categorias, mas vamos agora apresentá-las na íntegra para

visualizarmos melhor a realidade dos entrevistados: administrador de redes, promotor,

cabeleireira, dona de casa, aeroportuário, técnico de laboratório, estudante, costureira,

educadora, projetista, aposentado, biólogo, administrador, professora, advogado, analista

programadora, bancário, engenheiro, jornalista, microempresário, assistente de atividades,

auxiliar jurídico, técnico em enfermagem. As 5 categorias já elencadas foram criadas a partir

das funções desempenhadas em cada profissão, e assim, fixarmos a atenção nesse

desempenho, para efeitos de análise.

A maior parte dos entrevistados foi agrupada no setor administrativo com 40,47%.

Trata-se de um setor que exige muito do trabalhador, porque, nesse ambiente, além de existir

muita competição, as relações humanas são geralmente muito frias. Em seguida, vem a área

de atendimento ao público com 28,58%. Aqui as pessoas já mantém contato com o mundo

fora da empresa, estabelecem mais facilmente ligações com clientes e interessados na sua

economia de negócios, falam uma linguagem mais próxima, mais humana, mas não menos

complexa em termos de relacionamento comercial. Em terceiro aparecem os aposentados com

14,28%. Isso indica que mesmo em idade de se aposentar, muitos entrevistados estão na ativa.

A educação e a saúde somam 14,28%, duas situações básicas e muito complexas da sociedade

urbana atual. Apenas 2,39% não registrou ocupação.

Quanto à escolaridade, a maioria dos entrevistados registrou 40,47% no grau superior,

nos fazendo perceber neles mesmos um alto nível de conhecimento científico. Em segundo

lugar, ficou o registro do ensino médio com 35,72%. Se somarmos estes dois graus de

escolaridade, teremos 76,19% dos entrevistados com escolaridade suficiente para ter um bom

acesso a conhecimentos acerca do mundo midiático, bem como do universo religioso. Os

participantes com ensino fundamental registraram 19,05%, e 4,76% não informaram seu nível

de instrução, perfazendo um total de 23,81% possíveis alfabetizados funcionais. Poderíamos

dizer que a televisão influencia mais este último número de entrevistados pelo fato de seu

pouco conteúdo científico? A missa pela TV alcançaria mais este perfil do que aquele? O que

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cada grupo buscaria fruir na missa transmitida pela TV? Buscariam a mesma coisa? Esse

nível educacional provavelmente tem a ver com a idade? A pesquisa mostra que o grupo de

pessoas mais novas é maior e tem mais acesso à educação e ao trabalho do que os idosos que

não tiveram acesso a cursos escolares com a excelência que hoje se tem, e isso responde a

esses questionamentos.

Quando indagados sobre sua vivência eclesial, a grande maioria registrou 57,15%

como participante das missas e trabalhando em alguma pastoral na sua comunidade paroquial,

e 42,85% indicou que apenas participa das missas, muito provavelmente só as dominicais.

Isso nos deixa entrever que a maioria dos participantes, apesar de estar engajada na

comunidade, e aparentemente não precisar da missa televisionada, por exemplo, encontra na

programação religiosa da TV alguma forma de ganho espiritual.

A grande maioria, 92,86% dos entrevistados, manifestou o hábito de assistir a

programas religiosos na TV, o que significa que os programas oferecem algo a mais que a

comunidade. Além da comodidade, da exclusividade, porque a pessoa não tem a concorrência

de outras junto a ela disputando espaço e atenção, a programação televisiva possivelmente

ofereça a liberdade de escolha diante da variada oferta de programas religiosos, inclusive de

missas nos variados canais de inspiração católica. Apenas 7,14% disseram não ter o costume

de acompanhar tais programas, mas isso não significa que esporadicamente não tenham

entrado em contato com essas produções. É o caso da maioria das opiniões que concluem a

entrevista. Mesmo que não acompanhem, os entrevistados têm uma opinião a respeito. Em

termos de opções de programação, 92,30% responderam que gostam de assistir a programas

católicos; 5,13% disseram que veem programas evangélicos e 2,57% não definiram a

orientação religiosa dos programas que assistem. Como a pesquisa foi realizada numa

paróquia, é de se esperar que o número confirme a opção de fé do entrevistado, mas foi

possível localizar também católicos que fazem outras experiências de fé, assistindo a

programas evangélicos e de outras denominações não definidas.

No que se refere aos tipos de programas religiosos mais assistidos, a missa ficou em

primeiro lugar com 51,28% dos entrevistados que tem o hábito de assistir a programação

religiosa da TV. Isso nos leva a perguntar o que a missa pela TV oferece ao fiel católico que,

embora engajado na vida comunitária local, no pouco tempo de que dispõe para o seu

descanso, ainda recorre a uma programação televisiva de conteúdo litúrgico que ele já possui

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na comunidade de modo muito mais intenso e apropriado. Nos comentários que os

telespectadores farão logo mais, quando indagados do porquê de gostar da missa pela TV,

teremos respostas a esse questionamento. Logo após a santa missa, vêm, em segundo lugar na

pesquisa, as novenas com 23,08%, como programas religiosos mais assistidos. Poderíamos

dizer que os entrevistados veem com muito bons olhos as práticas de piedade presentes na

TV, acompanhando as novenas como se fazem nas igrejas. Consideremos também que, hoje

em dia, muitas paróquias abandonaram o hábito de fazer práticas de piedade, como novenas,

trezenas, cruzadas, ... e a TV pode ser o lugar onde o católico tem a oportunidade de viver

essa experiência de oração, quando não a tem em sua comunidade local. Em terceiro lugar,

aparecem as pregações com 20,51% dos programas mais assistidos. As pregações possuem

conteúdo formativo, doutrinal, catequético, instrução moral, ética e litúrgica. Essa

porcentagem revela que a TV tem prestado um serviço excelente à Igreja neste campo. Muitos

fiéis que mantém o hábito de assistir a essas produções têm uma visão de fé mais esclarecida e

madura, e, quando não sanados durante a transmissão, trazem ao padre da paróquia os

questionamentos oriundos da audiência desses programas. Em quarto lugar, as bênçãos

pontuaram 5,13% dos programas mais assistidos pelos entrevistados. As bênçãos são

sacramentais e seria um tanto lógico imaginar que as pessoas as buscassem mais do que

qualquer outro tipo de serviço religioso na mídia, mas a pesquisa não revelou isso. Ao

contrário, embora essa porcentagem de modo algum seja desprezível, ela não revela o que

parece óbvio no senso comum. Fica claro que as pessoas não têm as bênçãos em primeiro

lugar, ou então, a pesquisa revela outra face do católico entrevistado, a de que ele não conhece

a diferença entre um sacramento e um sacramental, isto é, não sabe a diferença entre uma

missa e uma bênção. Contudo, vemos essa última alternativa como pouco provável, dado o

nível de escolaridade dos participantes da pesquisa, bem como o seu engajamento na vida

comunitária paroquial. Quanto à programação religiosa evangélica, o culto não registrou

pontuação, o que significa que os entrevistados estão vendo outros tipos de programas não

especificados, tanto evangélicos como de outras orientações religiosas não definidas. Talvez

se trate de programações não habituais ou de que os próprios entrevistados não tenham o

hábito de assistir, fazendo-o apenas esporadicamente e em ocasiões eventuais.

Acerca do tempo de que dispõem para assistir aos programas religiosos da TV, os

entrevistados apontaram a noite em primeiro lugar com 41,03%. A frequência matutina

aparece em segundo lugar registrando 28,20% dos que assistem a programação religiosa. O

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período da tarde marcou 25,64% e a madrugada conferiu 5,13%. Vemos por estes resultados

que a programação religiosa católica está disputando espaço em horário nobre com outras

emissoras laicas, que neste mesmo período apresentam telejornais, novelas, seriados, filmes e

futebol, que são programações prediletas do telespectador brasileiro no período noturno.

Tendo o hábito de assistir aos programas religiosos, os entrevistados estão fora do ibope das

grandes emissoras. Mesmo durante o dia, é altamente significativa a participação dos

entrevistados na programação religiosa da TV, deixando de lado ou convivendo com

programas infantis, culinária, telejornais, novelas e filmes. Isso explica o altíssimo

investimento que as igrejas eletrônicas têm feito no Brasil com aquisição de concessões de

canais de TV nos últimos anos, bem como, a própria Igreja Católica, que tem procurado, a seu

modo, acompanhar o ritmo de crescimento desses investimentos.

Quando perguntados sobre quais programas religiosos mais gostam de assistir, os

entrevistados apontaram o percentual de 56,41% para a missa. Mais uma vez a missa dispara

na opção do telespectador entrevistado, coincidindo com os números apontados quando

solicitados sobre que tipos de programas religiosos assistem na TV, ao que responderam

51,28% para a missa. E esse número vai subir quando isolarmos a missa na grade de

programação religiosa. Na lista dos programas religiosos que os entrevistados mais gostam de

assistir, seguem, após a missa, a novena do Divino Pai Eterno com 17,94%, o terço com

15,39% e a Escola da Fé com 10,26%, denominados pelos próprios telespectadores. Essa

ordem de preferência concorda com o levantamento do item anterior que trata dos tipos de

programas que os telespectadores entrevistados têm o hábito de assistir. No item dos tipos, a

missa também aparece como o mais assistido, as novenas em segundo lugar, a formação em

terceiro e as bênçãos em último. As missas, os entrevistados podem assistir em qualquer canal

de TV de inspiração católica de sua preferência. A novena do Divino Pai Eterno é uma

produção do Santuário do Divino Pai Eterno, na cidade de Trindade em Goiás, transmitida

pela Rede Vida. O programa Escola da Fé é uma produção da TV Canção Nova que discute

aspectos formativos doutrinais, teológicos, litúrgicos, conduzido pelo professor Felipe

Aquino. Como foram os entrevistados mesmos a citar esses programas, conclui-se que os

referenciais de porcentagem dessa programação realmente indicam sua grande penetração nos

lares católicos, bem como retratam o modo como os entrevistados têm lidado com esses

produtos midiáticos.

