MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRUNO TONHETTI...

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU MESTRADO EM EDUCAÇÃO BRUNO TONHETTI GALASSE NARRATIVAS DE PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: A TRAJETÓRIA DO PROFESSOR DIGITAL São Bernardo do Campo 2016

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO-SENSU

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

BRUNO TONHETTI GALASSE

NARRATIVAS DE PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: A TRAJETÓRIA DO PROFESSOR DIGITAL

São Bernardo do Campo

2016

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BRUNO TONHETTI GALASSE

NARRATIVAS DE PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: A TRAJETÓRIA DO PROFESSOR DIGITAL

Dissertação apresentada à Universidade Metodista de São Paulo como exigência parcial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu para a obtenção do título de Mestre em Educação, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Adriana Barroso de Azevedo.

São Bernardo do Campo

2016

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G131n Galasse, Bruno Tonhetti

Narrativas de práticas em educação e tecnologia: a

trajetória do professor digital / Bruno Tonhetti Galasse.

2016.

151 p.

Dissertação (Mestrado em Educação) --Escola de

Comunicação, Educação e Humanidades da Universidade

Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2016.

Orientação: Adriana Barroso de Azevedo.

1. Educação e tecnologia 2. Tecnologias digitais de

informação e comunicação 3. Professores - Formação

profissional 4. Educação - Prática docente I. Título.

CDD 374.012

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A dissertação de mestrado intitulada "NARRATIVAS DE PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: A TRAJETÓRIA DO PROFESSOR DIGITAL", elaborada por Bruno Tonhetti Galasse, foi defendida e aprovada em 12 de dezembro de 2016, perante banca examinadora composta por Profa. Dra. Adriana Barroso de Azevedo (presidente/UMESP), Prof. Dr. Marcelo Furlin (UMESP), Prof. Dr. Alan César Belo Angeluci (USCS).

_________________________________________

Profa. Dra. Adriana Barroso de Azevedo

Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

_________________________________________

Profa. Dra. Roseli Fischmann

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação

Programa de Pós-Graduação.

Área de Concentração: Educação.

Linha de Pesquisa: Formação de Professores.

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AGRADECIMENTO

À Deus por permitir o esclarecimento e a busca por reflexões e conhecimentos com a mente e o corpo saudáveis. À Bernadete, minha mãe, pelo exemplo e incentivo constante ao estudo. Ao Carlos, meu pai, pelas palavras de incentivo, colaboração e apoio em todas as horas. Ao Fábio (in memoriam) pelo grande irmão que tenho saudade e que sei estaria comigo apoiando em todas as horas e mostrando formas de tornar as coisas melhores ou mais leves. À Adriana Azevedo, minha orientadora e amiga de longa data, por me receber como orientando, mesmo quase no final do percurso formativo do mestrado. À Lumi Yada, grande amiga e sócia, companheira de conversas e reflexões sobre a vida, pela valiosa revisão e proposições para um texto mais fluido. Ao Rafael Moreno, amigo de todas as horas e sócio, pela compreensão da necessidade do tempo de “hibernação” para o desenvolvimento desta pesquisa. Aos amigos Marta e Elydio (in memoriam) pelo incentivo constante e auxílio na realização do meu percurso formativo. Ao Rafael Paes (Rafinha), pelo auxílio na transcrição e o humor leve que facilitam o cotidiano. Ao Alan Angeluci, membro da banca, pela valorosa contribuição teórica e forma humilde e respeitosa em realizar cada sugestão. Ao Marcelo Furlin, colega de trabalho e membro da banca, pelo carinho na leitura do trabalho e valorosas contribuições para que o texto pudesse ficar mais afinado. Aos amigos da família “Benfeitor” pela inspiração e acolhimento nas alegrias e nas adversidades. Aos familiares pela torcida e palavras de apoio. Aos professores do mestrado e aos professores colegas de trabalho da Universidade Metodista pelo auxílio, feedback e constantes trocas que me permitem rever a prática docente e minhas posições como ser humano e professor. Aos amigos de mestrado pelo incentivo no estudo, na indicação de autores e pelos momentos de descontração tão necessários. Aos alunos que me inspiram a ser um professor melhor e a fomentar uma formação constante pautada na cidadania, na dialogicidade e na (auto)reflexão.

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RESUMO

O presente trabalho buscou relatar práticas destacadas de professores de educação básica que utilizam as TDIC (Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação) na escola para fomentar novas possibilidades de construção de conhecimento na relação didático-pedagógica com os alunos Kenski (1998), Livingstone (2011/2012), Prensky (2001). A partir dos estudos, verifica como as TDIC contribuem para a aprendizagem que fomenta reflexões críticas e científicas, tendo como base o protagonismo dos alunos (FREIRE, P., 2006) na relação destes com o conhecimento. Os sujeitos da pesquisa são professores da educação básica de algumas escolas públicas e privadas. Para a seleção desses professores, buscou-se identificar o uso das tecnologias em diferentes contextos e abordagens, não sendo alvo desta pesquisa o uso da tecnologia com um fim em si mesmo, mas utilizada como suporte ou ferramenta para o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos no âmbito escolar. Por meio da pesquisa narrativa de caráter (auto)biográfico e da abordagem hermenêutico-fenomenológica trazida por (FREIRE, 2012) de seis professores, o estudo procurou identificar em que medida o uso da tecnologia em sala de aula contribui e promove um maior envolvimento e protagonismo dos alunos, bem como de que forma esses professores tiveram contato com a tecnologia para que esta pudesse ser incorporada e vista como possibilidade de desenvolvimento do seu trabalho docente com os alunos. Palavras-chave: educação e tecnologia; pesquisa narrativa; abordagem hermenêutico-fenomenológica; formação de professores.

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ABSTRACT

The purpose of this study is to report outstanding practices of basic education teachers who use Digital Information and Communication Technologies (TDIC) in school to foster new possibilities of knowledge construction in the didactic-pedagogical relationship with students: Kenski (1998), Livingstone 2011/2012), Prensky (2001). From those stories, it verifies how the TDICs contribute to a learning process that promotes critical and scientific reflections, based on the empowerment of the students (FREIRE, P., 2006) in their relationship with knowledge. The research subjects are teachers of the basic education from some public and private schools. For the teachers selection, it was identified those who have used technology in different contexts and approaches, not being the aim of this research the use of technology as a purpose itself, but its application as a support or tool for the development of students' learning in School. Through the (auto)biographical narrative research and the hermeneutic phenomenological approach brought by (FREIRE, 2012),it was possible to identify, from the stories of six teachers, to what extent the use of technology in classroom contributes and promotes a greater involvement and empowerment of the students, as well as how these teachers had contact with technology so it could be incorporated and seen as a possibility of developing their teaching work with the students. Key-words: education and technology; narrative research; hermeneutic phenomenological approach; teacher formation.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Talvez isso ........................................................................................... 15

Figura 2 – Selfie .................................................................................................... 68

Figura 3 – Rotinas de organização e interpretação .............................................. 97

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Sumário

Introdução ............................................................................................................... 11

1. Um panorama da educação brasileira no século XXI ..................................... 21

1.1 Tempo de transições e incertezas ...................................................................... 21

1.2 O cenário da educação no Século XXI ............................................................... 25

1.3 Educação, contextos e conceitos ....................................................................... 29

1.4 Escolas do século XXI......................................................................................... 34

1.5 Os estudantes no século XXI.............................................................................. 39

1.6 Professores no século XXI.................................................................................. 48

2. Educação Básica e TDIC, perspectivas e possibilidades ............................... 56

2.1 Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) e suas relações ... 59

2.2 Formação de professores ................................................................................... 70

2.2.1 Formação inicial .............................................................................................. 71

2.2.2 Formação continuada ...................................................................................... 78

2.3 TDIC na escola: questões imbricadas ................................................................ 83

2.3.1 Perspectivas e possibilidades das TDIC na escola ......................................... 87

3. Metodologia e Análise ........................................................................................ 91

3.1 Metodologia ........................................................................................................ 91

3.1.1 A pesquisa narrativa e autobiográfica de professores .................................... 91

3.1.2 A abordagem hermenêutico-fenomenológica ................................................. 95

3.1.3 Os sujeitos da pesquisa .................................................................................. 99

3.2 Análise das narrativas ...................................................................................... 102

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3.2.1 Parceria ......................................................................................................... 103

3.2.2 Motivação ...................................................................................................... 105

3.2.3 Protagonismo ................................................................................................ 106

3.2.4 Formação ...................................................................................................... 107

3.2.5 Desafio .......................................................................................................... 108

3.2.6 Restrição ....................................................................................................... 109

3.2.7 Mediação ....................................................................................................... 110

3.2.8 Reflexão ........................................................................................................ 112

Considerações finais ........................................................................................... 114

Referências............................................................................................................ 117

Apêndices.............................................................................................................. 126

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Introdução

Minha primeira experiência com o computador se deu no início dos anos

1990. Por volta dos oito anos de idade, meus pais fizeram uma surpresa de natal

para mim e meu irmão: prepararam um caça-tesouro em que cada tesouro

encontrado era, na verdade, uma peça de um computador que passaríamos a ter em

casa.

Naquela época, meu irmão ficou muito mais empolgado que eu, afinal eu não

sabia bem o que era um computador, mas ele já conhecia, não me lembro bem por

onde.

Fato é que o computador esteve presente em minha vida desde muito cedo.

O primeiro foi um 3.8.6, de tela verde, e depois vieram outros com possibilidades

mais elaboradas e joguinhos como Doom e Carmen Sandiego.

Filho mais novo, sempre me senti convidado à aprendizagem quando meu

irmão estava estudando. Por vezes, via com ele os problemas e desafios que a

escola lhe passava e, por isso, queria algo mais desafiador.

Vivi bons anos na escola em que estudei. Dessa fase da infância, guardo

algumas recordações e saudades. Uma delas é do mimeógrafo. Posso dizer que vivi

no tempo do mimeógrafo e de seu cheiro de álcool inconfundível. Eu era um

daqueles alunos para o qual os professores gostavam de pedir ajuda. Muitas vezes

fui buscar o pesado mimeógrafo para a professora.

Tenho muitas recordações da escola, suas cores, organização dos espaços e

também daquele computador de tela verde em que jogávamos nas aulas de

informática. O laboratório era organizado com cadeiras e mesas para adultos,

ficávamos longe do computador, mas isso não nos impedia de aproveitar o que ele

tinha a oferecer.

Um contato com a tecnologia importante e de que me recordo bem se deu na

escola onde estudei durante nove anos (do antigo pré ao 1º ano do ensino médio).

Lá tive aulas de informática da 3ª série do primário à 6ª série do ginásio, como era

chamada à época. O início se deu com um joguinho que usava o MS-DOS para

rodar. O objetivo de cada fase do jogo era chegar com a personagem em um ponto

demarcado. Para tanto, era necessário retirar as caixas que ficavam pela frente,

utilizando apenas as setas do teclado. O desafio do jogo era a mobilidade da

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personagem do jogo, que só fazia movimentos para frente, portanto, era necessário

entender onde ele estava e que espaços poderia ocupar (ele e as caixas). Anos

mais tarde, no mesmo laboratório de informática, começamos a fazer digitações e a

trabalhar com software de pintura (Paint).

De tudo que vivi no ambiente escolar, tenho lembranças das aulas em que

assistíamos a vídeos. Tínhamos um móvel grande de madeira que ficava em uma

sala mais escura, com carteiras universitárias. Essa sala era próxima à sala da

direção da escola, em um prédio mais antigo. Talvez tenha sido nesse ponto que

iniciou o meu interesse pela produção de vídeo, ao perceber a magia de estar

naquela sala e ver como todos paravam para prestar a atenção à tela. A televisão

era grande, de tubo, e o VHS não funcionava sempre bem, ainda assim, eu gostava

muito daquela sala.

Eu conhecia cada espaço daquela escola, porque lá havia passado nove anos

da minha vida. Infelizmente, o prédio dessa escola foi parcialmente demolido e hoje

deu lugar a um estacionamento. Dessa forma, recorro à minha memória toda vez

que desejo lembrar dos barulhos, dos cheiros e das pessoas que lá encontrei e que

até hoje fazem parte da minha vida.

Os anos finais da educação básica, o ensino médio, cursei em outra escola e,

por ter mudado repentinamente, acabei não fazendo muitas amizades. Uma delas,

no entanto, é bem significativa porque o então amigo se tornou meu sócio na Casa

da Joanna, negócio social na área de educação que iniciei, na região do grande

ABC, São Paulo, em 2014.

Há muitos outros fatos vivos na minha memória, mas procurei descrever

aqueles que acredito terem sido relevantes para formarem o professor que sou hoje.

Por isso, ainda que fora da linearidade, gostaria relatar momentos específicos que

vivi em sala de aula e que considero serem as melhores aulas que tive. Cabe

destacar que as aulas de que mais gostei tinham uma característica especial:foram

trabalhadas fora do conteúdo planejado e ocuparam o tempo ocioso na rotina

escolar.

Quando eu estava na 7ª série, em uma daquelas janelas entre bimestres, a

professora de português comentou que não poderia iniciar o conteúdo naquele dia e

então começou a falar sobre o hino nacional (era costume na nossa escola cantar o

hino e hastear a bandeira às quintas-feiras). Ela perguntou se sabíamos o que

significava a letra do hino nacional. De fato, embora repetíssemos há muitos anos o

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ritual de cantar o hino semanalmente, não sabíamos o que realmente dizíamos. Ela

então explicou algumas estrofes da primeira parte do hino, falou sobre as palavras e

seus significados e explicou a raiz etimológica de algumas delas (algo que até hoje

eu gosto muito de pesquisar). Aquela aula foi muito especial, porque eu comecei a

entender melhor o sentido e a história de algumas palavras. Infelizmente, embora

ela tivesse prometido continuar na aula posterior, nunca concluímos o estudo do

hino nacional.

Outro fato marcante ocorreu durante a viagem de formatura dos terceiros

anos do Ensino Médio. Eu não participei da viagem e optei por ir à escola naquela

semana. Eu gostava ainda mais da escola quando havia poucas pessoas e os

professores proporcionavam experiências diferentes do habitual; eram

oportunidades nas quais eu podia conhecê-los melhor. Naquela semana, o professor

de matemática decidiu revisar um conteúdo passado e explicou como Pitágoras

havia chegado ao seu teorema. Eu, que sempre pensei que as fórmulas e os

teoremas haviam sido criados por seres fantásticos, quase super-heróis, descobriria

naquele dia como uma pessoa comum havia desenvolvido algo que até hoje se

estuda na escola. O professor expôs o problema que Pitágoras enfrentava quando

criou o teorema, mas para isso, ele contou a história, demonstrou o problema e

seguiu o raciocínio que Pitágoras teria percorrido até chegar à fórmula como

solução. Senti-me muito próximo de um teórico, que por estigma sempre se referia a

alguém de inteligente suprema e, na maioria das vezes, já morto, pois os teóricos

eram tratados assim.

É interessante resgatar esses momentos, sob uma perspectiva de

pesquisador, agora que estou no mestrado, porque percebo como já estava

presente na minha história essa busca por uma escola que preencha a vida de

sentido e que busque a construção da aprendizagem para compreender a vida.

Ao mesmo tempo em que faço a rememoração da escola, é preciso marcar

pontos importantes que definem a pessoa que sou hoje. Meu primeiro curso

universitário foi o de Comunicação Social; ao concluir o curso, iniciei a Pedagogia,

ambos na Universidade Metodista de São Paulo. Isso também é relevante, porque

durante meu primeiro curso foram muitos os momentos de busca pela reflexão sobre

a função social da profissão que havia escolhido; reflexões essas que me fizeram

buscar os estudos na área da educação.

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Na Pedagogia, logo comecei a fazer as primeiras aproximações entre as

áreas da comunicação e da educação, de forma natural, afinal, os conhecimentos

construídos na comunicação ainda eram bem recentes. Desse modo, a constatação

das possibilidades de uso das tecnologias de informação e de comunicação no fazer

pedagógico fluiu naturalmente. Como relatam Dalpra e Marques apud Nóvoa (2008),

o valor da história de vida e a reflexão feita pelo próprio professor sobre a sua

atuação o leva a compreender o processo e a constituir sua identidade.

Esse relato particular da minha trajetória que me constituiu como professor e

me conduziu à atual pesquisa sobre a relação da comunicação com a educação

auxilia a compreender as escolhas dos autores que basearam minhas reflexões,

bem como a minha atuação profissional.

A partir dessas relações e da consciência de que a rememoração é uma

reconstrução da história, é possível buscar em Bosi (1997, p.55) a compreensão

dessa nova realidade reconfigurada:

Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, "tal como foi", e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelo materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista.

A partir dessa reconstrução, sou impulsionado a buscar a produção de

conhecimento como essência para o fazer educacional. A escola como produtora de

conhecimento é aquela que não entrega um conhecimento pronto, hermético aos

seus alunos. Pelo contrário, instiga o raciocínio científico desde cedo para que os

alunos ao assumirem-se seres históricos, a partir de sua leitura de mundo, criem

hipóteses, testem e construam conhecimento. Cortella (2008, p. 86) afirma que:

Quando um educador um uma educadora nega (com ou sem intenção) aos alunos a compreensão das condições culturais, históricas e sociais de produção do conhecimento, termina por reforçar a

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mitificação e a sensação de perplexidade, impotência e a incapacidade cognitiva.

A negação da possibilidade de construção do conhecimento, protagonizado

pelos alunos, se dá quando educadores se sentem responsáveis pela transmissão

de um conhecimento previamente elaborado por terceiros, do qual educandos

necessitam apenas decorar ou conhecer o que já foi produzido e elaborado.

Na perspectiva de compreensão do mundo e de construção do conhecimento

encontrada em Freire, P. (1996, p. 22) ao educador:

É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência de formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidade para sua produção ou a sua construção.

Trata-se de uma educação emancipatória em cuja relação sujeito-mundo

acontece de forma ativa, ou seja, não é o mundo que está pronto, fechado e,

portanto, deva ser estudado, mas essa relação da comunidade humana-mundo que,

de forma dialética, constrói-se ao se fazerem. Dizemos o mundo por meio das

palavras e das imagens, daquilo que lemos e por onde criamos hipóteses. Freire,

P.(2006) diz ser possível a construção do conhecimento a partir do momento que os

seres se permitem ter consciência da sua atuação e do mundo. Esse processo de

consciência, tomada de decisão, aprofundamento e reflexão do ser e estar no

mundo são constantes para o autor, pelo conceito do inacabamento e do não-pronto.

Convido à reflexão a imagem trazida por Campos (2007), cujos traços ajudam

a compreender a leitura de mundo que fazemos e aos modos de ver a vida. A tirinha

a seguir é uma metáfora das várias formas pelas quais podemos ler o mundo.

Figura 1 - CAMPOS, Marcelo. Talvez isso... Rio de Janeiro: Casa 21, 2007.

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Considerar a visão de mundo das crianças que estão na escola é, como

aprofunda Freire, P. (2006), dar condição ao outro ser humano de o ser também, o

que permite que pensemos nas condições, possibilidades e oportunidades do nosso

próximo ser tão ser humano quanto nós.

Criar hipóteses, testar, fazer e refazer o processo de produção de

conhecimento leva tempo e exige dedicação de quem o faz. Nesse sentido, a escola

também deveria nutrir uma reflexão sobre o tempo e o espaço que tem dedicado à

experimentação e experienciação de seus alunos.

Se a experiência exige o tempo para realização, há também que se refletir se

a escola tem entendido a importância do tempo da experiência ou se tem funcionado

ao tempo ritmado do apito fabril das trocas das aulas. Assim, é importante indagar

sobre o espaço escolar que fomenta a criatividade, o raciocínio hipotético, o

empirismo para a ampliação da visão e do entendimento do mundo, considerando se

é possível criar um ambiente seguro para que os homens, mediados pelo mundo,

cumpram sua vocação de ser mais (Freire, P., 2006).

Considerando que a instituição escolar é basilar na formação humana, devem

ser preparados de forma criteriosa o espaço e o tempo que ela destina para uma

formação cuidadosa e sólida, que permita à sociedade compreender-se e ao mesmo

tempo progredir.

Há estudos significativos na área da Sociologia que buscam comparar

instituições que são mais reprodutoras do que transformadoras. A própria história da

escola no Brasil retratada por Veiga (2007) revela seu âmbito mais militarizado, com

mecanismos de controle e docilização dos corpos, expressão cunhada por Foucault

(2004).

A questão remanescente dessa realidade é: Que espaço é esse que se

destina à criação e às novas possibilidades de aprendizagem, acompanhando

assim, os saberes e a possibilidade de hipóteses? Saviani (2011, p. 429) ressalta

que “à escola cabia formar a mão de obra que progressivamente seria incorporada

ao mercado, tendo em vista assegurar a competitividade das empresas e o

incremento da riqueza social e renda individual”. Com frequência, encontrarmos

escolas que reproduzem a competição em detrimento da colaboração e cooperação,

como única forma de obtenção de sucesso.

Refutando a visão de uma educação voltada para o mercado, emerge a

possibilidade do potencial transformador da escola; um ambiente que reúne seres

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humanos que estão na busca da ampliação da compreensão de mundo, quando se

assumem comunicantes, transformadores, sonhadores:

[...] uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque é capaz de amar. (FREIRE, P., 1996, p. 46)

Em um mundo permeado pela tecnologia e com vários recursos

comunicacionais que expõem inúmeras ideias às crianças, cotidianamente, deve

haver a preocupação de como se trabalhar a emancipação dos sujeitos por meio da

criticidade e também da apropriação das ferramentas comunicativas e tecnológicas

como possibilidade do exercício da emancipação.

A escola convive com a possibilidade de enunciação da realidade. Fazer-se

ou não emancipadora e enunciadora cabe à crença daqueles que nela atuam em

diálogo com suas concepções e com a reflexão crítica que podem favorecer a

compreensão de si mesmos e sua extensão no outro. Professor não existe sem

aluno, assim como se faz na relação pedagógica que com ele estabelece.

Nesse sentido, a visão de mundo que as crianças trazem à escola e, por

conseguinte, a visão que têm dela, refletem a forma com a qual interpretam e dizem

esse mundo. Essa imbricada situação de ser e de fazer-se revela o sentido maior da

educação e da possibilidade de não reproduzir um mundo pronto, mas fazer-se ser

humano ao descobrir o mundo.

A partir dessa relação, vemos o uso da tecnologia como extensão do fazer

humano que possibilita uma nova compreensão de mundo. Tal conceito remete aos

estudos de McLuhan (1974) que, de forma sintética, definem os meios de

comunicação como extensão do homem e também da presença e da vivência do ser

humano na aldeia global1.

A tecnologia torna-se então, uma valiosa ferramenta para investigação por

meio dos diferentes recursos, sendo possível uma nova ou maior imersão naquilo

que se estuda, auxiliado pelos diferentes suportes e possibilidades, como o uso da

internet. 1 Termo cunhado por McLuhan (1974) referindo-se à relação do ser humano no local e no global, essa última propiciada pelo avanço tecnológico.

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A presente pesquisa nasce, substancialmente, das reflexões que foram

tecidas ao longo da minha formação e da minha atuação docente. Ela é pautada no

relato de seis professores de educação básica, de escolas públicas e particulares,

que possuem práticas destacas com o uso de tecnologias da informação e

comunicação na escola.

Por meio da metodologia de pesquisa narrativa e autobiográfica (Clandinin e

Connelly, 2000/Ferrarotti, 2010) o trabalho buscará verificar que percepções

emergem quando os professores estudados refletem sobre suas práticas com

tecnologia em sala de aula. Nesse sentido, busco averiguar como professores

refletem sobre suas práticas e, a partir disso, o que se torna significativo nessa

narrativa por eles construída.

As narrativas biográficas de que nos servimos não são monólogos ditos perante um observador reduzido à tarefa de suporte humano de um gravador. Toda entrevista biográfica é uma interação social completa, um sistema de papéis, de expectativas, de injunções de normas e de valores implícitos e, por vezes, até de sanções. Toda entrevista biográfica esconde tensões, conflitos e hierarquias de poder; apela pelo carisma e para o poder social das instituições científicas relativamente às classes subalternas, desencadeando as reações espontâneas de defesa. (FERRAROTTI, 2010, p. 46)

Conforme mencionado, as entrevistas e observações foram realizadas com

professores que conheci previamente, ou seja, antes da pesquisa, o que facilita,em

sua realização, que haja um maior entrosamento entre pesquisador e professores

participantes.

A pesquisa narrativa só pode ser feita com humanos, uma vez que somos os

únicos seres com capacidade de fazer história, como ressalta Clandinin e Connelly

(2000, p. 11) “somos organismos contadores de histórias, organismos que, individual

e socialmente, vivemos em vidas relatáveis”.

Dessa forma, por meio da pesquisa narrativa e autobiográfica, busquei relatar

práticas destacadas de professores de educação básica que utilizam as TDIC

(Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação) na escola, para fomentar

novas possibilidades de construção de conhecimento na relação didático-

pedagógica com os alunos, no intuito de oferecer a outros professores e à

comunidade acadêmica contribuições para a relação entre educação, comunicação,

linguagem, e tecnologia.

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Tive ainda como objetivo na pesquisa: verificar como a formação inicial e a

formação continuada contribuem para o bom uso da tecnologia na sala de aula, no

sentido de identificar se tais práticas surgiram do cotidiano, de experiências

anteriores, de outras formações ou mesmo da formação inicial para docência;

identificar a possibilidade da promoção do protagonismo dos alunos na produção de

conhecimento com o uso de tecnologias na escola, aferindo nas práticas se os

alunos são considerados como pessoas aprendentes com professores que ensinam,

ou alunos promotores da própria aprendizagem com a mediação do professor;

perceber que sentidos os professores atribuem às suas práticas quando utilizam

tecnologias digitais, entendendo a autorreflexão na construção da narrativa como

possibilidades de reverem-se e pensarem nessa formação; refletir sobre a

potencialidade das TDIC no processo educativo me apropriando das experiências

dos sujeitos pesquisados como possibilidade de trabalho efetivo em sala de aula.

É importante ressaltar a reflexão trazida por Josso (2010) com relação à

formação que contribui para a composição do trabalho:

A palavra formação apresenta uma dificuldade semântica, pois designa tanto a atividade no seu desenvolvimento temporal, como o respectivo resultado. Designando o nosso objeto de investigação pelo próprio conceito de processo de formação, indicávamos mais claramente que nos interessávamos pela compreensão da atividade. Todavia, mantém-se uma ambiguidade, à medida que o conceito utilizado não permite distinguir a ação de formar (do ponto de vista do formador, da pedagogia utilizada e de quem aprende) da ação de formar-se. (JOSSO, 2010, p. 61).

Assim sendo, permeando a possibilidade que a palavra formação permite

fazer, procurei realizar algumas discussões nos próximos capítulos sobre educação,

tecnologias digitais da informação e da comunicação e suas possibilidades,

organizando-os da seguinte forma:

No capítulo I busquei retratar o enfoque da área de tecnologia e o cenário da

educação brasileira no século XXI, aprofundo na sequência como a cibercultura

altera significativamente a forma com que as novas gerações lêem o mundo e se

apropriam da forma de fazê-lo.

No capítulo II abordo as perspectivas e possibilidades do uso das tecnologias

digitais na educação e dou maior ênfase às mudanças e interferências que a

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cibercultura promove no ambiente escolar, buscando reflexões sobre a formação

inicial e a formação continuada de professores, em especial da pedagogia.

O capítulo III apresento a metodologia da pesquisa narrativa e autobiográfica

(Clandinin e Connelly, 2000 / Ferrarotti, 2010) e trato das perspectivas que trabalho

nas reflexões e análises dos relatos dos seis professores de educação básica junto

às impressões de cada um sobre suas práticas e suas particularidades na forma de

relatar. As narrativas colhidas serão analisadas segundo a abordagem

hermenêutico-fenomenológica (FREIRE, 2012).

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1. Um panorama da educação brasileira no século XXI

1.1 Tempo de transições e incertezas

A entrada do século XXI foi precedida por múltiplos acontecimentos mundiais

que dão pistas do atual estado da sociedade. Alguns deles, de ordem natural,

exigiram do ser humano certo grau de resiliência voltada inclusive à reconstrução,

como foi o caso do terremoto no Chile (2010) e o tsunami na China (2011), que

destruíram milhares de quilômetros de casas, empresas, escolas e desafiaram seus

povos a recomeçar.

Há ainda acontecimentos de ordem humana que modificaram e continuam

modificando a forma das pessoas perceberem e estarem no mundo, a exemplo dos

atentados terroristas em numerosos países e de ordens diversas. Semelhantes

acontecimentos marcam a história da humanidade.

O avanço da tecnologia também motiva importantes mudanças nas relações

estabelecidas socialmente e modifica as formas das pessoas se relacionarem e se

apropriarem do mundo.

As mudanças que vivemos socialmente são estudadas na

contemporaneidade por diversos pesquisadores e pesquisadoras, dentre eles Sherry

Turkle, que, a seguir, que apresenta um cenário instigante acerca dos dias atuais:

Nos dias de hoje, estes celulares em nossos bolsos estão mudando nossas mentes e corações porque nos oferecem três fantasias gratificantes. A primeira: podemos concentrar nossa atenção onde quer que nós desejamos; segunda: sempre seremos ouvidos; e terceira: nunca ficaremos sozinhos. E esta terceira ideia, de que nunca ficaremos sozinhos, é fundamental para alterar nossas psiques. Porque no momento em que as pessoas estão a sós, até mesmo por alguns segundo, elas ficam ansiosas, inquietas, entram em pânico, elas buscam um dispositivo (TURKLE, Conferência TED, 2012).

Tais estudos encontram reflexo nas preocupações que foram se modificando

socialmente, conforme a criação de novos dispositivos e ferramentas que passaram

a integrar o cotidiano humano.

Na virada do século, o mundo se inquietou ao saber que, do dia 31 de

dezembro de 1999 para o dia 01 de janeiro de 2000, poderia ocorrer uma pane

geral, intitulada Bug do milênio, em que as máquinas perderiam a referência de data

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pela troca do milênio.Jornais de grande circulação e grandes emissoras destinaram

considerável espaço de transmissão e veiculação para esclarecer e sobrelevar o

risco do bug nos mais variados setores em que a computação era crucial, como na

área da saúde, ressaltando que, embora a tecnologia avance cada vez mais veloz,

há muito ainda a se compreender e se apropriar.

A sociedade caminha no âmbito da tecnologia. O surgimento das redes

sociais e sua subsequente popularização permitiu ao mundo conectar-se

instantaneamente a partir de distâncias continentais, em separação por quilômetros

e quilômetros de oceano, ressaltando o importante papel que tem a mobilidade e a

conectividade no mundo moderno.

Outros acontecimentos, no entanto, trouxeram obscuridade à história da

humanidade e resgatam ainda hoje a lembrança do papel da educação no

compromisso de uma formação ética e na promoção de transformações mundiais,

visando maior liberdade e justiça entre pessoas e povos.

Essas discussões fomentam dilemas à esfera educacional para aferir o

cumprimento da sua função social e repensar de que forma a educação tem

contribuído para uma sociedade melhor, pautada em valores fundamentais da vida

humana.

A avaliação sobre essa relação de sentido e da função social da escola em

períodos distintos permite associar que as ciências vigentes, bem como os

paradigmas que regiam a educação e o fazer científico não mais resolviam as

questões trazidas pela sociedade. Metaforicamente, é como se, ao saber as

respostas às perguntas até então existentes, houvesse de tal forma uma revolução

na humanidade em que os pensamentos, hipóteses e teses anteriores não são mais

suficientes para a compreensão da realidade presente, no que se inserem os

autores ao afirmarem que:

Desde a metade do século passado, as teorias vigentes vêm sendo postas em questão e a ciência vive um momento de grande ebulição, experimentando um movimento de transformação, na busca de novos paradigmas (será que ainda podemos falar em paradigmas?) que possibilitem explicar os fenômenos naturais e sociais de maneira mais ampla. (PRETTO & PINTO, p. 19, 2006)

Esses paradigmas e desafios de fazer ciência configuram um cenário de

transições e incertezas que as novas gerações têm vivenciado e tentado se adaptar

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rapidamente. Surgem pensadores que, por meio de suas pesquisas e teorias,

tentam compreender o mundo moderno, como a epistemologia do pensamento

complexo de Morin (2007) e o estudo da pós-modernidade em Bauman (2007).

Sem dúvida, novas possibilidades tecnológicas prenunciam mudanças sociais

pela apropriação que a população faz de tais ferramentas. É relevante lembrar que

muitas tecnologias inventadas não partiram de uma necessidade educacional, mas

tiveram sua gênese em urgências de guerra e que, posteriormente, se desdobraram

em possibilidades de uso na educação e em outros setores; é o caso da internet e

da criptografia, por exemplo.

É importante frisar que na área educacional cabe relevado destaque ao papel

que as tecnologias e, em especial as digitais, exercem para catalisar mudanças.

Necessário se faz, no entanto, refletir sobre a qualidade e a profundidade das

mesmas.

Nessa perspectiva, tanto as inovações físicas, com aparelhos e aparatos,

como as dos aplicativos e sistemas, permitem um novo fazer educacional e alteram

a forma com que os seres humanos se organizam, podendo gerar reflexos em maior

ou menor grau em outras espécies do ecossistema.

O surgimento da impressora 3d2 e sua imensurável possibilidade de uso nos

estudos, até mesmo para a construção de órgãos humanos, demonstra o quanto a

tecnologia tem buscado desenvolver elementos que interfiram e modifiquem a

realidade humana.

Com efeito, a tecnologia avança e permite à sociedade conectar-se cada vez

mais, possibilitando, por exemplo, eventos de mobilização global. Note-se a

importante e conhecida derrubada do governo ditatorial egípcio3, que foi organizada

e noticiada por meio do Twitter4 e do Facebook5 para o mundo todo. O episódio teve

repercussão na mídia mundial a partir das redes sociais, uma vez que o governo

ditatorial não permitia a cobertura dos veículos internacionais. Um dos fatos

impactantes da época foi justamente o bloqueio ao acesso à internet pelo então

2 As impressoras 3D utilizam materiais como plástico e derivados para imprimir protótipos. A partir da diversidade de materiais, elas têm sido utilizadas para produzir diferentes produtos. Têm representado um grande avanço para a concretização de ideias, materialização de projetos e relevante potencial de avanço na produção personalizada de produtos. 3 Regime do presidente Hosni Mubarak, que esteve no poder durante trinta anos. 4 Rede social que só aceita postagens de mensagens com no máximo de 140 caracteres. 5 Uma das mais poderosas redes sociais da atualidade devido à quantidade de pessoas que se utilizam diariamente para comunicação e utilização dos recursos da ferramenta, como vídeos, fotos, bate-papo e mensagens.

