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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO LÉA ÉMILE MACIEL JORGE DE SOUZA Os Limites da Atuação da Justiça Constitucional no Constitucionalismo Contemporâneo MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

LÉA ÉMILE MACIEL JORGE DE SOUZA

Os Limites da Atuação da Justiça Constitucional

no Constitucionalismo Contemporâneo

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2013

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

LÉA ÉMILE MACIEL JORGE DE SOUZA

Os limites da atuação da Justiça Constitucional

no Constitucionalismo Contemporâneo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do título

de MESTRE em DIREITO DO ESTADO,

subárea Direito Constitucional, sob a orientação

da Professora Doutora Flávia Cristina Piovesan.

SÃO PAULO

2013

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LÉA ÉMILE MACIEL JORGE DE SOUZA

Os Limites da Atuação da Justiça Constitucional

no Constitucionalismo Contemporâneo

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para a obtenção do título

de MESTRE em DIREITO DO ESTADO,

subárea Direito Constitucional, sob a orientação

da Professora Doutora Flávia Cristina Piovesan.

Aprovado em: _____________

Profa. Dra. Flávia Cristina Piovesan (orientadora)

Instituição: PUC-SP Assinatura_______________________

Prof. Dr.______________________________________________________

Instituição:___________________ Assinatura_______________________

Prof. Dr.______________________________________________________

Instituição:___________________ Assinatura_______________________

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Para Bruno, dedico este

trabalho com todo o meu

amor.

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AGRADECIMENTOS

Deixo registrado o meu agradecimento à Professora Flávia Piovesan pela sua

atenciosa orientação que me foi de inestimável auxílio na elaboração desse trabalho e

pela constante motivação ao estudo dos Direitos Humanos.

Agradeço também à Professora Maria Garcia, não só pelos valiosos

ensinamentos ministrados em suas deliciosas aulas e que vão muito além do ensino

jurídico, mas também pela sua inesgotável atenção e disponibilidade prestadas aos seus

discípulos e pelo exemplo de dedicação, disciplina e sabedoria que repassa aos alunos e

que me serviram de inspiração sempre;

Ao Professor André Ramos Tavares, que considero o expoente do Direito

Constitucional atual, pela sua permanente disponibilidade para o diálogo e o debate,

pelos constantes estímulos ao aprofundamento do estudo, da pesquisa e pelas

fundamentais lições ministradas em suas aulas que proporcionaram o desenvolvimento

e o amadurecimento das ideias trazidas ao presente estudo;

Ao professor Antônio Carlos Mendes por ter estimulado o aprofundamento dos

meus estudos nas áreas de Filosofia do Direito e Filosofia do Direito Constitucional,

pois suas aulas me fizeram enxergar a necessidade de debater tais matérias antes de

pretender debater qualquer outro assunto;

Ao meu marido, Bruno, por ter se dedicado a este mestrado tanto quanto eu,

tomando para si todas as responsabilidades inerentes à rotina que não estivessem

relacionadas à vida acadêmica, permitindo que eu dedicasse todo o tempo livre aos

estudos. Agradeço-o, também, por ser um verdadeiro companheiro, sempre ao meu

lado, incentivando os meus projetos, nunca me permitindo desanimar e por ser o meu

porto seguro, a pessoa responsável por me proporcionar um ambiente pleno de paz,

tranquilidade, carinho, atenção, enfim, de amor;

Ao meu irmão e amigo, Salviano, que me deixa feliz simplesmente pela sua

presença constante, na verdade, diária, em minha vida; pelas ligações intermináveis que

encurtam a distância física que nos separa e estimular sempre o meu desenvolvimento

acadêmico e o meu crescimento profissional;

Ao meu amado irmão, Matteo, que, com o seu nascimento, despertou o meu

senso de responsabilidade e, agora, é um exemplo para mim e a todos com a sua

disciplina e dedicação aos seus objetivos;

À minha mãe, responsável por desenvolver e estimular sempre o meu espírito

crítico e o meu apreço pelo Direito e por ter o mérito de influenciar a formação em mim

de uma personalidade caracterizada pela persistência e determinação;

Aos meus avós maternos, sempre presentes na minha vida, por proporcionarem

uma infância feliz e uma adolescência tranquila, dando lições de amor incondicional;

Por fim, agradeço aos meus amigos, optando por não nomeá-los para não

cometer alguma falta, sempre tão presentes em minha vida e me instigando a ser uma

pessoa melhor.