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O próximo item da pesquisa buscou isolar a missa no contexto da programação

religiosa da TV, para termos uma aproximação mais objetiva do nosso objeto de estudo.

Àqueles que responderam assistir à programação religiosa televisiva, perguntamos se gostam

de participar da missa pela TV. Obtivemos a porcentagem de 79,48% para os que disseram

que gostam. Os que responderam não gostar de participar da missa pela TV somaram 20,52%.

É importante, inclusive, considerar que, mesmo não gostando de participar da missa pela TV,

os entrevistados já tiveram contato com esse programa ou esporadicamente o fazem, daí o

comentário que vários participantes fizeram, e que analisaremos mais à frente, mesmo não

tendo o hábito de acompanhar a missa pela televisão. Dos 79,48% que disseram gostar de

participar da missa pela TV, 38,71% responderam que gostam porque lhes falta tempo para ir

à igreja, 51,61% marcaram a opção outro, que indica outras possibilidades de dar preferência

à missa pela TV, e 9,68% marcaram a opção porque a missa é mais bonita. Vemos, então, que

quase oitenta por cento dos entrevistados que assistem aos programas religiosos da TV

gostam de participar da missa televisionada. É um número surpreendedor, haja vista que os

entrevistados têm contato com sua comunidade paroquial pelo menos uma vez por semana.

Em segundo lugar, com 38,71%, a falta de tempo foi apontada pelos telespectadores como

motivo de sua preferência pela missa televisionada. Talvez eles estejam se referindo à

participação nas celebrações eucarísticas em dias da semana. Em primeiro lugar, e igualmente

surpreendentes, são os 51,61% que preferiram não definir o motivo de sua preferência pela

missa televisionada. Essa indefinição pode provir de uma série de situações que não

favorecem à participação real do fiel à celebração eucarística na sua comunidade paroquial.

Talvez seja o caso de considerarmos itens como segurança, estacionamento, horário da

celebração, algo relacionado à pessoa do padre, distância de sua casa ou trabalho, trânsito,

saúde, idade e tantas outras possíveis variantes. De qualquer forma, a pesquisa demonstra que

há obstáculos significativos para a melhor frequência dos fiéis à participação da celebração

eucarística na igreja, e isso acaba favorecendo sua assistência da missa pela TV, sem

considerarmos os 9,68% dos entrevistados que disseram preferi-la porque é mais bonita do

que a celebração eucarística de sua comunidade, o que também é uma verdade, pois a missa

pela TV tem algo de glamoroso, espetacular, diferenciado do comum porque está na TV ou é

uma produção da TV. Os 79,48% que responderam gostar da missa televisionada geralmente

a assistem nos seguintes canais: Rede Vida em primeiro lugar com 45,16%, em segundo a TV

Canção Nova com 22,58%, em terceiro a TV Aparecida com 12,92%, em quarto a Rede

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Globo com 9,67%, em quinto outro canal com 6,45% e, por último, a TV Século XXI com

3,22%.

Dos entrevistados que disseram ter o hábito de acompanhar os programas religiosos da

TV 79,48% responderam que tais programas lhes trazem sim algum conforto espiritual.

Apenas 5,13% disseram que não são tocados pela programação, e 15,39% não responderam

nem que sim nem que não, mas teceram comentários a respeito dos programas religiosos

televisivos. Observando o altíssimo percentual dos que se disseram tocados pela programação,

percebemos que as produções religiosas da TV estão cumprindo uma função primordial de

responder aos anseios dos fiéis católicos para além do que recebem em sua comunidade

paroquial. Se somarmos os que não são tocados pelos programas de TV 5,13% com os que

não responderam objetivamente ao questionamento 15,39%, teremos um percentual de

20,52% dos telespectadores, cujo comportamento parece não manifestar interesse muito

assíduo pela vida da Igreja, além da sua participação dominical à celebração eucarística na

comunidade. Faremos a seguir nossas considerações sobre os comentários apresentados pelos

telespectadores.

Os comentários apresentados foram selecionados conforme critérios que avaliamos

como relevantes. O comentário que mais apareceu neste tópico da pesquisa foi: “fortalece a

minha fé”. Treze pessoas fizeram esse tipo de observação. Vemos aí que os programas

religiosos exercem sim um poder de influência sobre a vida desses telespectadores. E, nesse

caso, a TV está cumprindo um papel diferenciado daquele do entretenimento195 exclusivo e

espetacular do qual falamos no primeiro capítulo, e já percebemos que essa mídia, pode,

quando produzida para esse fim, contribuir para a educação e edificação da cultura humana,

uma vez que tem contribuído para algo ainda mais excelente, a fé das pessoas. Em segundo

lugar, apareceu o comentário “traz paz ao meu coração e me sinto bem”, com a citação desse

conteúdo por cinco pessoas. Concluímos que esses católicos estão fruindo frente à TV o que

não estão tendo a oportunidade de sorver em sua comunidade devido à variada situação de

limites que enfrentam para isso, como já foi citado na pesquisa. Então podemos imaginar a

assistência a essa programação como um prolongamento de sua experiência de fé comunitária.

Nesse caso, os programas reavivariam aquele sentimento celebrativo vivido na igreja. O

contrário também pode ser verdadeiro. Às vezes, as celebrações de que o fiel participa são

195 Cf. MARSHALL, Leandro. O Jornalismo na era da Publicidade. São Paulo: Summus Editorial, 2003, p. 145.

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muito concorridas e ele acaba não tendo a oportunidade de participar comodamente das

mesmas, a ponto de não se sentir confortado e em paz naquelas celebrações de sua

comunidade, fruindo melhor a espiritualidade frente à TV, em sua casa, o que, de certo modo,

seria algo desastroso e absolutamente anti-litúrgico. Três comentários granjearam o terceiro

lugar, sendo citados por duas pessoas cada um: “ouvir falar de Deus me mantém em oração”,

“interesso-me por pregações e formação” e “quando estou doente assisto TV”. Nessas

observações, destacamos a oração, a formação e a doença como motivos iniludíveis de esses

entrevistados acompanharem a programação religiosa da TV. O telespectador católico tem

encontrado nesses programas a oportunidade de saborear a Palavra de Deus, “que é poder de

Deus para a salvação de todos os crentes”196, aprender a doutrina da Igreja e aliar isso ao seu

bem-estar num momento de convalescença. Ele encontra aqui o remédio provindo da força do

Verbo de Deus. Os demais comentários tiveram apenas uma apresentação, mas julgamos

oportuno elencá-los, inclusive, para termos a oportunidade de discutir as temáticas presentes

nos mesmos, como dispomos a seguir:

– A palavra é um bálsamo. Reconheço minhas misérias, buscando a santidade todos os dias. – Como o programa é a Palavra de Deus, sempre trará conforto. – Quando assisto aprendo a ter paciência e compreendo mais as coisas. – É um meio de Jesus adentrar a minha casa. – A mensagem é a mesma que ouvimos de um padre na igreja. Todo conhecimento de Deus é válido. – Gosto de ver as notícias da Igreja e as missas de outros estados.

Encontramos nesses comentários o destaque à Palavra de Deus como “bálsamo” e

“conforto”, lugar de compreensão e aprendizado, fortalecimento da paciência, auxílio na

perseverança. Quando a Palavra de Deus se apresenta na TV, o telespectador vê essa ação

litúrgico-midiática como o próprio Jesus adentrando sua casa. O comentador afirma que “é

um meio de Jesus entrar” na casa dele; ele tem consciência de que a TV é uma mídia e de que

há limitações nessa mediação, mas “é um meio”, isto é, de qualquer modo, ele vê Jesus visitar

a sua casa. Vejamos o que diz a respeito disso a Constituição Dogmática Dei Verbum:

196 Dei Verbum, n. 17. In: Documentos do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 1997, p. 360.

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Quando chegou a plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4), o Verbo fez-se carne e habitou entre nós, cheio de graça e verdade (cfJo 1,14). Cristo estabeleceu o Reino de Deus na terra, manifestou com obras e palavras o Pai e a sua mesma pessoa, e levou a cabo a sua obra morrendo, ressuscitando e subindo glorioso ao céu, e, finalmente, enviando o Espírito Santo197.

O penúltimo comentário diz a que mensagem da TV “é a mesma que se ouve do padre

na igreja”, e que “todo conhecimento de Deus é válido”. Observa-se aqui certo relativismo

com relação a sua presença na igreja. Tal comentário pode dar uma ideia de que tanto faz ele

ir ou não à celebração eucarística na sua comunidade paroquial, pois não há diferença entre o

que ele escuta lá e o que ouve na TV. Algo ainda mais terrível, poderíamos dizer, seria a

afirmação de que “todo conhecimento de Deus é válido”, o que evidencia o cúmulo do

relativismo, que, inclusive, sobeja no pensamento da sociedade contemporânea, para a qual

toda ideia de Deus parece ser válida. Contudo, podemos também entender que o comentador

possa ter querido dizer que todo conhecimento sobre a sua fé é válido, ainda que seja mediado

pela TV. Sobre a relatividade da mensagem do Evangelho na igreja e na TV ainda veremos na

questão conclusiva da pesquisa. O último comentário deste item destaca a sede de cultura

religiosa, em que o telespectador revela seu gosto pelas “notícias da Igreja” e o desejo de

conhecer o modo como são celebradas “as missas de outros estados”. Essa observação

responde por que o turismo religioso tem crescido tanto no meio católico, e o público alvo

desse turismo de fé é exatamente o telespectador das programações religiosas. As companhias

que promovem peregrinações nacionais e internacionais geralmente patrocinam os programas

religiosos ou produzem tais programas que gravitam em torno da missa televisionada, quando

as emissoras atingem seu maior pico de audiência. Exatamente nesse ponto encontramos

aquele problema genético que a TV traz consigo desde o seu nascedouro, porque faz parte de

sua natureza, que é sua dependência financeira, sua ligação com o mundo econômico, sem o

qual ela não sobrevive, e que ao mesmo tempo traz consequências éticas198 e morais no seu

relacionamento com a mensagem do Evangelho e com a Igreja. O mais agravante desse

aspecto de dependência da TV é que as cifras necessárias para sua manutenção não se contam

em milhares, mas em milhões. E daí decorrem todas as consequentes situações nem sempre

amistosas entre as emissoras brigando por ibope e a inevitável perda de referenciais éticos.