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ditador egípcio Hosni Mubarak, em uma tentativa de conter os protestos populares.

A resposta que a Google deu ao ato de censura foi oferecer aos cidadãos egípcios o

serviço de tweet por meio de ligação telefônica, tendo por consequência a prisão de

um dos executivos da empresa durante 12 dias por ordem do governo egípcio.

Confere-se, assim, em vários episódios, a apropriação da tecnologia para

múltiplos objetivos e possibilidades. Se, por um lado, a tecnologia digital oportunizou

a queda de um governo ditatorial no Egito, por outro, a humanidade se apodera da

tecnologia para tornar o que já era bárbaro em espetáculo.

Supostamente em nome da segurança internacional e da nação dos Estados

Unidos, o mundo assistiu à execução de Sadam Hussein, veiculada em alguns

canais de televisão e cujos vídeos foram amplamente compartilhados por meio das

redes sociais, no ano de 2006. Uma execução por enforcamento após a condenação

por crimes contra a humanidade, decretada pelo tribunal especial iraquiano, pelo

assassinato de 148 xiitas iraquianos. Não se atendo ao fato em si, mas à sua

repercussão e à transformação de uma execução pública em um espetáculo

mundialmente transmitido, o evento remete aos tempos antigos quando a barbárie

era encontrada em grandes arenas de execução.

Não se pode contrapor abstratamente o espetáculo à atividade social efetiva; este desdobramento está ele próprio desdobrado. O espetáculo que inverte o real é produzido de forma que a realidade vivida acaba materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, refazendo em si mesma a ordem espetacular pela adesão positiva. A realidade objetiva está presente nos dois lados. O alvo é passar para o lado oposto: a realidade surge no espetáculo, e o espetáculo no real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da sociedade existente (DEBORD, 1997, p. 16)

O autor elucida uma característica que tem sido frequentemente motivo de

reflexão dos pesquisadores na área de comunicação e que se traduz no presente

contexto, em ambos os acontecimentos, na dimensão do uso da tecnologia como

ferramenta que interferiu diretamente na vida mundial cotidiana. Deflagra-se os

momentos em que a humanidade vivenciou, colocando a contrariedade entre a

libertação de um povo por meio da pressão internacional com o uso da internet e a

execução pública de um homem potencializada pela veiculação na grande mídia e

dissolvida nas redes.

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Tais acontecimentos não contemplam totalmente o panorama do início do

século XXI, mas foram selecionados com o intuito de investigar as contradições

encontradas na sociedade que se apropria das tecnologias digitais para induzir

benefícios ou malefícios e, no entendimento de tais situações como fenômenos em

si, denunciam o estágio atual da humanidade.

Moreira e Kramer (p. 1038, 2007) fazem uma importante reflexão sobre como

o campo educacional tem se comportado frente à tecnologia, com o objetivo de

alertar como a escola se pautou por uma visão “salvadora” ou “purificada” da

entrada da tecnologia nesse ambiente.

Em síntese, é como se os objetos técnicos pudessem, por um passe de mágica, garantir qualidade na educação. Em muitos casos, ocorre transposição, para novos meios, dos conteúdos tradicionalmente ensinados nas salas de aula. Nesse contexto, em que a fantasia se sobrepõe à realidade, a dissociação entre as práticas escolares e as demais práticas sociais persiste: não pode ser aplacada com base em configurações textuais aproximadas, veiculadas nos mesmos suportes, deixando-se de fora a dimensão ética da aproximação desejada (idem, ibid.). Qualidade na educação passa a corresponder ao emprego, nem sempre criativo e eficiente, de recursos tecnológicos que promoveriam a atratividade dos ensinamentos “oferecidos” aos alunos ou por eles apreendidos sem uma interferência significativa do/a professor/a.

Os autores trazem à luz, uma observação sobre como a escola percebe a

tecnologia, ainda sem a compreender, mas buscando as soluções para os seus

problemas, reforçando o movimento de ida ao externo para uma melhoria interna,

em contraposição ao necessário olhar lançado também sobre si mesma para

analisar-se e compreender por quais transformações passa na realidade em que

está inserida.

1.2 O cenário da educação no século XXI

Os acontecimentos vividos pela sociedade em diversos momentos da

humanidade são marcados por contradições nos muitos campos e áreas de

trabalho; uma delas é a educação. Um dos grandes dilemas que a educação

encontra é avançar com o que há de mais novo e moderno, dar conta de entender

essa sociedade pós-moderna e, ao mesmo tempo, não abandonar o que está

sedimentado, balizado.

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Esta pesquisa busca esse viés e os variados contextos que emergem no

século XXI, a fim de refletir se as iniciativas até então adotadas nos diversos campos

de atuação dos profissionais da educação têm dado conta de responder às

demandas sociais e intelectuais que a sociedade contemporânea exige.

Os profissionais que atuam na educação têm sido constantemente desafiados

a repensar sua atuação e aferir se os métodos e concepções adotados realmente

são importantes para a construção de uma sociedade mais humana.

Os problemas educacionais existentes hoje são mais complexos do que a

formação inicial é capaz de resolver. Surge, portanto, a necessidade cada vez maior

da formação continuada que pode acompanhar o professor na complexidade e na

relação que se estabelece frente às mudanças sociais, situacionais, legislativas

dentre outras que interferem no cotidiano profissional. A formação continuada

possibilita maior reflexão de quem está na prática da docência quando consiste na

ação reflexão.

Para Imbernón (2004), situar a profissão numa sociedade em mudança, com

um alto nível tecnológico e um vertiginoso avanço do conhecimento, implica não

apenas na preparação disciplinar, curricular, mediadora, ética, institucional, coletiva,

mas também uma importante bagagem sócio-cultural.

Assim, a complexidade humana e os efeitos da pós-modernidade no cotidiano

social em que o professor está inserido e que dele se serve numa educação escolar

contextualizada implicam numa formação que não se encerra no ensino superior,

mas que se desdobra no olhar investigativo no fazer pedagógico e nas trocas que se

faz com outros professores.

Adota-se assim a perspectiva de formação segundo Moita (1992, p.115),

“Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais,

aprendizagens, um sem fim de relações. [...] Um percurso de vida e assim um

percurso de formação”.

Percebe-se assim a importância da troca, do compartilhamento e do contexto

para que haja uma formação que corresponda ao tempo histórico presente, mas que

também seja fruto do momento histórico em que os sujeitos se encontram.

Aprender a ser professor, neste contexto, não é, portanto, tarefa que se conclua após estudos de um aparato de conteúdos e técnicas de transmissão deles. É uma aprendizagem que deve se dar por meio de situações práticas que sejam efetivamente problemáticas e que exijam

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o desenvolvimento de práticas reflexivas competentes. Exijam ainda, que além dos conhecimentos, sejam trabalhadas atitudes, as quais são consideradas tão importantes quanto os conhecimentos (MIZUKAMI, 2002, p. 12).

Tais concepções de formação e complementariedade de estudos fazem eco à

concepção de Freire, P. (2006) quando destaca que todo ato é político, como

ressaltado anteriormente, fica evidente que as decisões nos níveis de ensino partem

de uma concepção que é primeiro política e ideológica e se desdobra na concepção

de educação.

Nesse sentido, pode-se ensejar por uma educação mais emancipatória ou

mais colonizadora, mais libertária ou conservadora, tudo a depender das

concepções que norteiam as decisões e que, por consequência, facilitam com

financiamentos e linhas de pesquisa que se desdobram, nas universidades e na

formação dos licenciandos.

A emergência que algumas questões têm apresentado nos contextos

educacionais e mesmo midiáticos tem evidenciado que o debate sobre o tema

educacional não tem dado conta de responder aos anseios e necessidades de uma

população que desconhece, na maioria das vezes, o papel que representam para a

sociedade que desejam.

A educação tem destacada importância para a construção de uma identidade

de sociedade, o que não significa produzir uma pasteurização social6, que ignora a

diversidade do indivíduo, mas instituir uma unificação de objetivos em torno do

próprio querer pelo humanizar-se e desenvolver-se.

A exemplo disso, a relação de alunos, professores e comunidades tem sido,

historicamente, de muito desgaste e culpabilização por determinados resultados

obtidos com o modelo de educação pautado na repetição como forma de

aprendizagem.

Esse modelo tem se mostrado ineficiente por não responder aos anseios da

sociedade atual que urge por soluções criativas a problemas cada vez mais

complexos e tampouco promover uma experiência qualificada às crianças, jovens e

adultos que nela buscam uma compreensão e ampliação de leitura de mundo,

tornando-se em grande parte, um amontoado de momentos “sem sentido”.

6 Termo criado por John Rawls (2001) que explicita a criação de uma necessidade social fictícia de forma universal a partir da necessidade de indivíduos. Cria-se uma necessidade como se todos fossem iguais ou precisam da mesma coisa, desviando a possibilidade de se fazer justiça e do olhar para os indivíduos.

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Tal jogo de culpabilização e a repetição de um modelo reprodutivista e sem

sentido tem condicionado desprazer a muitas crianças e a fazem terem vontade de

estar longe da instituição educacional basilar, a escola. Não é surpresa se ouvir que

a escola “é chata”.

Revelada essa angústia pela qual passam os agentes da instituição escolar,

modelos como o da desescolarização têm surgido por diferentes setores da

sociedade, na tentativa de ressignificar os espaços de aprendizagem, uma vez que,

na maioria dos casos, crianças que não desejam ir à escola continuam motivadas

pela busca da compreensão da vida.

Concomitante à busca pelo entendimento da realidade e do reinventar-se no

campo educacional partindo por iniciativas de ruptura com o modelo tradicional de

educação, há diversos acontecimentos que conferem ao cenário educacional atual

novas possibilidades dentro desse saber institucionalizado.

São muitos os movimentos de caráter popular, coordenados por pessoas de

além do espaço formal da educação – a escola – em que se pode encontrar ideias

importantes sendo discutidas. Um desses movimentos chama-se Virada Educação,

que tem por finalidade integrar a comunidade ao espaço escolar e vice-versa, no

intuito de provocar a comunidade local do entorno da escola a pensar sobre

possibilidades de parcerias entre escola e comunidade.

Se num primeiro momento a escola parece ter perdido o sentido ou se

apresentar desinteressante às pessoas, por outro lado, os movimentos de ocupação

das escolas em inúmeros estados brasileiros têm demonstrado que a comunidade

não nega a escola, mas a escolarização que tem recebido.

Tais iniciativas são um fenômeno da contemporaneidade que ajuda a

compreender como o modelo muito utilizado pode estar fadado a transformações

profundas. Outrossim, parece mais interessante considerar essas iniciativas, que

partem de pontos diferentes e que têm ocorrido na mesma época, como um

fenômeno que anuncia mudanças ao denunciar possíveis atrasos e espaços que a

educação não conseguiu ocupar até o momento.

Além de movimentos como o da Virada Educação, muitas fundações e

associações têm premiado professores por meio de inscrições de projetos realizados

nas escolas públicas e privadas. Embora as premiações dêem visibilidade a poucos

projetos, uma vez que há sempre a escolha de um projeto “melhor” (reiterando o

modelo de sociedade pautado em escassez e poucos vencedores), tais ações

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catalisam possibilidades de ação educacional objetivando dar evidência a projetos

que poderiam permanecer desconhecidos.

Tratando-se de visibilidade e participação, deve-se ressaltar o importante

papel da internet como catalisador de iniciativas, bem como a tecnologia que

permite, além de registrar os projetos, ser ela mesma a possibilidade de trabalho.

A educação versada neste trabalho é a formal e pauta-se em conceitos e

concepções que serão melhor aprofundados no decorrer deste capítulo,

evidenciando as origens para se chegar à análise de projetos educacionais com o

uso das TDIC.

Para tanto, nas próximas seções, busca-se relatar o que se entende como o

ideal de uma educação transformadora, sem pretensão de crer a existência de um

modelo com essas características e tampouco considerá-lo a forma padrão de

educação, mas com a finalidade de demonstrar de onde se parte e o que se busca.

Nessa trajetória, as histórias narradas pelos professores na presente pesquisa se

fazem como um ensaio dessa educação idealizada, a qual uma das premissas é o

protagonismo dos sujeitos envolvidos.

Dessa forma, as linhas que se seguem trazem, de forma ampliada e

panorâmica, um ideal perseguido de educação, encontrada em maior ou menor grau

nas experiências dos professores em suas escolas e que serão descritas em

capítulo posterior.

1.3 Educação, contextos e conceitos

Diante dos cenários expostos anteriormente, à educação recaem vastas

responsabilidades. O termo educação aqui tratado é uma ampliação da

escolarização ou período escolar e não propõe a escola como única responsável

pela educação das pessoas, mas o entendimento de uma sociedade educadora.

Tudo se torna potencialmente educativo a partir da visão da curiosidade

epistemológica trazida por Freire P. (2006). Dos pequenos momentos e

circunstâncias simples e corriqueiras às mais complexas, às descobertas há

possibilidades de aprendizagem pela busca de compreensão dos fenômenos. Isso

porque aprender e fazer ciência implicam em uma educação com olhar para os

fenômenos que acontecem à própria volta, “intuindo” a retomada à não linearidade

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da vida humana, a busca pelo entendimento por meio de uma auto revisão, a qual

se faz em parceria com outras pessoas e autores.

Tal postura epistemológica é tratada por Freire P. na moldura da curiosidade

ingênua e da curiosidade epistemológica.

Não é a curiosidade espontânea que viabiliza a tomada de distância epistemológica. Essa tarefa cabe à curiosidade epistemológica – superando a curiosidade ingênua, ela se faz mais metodicamente rigorosa. Essa rigorosidade metódica é que faz a passagem do conhecimento do senso comum para o do conhecimento científico. Não é o conhecimento científico que é rigoroso. A rigorosidade se acha no método de aproximação do objeto. A rigorosidade nos possibilita maior ou menor exatidão no conhecimento produzido ou no achado de nossa busca epistemológica. (FREIRE, P., 2003, p. 78)

Tudo se torna potencialmente educativo porque faz parte de uma organização

social, de um estar no mundo. A reflexão sobre as situações e sobre o respaldo na

ciência para além do senso comum aprofunda o sentido de viver e encharcar de

sentido a existência humana. A conscientização do fazer-se enquanto se vive, da

assunção de um ser inacabado que se constrói diariamente pelas escolhas, lutas e

compreensões a que se propõe traz uma maior compreensão de educação.

Parte-se dessa compreensão de realidade da qual surge uma consciência

própria de estar no mundo e do exercício de fazer-se com o outro por meio das

aproximações e confrontos, como ressalta Freire, P.(2006). Esse processo de

reinventar-se e rever-se é de tal modo libertar-se de um egocentrismo para a

compreensão maior da autonomia.

A vida social, em especial das cidades, pede e desafia que as pessoas

aprendam a conviver umas com as outras e, ao fazerem isso, convivam com o

espaço que as cercam, com vias a preservar não somente a vida humana, mas toda

vida que habita o planeta.

Essas reflexões podem partir de uma fonte externa, mas encontram maior

compreensão quando buscam o sentido de estar no mundo – uma reflexão individual

desse ser social, global.

[...] a construção da cidadania envolve um processo ideológico de formação de consciência pessoal e social e de reconhecimento desse processo em termos de direitos e deveres. A realização se faz através das lutas contra as discriminações, da abolição de barreiras segregativas entre indivíduos e contra as opressões e os tratamentos

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desiguais, ou seja, pela extensão das mesmas condições de acesso às políticas públicas e pela participação de todos na tomada de decisões (MARTINS, 2010, p. 53).

O processo de refletir e agir sobre o mundo remete à práxis freiriana (1996)

que exalta a prática como propulsora da reflexão e não o sentido inverso.

Parece claro que, ao se tratar de tecnologia, esse mesmo movimento é

encontrado na relação dos sujeitos com as máquinas. A história demonstra que as

pessoas foram se apropriando das máquinas conforme as utilizam e sobre elas

refletindo as possibilidades de uso.

Na educação, o movimento é o mesmo, visto que as tecnologias, em especial

as digitais, não foram criadas para o campo da educação, mas apropriadas pela

área e de certa forma adaptadas ao fazer educacional dos sujeitos que nela atuam.

Nessa compreensão, é importante ressaltar que, embora o caminho da

autonomia passe pelo estar e viver com o outro, isso não significa criar um corpo

único, coletivo ou aceitar uma educação massificadora. Ao invés disso, reforça a

necessidade do protagonismo de todos os sujeitos como a raiz do processo de

emancipação do sujeito para uma consciência de si mesmo e de sua atuação no

mundo.

Para tanto, cabe à comunicação o papel fundamental de possibilitar que, ao

se comunicarem, os sujeitos reflitam e, na reflexão, se compreendam e se insiram

neste novo mundo desvelado que se descortina tanto maior for o grau de

aprofundamento e de conscientização.

As palavras educador e educando ganham ampliação de sentido e de uso

para uma educação que se faça não somente nos bancos escolares, mas que

transborde essa instituição para ganhar fundamento nos mais diversos momentos de

interação e de relação com o mundo.

Assim, a compreensão de comunicação trazida por Freire na interpretação

dos sujeitos educadores e educandos é de grande importância.

[...] somente na comunicação tem sentido a vida humana. Que o pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação (FREIRE, 2005, p. 74).

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Não se trata, no entanto, de uma comunicação massificadora e alienante.

Refere-se à comunicação que os sujeitos estabelecem entre si na relação humana e

que pode se desdobrar nos produtos comunicativos que a sociedade criou para

difundir informações e conhecimentos como sites, blogs e outros. Ou seja, não é o

produto, mas seu uso.

Cabe aqui salientar que as ferramentas e os saberes técnicos da

comunicação não são em si alienantes ou ideológicos, e sim o uso que se pode

fazer delas. Uso este protagonizado sempre por um sujeito ou por uma comunidade

com sua intenção e objetivo.

É crucial refletir sobre o protagonismo no processo de produção de um

artifício cultural para não recair na reprodução ingênua de modelos prontos, pré

determinados, que são apenas replicados em diferentes grupos sem a possibilidade

de autoria. A importância do educador, nesses casos, é ampliada se o sujeito ou

grupo não fizerem um uso consciente e crítico de determinada linguagem ou

recurso, denunciando um esvaziamento de sentido da proposta de educar pela

produção com a comunicação. Dessa forma, pode ocorrer uma reprodução do status

quo ou de um discurso dominante de forma mais ou menos crítica e consciente.

Estou afirmando que os produtos da mídia têm a capacidade de transcodificar discursos de uma política dominante e hegemônica ao mesmo tempo que têm poder de revelar anseios e conflitos culturais internos de uma sociedade. Como qualquer produto da cultura, os produtos da ficção midiática são documentos históricos que falam de um povo, seus conflitos e inimigos, bem como também são registros que explicitam as expectativas e anseios de todos nós. SETTON (2004, p. 69)

Conforme afirma a autora, essa revelação pelos produtos culturais e

midiáticos pode ser entendida quando analisada em sua essência, na busca pelo

sentido de determinada ação sem para isso julgá-la como melhor, pior ou correta e

incorreta.

Isso posto, cabe salientar que estudar a comunicação somente pela

compreensão de receptores passivos se torna menos interessante, posto que a

própria análise do fenômeno vai relevar certo grau de consciência dos sujeitos que,

num processo de inacabamento, pode se fazer por meio da reflexão, inúmeras

vezes. Entretanto, essa perspectiva praticamente abandonada pela área

comunicacional a qual tem privilegiado a individualidade dos sujeitos ou a

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comunicação um para um, ainda é muito encontrada no campo educacional quando

de programas, métodos e currículos massificadores.

Pensar a comunicação a partir da recepção permite entender o papel dos meios de comunicação na vida da sociedade contemporânea, como eles atuam no cotidiano dos grupos sociais, nas diferentes comunidades e culturas. Possibilita sair da oposição emissor todo-poderoso versus receptor passivo, ou, por outro lado, emissor neutro versus receptor/consumidor todo-poderoso FÍGARO & BACCEGA (201, p. 92).

Conforma ressaltam as autoras, por muito tempo a comunicação trabalhou

com a ideia do emissor “todo poderoso”. Traçando um paralelo com a escola, o

emissor seria o professor, quando considerado o detentor único de conhecimento

que vai transmitir ou incutir na cabeça das crianças e jovens, seus conceitos,

pensamentos e ideologias.

Essa argumentação auxilia o aprofundamento da conscientização que faz

necessária no campo educacional e das relações que se podem estabelecer com a

comunicação, superando uma visão retrógrada de que a comunicação é alienante e

que, portanto, deve se distanciar de tudo que é benéfico, como se vê nas pesquisas

sobre comunicação e educação e, mais recentemente da inserção do termo

educomunicação7 em Soares (2011) e Citelli (2011), para cursos de graduação e

pós-graduação.

Ao negar a comunicação, por vezes pelo seu caráter ideológico de persuasão

e manipulação explicitados, contamina-se o olhar para a possibilidade de

emancipação dos sujeitos a partir da apropriação das diferentes linguagens que

compõem os meios e a compreensão de suas sintaxes. É uma relação paradoxal,

porque uma vez mais a educação se permite se distanciar daquilo que a sociedade

tem consumido largamente e se apropriado por meio das facilidades que dispõem os

diversos aparatos tecnológicos.

Numa sociedade marcada pelo amplo uso das ferramentas comunicacionais,

suas linguagens e fazeres específicos, a relação de consumo desses produtos se

modifica. Não o consumo da relação comercial, monetizada, mas o consumo dos

7 A Educomunicação tem buscado espaço para se tornar um campo de conhecimento. O termo nasceu das inter-relações da Comunicação e da Educação, tendo como princípio os trabalhos desenvolvidos no terceiro setor como rádios comunitárias e imprensa local. Atualmente há cursos de licenciatura, bacharelado e de pós-graduação lato sensu de Educomunicação.

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produtos culturais que o pensador latino-americano Canclini (2010) releva como

possibilidade de construção de cidadania, justamente pela escolha que os cidadãos

fazem e nelas se referenciam.

Parece pertinente observar que à medida que a educação se debruça e se

apropria dos pensamentos comunicacionais também oportuniza trabalhos para

diferentes idades e propostas, pois, ao se apropriar da linguagem, pode lhe conferir

novas reflexões e compreensões dos produtos multimidiáticos.

Como afirma Canclini (2010, p. 158)

Os hábitos e gostos dos consumidores condicionam sua capacidade de se converterem em cidadãos. O seu referente como cidadãos se constitui em relação aos referentes artísticos e comunicação, às informações e aos entretenimentos preferidos.

Se a relação de cidadania passa também pelos produtos comunicacionais

que se consomem e se produzem, é alarmante a urgência do olhar e da apropriação

pela educação dos recursos e linguagens da comunicação como possibilidade de

construção de sujeito, de emancipação e de anunciação de mundo.

1.4 Escola no século XXI

Ao se falar de escola, é comum haver uma imagem na memória, marcada

pelo espaço de vivência de importantes momentos da vida. Para alguns,

representada por uma sala preparada para a formação de grupos, respostas a

desafios e trilhas de aprendizagem personalizadas onde o próprio estudante é quem

organiza seus estudos. Para muitos outros, uma sala repleta de carteiras

enfileiradas em que o professor era o centro da aprendizagem.

Infelizmente essa última imagem é a mais comumente remetida ao modelo de

escola que se encontra até os dias atuais. Muitas vezes recheadas de aulas

estanques, as escolas são mais parecidas com presídios (Foucault, 2004), tamanha

a quantidade de grades e formas de controle para que os estudantes não fujam.

Ora, um sistema que necessita criar meios para que uma pessoa não fuja não

parece prover de momentos prazerosos ou proveitosos para as pessoas que lá

estão.

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Há escolas diferentes do retratado, porém infelizmente, ainda são

encontrados espaços escolares que se tornam mais castradores da ontologia

humana, de sua capacidade criativa e criadora ao enquadrar em caixinhas, sejam

essas disciplinas ou disciplidoras.

A criança traz consigo uma vontade intensa de entender e de se apropriar do

mundo desde os primeiros dias de vida e, por isso, se demonstra interessada

naquilo que para ela representa um desafio ou um assunto interessante. O que

ocorre com as escolas que parecem não dar conta de continuar instigando a

curiosidade de suas crianças e de seus jovens a ponto destes preferirem saltar seus

muros e verem a vida que há para além deles?

O que parece é que a escola do século passado não era apropriada nem

mesmo à sua época e, conforme as novas gerações chegam aos bancos escolares

trazendo seus anseios, angústias e necessidades básicas de aprendizagem, mais a

escola e o estudante se encontram em um movimento de repulsão, porque ambos

necessitam de um esforço inaudito para se adaptarem e conviverem. Essas novas

gerações têm maior inserção e participação no cotidiano familiar, suas opiniões

foram mais relevadas que as das gerações anteriores e, em especial, estão imersos

em um mar de informações contidas nas redes de computadores.

Quando, no entanto, a escola passa a se adaptar ao seu tempo, propiciando a

compreensão do mundo por meio do empoderamento pela ruptura da ignorância de

suas crianças e jovens, embebendo de sentido a existência e a busca da ciência

para compreendê-la, a essas crianças e jovens cabe a motivação em estudar, não

para um fim profissional ou para uma avaliação pontual, mas para compreenderem a

si mesmos e em relação com os outros.

A busca por um sentido nos diferentes níveis de ensino e verificadas em

perguntas como “mas, para que eu preciso aprender isso?” alerta para uma geração

que busca o fundamento das coisas além de almejarem resultados imediatos e a

aplicação prática dos saberes aprendidos.

As diversas realidades encontradas pela miscigenação cultural do país e as

várias localidades com seus hábitos e histórias revelam que a tentativa de

padronização de escola, idealizada externamente, fugiria a qualquer compromisso

com a realidade.

A instituição escolar encontrada hoje possui diversas imagens no imaginário

do senso comum, em maior parte com atributos não positivos. Sua grade curricular

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por vezes, engessada, limita os saberes dos estudantes e ainda os coloca em ritmos

únicos de aprendizagem, padronizando a qualidade da aprendizagem com

avaliações externas que não dão possibilidade de exploração do saber local. Desse

modo, ao pensar em uma pedagogia libertadora ensejada por grandes vultos como

Paulo Freire, é possível encontrar em Gallo (2011) uma questão fundamental já

trazida há muitos anos por Foucault.

O problema é que a gente pensa, em geral, na crítica que Foucault fez da instituição escolar. E se a gente toma a crítica que Foucault fez em relação à instituição escolar como o padrão do que é a educação, dificilmente nós poderíamos falar de prática de liberdade na educação, porque nós vamos ter a educação como essa ‘conformação do sujeito’, como essa ‘construção externa’ do sujeito segundo determinados princípios e determinados moldes sociais. Mas se a gente pensa a educação como um desses instrumentos do cuidado de si, nós também podemos ver no processo educativo esse modo de o sujeito cultivar-se a si mesmo. Nós podemos ver no processo educativo não apenas um processo de transmissão de saberes, de transmissão de conhecimentos, essa educação extremamente conteudista que nós estamos acostumados a ver; essa educação que sempre tem um objetivo externo ao sujeito [...], que é terminar o ensino fundamental, fazer um ensino médio, passar num vestibular, concluir um curso superior e se inserir no mercado de trabalho [...]. Há sempre um objetivo externo colocado para o processo educativo, e muito raras vezes pensamos no processo educativo como um processo de construção efetiva do sujeito, em que o objetivo é o do sujeito cultivar-se através desse processo educativo. Mas se lançamos o foco sobre essas obras do último Foucault [...], o que nós vamos descobrir é justamente a possibilidade de pensar a educação como esse processo de cultivo de si mesmo, de cuidar de si mesmo.

Apesar da maioria das escolas serem tradicionais e, por efeito, vêm somando

anos e anos de necessária análise e de compreensão, não se pode esquecer que há

certas escolas da cidade, do campo, organizadas em periferias, em cidades

pequenas, e que de certa forma se diferenciam das demais e se constituem em bons

modelos de organização, em especial por contemplarem a regionalidade e as

características onde estão inseridas para contextualizarem a educação.

Alguns trabalhos mais recentes têm contribuído com essas discussões e

abordagens por ajudarem a ecoar as vozes dos educadores dessas escolas para

além de seus espaços predeterminados. É o caso de documentários como Quando

sinto que já sei (LOVATO, PEREZ e LIMA, 2014), cuja abordagem se dá em

selecionadas escolas brasileiras de práticas pedagógicas destacadas e conta com

depoimentos de professores, diretores, coordenadores, estudantes e comunidade,

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evidenciando novas possibilidades de trabalho com os mesmos recursos

educacionais.

Outro documentário amplamente divulgado que traz reflexões e práticas

importantes das escolas da América Latina se chama A Educação proibida (DOIN,

2012) que tece, sob várias perspectivas,um panorama latinoamericano sobre

educação pelo olhar de educadores e pensadores.

Ambos os documentários foram financiados por crowdfunding8 para que

pessoas comuns com interesse em propagar o assunto pudessem contribuir com

parte da produção do filme. Tais projetos demonstram o interesse coletivo para

assuntos ligados à educação e podem significar importante contribuição para que

outras iniciativas de uma pedagogia diferenciada possam ser largamente ampliadas

e discutidas.

Em ambos os filmes, algumas questões relacionadas à escola evidenciam

esse espaço para além dos saberes curriculares e provocam pensar esse espaço

constituído para a possibilidade da convivência, da experimentação, sobre a

tentativa, do prazer, do encontro, do viver e ao mesmo tempo forjar a realidade, do

fazer científico, do fazer empírico: um espaço de constante de fazer e refazer-se.

Essa perspectiva auxilia o desenvolvimento da ideia de uma instituição do

conhecimento que se fixa na experimentação, no fazer científico, mas que também

se volta ao desenvolvimento humano, cidadão e ético porque toma responsabilidade

pela educação para o desenvolvimento integral do ser humano.

Desse modo, a escola que se encontra fechada em si, nos seus muros,

recortada pelo seu material didático muitas vezes castrante e por tantas outras

barreiras invisíveis e sem sentido, não se abre à possibilidade do descortinar o

desconhecido e da redescoberta. Por consequência, não fomenta uma postura

científica que Freire (1996) vai resumir no termo curiosidade epistemológica, como

ressaltado anteriormente.

A postura científica é extremamente importante para um país que busca

desenvolver sua ciência própria, contudo, a formação cidadã tem também papel

fundamental na busca por uma sociedade mais justa. Evidencia-se, assim, a

8Crowdfunding é o nome dado a forma de receber financiamento coletivo. Nas plataformas de financiamento coletivo as pessoas tomam conhecimento de projetos e voluntariamente decidem contribuir financeiramente. Cada contribuição financeira retorna para a pessoa com a uma recompensa. Atualmente, as plataformas mais conhecidas de crowdfunding são: Catarse, Picante e Benfeitoria.

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necessidade da construção de uma consciência coletiva que desdobre nos padrões

éticos que regem os grupos sociais.

A formação cidadã pelo viés científico leva aos sujeitos à pesquisa, à

produção de relatórios que refletem e criam teorias e conhecimento. Mas há,

igualmente, a necessidade da formação cidadã propiciar vivência, análise de

fenômenos, ressaltando o viés prático que se caracteriza em uma aprendizagem

transformadora.

Alinhado ao conceito anterior, ressalta-se a importância da dimensão estética

em uma formação integral que se encontra na possibilidade do desenvolvimento da

subjetividade, da interpretação, saber esse tão necessário quanto o das teorias e

teses trazidas pela objetividade. Tal dimensão é muito trabalhada nas propostas

comunicativas que podem adentrar a escola, como a produção de um blog, por

exemplo, que não compreende apenas a estética textual, mas imagética também.

Parece evidente que se a escola encontrada atualmente com sua postura

cartesiana centrada na objetividade e na racionalização não dá espaço para que a

ciência se desenvolva de forma apropriada, tampouco haverá espaço para a arte e

para a subjetividade que não são foco nessa concepção.

A essas questões ligadas ao modelo escolar ou ao desenvolvimento racional

não se pode desvincular o espaço institucional criado para que tais ideias se

desenvolvam.

Não é incomum identificar a ausência da arte nas escolas ou de um projeto

arquitetônico que não seja com o intuito de encaixotar, colocar em quadrados de

concreto. O que se verifica, na maioria das vezes, são grandes blocos de concreto

permeados de salas com carteiras enfileiradas, que não convidam ao

desenvolvimento estético e, além disso, nivelam os estudantes por idade e por

conhecimento transmitido.

Essa escola não se abre à possibilidade de trabalho com a aprendizagem,

porque está focada no ensino. Não se abre à possibilidade do prazer pela leitura,

mas pela quantidade de livros necessários à prova. Não permite ao estudante

avaliar-se, mas subjugar-se a uma avaliação externa. Não incita também o

desenvolvimento de todas as habilidades, mas predetermina os conhecimentos

importantes – para quem?

Nesse paradigma escolar, as tentativas de rompimento são vistas sob uma

perspectiva da perda do controle e, muitas vezes, marginalizadas a espaços de

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menos prestigiados na experiência escolar. Isso acontece com a aula de artes, por

exemplo, que ocorre uma ou duas vezes na semana, às vezes destacada como

relevante apenas para algumas idades, visto que a disciplina não se encontra em

todos os ciclos e níveis escolares.

Justamente por seu caráter científico, a tecnologia entra na escola, em grande

parte das vezes, como um reforço ao racionalismo e à lógica. A exatidão encontrada

nos recursos tecnológicos corrobora para uma visão limitada, menor do que ela

pode representar para o espaço escolar. No entanto, a descoberta e a

ressignificação da tecnologia pelo viés da criatividade têm permitido um olhar

diferenciado à prática por meio de uma visão mais ampla e de desenvolvimento

global.

Pelas possibilidades da tecnologia digital, professores têm se apropriado dos

recursos e das suas linguagens para fomentar novas discussões e realidades que

auxiliam o estudante na possibilidade de construção, desconstrução e reconstrução

da realidade. Não tem sido incomum encontrar experiências com o uso de

aplicativos e de redes sociais para tal.

1.5 Os estudantes no século XXI

As grandes transformações sociais impulsionadas pelas mudanças

tecnológicas marcaram o início do século. A educação, em especial a escola, é o

local institucionalizado mais representativo que reúne pessoas com diversos

interesses, contextos, localidades, classes sociais e idades.