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RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar as mudanças que o Constitucionalismo

Contemporâneo operou na forma de atuação da Justiça Constitucional, bem como os

limites de atuação desse órgão face a um novo paradigma. A jurisdição constitucional

concentrada, de inspiração kelseniana, foi idealizada sobre a base de uma função

exclusiva: o exercício monopolizado do controle de constitucionalidade. O fato é que

essa jurisdição constitucional foi pensada para um Estado que tem por base uma

Constituição desprovida de carga axiológica e que seria apenas o fundamento de

validade do ordenamento jurídico. Hoje, a maioria dos Estados possui Constituições que

asseguram direitos e garantias fundamentais e incorporam valores, por meio dos

princípios, não podendo a tarefa de defesa da Constituição do Tribunal Constitucional

ser apenas a de um legislador negativo, quando surgirem normas que ofendam

diretamente a Constituição. A nova configuração do Direito Constitucional, no marco

do Constitucionalismo Contemporâneo, pede um Tribunal Constitucional que auxilie na

concretização da Constituição em toda a sua materialidade. Assim, a figura do Tribunal

Constitucional não pode mais ser identificada com a de um órgão autônomo com

relação aos demais Poderes e que exerce apenas o controle de constitucionalidade e de

forma exclusiva. A necessidade de garantir a concretização da Constituição em toda a

sua materialidade fez com que à função de controle de constitucionalidade exercida pelo

Tribunal Constitucional (função estruturante) fossem agregadas outras, tais como a

interpretativa e de enunciação da Constituição; a arbitral; a legislativa; a governativa; e

a “comunitarista”. No entanto, todas devem ser exercidas dentro de certos limites para

que a Justiça Constitucional não desrespeite a conformação funcional estatuída pela

Constituição e para que haja um exercício compartilhado de concretização

constitucional entre todos os órgãos do Estado.

Palavras-chave: Jurisdição Constitucional. Funções. Limites. Constitucionalismo

Contemporâneo. Direitos Fundamentais. Concretização Constitucional.

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ABSTRACT

This study aims to analyze the changes that the so-called contemporary

constitutionalism operated in the form of performance of constitutional justice. The

concentrated constitutional jurisdiction inspired in Kelsen ideas, was designed on the

basis of a single unique function: the exercise of judicial review in a monopolized form.

The fact is that this constitutional jurisdiction was designed for a state that is based on a

Constitution devoid of axiological load and it would just be the foundation of the legal

validity. Today, most States have Constitutions that guarantee fundamental rights and

guarantees and incorporate values through the principles, so the task of defending the

Constitution of the Constitutional Court can not just be a task of negative legislator,

when arise new regulations that directly offend the Constitution. The new configuration

of Constitutional Law, in the context of contemporary constitutionalism, asks for a

Constitutional Court to assist in the implementation of the Constitution in all its

materiality. Thus, the figure of the Constitutional Court can not be identified with an

autonomous agency with respect to the other powers that has one only duty: do the

judicial review in a monopolized way. The need to guarantee the implementation of the

Constitution in all its materiality made the Constitutional Court play another function

beyond the judicial review (called structuring function), were aggregated other

functions, such as interpretive and enunciation of constitutional laws; arbitration;

legislation; governance; and "communitarian". However, such functions shall be

performed within certain limits so that the Constitutional Court does not infringe the

functional conformation imposed by the Constitution and in that way become possible a

shared exercise of the constitutional implementation between all the organs of the State.