Por não poder aceitar as condições desse jogo, muitas vezes corrupto, a Igreja perde presença

197 Ibidem, n. 17, p. 360. 198 Cf. Ibidem, p. 145.

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ainda mais eficaz junto aos homens e mulheres que poderiam usufruir melhor da mensagem

do Evangelho através da televisão. Quanto a esse dilema, não vemos perspectiva de

superação. A Igreja sempre terá de lidar, e com coragem, com tal patologia desse aparato

midiático, para firmar presença nesse espaço, pelo bem do povo de Deus.

A última questão da pesquisa perguntou aos entrevistados se, na opinião deles, a missa

pela TV tem alguma diferença da missa celebrada na sua comunidade paroquial.

Considerando a totalidade dos participantes da pesquisa, 50% disseram haver diferença sim.

Para 14,28% não há diferença. A porcentagem de 33,34% não respondeu objetivamente,

apenas comentou a questão. E 2,38% não responderam nem comentaram. De todos os

comentários que os participantes fizeram, apenas três foram descartados por não oferecerem

relevância para o nosso objetivo. Os demais serão agora citados e discutidos.

O comentário cujo teor obteve maior número de pessoas afins foi: “por ser uma missa

transmitida, ela tem diferença em relação à participação. Ela não deve substituir a missa

presencial. A missa pela TV deve servir mais àqueles que não podem se locomover”. Quatro

entrevistados anotaram esse conteúdo nas suas respostas. Diante dessa observação, que

acompanha o pensamento dos 50% que distinguiram entre a missa televisionada e a

celebração eucarística em sua comunidade, vemos que o público católico que acompanha as

programações religiosas na TV e, especialmente, a celebração eucarística, tem uma opinião

esclarecida sobre esse conteúdo litúrgico-midiático. Embora a pesquisa mostre que ele goste e

seja o seu programa favorito, o entrevistado reconhece que o grau de sua participação através

da missa televisionada não se compara com sua presença à celebração eucarística na

comunidade paroquial. E, mais, está claro para ele que essa programação tem um público

específico ao qual ela, mormente, deve se dirigir: “àqueles que não podem se locomover”. A

natureza desse conhecimento revela o que a pesquisa também mostra, o interesse dos fiéis

pela formação catequética, pastoral e de doutrina da Igreja presente nos programas desse

perfil, além do que recebem na comunidade paroquial.

O segundo comentário de maior destaque foi: “a diferença é muito grande. Na missa

celebrada na comunidade paroquial, com presença ao vivo, participamos da ceia eucarística,

comungamos o Corpo de Cristo. Na paróquia participo e sinto muito mais”. Três participantes

citaram esse teor de conteúdo, corroborando terminologias já presentes no comentário anterior

sobre participação e presença, e agora acrescentando a comunhão no Corpo de Cristo. Com

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isso, o predomínio da observação dos pesquisados recaiu sobre as terminologias participação,

presença e comunhão, como limites à celebração eucarística mediada pela TV. Entendemos

que aqui há grande afinidade entre o pensamento do fiel católico que assiste às programações

religiosas da TV e o ensinamento doutrinal da Igreja. Mesmo que as compreensões, por vezes,

não se coadunem perfeitamente, esses conceitos surgem aqui como pontos de encontro para a

discussão teológica sobre o lugar litúrgico da celebração eucarística no contexto midiático.

Cada um dos comentários abaixo teve duas citações semelhantes e, observando-os,

destacamos dois fragmentos do conceito de participação, o contato com os demais membros

da assembleia litúrgica e a identidade própria da comunidade expressa na oração dos fiéis:

– Em casa, fico dispersa com tantas coisas. – Na missa pela TV, falta o contato com os irmãos, a unção espiritual, o aconchego do olhar e a sintonia com o padre. – É melhor na paróquia, assim podemos comungar. – A diferença é que na missa da comunidade o padre consegue abordar as necessidades da comunidade.

Observamos nos comentários acima o fato da dispersão no ambiente onde o sinal da

TV está sendo recebido, com pessoas falando, entrando e saindo, cantando, gritando,

conversando ao telefone, procurando objetos, panelas no fogo, máquinas ligadas, e tantos

mais. Todos esses efeitos causam um ruído de duplo alcance: na comunicação e na liturgia.

Além disso, citam-se também a ausência do contato físico com os demais celebrantes, a falta

de unção no ambiente celebrativo que está sendo transmitido, talvez por causa de algum

vestígio de formalidade, o não se ver acolhido pela assembleia que participa in loco, a

carência de sintonia com o padre e, por fim, a impossibilidade de comungar. Deve-se destacar

aqui também o último comentário, que revela preocupação com o caráter comunitário da

missa televisionada. Ela não possui uma identidade local, é universal, ou se pretende assim. O

entrevistado diz que “a diferença é que na missa da comunidade o padre consegue abordar as

necessidades da comunidade”, ou seja, a missa pela TV não fala das características

identitárias da comunidade paroquial do fiel telespectador, bem como ignora sua realidade

local.

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Os demais comentários serão agora agrupados conforme a natureza conceitual que

trazem, para facilitar nossa apreciação dos mesmos. Constituímos dois grandes grupos que,

coincidentemente, somaram dez comentários cada um. No primeiro, os comentários

apresentam os conceitos de comunhão e participação. No segundo, observamos os termos

presença, interação e formação.

1º Grupo: Comunhão e participação.

1 – Nada substitui participar da missa na casa do Pai. É um momento de graça em que ele próprio se doa totalmente por amor. 2 – As pessoas que têm o costume de assistir a missa pela televisão não comungam e não podem se confessar, e nesta situação ficamos com o pecado. Por falta de tempo, acabamos não colaborando com as obras da paróquia. 3 – A diferença está no ao vivo. Fazer tudo junto é mais espiritual. 4 – Muitas vezes consigo entender melhor a missa pela televisão porque fico sozinha. 5 – A missa na comunidade é melhor porque, além da comunhão, sinto a energia das pessoas, que pela TV não tem, mas a TV é uma grande aliada para os idosos, enfermos e deficientes físicos. 6 – A diferença está na vida em comunidade; viver o sacramento conforme seu significado verdadeiro: comunhão. 7 – A missa na TV é algo superficial comparada à missa que se participa na paróquia. 8 – Na missa de TV falta a comunhão e a fraternidade vivida pessoalmente na comunidade. 9 – Na comunidade a missa é especial, pois se recebe o Deus vivo. 10 – Em minha opinião, as missas são iguais, mas como não posso receber naquele momento a santa comunhão, não posso participar, só assisto.

Transitando entre a comunhão e a participação efetiva na celebração eucarística, os

entrevistados apontam seu parecer acerca da presença midiática da santa missa. O primeiro

comentário é enfático ao dizer que “nada substitui participar da missa na casa do Pai”,

reclamando todo o significado litúrgico que encerra o culto divino na casa do Senhor, e

fazendo ver a ação magnífica de Deus ao entregar-se no santo sacrifício eucarístico. O

segundo comentário traz os limites para a comunhão, a confissão e a colaboração do fiel com

sua comunidade quando se habitua a apenas assistir a missa pela TV. O comentário seguinte

fala de ao vivo certamente no sentido de presença física e tudo junto é mais espiritual

compreendido como comunhão efetiva. Mais à frente se diz entender melhor a missa pela TV,

provavelmente no sentido de participar, pois, o telespectador pode estar fazendo uma

referência ao fato de que existem situações na igreja que o impedem de ter um contato mais

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íntimo com o mistério celebrado, talvez o calor, o número de pessoas e outros fatores de

ambiente, o que já não ocorreria quando ele se encontra sozinho em sua sala de TV,

diferentemente de outro participante que falou da dispersão no ambiente de sua casa. O

comentário em sequência reforça a comunhão em dois sentidos, o gesto de comungar o Corpo

de Cristo e o de estar junto das pessoas que formam a assembleia litúrgica, valorizando com

isso a participação comunitária. Esse mesmo aspecto se intensifica no 6º comentário, que une

o conceito de vida em comunidade ao próprio conceito sacramental de comungar. Diante

disso, o comentário seguinte vê com superficialidade a missa televisionada. Essa visão

também ocorre no próximo comentário que diz faltar à missa de TV a comunhão e a

fraternidade vivida pessoalmente na comunidade. A comunhão sacramental também se

encontra na centralidade do 9º comentário quando fala de receber o Deus vivo. O último

comentário condiciona totalmente o grau de participação pela possibilidade da comunhão

sacramental: como não posso receber naquele momento a santa comunhão, não posso

participar, só assisto. Existe nesse comentário uma redução total de participação. É verdade

que a sagrada comunhão na ceia eucarística realmente define o grau de participação na mesa

sagrada, contudo, o não aproximar-se da mesa, parcializa, mas não extingue a participação.

Vejamos agora as contribuições dos entrevistados, cujos comentários foram

organizados no segundo grupo em que discutiremos conceitos mais ligados à presença na

assembleia litúrgica, à interação havida entre os fiéis participantes da mesma e a formação

catequética, doutrinal e mesmo litúrgica da Igreja.