Marc Prensky (2001) auxilia a explicar a relação intergeracional pela qual

professores e estudantes têm se pautado, considerando-a como uma possibilidade

trazida especialmente pela educação nas cidades, contexto onde a presente

pesquisa foi realizada.

Os alunos de hoje – do maternal à faculdade – representam as primeiras gerações que cresceram com esta nova tecnologia. Eles passaram a vida inteira cercados e usando computadores, vídeo games, tocadores de música digitais, câmeras de vídeo, telefones celulares, e todos os outros brinquedos e ferramentas da era digital. (PRENSKY, p. 1, 2001)

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Cabe salientar que Prensky (2001) fala de uma realidade vivida em seu

contexto. No Brasil, esse pano de fundo, onde a maioria está imersa em tecnologia

desde a infância até a universidade, não representa a realidade no momento.

Verifica-se ainda em outras pesquisas essa relação entre diferentes gerações

e o uso e as apropriações que as mesmas fazem da tecnologia.

No caso das mídias mais antigas – livro, quadrinhos, cinema, rádio e televisão – mesmo que os pais não tivessem familiaridade com os conteúdos específicos sobre os quais seus filhos se interessavam, pelo menos podiam ter acesso e, de qualquer forma, entender esse meio se quisessem saber o que seus filhos estavam fazendo ou poderiam compartilhar com eles a atividade. Com o advento das mídias digitais, as coisas mudaram. As demandas da interface computacional são significativas, relegando muitos pais à condição de dinossauros na era da informação em que habitam seus filhos. (LIVINGSTONE, 2011, p. 12)

Retomando Presnky (2001), dois termos importantes que o autor traz são:

imigrantes digitais e nativos digitais. Tais termos auxiliam na compreensão dessa

relação entre diferentes gerações encontradas, no caso da pesquisa, na escola.

Nativos Digitais para Prensky (2001) refere-se à geração que nasceu num

mundo em que seu cotidiano as pessoas já se apropriam das tecnologias digitais,

como smartphones e tablets, por exemplo.

O termo passa a ser não só uma forma de compreender aqueles que

nasceram com as tecnologias imersas no cotidiano, mas verificar como essas

pessoas lêem o mundo e ainda o compreendem, codificam e decodificam.

Como imigrante digital Presnky (2001) conceitua as pessoas nasceram num

período anterior, mas que buscam se aproprias das novas tecnologias.

Tomados esses conceitos e a relação entre gerações para o cotidiano escolar

quando verificamos a tentativa do docente na postura do “fazer para” o aluno, no

caso das tecnologias pode apresentar importantes riscos, uma vez que o imigrante

digital (Prensky, 2001) pode simplificar ou tipificar um uso de um recurso sem

considerar a apropriação que seus estudantes já fazem dele.

O “sotaque do imigrante digital” pode ser visto em coisas como recorrer a Internet para buscar informação em segundo lugar, e não em um primeiro momento, ou em ler o manual de um programa ao invés de assumir que o próprio programa vai nos ensinar a usá-lo. As pessoas mais velhas se socializaram de uma forma diferente de seus filhos, e estão em processo de aprendizagem de uma nova língua. E

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uma língua aprendida mais tarde, os cientistas confirmam, vai para uma parte diferente do cérebro (PRENSKY, 2001, p.2)

Vale lembrar que, embora o docente possa ser um usuário dos mesmos

recursos, o fato de não ter nascido no ambiente imersivo em tecnologia pode

representar uma apropriação diferente e, portanto, mesmo com a tentativa de tornar

a aula mais prazerosa ou próxima dos estudantes, pode representar uma opção

verticalizada, tomada por quem não considerou que os estudantes pudessem

participar e se envolver com sua aprendizagem.

É comum entender que a apropriação do meio utilizado por si só garantirá

maior interatividade ou maior imersão dos estudantes aos conteúdos apresentados.

Para isso, Livingstone (2011) faz uma reflexão sobre como o uso de diferentes

gerações pode ser interpretado:

Na verdade, a própria dificuldade em acessar e usar a internet leva muitos adultos a acreditarem que, se pudessem – como seus filhos –, dominar a arte de clicar em links com o mouse então seriam experts em internet. Essa não é uma crença que temos em relação à caneta, senão pararíamos de ensinar inglês aos alunos quando tivessem aprendido a ler e a escrever, mas a criança que maneja a tela nos parece tão habilidosa que podemos concluir confortavelmente que já sabe tudo o que precisa. (LIVINGSTONE, 2011, p. 12)

As reflexões trazidas pelo autor encontram na escola possibilidades de

pesquisa, uma vez que é uma instituição que vive cotidianamente as relações

sociais, nesse caso, geracionais. Poucas são as organizações nas quais a diferença

de idade é uma constante e que se desdobra totalmente na prática e na relação

entre as pessoas.

A escola se dá em conhecimentos previamente validados. De certa forma, tal

conhecimento é validado pela experiência, pela comunidade acadêmica e cientistas.

Ou seja, há certa necessidade de perenidade e decantação dos saberes, o que

implica em um saber que pode não ser contemporâneo.

Essas questões remetem, mais uma vez, à concepção de educação e, mais

especificamente, à concepção de escola que se tem visto. Isso porque, a partir

desses conceitos, poderá se construir escolas com objetivos diferentes, como por

exemplo: com foco na cidadania, na área de exatas, nas relações sociais, no fazer

científico, no desenvolvimento local e global, dentre outros.

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As concepções, quando claras e objetivas, auxiliam todos os agentes

educacionais a compreenderem de que lugares partem e por onde desejam que os

estudantes caminhem para chegarem ao objetivo pré-definido (pela escola sozinha

ou junto da comunidade, quando de uma gestão democrática).

Definidas essas questões, é provável se encontrar ainda algumas barreiras ou

observações que necessitam de atenção para que a construção do saber científico,

racional e filosofado possa ser desenvolvido, respeitando-se o momento em que

cada pessoa se encontra.

Embora todos os envolvidos estejam vivendo no mesmo período cronológico,

as variadas idades vivenciam realidades diferentes que “invadem” o espaço escolar

transformando-o num território de troca ou de disputas, aproximações e confrontos.

Para além das idades, a escola é um território em que as relações sociais são

complexas, por apresentarem diferentes interesses, objetivos. É da aproximação e

do confronto de ideias que o debate enriquece a compreensão da vida e que o fazer

científico ganha força.

A complexidade trazida por Morin (2007) auxilia a compreender essas

relações.

A um primeiro olhar, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido junto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados: ela coloca o paradoxo do uno e do múltiplo. Num segundo momento, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico. Mas então a complexidade se apresenta com os traços inquietantes do emaranhado, do inextricável, da desordem, da ambigüidade, da incerteza. (MORIN, 2007, p. 13)

A complexidade está presente em pesquisas que se ligam à relação humana

e a tecnologia pela integração que a tecnologia permite na compreensão dos

sistemas. Morin (2011, p. 19) afirma que “a teoria dos sistemas e a cibernética se

interseccionam numa zona incerta comum” por possibilitarem o olhar sistêmico e não

analítico que facilitam tanto a compreensão da tecnologia em si e a cibernética,

como da relação humana com a mesma.

A partir da perspectiva da complexidade, ao se analisar as diferentes idades

dos sujeitos que povoam a escola, identifica-se não só uma imbricada relação

intergeracional, como uma mudança significativa na forma com que essas gerações

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compreendem, codificam e decodificam o mundo. Almeida (2010) auxilia na

compreensão

Sendo a tecnologia compreendida como um instrumento estruturante do pensamento, desde sua concepção como projeto e antes mesmo de se fazer artefato, para que ela possa ser integrada criticamente ao currículo e ao fazer pedagógico, é preciso que o professor possa apoderar-se de suas propriedades intrínsecas, utilizá-la na própria aprendizagem e na prática pedagógica e refletir sobre por que e para que usar a tecnologia, como se dá esse uso e que contribuições ela pode trazer à aprendizagem e ao desenvolvimento do currículo. (ALMEIDA, 2010, p. 68).

Como bem conceitua a autora, cabe ao docente significar o aparato

tecnológico e sua linguagem para uma possibilidade de aprendizagem, o que exige

mais que preparo para o entendimento desses novos recursos, uma postura de

aprendiz ao permitir que estas novas gerações não só apresentem os recursos

como auxiliem nas possibilidades de uso da educação.

Outra questão importante a ser tratada pelo fato das novas gerações

nascerem imersas em um mundo tecnológico é a estruturação de pensamento, tanto

para a apropriação e aquisição da língua materna como das diferentes linguagens

que compõem os recursos digitais.

Consequentemente, a linguagem tecnológica representa o meio social em

que essas pessoas estão inseridas e a apropriação dessas ferramentas, mas em

especial das linguagens e da lógica que elas possuem, configura uma forma de ver

o mundo e nele se inserir e ainda, dele se apropriar. A apropriação do mundo se dá

por meio da interação social com os outros indivíduos e da cultura nela encontrada,

como afirma Vygostky (1989).

Assim, ao entender a apropriação de uma criança pela interação que faz com

as outras pessoas e com a linguagem que utiliza para isso, seja essa o celular, a

câmera, o contato pessoal ou a rede social, verifica-se uma ampliação da

propriedade da linguagem, algo que uma criança de outrora não vivenciaria.

Para o melhor entendimento da apropriação da linguagem, recorre-se a

Bruner (2001), que ajuda a compreender como o ser, ao apropriar-se da linguagem

e do simbólico, consegue decodificar o mundo, significá-lo e dizê-lo.

Indo mais a fundo na relação das diferentes linguagens e tecnologia, vale

ressaltar que para além da alfabetização da língua materna a alfabetização

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multimídia ou alfabetização digital tornam-se importantes termos para a sociedade

atual.

A alfabetização multimídia que aqui propomos pretende superar a mera habilidade mecânica de codificar e decodificar textos em diferentes linguagens para focalizar as implicações individuais e sociais de sua criação, difusão, interpretação, utilização, etc. (MARTÍN, 2014, p. 190)

Há diferentes concepções na relação da alfabetização para os meios, para a

informática, para a mídia, sendo que diferentes autores conceituam ora de forma

mais analítica, ora sistêmica. Entretanto, a raiz dos diferentes termos está na

preocupação para a comunicação em um mundo permeado de ferramentas

tecnológicas e digitais cotidianas.

Diferentes autores têm contextualizado e verificado a importância dessa nova

alfabetização.

As "novas alfabetizações" propõem expandir a metáfora da leitura e da escrita a uma "paisagem textual" que tem sido profundamente transformada. Em uma reflexão que abrange o ensino da alfabetização, da matemática, da informática e dos meios de comunicação, observou-se que novas práticas de alfabetização referem-se à capacidade de ler e escrever diferentes tipos de texto, signos, materiais, matrizes e imagens em um sentido amplo (Lankshear & Snyder, 2000). Para nós, a leitura e a escrita ocorrem em ambientes que estão repletos de textos visuais, eletrônicos e digitais, e que nos pedem para ler, ver, escutar e responder de ao mesmo tempo (Walsh, 2008). Além disso, somos convidados a ser "interativo" e "participativos" em todas as nossas atividades. Essas são as habilidades ou novas disposições que apontam para outros modos de conhecer o mundo social. (tradução livre). (DUSSEL, s.d., p2)

Nas palavras do pesquisador, evidencia-se às diferentes apropriações da

língua materna que passa, cada vez mais, pela alfabetização num sentido mais

amplo, por meio da apropriação, uso e compreensão dos meios digitais.

Posto isso, a escola, recebendo como uma de suas atribuições alfabetizar

suas crianças, jovens e adultos, deve preocupar-se com essa alfabetização num

conceito mais amplo, multimidiático e digital. Pretto e Assis (2008, p. 78) afirmam

que

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Produzir informação e conhecimento passa a ser, portanto, a condição para transformar a atual ordem social. Produzir de forma descentralizada e de maneira não-formatada ou preconcebida. Produzir e ocupar os espaços, todos os espaços, através das redes. Nesse contexto, a apropriação da cultura digital passa a ser fundamental, uma vez que ela já indica intrinsecamente um processo crescente de reorganização das relações sociais mediadas pelas tecnologias digitais, afetando em maior ou menor escala todos os aspectos da ação humana. Isso inclui reorganizações da língua escrita e falada, as idéias, crenças, costumes, códigos, instituições, ferramentas, métodos de trabalho, arte, religião, ciência, enfim, todas as esferas da atividade humana. Até mesmo os aspectos mais pessoais, como os rituais de namoro e casamento, entre outras práticas, têm a sua regulação alterada, dadas as novas formas de interação vivenciadas na cultura digital.

Alteradas as apropriações da língua e das diferentes linguagens, o processo

de organização social até então mais linear sofre também modificações importantes

que as novas gerações, cotidianamente, evidenciam na forma com que se

relacionam com a aprendizagem e com o mundo.

O pensamento linear a que as pessoas se habituaram a entender o início, o

meio e o fim das coisas, como eventos seguidos cronologicamente, parecem não

condizerem com o que a nova formação social e os meandros que percorrem a vida

suscitam existir.

Deparando-se com diferentes dispositivos tecnológicos que se comunicam

entre si, não mais importando as barreiras geográficas e temporais, identifica-se que

o emaranhado propiciado pelas redes complexas e distribuídas não impactam

exclusivamente o campo tecnológico e comunicacional, como tem se desdobrado

também nas relações sociais.

Se a alfabetização digital nesse “novo terreno” do século XXI torna-se

importante fator para apropriação e transformação social, a quebra da linearidade

vão modificar dois elementos fundamentais da organização social: o tempo e o

espaço.

Não raro na atualidade, as pessoas se conhecem a partir de estados e países

diversos, interagem e, possivelmente, algumas delas nunca se encontraram ou se

encontrarão fisicamente. As antigas barreiras geográficas de comunicação hoje

parecem não existir mais e transformam-se com o avanço tecnológico, tornando-se

cada vez menos importantes para a conexão de pessoas.

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Essa quebra de linearidade, corroborada pela forma com que as pessoas se

organizam socialmente e se comunicam, tem se desdobrado na forma com que as

pessoas compreendem a sociedade em que estão inseridas.

Com o surgimento da rede internet, essa ruptura sedutora, iniciada com a TV, consolidou-se, e a linearidade textual pode vir a tornar-se um mito. As crianças e jovens (Y e Z) navegam na rede livremente, seduzidas por sua estrutura, que é uma metáfora de nosso pensamento fluido e não-linear. Por isso é tão doloroso para muitos jovens, hoje, a leitura de um livro. Ela é limitada, engessada, não faz hiperlinks diretos. Por exemplo, imaginemos um jovem que está lendo o capítulo de um livro no qual em um parágrafo lê sobre o suicídio de baleias. O jovem quer saber mais sobre o tema, mas o livro não lhe dá a possibilidade do link direto. A internet, sim. Em menos de um minuto, ele não só saberá muito sobre o tema, como poderá ver as imagens e ouvir os sons de muitos casos desses suicídios em um site como o Youtube, e daí poderá dar novos saltos. E, note-se, muitas vezes não retornando ao assunto/tema inicial de sua pesquisa/navegação. (NETO e FRANCO, 2010, p. 15)

Edgar Morin (2005), importante pensador contemporâneo, estabelece uma

relação de como a cibernética possibilita uma nova forma de compreensão social,

não para imputar à sociedade uma nova forma de organização, mas esclarecer que

a cibernética e a compreensão das suas complexas redes auxiliam a compreender

as inter-relações existentes na vida social.

As gerações mais jovens, cujas vidas se estabelecem na imersão tecnológica

pelos múltiplos usos que fazem dos aparelhos de que dispõem, tendem a

compreender a sociedade a partir desse olhar da cibernética o que, em maior ou

menor grau, facilitaria a compreensão da vida com uma complexidade até então não

exigida na lógica linear. Tal perspectiva cria uma ruptura entre o sistemático e o

sistêmico, ou seja, para uma visão mais complexa de interações.

É com Wiener, Ashby, os fundadores da cibernética, que a complexidade entra verdadeiramente em cena na ciência. É com Von Neumann que, pela primeira vez, o caráter fundamental do conceito de complexidade aparece em sua relação com os fenômenos de auto-organização [...] todo sistema auto-organizador (vivo), mesmo o mais combina um número muito grande de unidades da ordem de bilhões, seja de molecular numa célula [...] a complexidade não compreende apenas quantidades de unidade e interações que desafiam nossas possibilidades de cálculo: ela compreende também incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios. (MORIN, 2007, pp. 34 e 35)

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Um dos paradoxos que a cibernética possibilita na compreensão da

complexidade é o fato de os artefatos digitais serem consumidos pelos próprios

produtores. Na história da comunicação de massa, emissores e receptores eram

claramente destacados. Com os meios digitais, consumidores passam a ser

produtores e a apropriação de linguagem passa de certa forma por uma

retroalimentação.

O termos prossumer ou prossumidor, cunhado por Toffler (1980, p.171),

demonstra essa característica já detectada pelo pensador visionário “a

desmassificação dos meios de comunicação de massa desmassifica igualmente as

nossas mentes. Hoje, em vez de massas de pessoas recebendo todas as

mensagens, grupos desmassificados menores recebem e enviam grandes

quantidades de suas próprias imagens de uns para os outros.”

Essa reconfiguração da relação produção-consumo dos meios digitais, é

também retratada por outros pensadores, como resume Prats (2014), ao citar que o

conceito de inteligência coletiva desenvolvido por Lévy (1999) é trabalhado Jenkins

(2008) como uma das três características definidoras da nova cultura, sendo as

demais: convergência midiática e cultura participativa.

Segundo Lévy (1999, p. 28) inteligência coletiva "é uma inteligência

distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real,

que resulta uma mobilização efetiva das competências”. O conceito trabalhado pelo

autor encontra na convergência midiática a possibilidade de uma comunicação mais

ágil e facilitada entre pessoas em tempos e espaços diferentes.

Rivoltella e Fantin (2010) evidenciam como os recursos tecnológicos têm

alterado o modo como pessoas de idades variadas têm se apropriado do seu meio

social, tendendo a uma lógica pela qual se estabelece na relação com a tecnologia.

O termo “comunicação digital” indica, como foi mostrado por Farrel Corcoran (2006), uma paisagem comunicativa marcada pela multimedialidade, pela intermedialidade (ou crossmediality), pela portabilidade e versatilidade. Na multimedialidade, enquanto lemos uma página Web sobre o laptop, podemos abrir uma janela na qual vemos um vídeo e escutar música de fundo ou uma voz pocomenta uma fotografia. Por outro lado, na intermedialidade, o processo de convergência das mídias ao digital já produziu e produzirá cada vez mais um processo de contaminação e pluriespecialização dos diversos suportes: hoje se pode ouvir rádio na Internet, navegar na Web e descarregar o correio eletrônico pela televisão de casa, telefonar, escrever mensagens,

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fotografar e ter uma agenda de anotações com um telefone celular. (FANTIN e RIVOLTELLA, 2010, p. 90)

Evidencia-se assim a diferença entre lógicas de construção de pensamento

que passam a ser transformadas com o incremento das tecnologias e suas

características, uma vez que, imersos nessa nova realidade, as crianças e jovens

passam a pensar com as tecnologias e não apenas para elas.

1.6 Professores no século XXI

Quem são os professores do novo século? Aqueles que já estavam em sala

de aula no século XX e muitos outros que iniciaram sua carreira na docência depois.

O século mudou, mas os professores e suas práticas não necessariamente. Isso

porque a entrada do século foi marcada pelo tempo cronológico e não é uma data

que gera transformações apenas, mas todo um contexto.

O tempo cronológico já não era o melhor regulador temporal para a educação.

As séries, as fases de desenvolvimento, os sinais das indústrias, todos eles servem

para marcar um tempo que não é o da escola, da aprendizagem.

A escola, como espaço de socialização, de vivência, de descoberta e

aprendizagens, quando regulada pelo tempo chronos9 de forma estrita, arrisca

perder os momentos de afloramento da criatividade espontânea, do insight, para o

fazer atento.

O tempo chronos persiste em mitificar o fazer institucionalizado tipificando as

pessoas em seus “talentos”. Por meio do acerto pontual dos minutos e das horas,

marca a finalidade para que as pessoas foram talhadas nos bancos escolares e

universitários, insinuando um esquema fabril de produção de educandos tão bem

retratado no clipe da música de 1979, Another brick in the wall (Outro tijolo na

parede) da banda Pink Floyd.

Uma escola fabril homogeneíza seus educandos como se todos aprendessem

da mesma forma e ao mesmo tempo, como se tivessem as mesmas necessidades.

9 Na mitologia grega o tempo era dividido em duas formas de expressão. Chronos significava o tempo

que se pode medir, sequencial. Kairós significava o tempo qualitativo, como tempo de contemplação, a experiência de um momento.

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O mesmo acontece quando uma análise aligeirada é feita para toda a classe de

professores.

Pensar os professores do século XXI num sentido estreito seria igualar a

todos em um modelo existente, encontrado em todas as escolas, cujos hábitos e

comportamentos fossem reproduzíveis em todos os níveis e espaços escolares –

sem dúvida, um erro.

Ainda que a mudança de século se dê pelo tempo cronológico, pela simples

virada da meia noite de um ano para outro, não se pode tipificar os professores do

século XXI ou igualá-los pelo tempo em que estão inseridos.

Neste item, portanto, busca-se tecer impressões relacionadas às premissas

que o tempo (Kairós) tem trazido às escolas, com as mudanças sociais,

comportamentais e individuais, desafiando o professor nas suas mais diversas

competências.

Uma vez que o tempo chronos e o kairós podem conviver e é possível a

educação acontecer nas fronteiras e nas brechas, valioso se faz pensar, numa visão

crítica, a necessidade de uma constante reflexão sobre tal tema, uma vez que a

escola, inserida numa sociedade de produção, pautada pelo tempo poderá

reproduzir uma lógica mercantilista quando se afasta do exercício de (auto)reflexão.

Longe de esculpir um modelo de professor, pelo contrário, busca-se identificar

características ligadas ao ofício docente que são cada vez mais demandadas não só

desse profissional, como daquilo que o cerca, ou seja, uma reflexão sobre o espaço

escolar, seus tempos e sua organização.

A profissão docente exige uma ampla preparação para que possa ser

qualificada e apropriada àqueles que estão nos bancos escolares nas mais diversas

circunstâncias e regiões. Cada educando traz na bagagem um histórico de vida, de

familiar e de cultura. Dayrell (1996, p. 10) destaca que

Os alunos que chegam à escola são sujeitos sócio-culturais, com um saber, uma cultura, e também com um projeto, mais amplo ou mais restrito, mais ou menos consciente, mas sempre existente, fruto das experiências vivenciadas dentro do campo de possibilidades de cada um. A escola é parte do projeto dos alunos.

Ser professor exige uma grande qualificação que começa no ambiente

acadêmico, mas que se estende por toda a vida profissional. A formação inicial é tão

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importante quanto a formação continuada, porque ambas têm impactos diferentes no

fazer pedagógico – tais termos serão aprofundados mais adiante.

A formação inicial ajuda a gerar as bases, concepções e alicerces da

profissão. A formação continuada traz novas reflexões, auxílios, apoios e

provocações do tempo presente para que o professor possa sempre agir e refletir

sobre sua prática.

A formação continuada busca novos caminhos de desenvolvimento, deixando de ser reciclagem, como preconizava o modelo clássico, para tratar de problemas educacionais por meio de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas pedagógicas e de uma permanente (re) construção da identidade do docente. (MIZUKAMI, 2002, p. 28)

Esse movimento reflexivo feito pelo professor é uma necessidade daqueles

que desejam ressignificar o seu fazer docente aos educandos que recebem

diariamente nas escolas e em outros espaços educativos.

Evidencia-se a preocupação do professor de estar verdadeiramente inserido

em uma educação do século XXI. Não foi o tempo cronológico que mudou a

educação, mas os avanços que marcaram os últimos anos, seguidos das inserções

dos inúmeros recursos tecnológicos que aceleram as mudanças sociais. Isso é

possível ao passo que os avanços permitem novas apropriações desses recursos e

de outra forma, uma mudança comportamental a partir dessas inserções – questões

tratadas anteriormente neste capítulo.

Essa preocupação com uma nova docência não se dá pela mudança de

século, mas por uma postura, uma decisão de ser mais (Freire, 2005). A partir dessa

decisão de fazer-se constantemente durante a realização de sua existência como

professor é que se encontra a oportunidade de abrir-se ao novo, não como quem

aceita tudo que recebe e aplica, mas como quem reflete a partir de suas

concepções, convicções e experiências, o sentido da inserção de determinados

recursos para uma busca constante de assunção da aprendizagem.

Para isso, a relação entre educador e educando, entre docente e discente,

não se faz hierarquizada - de quem sabe mais para quem sabe menos. Pelo

contrário, o educador assume uma postura de aprendizagem, que se estabelece na

relação com o educando.

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[...] Não há docência sem discência, as duas se explicam sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém.(FREIRE, 1996, p. 23)

Fica evidente, nessa relação, o protagonismo dos sujeitos que, ocupando

posições diferentes, são aprendizes juntos. Aprendem coisas diferentes, mas isso se

dá na relação que estabelecem um com o outro, mediados pelo mundo, ou seja,

buscando sua compreensão. Essa busca passa pelas teorias até então

consolidadas, mas instiga o fazer científico.

Dessa forma, não se trata de se estudar uma teoria no sentido de apenas

aplicá-la, mas com ela ou a partir dela desenvolver hipóteses que possam

questionar a sua atuação. Assim, não é aprender o passado, mas buscar

compreender o presente estando preparado para descobrir o que ainda não foi

desvelado pela ciência. Preparar os educandos para entender que o mundo não é

algo pronto, mas um desafio a ser descortinado na relação da aprendizagem que se

dá entre educando e educador, entre mentor e aprendiz, a cada dia.

Essa relação estabelecida na confiança e na admiração propicia novas

descobertas e uma relação na qual o saber se constrói à medida que educando e

educador se tornam protagonistas da ciência que produzem ao descobrirem novas

aprendizagens.

Para isso, a docência não se faz somente na espontaneidade, assim como

também não se faz somente pela rigorosidade científica. É na fronteira entre ambas

que o educando pesquisador vai se constituindo como um ser relacional, complexo,

sistêmico, que se abre às possibilidades.

[...] o saber que a prática docente espontânea ou quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito. (FREIRE, 1996, p.38)

Nessa moldura, fica evidenciado que a relação entre estudante e professor,

educando e educador é fundamental para que a aprendizagem científica aconteça.

Não se trata de uma deposição de conteúdos já balizados, mas da busca pela

compreensão do mundo, pela compreensão de conteúdos ou da apropriação destes

para algo maior.

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A aprendizagem não deve ser tratada como uma mera apropriação dos

conteúdos curriculares, mas pelo desenvolvimento de uma postura epistemológica

que visa significar a experiência do educando com o fazer científico no meio social

em que este vive e, portanto, uma nova postura diante do mundo em que está

inserido.

A tecnologia, nessa relação entre educador e educando para a configuração

de uma construção do conhecimento protagonizada pelo educando e pelo educador

como aprendiz, pode ser um elemento catalisador posto seu potencial agregador de

diferentes sujeitos e gerações.

Considerando a relação entre educador e educando como propulsora para a

compreensão e aprendizagem do mundo, não se pode desprezar um fator cada vez

mais presente nos dias atuais: as novas gerações, conforme abordado

anteriormente, têm chegado às escolas com seus recursos tecnológicos e

dispositivos móveis. O uso que deles se fazem são os mais diversos. Não se

encontra, no entanto, um significativo uso por parte dos alunos dentro do ambiente

escolar, o que já não se reflete quando do uso nos seus lares.

Uma parcela importante dos alunos realizam tarefas escolares por meio das TIC em casa. Entre os alunos de escolas públicas que utilizam computador ou Internet para realizar atividades escolares, o percentual daqueles que declaram fazer projetos ou trabalhos sobre um tema, lição ou exercícios e pesquisas escolares em casa varia entre 73% e 75%, ao passo que aqueles que afirmam realizá-los na escola varia entre 22% e 24%. Os dados evidenciam o maior uso das TIC fora do ambiente escolar, ainda que a atividade realizada seja relacionada à educação formal. (CETIC, 2015, p. 111)

A pesquisa realizada pelo CETIC10 demonstra o quanto há ainda por se fazer

e a oportunidade de significar o uso dos recursos tecnológicos no ambiente escolar,

com o intuito de qualificá-lo para além do uso feito em casa. A pesquisa do CETIC

será retomada no próximo capítulo.

Essa qualificação remete à necessidade do professor primeiramente se

adequar ao cenário encontrado. Sobretudo, apropriar-se da linguagem é mais

importante do que precisamente dos recursos, até porque, os recursos tecnológicos

que ora se utilizam já estarão defasados em pouco tempo. Isso significa que, mais

10 Comitê Gestor da Internet no Brasil tem a atribuição de estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no Brasil.

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importante do que saber manusear determinada máquina, câmera e outro recurso, é

saber como funciona o material que ela produz, sua linguagem, a fim de verificar

todo o potencial que possui. Outrossim, antes de saber operar uma máquina

fotográfica digital é preferível entender a linguagem da fotografia para a educação,

propiciar momentos de reflexão sobre seus recortes, sobre as histórias que as fotos

contam, sobre os ângulos que permitem contar inúmeras versões de fatos ocorridos

dentre outros.

Ficar atento aos recursos a fim de dominar todos os botões e configurações

se torna inócuo numa sala de aula em que todos os educandos conhecem as

possibilidades técnicas do aparelho. Kenski (1998, p.20) relembra que “as velozes

transformações tecnológicas da atualidade impõem novos ritmos e dimensões à

tarefa de ensinar e aprender. É preciso que se esteja em permanente estado de

aprendizagem e de adaptação ao novo”.

Esse estado de aprendizagem e adaptação sugere que o educador não pode

mais se achar no papel de detentor único do conhecimento e do saber, uma vez

que, na sala de aula, muitas ocorrências mostrarão que gerações mais novas fazem

melhor apropriação dos recursos tecnológicos, o que demonstra que embora haja

saberes diferentes entre educadores e educandos, ambos podem aprender

conjuntamente.

Querer ser o maior detentor do conhecimento de qualquer área não condiz

com a postura de um professor pesquisador que se sabe que não aprendeu tudo,

visto que não há saber fechado em um mundo em constante construção.

Com a entrada dos recursos tecnológicos e a abertura para a personalização

do ensino, o educador passa, progressivamente, a ser um interlocutor entre as

fontes, o conhecimento e o educando. É como se houvesse uma tríade entre

educando, conhecimento e educador.

Com efeito, pesquisas demonstram a necessidade cada vez maior dos

professores atuarem como curadores e auxiliadores no trajeto de aprendizagem dos

educandos. Nesse viés, o excerto abaixa ressalta a relevância de desafios e

enfrentamentos.

[...] os jovens, e também as crianças, sofrem ainda com outros problemas. O mais gritante é o da aceleração dos processos tecnológicos em todos os campos e a dificuldade para selecionar informação útil, adequada e significativa, num oceano ilimitado de

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fluxos informacionais diários. Esse caldo cultural escorre por todos os lados, diariamente, impondo às mentes em formação o problema grave de “selecionar”, saber separar “o joio do trigo”, não sentir-se perdido dentro dessa teia infinita de informações, e transformá-las em conhecimento pertinente para a formação de seu caráter e identidade. (NETO e FRANCO, 2010, p. 15-16)

Diante do mar de informações, a associação que o educando faz com os

dados pode ser de simples verificação, o que não representa obrigatoriamente a

transformação dessa informação em conhecimento. Esta, por sua vez, necessita do

processo de observação crítica da informação e a articulação com demais saberes.

[...] a realidade é mais prosaica e mais complexa. A visão otimista dos jovens como uma “geração digital” – liberada e potencializada automaticamente em virtude de sua experiência das novas tecnologias – é pouco mais que uma forma de ilusão. Esta concepção não leva em conta algumas continuidades fundamentais, assim como importantes diferenças e desigualdades nas experiências culturais dos jovens [...] brecha importante, cada dia mais profunda, entre a experiência da maior parte dos jovens com a tecnologia fora da escola e o uso de tecnologia na sala de aula. E essa “nova brecha digital” é o que a política educacional e a prática educativa devem agora abordar com urgência (BUCKINGHAM, 2008, p. 110)

Em um mundo absorto em infindas informações, o papel do educador se torna

primordial na conquista da aprendizagem que passa pela rigorosidade científica

proposta por Freire (1996). Na sociedade da informação, cabe ainda ao educador

fazer reflexões e tecer críticas de forma a entender-se como um ser social

protagonista na relação com as tecnologias e da informação, encontradas em

abundância e em rede, reflexões estas que podem ser auxiliadas por importantes

autores do tema: Castells (1999), Lemos (2002), Levy (1999).

Em outras palavras,

[...] favoráveis ou não, é chegado o momento em que nós, profissionais da educação, que temos o conhecimento e a informação como nossas matérias-primas, enfrentamos os desafios oriundos das novas tecnologias. Esses enfrentamentos não significam a adesão incondicional ou a oposição radical ao ambiente eletrônico, mas, ao contrário, significam criticamente conhecê-los para saber de suas vantagens e desvantagens, de seus riscos e possibilidades, para transformá-los em ferramentas e parceiros em alguns momentos e dispensá-los em outros instantes. (KENSKI, 1998, p. 61)

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Nesse sentido, o professor tem a oportunidade de auxiliar o estudante a

buscar as informações e, ainda mais, de mediá-lo na sua curadoria, passando por

crivos, teorias e conhecimentos prévios que lhe possibilitarão saber se determinadas

informações são realmente embasadas ou fictícias.

Tais reflexões contribuem com a rigorosidade científica e a aprendizagem

ativa dos educandos na sua relação com os educadores. O detentor único do

conhecimento, como era conhecido o professor, não existe mais nessa ligação, mas

este ainda representa uma figura importante, de inspiração e modelo aos educandos

em especial para auxiliá-los a estabelecerem novas conexões entre conhecimentos

e assim, significarem a aprendizagem de forma individual.

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2. Educação Básica e TDIC, perspectivas e possibilidades

A entrada das tecnologias na educação é um fato que deve ser observado por

diferentes prismas, visto que não somente as diferentes tecnologias têm suas

especificidades, como também a educação tem seus matizes e suas variações.

É necessário atentar-se à uma visão mais macro e crítica e não incorrer em

uma visão reducionista, ainda muito comum, que é a de achar que a tecnologia é a

solução de todos os problemas ou simplesmente, sua causa, ou ainda uma visão

apocalítica (de que tecnologia vai acabar com a humanidade) e integrada (de que a

tecnologia é a solução para todos os problemas da humanidade) (ECO, 2015).