2º Grupo: presença, interação e formação.

1 – Só assisto a missa pela TV quando não posso ir à igreja. Na igreja é mais calorosa. 2 – Tem diferença porque a missa pela TV não tem calor humano. Na comunidade há mais alegria. 3 – Não nego que as missas pela TV sejam boas e que sejam necessárias para aqueles que não podem ir até a igreja, mas a força da oração na paróquia me parece mais forte e real. 4 – A missa pela TV jamais substitui a missa da paróquia, mas traz comentários e ensinamentos que podem servir de complemento espiritual, dentro de um sadio e necessário discernimento que contemple exatamente o Magistério, a Tradição e as Sagradas Escrituras. Ressalto que a TV não substitui a presença pessoal aos sacramentos. 5 – Para mim, a missa pela TV só serve para quem está impossibilitado de ir à missa, de se locomover. Caso contrário, de nada vale.

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6 – Não há diferença, pois a fonte é a mesma. Pode haver diferença quanto ao ritual, mais elaborado ou mais simples, mas a maturidade na fé elimina as diferenças rituais. 7 – Em minha opinião, a única diferença é o padre. 8 – Gosto mais da missa celebrada na comunidade paroquial, mas, como já tenho 88 anos, fica difícil ir mais vezes à igreja. 9 – A missa é melhor na paróquia, pois não há interação pela televisão, não recebemos Jesus (apenas espiritualmente). 10 – Gosto de assistir à missa e ouvir a Palavra de Deus dentro da minha casa junto com a minha família.

O primeiro e o segundo comentários valorizam o calor humano da presença

comunitária, inexistente na missa mediada pela TV. Vê-se aqui o peso do encontro das

pessoas com seus amigos e conhecidos que se encontram para celebrar. O 3º, o 5º e o 8º

comentários trazem o valor da santa missa pela TV para quem não pode estar na celebração

eucarística realizada na igreja. Fatores como idade, doença, deficiência e outros agentes que

impossibilitam os fiéis de irem até a igreja justificam o valor da liturgia eucarística

televisionada. O 4º comentário traz a importância formativa da missa pela TV, que serve de

complemento espiritual e instrução sobre a doutrina e a liturgia da Igreja, embora não

substitua a efetiva aproximação ao sacramento da comunhão. A formação dos fiéis é

certamente um campo fértil na televisão que precisa de um olhar especial da Igreja e de seu

investimento mais incisivo. Pois, como a pesquisa mostra, os programas televisivos têm sido

lugar de formação à cultura religiosa católica. O 6º comentário considerou iguais as

celebrações tanto a da comunidade como a da TV, e deteve-se nos aspectos de elaboração do

roteiro litúrgico, muito próprio da produção televisiva, considerando as mudanças de roteiro

como diferenças rituais. Na verdade, os ritos é que evidenciam que tanto uma missa quanto

outra são iguais, e não o seu roteiro artístico de produção, com tomadas de câmera e efeitos

visuais de imagem. A diferença, na verdade, está na participação do fiel, que acompanha a

celebração do outro lado da tela da TV. É ele que não tem acesso pleno à ritualidade que está

sendo mediada. O comentário também fala de maturidade na fé, provavelmente como forma

de compreensão dessa diversidade entre roteiro e rito. O 7º comentário destacou a figura do

presidente da celebração como único ponto de diferença entre a celebração eucarística na

paróquia e a missa pela TV. Podemos entender esse comentário no sentido de que na paróquia

o fiel tem sempre o mesmo padre, enquanto na TV, cada dia é um padre diferente, e, com isso,

um jeito próprio de celebrar o santo sacrifício. O 9º comentário fala de interação como

comunhão entre os fiéis e também no sentido sacramental: não há interação pela televisão,

não recebemos Jesus (apenas espiritualmente). Como já vimos durante o desenvolvimento da

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temática da celebração eucarística, a concepção de receber o Corpo de Cristo espiritualmente

não existe na doutrina da Igreja, o que existe é a comunhão na oração, que é outra coisa.

Comungamos na oração quando oramos com a Igreja, participando de sua celebração litúrgica

e vivenciando nossa fé em comunhão com ela. Dessa compreensão e da prática de adorar ao

Senhor na hóstia consagrada é que acabou surgindo a ideia de se receber uma comunhão

espiritual, que, na verdade, nada mais seria do que o santo desejo de se aproximar do altar de

Cristo para efetivamente recebê-lo nas espécies eucarísticas. O último comentário faz

referência ao caráter evangelizador da missa televisionada e à força de comunhão familiar que

ela proporciona. Através da liturgia eucarística da TV, a família tem a oportunidade de

fortalecer, inclusive, seus laços familiares ao ouvir a Palavra de Deus e ao acompanhar o rito

litúrgico da Igreja, orando com ela.

A análise da pesquisa observou que os entrevistados têm em mente o primordial lugar

que ocupa a celebração eucarística em sua comunidade paroquial, e, embora não tenham a

clareza das terminologias teológicas, expressam com suas palavras a compreensão litúrgica

que têm do santo sacrifício do Senhor. Tais expressões, por sinal, vimos como acertadamente

bem posicionadas em relação à doutrina da Igreja, salvo raras exceções. Suas observações nos

fizeram ver o valor que a liturgia eucarística pela TV possui enquanto alargamento de suas

experiências de fé, informação e educação sobre a vida eclesial. O número de entrevistados

que apreciam esse programa é muito grande, e, mesmo reconhecendo os limites da missa

televisionada, procuram ver os valores que adquirem por meio dela. A Igreja, portanto, está

no caminho certo ao incentivar sua presença formativa, educativa e litúrgica através da

televisão. De todos os modos, a Igreja, ao se fazer presente no universo midiático, catalisa e

traz para junto de si aquele que se encontra perdido à procura de paz, de conforto e de

esperança, além de confirmar na fé os que já dialogam com ela.

Concluindo este terceiro capítulo, nosso próximo passo é visualizarmos a presença

litúrgica da Igreja no espaço midiático, tendo a evangelização como horizonte, a partir do qual

buscaremos responder aos questionamentos lançados ao longo do nosso estudo e que

aguardam nosso posicionamento sobre esta pesquisa. O objetivo é responder aos apelos deste

tema fazendo uso dos conhecimentos adquiridos a partir dos teóricos e das contribuições

advindas da pesquisa de campo.

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3. A Celebração Eucarística pela TV no limiar da evangelização

Tanto as aproximações teóricas quanto as contribuições da pesquisa de campo nos

permitem localizar a missa pela TV como um programa que incentiva a comunhão com a

Igreja, que leva a presença confortadora da Igreja aos que de algum modo se encontram

impossibilitados de ir à paróquia, e que contribui para o fortalecimento da fé de quem o

assiste, mas que não possui valor sacramental199, devido ao limite da mediação. Seu papel,

portanto, é eminentemente evangelizador.

Através do perfil da evangelização, como o programa católico preferido e mais

assistido pelo público entrevistado, a missa televisionada ganha um destaque todo especial.

Se, enquanto celebração litúrgica, o programa perde em participação e comunhão, enquanto

comunicação da Palavra de Deus, isto é, do Evangelho, ela se efetiva plenamente, superando a

barreira dos limites muitas vezes presentes no ambiente da igreja paroquial. A comunicação

evangelizadora da TV tende a ser mais eficaz do que a pregação do padre na sua paróquia,

onde os instrumentos de sonorização, por vezes, são o pior inimigo da ministração da Palavra

de Deus, além do desconforto e das distrações circundantes. Nesse ponto, toda a

potencialidade da TV, com seus mais inovadores recursos técnicos e conceituais, se encontra

com a força transformadora do Evangelho em sua plenitude. Ocorre aqui uma combinação

perfeita que resulta na atitude do telespectador em acolher de bom grado e se dispor de alma e

coração à mensagem do Evangelho.

Muitos passos no estudo científico entre liturgia e comunicação midiática precisam ser

dados no sentido de uma compreensão conceitual que melhor abrigue tão distintas realidades.

Mas nessa fronteira, enquanto avançamos na pesquisa de tais conceitos, precisamos, hoje,

privilegiar a evangelização, pois, de qualquer modo, toda comunicação mediada só se justifica

pela vontade de os comunicadores em diálogo estabelecerem uma comunicação efetiva e

plena, que podemos chamar de comunhão, encontro. É para o encontro que tende toda

comunicação porque a comunhão é sua plenitude200. Entendemos, desse modo, que a

199 Cf. CNBB. Assembleia eletrônica litúrgica. Estudos 48. São Paulo: Paulinas, 1987, n. 36, pp. 22-23. 200 Cf. Orientações para a formação dos futuros sacerdotes, n. 3. In: DARIVA, Noemi (Org). Comunicação Social na Igreja: documentos fundamentais. São Paulo: Paulinas, 2003, pp. 140-141.

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comunidade eclesial é a expressão maior de comunhão, e, assim, o sentido da missa veiculada

pela TV encontra-se em animar o telespectador a buscar e cultivar essa comunhão. Mover o

telespectador disperso ao encontro da comunidade paroquial é o grande desafio da Igreja, e a

pesquisa que realizamos mostra que a missa televisionada pode ser sua grande aliada nessa

tarefa. Realizando esse papel, a liturgia eucarística presente na TV contribui para a

evangelização e a edificação da comunhão da Igreja.

Enquanto comunicação que caminha para sua plenitude na comunhão, podemos dizer

que sim, é possível ao fiel católico participar da liturgia eucarística pela TV. Trata-se de uma

participação mediada, parcial, mas efetiva, verdadeira. A missa pela TV não é um imbróglio

ou uma enganação. Ao contrário, embora esteja limitada enquanto programa midiático, ela

também é lugar sagrado, ponto de encontro com Deus, através da oração da Igreja para todos

quantos estejam em comunhão com ela.

Indagávamos ainda no primeiro capítulo sobre o fato de haver ou não espetáculo,

entretenimento, na programação religiosa da TV, na ação televisiva de comunicar a liturgia da

Igreja. Respondendo a esse questionamento, vimos na entrevista que para 9,68% dos

participantes que gostam de participar da missa pela TV, existe nela algo de espetacular;

gostam de assistir porque é mais bonita do que a celebrada em sua comunidade paroquial.

Embora essa porcentagem seja a menor no item pesquisado, ela revela que a missa encontra-

se em meio à natureza espetacular inerente à TV, e que, por vezes, a liturgia eucarística pode

ser vista como mais um programa na grade de produção e que os membros da assembleia in

loco da celebração televisionada podem ser vistos como artistas, inclusive, e principalmente, a

figura do padre.

Alguns questionamentos a seguir sugiram no segundo capítulo, ao abordarmos a

liturgia da comunicação midiática televisiva, especialmente quanto ao ponto de encontro entre

essas duas esferas da cultura humana tão peculiares, tão específicas, e que têm uma da outra

tentativas tão meticulosas de aproximação. Apesar dos melindres inerentes a essa

aproximação, quiçá em virtude do ainda tenro domínio sobre a epistemologia da vinculação

liturgia-mídia, as fontes teóricas e as contribuições advindas da pesquisa de campo nos levam

a compreender que a economia midiática televisiva, com sua ritualidade e liturgia próprias,

tem potencial, sim, de comportar em seu complexo universo a liturgia orante da Igreja e de

conferir a ela um alcance ainda maior em sua eficácia. Poderíamos nos perguntar: em que

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ponto, então, elas se intercruzam e se potencializam mutuamente? Diríamos que a liturgia

midiática encontra-se com a liturgia da Igreja no momento em que aquela provoca no

interlocutor uma reação, uma atitude em relação a esta última. E também podemos dizer que o

mesmo ocorre quando movido pelo desejo da liturgia da Igreja, o telespectador recorre à

comunicação da liturgia midiática. Vemos nisso a comunicação no seu nível mais básico, o

meio permitindo aos comunicadores sua interação em vista do fim. Trata-se de uma mediação

a serviço, fazendo um paralelo ao comentário de São João Crisóstomo201 sobre o start, o

começo, o ponto de partida para se estar disposto a receber sacramentalmente o Cristo, e,

assim, tomar parte plenamente da grande festa da Eucaristia. Entendemos, com isso, que a

mediação da TV não é o fim, mas o começo do processo de comunhão, onde Cristo se faz

tudo para os seus convivas, sendo ele mesmo o alimento dos que à mesa dele vão sentar.

Enquanto plenitude do processo comunicativo, a comunhão se expressa também na

plena participação dos membros da assembleia litúrgica à mesa eucarística, não comportando,

portanto, a ideia de comunhão à distância, como já dissemos acima, mas, quanto à

participação, o telespectador a realiza de modo parcial. Seguindo essa linha de raciocínio,

sabendo que sacramento é sinal visível e eficaz da ação de Deus na vida do homem, e que

todo sacramental é apenas uma referência ao sacramento, como fica quem está longe, toma

parte de um sacramento ou de um sacramental? Agora podemos responder a essa pergunta

com toda clareza. Sabemos que por meio da televisão, o fiel não tem como participar

plenamente dos sacramentos e nem dos sacramentais que reclamam matéria como, por

exemplo, a água benta, muito utilizada nos programas religiosos televisivos. Há necessidade

de o ministro e o que recebe esses sinais sacramentais estarem fisicamente presentes.

Portanto, para quem está longe, nem sacramento nem sacramental. Ocorre nesse caso o que

citamos acima sobre a ideia de comunhão espiritual. O telespectador participa da ação

litúrgica midiática enquanto ora em comunhão com a Igreja. É na oração da Igreja que ele

participa, e, por ela, recebe os abundantes frutos da graça divina.

Atingir a plenitude da comunicação, manifestada na comunhão entre os seres humanos

e os próprios membros dispersos da Igreja entre si, é o propósito da relaçao simbólica entre a

liturgia sagrada e a cultura midiática televisiva. Com seus princípios próprios de comunicar, a

201 Cf. BOROBIO, D. A celebração na Igreja 1. Liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo: Edições Loyola, 1990, p. 164.

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mídia e a liturgia concorrem com seus símbolos e ritos para esse fim. O diálogo havido entre

essas duas sublimes expressões do homem na sua busca de encontrar-se consigo mesmo e

com Deus ainda possui um longo caminho de descobertas até sua maturidade. Por ora, esse

caminho vai sendo trilhado como via para a evangelização, o que de modo algum desmerece

qualquer das partes, porquanto cumprem a ordem do Criador e Salvador da humanidade.

Tanto os documentos da Igreja quanto os comentários dos entrevistados por nossa

pesquisa demonstram essa vocação evangelizadora da TV. Imaginamos que se trate de um

sinal dos tempos de que é por meio dela que a Igreja tem seu campo fértil para a semeadura da

Palavra e sua abundante colheita. Não lançar mão de jogar as redes nessas profundas águas da

cultura midiática contemporânea seria equivalente a desprezar a providência de Deus no

exercício da missão de anunciar o Evangelho. A Igreja tem consciência disso e os fiéis

católicos de perto ou de longe têm sede dessas águas abundantes, e querem ver o rosto da

Igreja neste espaço que hoje predomina em suas vidas.

Um pouco mais desse horizonte aberto da evangelização, veremos na conclusão deste

nosso estudo, buscando interligar o complexo universo midiático da TV com a cultura

teológica da Igreja. Trata-se de um desafio às fronteiras do conhecimento na relação mídia-

liturgia, desbravando a cultura midiática como meio de conquistar novos espaços para o

cumprimento da missão evangelizadora e forma de redescobrir esse universo como espaço

teológico.

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CONCLUSÃO

A EVANGELIZAÇÃO NO ESPAÇO MIDIÁTICO

A televisão como lugar teológico

O Senhor Jesus comunicou à Igreja a sua missão e ordenou-lhe: “ide pelo mundo

inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura!” (Mc 16,15). Impelida pelo mandamento do

Senhor, a Igreja hoje se lança ao mundo midiático para nele cumprir sua missão de ser para

toda a humanidade sacramento universal de salvação. Por isso, constitui parte desse lançar-se

em missão a pesquisa metodológica de como fazê-lo. O nosso estudo encontrou muitas

interrogações pelo caminho, muitas das quais já foram sendo respondidas, e outras tantas

ainda seguem nossos passos.

A pesquisa que realizamos trouxe como objeto de estudo a celebração eucarística

mediada pela televisão. Para chegarmos a esse objeto, contextualizamos de modo geral a

televisão no espetáculo da cultura industrial, observando essa mídia sob o discurso

jornalístico. Elegemos esse discurso como base para a reflexão da práxis televisiva porque o

consideramos a expressão mais sublime do cotidiano midiático, pois foi em torno dele que

todos os aparatos de mídia foram criados e estruturados, até o ponto em que ele também se

tornou apenas um item do espetáculo mercantil da cultura industrial que fez da mídia sua

criação mais genial. O objetivo dessa contextualização foi mostrar a ambiguidade da TV, com

seu ambiente dominado pelo poder econômico, em contraposição com a presença litúrgica da

celebração eucarística que significa uma realidade absolutamente outra, diametralmente

oposta.

A incursão no contexto histórico da televisão nos permitiu observar a complexidade

das relações que dão estrutura ao discurso midiático, e vimos que tais relações são ancoradas

ao processo de produção industrial. Até os nossos dias, utilizamos a terminologia produção

para identificar o fazer televisivo, e seus resultados como produtos de TV. A nossa

investigação conseguiu observar que esse caráter escuso da produção televisiva é um grande

empecilho para uma presença mais efetiva da Igreja nesse ambiente, dados os altíssimos

investimentos que é necessário dispor, mas isso não impossibilitou a apresentação da Santa

Missa.

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A televisão é a mídia que melhor vende a ideia mercadológica de produção cultural.

Ela é a mais distinta interlocutora de uma sociedade pautada pela construção do espetáculo,

do consumo, da complexidade e volatilidade de valores, como também do estar só no meio da

multidão, do isolamento, da individuação. A TV conclama seu interlocutor para um diálogo

pautado, que para ele tem ares de participação efetiva, de tomada de decisão, mas para ela é

apenas ludicidade, entretenimento. O telespectador interage com sua interlocutora sabendo

que ela é uma caixa de fantasias, aquelas prometidas e vendidas como produtos de mercado.

A pesquisa de campo que realizamos mostra a consciência que o telespectador tem diante da

TV e a autonomia dele, ao mesmo tempo que vê nela qualidades que não encontra no

cotidiano comunitário, inclusive o conforto do sonho que ela é capaz de lhe proporcionar por

meio de sua reprodução simbólica.

Consideremos que em nossos dias a TV está em todo lugar, portátil em todo tamanho,

com programas produzidos para todos os bolsos, com acessos interativos que fazem dela algo

muito além de um antigo armário inamovível de vinte e quatro polegadas sobre uma cômoda

na sala de estar. A TV não se limita a movimentar imagens e colocar cores nelas. Ela cria

novas paisagens urbanas e mentais, constrói novas narrativas, novos contextos discursivos

através de um clique em qualquer microrreceptor de sinal, portado em qualquer lugar de

acesso virtual no planeta. O aparato tecnológico de mídia atual permite à TV uma

potencialização comunicativa jamais imaginada em outra época de nossa história, gerando

interação e compartilhamento de informações entre interlocutores em diferentes partes do

globo que podem estar em cadeia virtual participando de um determinado programa

televisivo.