Presumir que ela é o mal do século ou ainda o maior benefício que a humanidade

pode ter, desprezando-se todos os demais adventos seria retirar todas as questões

que envolvem quando da entrada da tecnologia na educação e todas as

reorganizações que ela promovem, propõe e suscita.

Deve-se lembrar que os recursos e avanços tecnológicos, mesmo dentro das

salas de aula, podem não terem sido concebidos para este fim. A História mostra

que muitas tecnologias surgiram por diversos fatores. Alguns, inclusive,

prioritariamente para fins militares, como as primeiras linguagens codificadas (código

Morse, por exemplo) e mesmo com a rede mundial de computadores..

O sociólogo inglês da cultural, Raymond Williams, em seu livro O ano 2000, afirma que o desenvolvimento tecnológico tem dependido historicamente não de decisões técnicas, mas de decisões políticas e econômicas, e nos últimos anos tem dependido – eu agregaria -, sobretudo, de um particular tipo de decisões econômicas: decisões do mercado, dos mercados internacionais. Esta compreensão crítica do desenvolvimento tecnológico na história mundial supõe entender que o motor da tecnologia não é a descoberta científica nem sequer a descoberta tecnológica em si mesma (OROZCO-GÓMEZ, G., 2011, pp. 161-162)

Com a introdução das tecnologias nas escolas, alguns estudiosos e

professores começaram a produzir escritos, teorias e possibilidades de trabalho

pedagógico com a utilização dessas tecnologias; entretanto, ressalta-se que as

mesmas não foram criadas para esse ambiente, mas adaptadas.

Partindo desse princípio, é possível ressaltar um fator importante que será

aprofundado ainda neste capítulo: o paradoxo encontrado na era da conectividade

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generalizada (LEMOS, 2003) vivida atualmente, mas que ao mesmo tempo, não

consegue extinguir ou resolver problemas da humanidade que deveriam ser mais

simples, como a fome, por exemplo.

Nosso mundo vive contrastes paradoxais, pois, se uma parte dele tem uma hipertecnologia que nos permite falar em pós-humanidade, outra parte está numa miséria tão grande que não é possível falar nem mesmo em humanidade. No Brasil, vivemos estas duas realidades, e os professores precisam desenvolver a capacidade de trabalhar com estas duas situações, tanto no sentido de superar os fatores de desigualdade e desumanização como no sentido de viver, com desembaraço e competência, as realidades de um novo mundo que vai sendo gestado. (NETO e FRANCO, 2010, p.12)

A tecnologia evidencia os contrastes sociais, mas também modifica a forma

com que as pessoas se organizam socialmente e se apropriam dos distintos padrões

e instituições estabelecidos historicamente. Isso abre campo para uma reflexão

sobre como essa hibridização entre cultura analógica e cultura tecnológica pode

interferir na forma com que a aprendizagem ocorre e com que as crianças se

apropriam dos espaços escolares.

A construção da personalidade e dos valores está acontecendo por caminhos muito diversos daqueles tradicionais: família, igreja, escola, TV. E a configuração de todos os processos perceptivos é muito mais imagética e hipertextual/hipermidiática. A tradição oral permanece, mas totalmente contaminada por estruturas definidas pelos processos de globalização e pelas dinâmicas de consumo. A língua escrita está sendo totalmente reconfigurada, e existe uma resistência grande à forma tradicional de leitura: o livro com começo-meio-fim – sem a sedução da imagem, da interação, da participação efetiva – está se tornando obsoleto para essas novas gerações. (NETO e FRANCO, 2010, p.14)

A partir dessa breve contextualização, alguns aspectos serão contemplados

na utilização das tecnologias digitais de informação e comunicação como

possibilidade pedagógica, com o intuito de apresentar possibilidades e contribuições

que as mesmas puderam fazer à escola atual, que necessita se adequar às

mudanças e novas exigências da vida humana.

As tecnologias estão presentes nas escolas. Não se nega mais sua entrada,

mas muitos são os questionamentos e ressalvas porque educadores têm se

colocado para pensar a tecnologia nesse ambiente.

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Ainda que de forma incompleta e talvez institucionalizada, as tecnologias

invadiram a sala de aula, trazidas, na maioria das vezes, pelos próprios alunos. Com

seus celulares e tablets, estudantes têm possibilitado que a velocidade com que a

tecnologia esteja presente na escola seja acelerada.

Com a popularização dos smartphones, mais pessoas tiveram acesso ao

recurso, o que possibilita hoje que o celular seja uma das principais ferramentas

tecnológicas digitais da nova era. Uma pesquisa realizada em 2014, com 1.034

escolas do Brasil pelo Comitê Gestor da Internet, Cetic.br (2015, p. 379), revelou

que 80% dos alunos acessaram a internet por meio do celular, sendo que não há

significativa diferença entre as cinco regiões brasileiras. Em complemento a

pesquisa Juventude Conectada da Fundação Telefônica11 (2014, p. 42) revela que A

conexão à internet via celular é intensamente utilizada por jovens de todas as

classes socioeconômicas: A (86%), frente aos das classes B (75%), C (69%) e D

(54%).

No cruzamento dos dados das duas pesquisas, entende-se que, embora com

grande número de acesso da internet pelo celular, o acesso efetivamente se dá mais

nas classes sociais com maior poder aquisitivo. Uma das possibilidades apontadas

pelas pesquisas se dá não somente pelo valor dos aparelhos, mas também pelo

plano contratado da operadora de telefonia.

Com o acesso à internet, o celular passa a ser um importante recurso que

pode ser incorporado ao trabalho pedagógico, uma vez que a escola ainda dispõe

de poucos recursos oficiais. Ocorre também que alguns aparelhos não recebem a

manutenção adequada, quebrando ou se tornando obsoletos.

O desafio, superior ao acesso aos recursos digitais, está em saber utilizar

esses recursos como benefício pedagógico e compreender suas linguagens, suas

possibilidades de forma que a escola passe a ser um local de produção digital de

cultura.

O computador, o rádio, a tevê, a internet e as mídias digitais precisam estar presentes na escola, concorrendo para que essa deixe de ser mera consumidora de informações produzidas alhures e passe a se

11 A pesquisa Juventude Conectada da Fundação Telefônica foi iniciada em maio de 2013 e teve como objetivo entender o comportamento do jovem na era digital e as transformações e oportunidades geradas a partir daí. A pesquisa está apresentada em quatro eixos de investigação: educação, ativismo, empreendedorismo e comportamento. Foram entrevistados 1.440 jovens, além de entrevistas com 8 especialistas.

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transformar – cada escola, cada professor e cada criança – em produtores de culturas e conhecimentos. Cada escola, assim, começa a ser um espaço de produção, ampliação e multiplicação de culturas, apropriando-se das tecnologias. (PRETTO, 2008, p. 81)

Todavia, não basta ter aparelhos e recursos na escola e não saber fazer um

bom uso dos mesmos. A tecnologia e os meios de comunicação precisam ser

apropriados pelos diferentes sujeitos que estão na escola, em especial, educadores

e educandos. Para tal apropriação é necessário uma nova alfabetização, um

multiletramento nas linguagens que os recursos utilizam.

A alfabetização midiática ou “digital”, ao contrário da alfabetização tradicional concentrada na lectoescrita, é também necessária para os já “alfabetizados” e, inclusive, para os próprios professores. Para muitos docentes é incômodo ter quer harmonizar seu analfabetismo tecnológico com seu alto nível cultural e com sua função básica de alfabetizar, socialmente atribuída a estes profissionais. (MARTÍN, 2014, p. 188)

Para alfabetização para os meios de comunicação e de informação Tyner

(1998) conceitua diferentes termos no sentido de especializar a alfabetização da

informação, da mídia, da imagem visual, dentre outros. Tais nomeações têm a

mesma derivação e caminham para um letramento nos diferentes meios de

comunicação e de tecnologia da informação.

2.1 Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) e suas

relações

As TDIC são conceituadas como tecnologias digitais que têm o computador e

a internet como instrumentos principais de diferenciação das Tecnologias da

Informação e Comunicação (TIC), segundo Marinho e Lobato (2008) e Afonso

(2002). Dessa forma, entende-se que celulares, tablets e computadores configuram

as TDIC.

O fato das tecnologias digitais se diferenciarem por terem computador e

internet como instrumentos principais caracteriza o uso que o ser humano faz das

ferramentas com essas tecnologia.

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A internet pressupõe conectivismo, que no mínimo pode ser pensado entre

duas pessoas de forma assíncrona ou algo mais complexo com milhares de pessoas

interconectadas se relacionando por meio dos aparelhos.

O computador não necessariamente como surgiu com gabinete, monitor,

teclado e mouse, mas cada vez mais inserido nas tecnologias como smartphones,

que conseguem armazenar e processar uma maior quantidade de informações.

Crescentemente a escola tem convivido com esses aparelhos em seu espaço,

na maioria das vezes, para a execução de trabalhos burocráticos em detrimento do

trabalho pedagógico.

Os principais locais de instalação dos computadores na escola pública são a sala do diretor ou do coordenador pedagógico (86%) e o laboratório de informática (85%). Para 39% das escolas públicas, a instalação dos computadores foi realizada entre cinco e dez anos atrás. A presença de equipamentos obsoletos (81%) e a ausência de suporte técnico (88%) são citadas por diretores de escolas públicas como fatores que dificultam o uso pedagógico das TIC. (CETIC.BR, 2015, p. 113)

A pesquisa aponta para o uso mais burocrático da máquina e ainda

demonstra como os locais de instalação evidenciam outro dado revelado: a maior

parte dos equipamentos das escolas públicas se dá por computador de mesa, ou

seja, que fica instalado em um local específico. A possibilidade de mobilidade, tão

fundamental para a organização do trabalho pedagógico, fica comprometido pela

instalação de equipamentos que necessitem de lugares físicos, como ocorre com o

computador de mesa. Revela-se assim a complexidade que a tecnologia necessita

para que possa ser bem utilizada no ambiente escolar. Quando se fala em

infraestrutura, outro fator preponderante para o êxito no trabalho escolar é a internet.

92% das instituições com computador contavam com algum tipo de conexão à Internet. As baixas velocidades de conexão ainda predominam: 41% das escolas públicas com conexão à Internet possuíam até 2 Mbps de velocidade. (CETIC.BR, 2015, p. 113)

A introdução da internet e o mundo em rede catalisaram e provocaram

mudanças na sociedade. Como nota-se na pesquisa do CETIC (2015), a velocidade

de internet ainda afeta imensamente o território nacional e, em especial, os espaços

escolares.

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As dificuldades com uma internet de qualidade no espaço escolar contrasta

uma sociedade conectada em que muitas atividades diárias dependem ou se

baseiem no uso do celular sendo ele quase uma extensão do seu corpo (McLuhan,

1974). Mais um fator que demonstra como a escola e a sociedade vivem um

descompasso em inovação.

Alguns descompassos são vistos nessa relação entre a educação

escolarizada e as mudanças sociais que são catalisadas e provocadas de diversas

formas e por inúmeros fatores.

A teoria de cibernética ou a cibercultura auxilia a explicar as mudanças que a

tecnologia digital possibilitou ao mundo. As conexões interviram diretamente na

relação entre espaço e tempo que regia a sociedade o que modificou, dentre outras

coisas, na forma como as pessoas passaram poder conversar, comprar, acessar às

informações.

Os primeiros estudos sobre cibercultura sinalizavam que esta era a cultura do ciberespaço, que é um hibrido da internet, infraestrutura tecnológica, com os seres humanos em movimento e em processos de comunicação e de redes sociais. (SANTOS, 2011, p. 77)

A internet trouxe outras possibilidades para o modus operandi de viver das

pessoas e de realizar suas atividades cotidianas. Por um lado ampliou e diversificou

as práticas e atividades que já existiam e faziam parte da sociedade antes da sua

invenção. Por outro, seu surgimento também criou formas de se viver que até então,

sem internet, não existiam.

A internet penetra em todos os domínios da vida social e os transforma. Assim é uma nova configuração, a sociedade em rede, que está em gestação em todo o planeta, ainda que sob formas muito diversas entre um ponto e outro e com efeitos muito diferentes sobre a vida das populações, devido à sua história, sua cultura, suas instituições. Como as mutações estruturais anteriores, essa reviravolta traz consigo tantas possibilidades quanto problemas novos. O resultado que daí surgirá é indeterminado: dependerá de uma dinâmica contraditória, da eterna luta entre os esforços sempre renovados para dominar, para explorar, e a defesa do direito de viver e de procurar dar um sentido à própria vida (CASTELLS, 2003, p. 333)

Como explica Castells, a humanidade vive um momento de fazer-se e refletir-

se no presente estágio. As transformações sociais que a tecnologia digital propiciou,

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como a possibilidade de conexão com pessoas de diferentes partes do mundo

demonstram seu caráter peremptório na mudança do cotidiano das pessoas. Isso

tudo ocorreu num processo crescente com transições primeiro em outros setores até

que as tecnologias pudessem estar presentes mais fortemente nos dispositivos

pessoais.

Se analisarmos mais profundamente, a cibercultura, mesmo antes do fenômeno da mobilidade conectada, já se instituía nos espaços urbanos, por conta das relações que estabelecíamos e ainda estabelecemos com as tecnologias digitais em nossas operações cotidianas com os equipamentos das cidades, a exemplos das operações bancárias, dos ambientes culturais, comerciais, industriais e agrícolas, entre outros. (SANTOS, 2011, p. 83)

Essas mudanças são fatos que antes não eram noticiados e que hoje

interferem nas relações políticas, econômicas e sociais dos países. As facilidades de

locomoção por diferentes regiões também contribuem para que a cultura da vida em

rede se torne mais necessária.

Facilmente, pode-se falar com pessoas que estão a milhares de quilômetros

de distância, evidenciando que o local e o global interagem gradualmente.

Para lá das dimensões geográficas, surge um novo tipo de território, que pode ser se base cultural, ideológica, idiomática, de circulação da informação etc. Dimensões como as de familiaridade no campo das identidades histórico-culturais (língua, tradições, valores, religião etc.) e de proximidade de interesses (ideológicos, políticos, de segurança, crenças etc.) são tão importantes quanto as de base física. São elementos propiciadores de elos culturais e laços comunitários que a simples delimitação geográfica pode não ser capaz de conter” (PERUZZO, 2005, p.4).

Estando as crianças e os jovens estudantes inseridos nesse contexto, cabe

refletir sobre o modelo de aula encontrado em muitas escolas, em que o professor

deseja contar a história do mundo apenas por meio das letras e das imagens dos

artistas antigos. Também é preciso refletir sobre como pensam as crianças de hoje,

conectadas a outros lugares do mundo por meio dos jogos online, das redes sociais

e aplicativos de conexão e de aprendizagem de novas línguas que promovem a

conexão com pessoas no mundo todo.

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A conectividade generalizada põe em contato direto homens e homens, homens e máquinas, mas também máquinas e máquinas, que passam a trocar informação de forma autônoma e independente. Nessa era da conexão, o tempo reduz-se ao tempo real e o espaço transforma-se em não espaço, mesmo que por isso a importância do espaço real, como vimos, e do tempo cronológico, que passa, tenham suas importâncias renovadas (LEMOS, 2003, p. 9)

A relação entre o local e o global que a cibercultura modificou quando a

estreitou, aliada à mudança na compreensão de determinados elementos como

ressalta Peruzzo (2005), evidenciam o desafio e a possibilidade de melhoria no

trabalho do educador quando este encontra um grupo de educandos que conhecem

pessoas de outros lugares do globo ou que ainda já visitaram alguns desses lugares.

O que se percebe é que as várias mudanças pelas quais a sociedade tem

passado não excluem o ambiente educacional, porque essa está inserida na

sociedade. Como relatado no capítulo anterior, vive-se momentos de intensas

reflexões sobre o espaço escolar.

Há questões que são mais pontuais e ora será exposto um panorama de

algumas delas. Um ponto importante diz respeito aos laços afetivos – fundamentais

para uma relação de confiança.

Os laços afetivos são importantes entre o grupo e, em especial, entre

educandos e educadores, isso porque é por meio da relação de confiança que o

educando se sente à vontade para experimentar, errar e se expor.

Entretanto, as novas associações que se estabelecem com o auxílio da

internet e das redes sociais colocam um ponto de atenção que deve ser cuidado

pela escola e seus agentes.

Quando o jovem participa de comunidades na internet, ele está criando laços com outras pessoas, por afinidade. Isso tem um lado maravilhoso, pois ele pode conhecer pessoas que possuem os mesmos gostos em qualquer lugar do globo. Entretanto, existe outro lado na questão: o perigo de avaliar e julgar os outros seres humanos apenas a partir dessa “afinidade” que os une. Isso preocupa, pois os seres humanos são criaturas muito mais complexas que as facetas que conseguem apresentar num site que favorece a interação e os relacionamentos. Analisar o outro apenas por um aspecto que “nos une” é coisificar o outro. Eleger uma faceta como o todo. Isso contribui para que as relações humanas não tenham solidez e produz a expectativa que temos diante dos objetos utilitários: o celular fica obsoleto depois de um mês, não atende mais às exigências de novidade. Muitos jovens dessas novas gerações tratam as relações humanas como aquelas que têm com seus objetos de consumo:se a relação não me satisfaz de uma maneira, em um dos aspectos, deve

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ser descartada. Ao longo do tempo, isso pode acelerar os processos de intolerância e, no limite, de agressividade e exclusão. (NETO e FRANCO, 2010, p. 16)

Como elucubrado pelos autores, há uma possível tendência de que as

relações estabelecidas entre as pessoas nas redes sejam espelhadas ou se tornem

a referência por aqueles que já nasceram imersos nessa tecnologia e que, portanto,

têm a relação social virtual como primária. Angeluci e Américo (2015, pp. 9-10)

buscam essa compreensão, ressaltando que:

Neste ponto, Katz & Aakhus (2004) colaboram ao ir mais a fundo nos desdobramentos do contato perpétuo e observam como as mídias móveis passaram a afetar a vida e as interações sociais dos indivíduos na sociedade contemporânea [...] primeiro, a individualidade passa a superar os laços primários e as relações face-a-face: “amizade, intimidade, família e os vizinhos deixam de ser as principais fontes de significado, e tornam-se os objetos de deliberação de mais um domínio da realidade”. (KATZ e AAKHUS, 2004, p. 232. Tradução nossa). Com a predominância das relações horizontais, fomentadas pelas mídias sociais, fragilizam-se também a intimidade e profundidade nos tratos humanos. Para os autores, também perdem-se alguns critérios de qualidade ou censura no fluxo de informações, o que leva a superação de determinados usos e costumes, cujo “surgimento de um mundo de significados irá acabar com o jeito pragmático da vida cotidiana.” (KATZ e AAKHUS, 2004, p. 234. Tradução nossa).

Outro ponto importante a se ater diz respeito à demasiada exposição nas

redes. Por meio de sites e aplicativos de relacionamentos, jovens e algumas

crianças têm exposto detalhes das suas vidas, família e mesmo fotos pessoais. Tal

comportamento tem sido visto com grande preocupação por algumas famílias e

escolas, uma vez que as consequências da exposição demasiada costumam não

ser benéficas.

A superexposição na internet tem trazido prejuízos ao convívio social e à vida

de algumas pessoas. Fotos íntimas circulando por grupos de WhatsApp12 ou outros

aplicativos e redes, têm modificado a noção do que é público e do que é privado.

Mais ainda, há certa ingenuidade no compartilhamento irresponsável de imagens

sem autorização. Muitos jovens acabam tendo sua vida exposta para os colegas de

escola, familiares e até para toda a cidade.

12 Aplicativo para troca de mensagens, fotos e vídeos. Desenvolvido para celulares.

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Uma vez que essas "zonas de privacidades" estão agora sendo parcialmente gerenciadas on-line, a questão agora é a (não)combinação entre as affordances13 tecnológicas e os conceitos adolescentes sobre amizade. Pois, os adolescente não estão obviamente priorizando o resguardo de sua privacidade frente a estranhos (se fosse o caso, eles poderiam simplesmente desligar o computador). Na verdade eles estão empenhados em compartilhar suas experiências particulares, em criar espaços de intimidade, em serem eles mesmos nas conexões com os amigos e através delas. (LIVINGSTONE, 2012, p.111)

A falta de discernimento do que é privado e íntimo e a circulação livre de fotos

de todos os gêneros pautam as conversas em sala e nos corredores e alteram as

relações estabelecidas entre os educandos.

[...] a espetacularização da intimidade cotidiana se tornou habitual, com todo um arsenal de técnicas de estilização das experiências vitais e da própria personalidade para “sair bem na foto”. As receitas mais efetivas imitam os modelos narrativos e estéticos da tradição cinematográfica, televisiva e publicitária, cujos códigos são apropriados e realimentados pelos novos gêneros que hoje proliferam na internet (SIBILIA, 2008, pp. 59-60)

Nesse aspecto, ressaltam-se ainda outros meios midiáticos que promovem a

precocidade; por exemplo, é comum a veiculação de propagandas de crianças

pequenas vestidas como adultas e conversando sobre namorados e namoradas nos

canais de televisão destinados a crianças, bem como a criação de produtos que

estimulam o consumo de artifícios da vaidade, isso porque os comerciais em que as

crianças aparecem como pequenos adultos não tratam de um desenvolvimento

precoce de responsabilidades que os adultos possuem ou ainda de uma vida mais

densa, pelo contrário. Há um recorte de um adultocentrismo pautado no happy end –

esta questão será abordada mais à frente.

Nota-se assim que diversos meios de comunicação têm promovido a ideia de

crianças como mini adultas. Igualmente, os jovens têm desejado assumir a fase

adulta de forma precoce, esbarrando em vários problemas cada vez mais cedo.

Essa problemática é grave porque modifica o cotidiano escolar. O uso das

tecnologias digitais é um dos recursos que serve de via para que esses problemas

adentrem a escola e, por vezes, pautem o dia dos educandos.

13 Termo referente ao potencial de algo ser usado com o objetivo para que foi criado.

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Esses mesmos recursos podem representar a melhor forma para a reflexão

sobre a apropriação por parte das crianças e dos jovens numa proposta para

compreensão da linguagem.

Na sequência, neste mesmo capítulo, se retrata a perspectiva

educomunicativa baseada na ação com as mídias com a perspectiva educativa. Esta

possibilidade refletirá o potencial que a mídia, quando bem empregada pelos

espaços educativos, tem de transformar a apropriação e compreensão dos sujeitos

que dela se utilizam para passarem de receptores para produtores das mensagens.

Assim, destaca-se que os recursos digitais em si não são produtores de boas

mensagens e reflexões como também não motivam os problemas que de seu mau

uso decorrem.

Há que se entender que, como ferramenta midiática, e ainda mesmo

apropriando-se de sua linguagem e potencial, os dispositivos e aparelhos nada

fazem sozinho. O seu uso depende da intervenção humana para produzir e para

consumir os produtos e as mensagens que neles são veiculadas.

Os meios digitais modificaram algumas relações humanas pela própria

apropriação desses recursos e suas especificidades. Também possibilitou a ênfase

de comportamentos já conhecidos em outras eras da humanidade. Ou seja,

modificou-se a forma e o contexto de determinadas ações, mas elas continuam a

existir, provando o avanço relativo da humanidade em relação à sustentabilidade e

autorregulação de sua espécie14.

A cibercultura é a cultura contemporânea estruturada pelo uso das tecnologias digitais em rede nas esferas do ciberespaço e das cidades. Compreendemos tais esferas como espaçostempos cotidianos de ensino aprendizagem, que preferimos nomear de redes educativas ou espaços multirreferenciais de aprendizagem. (SANTOS, 2011, p.77)

Essas considerações ajudam a compreender como a cibercultura intensifica

algumas relações sociais e humanas, assim como outras formas de informação,

14 Considera-se sustentabilidade de sua espécie como a capacidade do ser humano tende de habitar o espaço em que está inserido produzindo o mínimo de resíduo possível e possibilitando que outras espécies florescem pelo mínimo de intervenção no ecossistema. Neste sentido, é uma compreensão de regulação da espécie que entende que ao permitir que o ecossistema se regule por si só, garante a continuidade da própria espécie (GADOTTI, 2009).

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como os meios de comunicação de massa que promovem por vezes a cultura do

happy end.

O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é o foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada. (DEBORD, 1997, p. 14)

A sociedade do espetáculo ajuda a compreender a influência que a vida

cotidiana recebe das mídias. Pode-se citar a interferência do cinema, por exemplo,

em especial ao cinema Hollywoodiano que é o mais veiculado nos canais de TV

aberta brasileira.

Confirma afirmam Libardi e Pacheco (2014, p. 75):

Segundo Morin (2011), no happy end, o herói está ligado fortemente ao espectador, sendo sempre amado, capaz de gerar um elo sentimental e pessoal. Assim, de acordo com o sociólogo francês, o cinema se torna um meio pelo qual a sociedade de massa tem o seu imaginário sincretizado a partir dos grandes gêneros cinematográficos. Lipovetsky e Serroy (2009) corroboram esta perspectiva afirmando que o cinema se impõe como matriz do imaginário midiático e cotidiano.

A visão do happy end, de certa forma, é transferida para outras esferas e

ambientes sociais. Um deles é a escola. Não é raro encontrar professores e

gestores escolares relatando o fato dos pais imputarem na escola o dever de tornar

seus filhos felizes em todo o processo educativo.

Não significa que a educação deva ser um ato triste ou ainda que necessite

de sofrimento. O prazer deve fazer parte da aprendizagem e contribui para que

educandos e educadores se sintam motivados para conhecer o mundo e transformar

as descobertas em conhecimento construído, teorizado e refletido.

Ocorre que as descobertas no processo da aprendizagem passam por

diferentes sentimentos e sentidos que fazem parte no objetivo da construção de um

ser integral.

Tornar o momento de aprendizagem ou o espaço escolar como de pura

felicidade ou da alegria espontânea, descompromissada, significa ignorar que o

trabalho necessário para a transformação da informação bruta em aprendizagem

deve ser desconsiderado. Não se defende aqui uma educação que parte ou que

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precisa do sofrimento, entretanto, o processo de aprender, experimentar e

transformar não é composto só de alegria.

Retoma-se a superexposição, dessa necessidade de postar os momentos

vividos e torná-los agradáveis ou melhores que na realidade, como se houvesse

certa obrigação de postar as fotos e vídeos e perdendo o ato espontâneo.

Ryan Pagelow, desenhista e criador do coelho Buni, ficou conhecido pelas

suas tirinhas de começo feliz e final inesperado. Na tirinha abaixo, Ryan retrata essa

questão:

Figura 2 - Disponível em: <http://coisasdamiroca.centerblog.net/rub-fotografia-fotos-clic-.html>.

Acesso em: 05/06/2016.

Na tirinha, Buni demonstra a necessidade de postar a felicidade, mesmo que

ela não seja o sentimento vivido no momento do registro. Tal fato reflete nas

relações estabelecidas entre as pessoas e adentra também o ambiente escolar.

Encontra-se ainda em relatórios escolares a mesma foto retratando a felicidade,

como se todas as crianças tivessem que estar felizes em todos os momentos que

estão na escola, desconsiderando o olhar da descoberta, da inquietação, da dúvida,

do constrangimento, da reflexão, dentre outros.

Tomado o padrão social do aceitável, do esperado, do que é “correto” produz-

se do outro lado as marcas da intolerância, da não aceitação da diversidade, do

olhar preconceituoso.

Se não há a ruptura do que é considerado o único aceitável, o “correto”, como

se na vida existisse apenas um padrão, corre-se o risco de reproduzir esse mesmo

olhar de preconceito no espaço cibernético.

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O fato das pessoas estarem representadas por uma foto ou ainda por avatar15

imprime a sensação de maior de poder. É como se utilizassem uma máscara que

confere uma despreocupação com a escolha das palavras. As redes sociais e a

internet permitem a disseminação do preconceito de forma muito mais rápida e,

consequentemente, o impacto é muito maior.

Nos meus mundos mediados por computador, o eu é múltiplo, fluido, e constituído na interação com as conexões da máquina; ele é feito e transformado pela linguagem (...). No mundo artificialmente gerado dos MUDs16, encontro personagens que me colocam em um novo relacionamento com minha própria identidade (TURKLE, 1995, p.15 – tradução livre).

As pessoas criam “coragem” para falar mais por acharem que não serão

identificadas ou descobertas e, dessa forma, aproveitam o possível anonimato para

enfatizarem seu comportamento. Mais uma vez, verifica-se que a internet não criou

o bulling, mas está claro que as pessoas encontram na internet uma possibilidade de

colocar em prática aquilo que desejam fazer na vida real.

Outra questão importante do cyberbulling é que a internet tem memória. Isso

quer dizer que os atos de preconceito e intolerância são muito mais perenes do que

os cometidos na vida off-line

É preciso rememorar que as tecnologias não são as promotoras autônomas

nem de pontos positivos nem de pontos negativos que acontecem na escola. Elas

são ferramentas que ampliam o que antes era considerado como evento isolado.

Os aplicativos e as redes sociais, são mais uma forma de conectar as

pessoas, as quais modificam a sua relação temporal de conversa e de troca (que

antes eram realizados apenas presencialmente) evidenciam problemas e eventos

que antes ficavam restritos a pequenos grupos ou às conversas paralelas e

“bilhetinhos”.

Por isso, da mesma forma que a internet pode ser a propulsora de grandes

ideias, invenções da maior disseminação e promoção da ciência que a humanidade

realizou até então, pode também realçar e ajudar a compreender as relações sociais

15 Imagem de personagem ou boneco aleatório que representa a pessoa no mundo virtual. O avatar personifica as falas que ficariam anônimas na internet. Entretanto, nem sempre as pessoas utilizam seu nome real nos avatares, é muito comum utilizarem o nickname (apelido). 16 Sigla que se refere à multijogadores. Os jogadores assumem o papel de personagens, suas descrições e características.

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estabelecidas uns com os outros e deflagrar preconceitos, vícios, intolerâncias que

de certa forma, estavam veladas.

Considera-se a escola como um microcosmo social, conforme apontado no

trabalho sobre o limiar da paz17, “as turmas tornaram-se microcosmos da

diversidade da sociedade mundial e a compreensão transcultural tornou-se uma

condição indispensável para o estabelecer de um bom clima de aprendizagem nas

escolas de todo o mundo.” (UNESCO, 1995, p. 12). Ou seja, uma pequena

reprodução de uma vida social maior, a vida em rede e as tecnologias digitais

podem também revelar várias relações que estavam encobertas e que passam a

fazer parte do cotidiano escolar.

Ao educador cabe, mais uma vez, reforçar o olhar atento para estar sensível

às mensagens que estão reveladas e veladas. Elas compõem o ambiente escolar e

representam questões importantes a serem desenvolvidas na formação de

professores, seja ela inicial ou continuada.

2.2 Formação de professores

É cada vez maior o desafio que os educadores enfrentam, seja na educação

formal, não formal ou informal. As mudanças ocorridas nos últimos tempos e

relatadas anteriormente desafiam novas possibilidades de significação e

ressignificação da docência. Desafio porque, a cada dia, inovações e demandas

diferenciadas são apresentadas à educação impositivas à adaptação e à capacidade

de explicar aos educandos tudo o que é novo e todo o conhecimento construído pela

humanidade até então.

A escola deve enfatizar o desenvolvimento das habilidades críticas e criativas das crianças em relação aos novos meios e a “alfabetização em novos meios” deve se constituir um direito educativo básico [...]. Não será possível compreender de forma acabada os meios digitais, se insistirmos em considerá-los simplesmente uma questão de máquinas e técnicas ou de “hardware” e de “software”. A internet, os videogames, o vídeo digital, os celulares e outras tecnologias contemporâneas proporcionam novas maneiras de mediar e representar o mundo, assim como novas formas de comunicação. Fora da escola, as crianças se relacionam com estes meios não como

17 Tolerância: limiar da paz – Manual educativo para utilização das comunidades e das escolas. UNESCO (1995).

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tecnologias, mas como formas culturais. O problema da maioria dos usos educativos desse meios é que continuam considerando-os como meros meios instrumentais para distribuir informação, como se fossem ferramentas neutras ou materiais de ensino (BUCKINGHAM, 2008, p. 153)

O quadro teórico ajuda a pensar sobre a formação no sentido de refletir como

as faculdades e universidades têm formado novos docentes em seus cursos de

licenciatura e que tipo de profissionais tem sido exigido no cotidiano. Isso se

desdobra nos cursos de formação continuada, estes promovidos por iniciativas

públicas e privadas e pelos mais diversos setores, como centros de formação,

institutos, empresas e entre os pares, na escola.

Dessa forma, o que se segue são diferentes perspectivas da formação inicial

e continuada de forma a contribuir para um fazer pedagógico que esteja integrado à

docência com tecnologia.

2.2.1 Formação inicial

Ao abordar a formação inicial, a intenção não é traçar um modelo ideal desse

tipo de formação inicial; se simples fosse, não haveria tantas possibilidades de

formação com matrizes curriculares nas faculdades e universidades.

Parte-se justamente do ponto em que pensar em um modelo ideal de

formação inicial seria cometer um grande erro, isso porque vive-se em realidades

diferentes de acordo com a região de atuação; cada uma tem suas necessidades e

especificidades.

Isso não significa que não haja conteúdos básicos a serem trabalhados nos

cursos de formação inicial que se referem às metodologias, concepções, reflexões e

embasamento teórico. Mais ainda, a necessidade de praticar a docência, como um

exercício de ação-reflexão, antes do exercício definitivo da profissão, e daí a

importância dos estágios.

É importante saber que a relação pedagógica é mais complexa do que

simples fazeres mecanizados ou planejados ao longo dos anos. Do cotidiano escolar

emergem situações que dificultam a expressão do real sentido que se estabelece

entre aquele que aprende e aquele que aprende com quem aprende.

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Dessa relação resultam muitos fatores, dentre os quais destacam-se alguns

que demonstram ser, ao longo dos textos e pesquisas utilizadas como referência,

deste estudo, pontos eminentes quando do uso das tecnologias digitais.

Um dos princípios que norteiam o trabalho pedagógico é o autoconhecimento,

no sentido ontológico. Dessa forma, identifica-se que:

Trabalhar em qualquer atividade humana supõe um mínimo de conhecimento deste universo particular, autoconhecimento, mas no campo da educação, no trabalho como professores/as, este mergulho em si mesmo é ainda mais fundamental. (SANTOS NETO, 2009, p. 122)

No autoconhecimento, identificam-se as concepções prévias, às vezes,

traidoras da razão. Avaliam-se as condições que se tem para ser mais e destacam-

se as questões que ainda precisam ser trabalhadas em si. Descobrem-se pontos de

apoio nos grupos trabalhados, sabe-se identificar onde mais se necessita de ajuda

e, em especial, tem-se consciência da própria construção pessoal e profissional

durante o fazer docente.

A partir do momento que se reconhece como ser humano, que se entende o

processo de conhecer, de não saber, de um vir a ser, adquire-se uma característica

essencial em qualquer profissão que lide diretamente com seres humanos: a

empatia, essa importante visão de colocar-se no lugar do outro, não apenas para

entender como o outro se sente, mas para tentar oferecer o melhor que o outro

possa necessitar.

O que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser “educado”, vai gerando coragem. (FREIRE P., 1996, p. 45)

Nesse sentido, a empatia auxilia os educadores a se colocarem no lugar

daqueles que têm dificuldades, deficiências, que não conseguem compreender. A

partir desse ponto, podem avaliar a melhor forma de atuar. Por isso, qualquer

tentativa de mecanização da afetividade e da relação humana incorre na perda de

vínculo.

Gerado esse elo de confiança, fundamental e basilar para que o processo

educativo aconteça, tanto grupo quanto indivíduo sentem-se capazes em sua

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expressão, uma vez que, ao se conquistar confiança mútua, o terreno da

aprendizagem se torna “mais fértil”.

O movimento de humanização do ambiente escolar reflete na construção dos

sujeitos e auxilia a entender esse espaço escolar de disputa de poderes e

concepções, uma vez que a busca pela desumanização tem por objetivo sufocar as

expressões de cada indivíduo. Nesse sentido,

Entendo que o movimento capaz de provocar a consciência do processo de desumanização ao qual estamos submetidos e também as ações no sentido de superá-la tem um duplo aspecto: é um movimento que requer a decisão e o compromisso do sujeito individual, mas também a abertura e a construção do sujeito coletivo. (SANTOS NETO, 2009, p. 122)

Esse compromisso se revela na assunção dos sujeitos como seres históricos,

políticos e sensíveis, ou seja, qualquer tentativa de desumanização passa por uma

pedagogia necrófila (Freire P., 2006) que insistirá em apagar a expressão de cada

ser.

Reconhecer-se humano, portanto, num contexto da extrema relação entre a

educação e as tecnologias digitais não é negar o uso da tecnologia, mas do

contrário, identificar como ela pode colaborar para que as pessoas exerçam sua

humanidade. As tecnologias não são utilizadas para a negação da humanidade, mas

justamente por isso que inseri-la no contexto escolar é tão importante para que se

possa refletir junto dos estudantes, qual é o uso que a humanidade tem feito das

tecnologias ao longo dos tempos, e convidar essas mesmas pessoas a construir

uma nova história e uma nova relação dos homens e mulheres com as máquinas.

A invenção da existência envolve, repita-se, necessariamente, a linguagem, a cultura, a comunicação em níveis mais profundos e complexos do que o que ocorria e ocorre no domínio da vida, a “espiritualização” do mundo, a possibilidade de embelezar como de enfear o mundo e tudo isso inscreveria mulheres e homens como seres éticos. Capazes de intervir no mundo, de comparar, de ajuizar, de decidir, de romper, de escolher, capazes de grandes ações, de dignificantes testemunhos, mas capazes também de impensáveis exemplos de baixeza e indignidade (FREIRE P., 1996, p.51)

As reflexões trazidas pelo autor convidam para o compromisso da educação e

de seus profissionais de propiciarem às pessoas a possibilidade de exprimirem as

suas potencialidades humanas, passando, no entanto, pelo reconhecimento de que

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a comunidade humana deve pautar-se pela ética, ou seja, ao se expressar, deve

fazê-lo com extremo respeito ao outro, de forma que não oprima ou lhes retire a

liberdade.

Nessa perspectiva, criar uma relação da pedagogia estrita com a ciência

resultaria numa possibilidade de analisá-la, testá-la e teorizá-la, fator que as

múltiplas interfaces nela inerentes, recusam a possibilitar como única via de

compreensão.

Almeida (1999) propõe uma visão de pedagogia que direciona para a

educação em uma concepção mais global, ao indicar que a tentativa de resumir,

dissecar e analisar a pedagogia seria incorrer no risco de sistematizar e beirar um

reducionismo perigoso.

Gostaria de convidar a leitora ou o leitor a conceber uma imagem da pedagogia que não fosse voluntarista, tão segura do domínio do seu objeto teórico; nessa imagem a pedagogia não teria objeto sobre o qual discursaria em primeira pessoa... seria outra imagem: uma pedagogia afetada, possuída, portanto, apaixonada por aquilo que é comumente tido como seu objeto. (ALMEIDA, 1999, p. 101)

Dessa forma, uma pedagogia apaixonada tem sido negada por aqueles que

tentam sobrepor à pedagogia o olhar científico analítico, duro, sem humanização.

É uma visão lamentável das coisas pensar a paixão como passividade, atribuindo a esta um sentido pejorativo. A paixão leva à luta. Claro, lutamos por aquilo que nos fez apaixonados. O grande problema do sistema (educacional – inclusive ou sobretudo?) é que a paixão não tem direção... ela é imprevisível. O apaixonado não “racionaliza” suas ações. Ele entra em choque com a topologia triunfante. Por isso se diz que o apaixonado “perdeu o chão”. Sim, ele perdeu o topos. Qual topos? Certamente, o topos dominante. (ALMEIDA, 1999, p. 110)

O que parece mais evidente é que as ciências humanas tem se permitido

entender a ciência com o olhar humano, a fim de compreender que, mesmo

pesquisas como esta, não trarão respostas absolutas, repetíveis, aplicáveis, mas ao

se tratar das relações humanas, há que se considerar a complexidade que envolve

os sujeitos pesquisados, o pesquisador e tantas outras relações neles imbricadas.

Dessa forma, quando tratado anteriormente da rigorosidade científica e

mesmo da necessidade do professor pesquisador não se refere a um ponto de vista

para negar a ciência, tampouco de colocá-la em primeiro plano, mas de relativizá-la

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considerando-se, em especial, as reflexões trazidas no texto de Almeida (1999) que

demonstram justamente uma perspectiva de ciência dominante, pensando em sua

contraposição.

Relevante destacar que a ciência trazida no texto relembra o eurocentrismo e

a racionalização acima do humanismo científico e, nesse sentido, ao abordar a

escola, tanto o caráter humanizador quanto o científico que toca, descobre, cria

hipóteses, testa, cria teses é relevante para a construção de uma sociedade

emancipada.

Assim, torna-se desafiador à formação inicial, que dá titulação e permite que

as pessoas se tornem professoras, buscar refletir e compreender suas concepções

para transformá-las na realização de um curso que atenda aos futuros professores,

de forma a inspirar-lhes a paixão pelo conhecimento e o desenvolvimento do

raciocínio e da rigorosidade científica.

Tomando por exemplo um curso de formação inicial em pedagogia, é possível

encontrar sua base na matriz curricular. Esta é organizada seguindo as diretrizes

básicas do Ministério da Educação, tendo a instituição promotora a liberdade de

organizar-se de acordo com as necessidades que seu colegiado entende ser

prioritário.

Esse é um dos motivos pelos quais as instituições acabam por realizar

formações diferentes, ainda que oferecendo o mesmo curso. Ou seja, há autonomia

para a inserção e a adequação de temáticas ao curso para atenderem às demandas

da região e os objetivos pedagógicos específicos, que podem ser traçados

igualmente para atendimento às demandas locais. Por isso, as atividades propostas,

as pesquisas e a extensão podem ser delimitadas a partir do local de atuação e das

necessidades dos alunos de forma a dar sentido à profissão docente e proporcionar

o aprofundamento das reflexões a partir do cotidiano.

Por mais que existam saberes básicos necessários à formação de qualquer

educador, estes podem ser trabalhados de forma próxima à realidade que os alunos

vêem nos estágios.

Essa possibilidade fomenta que os futuros educadores possam encontrar uma

possibilidade real de intervenção e vivência nas diferentes metodologias como a

pedagogia por projetos, ensino híbrido, dentre outros.

É importante que a ação de vivenciar as novidades seja realizada também no

espaço de formação inicial e não apenas na formação continuada para que os

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educadores e educandos das universidades tenham a possibilidade de fazer

análises críticas e reflexivas no início de sua carreira docente.

Criando uma base sustentada na formação é possível que os educadores

verifiquem possibilidades concretas de atuar de forma humanizada, personalizada e

que possa unir diversos recursos e suas linguagens, como ocorre com a tecnologia

digital e a educação.

A atual formação profissional pede uma reflexão sobre a realidade contemporânea, e os currículos possuem o papel de ajuda no entendimento do ciberespaço. Elucidar como os currículos preparam os futuros professores para lidar com o ciberespaço pode ajudar a perceber como a cibercultura está envolvida nessa formação, ou seja, como uma nova característica cultural torna-se presente nos processos sociais, nesse caso, principalmente, os educacionais. (ORNELAS, 2007, p. 14).

O fazer pedagógico atento e apaixonado torna a profissão uma atividade

intensa e inacabada, uma constante troca com o outro, com as aprendizagens, um

fazer que forjado na práxis. Tal prática deve ser iniciada na primeira formação e

acompanhar o professor durante toda sua carreira docente.

Professor pesquisador é aquele que realiza sua atividade com o olhar

investigativo, com a rigorosidade científica. Para tanto, vai além do senso comum,

testa hipóteses por meio de metodologias consistentes das quais encontrará

subsídios em diferentes livros e experiências da área, assim como com os seus

pares.

O olhar pesquisador do professor mata o olhar ingênuo, que não busca a

melhoria contínua e o compromisso com uma educação biófila (Freire P., 2006),

negando aos educandos a possibilidade de se fazerem construtores de sua

aprendizagem também por meio da pesquisa.

Entretanto, desenvolver o olhar científico, investigativo e crítico deve seguir a

rigorosidade da ciência, inclusive para não incorrer em um moralismo ou puritanismo

que nega a própria ciência, uma vez que esta se desenvolve na busca do olhar não

tendencioso, vicioso. Por isso mesmo, é cada vez mais necessário no

desenvolvimento de uma sociedade que pretende inovar e desenvolver sua própria

ciência.

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A necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita a distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas. Cada vez me convenço mais de que, desperta com relação à possibilidade de enveredar-se no descaminho do puritanismo, a prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e de pureza. (FREIRE P., 1996, p. 32)

Por essa razão, fazer ciência não pode ser privilégio de alguns educandos,

mas o educador deve estar consciente e preparado para atuar em todas as formas e

extensões para que o olhar científico possa ser uma prática entre os estudantes.

Disso resulta a promoção de uma educação mais democrática, que fomenta a

pesquisa e lança luz à descoberta, tantas vezes negada no ambiente escolar.

O educador democrático não pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão. Uma de suas tarefas primordiais é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar” dos objetos cognoscíveis. (FREIRE P., 1996, p. 26)

O professor pesquisador é aquele que atua de forma científica em sua prática

profissional e que, com isso, oferece e convida os educandos à prática da pesquisa

para que possam passar do senso comum ao raciocínio crítico.

Consideradas algumas questões para a formação inicial, o uso dos recursos

tecnológicos não restritos a um espaço único, fechado, mas perpassando as

propostas pedagógicas permitem configurar a prática docente de forma mais

integral.

Verificar a necessidade de adequação das propostas pedagógicas e da

utilização da tecnologia compreende apropriar-se das tecnologias, mais

especificamente, letrar-se tecnologicamente para que a linguagem e o contexto em

que as tecnologias estão inseridas promovam a melhoria na aprendizagem.

Posto isso, identifica-se a dimensão interdisciplinar que a tecnologia

possibilita.

Como dissemos anteriormente o recurso à interdisciplinaridade se impõe em função da exigência de um novo método de análise do nosso mundo, mas também em função das finalidades sociais, já que as disciplinas sozinhas não poderiam responder adequadamente às problemáticas altamente complexas. [...] Outra reafirmação refere-se à necessidade de equacionar respostas operacionais cuidadosamente planejadas para as questões sociais ou tecnológicas que surgem. Finalmente uma outra classe de reafirmação nos conduz a

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necessidade de uma revisão da estruturação hierárquica das disciplinas da reconciliação do ser humano com sua finalidade. (FAZENDA, 2013, p. 31)

Como a autora afirma, colocar as disciplinas em caixinhas não confere mais a

possibilidade de organizar e compreender a vida e, portanto, a interdisciplinaridade

visa preencher essa lacuna.

Tão importante quanto pensar sobre a interdisciplinaridade no ambiente

escolar é também no ensino superior, de forma que o futuro educador possa

experienciar na prática como pode ser realizado o trabalho em sala de aula (ou fora

dela).

Quando se pensa nas implicações do currículo na formação para a docência visualiza-se a necessidade de discutir sobre eixos na formação de competências interdisciplinares para a atuação num cenário aberto a situações pedagógicas desafiadoras. Portanto, um currículo de formação profissional no ensino superior não pode ser organizado em estruturas curriculares rígidas, fragmentadas e desconectadas, uma vez que “a impossibilidade de ‘conhecer tudo’ originou a necessidade de aprender como se relaciona o que se conhece” (HERNÁNDEZ, VENTURA, 1998, p. 49-50)

Evidencia-se assim o caráter da formação inicial, não apenas para oferecer os

contributos teóricos que servirão de base para a atuação profissional do professor,

mas possibilitar-lhe a experiência da teoria vivenciada e, portanto, da necessidade

de pensar as práticas educativas com o uso da tecnologia.

2.2.2 Formação continuada

A formação de um educador não se encerra após o curso no ensino superior.

Aliás, afirmar que ele se inicia na faculdade também pode representar um engano,

porque inúmeras pesquisas demonstram que os educadores trazem na sua história

e no seu fazer de professor muitas marcas que ficaram impressas quando eram

alunos em anos anteriores.

Essas marcas que fazem parte da história de vida desses educadores serão

mais tarde negadas ou aceitas como possibilidade de seu fazer educacional e sua

atuação na profissão. Entretanto, esse processo de negar algumas possibilidades de

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trabalho baseadas na sua história de vida e mesmo afirmá-las pode se dar num

processo de ação-reflexão necessária para que haja uma autorreflexão.

Essas ponderações são fundamentais e esta pesquisa, inspirada nas

narrativas de alguns professores de educação básica e sua metodologia, busca

justamente essa reflexão sobre a docência.

Ser docente é ser pessoa antes de ser profissional, ser estudante antes de

professor, por isso essas dimensões se confundem e se entrelaçam no fazer

docente e exigem maior atenção durante a formação.

Ao longo dos últimos anos, temos dito (e repetido) que o professor é a pessoa, e que a pessoa é o professor. Que é impossível separar as dimensões pessoais e profissionais. Que ensinamos aquilo que somos e que, naquilo que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos. Que importa, por isso, que os professores se preparem para um trabalho sobre si próprios, para um trabalho de autoreflexão e de auto-análise. (NÓVOA, 2009, p. 38)

Os espaços dessas formações são diversos, porque fazer-se professor

implica não apenas na formação inicial, mas na necessidade de uma formação

atualizada em seu tempo e que propicie uma compreensão mais ampla da função

social do profissional docente. À escola cabe o papel primordial de oferecer as

possibilidades de formação que podem iniciar e devem passar pelo

compartilhamento de experiências dentre do próprio grupo.

As reflexões e a construção coletiva são fundamentais para o trabalho

docente. Dessa forma, quando se destaca a reflexão de Castells (2003, s. p.), “a

escola precisa formar pessoas com potenciais muito flexíveis, que mudem,

transformem e transitem em diversas situações, experiências e contextos” identifica-

se que a docência está no constante desafio de trabalhar com os saberes

sedimentados pela humanidade e ao mesmo tempo ser a propulsora de

transformação para a sociedade.

Explicitado mais uma vez esse desafio, a formação continuada demonstra

grande relevância para que os educadores encontrem possibilidades e ao mesmo

tempo, ressonância das suas práticas nas experiências de outros professores e

assim, possam compartilhar entre si suas ideias e inovações, superando as

discussões da necessidade do professor como pesquisador, algo inerente à

profissão docente.

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Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que a acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa. O que se precisa é que, em sua formação permanente o professor se perceba e se assuma porque professor, como pesquisador. (FREIRE P., 1996, p. 29)

Freire P. (1996) também remete a necessidade de uma reflexão sobre a

prática docente, práxis, que Nóvoa (2009, p. 32) resgata “A formação de professores

deve assumir uma forte componente práxica, centrada na aprendizagem dos alunos

e no estudo de casos concretos, tendo como referência o trabalho escolar.”

Entendida a formação dos educandos como possibilidade verdadeira de

aprendizagem dos professores, a formação continuada ganha um caráter maior que

o meramente instrucional após a formação inicial para ser uma oportunidade

concreta de pensar a escola com quem a faz, assim como os educandos com quem

eles participam ativamente.

A formação continuada representa rupturas para uma lógica cristalizada e

sedimentada e abre caminho para pensar novas possibilidades em educação, com

relação à linguagem e às inovações trazidas ou oferecidas para as escolas, levadas

por suas secretarias ou diretorias, respectivamente.

Ao afirmar anteriormente a relevância do protagonismo dos educandos no

processo de aprendizagem, cabe salientar essa participação tanto na formação

inicial e, em especial, na formação continuada. Isso considerado, vê-se o potencial

de jovens e crianças de ressignificarem o ambiente em que estudam para além de

um espaço acolhedor, mas um local em que novos moldes de educação são

forjados por eles.

Em todos os momentos estou aprendendo a incorporar as tecnologias na mediação com os alunos, amigos, familiares e demais colegas de profissão. Quando não sei algo ou tenho uma necessidade (que não consigo resolver sozinha), peço ajuda a alguém que pode estar ao meu lado ou no outro lado do planeta. Assim, percebo que as ferramentas tecnológicas propiciam aprendizagem e comunicação do sujeito com ele próprio, do sujeito com os outros sujeitos, instituições e serviços, e do sujeito com a enorme potencialidade que a ferramenta e os aplicativos lhe oferecem. (PORTO, 2012, p. 169)

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O autor alerta para a concepção menos linear de formação, que busca por

diversas maneiras a expressão autêntica dos professores, mas que também

considera a comunidade acadêmica.

Com a entrada das tecnologias na escola, em especial a tecnologia digital,

novos arranjos e possibilidades pedagógicas se tornam reais, oportunizando que os

educandos participem do planejamento de sua própria educação, quando a escola

se abre para aprender com eles ou ao menos repensar seu planejamento por

intercorrências.

Mais do que se apropriar do uso, este estudo trata da necessidade da escola

assumir o seu caráter reflexivo com o uso das tecnologias. Não é mais possível

pensar o mundo sem as tecnologias digitais ou ainda afirmar que se trata de um

modismo com o uso do celular e outras tecnologias. A tecnologia se “popularizou” e

está nos lares de grande parte dos brasileiros.

Cabe salientar, que nestes novos tempos, é papel da escola propor a reflexão

para que os educandos construam suas trajetórias pensando a tecnologia de forma

a extravasar a mera apropriação dos seus recursos tecnológicos.

as tecnologias de informação e comunicação (TICs) são uma realidade e, na escola, professores e alunos precisam trabalhar com elas. É preciso conhecê-las, sabendo usar suas várias possibilidades, mas também aprendendo a refletir sobre que tipo de mundo, de sociedade e de relações queremos construir com o auxílio desses poderosos recursos. Não é possível aqui separar os aspectos técnicos e os éticos. (NETO e FRANCO, 2010, p. 20)

Para que os educandos possam refletir sobre a sociedade que desejam e

sobre sua história, é importante que os educadores também o façam, pela busca do

sentido de ser do professor, que é intermediado por sua relação com vários outros

fatores que também compõem seu eu. Dessa reflexão cabe relevada valorização do

“eu, pessoa” na construção da identidade do professor (Nóvoa, 2009). O ser docente

mistura-se à concepção do indivíduo inserido neste planeta como um ser social, de

direito e com autonomia.

Nessas idas e vindas do fazer-se professor, a formação é muitas vezes

entrecortada por profissionais de diversas áreas do conhecimento e não é assumida

pelos próprios professores.

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A formação de professores deve passar para “dentro” da profissão, isto é, deve basear-se na aquisição de uma cultura profissional, concedendo aos professores mais experientes um papel central na formação dos mais jovens. [...] Na verdade, houve vários grupos que, progressivamente, foram assumindo uma responsabilidade cada vez maior na formação dos professores, e na regulação da profissão docente, relegando os próprios professores para um papel secundário. Estou a referir-me a um conjunto vasto e heterogéneo de especialistas que ocupam lugares de destaque nos departamentos universitários de Educação (ou Ciências da Educação) e nas entidades oficiais ou para-oficiais responsáveis pela política educativa. (NÓVOA, 2009, p. 36)

Se a valorização da experiência é tão fundamental na formação docente, é

preciso identificar na rememoração, no contar, a reflexão sobre a atuação como

professores.

Na rememoração, é possível encontrar marcas, por vezes profundas, que

anunciam ou denunciam a atuação docente. O professor que não se abre ao

autoconhecimento corre o risco de ser superficial o que, na carreira docente, é

desprovido de possibilidade real de trabalho.

Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo. (FREIRE, P. 1996, p. 53)

Essa memória e a rememoração na carreira docente têm sido colocada em

evidência nos últimos dez anos, porque diversos institutos e grupos de pesquisa têm

se preocupado em fazer pesquisas de cunho biográfico ou autobiográfico, revelando

o potencial das narrativas na formação dos educadores.

A memória não é o ato de relembrar os fatos com a maior fidelidade possível

ou o levantamento de dados por parte do pesquisador. Pelo contrário, a importância

da lembrança como trazida à memória demonstra a forma com que o sujeito

guardou aquela lembrança e preferiu revivê-la pela rememoração. “Memória e

profundidade são o mesmo, ou antes, a profundidade não pode ser alcançada pelo

homem a não ser através da recordação” (ARENDT, 2005, p. 31).

Importante considerar que em tempos de fotografias, vídeos e outras formas

de registro facilitadas pelos recursos tecnológicos, aumentam consideravelmente a

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quantidade de suportes que poderão ser utilizados no futuro para essa

rememoração.

2.3 TDIC na escola: questões imbricadas

Neste subitem do capítulo, procura-se identificar os objetos que aproximam as

TDIC do cotidiano escolar e fazer algumas reflexões importantes, de forma a

propiciar o discernimento que pode contribuir com o material coletado dos

professores que narraram suas experiências.

Alguns dos itens deste capítulo são extraídos dos resultados obtidos na

pesquisa do CGI (2015, pp. 348-354), já citada no Capítulo I. Na pesquisa realizada

com professores, sobre a percepção dos obstáculos no uso de computadores e

internet, alguns fatores que dificultam o acesso foram apontados com mais de 50%,

como: números insuficientes de computadores conectados à internet; ausência de

suporte técnico ou manutenção; equipamentos obsoletos ou ultrapassados; pressão

ou falta de tempo para cumprir com o conteúdo previsto; ausência de formação

específica para o uso das tecnologias na prática pedagógica; pressão para

conseguir boas notas nas avaliações de desempenho; falta de apoio pedagógico

para o uso de computador e internet.

Tais questões auxiliam a compreender a atual situação das TDIC no contexto

escolar para além das políticas públicas ou mesmo das campanhas governamentais

que possibilitam a “pintura de um mundo que não existe”.

Corroborando com os dados acima, a pesquisa identifica uma expressiva

quantidade de professores que apresentaram melhoria do trabalho pedagógico na

diversificação de propostas e melhoria na colaboração com outros colegas (2015,

pp. 355-357) quando do uso do computador e da internet no meio escolar.

Com efeito, os dados são relevantes e auxiliam a compreender a realidade

que encontramos nas escolas brasileiras, indicando ganho significativo quando do

uso das TDIC na escola.

Se os recursos favorecem o trabalho diferenciado por parte do professor e

intensifica as linguagens cada vez mais multimidiáticas, a escola deve estar sempre

atenta ao seu papel principal, a fim de propiciar momentos de reflexão a partir das

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linguagens que os diferentes meios digitais se utilizam, como também deve

identificar o papel da grande mídia na divulgação de materiais escolares.

Educar para a cidadania global significa formar seres capazes de conviverem, se comunicarem, dialogarem num mundo interativo e interdependente utilizando os instrumentos da cultura. É preparar o indivíduo para ser contemporâneo de si mesmo, como membro de uma cultura planetária e, ao mesmo tempo, comunitária próxima, que, além de exigir sua instrumentação técnica para comunicação a longa distância, requer também o desenvolvimento de uma consciência de fraternidade, de solidariedade e a compreensão de que a evolução é individual e, ao mesmo tempo, coletiva. É prepará-lo para compreender que acima do individual deverá sempre prevalecer o coletivo. (MORAES, 1997, p. 12-13).

Embora a evolução tecnológica e as redes permitam que mais pessoas

tenham acesso às ferramentas tecnológicas, na escola o assunto nem sempre é tão

simples, pois ao se tratar de democracia no acesso à tecnologia, deve-se entender a

possibilidade de todos a utilizarem.

Retomando o conceito de comunidade aprendente e comunidade escolar, é

preciso lembrar que fazem parte da comunidade não só os estudantes, professores

e gestão escolar, mas todos aqueles que trabalham na escola, bem como pais e

toda comunidade do entorno.

O acesso democrático às tecnologias deve ser para toda esta comunidade, no

sentido de verdadeiramente se criar uma comunidade aprendente em que o espaço

público atenda a todos, portanto, “basear-se numa definição abrangente de “nós”,

num compromisso de construir uma comunidade que é tanto da escola, quanto da

sociedade onde ela existe” (APPLE e BEANE, 1997, p. 39).

Mas, se em um exercício de reduzir a comunidade escolar como um grupo

apenas de estudantes e educadores, colocarmos que somente essas pessoas na

escola terão acesso aos recursos tecnológicos, ainda assim não se terá construído a

democracia no acesso porque, longe do ideal, as tecnologias ainda não estão em

todos os espaços da escola para que possam ser utilizadas e apropriadas pelos

alunos livremente.

Crianças, jovens e adultos têm adentrado à escola com seus aparelhos e

desafiado os professores tanto para se adequarem a esta nova realidade quanto a

pensarem propostas ou significarem o uso dessas tecnologias digitais no espaço

escolar. Em contrapartida

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Contudo, agora que a internet converge múltiplas tecnologias, formatos e espaços de mediação e informação – fundindo neste ponto práticas sociais distintas de informação e entretenimento, trabalho e lazer, público e privado, até mesmo infância e vida adulta, nacional e global – é necessária uma convergência da literacidade relacionada às mídias (ou ao audiovisual) e aquela relacionada à informação para que uma rota seja traçada com o objetivo de compreender o que jovens sabem e o que precisam saber muito além da ideia simplista de “usar a internet.” (LIVINGSTONE, 2011, p. 22)

Assim sendo, se as políticas públicas e as iniciativas não possibilitam o

acesso democrático à tecnologia e, por consequência, a tudo que ela propicia, ao

utilizarem os aparelhos pessoais, educandos possibilitam um acesso mais

democratizado a uma série de conhecimentos e de possibilidades de uso dessas

ferramentas na escola.

Os modelos de organização da educação, em especial, nas escolas públicas

demonstram uma administração burocratizada que caminha na contramão do

avanço tecnológico.

Os processos licitatórios e editais têm demonstrado, na maioria das vezes,

uma grande defasagem no que concerne a possibilitar os ambientes escolares de

receberem máquinas e equipamentos que sejam mais modernos ou de última

geração.

A dependência de processos que envolvam diversos setores e a morosidade

que cada um possui acabam por atravancar os avanços pretendidos, pois a compra

dos materiais não chega no momento necessário.

Quando se relaciona essa burocracia à obsolescência programada, fator

muito presente no mercado tecnológico, conclui-se que, mesmo que a escola deseje

educar para o futuro, o modelo utilizado peca por não ser capaz de se organizar nem

mesmo para o tempo presente.

Considerando a questão da obsolescência programada de forma mais ampla,

há necessidade de se verificar de que formas a escola tem se ocupado a pensar

sobre o uso e o descarte que faz das máquinas que recebe, a fim de pensar de

forma mais global e ampliada sobre verdadeiramente trabalhar os conteúdos

relacionados ao meio ambiente.

As tecnologias têm um alto custo e, portanto, outro desafio que se coloca é a

popularização dos recursos de uma forma que, mesmo adaptada, educandos de

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várias regiões e condições sociais distintas possam utilizar e vivenciar práticas com

tecnologia.

Atualmente, ainda há um grande número de recursos cujo custo com

tecnologia representa uma parte considerável do projeto. Este fato, na maioria das

vezes, acaba inviabilizando os projetos. É um desafio para educação e para uma

nova economia que se tem denominado como economia colaborativa ou economia

criativa e que vai mostrando possibilidades diferenciadas de consumo.

Talvez, um dos fatores mais relevantes seja o fato das pessoas se pautarem

mais no uso e no benefício que determinados produtos oferecem. Nesse sentido, as

pessoas não precisam adquirir determinado produto ou recurso para atingir seu

objetivo; existem alternativas como as compras coletivas e os usos de caráter

rodiziado.

É importante ressaltar essa questão, porque é muito comum entender que

democratizar o acesso significa oferecer em igual condição e posse a todos, o que

pode acarretar num consumo desenfreado.

Os novos modelos de economia têm desafiado não só a educação como

também a várias outras áreas, a exemplo da administração e da economia, fazendo

com que poucos profissionais consigam enxergar soluções viáveis para os

problemas que as escolas enfrentam hoje. Muitos acabam sobrevalorizando a falta

de recursos para aquisição, manutenção, reposição dos instrumentos tecnológicos,

aliando ainda ao argumento da falta de pessoas especializadas, o que resulta no

adiamento da renovação do parque tecnológico das escolas.

São muitas as questões que envolvem não só a aquisição dos equipamentos,

mas a sua perenidade com vistas a possibilitar ao professor o desenvolvimento

pleno de suas atividades.

Conforme indica a pesquisa da CGI (2015, p. 349), 75% dos professores

apontam que a ausência de suporte técnico ou manutenção dificulta o uso de

computador e da internet.

Nesse sentido, cabe entender a responsabilidade dos diferentes agentes

escolares; compreender que os professores atuam somente na parte pedagógica e

quando conseguem auxiliar na manutenção de algumas máquinas o fazem por

querer ajudar a escola.

Igualmente, a equipe gestora de uma escola que não possui manutenção

pode tender a liberar o uso dos recursos com menor frequência com o objetivo de

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que mais pessoas possam utilizar os recursos, ainda que haja um tempo maior de

duração.

Embora haja um sentido nesse pensamento, ele acaba por permitir que as

propostas com os recursos tecnológicos não contemplem todas as necessidades,

uma vez que não permitem o uso total dos recursos.

2.3.1 Perspectivas e possibilidades das TDIC na escola

A partir das reflexões trazidas aqui, pretende-se, nesta seção, verificar

algumas possibilidades para o uso das TDIC de forma a considerar o uso dos

recursos para além das ferramentas, ou seja, na possibilidade de compreensão

como linguagem. Para tanto, discorre-se sobre termos que têm sido frequentemente

utilizados na relação das áreas de comunicação e educação, sendo “mídia e

educação” que trata da inserção dos diferentes meios na escola e trabalha numa

perspectiva mais analítica e de observação e o da “educomunicação” que busca

utilizar a linguagem dos meios como possibilidade de trabalho com os educandos,

pautando-se na confecção de produtos comunicacionais.

Os estudos de mídia e educação têm se detido, em maior grau, em fazer

reflexões sobre as grandes mídias e outros artefatos midiáticos no cotidiano escolar.

Sendo assim, buscam fazer pesquisas e observações daquilo que ocorre no exterior

da escola.

São objetos de estudos dessa área os anúncios no jornal, na televisão, no

outdoor, na rádio, dentre outros. Esses estudos, muitas vezes com grande

profundidade de reflexão, buscam analisar a comunicação a qual a população tem

sido exposta e, de certa forma, tem consumido.

Essa vertente da entrada da comunicação na área educacional se dá em

maior grau pelos estudos da Escola Alemã ou Escola de Frankfurt18, cujos principais

nomes são Adorno e Horkheimer (1947), que participaram da criação do conceito de

indústria cultural.

18 Escola de Frankfurt é o termo criado para definir um período em que a maioria dos teóricos se opunha à comunicação de massa defendendo que sua prática era tamanha que poderia influenciar as pessoas a fazerem o que a comunicação desejasse.

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Para a escola alemã, há uma tendência de ver a comunicação em massa

como uma possibilidade de dominar. A ideologia predominante é a da dominação

pela comunicação de massa para apropriação da ideologia capitalista.

Um dos grandes pontos questionáveis dessa teoria é o entendimento das

massas (população) como algo amorfo, sem reação, como se qualquer elemento

comunicacional gerasse uma resposta quase que espontânea, algo criticado

posteriormente na teoria que ficou conhecida como leitura crítica dos meios.

Outra perspectiva, que se alinha mais a esta pesquisa, é a educomunicação

que vem se fortalecendo com um olhar multidisciplinar, a partir de diferentes

linguagens e perspectivas. Sua ação iniciou-se, primeiramente, no terceiro setor, em

iniciativas de educação informal.

A Educomunicação é entendida como um referencial teórico que sustenta a inter-relação comunicação/educação como campo de diálogo, espaço para o conhecimento crítico e criativo, para a cidadania e solidariedade (SOARES, 2011, p. 13).

Várias são as pesquisas, atualmente, que se identificam com a

educomunicação no que tange à educação dialógica, a busca pelo protagonismo de

crianças e jovens que produzem comunicação, com práticas voltadas para a

cidadania e formação integral dos sujeitos.

Transformar alunos em sujeitos do conhecimento implica (de fato) descentrar as vozes, colocando-as numa rota de muitas mãos que respeite as realidades da vida e cultural dos educandos. É preciso (de fato) fazer o aluno assumir a sua voz como instância de valor a ser confrontada a outras vozes, incluindo-se a do professor. Desse modo, a sala de aula passaria ser entendida como lugar carregado de história e habitado por muitos atores que circulariam do palco à plateia à medida que estivessem exercitando o discurso (CITELLI, 2000, p. 98).

Trata-se de uma vertente que se compromete com a busca pela autonomia,

coletividade, que visa o convívio, o respeito, o entendimento da ética, da cidadania.