Apesar de toda essa evolução tecnológica, a televisão ainda tem os mesmos

pressupostos estruturais que a definiam desde o momento de sua criação enquanto mídia. Sua

base é a linguagem econômica. Seu ponto de partida e objetivo é a venda, a movimentação do

mercado de bens de consumo. E, nesse sentido, ela não tem um compromisso de fidelidade

com a dignidade humana se isso também não for precificado. A Igreja, por exemplo, paga o

preço da TV para estar no ar, isto é, para se fazer presente no espaço midiático, pela sua

concessão e manutenção de canais, que movimentam milhões de reais mensalmente.

Encontramos nisso o paradoxo da exigência anúncio do Evangelho. Ao mesmo tempo em que

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é preciso ir evangelizar, esse gesto missionário é sempre gratuito da parte de Deus e do

mesmo espírito deve se revestir o evangelizador.

A linguagem da TV, grosso modo, apresenta incompatibilidade de convivência com a

peremptoriedade discursiva do Evangelho, como também, seria uma ilusão imaginar que a

cultura televisiva consiga comportar o peso simbólico e eficaz da liturgia sacramental sem que

haja do ponto de vista teológico um jeito novo de olhar para essa mediação que permita à TV,

dentro de seus limites de mídia, comunicar a experiência do divino, fazendo os

telespectadores participarem do Mistério de Cristo. Tal participação é plena na mesa da

Palavra, mas parcial na mesa da Eucaristia em virtude da impossibilidade de o telespectador

comungar. Supomos, portanto, que a Igreja está no caminho certo quando acredita ser

necessário investir mais na pesquisa desta relação, em vista da superação de tal dicotomia,

crendo na possibilidade de uma aproximação maior dos fiéis com o mistério eucarístico

celebrado através da mediação televisiva.

Os documentos da Igreja que se ocupam deste tema incentivam a missa televisionada

de modo privilegiado aos enfermos e idosos, mas não só a eles serve a celebração eucarística

pela TV. A pesquisa que realizamos mostra que, mesmo destacando a qualidade insuperável

da celebração eucarística em sua comunidade, a maioria dos entrevistados que assistem à

missa pela televisão, atuantes em sua comunidade paroquial, o fazem por inúmeros motivos,

dentre os quais, porque se sentem confortados pela presença de Deus, pela força da Palavra e

pela curiosidade de aprender algo novo sobre a fé. Compreendemos, então que, mesmo que

não seja plena, a Igreja exerce, pela missa televisionada, seu sinal visível do mistério de

Cristo no mundo; realiza sua missão de evangelizar, pregando a Palavra de Deus, e

confirmando todos os que, na qualidade de assembleia eletrônica, participam da celebração

litúrgica.

A televisão espelha as relações da sociedade que a mantém. Portanto, a chave de

leitura de sua linguagem é exatamente essa. Apropriando-se de sua cultura particular, a Igreja

pode, falando pela TV, mostrar Cristo ao mundo, sem que necessariamente se projete na tela

uma imagem caricaturada de Cristo aos moldes contemporâneos. Assim sendo, a TV também

pode espelhar fielmente a celebração litúrgica da Igreja, se os católicos e profissionais

envolvidos no processo decodificarem ambas as linguagens em vista da comunicação do

Evangelho. Trata-se, precisamente, de uma tarefa que se confia à produção dos programas

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televisivos de orientação católica. Embora o conteúdo, por vezes, pareça ter um acento

doutrinal e moralista, atualmente, as TVs Canção Nova e Aparecida, de modo especial, têm

investido muito na linguagem televisiva de última geração em fins de evangelizar a partir da

cultura contemporânea, falando a língua do homem de hoje. Os programas de evangelização

dessas emissoras atingem, como vimos na pesquisa de campo, muitos lares brasileiros e estão

sendo muito bem recebidos, ficando atrás apenas da missa, que é a programação preferida do

povo católico.

Se, de um lado, a celebração eucarística tem aquele seu caráter próprio e inalterável,

do outro as emissoras de TV parecem se sentir à vontade ao produzir seu estilo próprio de

celebrar. A mensagem que se transmite com isso é a de coexistência de modelos ideais. Nesse

sentido, por exemplo, cada emissora de inspiração católica apresenta a celebração a partir de

seu carisma e espiritualidade próprias, fazendo com isso, uma opção autônoma de estilo

celebrativo. Tal diferenciação é natural que ocorra porque essa é a realidade da vida da Igreja

em toda a sua diversidade, abrigando sob o seu manto inumeráveis ordens, congregações e

comunidades de vida, cada uma com seu jeito específico de conferir ao mistério eucarístico

nuanças particulares no modo de celebrá-lo.

A celebração eucarística pela TV enfrenta as interferências econômicas do ambiente

midiático, e, senão no espaço, é no tempo destinado à transmissão que esse fator se verifica.

Nós mesmos, quando das diversas oportunidades que temos de presidir a missa pela Rede

Vida, nos fazemos testemunhas disso. A contagem do tempo da TV interfere diretamente na

condução da celebração eucarística realizada no estúdio-santuário da emissora. Celebrada ao

vivo, a missa pela TV está condicionada às vicissitudes do tempo, às vezes, devido à entrada

em cadeia nacional de alguma voz política, de uma notícia de caráter urgente, da transmissão

de uma partida de futebol, ou mesmo, para a correção do tempo regulamentar de horário das

propagandas e demais programações da grade diária. São situações que forçam o presidente

da celebração a acelerá-la ou contê-la para fazê-la caber no espaço de tempo disponível. Tudo

vai sendo sutilmente realizado em combinação com o presbítero de modo que o telespectador

quase sempre não percebe qualquer mudança na dinâmica da celebração. Contudo, perde-se

na qualidade da homilia, dos cantos e da própria oração eucarística quando a ordem é acelerar

o processo, porque, de algum modo isso perturba a concentração do sacerdote. Diante disso,

em seus documentos, a Igreja é bem clara em sua opção por um modelo de comunicação

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pautado nos princípios éticos da fé cristã e valores do Evangelho. Descobrir esse ponto de

encontro é imprescindível para a manutenção da missão da Igreja nos ares da televisão com o

mais alto nível de qualidade que a ação litúrgica e também evangelizadora requer.

Embora se apresente uma barreira conceitual aparentemente intransponível entre os

ganhos litúrgicos e sacramentais para a vida da Igreja a partir da mediação televisiva, o

momento atual é de oportunidade para a conquista de novos horizontes para o pensar

teológico e litúrgico, como também de experimentação de novas possibilidades para a

tecedura de discursos televisivos que contemplem aqueles horizontes de fé. A Igreja está

nesse caminho de busca, e convoca os cientistas e pesquisadores de ambas as áreas do

conhecimento e da cultura à colaboração conjunta em vista de uma comunicação mais plena.

Tal urgência nesse empreendimento provém das demandas do relacionamento social

contemporâneo, que anseia pela abertura de espaços para o diálogo e a compreensão,

derrubando barreiras e alargando perspectivas. É um sinal dos tempos ao qual a Igreja está

seguramente atenta, como afirma o Documento de Aparecida:

Queremos felicitar e incentivar a tantos discípulos e missionários de Jesus Cristo que, com sua presença ética coerente, continuam semeando os valores evangélicos nos ambientes onde tradicionalmente se faz cultura e nos novos areópagos: o mundo das comunicações... Evangelizar a cultura... [é um gesto] que nasce do amor apaixonado por Cristo202.

O discurso midiático da TV é construído, proeminentemente, à base do

entretenimento, mesmo no exercício de sua função noticiosa, mas podemos considerar outras

possibilidades discursivas que viabilizem ir além do tecido linguístico do senso comum e

alcancem proximidade com a experiência de Deus. Não desprezando seu aspecto de

ludicidade, sem o qual a TV não seria ela, mas apropriando-se dele, a ação evangelizadora da

Igreja tem um campo vasto de potencialidades e atuações promissoras e eficazes. A

ludicidade pode, sim, ser a porta de entrada da Igreja no espaço midiático da TV para

evangelizar crianças, jovens e adultos e formá-los na fé. Por meio desse dispositivo

conceitual, a catequese pode desenvolver desenhos animados e seriados, programas infantis e

juvenis de participação e interação com os telespectadores de sua faixa etária num movimento

de inclusão dos mesmos no conhecimento da fé. Para os adultos já existem muitos programas

televisivos que trazem conteúdos doutrinais e de reflexão teológica, mas ainda assim, não são 202 CELAM. Documento de Aparecida. Aparecida: Edições CNBB, Paulus e Paulinas, 2007, n. 491, p. 221.

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atraentes, não exercem sobre os telespectadores um encanto necessário para fidelizá-los.

Como pudemos perceber nas respostas dos telespectadores entrevistados em nossa pesquisa

de campo, a formação vem em 3º lugar, depois da missa em 1º e das práticas de piedade em 2º

na preferência dos mesmos. Essa pontuação pode ser melhorada se a linguagem visual e a

dinâmica de apresentação dos programas formativos for mais adequada às demandas atuais

dos telespectadores e da própria natureza da comunicação contemporânea. Vale recordar que

os programas religiosos católicos não precisam ser melancólicos, tristes ou circunspectos. Ao

contrário, se na comunicação direta toda fala de Deus precisa portar a alegria da redenção,

quanto mais a linguagem televisiva o exige. Pois ela se dirige a alguém distante a quem se

almeja portar a mensagem salvífica do Evangelho.

O diálogo entre a sagrada liturgia da Igreja e a televisão é uma arena de resistências

entre comunicadores e liturgistas. É um campo de conhecimento ainda incipiente que começa

a dar seus primeiros passos em direção à compreensão mútua. A grande dificuldade que se

encontra é a celebração da liturgia sacramental. As outras manifestações litúrgicas da Igreja

não encontram da parte dos liturgistas tantos obstáculos em sua veiculação televisiva, ainda

que todo o intuito do culto divino seja conduzir os participantes à plena comunhão que se

realiza numa assembleia comunitária fisicamente constituída. Contudo, à parte a problemática

sacramental, que hoje se tem definido como inexistente para a mediação televisiva, a liturgia

da Igreja contém elementos fundamentais de comunicação simbólica que podem ser

potencializados pela televisão, mesmo numa celebração eucarística.

A compreensão teológica que pode oferecer luzes sobre a presença litúrgica da Igreja

na TV deve partir do princípio da comunicação divina. Deus se comunica com o homem de

diversos modos através da história da salvação. Esses modos escolhidos por Deus para se

comunicar revelam outro tipo de distância que não é puramente física, mas a distância de

natureza ontológica, muito mais substancial que a física. Deus é o outro, o totalmente outro, o

desconhecido, na relação com o homem, o que faz com que o Criador lance mão de

ferramentas acertadamente eficazes para se dar a conhecer àquele que Ele mesmo criou à sua

imagem e semelhança. É nesse movimento comunicacional e teológico que se estabelece a

liturgia, sendo esta, portanto, um dinamismo que parte de Deus em relação ao homem, que é

convocado a firmar um diálogo com seu Criador. Esse diálogo é ritual, cultual, litúrgico.

Compreendemos, assim, que se no princípio Deus falou com o homem utilizando-se da

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linguagem da pedra, Ele hoje se nos mostra todo inteiro no Cristo, mas não despreza a TV na

intermediação de sua mensagem salvífica a todos os povos da terra, pois, a limitação para a

comunicação plena, que a Igreja define como comunhão, não está na natureza divina e sim na

humana.

Se a função litúrgica tem como pressuposto a comunicação com Deus, na qualidade de

ferramenta comunicacional, a mídia televisiva encontra lugar propício nesse diálogo litúrgico.

A TV pode, utilizando-se da arte como inspiração divina, ampliar a experiência numinosa que

o telespectador faz do encontro com o seu Senhor, alargando sua capacidade de fruir com

mais propriedade o mistério sagrado que naquele instante é contemplado. O dinamismo da

cultura midiática televisiva pode, assim, oferecer aos fiéis católicos maior proximidade do

mistério celebrado. A viabilização dessa proximidade pode se verificar nos diversos

momentos da celebração litúrgica, quando os sinais simbólicos do culto divino são

devidamente apresentados por imagens com enquadramentos, movimentos e perspectivas

adequados à intenção do momento celebrativo. Poderíamos aqui até mesmo citar como

exemplo a sincronia que deve haver na captação de imagens detalhadas do próprio gesto

litúrgico, do espaço celebrativo e dos objetos sacros quando a ação litúrgica sugerir

contemplação, aproximando o telespectador da ação contemplativa. Tal movimento de

imagem pode, inclusive, favorecer mais a contemplação de quem está acompanhando a

liturgia pela TV, dada a visualização aproximada do sinal simbólico contemplado, do que o

fiel que está participando in loco da celebração litúrgica.

A partir da consideração de que a comunicação televisiva tem possibilidade litúrgica,

podemos estimar também que o culto divino encontra nessa mídia uma excelente parceira na

capacidade de promover junto ao fiel, distante de uma assembleia litúrgica comunitária, a sua

memória ritual. Assim, quando se trata de uma missa televisionada, diríamos que a TV

possibilita a esse fiel uma participação parcial no memorial eucarístico, por exemplo, mas ao

mesmo tempo pleno no memorial escriturístico. Liturgicamente, sabemos que se trata de um

único memorial, apresentado, porém, em dois sinais sensíveis diferentes, o Pão e a Palavra, o

que biblicamente é ainda mais complexo porque o Pão e a Palavra se fundem na concepção de

Pão da Palavra. Contudo, à TV basta considerarmos a imagem, isto é, o sinal sensível. A

partir dele, o fiel pode contemplar com fidelidade a memória mistagógica de sua fé.

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Movido pelo Espírito de Deus, o telespectador também é convocado a tomar parte da

sagrada liturgia onde quer que ele se encontre, numa situação de objetiva distância do lugar

onde se realiza fisicamente a assembleia litúrgica. Respondendo à moção do Espírito, ele

também participa do mistério celebrado visualizando as imagens da ação sagrada e recebe,

por este seu gesto, numerosos frutos da graça divina. Daí, portanto, todo o cuidado especial

que a celebração eucarística requer de quem a promove por meio da televisão. Desde o

presidente e equipes de celebração até os assistentes de câmera, todos precisam estar

imbuídos do espírito celebrativo e contemplando o mistério eucarístico, primeiro porque, para

eles, a liturgia eucarística é plena, isto é, sacramental, e segundo porque o ato celebrativo tem

uma missão evangelizadora para além da circunstância local onde está sendo realizada. Ela

deve chegar ao telespectador com perfeição de linguagem técnica e litúrgica, fazendo-o tomar

parte naquele momento de oração da Igreja. Tal participação do fiel à distância nos frutos

espirituais da oração da Igreja não carece de uma mediação midiática necessariamente, pois,

basta que alguém na assembleia litúrgica ore por aquele fiel e traga-o em suas intenções, que

lá onde ele se encontra, em qualquer parte do mundo, ele recebe de Deus toda sorte de graças

espirituais provindas do santo sacrifício realizado, no qual ele só se fez presente pela intenção

da assembleia. Porém, o acompanhamento da celebração litúrgica pela TV oferece a esse fiel

distante a possibilidade de abrir com maior motivação e docilidade o seu coração à ação

santificadora da graça de Deus. Nesse sentido, compreende-se que, mesmo no âmbito da

evangelização, a televisão também tem capacidade de prestar um serviço de excelência à

sagrada liturgia.

Por meio da TV, a Igreja tem a oportunidade de fazer da celebração litúrgica uma ação

evangelizadora, levando sua presença orante a milhões de pessoas, que por meio da

programação religiosa conseguem ter acesso à vida eclesial católica. Investindo na superação

dos ruídos de comunicação, próprios do ambiente midiático, a celebração litúrgica encontra

na televisão importante aliada na divulgação de sua praxe no interior da Igreja e promove aos

corações sedentos de Deus um instante de encontro pessoal com ele.

A liturgia da Igreja não pode ser vista como algo de domínio particular. Ela é a mais

alta expressão da caridade divina para com a humanidade, e a ordem deixada por Jesus a seu

respeito foi de que tal expressão chegasse a todos os povos: “ide, pois, fazer discípulos entre

todas as nações, e batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). O não

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lançar mão da televisão e de sua cultura para o cumprimento desta ordem de Jesus hoje pode

ser equiparado a uma possível preferência de Deus, no tempo das pedras, de optar por outra

mídia mais barata que não elas, para se comunicar com o homem, ou seja, se Deus, olhando

para a natureza humana, encontrou a pedra como a mídia mais adequada naquela fase

histórica, porque deveria ser diferente hoje, quando a Igreja precisa continuar levando Cristo

ao mundo e trazendo o homem a Cristo numa sociedade absolutamente marcada pela cultura

midiática? A idade da pedra já passou e Cristo vive e reina em nosso meio conforme

prometido a Abraão e seus descendente para sempre. A aliança de Deus com a humanidade

tomou uma forma inédita e insuplantável, revestiu-se de humildade para revestir o homem de

glória e dignidade. Enquanto peregrina neste mundo, a Igreja celebra essa Aliança Nova,

cantando-a, pregando-a, orando-a e manifestando-a de todas as formas possíveis no meio do

mundo, inclusive, e, com um diferencial ainda mais rico, quando o faz por meio da televisão,

possibilitando a vida divina a um sem número de pessoas sedentas da paz e da esperança de

Cristo. Aprouve a Deus, mesmo após a nova e definitiva Aliança, continuar contando com os

instrumentos da ciência humana para o conhecimento e acesso à sua vida divina sobre a terra

enquanto durar neste mundo o peregrinar da assembleia celebrativa celeste.

A celebração litúrgica da Igreja tem seu ápice na parusia. É na direção do céu que ela

caminha, para lá aponta o santo sacrifício eucarístico e a plenitude de sua comunhão, onde

Deus será tudo em todos: “quando tudo lhe estiver submetido, então o próprio Filho se

submeterá Àquele que lhe submeteu todas as coisas, para que Deus seja tudo em todos” (1Cor

15,28). Ao longo do caminho para o céu, a assembleia dos fiéis, muitas vezes dispersa em

seus afazeres cotidianos, precisa alimentar-se do espírito de oração da Igreja, fortalecendo sua

fé e confortando o coração nas lidas diárias da vida. A este serviço presta-se de modo

excelente a programação religiosa da televisão, merecidamente reconhecida pelos

participantes de nossa pesquisa de campo, o que incentiva a Igreja a continuar vigilante na

busca de oportunidades conceituais ainda melhores nessa dupla fronteira do conhecimento

humano na contemporaneidade, a mediação televisiva e a liturgia sacramental no universo

midiático.

Por meio da Igreja, Deus continua convocando o homem, inúmeras vezes e de

diversos modos, à constituição da sua assembleia de fiéis. A própria Igreja é sinal sacramental

de Cristo no mundo, e, mesmo mediada pela televisão, ela não perde essa característica.

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Através da TV, a Igreja também manifesta o Cristo às nações quando da ocasião de um

discurso oficial do Santo Padre, da cobertura de suas visitas ao redor do mundo, de um

encontro formativo ou retiro espiritual do episcopado ou do clero, da produção de programas

educativos que despertam para a fé e das ações celebrativas, entre outras oportunidades que a

televisão oferece à Igreja de firmar na sociedade o sinal sacramental de sua natureza em

Cristo.