Em diálogo com a teoria das mediações e os estudos de recepção, a

educomunicação se propõe a estimular o conhecimento da linguagem audiovisual,

de forma a desenvolver a leitura crítica dos meios audiovisuais.

O campo da Educomunicação nasceu, entre outras influências, da corrente intitulada “leitura crítica dos meios”, hoje atualizada em

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“leitura crítica da mídia”, que defende como papel da escola o auxílio para que os educandos possam conhecer a linguagem e a gramática audiovisual, com o objetivo de formar sujeitos críticos diante das mensagens midiáticas. Outro apoio nessa proposição vem da teoria das mediações que compreende o receptor como um sujeito ativo, que negocia sentidos nas suas experiências pedagógicas e culturais (MOGADOURO, 2011, p. 20).

Refere-se a trabalhar a partir de um ecossistema comunicativo que visa

buscar a boa relação entre os sujeitos e a expressão de grupos por meio das

ferramentas da comunicação.

À totalidade desses circuitos de retroalimentação envolvendo desde o plano da produção material, passando pelas estratégias de composição e circulação das mensagens, chegando aos jogos coenunciativos, podemos chamar de ecossistema comunicativo – conceito utilizado, em sentido próximo, por autores como Mário Kaplún, Jesús Martin-Barbero, Pierre Lévy, Adilson Citelli e Ismar de Oliveira Soares (CITELLI, 2011, p. 62)

Assim, pode-se estudar a relação que se estabelece entre os estudos de

recepção e as mudanças sociais trazidas com a tecnologia que modificaram e

modificam a relação que as pessoas estabelecem com os produtos digitais. Muitos

artigos têm sido publicados nessa área e trazem experiências internacionais, uma

vez que o Brasil ainda não tem experiências expressivas nessa perspectiva, sendo

esta pesquisa umas das contribuições para a área.

Se a educação é a área de entender o presente e dar o sentido histórico do

momento atual em que vivemos, é também nela que devem se configurar as ações

que poderão ditar o futuro. Se a educação tem cumprido esse papel não se pode

afirmar, mas ressalta-se que quando isso não ocorre, ela passa a receber

informações que vem de diversas áreas da sociedade e, por isso mesmo, se permite

estar entregue ao mercado e às tendências sem reflexão.

Ressalta-se assim a necessidade de uma educação que se fundamente pela

inovação e pela pesquisa, não com fins de se apropriar das ferramentas de última

geração encontradas atualmente, mas como concepção. Uma educação que não

sufoque a criatividade das crianças com suas inúmeras possibilidades de entender e

dizer o mundo e que não castre a inventividade natural do ser humano para

encaixotá-lo aos saberes impostos em uma diretriz, matriz ou grade curricular,

seccionando os saberes e dicotomizando a relação pedagógica em certo e errado.

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Algumas perspectivas têm se apresentado como possibilidade de pensar o

presente e futuro das possibilidades tecnológicas e comunicativas no âmbito escolar.

Assuntos como big data permitirão à educação cada vez mais criar conexões e

produzir memória e história por meio de informações registradas. A robótica, já

presente em grande parte das escolas, desafia a possibilidade de uma sociedade

mais cidadã com o auxílio desses recursos. Igualmente desafiadora, a inteligência

artificial que contribui para que as máquinas e os dispositivos tomem decisões forma

mais autônoma, exige de seus criadores um compromisso ético.

Outro recurso ainda bem recente são as impressoras 3d. Não se sabe ainda

seu real potencial, mas elas têm ganho relevado destaque em diversos campos da

sociedade e na educação. Elas podem auxiliar na prototipação das ideias, produtos

e soluções para problemas reais da sociedade e da escola.

Com todas essas possibilidades e inovações cabe refletir como a educação

tem se preparado para se adequar ao presente e, em especial, preparar o futuro. As

metodologias presentes no ensino tradicional não conseguirão receber os alunos

inventivos sem perdê-los, assim como não bastará o uso das tecnologias de forma

indiscriminada.

Haverá uma necessidade cada vez maior de uma discussão coletiva sobre

em que sociedade e planeta se deseja viver: se povoados por predadores naturais

ou em equilíbrio com a natureza, se com empregos sub-humanos ou que respeitem

a capacidade humana, se socialmente respeitando as diferenças ou intolerantes, se

com grupos e comunidades que se expressam ou que preferem falar a voz do outro,

se um país sem a necessidade de leis porque sabe conviver ou com leis cada vez

mais detalhadas, se um país em que a fome e a extrema pobreza é tolerada e

convive com a mesa farta ou que exige condições mínimas e dignas de vida a todos.

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3. Metodologia e Análise

“ta bem, ta bem... isso que o mundo está feito de átomos... O mundo não está feito de átomos. O mundo está feito de histórias” disse ela. E eu acredito que sim, o mundo deve estar feito de histórias porque são as histórias que a gente conta, que a gente escuta, recria, multiplica. As histórias são as que permitem transformar o passado em presente e que também permitem transformar o distante em próximo. O que está distante em algo próximo, possível e visível.

Eduardo Galeano

3.1 Metodologia

3.1.1 A pesquisa narrativa e autobiográfica de professores

A metodologia utilizada nesta investigação é a pesquisa narrativa e

autobiográfica por possibilitar que os professores pesquisados pudessem refletir

sobre sua prática e expressá-la por meio da narrativa.

A pesquisa narrativa é muito utilizada na educação por dar evidência à

experiência vivida pelo pesquisado e por facilitar o estreitamento do laço entre

pesquisador, pesquisa e pesquisado.

Se as palavras não são apenas uma representação da realidade, mas uma forma de construir uma realidade humana, ou de humanizar a realidade transformando-a em discurso, propomo-nos a começar pela etimologia do termo experiência, que evoca sua natureza cambiante e sua estreita relação com a formação humana. O termo experiência, como se sabe, deriva do latim experientia/ae e remete à “prova, ensaio, tentativa”,o que implica da parte do sujeito a capacidade de entendimento, julgamento, avaliação do que acontece e do que lhe acontece. (PASSEGGI, 2011, p. 148)

O conceito de experiência trazido pela autora ressoa na educação porque

valoriza a história que os professores edificam ao longo da carreira docente, bem

como permite refletir sobre essa história como parte integrante do sujeito.

Nesse sentido, Larrossa (2011, p. 5) ressalta a experiência com o olhar para a

educação e lembra que:

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A experiência é "isso que me passa". Vamos primeiro com esse isso. A experiência supõe, em primeiro lugar, um acontecimento ou, dito de outro modo, o passar de algo que não sou eu. E "algo que não sou eu" significa também algo que não depende de mim que não é uma projeção de mim mesmo, que não é resultado de minhas palavras, nem de minhas ideias, bem de minhas representações, nem de meus sentimentos, nem de meus projetos, nem de minhas intenções, que não depende nem do meu saber, nem de meu poder, nem de minha vontade. "Que não sou eu" significa que é "outra coisa que eu", outra coisa do que aquilo que eu digo, do que aquilo que eu sei, do que aquilo que eu sinto, do que aquilo que eu penso, do que eu antecipo, do que eu posso, do que eu quero.

É preciso entender a experiência pelo viés da subjetividade, evidenciando a

necessidade da interpretação dessa experiência para a presente pesquisa.

A experiência pode ser expressa, de forma sintética, como aquilo que

permaneceu do que foi vivido e vivenciado, aquilo que ressoou e ficou. Entretanto,

ela ganha novo significado no contexto da narrativa,uma vez que permite uma

reconstrução da realidade por meio da palavra.

A narrativa não consiste na busca pela fidedignidade dos fatos, como uma

investigação policial ou jornalística em que são checadas fontes, documentos

históricos para averiguar a cronologia e veracidade dos acontecimentos. A narrativa,

por sua vez, valoriza o que é contado por aquele que viveu a experiência e, por

conseguinte, o sujeito narrador da experiência. História e sujeito são os

protagonistas da pesquisa narrativa e é a partir dos relatos que surgirá a

investigação.

O ato de narrar a experiência dá ao sujeito a possibilidade de recriar a

história, colocando ou retirando elementos da mesma. “Por meio da narrativa nós

construímos, reconstruímos, e de alguma forma reinventamos o ontem e o amanhã”

(BRUNER, 2014, p.103). Na reconstrução e reinvenção do passado há a renovação

do vivido, os fatos passam a ganhar novos elementos de signifcação.

Ainda como ressalta o autor, construir-se por meio do narrar-se é um

processo incessante, perpétuo e dialético. Apesar das resolutas homiliadas de que

as pessoas nunca mudam, elas mudam sim. Elas reequilibram a sua autonomia e os

seus compromissos, de forma a honrar aquilo que foram um dia (BRUNER, 2014, p.

95).

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A narrativa permite voltar o olhar para trás,sem saudosismo acrítico, mas na

possibilidade de fazer-se historicamente. Ao narrarem sua existência para si

mesmos e outros, os entrevistados historicizam-se e contextualizam-se

ressignificando seu presente.

A importância da narrativa e da biografia para a educação resultaram na

escolha do método (auto)biográfico em complementariedade à pesquisa narrativa.

Conforme ressalta Azevedo (2016, p.29) atrelando à experiência, o método

biográfico configura-se

como instrumento de investigação pelo fato de a narrativa ter a capacidade de transmitir significado, valor e intenção na medida em que nós, seres humanos, somos naturalmente contadores e personagens de nossas próprias histórias e das histórias dos demais. Ao contá-las, externalizamos como experimentamos o mundo e, ainda, o que nos dizem dele e de nós mesmos. É sobre a experiência de pesquisa que contempla esse duplo caráter investigativo e formativo, com a proposição de um curso de extensão no decorrer da pesquisa que este texto apresenta os resultados.

O método biográfico não corresponde somente à narrativa que o sujeito traz

de si isoladamente, mas considera as questões sociais, emocionais, históricas,

dentre outras presentes na narração.

A experiência narrada é forjada no cotidiano, assim como as experiências

presentes se tornarão memória e poderão ser narradas no futuro. Experiências

essas que estão marcadas em um tempo histórico, por um contexto.

A atividade biográfica [...] uma atividade mental e comportamental, a uma forma de compreensão e de estruturação da experiência e da ação, exercendo-se de forma constante na relação do homem com sua vivência e com o mundo que o rodeia. A utilização dos termos biografia e biográfico para designar não a realidade fatual do vivido, e sim o campo de representações de construções segundo as quais os seres humanos percebem sua existência. (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 525).

Não se trata de imergir na realidade da história narrada, mas na realidade do

campo das representações construídas pelos sujeitos que narram sua própria

experiência e ainda entender a realidade baseada na continuidade – passado,

presente, futuro (CLANDININ; CONNELLY, 2011, p. 84).

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As características da metodologia supracitada encontram grande

receptividade no campo das ciências humanas por favorecerem a experiência do

sujeito, marcando assim o sentido da presença e da realidade vivida para

constituição dos dados de pesquisa.

O objeto da pesquisa biográfica é explorar os processos de gênese e de devir dos indivíduos no seio do espaço social, de mostrar como eles dão forma a suas experiências, como fazem significar as situações e os acontecimentos de sua existência (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 524).

Ao se tratar a formação pedagógica, verifica-se que “[...] o método biográfico

constitui uma abordagem que possibilita ir mais longe na investigação e na

compreensão dos processos de formação e dos subprocessos que o compõem”

(NÓVOA; FINGER, 2010, p. 25). Tal abordagem encontra receptividade no processo

de formação pedagógica porque, ao relatar as experiências práticas e relacioná-las

à formação, os sujeitos estabelecem relações entre as experiências vividas na sua

própria formação e como as mesmas contribuem ou não na sua atuação docente.

Como ressaltado por Nóvoa e Finger (2010) os processos formativos

encontram bases no método biográfico por facilitarem a compreensão de que

educadores tendem a repetir a educação que tiveram e também a formação

contínua após a formação inicial.

O método de narrativa com a perspectiva da (auto)biografia e suas

características guarda relações com a necessidade e o interesse de investigação

desta pesquisa.

É preciso considerar que nem toda pesquisa narrativa trabalha com o método

(auto)biográfico; essa escolha se deu por corresponder à temática pesquisada, bem

como por permitir confirmar ou refutar as hipóteses levantadas a partir do problema

de pesquisa.

[...] o método (auto)biográfico é uma via passível de produzir conhecimentos que favoreçam o aprofundamento teórico sobre a formação do humano e, enquanto prática de formação, conduzir o diálogo de modo mais proveitoso consigo mesmo, com o outro e com a vida (NÓVOA; FINGER, 2010, p. 16).

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Tendo como base a conceituação das narrativas (auto)biográficas, foram

convidados sujeitos com vivência da tecnologia em sala de aula para que pudessem

relatar uma experiência.

Foram coletadas narrativas de seis professores, dos quais cinco tiveram

entrevistas realizadas online, por meio do aplicativo móvel WhatsApp e por e-mail;

uma narrativa foi feita pessoalmente, utilizando-se de câmera de vídeo e gravador

para registro. As transcrições integrais das narrativas encontram-se no apêndice 2

deste trabalho.

O registro pelo aplicativo whatsapp se deu por troca de mensagem de texto.

Embora o aplicativo permita uma comunicação assíncrona, as narrativas realizadas

pelos participantes se deram em uma comunicação síncrona que permitiu verificar

possíveis dúvidas no momento em que as narrativas eram escritas. O que fugiu à

essa possibilidade foi apenas a comunicação por e-mail.

O registro digital e o relato possibilitaram aos sujeitos revisitarem suas

práticas relatadas de forma a repensar em que medida a formação inicial contribuiu

para a prática realizada em sala de aula, tema base desta pesquisa. Durante o

relato, algumas vezes houve necessidade de maior aprofundamento e, ainda,

verificação da compreensão das experiências narradas, transformando o momento

do relato em um diálogo, em especial quando utilizado o WhatsApp.

Assim, assume-se nesta pesquisa o caráter qualitativo e investigativo que se

desenvolverá na metodologia da pesquisa narrativa (auto)biográfica e com a

abordagem hermenêutico-fenomenológica para a análise das narrativas dos sujeitos

pesquisados. Mais informações sobre ambas estarão disponíveis nos itens que se

seguem.

3.1.2 A abordagem hermenêutico-fenomenológica

A fenomenologia busca identificar a essência da experiência vivida. Assim,

segundo Merleau-Ponty (1962, p. vii) a fenomenologia se preocupa em estudar as

essências. Dessa forma, a contribuição da fenomenologia para a pesquisa se dá

justamente em perceber nas narrativas (auto)biográficas o que há de essência nos

fatos vividos e relatados.

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A possibilidade do pensamento fenomenológico na pesquisa pode ser

duplamente realizada. De um lado, pelo sujeito que narra sua experiência na

necessidade de rememoração para a narração, qual seja sua interpretação do fato

ocorrido e sua forma de expressá-lo e, em seguida, pela interpretação hermenêutica

dessa narrativa pela busca do essencial na análise da pesquisa por parte do

pesquisador.

Ambos os movimentos fenomenológicos realizados pelos sujeitos

pesquisados e pesquisador se baseiam na palavra, na narrativa. Então, a

hermenêutica, como ciência da interpretação, fundamenta a compreensão do

fenômeno.

Passível de interpretações e não julgando estas como verdades únicas,

herméticas, a narrativa dos sujeitos desta pesquisa possibilita a junção da

hermenêutica e da fenomenologia.

Ao inserir-se no mundo da linguagem, a hermenêutica renuncia a pretensão de verdade absoluta e reconhece que pertencemos às coisas ditas, aos discursos, abrindo uma infinidade de interpretações possíveis (HERMANN, 2002, p. 24)

A junção da hermenêutica e da fenomenologia estará presente, conforme

Freire (2012, p. 188), em Van Manen e Riceur (e também em Heidegger), que os

precede, e é apresentada como uma ciência interpretativa dos fenômenos como

forma de fazer pesquisa.

A abordagem então considerada hermenêutico-fenomenológica, com sua

hifenização pelo seu caráter indissociável (Freire, 2012),confere à investigação do

fenômeno um olhar mais filosófico e humano, porque coloca o sujeito pesquisado de

forma integrada à pesquisa, não dando evidência apenas aos dados coletados como

se fossem separados de seus sujeitos.Pelo contrário, evidencia os sujeitos como

seres históricos com suas interpretações e formas de narrar e recontar fatos

ocorridos por meio das narrativas apresentadas.

A abordagem hermenêutico-fenomenológica, como orientação qualitativa de pesquisa, contempla um interesse investigativo que é, essencialmente, baseado em experiências vividas uma vez que, como assegura McCoy (1993, p.4), "o mundo não é fundamentalmente o que se pensa sobre ele, mas o que nele se vive". (FREIRE, 2012, p. 182)

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Conforme se vê no pensamento de Freire (2012), a relação entre o ocorrido e

o vivido, experienciado, é passível de interpretação, mas não pela busca de sentido

ou coerência com os fatos cronologicamente ocorridos, mas detém-se naquilo que é

contado pelos sujeitos, ressaltando mais uma vez o fenômeno.

Se a história pode preocupar-se com a cronologia e o registro fidedigno de

todos os fatos, a abordagem hermenêutico-fenomenológica buscará compreender o

que há de essencial nos discursos e narrativas dos sujeitos pesquisados.

Um pesquisador hermenêutico-fenomenológico interessa-se, especialmente, pelo significado de uma experiência - particularmente da uma experiência de vida - que, para van Manen (1990), consitui-se no ponto de partida e no destino final de uma investigação que se paute em tal orientação metodológica. (FREIRE, 2012, p. 183)

Os passos para a realização da análise hermenêutico-fenomenológica são

verificados na figura 3, a seguir, e serão descritos a seguir e foram realizados nesta

pesquisa em cada uma das narrativas dos seis sujeitos analisados.

TEMATIZAÇÃO

Textualização

Refinamento: identificação das primeiras unidades de significado

Refinamento e ressignificação

Refinamento e ressignificação

Definição de temas,

subtemas...

Figura 3 – Rotinas de organização e interpretação (FREIRE, 2012).

A textualização consiste no relato textual dos fenômenos que os sujeitos

desejam descrever, de acordo com o enfoque da pesquisa que participam. Neste

caso, a relação entre educação e tecnologia.

CICLO DE VALIDAÇÃO

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Na presente pesquisa, a textualização se deu de duas formas, com diferentes

sujeitos: uma das narrativas se deu por meio da gravação de uma entrevista e o

registro em vídeo e gravador, que foi posteriormente transcrito. As outras cinco

narrativas ocorreram pela utilização do aplicativo de celular WhatsApp que permitiu

o relato escrito de forma digital e ainda o uso de mensagens de áudio.

As narrativas foram realizadas de forma espontânea e consistiram no relato

de uma experiência significativa com o uso de tecnologia na educação, seguido de

uma reflexão sobre como essa prática foi possível, relacionando-a a formação.

Após a coleta e organização das narrativas dos sujeitos pesquisados, há o

trabalho de tematização.

Após a geração e registro de textos que capturam as formas de experiências o fenômeno em estudo, tem início uma sequência de procedimentos - tematização (van Manen, 1990) - que corresponde à etapa de interpretação desse fenômeno, à busca de identificação dos temas hermenêutico-fenomenológicos (Freire, 2007, 2010, 2011) que de forma sintética, expressam como se constitui o que está envolvido na experiência interpretada, fornecendo, em última instância, sua estrutura, sua essência. (FREIRE, 2012, pp. 191-192)

A tematização ocorre a partir do exercício de leitura e releitura das narrativas

na busca pela identificação de elementos menores de texto que expressem o

fenômeno relatado em essência. Após a identificação das unidades menores, ainda

no exercício constante de leitura e releitura, é realizado o procedimento de

refinamento (Freire, 2012) que consiste em idas e vindas na interpretação e

significação que poderão resultar na substituição, retirada ou inclusão de unidades

identificadas anteriormente - ressignificação.

O movimento de leitura, releitura e interpretação tem por objetivo chegar a

partículas menores de textos que são os substantivos (Freire, 2012). Para chegar

aos substantivos, é importante ressaltar que os mesmos não precisam estar

evidenciados e expressos nos textos das narrativas, mas podem ser resultado da

interpretação do pesquisador.

A partir dos substantivos é possível chegar à escolha do que seriam os

grandes temas e possíveis subtemas que estão presentes e emergem das narrativas

trazidas pelos participantes. Dessa forma, diferente da metodologia de análise de

conteúdo que pesquisa o texto em si, a abordagem hermenêutico-fenomenológica

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mantém o olhar sobre o fenômeno, a fim de interpretá-lo a partir da escrita dos

sujeitos, considerando também aquilo que não está em evidência.

As idas e vindas na leitura do texto original das narrativas e de sua depuração

interpretativa resulta em um movimento chamado por Freire (2012) de ciclo de

validação. A leitura e releitura constante, na busca por unidades menores de texto

nas narrativas dos diferentes sujeitos, a posterior chegada aos substantivos e

conseguinte tematização e subtematização conferem validade à pesquisa.

Conforme ainda ressalta a autora, no movimento interpretativo é possível

identificar o que está em aparência, ou seja, relatado e possível de ser identificado

pelo pesquisador nos textos e o que se mostra em essência, que pode estar latente

ou oculto no texto. Portanto, a abordagem hermenêutico-fenomenológica exige do

pesquisador o conhecimento sobre o tema pesquisado, uma vez que determinados

vocabulários, formas de dizer costumam ser próprias da área.

O movimento interpretativo e a chegada aos elementos menores e sua

tematização ocorrem na análise, mas não os encerram. É na tematização e

subtematização, última etapa do ciclo de validação da abordagem hermenêutico-

fenomenológica, que são encontrados os elementos que passam a ser analisados

na retomada dos referenciais teóricos trazidos até então, no intuito de identificar as

similaridades com as fontes pesquisadas e responder à pergunta problema.

3.1.3 Os sujeitos da pesquisa

Para a realização da pesquisa foram convidados seis professores que atuam

em rede pública ou privada. Como requisito à participação da pesquisa os

professores precisariam utilizar tecnologia digital em sua prática. Além disso, outro

fator importante para a escolha é a preocupação com o protagonismo de seus

alunos no desenvolvimento das atividades propostas.

A abordagem metodológica utilizada nesta pesquisa não guarda relação entre

quantidade de sujeitos pesquisados para validação da qualidade do estudo,

conforme explica Ferrarotti “se nós somos, se todo o indivíduo é a reapropriação

singular do universal social e histórico que o rodeia, podemos conhecer o social a

partir da especificidade irredutível de uma práxis individual” (FERRAROTTI, 2010, p.

47).

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Dessa forma, considerou-se a escolha dos profissionais pelo conhecimento

prévio de suas práticas por parte do pesquisador, levando-se em consideração o uso

da tecnologia em sua atuação e a abertura para a coleta de narrativas.

Os professores participantes da pesquisa relataram, cada um, uma prática

considerada por eles significativa. As narrativas apresentadas, embora sejam relatos

dos sujeitos, não são isoladas em si, pois abrigam muito mais pessoas,

considerando que a prática do professor nunca é um ato apartado, mas,

essencialmente, uma profissão que se forja no contato com o outro.

Nessa interface do individual e do social [...] o espaço da pesquisa biográfica consistiria então em perceber a relação singular que o indivíduo mantém, pela sua atividade biográfica, com o mundo histórico e social e em estudar as formas construídas que ele dá à sua experiência. (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 524).

Cada sujeito relatou uma prática com o uso de tecnologia em sala de aula. A

prática foi escolhida pelo próprio pesquisado, pois a relevância para a pesquisa

estava em buscar que fatores emergiam do relato do professor e não ater-se à

prática em si.

Os participantes da pesquisa seguem ordem alfabética e estão identificados

por haver concordância na divulgação de seus nomes, registro esse feito por

assinatura no termo de participação da presente pesquisa:

Prof. César Augusto do Prado Moraes - possui graduação em matemática

pela Fundação Educacional de Penápolis (2004), pedagogia pela Universidade Nove

de Julho (2012), especialização em metodologia do ensino e aprendizagem da

matemática pela Faculdade São Luís (2007), mestrado em Educação pela

Universidade Metodista de São Paulo (2010) e doutorando em Educação pela

Universidade Metodista de São Paulo (Atual). É professor universitário da Faculdade

de Tecnologia Hotelaria, Turismo e Gastronomia de São Paulo e professor efetivo na

disciplina de matemática na Escola Estadual Visconde de Congonhas do Campo.

Sua narrativa foi sobre o uso do Geogebra com os alunos do oitavo ano da

Escola Estadual Visconde de Congonhas do Campo.

Profa. Denise Evelin Cabral Ramos - professora de educação básica na

rede municipal de São Bernardo do Campo há 5 anos. Formada no magistério e

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graduanda no curso de pedagogia na Universidade Metodista de São Paulo.

Experiência na educação infantil e creche. Fez também alguns cursos de formação

na área de língua portuguesa, matemática e tecnologia. Integrante do Grupo de

Estudos sobre Novas Tecnologias para Educação – GENTE, coordenado pela Profa.

Dra. Adriana Azevedo.

A profa. Denise fez seu relato sobre um projeto de construção de um blog

com alunos do 5º ano.

Prof. Marcelo Augusto Pereira dos Santos - especialista em

educomunicação: mídias, cultura e comunicação pela Universidade de São Paulo,

graduado em pedagogia pelo Centro Universitário Fieo. Experiência nas áreas de

alfabetização, educação infantil e ensino fundamental, formação de professores,

programação, tecnologia e mídias, em uma perspectiva educomunicativa.

Seu relato de experiência foi sobre a construção do blog Apertaqual com

crianças da educação infantil.

Profa. Sueli Rosa Gama Medeiros - professora da Rede SESI (CE SESI

416). Graduada em ciências sociais pelo Centro Universitário São Camilo (1998).

Complementação pedagógica – habilitação em administração escolar pela

Universidade Bandeirante de São Paulo (2004). Pós-graduada em didática e

metodologia e aprendizagem da história pela Faculdade de Educação São Luis

(2007). Experiência como docente no ensino fundamental II e médio.

Sua narrativa foi sobre a utilização de vídeos e redes sociais para a

compreensão da internet na vida cotidiana.

Profa. Verônica Martins Cannatá - coordenadora-assistente e professora de

tecnologia educacional no Colégio Dante Alighieri. Mestranda em educação pela

Universiadade Metodista de São Paulo e membro da ABPEducom - Associação

Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação. Licenciada e

bacharel em ciências sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André. Pós-

graduada em Sistema de Informação pelo Centro Universitário Fundação Santo

André. Participou do Grupo de Experimentações em Ensino Híbrido, parceria entre o

Instituto Península e a Fundação Lemann. Organizadora do livro “Dante de portas

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abertas: relatos de práticas exitosas” e autora do capítulo sobre a gestão escolar no

livro Ensino Híbrido: personalização e tecnologia na educação.

O relato se deu na construção de um livro digital com alunos de diferentes

idades e turmas.

Profa. Zuleika Ramos Tani - professora do Centro Paula Souza (Etec Getúlio

Vargas). Graduada em letras pela Universidade Paulista (2010), em administração -

comércio exterior pelo Centro Universitário Ítalo-Brasileiro (2000) e em secretariado

executivo bilíngue pela Universidade Anhembi Morumbi (1994). Pós-graduada em

administração -recursos humanos pela Universidade Paulista (2014). Especialista

em filosofia e sociologia pela Universidade Gama Filho (2012). Mentora e

coordenadora do CAP: Centro de Aperfeiçoamento Profissional MERITUM (2010-

2012). Experiência como professora do Ensino Fundamental II, Médio e Técnico.

Relatou a experiência com a utilização de games para o ensino da sociologia

com alunos do ensino médio.

3.2 Análise das narrativas

Após muitas leituras sobre os relatos das experiências dos professores que

integram esta pesquisa, junto ao embasamento teórico e suporte metodológico

apresentados, chego a uma interpretação do fenômeno em foco. Reconhecendo que

não se pode apreender a totalidade de um fenômeno de maneira absoluta, admito a

influência existente da bagagem teórico-experiencial para a interpretação das

narrativas desta pesquisa.

Todas as narrações autobiográficas relatam, segundo um corte horizontal ou vertical, uma práxis humana. Ora, se “a essência do homem [...] é, na sua realidade, o conjunto das relações sociais” (Marx, VIa Tese de Feuerbach), toda a práxis humana individual é atividade sintética, totalização ativa de todo um contexto social. Uma vida é uma práxis que se apropria das relações sociais (as estruturas sociais) interiorizando-as e voltando a traduzi-las em estruturas psicológicas, por meio da sua atividade desestruturante-reestruturante. Toda a vida humana se revela, até́ nos seus aspectos menos generalizáveis, como a síntese vertical de uma história social. Todo o comportamento ou ato individual nos parece, até nas formas mais

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únicas, a síntese horizontal de uma estrutura social (FERRAROTTI, 2010, p.46).

A partir das narrativas foi realizado um “mergulho interpretativo” (Freire,

2012) que resultaram na interpretação que se segue. Os temas hermenêutico-

fenomenológicos que emergiram por meio dos procedimentos interpretativos foram:

parceria, motivação, protagonismo, formação, desafio, restrição, mediação e

reflexão.

O que se segue é a apresentação da interpretação dos temas que revelam a

essência da manifestação do fenômeno estudado.

3.2.1 Parceria

O tema parceria aparece como um fator importante de troca que se

estabelece para a construção da aprendizagem.

Pude perceber que a relação professor aluno foi estabelecida com mais confiança e o processo de ensino aprendizagem de um conteúdo de geometria como prisma, o qual não é bem recebido pelos alunos por ser considerado complexo, foi construído de forma contextualizada e significativa e assim, conseguimos discutir e dialogar. (CÉSAR)

A relação de parceria pressupõe confiança de ambas as partes, a partilha

daquilo que se sabe e a exposição por conta daquilo que não se sabe. Um trecho da

narrativa da Denise reflete essa situação: "Eu criei uma conta de email para a turma

e dei a senha para eles" e complementa “ali foi uma completa desconstrução. Criar

email para eles. Dar senha para eles. ‘Olha, eles vão acessar’; ‘Ah meu Deus, o que

eles vão fazer’."

Evidencia-se assim, por parte do professor, a consciência do inacabamento

(FREIRE, P., 1996) e a possibilidade de aprender, e do estudante, por sua vez, de

ensinar e de modificar a realidade.

A cooperação azeita a máquina de concretização das coisas, e a partilha é capaz de compensar aquilo que acaso nos falte individualmente. A cooperação está embutida em nossos genes, mas não pode ficar presa a comportamentos rotineiros; precisa desenvolver-se e ser aprofundada. O que se aplica particularmente

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quando lidamos com pessoas diferentes de nós; com elas, a cooperação torna-se um grande esforço (SENNETT, 2012, p. 9).

Tal aprofundamento ressaltado pelo autor verifica-se na narrativa

No começou eu tava meio receosa, ressabiada, por deixar eles mexerem no blog, então eles começaram comentando e depois fui abrindo de tal forma que quem alimentava passou a ser a turma e não mais eu. (DENISE)

O conceito de parceria não se estabelece apenas entre professores e alunos,

mas também reflete na comunidade escolar, como a importância do trabalho a ser

realizado no apoio dos pares. "Quero pensar fora da caixa, gosto muito de trabalhar

em equipe e ninguém faz nada sozinho. Gosto de contar uma ideia e ouvir o outro.

Ajudar e ser ajudada.” (VERÔNICA), complementando, “não se trata apenas de uma

simples colaboração, mas da possibilidade de inscrever os princípios do coletivo e

da colegialidade na cultura profissional dos docentes.” (NÓVOA, 2008, p. 231).

Por fim, a parceria, num sentido mais abrangente em relação à comunidade

escolar, se dá também quando os pais apoiam o trabalho dos professores e dão

visibilidade para uma maior valorização do educando e de seu trabalho pedagógico.

A participação é o principal meio de se assegurar a gestão democrática da escola, possibilitando o envolvimento de profissionais e usuários no processo de tomada de decisões e no funcionamento da organização escolar. Alem disso, proporciona um melhor conhecimento dos objetivos e metas, da estrutura organizacional e de sua dinâmica, das relações da escola com a comunidade, e favorece uma aproximação maior entre professores, alunos, pais. (LIBÂNEO, 2004, p. 79)

É por meio de parceria e de participação nas atividades escolares, além das

decisões que são tomadas pelos professores ou pela gestão da escola, que o

trabalho se torna mais significativo e cooperado.

Eu tinha saído da sala de jogos, e na hora que eu voltei estava uma mãe explicando para uma outra mãe qual é a importância dos jogos, porque o filho tinha explicado para ela [...] eu nunca tinha conversado com ela, tinha conhecido naquele dia, estava explicando para outra, eu não tinha explicado nada para ela, foi o filho que fez, então você percebe que dá pra caminhar isso junto com a família e junto com a escola (ZULEICA).

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3.2.2 Motivação

A motivação foi um tema bastante recorrente e apareceu de forma expressa

nas narrativas dos participantes da pesquisa. Destaca-se que os educandos notam

grande diferença quando os professores utilizam as tecnologias no trabalho de sala

de aula.

Sem tecnologia as turmas não eram participativas em sala de aula. Agora com a tecnologia eles perguntam mais e estabelecem um diálogo entre aluno e aluno e também entre aluno e professor em relação ao conteúdo ministrado e no esclarecimento de dúvidas (CÉSAR).

A motivação é resultado também da retomada do sentido do saber trabalhado

na escola para o cotidiano do aluno. As possibilidades tecnológicas ampliam o

contato do aluno com outros ambientes e linguagens e ressignificam a

aprendizagem, conforme emerge da narrativa de Sueli “Trazer alguns temas para

serem adaptados à realidade dos alunos motiva a sua participação e facilita esse

processo de aquisição e produção de conhecimento". Desta forma,

Hoje, para muitos alunos, a escola não tem qualquer sentido, nem representa um projeto no qual eles próprios ou as suas famílias sintam que vale a pena investir. A pedagogia, habituada a lidar com as questões da motivação num quadro de adesão à ideia de escola, fica desarmada perante estes alunos. Já não estamos apenas face a um desafio de diferenciar na homogeneidade mas de construir uma pedagogia que valorize a diversidade (NÓVOA, 2011, p. 41).

Uma das possibilidades encontrada pela professora Zuleica foi a inserção dos

jogos na sua prática.

Tinha alunos que detestavam livros, nunca queriam pegar livros, no fim, leram todos os livros da série, porque a maioria dos jogos têm livros, e esses livros são grandes, não são pequenos, e eles leram aquilo com uma voracidade incrível (ZULEICA)

A relação que o aluno estabelece com o jogo extrapola os desafios escolares,

porque esse permite uma imersão tanto no próprio jogo, quanto no conteúdo nele

contido.

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[...] o prazer que se retira do jogo provém do desafio, por vezes extremado, quase desesperante, não de facilitações, sobretudo, não da alegria do bobo alegre. Assim mesmo, seria sempre interessante que a escola soubesse aprender algo dos cenários dos jogos, pelo menos no sentido do envolvimento profundo (DEMO, 2009, p.99).

3.2.3 Protagonismo

Um dos temas que surgiram na análise hermenêutico-fenomenológica foi a

possibilidade do protagonismo dos alunos por meio do trabalho pedagógico junto às

tecnologias. Seja por um maior conhecimento da tecnologia ou pelas características

dos meios de comunicação e recursos tecnológicos, os alunos são convidados a

serem protagonistas da construção da aprendizagem.

Isso faz parte, inclusive, da identificação dos educadores quando permitem

que os educandos realmente se apropriem dos conteúdos e a relação pedagógica

estabelecida não se centre no professor, mas na relação entre professor e aluno

com um objetivo comum: a aprendizagem.

Professora, sabe aquele jogo? Será que não dá para encaixar tal teoria de tal filosofo, de tal sociólogo que está falando?’ Coisas que eu nem pensei, eu ainda não tinha me preparado para aquele jogo e para aquela fase, e o aluno chega e fala ‘Olha, é assim’, e é verdade, muitas vezes eu falei para ele ‘não sei, deixa eu jogar para depois eu responder’ e esse relacionamento de ‘deixa eu jogar para depois eu aprender’ eles começam a pensar que, opa, espera aí, se uma professora está falando que vai jogar para me ensinar então porque o jogo não pode transformar nisso (ZULEICA).

A facilidade com que o recurso tecnológico é apropriado pelas novas

gerações catalisa o protagonismo das crianças e dos jovens para a realização das

atividades e projetos propostos.

Eles também se perceberem naquela situação de protagonistas. Não é mais a professora que posta. ‘Agora é a gente posta’ [...] nós estávamos num ponto em que eu não fazia mais os posts. Eles que faziam. Eles criavam título, colocavam uma síntese, um texto pequeno, colocavam fotos e então eles estava manuseando a máquina digital, aprenderam a descarregar fotos; eles aprenderem a entrar nos comentários; a editar o texto; a inserir fotos (DENISE).

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Para Kaplún (2014, p. 69) “a inserção dos meios de comunicação no interior

de um programa de autoeducação orientada põe à disposição dos educandos um

veículo de expressão”, conforme a narrativa "vi as crianças [...] dialogando,

questionando, se avaliando o tempo todo porque a proposta era que eles

escrevessem para outras crianças, então todo o tempo eles liam, reliam,

consultavam os amigos" (VERÔNICA).

3.2.4 Formação

A formação é um tema bastante presente nas narrativas quando se analisa o

fenômeno do uso das tecnologias nas salas de aulas dos professores participantes

da pesquisa.

Ela se desdobra em alguns aspectos. Um deles se refere à formação inicial e

a um predomínio da ausência de uma formação que contemple a utilização da

tecnologia "Só minha formação inicial, dentro do magistério, não foi suficiente para

me subsidiar no uso de tecnologia” (MARCELO).

Entretanto, verifica-se uma grande predisposição dos professores para a

formação continuada, bem como um reconhecimento que aponta para o letramento

digital, em parte, auxiliada pelos próprios alunos, como reforça Martín (2014).

Eu e os alunos estabelecemos trocas de conhecimento de ambas as partes. Eu sobre os conteúdos matemáticos que pude auxiliar na construção dos prismas e eles me ensinaram a descoberta de novos recursos disponíveis no geogebra. Foi muito novo e gratificante para ambos. Tanto para mim professor como para os alunos (CÉSAR).

O que se apresenta, por vezes de forma expressa e de forma oculta, é uma

busca por parte dos professores por uma aula que seja significativa para seus

alunos. Para isso, a busca por formações e mesmo a abertura para aprendizagem

conjunta é realizada durante a prática pedagógica.

Nosso pensamento ainda nos ata ao passado, ao mundo assim como existia na época de nossa infância e juventude. Nascidos e criados antes da revolução eletrônica, a maioria de nós não entende o que ela significa. Os jovens da nova geração, ao contrário, se parecem com os membros da primeira geração nascida em um país novo. Devemos

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aprender junto com os jovens a forma de dar os primeiros passos (MARTÍN-BARBERO, 1996, p. 19)

A perspectiva de uma formação continuada se apresenta de várias formas,

até mesmo pela inovação estar presente na tecnologia e o cenário dos recursos e

das linguagens mudarem de tempos em tempos.

Formação continuada é muito importante para o professor. Ele não pode parar, pois o tempo não pára e o aluno muda. Eu não quero ficar pra traz e quando digo isso não é medo do desemprego, é medo de não fazer a diferença pro meu aluno e correr o risco da minha aula ser indiferente pra ele (VERÔNICA).

Dentre as modalidades de formação, além dos alunos ou da troca entre

pares, a formação online é uma possibilidade que merece destaque, uma vez que

abre caminhos para a aceitação da docência e a construção de conhecimento a

distância, o que se torna coerente com a perspectiva dos professores.

Procuro me atualizar buscando informações e formação online, geralmente discuto com os colegas quando o trabalho é interdisciplinar. Entretanto é com os alunos que vejo algumas possibilidades para trabalharmos alguns conteúdos e propostas (SUELI).

Na narrativa da Sueli está presente a preocupação de uma prática

pedagógica alinhada aos sujeitos que com ela partilham a construção do

conhecimento - seus alunos.

3.2.5 Desafio

Um dos temas presentes nas narrativas é o desafio, seja ele trazido por um

elemento terceiro "fui provocado por minha orientadora do doutorado a realizar

práticas com tecnologia" (CÉSAR) ou na tentativa de inovação motivada pela própria

necessidade de desacomodação.

Ela fez uma proposta e eu aceitei. E a proposta foi a seguinte: ela queria que eu desenvolvesse um blog , mas esse blog não era para ser alimentado por mim com fotos dos alunos sobre as atividades, era um blog da sala (DENISE).

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César "verifiquei que este recurso estava disponível nos computadores da

sala de informática da escola em que trabalho. Assim, construí um planejamento

para utilizá-lo."

Verônica "fazer um ebookpoder ser mais do que uma simples "tarefa". Eu

queria que tivesse significado para eles e não para mim".

Zuleica "sociologia e filosofia tem muita teoria, explicar aquilo que aconteceu

no passado e qual a importância disso para o presente, e os alunos não tem

interesse de prestar atenção no que está acontecendo, eles querem saber da

atualidade, não algo muito distante."

Outro desafio do trabalho com tecnologia pode ser a aceitação ou

entendimento da comunidade escolar. As propostas mais inovadoras levam mais

tempo para serem aceitas porque fogem do senso comum e a imagem cristalizada

de que os alunos são os sujeitos de aprendizagem e os professores de ensinagem.

Conforme salienta Zuleica “alguns alunos falavam ‘Professora, posso tirar uma foto

da sua escrita na lousa? Porque meu pai não vai acreditar que eu tenho que jogar

para fazer lição de casa’”.

Tradicionalmente, a aprendizagem de informações e conceitos era tarefa exclusiva da escola. Os conhecimentos teóricos eram apresentados gradativamente às crianças após o ingresso nas instituições formais de ensino. Eles eram finitos e determinados. Ao final de um determinado grau de escolarização a pessoa podia considerar-se formada, ou seja, já possuía conhecimentos e informações suficientes para se iniciar em alguma profissão. O espaço e o tempo de ensinar eram determinados (KENSKI, 2012, p.29).

3.2.6 Restrição

O tema restrição demonstra como a tecnologia ainda não está presente no

espaço escolar como um todo, remanescendo em laboratórios de informática ou

salas específicas, como sala multimídia.

Por isso mesmo, o trabalho com tecnologia, por vezes, é dificultado quando o

ambiente destinado aos recursos se encontra fechado ou com equipamentos

deteriorados.

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Nos anos anteriores a sala de informática, ou seja, os recursos tecnológicos eram restritos. Ou seja, se danificasse a responsabilidade era do professor, pois não tem verbas para o concerto. Já neste ano as portas da sala de informática foram abertas (CÉSAR).

O espaço físico pode se apresentar como uma dificuldade para que o

professor tenha autonomia para o desenvolvimento do seu trabalho e para que

possa ser mais criativo no planejamento de suas aulas.

O ambiente pedagógico tem de ser lugar de fascinação e inventuidade. Não inibir, mas propiciar, aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos. (ASSMANN, 1998, p. 29).

Para tanto, o ambiente escolar não deve restringir algumas linguagens ao

ambiente específico. A criança e o jovem se expressam por outras linguagens e o

confinamento dessas múltiplas linguagens representa a negação da expressão do

educando.

3.2.7 Mediação

A mediação é um elemento importante quando se trabalha com educação e

tecnologia e emerge das narrativas. O papel do professor como mediador da criança

que acessa o conhecimento com o auxílio das tecnologias é fundamental na

compreensão de uma aprendizagem efetivamente protagonizada pelo educando. É

possível identificar isso no relato de Marcelo "a medida que ia conhecendo as

crianças e registrando suas capacidades direcionava as duplas".

Nessa escola, que pode ser repensada estruturalmente, desconstrói-se, na formação, o papel do professor tradicional, que pode então dedicar-se à mediação de descobertas, de investigação e pesquisa, construindo o currículo pelo conhecimento compartilhado, a partir dos interesses dos alunos e no contexto de uma escola em que a representação do conhecimento seja o resultado do processo de sua construção (BUSTAMANTE, 2009, p. 31).

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“Eles são uma geração que sabe mexer na internet, sabe buscar as

informações, mas ainda precisa da mediação do professor para que as informações

sejam transformadas em conhecimento” (DENISE)

esta capacidade para obter acesso ou localizar uma informação é, com certeza, importante mas as habilidades que as crianças necessitam com relação aos meios digitais vão muito além. Da mesma forma que com a letra impressa, também precisam estar em condições de avaliar e usar a informação de forma crítica para que a possam transformar em conhecimento (BUCKINGHAM, 2008, p. 195)

Para Demo (2005, p. 12), “parece evidente a dificuldade de transformar as

tecnologias em oportunidades de aprendizagem sem a mediação do professor.

Qualquer artefato técnico implantado na escola só frutifica sob a mediação do

professor”. O que se evidencia da necessidade do professor conhecer e se apropriar

das tecnologias para com elas construir propostas interessantes e significativas para

a construção da aprendizagem dos alunos.

O relato de Sueli nos mostra a importância de uma proposta que encontra

receptividade: "os alunos foram orientados para que em grupos, a exemplo do vídeo

‘História de natal na era da internet’, reinterpretassem e contassem como seriam

divulgados nas diferentes redes sociais os fatos". Após a organização dos grupos,

os alunos produziram materiais ricos que se encontram disponíveis na internet, no

youtube.

A apropriação das tecnologias e a superação do uso utilitarista para uma

alfabetização digital, possibilita novos métodos de ensinar e aprender, num fazer

dialógico, conforme Marcelo "Depois de me apropriar um pouco mais sobre

educomunicação, entendi que não importa as linguagens utilizadas, o giz, a tela, a

fotografia, o desenho na areia, o que importa são as pessoas e suas interações".

Desta forma,

[...] as novas tecnologias não substituirão o/a professor/a, nem diminuirão o esforço disciplinado do estudo. Elas, porém, ajudam a intensificar o pensamento complexo, interativo e transversal, criando novas chances para a sensibilidade solidária no interior das próprias formas do conhecimento (ASSMANN, 2000, p.7)

O professor como mediador do processo de aprendizagem colabora para o

protagonismo dos alunos e a construção mais significativa e autônoma da

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aprendizagem. Ao se deparar com essa situação, a aprendizagem também se torna

mais significativa para o professor: "Hoje não consigo ver as minhas aulas sem

nenhuma proposta sem tecnologia, já faz parte da minha dinâmica e rotina" (SUELI).

3.2.8 Reflexão

A preocupação sobre a própria prática docente aparece de forma evidente

nas narrativas dos sujeitos, este tema será nominado de reflexão.

A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. [...] O que se precisa é possibilitar, que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. [...] A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer (FREIRE P., 1996 p. 38).

Conforme as narrativas se desdobram, é possível perceber a reflexão que

alguns professores fazem sobre suas práticas atuais e anteriores: "creio também

que não sabia deste recurso e fui um pouco tradicional em minha prática docente,

sem muitas mudanças" (CÉSAR).

Ao mesmo tempo em que a reflexão é feita sobre a sua prática, a fala

apresenta uma preocupação com o “ser professor”, deflagrado na narrativa da

Denise “a gente precisa pensar fora da caixinha, a gente precisa pensar diferente,

ampliar os horizontes [...] precisa se despir dessas cristalizações que a gente tem”.

A postura reflexiva do professor permite sempre revisitar sua prática. Da

mesma forma que uma prática pode ser cristalizada por um uso recorrente de

recursos antigos, ela também pode se tornar cristalizada se o uso das ferramentas

tecnológicas seguir um manual, algo pré-determinado, sem a possibilidade criadora

e inventiva por parte do educador, considerando a diversidade de cada grupo.

“Frente às novas tecnologias não cabem nem repulsa, nem encantamento, mas

posição de educador: crítica e autocrítica” (DEMO, 2009, p. 63).

Vê-se a preocupação do Marcelo "A rotina de escrever sobre as atividades no

blog me obrigou a refletir sobre ela, um processo contínuo de avaliação e

sistematização" e a conclusão da Verônica após usos diferenciados de tecnologia,

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ao repensar o que realmente a faz ter uma prática inovadora. “Tive momentos que

ter o melhor equipamento tecnológico em sala era o mais importante pra mim. Hoje

ter uma metodologia bem estruturada é que faz sentido, a tecnologia é o de menos”.

Por fim, conforme as narrativas permitem interpretar

Uma prática reflexiva leva à (re)construção de saberes, atenua a separação entre teoria e prática e assenta na construção de uma circularidade em que a teoria ilumina a prática e a prática questiona a teoria (ALARCÃO, 2005, p. 99).

A interpretação das narrativas por meio da abordagem hermenêutico-

fenomenológica contribuíram para que os conhecimentos trazidos pelo referencial

teórico pudesse ser verificados, bem como revistos sob outras perspectivas. Tal

interpretação revela o momento em que a pesquisa foi realizada, podendo-se chegar

a novas percepções no futuro que poderão desvelar novos conhecimentos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realização deste trabalho possibilitou descortinar diversos autores e suas

teorias que contribuem para a compreensão e ampliação da relação estabelecida

entre educação, comunicação e tecnologia.

Tal relação se forja nas fronteiras que as áreas ocupam, mas também pela

crescente produção acadêmica com um olhar interdisciplinar, reconhecendo a

necessidade de superação do olhar cartesiano para a produção do conhecimento.

Nesse sentido, reconhece-se a educomunicação como uma nova área de

conhecimento que nasce do hibridismo entre educação e comunicação. Várias

produções têm sido realizadas com o intuito de situar essa nova área de

conhecimento, bem como dar visibilidade à proposta que diversos profissionais têm

realizado no âmbito da educação formal e não formal. Vale ressaltar a conquista da

educomunicação como curso de graduação e pós-graduação da Escola de

Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo, no âmbito regional.

Os autores abordados advêm de variadas áreas do conhecimento, mas seus

constructos buscam a compreensão e idealização de uma sociedade melhor, seja

quais perspectivas adotem.Como ressalta Demo (2009, p. 77) “o desafio de

integração das novas tecnologias, não para nelas se afogar, mas para renascer”.

Verifica-se assim a possibilidade criadora e inventiva que a tecnologia pode

proporcionar ao ambiente escolar, ressaltando-se para isso a atuação crítica dos

sujeitos que dela participam por meio da assunção da tecnologia de forma

emancipada e fundamentada.

Admite-se nesta pesquisa a intenção clara pela busca do fazer científico com

o objetivo de pensar uma sociedade mais participativa, emancipada, promotora da

autonomia dos seus indivíduos e, por isso, a opção pelo trabalho com autores de

linha marcadamente militante nessas perspectivas.

Os temas encontrados na análise das narrativas dos participantes da

pesquisa colaboram para responder a pergunta de pesquisa: que percepções

emergem quando professores refletem sobre suas práticas com tecnologia em sala

de aula? O percurso da investigação seguiu alguns objetivos delimitados: verificar

em que medida a formação inicial e/ou continuada contribuía para tal prática;

analisar em que medida a prática com tecnologia em sala de aula permite o

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protagonismo dos alunos na produção de conhecimento; perceber que sentidos os

professores atribuem às suas práticas quando fazem uma (auto)reflexão; por fim,

demonstrar possibilidades e potencialidades no uso das tecnologias em sala de

aula.

Nota-se que a formação inicial ainda não contribui para que os professores

tenham uma prática com o uso de tecnologia. No entanto, a formação continuada

apresenta-se como uma alternativa importante no que concerne à busca por cursos,

a formação entre pares e mesmo a aprendizagem que se dá entre professores e

alunos quando ambos decidem criar um ambiente de colaboração mútua para a

aprendizagem.

Verifica-se que as diferentes práticas com o uso da tecnologia são motivadas

por alguns fatores internos e externos, sendo os externos o convite de um professor

parceiro de trabalho, por exemplo, e como fator interno destaca-se uma busca

intensa para uma prática que seja significativa para os alunos.

Portanto, a relação de parceria é fortemente marcada nas narrativas dos

participantes pesquisados como possibilidade de promoção do trabalho, relevando-

se a grande preocupação para que os alunos desenvolvam sua autonomia e sejam

protagonistas do processo pedagógico com o uso de tecnologia.

Admite-se o uso mais fluido das tecnologias por parte dos alunos, mas

evidencia-se a necessidade do professor, na figura do mediador, provocador e

grande incentivador, para o desenvolvimento do olhar científico dos alunos. Nesse

sentido, a alfabetização digital ou alfabetização multimídia (MARTÍN, 2014) se dá na

relação entre professores e alunos, porque ambos descobrem novas possibilidades

e se apropriam das linguagens que os meios de comunicação digital e recursos

tecnológicos possuem.

Revela-se ainda que o uso das tecnologias de forma planejada e intencional

pelo professor permite que os alunos tenham uma experiência formativa mais

significativa e relacionada à sua realidade, oportunizando que o uso dos recursos

não esteja restrito a um espaço físico, mas que possam os recursos e as linguagens

permearem e permanecerem nos diversos espaços da escola.

Por fim, as reflexões que os professores participantes da pesquisa fizeram

sobre suas práticas foram fundamentais para que se chegasse aos temas

encontrados, mas foi possível identificar que esse processo de autoreflexão é uma

constante na prática pedagógica desses professores que buscam significar suas

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aulas, bem como inovar, tendo como sujeito participativo nessa avaliação e prática,

seus alunos com suas opiniões e sugestões.

Assim, aponta-se a pesquisa narrativa (auto)biográfica (NÓVOA e FINGER,

2010) e a abordagem hermenêutico-fenomenológica (FREIRE, 2012) como de

extrema importância para a obtenção dos resultados que se frisa, mais uma vez, é

resultado do olhar interpretativo do pesquisador para as narrativas dos participantes,

junto do arcabouço teórico levantado.

Espera-se que a pesquisa possa trazer contribuições para as áreas da

educação, comunicação e educomunicação, compreendendo que a partir dos

levantamentos realizados e dos resultados obtidos, novas temáticas e possibilidades

de estudo se abrem.

Por fim, releva-se a extrema importância que a presente pesquisa possibilitou

para que novos conhecimentos fossem construídos e outros olhares descobertos, na

crença de que este estudo se encerra contribuindo para que novas aprendizagens,

reflexões e conhecimentos possam se realizar o futuro.

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Apêndice A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

UMESP – UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

Programa de Pós Graduação Mestrado em Educação

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Eu, Bruno Tonhetti Galasse, RG nº 43.718.117-0, mestrando do Programa de Pós Graduação Mestrado em Educação da Universidade Metodista de São Paulo, sob a orientação da Profa. Dra. Adriana Barroso de Azevedo, proponho o desenvolvimento da pesquisa intitulada “Narrativas de práticas em educação e tecnologia: a trajetória do professor digital” que tem por objetivo verificar o que emerge nas narrativas de experiência de professores da educação básica que têm práticas destacadas com o uso de tecnologias digitais da informação e comunicação em sala de aula. Para a coleta de dados será realizada a aplicação de uma pesquisa narrativa com entrevista dos sujeitos pesquisados.

ESCLARECIMENTOS:

1. A participação nesta pesquisa é de livre escolha com a garantia de sigilo de

identificação dos sujeitos que se dispuserem a participar e, ainda, retirar seu

consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma.

2. A pesquisa narrativa e/ou o relato de experiência não envolverão nenhum tipo

de custo para os participantes.

3. A participação na pesquisa não possibilita desconforto ou risco ao participante

por se tratar de realização de uma entrevista, pautada em diálogos, e na

produção de texto das narrativas poderá ser revista a qualquer momento

pelos participantes.

4. A qualquer momento o participante poderá declinar da pesquisa.

São Bernardo do Campo, 10 de Mario de 2016.

_______________________________________________

Bruno Tonhetti Galasse

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Apêndice B – Narrativas dos sujeitos da pesquisa

Prof. César Augusto do Padro Moraes

Irei relatar uma prática com os 8os anos sobre o conteúdo de construção de prismas

regulares. Primeiramente utilizei o livro didático para apresentar o conteúdo e

desenvolver um referencial teórico. Assim, fizemos a resolução de alguns exercícios.

Logo após fui para a sala de multimídia e apresentei alguns vídeos do youtube sobre

prismas, planificação, construção, definição e classificação. Depois fomos para a

sala de informática e apresentei o app Geogebra. Em primeiro lugar eles conheciam

suas funções, seus recursos e expliquei que é um programa de geometria dinâmica,

que poderíamos fazer os prismas em 3D. Logo em seguida realizamos uma

pesquisa no youtube sobre vídeos de como utilizar o geogebra para construir

prismas – um tutorial. Assim, construímos os prismas com todos os recursos que

são disponibilizados no geogebra.

Seguem alguns exemplos:

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E como foi a recepção dos alunos por usar multimídia? Era algo recorrente ou

você mudou a sua prática?

A recepção dos alunos fui de forma bem receptiva, agradável. Teve uma motivação.

Eu nunca tinha usado os recursos do geogebra. Fui uma mudança em minha prática

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sim. Sabe, para mim também foi novo, pois não sabia muito como utilizar. Tinha um

conhecimento superficial e com isso também aprendi muito. Eu e os alunos

estabelecemos trocas de conhecimento de ambas as partes. Eu sobre os conteúdos

matemáticos que pude auxiliar na construção dos prismas e eles me ensinaram a

descoberta de novos recursos disponíveis no geogebra

Fui muito novo e gratificante para ambos. Tanto para mim professor como para os

alunos.

Com isso, também pude perceber que a relação professor aluno foi estabelecida

com mais confiança e o processo de ensino aprendizagem de um conteúdo de

geometria como prisma, o qual não é bem recebido pelos alunos por ser

considerado complexo, foi construído de forma contextualizada e significativa e

assim, conseguimos discutir e dialogar. A forma dos prismas com a forma de

embalagem é muito cotidiana na vida dos alunos.

Foi um trabalho em que pude verificar um bom rendimento escolar por parte dos

alunos e também consegui estabelecer uma formação continuada no contexto

escolar, a partir de uma prática escolar junto aos alunos.

E como você chegou ao Geogebra?

Em minha formação inicial tive algumas práticas na universidade, mas depois nunca

mais tinha utilizado. Este ano verifiquei que este recurso estava disponível nos

computadores da sala de informática da escola em que trabalho. Assim, construí um

planejamento para utilizá-lo.

O que fez você pensar isso nesse ano e nos anos anteriores não? Quando se

formou?

Nos anos a sala de informática, ou seja, os recursos tecnológicos eram. Ou seja, se

danificar a responsabilidade era do professor, pois não tem verbas para o

concerto. Já neste ano as portas da sala de informática foram abertas. Os motivos

ainda não sei. E também fui provocado por minha orientadora do doutorado a

realizar práticas com tecnologia para o desenvolvimento de minha pesquisa. Creio

também que não sabia deste recurso e fui um pouco tradicional em minha prática

docente, sem muitas mudanças.

Você acha que sua formação inicial tendo trabalhado com tecnologia propiciou

que você chegasse de forma mais aberta, disponível, para trabalhar com

tecnologias e, em especial, com o geogebra?

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Não acho, pois em minha formação inicial a apresentação da tecnologia educacional

ocorreu de forma muito superficial. E o geogebra foi um caso isolado de

apresentação.

Você pretende continuar trabalhando com tecnologia?

Sim, com certeza, pois a prática desenvolva esse ano pode gerar um maior

interesse nos alunos. Pelos estudos da matemática também pude observar uma

maior participação, preocupação e responsabilidade pelos discentes e também uma

melhora significativa no rendimento escolar.

Qual a principal diferença que você nota entre as turmas anteriores sem

tecnologia e essa?

Sem tecnologia as turmas não eram participativas em sala de aula. Agora com a

tecnologia eles perguntam mais e estabelecem um diálogo entre aluno e aluno e

também entre aluno e professor em relação ao conteúdo ministrado e no

esclarecimento de dúvidas.

Profa. Denise Evelin Cabral Ramos

Meu nome é Denise, sou professora da rede do município de São Bernardo do

Campo. Este ano dou aula para uma turma de 5º ano do ensino fundamental de 9

anos. Eu me formei no magistério em 2003, uma das últimas turmas e, atualmente,

sou aluna do curso de Pedagogia pela Universidade Metodista, pelo programa

PARFOR.

O objetivo deste relato é falar um pouco das minhas práticas, das minha

percepções, das minhas observações relacionadas à educação e tecnologia. Meu

primeiro contato com as ferramentas tecnológicas relacionas à educação foi quando

eu entrei na prefeitura de São Bernardo do Campo em agosto de 2011.

Mas naquele momento, não fez sentido para mim. Eu entrei substituindo uma

professora que estava afastada. Ela tinha deixado um planejamento. As crianças

estavam explorando o jardim da escola e elas precisavam fazer uma ficha técnica

das plantas do jardim da escola. Elas iriam usar o computador para isso. Então,

tinha um site específico em que já tinham todas as informações contidas. A

professora deu um site para eles. E, daquele site eles precisaram extrair as

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informações e montar. Era um PowerPoint que depois seria juntado e ficaria uma

espécie de livrinho.Como ela se afastou eu acabei pegando esse trabalho. Mas,

para mim não fazia muito sentido porque eu acho que a gente poderia fazer aquilo

numa cartolina ou folha de sulfite.

No ano de 2012 eu fui trabalhar em outra escola por reorganização da rede. Nessa

escola que fui trabalhar, por ser uma escola nova, não tinha o laboratório de

informática, mas tinha uns netbooks, os laptops educacionais. Eu também não me

envolvi muito, passou o ano todo, era a professora que faltava bastante e só quem

poderia pegar os netbooks era aquela professora. A gente não tinha autonomia para

desenvolver atividades sem aquela professora responsável.

No ano de 2013 por uma questão de organização da rede, eu mudei de escola

novamente. E, nessa escola eu comecei a entender o real significado do

relacionamento entre educação e tecnologia. É um relacionamento, porque são duas

coisas que, na atualidade, são quase que inseparáveis, não vou falar que são

totalmente inseparáveis, são duas coisas que são quase inseparáveis. E aí, como

uma professora chamada Sierlei. Ela fez uma proposta e eu aceitei.

E a proposta foi a seguinte: ela queria que eu desenvolvesse um blog, mas esse

blog não era para ser alimentado por mim com fotos dos alunos sobre as atividades,

era um blog da sala. Mas, a proposta que ela me fez foi a seguinte: que esse blog

era para ser construído pelas crianças, não só alimentado com fotos e vídeos. E

então fiquei pensando no que a gente poderia trabalhar e resolvi aliar a construção

desse blog a um conteúdo de ciências que eu tinha que trabalhar com as crianças.

E ali pra mim começou a se abrir um leque de possibilidades porque você precisa,

enquanto professor, para você aderir ao novo, você precisa se desconstruir. Então

eu precisei me desconstruir porque você nestes momentos, aliás, na maioria dos

momentos, praticamente todos, eu não tinha controle do que eles estavam fazendo

e isso é difícil, né!? Você conseguir lidar com a falta de controle da situação, mas

não é para o lado ruim. O que a gente precisa entender enquanto professores, é que

quando você lida com essa “falta de controle” na verdade, os seus alunos estão

adquirindo autonomia. Então, muitas vezes no decorrer desse trabalho com blog,

quem passasse pela minha porta achava que estava uma bagunça, mas não era,

porque eles estavam discutindo, resolvendo problemas, dialogando, estavam se

ajudando. Então, ali estavam acontecendo construções de várias coisas, de

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relacionamento, de interações, além da construção do conhecimento do conteúdo

que a gente precisava estudar.

Bom, e qual era a proposta do blog?Nós começamos bem devagarinho até por

minha conta mesmo, porque era novo então a gente precisava caminhar aos

poucos. A gente vai aprendendo nesse percurso, a gente vai construindo mais

conhecimento.

A proposta do blog era: a gente fazia uma experiência, como já falei, o tema do blog

era ciências. A gente ia estudar as plantas. O objetivo do blog era estudar as

plantas. Então, a gente fez um experimento. Nós plantamos feijão dentre de um pote

e colocamos na janela e plantamos dentro de um outro pote e colocamos no

armário. Esperamos que essas sementes brotassem e depois de quase quinzes

dias, nós pegamos os dois potes, o que estava na janela e o que estava no armário,

e fizemos comparações.

Essas comparações foram postadas no blog porque inicialmente como eu fazia: eu

colocava uma pergunta no blog e as crianças respondiam nos comentários. Então,

usando os laptops educacionais, eles se sentavam em grupos e respondiam a

pergunta eu tinha feito, nos comentários. Eu lançava uma pergunta e eles tinham

que levantar uma hipótese. Foi o que aconteceu, eu coloquei “Será que essa planta

que eu vamos colocar no armário vai morrer? O que acontecerá com ela?” Então,

eles colocavam as hipóteses nos comentários e depois discutíamos, validávamos ou

refutávamos as hipóteses e registrávamos no blog o resultado, nos comentários.

Assim foi o percurso de experiências. Só que, o que aconteceu!? Nós não ficamos

só na questão dos comentários. Conforme a gente foi se apropriando do uso do

blog, daquela ferramenta, eu fui abrindo para eles. Eu criei uma conta de email para

a turma e dei a senha para eles. Eles podiam entrar no blog como colaboradores. E

aí eles criavam posts no blog. Então, por exemplo, teve uma parte do que a gente

fez que cada grupo precisava plantar e regar as suas sementes.

Interessante né!? A gente pressupõe que eles sabem fazer tudo. Parece uma coisa

muito fácil plantar feijão e aí teve grupo que colocou muita água, teve grupo que

esqueceu de regar, teve grupo que fez direitinho e, no final, umas cresceram, outras

não, mofaram, estragaram... Isso era uma coisa que eles tinham que registrar no

blog. Mas, eles não era mais no comentário. Nós estávamos num ponto em que eu

não fazia mais os posts. Eles que faziam. Eles criavam título, colocavam uma

sínteses um texto pequeno, colocavam fotos e então eles estava manuseando a

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máquina digital, aprenderam a descarregar fotos; eles aprenderem a entrar nos

comentários; a editar o texto; a inserir fotos. Foi muito bacana porque fomos

caminhando devagar, esse trabalho durou uns 6 meses. A gente foi caminhando

devagar, no começou eu tava meio receosa, ressabiada, por deixar eles mexerem

no blog, então eles começaram comentando e depois fui abrindo de tal forma que

quem alimentava passou a ser a turma e não mais eu.

Hoje, eu olho para essa atividade e vejo a importância do uso das ferramentas, dos

recursos tecnológicos aliados ao processo de educação, construção do

conhecimento.

Quando a gente pensa em autonomia, no relacionamento com o outro, no

desenvolvimento do raciocínio. Porque, às vezes, a gente pensa: eles são nativos

digitais, já sabem tudo. Mas, não, eles não sabem tudo. Eu estava trabalhando com

minha turma desse ano, na quarta-feira, no laboratório de informática, e

precisávamos fazer o cadastro em um site. Eu dei para eles o email que íamos usar

e embaixo do email tinha uma senha. E, alguns alunos não sabiam diferenciar o que

era o endereço de email e o que era senha. Então, eles são uma geração que eles

sabem mexer na internet, sabem buscar as informações, sabem “buscar as

informações”, mas ainda precisa da mediação do professor para que as informações

sejam transformadas em conhecimento.

Então, por exemplo, muitos alunos, minha turma é de 5º ano, eles tem 10, 11 anos,

alguns já tem 12 anos, mas eles não têm conta de email. Eles não têm acesso à

esse tipo de comunicação que é via email. O negócio deles é youtube, são vídeos,

são músicas, whatasapp, às vezes.

Eles não usam a internet, às vezes, os recursos tencológicos da forma como

pensamos. E aí vem um papel que é fundamental do professor que é mediar tudo

isso. Mostrar ao aluno que essas ferramentas estão a favor da educação e a favor

do conhecimento dele.

No começo, aquilo que não fazia sentido para mim, aquilo que eu achava que

poderia fazer no papel, hoje eu vejo diferente. Eu vejo que a questão do aluno com

os recursos tecnológicos estão muito além daquilo que a gente possa imaginar e,

atualmente, eu até vejo que o uso de tecnologias na escola deveria ser uma área do

conhecimento, assim como matemática, língua portuguesa, ciências... Porque da

mesma forma que a gente pode trabalhar integrado com as outras áreas do

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conhecimento, algumas coisas são da própria área da tecnologia, por exemplo,

quando a gente trabalha com programação.

Por que eu falo isso? Porque hoje o que eu vejo. Hoje a tecnologia não está apenas

para pensar na realização de um produto final para a sala de aula. Não precisa,

necessariamente, desenvolver trabalhos que estejam relacionados aos conteúdos

de sala de aula. Mas, não significa que desenvolvendo os trabalhos o aluno não terá

que mobilizar conteúdos que aprendeu na sala de aula.