A televisão traz à mesa de discussão da pesquisa científica o peso significativo do

termo presença. Ela é capaz de unir num só coração homens e mulheres espalhados pelo

mundo inteiro e oferecer a eles a um só tempo a gratificante experiência de estar num lugar

fisicamente distante, de observar o que a olhos nus seria impossível. A TV se faz, portanto,

esse alcance que falta à visão humana para além de seu limite natural, ela permite, ainda, ao

telespectador variedade de ângulos de visão que ele não teria se estivesse fisicamente presente

naquele evento. Nesse caso, uma produção de excelente qualidade litúrgica e televisiva

consegue levar ao telespectador uma experiência extraordinária do encontro com Cristo numa

celebração eucarística televisionada ou numa reportagem sobre a vida de fé dos cristãos

engajados nos serviços pastorais de uma comunidade paroquial, na cobertura de uma romaria

de peregrinos e em tantas outras possibilidades de ação midiática sobre a vida da Igreja.

Buscamos, com isso, compreender que a presença física nem sempre é possível ao homem em

virtude de sua própria natureza, que dada a sua limitação corporal não pode se fazer

fisicamente presente em mais de um lugar. Mas, como existem outras formas de presença,

como moral, espiritual, sacramental, psicológica, digital e outras mais, existe também a

presença mediada pela TV que é a virtual, ou seja, uma forma de presença visual, poderíamos

também talvez defini-la como uma espécie de telepresença, uma presença à distância, que

possibilita ao homem participar, mesmo parcialmente, de uma ação litúrgica.

Compreendemos, inclusive, que quando se fala de parcialidade na participação não estamos

nos referindo unicamente no âmbito litúrgico celebrativo, mas também na constituição mesma

da própria comunicação midiática televisiva que, ao fazer planos de imagens, tal ação recorta

a realidade e a apresenta parcialmente. Com isso, percebemos que a riqueza de variedade de

ângulos também se revela como uma seleção parcial do momento celebrativo televisionado.

Frente a esse aspecto, os princípios éticos precisam marcar presença nos recursos de produção

do ato litúrgico da Igreja.

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A presença fomentada pela TV tem seu auge na comunhão dos fiéis. É com vistas a

essa comunhão que todos os preparativos da programação televisiva devem tender. A

programação precisa despertar no telespectador o desejo de se aproximar da comunhão com a

Igreja, de conhecer sua vida comunitária e nela encontrar motivações para viver dignamente

sua fé. Mesmo não sendo um sacramento, a missa televisionada é o item da programação

religiosa que mais anima o telespectador a se aproximar do conhecimento de Deus e, por

conseguinte, da vivência eclesial, embora esta última não seja ainda uma realidade

confirmada, dado que muitos telespectadores padecem da tentação de recorrer à vantagem de

assistir a missa pela televisão em vez de participar dela em sua comunidade paroquial. A

celebração eucarística pela TV possui, contudo, a capacidade de mover o coração do

telespectador a se perceber num espaço e num tempo diferenciados. Na maioria dos casos,

conforme os entrevistados revelaram na pesquisa de campo, existe a tentativa de, no

aconchego da sua sala de estar ou no quarto, participar o mais atentamente possível daquele

momento celebrativo apresentado na televisão. Nisso, percebemos a sacralização do tempo e

do espaço daquele telespectador, porque Deus entrou na sua casa através daquela mediação

televisiva da celebração da Santa Missa. Torna-se, portanto, aquele tempo e aquela sala,

quarto ou outro ambiente que seja, um lugar privilegiado de encontro com Deus, e o fiel passa

então a se ver como parte da assembleia celebrativa, movido e atraído pelo mistério

celebrado. Deus estabelece com esse fiel um tempo de graça, falando ao seu coração e

distribuindo em sua vida frutos abundantes do Espírito.

Acertadamente, a Igreja no Brasil vê na televisão potencialidade suficiente para

fomentar a criação e manutenção de comunidades católicas nos diferentes rincões do país,

alimentando nelas laços de comunhão com a Igreja universal e também incentivando os

católicos dispersos a retornarem às comunidades paroquiais mais próximas de suas

residências. A Igreja enfrenta nesse campo de missão a grave rivalidade das chamadas igrejas

eletrônicas, além da atitude refratária dos conglomerados de mídia que dominam a

comunicação em território nacional frente às interlocuções eclesiásticas no campo social e

moral da atualidade humana. Contudo, a Igreja não tem perdido as oportunidades que surgem

de se fazer presente na televisão e de estabelecer por meio dela um diálogo com a sociedade,

e, nesse sentido, seu esforço tem valido a pena. A presença midiática da Igreja desperta no

católico um auto-reconhecimento de sua identidade enquanto membro do Corpo de Cristo e

testemunha de seu Evangelho.

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Com o avanço do conhecimento científico no campo da linguagem, a Igreja

acompanha tal evolução e, hoje, se propõe a adotar uma perspectiva linguística positiva na sua

forma de apresentar o Evangelho ao mundo. Esse acento positivo nos discursos do atual papa

Bento XVI tem a ver com firmeza e clareza no tecido discursivo católico sobre os princípios

éticos da vida humana e os valores do Evangelho de Cristo. Já não cabe mais a esse discurso

uma postura defensiva ou reparadora, mas propositiva, proativa, arrojada. Essa disposição de

espírito da Igreja leva em consideração o fundamental papel que a televisão hoje ocupa no

diálogo midiático da sociedade contemporânea. Trata-se de uma adequação à mudança dos

tempos no estilo de linguagem, uma adaptação necessária e sempre atual. Assim, a Igreja

encoraja o clero a uma autêntica preparação acerca do universo cultural midiático desde as

casas de formação, para que padres e bispos estejam capacitados ao exercício pleno de

representá-la nesse ambiente sofisticado e absolutamente diferente do sossego da sacristia.

Chegando às nossas considerações finais, vale mais uma vez ressaltar que, na cidade e

no campo, a função primordial da Igreja é testemunhar Jesus Cristo aos homens de hoje. Para

atingir tal meta, e como consequência dessa missão, ela se dedica também ao cuidado social

da educação, da cultura e da saúde. Apropriando-se da linguagem da TV, a Igreja potencializa

essa ação caritativa e chega com mais eficácia a um maior número de pessoas, convidando-as

a um encontro pessoal e efetivo com Cristo através da comunidade de fé. No ato de pôr no ar

um programa religioso ou mesmo televisionar uma missa, a Igreja se solidariza especialmente

com o fiel idoso, isolado ou doente que se encontram impedidos de ir à celebração eucarística

na paróquia. Seu gesto de refrigério para com os que estão nessa condição é o mesmo de Jesus

ao atender os incapacitados e enfermos, visualiza-se a mesma atenção que lhes é dispensada

pelo Cristo, quando, por meio da missa televisionada ou outro programa afim, o fiel encontra

abrigo e conforto para sua alma atormentada de dores e conflitos. Assistir à missa pela TV é o

programa favorito do telespectador católico que se encontra enfermo. Considerando esse fato,

podemos seguramente afirmar que, trazendo paz e conforto aos enfermos, a ação litúrgica

televisiva da Igreja contribui para a recuperação da saúde de um fiel convalescente. Trata-se,

portanto, de um efeito objetivo e mensurável da experiência de oração litúrgica da Igreja

sobre a vida do fiel.

Cientes de que o caminho para as descobertas científicas neste campo está apenas

começando, concluímos nossas argumentações a respeito desta pesquisa salientando a visão

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dos documentos da Igreja sobre a missa televisionada, os quais a destacam, sobretudo, como

uma ação evangelizadora no universo midiático. Cumpre-nos também reafirmar que os

telespectadores católicos entrevistados demonstraram, em sua maioria, estarem cientes desse

caráter puramente evangelizador da celebração eucarística mediada pela TV e, inclusive,

estarem concordes com essa visão da Igreja. No entanto, o desafio de superação das novas

fronteiras do conhecimento acerca da temática da presença sacramental mediada continua,

senão em referência ao sacramento eucarístico, cujo entendimento parece estar solidamente

estabelecido, mas em relação a outros sacramentos, como a título de exemplo a confissão por

telefone ou internet. A certeza que temos é de que a televisão é em si um espaço de discussão

teológica ainda embrionária, apesar de ser hoje um lugar privilegiado onde, seguramente,

Deus quer encontrar-se com seu povo.

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ANEXO

Pesquisa de campo sobre a audiência de programas religiosos na TV

Nome:........................................................................................................................................

1. Sexo: (M)(F)

2. Idade:()15 a 20 ( )21 a 30 ( )31 a 40 ( )41 a 50 ( )51 a 60 ( )+60

3. Estudo:( ) Fundamental ( ) Médio ( ) Superior

4. Qual sua

profissão?...................................................................................................................

5. Vida eclesial:

Cidade:.............................

a. Participa só das missas ( )

b. Participa das missas e trabalha em alguma pastoral ( )

6. Você tem o hábito de assistir a programas religiosos na TV?( ) Sim ( ) Não

a. Quais?( )espíritas ( )católicos ( )evangélicos ( )outro

b. Que tipos?( )pregações ( )cultos ( )missas ( )bênçãos ( )novenas

c. Com que frequência?( )manhã ( )tarde ( )noite ( )madrugada

7. Dos programas religiosos que você assiste, de qual você mais gosta?

................................................................................................................................................

8. Você gosta de participar da missa pela TV?( )Sim ( )Não

a. Sim, por que? ( )falta tempo para ir à igreja ( )a missa é mais bonita ( )outro

b. Que canal você usa?( )Rede Vida ( )TV Canção Nova ( )Globo

( )TV Século XXI ( )TV Aparecida ( )outro canal

9. Os programas religiosos que você assiste lhe trazem algum conforto espiritual? Fale

um pouco.

..................................................................................................................................................

10. Em sua opinião, a missa pela TV tem alguma diferença da missa celebrada na sua

comunidade paroquial? Fale sobre isso.

.......................................................................................................................................................

.......................................................................................................................................................

.......................................................................................................................................................