Por exemplo, esse ano estou trabalhando com meus alunos programação com um

aplicativo chamado Scratch. Quando a gente vai programar e tem os personagens

que precisamos movimentá-los. Temos um espaço que é delimitado pelo plano

cartesiano, então temos os eixos X e Y. Tem -180° e +180°, -240° até +240°. Então

para que o aluno consiga determinar o espaço em que aquele objeto vai ser mover,

ele precisa compreender o que é o eixo X e o eixo Y. Precisa compreender porque -

240° até +240° e porque -180° até +180°, o aluno precisa compreender isso.

Então, quando digo que a tecnologia deveria ser trabalhada nas escolas como área

do conhecimento, então ter objetivos específicos para a área. Eu acredito que seria

muito importante não só para o aluno, mas para o professor também, porque a gente

precisa pensar fora da caixinha, a gente precisa pensar diferente, ampliar os

horizontes. Eu sei que é difícil, é complicado sair da zona de conforto e que envolve

muito mais coisas, porque envolve o processo de formação, a formação continuada,

a formação de qualidade. Não é simplesmente você chegar e entrar no laboratório e

colocar os alunos na frente do computador. Não, você precisa saber o que quer. O

que eu vejo muito que acontece é que aqui na prefeitura de São Bernardo do

Campo, tem uma professora que é responsável pelo laboratório e muitas

professoras deixam o trabalho nessa professora. O que eu observo muitas vezes é

que a professora do laboratório, às vezes, está lá com os alunos intervindo e a

professora está fazendo outra coisa, não está nem percebendo o que está

acontecendo. Ela não tem ideia de como fazer, desenvolver aquilo que a professora

do laboratório está fazendo com as crianças.

Então, o professor de sala de aula acaba não se inteirando. Porque nós pensamos

em caixinhas, laboratório/laboratório e sala de aula/sala de aula. Por isso que eu

penso que deveria ser considerando como área de conhecimento, porque a partir do

momento que entrar no currículo: “opa, eu preciso pensar nisso”, “Como que vou

pensar nisso?”, “Como que eu vou aliar isso a tudo que estou trabalhando?”, ou não,

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como eu falei anteriormente, nós estamos trabalhando com linguagem de

programação. Não relacionado ao conteúdo específico da sala de aula, nós estamos

criando jogos de modalidades olímpicas, por conta das olimpíadas, jogos

relacionados às modalidades olímpicas. Eu não trabalhei olimpíadas na sala de aula,

embora eles tenham trabalhado em educação física, embora eles tenham trabalhado

em arte. Mas, como conteúdo da sala de aula, não foi trabalhado, mas eles precisam

mobilizar uma série de conhecimentos que são trabalhados na sala de aula para que

possam desenvolver esse trabalho, então é bem interessante.

Essa é a minha mudança de percepção relacionada à tecnologia.

Eu considero que essa atividade do blog foi muito legal, por ter sido a primeira, eu

considero que foi muito bacana. Porque ali foi uma completa desconstrução. Criar

email para eles. Dar senha para eles. “olha, eles vão acessar”; “ah meu Deus, o que

eles vão fazer”. E aí eles também se perceberem naquela situação de protagonistas.

Não é mais a professora que posta. “Agora é a gente posta”. Não é mais a

professora que tira foto. “É a gente que tira foto”.

Então, eu considero que essa atividade com blog foi uma das primeiras, mas ela foi

bem interessante porque ela foi o disparador para mim dessa questão da relação

entre educação e tecnologia.

E hoje eu vejo assim, a gente precisa continuar se formando, buscando. O professor

precisa continuar sempre buscando, não dá para parar. Cada ano entra um aluno

novo, novo no sentido que ele vem com uma bagagem diferente, com

conhecimentos diferentes, vem de um mundo diferente porque o mundo a cada dia

vai se modernizando e aí, os alunos vão trazendo para a sala de aula tudo isso que

eles absorvem do mundo lá fora. E como que a gente, professor, lida com isso, na

sala de aula, com esse aluno que já é mais autônomo e por várias questões. Essas

questões não só relacionadas à tecnologia. O aluno é mais autônomo hoje porque

os pais trabalham mais, ele passa mais tempo sozinho, então ele precisa se virar. E

aí ele chega na escola e a gente quer colocar ele numa forminha e não entende

porque que o cara não se encaixa ali. Porque ele vem com uma bagagem de fora e

a gente acaba, às vezes, desconsiderando isso.

E a tecnologia vem para salvar o professor de tudo isso, parece engraçado, pra

libertar a gente de tudo isso, porque a gente precisa se despir dessas cristalizações

que a gente tem, desse pensamento engessado e perceber que dar autonomia que

proporcionar ao aluno que ele seja protagonista do processo é benéfico para ambos,

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tanto para aluno quanto para o professor. O fato do aluno ser protagonista do

processo não significa que o professor sumiu, significa que o professor está de fato

desenvolvendo seu papel enquanto mediador daquele processo.

Prof. Marcelo Augusto Pereira dos Santos

A experiência de ser Professor Orientador de Informática Educativa na Educação

Infantil foi extremamente singular e reflexiva. No Ensino Fundamental já faz parte a

presença do Laboratório de Informática, agora nas EMEIs19 da cidade São Paulo

são pouquíssimos casos. Na época, 2010, eram em torno de 6 POIEs20 na Diretoria

Regional de Pirituba Jaraguá.

Por isso o primeiro desafio era realizar um trabalho que pudesse ser visto, acessado

tanto pela comunidade das escolas (por questões de carga horária eu trabalhava em

duas unidades EMEI Eunice dos Santos e EMEI Antônio Munhoz Bonilha) como

também pelos professores das unidades e das demais escolas.

Por isso o projeto inicia-se com dois desafios: como utilizar as tecnologias com

crianças? Como publicizar este processo? Então desde o início surge o blog

Apertaqual. E ele é fundamental para esta experiência.

Estava consolidado para os professores da escola que os computadores deveriam

ser usados para jogos, apenas isso, inclusive para mim. Ao longo do tempo fui

explorando novas possibilidades, de produção de texto, de integração dos jogos com

o currículo proposto da escola, criar sequências de atividades entre as aulas. Penso

que uma experiência de construção coletiva, eu junto com as crianças e o blog. A

rotina de escrever sobre as atividades no blog me obrigou a refletir sobre ela, um

processo contínuo de avaliação e sistematização. Isso foi bem interessante, o blog

contribuiu na qualidade das atividades.

As atividades foram ficando cada vez mais diversas e complexas. Impediu uma certa

acomodação de minha parte.

19 EMEI – Escola municipal de educação Infantil 20 POIE – Professor orientador em informática educativa

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Hoje, depois de participado da construção do documentário21 o uso da tecnologia e

linguagem midiática na educação infantil sigo a linha do documento de acreditar que

esta organização de espaço - um laboratório de informática com um professor de

informática com uma aula na "grade" para cada turma - não faz muito sentido, pois

na educação infantil as linguagens se integram, se relacionam

Como foi a participação das crianças?

Por uma opção eu sempre colocava as crianças em duplas. Isso foi muito

importante, a medida que ia conhecendo as crianças e registrando suas

capacidades direcionava as duplas. Muitas discussões ocorriam entre elas, pois

enquanto um estava com o mouse o outro dava opinião em tudo. A maioria, em boa

parte do tempo, organizava bem esta dinâmica (Primeiro você, depois eu) no uso

dos computadores. O objetivo era um uso totalmente autônomo, as turmas de seis

anos chegavam em um LIE22 com computadores desligados. Tinham que ligar,

colocar a senha, acessar o software, fechar todas as telas e depois desligar.

As crianças menores, no início, tinham dificuldades em segurar o mouse. Então

começava por aí, uma aprendizagens mais técnica, utilitarista mesmo.

A dinâmica das aulas era a seguinte: primeiramente a roda de conversa para: definir

a proposta do dia, contar uma história ou avaliar a aula anterior. Depois as duplas

eram formadas para o uso do computador.

Superado o desafio da ferramenta o uso pelas crianças é muito intuitivo e curioso. O

"aperta qual, prô" era cada vez mais raro.

Como se deu seu interesse por unir a tecnologia à educação? Qual foi a

contribuição da sua formação inicial para isso?

Eu fiz ETEC paralelamente ao Magistério. Sou técnico em informática. E me tornei

POIE para juntar estas duas áreas. Se fosse só minha formação inicial dentro do

magistério não foi suficiente para me subsidiar no uso de tecnologia. A experiência

21 Doc – Documentário. Mais informações sobre o assunto tratado por Marcelo aqui: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/17138.pdf 22 LIE - Laboratório de informática educativa

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do LIE me provocou a pensar mais na utilização das linguagens midiáticas com

propósitos pedagógicos e daí percebi que não tinha formação suficiente.

Contudo, eu fui ser POIE justamente na escola que criou o que seria a Primeira

Rádio Infantil... a Rádio Jacaré FM. Na inauguração da Rádio, com presença de

autoridades, também estavam presentes alunos de uma EMEF, da Rádio Graciosa,

para cobrir o evento. Ali conheci a Educomunicação. Ela, ao longo do tempo, se

tornou o pano de fundo, a base conceitual para a integração das linguagens

midiáticas nos processos educativos.

Como foi o início? Algo mais autônomo? A formação continuada te ajudou?

Começa livremente sim. na tentativa e erro. Depois de um tempo como POIE uns

três meses, comecei a participar de dois processo formativos: encontros entre os

POIEs de EI, organizados pela DRE-PJ, conheci os outros LIEs, atividades, etc. um

espaço de troca provocado pela mediadora da DRE-PJ.

O outro eram as formações oferecidas pelo Programa Nas Ondas do Rádio, fiz os

cursos: Aprender e Comunicar, Gestão de Projetos Educomunicativos e Nas Ondas

do Vídeo.

Quando realizei minha formação com Especialista em Educomunicação já não

atuava mais no LIE.

Depois de me apropriar um pouco mais sobre educomunicação, entendi que não

importa as linguagens utilizadas, o giz, a tela, a fotografia, o desenho na areia, o que

importa são as pessoas e suas interações.

A tecnologia ainda não substituiu o contato e o sentimento humano, pois penso que

é a troca de emoções e sensações que produz conhecimento marcantes.

Profa. Sueli Rosa Gama Medeiros

Conteúdo: Formas de sociabilidade e tecnologias de informação, este conteúdo

está presente no material didático da Rede SESI.

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Expectativa de ensino e aprendizagem: Reconhecer os impactos das novas

tecnologias de informação, do desenvolvimento científico e da globalização nas

relações sociais.

Iniciei as atividades com aulas expositivas e dialogadas, com o objetivo de

apresentar e discutir com os alunos o conceito de tecnologia, desenvolvimento

científico e globalização. Para tanto, trabalhei com textos relacionados ao tema.

Discuti com as turmas o tema O mundo da internet na vida cotidiana, apresentando

para os alunos algumas indagações acerca desta temática.

Após as indagações, apresentei para as turmas os vídeos "História do natal na era

da internet", disponível no link https://www.youtube.com/watch?v=nkZBcZ-mkQE e

“Zygmunt Bauman - A amizade Facebook”, disponível no

link https://www.youtube.com/watch?v=5Lm2O3Q56Wg.

Após a exibição dos vídeos discutimos a questão:

Como essas novas tecnologias mudaram a nossa maneira de perceber o que está

ao nosso redor?

Finalizando a proposta, em sala de aula relacionamos o tema das inovações

tecnológicas com o dia-a-dia dos alunos. Discutimos como as atividades de estudo

se modificaram nos últimos anos, mostrando que eles (alunos) são parte do grupo

de atores sociais que influenciam a tecnologia e são por ela influenciados. Para

sistematizar os temas aqui discutidos, os alunos foram orientados para que em

grupos, a exemplo do vídeo “História de natal na era da internet”, reinterpretassem e

contassem como seriam divulgados nas diferentes redes sociais os fatos listados a

seguir ou tema sugeridos pelos próprios alunos na era da internet:

a) O casamento do Príncipe Charles e Lady Diana;

b) A Odisseia;

c) A História do “descobrimento” do Brasil;

d) A Independência do Brasil;

e) Uma comunidade virtual com Homero, Miguel de Cervantes, Dante Alighieri e

suas principais personagens.

O resultado desta proposta você pode ver nos links abaixo, são blogs/sites

elaborados pelos próprios alunos, é também um dos recursos tecnológicos que

utilizo nas minhas aulas.

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http://cincomosqueteiros.wixsite.com/alssw

http://segundo-a-historia.webnode.com/inconfidencia-mineira/

http://acontecimentoshist.wixsite.com/acontecimentosht/historias-na-era-digital

http://passinhodoromano21.wixsite.com/caminhandonahistoria/tecnologia-e-suas-

influencias

Essa ideia não partiu da minha formação inicial, mesmo pois quando me formei o

tema tecnologia não fazia parte parte dos debates acadêmicos como hoje. O que

motiva trabalhar desta forma com certeza é a busca por aproximar alguns temas da

realidade dos meus alunos.

Trazer alguns temas para serem adaptados à realidade dos alunos motiva a sua

participação e consequentemente facilita esse processo de aquisição e produção de

conhecimento.

Quando e como se deu sua primeira proposta de trabalho com o uso da

tecnologia? De onde surgiu essa possibilidade?

Não consigo precisar a data exatamente, mas desde de 2010 procuro sempre

trabalhar com uma proposta que envolva as novas tecnologias. A possibilidade

surgiu quando percebi que poderia atrelar essa ferramenta à aprendizagem dos

alunos, pois é algo que eles gostam e muitos dominam muito bem.

A sua pergunta me fez relembrar de um trabalho desenvolvido em 2010 com uma

turma de 9º ano sobre o período da Ditadura Militar no Brasil, eles tinham alguns

temas e deveriam produzir um vídeo explicitando o tema do grupo.

Você pode verificar um dos vídeos de 2010 no link a seguir:

https://www.youtube.com/watch?v=KMqqTAoiqSE

Para o uso da tecnologia e das propostas você discute com colegas, faz

formação, como é para se atualizar?

Procuro me atualizar buscando informações e formação online, geralmente discuto

com os colegas quando o trabalho é interdisciplinar.

Entretanto é com os alunos que vejo algumas possibilidades para trabalharmos

alguns conteúdos e propostas.

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Como você percebe a sala com e sem propostas com tecnologia?

Eu vejo que em muitas propostas os alunos se envolvem, veem nesse recurso uma

aliada para a própria aprendizagem. É lógico que numa sala de aula tem aqueles

que dominam demais esses recursos, outros que embora sejam nativos digitais

apresentam um certa dificuldade, por isso procuro fazer um trabalho colaborativo,

onde um ajuda o outro, mostro produções de anos anteriores, deixo que eles

também sugiram técnicas, aplicativos, etc. isso com certeza favorece a qualidade de

alguns trabalhos.

Hoje não consigo ver as minhas aulas sem nenhuma proposta sem tecnologia, já faz

parte da minha dinâmica e rotina.

Profa. Verônica Martins Cannattá

Eu tenho 42 anos, sou socióloga, com pós em sistema de informação e estou no

segundo semestre do mestrado em educação.

Estou em sala de aula e trabalho com Tecnologia Educacional desde 1994.

Eu gostaria de relatar pra você uma das experiências que eu considero mais

significativas da minha trajetória eu faço a mediação numa oficina de

educomunicacao com alunos de 5o ano ao Ensino Médio. A produção que eu vou te

relatar é de 2015.

Neste ano eu tinha 88 alunos na oficina. A oficina é anual e sempre temos um

produto já fizemos revista impressa, reportagens pra webtv e rádio do colégio, mas

eu queria produzir em um ebook com eles pelo fato de perceber que cada vez mais

eles estão nos dispositivos pessoais ou do próprio colégio fazendo leitura digital e

consumindo que informação, mas fazer um ebook poder ser mais do que uma

simples "tarefa". Eu queria que tivesse significado para eles e não para mim, Muitas

vezes o professor monta uma sequência didática brilhante com objetivos claros, mas

o aluno não se envolve porque não vê sentindo, apenas cumpre tarefa, literalmente.

Então, para tentar virar esse jogo, elaborei uma estratégia de sensibilização.

Na primeira aula, sem mencionar nada sobre o e-book, comentamos sobre o vídeo

sentimentário que você encontra facilmente no Youtube.

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Disponibilizamos o link de acesso ao vídeo no ambiente Moodle das oficinas, como

pré-requisito para a primeira aula. O vídeo, disponível no Youtube, narra a história

de um menino que, apaixonado pela flor do Manacá, decide buscar no dicionário o

significado da sua flor preferida. A situação-problema, na visão do menino,

apresenta o dicionário como um livro de definições “chatas” das palavras e não

portador da beleza de significados que elas têm. O menino decide, então, criar o seu

próprio dicionário cheio de sentimentos, cores e sabores com o nome Sentimentário.

Na aula, discutimos se eles concordavam com o menino, o que achavam do

dicionário. Depois, propus uma dinâmica.

O Sentimentário da Dante Em Foco: apresentamos quatro palavras relacionadas à

nossa oficina: fotografia, rádio, telejornalismo e análise de mídia, para que os alunos

as definissem, utilizando-se dos tablets em no aplicativo gratuito Padlet. O produto

final dessa aula foi a confecção coletiva de quatro murais digitais.

Na segunda aula, abordamos outro vídeo. Disponibilizamos o link de acesso ao

vídeo no ambiente Moodle das oficinas, também como pré-requisito para esta

segunda aula. Trata-se de uma reportagem do Fantástico sobre o livro Casa das

Estrelas: o universo contado pelas crianças, escrito pelo professor colombiano Javier

Naranjo, que reúne definições poéticas dadas por crianças, definições essas

coletadas por quatro anos.

Ainda nesta aula, dialogamos com as crianças sobre os dois vídeos (o curta de

animação exibido na aula anterior e a reportagem do Fantástico) perguntando-lhes

se havia relação entre eles. Após a reflexão e relatos orais dos alunos, fizemos,

sentados em roda, uma dinâmica mostrando folhas de sulfite com palavras

impressas, por exemplo, óculos, janela, cadeira, professor, escola, jornal, rádio e

etc... Propusemos aos alunos a elaboração de definições orais de um jeito diferente,

não do jeito como o adulto fala, do senso comum ou como o dicionário apresenta,

mas sim como uma criança falaria. Tivemos respostas muito interessantes, como:

“tempo” é “aquilo que já passou”, “fotografia” é “o passado congelado”, “óculos” é a

“janela dos olhos”.

Somente na terceira aula é que lancei no e-book, mas não o fiz direto... Iniciamos

este encontro fazendo a leitura dos murais digitais confeccionados na aula anterior,

e os alunos avaliaram o quanto ficaram interessantes e de fácil compreensão as

definições por eles elaboradas. Depois disso, mediei um levantamento de hipóteses.

Será que existe algum dicionário sobre jornalismo? Respostas negativas. Será que

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outras crianças, que não estudam no nosso Colégio, poderiam também fazer

jornalismo? Respostas afirmativas. Como? Respostas observadas: “Nós poderíamos

ensiná-las”. Como? Respostas observadas: “Contando como fazemos”. Onde

publicaríamos? Respostas observadas: “Na Apple Store”, “Na internet”, “No tablet”.

Poderia então ser um manual digital, como por exemplo, um e-book? Respostas

observadas: “Sim”, “Com certeza”. E por que vocês gostariam de fazer um e-book

sobre jornalismo? Respostas observadas: “Para ajudar outra criança a filmar, a

fotografar, a fazer seus textos, assim como fazemos”. Quando eles chegaram à

conclusão que poderiam produzir para ajudar o outro tudo ganhou sentindo, eles

sentiram que podiam, que sabiam algo que poder ser significativo 47 e o resultado

foi maravilhoso...

Trabalhamos mais sete aulas com revezamento por estações, alternando em

produção escrita, na radio e gravações em vídeo acho que foi um dos trabalhos mais

prazeroso que mediei. Vi as crianças crescerem, sentindo donas do produto,

dialogando, questionando, se avaliando o tempo todo porque a proposta era que

eles que escrevem para outras crianças, então todo o tempo eles liam, reliam,

consultavam os amigos. Foi demais!

Isso é o que me move como educadora... Eu preciso ver sentindo no que eu faço,

mas principalmente no que o meu aluno faz. Eu já fui aluna, tem que valer a pena. O

tempo é precioso pra mim e pro meu aluno também tem que ser... Quando eu dou

uma aula que não saio bem, fico mal... poxa meu aluno perdeu tempo comigo, isso

então me motiva a querer fazer mais, a pensar em ideias diferentes, a fazer

formações de design thinking, metodologias ativas, SOAP, Ensino Híbrido... Enfim,

vou me alimentar porque quando eu entro na sala de aula sou sugada e não posso

ser rasa entende? Tenho que ter repertório para me reinventar... Formação

continuada é muito importante para o professor. Ele não pode parar, pois o tempo

não pára e o aluno muda. Eu não quero ficar pra traz e quando digo isso não é medo

do desemprego, é medo de nâo fazer a diferença pro meu aluno e correr o risco da

minha aula ser indiferente pra ele.

Na educação básica tive professores tradicionais, na graduação também. Fiz alguns

cursos que foram trazendo ideias e fui juntando um pouquinho de cada. Sabe Bruno,

gosto de observar o mundo. Olho tudo. Rótulo de embalagem, outdoor, capa de livro

e fico tirando ideias... Quero pensar fora da caixa, gosto muito de trabalhar em

equipe e ninguém faz nada sozinho. Gosto de contar uma ideia e ouvir o outro.

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Ajudar e se ajudada... O professor é muito solitário. Precisamos abrir as portas das

nossas salas de aula e deixar o outro olhar, palpitar, se insipirar

Acho que no fundo sou muito sonhadora e isso ajuda um pouco (risos)

Você sempre trabalhou dessa forma com os alunos?

Não, no começo eu copia os modelos que eu vivenciei mais tradicional depois

comecei a me arriscar. Eu adoro musica, então levava letra de musica para ensinar

o Word. Depois eu comecei a levar fotos para levar o ppt, depois eu pedi pra os

alunos produzirem as fotos isso em 1994, e ai comecei a ver que eles se

interessavam mais pelas minhas aulas, o sentido é muito relativo... Depende da sua

maturidade profissional naquele momento. Tive momentos que ter o melhor

equipamento tecnológico em sala era o mais importante pra mim. Hoje ter uma

metodologia bem estruturada é que faz sentido, a tecnologia é o de menos... Eu não

preciso ter uma BMW, eu preciso saber dirigir...

Docência não pode ser um oficio ou uma vocação, tem que ser uma profissão! Você

que está iniciando a carreira tenha em mente buscar excelência no que você faz.

Profa. Zuleica Ramos Tani

Conte um pouco como é o seu projeto com jogos.

O projeto de jogos começou com a necessidade de fazer com que os alunos

ficassem mais quietos, prestassem atenção e parassem de falar em sala de aula,

porque sociologia e filosofia tem muita teoria, explicar aquilo que aconteceu no

passado e qual a importância disso para o presente, e os alunos não tem interesse

de prestar atenção no que está acontecendo, eles querem saber da atualidade, não

algo muito distante. Aí começou o desafio de chamar atenção e jogos é uma coisa

que eu gosto desde sempre, e os alunos também gostam desde sempre, porque?

Por que é interessante quando é pequenininho, o que que os pais fazem? Vão lá,

compram aqueles brinquedos lúdicos vai aprender a chave da casinha, tão

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tradicional, vamos pegar aquela chavinha e colocar, para aprender a coordenação

motora e depois passa a ser adolescente e não pode mais jogar porque vicia.

Qualquer coisa exagerada vai viciar não só jogos, então esse controle de

responsabilidade tem que ser dos pais e a criança vai aprender. Começou assim

então vamos fazer com que eles prestem atenção, e jogos é uma coisa que eu acho

que não tem adolescente que não conheça, e que já não viu alguma coisa e que já

não quis jogar algum momento, aí foi o meu primeiro trabalho né, aprender os jogos

por trás dos jogos, porque jogar por jogar é muito bom, é muito fácil, mas e aí, o que

tem por trás disso? Como fazer essa história? E essa busca pelo conhecimento foi

através de teorias, foi através de livros, você começa a pesquisar você percebe que

tem muita gente falando sobre isso, tem muitos autores reconhecidos, tem muitos

professores e mestres buscando alternativas na educação e foi aí que me chamou

atenção, então vamos pegar a teoria pra poder fazer, só que a teoria vai ter toda a

parte pedagógica de como aplicar isso, agora o jogo você tem que jogar, você tem

que aprender a jogar, você jogando aquilo você vai saber como desenvolver o seu

conteúdo programático que você precisa passar para o aluno, mais a parte

pedagógica que você está vendo com os outros teóricos e o jogo em sî, você tem

que juntar os três elementos pra você poder mostrar, porque senão a aula vai ficar

só jogo pelo jogo e não é essa a intenção. Então fazer com que o aluno entenda

isso, o Primeiro Momento foi uma tentativa disse que não conseguia fazer com que

os alunos prestassem atenção, daí eu trouxe numa aula, deixei em cima da mesa

livros, jogos e cheguei mais cedo, coloquei na mesa e sai da sala esperei eles

entrarem, eu entrei até atrasada na sala, na hora que eu entrei a minha mesa todo

mundo em torno dela, ninguém mexia, acho que tinha até um certo medo imagina

“jogos? Que que vou fazer”, ninguém tocou e eu entrei “Que que foi gente, boa

tarde” era uma aula a tarde, “que vamos fazer”, “Professora o que é isso?”, “Eu

trouxe”, “Mas como assim?”, e aí foi a grande descoberta, o que fazer com aquilo, ai

eu comecei a mostrar, bom, tinha alunos que até hoje que detestavam livros, nunca

queria, imagina, pegar livros, no fim, leu todos os livros da série, porque a maioria

dos jogos têm livros, e esses livros são grandes, não são pequenos, e eles leram

aquilo com uma voracidade incrível e a partir daí perceberam o que que o jogo tinha

a ver com isso, e também é muito interessante que tem aluno que eu nem falei no

nome de filósofos ou do sociólogo, mas o aluno já viu aquilo, jogou, “Professora,

sabe aquele jogo? Será que não dá para encaixar tal teoria de tal filosofo, de tal

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sociólogo que está falando? ” Coisas que eu nem pensei, eu ainda não tinha me

preparado para aquele jogo e para aquela, e o aluno chega e fala “Olha, é assim”, e

é verdade, muitas vezes eu falei para ele “não sei deixa eu jogar para depois eu

responder” e esse relacionamento de “deixa eu jogar para depois eu aprender ” eles

começam a pensar que, opa, espera aí, se uma professora está falando que vai

jogar para me ensinar então porque o jogo não pode transformar isso. A grande

emoção que eu tive foi no meu segundo ano da semana GV, que eu tinha saído da

sala de jogos, e na hora que eu voltei estava uma mãe explicando para uma outra

mãe qual é a importância dos jogos, porque o filho tinha explicado para ela, então eu

entrei, parei pra ouvir e eu não acreditava, como é que pode uma mãe, que eu

nunca tinha conversado com ela, tinha conhecido naquele dia, estava explicando

para outra, eu não tinha explicado nada para ela, foi o filho que fez, então você

percebe que dá pra caminhar isso junto com a família e junto com a escola e junto

com o adolescente que está ali precisando disso, então esse é o grande projeto, é

fazer com que o aluno perceba que o que acontece aqui, eles vão usar pra vida, e

por ser uma escola técnica, que está acontecendo, seleção de pessoal está sendo

feita através de jogos, fiquei sabendo semana passada de um treinamento de uma

empresa que fez, porque o grupo estava muito disperso, não tinha união e o trabalho

precisava ser feito em equipe, como toda empresa, eles colocaram os jogos e

começaram a disputar ali com os consoles, tinha gente que não sabia nem jogar, e

os próprios funcionários tiveram que se unir pra poder conseguir passar aquela fase,

e assim, houve entrosamento, houve a união e a empresa conseguiu melhores

resultados na produção por causa disso, então jogo é uma coisa que integra a

sociedade, claro precisa tomar cuidado com o exagero, como em tudo, mas é algo

que veio para construir e não destruir.

E como começou seu interesse por jogos?

Meu pai quando era pequeno simplesmente adorava jogar canastra, buraco, poker,

ele adorava cartas, sempre gostou, e desde que eu era pequenininha ele reunia

amigos, parentes, primos, irmãos e todos iam para minha casa, eu lembro disso até

hoje, pra jogar, e varava a noite jogando, e com tempo a gente foi crescendo e

vamos aprender isso e aquilo, e daí eles foram aprendendo como é que era jogar,

jogar cartas é muito delicioso.

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Vai crescendo né, a gente vai subindo na vida, de altura, de conhecimento, e vai

trazendo isso para cá, até hoje quando minha família se reúne a gente joga cartas, é

até um momento de união da família, de fazer com que as pessoas tanto que mais

novas e mais velhas consigam se comunicar, então o jogo está aí.

Depois vai crescendo, daí começaram os jogos digitais, eletrônicos, tecnológicos,

passou um pouco mais de tempo casei, e meu primeiro filho logo de cara quando

perguntamos o que ele queria ser quando crescer ele disse "quero ser testador de

videogames", e nossa reação foi "como testador de videogame?", profissão que na

época nem se falava, mas ele insistia, então ele fez faculdade de jogos digitais, e

minha maior frustração, meu filho sabe disso, foi o primeiro jogo que ele fez, que era

um de naves, em que você tinha que acertar uma nave em cima da tela, e ele que

programou, e eu não conseguia passar da primeira fase, ele fez tão bem que fiquei

frustrada porque não conseguia passar, então assim, em casa a gente sempre tem a

disputa, é isso e aquilo, todo mundo tem a sua senha, seu login, seu personagem,

independente do jogo que for, vira e mexe nós estamos jogando, um disputando

com o outro, e na parte de movimentação física a gente joga boliche, joga basquete,

fica disputando quantas cestas ou pontos fizemos, a gente faz com que a diversão

dos jogos fiquem dentro de casa, é uma forma de união da família também. Por

outro lado, a parte interessante, é saber que seus filhos estão sendo direcionados

para algo bom, existem tantas coisas ruins no mundo, e isso é uma coisa legal, é

uma coisa que faz com que haja união, então você não perde o filho no meio do

caminho. Conversando com outras mães, amigas que tem filhos, elas dizem que

estão preocupados com os filhos quando estão fora de casa, e comigo não, muitas

vezes meu filho fala que quer ficar em casa, porque "vamos jogar?", e essa é a parte

interessante, saber que eles estão próximos da gente por algo que eles gostam.

E como foi a inserção dos jogos na sala de aula?

Teve várias vezes que eu passava lição de casa que era para jogar, e eu punha na

lousa "Na fase tal, acontece isso, oque que vai acontecer, repare nesse aspecto..."

aí alguns alunos falavam "Professora, posso tirar uma foto da sua escrita na lousa?

Porque meu pai não vai acreditar que eu tenho que jogar para fazer lição de casa".

Muitos pais vieram me perguntar na semana da GV oque que era, eu tenho pais

com preconceito, que não aceitam jogos, que eles acreditam que não vai fazer nada

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para o filho, e eu não tenho como forcar, eu só falo que não tem problema, que ele

não vai perder nota, mas que ele vai estudar da forma tradicional, vai ter que ler o

livro, vai ter que fazer o resumo, vai ter que fazer as atividades e exercícios que a

gente se propôs a fazer, mas a maioria deles, claro, prefere os jogos. Então alguns

pais são muito preconceituosos, eles não aceitam, não admitem, e outros que estão

começando a aprender e ver a importância disso, e aqueles que nem eu, que jogam,

que adoram, que querem que os filhos façam isso também, então tem três pontos aí,

que precisam ser trabalhados, já tive reclamação aqui de pais, que vieram conversar

comigo, que achavam que eu estava distorcendo a educação, e na hora em que

mostrei para eles os aspectos, eles deram uma chance para tentar entender. Esses

pais ainda não me retornaram com um "OK", porém eu tenho o "OK" dos filhos que

estão falando que os pais estão permitindo fazer o trabalho em cima disso, o

preconceito é gerado por algo que você não conhece, então não conhece, não vou

fazer, a partir do momento em que você se envolve com o assunto, você pode

despertar algo interessante, e é trazer o filho para perto de você, né? É parar de

brigar com ele, oque que é mais fácil? Você brigar com seu filho todo dia sobre a

escola, ou mostrar para o filho que ele pode aprender com isso. Nós temos hoje

educação a distância, oque que é educação a distância? É você trabalhar com

computador, você vai estudar através do computador, então você pode pegar ali a

sua vídeo-aula, que você vai estar com ela aberta, e você vai entrar em um monte

de outras coisas, pode estar com Facebook, com jogos online, mas vai da sua

capacidade de concentração, e o jogo te traz essa concentração, se você foca no

jogo, você vai saber que é só o jogo, não adianta você estar no jogo e ir pesquisar

no Youtube para ver como é que se passa de uma fase, já perdeu, isso ensina

também você a estudar, se você se foca naquele tempo, você não precisa depois ir

para o outro lado, ou você faz uma coisa ou outra, então vai direcionando o aluno

nisso também.

Fale um pouco mais sobre a mudança que ocorreu depois que você começou a

trabalhar com os jogos.

É, e não sou só eu que falo que senti isso, os alunos ficaram mais unidos, mais

focados, os trabalhos em grupo saíram muito melhores, mas existem pesquisas

provando isso, os alunos que jogam, que eles têm um foco nisso, eles conseguem

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um desenvolvimento maior, eles conseguem aprender e perceber o mundo diferente.

A tecnologia hoje mudou, a gente consegue as informações muito rápidas e a gente

precisa ter um retorno também rápido, e deixar isso para depois... A gente fala muito

de imediatismo, mas como não ser imediato se você antigamente para fazer uma

pesquisa tinha que ir a biblioteca, pedir ajuda para a bibliotecária para ver qual era o

livro que você iria usar, como você iria usar, as vezes não sabia nem qual que era a

página, você tinha todo um trabalho, hoje você entra em segundos e ja tem tudo que

você precisa ali, você já tem a informação. Então nós precisamos ser ágeis, inclusive

também os país de aprender, que tem que mudar a forma de fazer com o filho, não

adianta falar para o filho sentar e ficar quieto, porque? Qual é o objetivo de ficar

quieto? Porque não posso fazer isso, tem que fazer o outro? Você tem que explicar

e o jogo te permite isso, ele te explica, ele explica situações, mesmo jogos que tem

mais violência, ou alguma coisa assim, eu concordo, não é esse tipo de jogo que a

gente que ter em sala de aula, mas até eles tem alguma motivação vai fazer o aluno

aprender alguma coisa, então precisa saber o que está por traz disso, acho que o

grande desafio da humanidade hoje é, o que está por traz dos jogos e como que ele

pode fazer você viver.