Keywords: Constitutional Jurisdiction. Functions. Limits. Contemporary

constitutionalism. Fundamental Rights. Constitutional Concretion.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 10

2 DO SURGIMENTO E DO DESENVOLVIMENTO DO

CONSTITUCIONALISMO 15

2.1 Aspectos Introdutórios: Adoção de um Conceito de Constituição 15

2.2 Acepções do Termo Constitucionalismo 21

2.3 Conceito de Constitucionalismo 23

2.4 Constitucionalismo na Antiguidade 25

2.4.1 Constitucionalismo hebreu 27

2.4.2 Constitucionalismo grego 27

2.4.3 Constitucionalismo romano 29

2.5 Ressurgimento do Constitucionalismo na Inglaterra 30

2.6 Constitucionalismo na Era moderna 35

2.6.1 Constitucionalismo francês 36

2.6.2 Constitucionalismo norte-americano 41

3 O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO 45

3.1 Marco Histórico 52

3.2 Marco Filosófico 54

3.2.1 Ascensão e decadência do direito natural 54

3.2.2 Ascensão e decadência do positivismo 57

3.2.3 O pós-positivismo 61

3.2.3.1 Alteração na teoria das fontes do Direito com o reconhecimento

da diferença qualitativa entre princípios e regras e da normatividade

dos princípio 63

3.2.3.2 Retomada da importância da argumentação jurídica 66

3.2.3.3 O surgimento de uma nova hermenêutica 71

3.2.3.4 Desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada

sobre a dignidade da pessoa humana 74

3.2.3.4.1 A dignidade da pessoa humana como base da teoria dos direitos

fundamentais 77

3.3 Marco Teórico 78

3.3.1 Força normativa da Constituição 79

3.3.2 Supremacia e rigidez constitucional e a expansão da jurisdição

constitucional 82

3.3.3 A nova interpretação constitucional 84

4 O DESENVOLVIMENTO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 89

4.1 Judicial Review e o Modelo Norte-Americano 93

4.1.1 A concepção de Hamilton e o paradigmático caso Marbury v. Madison 94

4.1.2 As limitações instituídas ao judicial review 98

4.2 Tribunal Constitucional e o Modelo Europeu 100

4.2.1 Antecedentes históricos 100

4.2.2 O modelo de controle concentrado idealizado por Hans Kelsen 101

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4.2.3 Principais características do Tribunal Constitucional em sua concepção

originária 106

4.3 A Dimensão Funcional da Justiça Constitucional 108

4.3.1 Função de interpretação e de enunciação da Constituição 110

4.3.2 Função estruturante 113

4.3.3 Função arbitral 115

4.3.4 Função legislativa 116

4.3.5 Função governativa 119

4.3.6 Função “comunitarista” 121

5 OS LIMITES À ATUAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL 122

5.1 Manutenção da Separação entre Juízo de Legalidade versus Juízo de

Constitucionalidade e entre Juízo de Constitucionalidade versus decisão

Política como Limite à Atuação do Tribunal Constitucional 123

5.2 Teoria da Deference como modo padrão de atuação da Justiça

Constitucional 128

5.3 A Valorização dos Princípios e a Deturpação de Certas Categorias

Teóricas 131

5.4 Justiça Constitucional, Democracia e a Proteção dos Direitos

Fundamentais 133

5.4.1 Justiça Constitucional e proteção das minorias 137

5.5 A Justiça Constitucional entre o Procedimentalismo e o Substancialismo 139

5.6 Da Necessária Concorrência Funcional na Concretização da

Constituição 143

5.7 Formas de Intervenção da Justiça Constitucional no Âmbito Político 150

5.7.1 Sentenças interpretativas 152

5.7.2 Sentenças manipulativas 154

5.8 A Existência de um Código de Processo Constitucional como Forma

de Limitação da Atividade da Justiça Constitucional 156

5.8.1 Vantagens da codificação 158

5.8.2 Conteúdo de um Código de Processo Constitucional 161

5.8.3 Breves considerações sobre o paradigmático Código de Processo

Constitucional do Peru 162

6 CONCLUSÕES 165

REFERÊNCIAS

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10

1 INTRODUÇÃO

Diante da propagação das ideologias liberais e racionalistas, fruto das grandes

revoluções do século XVIII, o Estado passou a ser compreendido como Estado de Direito.

Originalmente, o termo designava um Estado governado segundo a vontade geral da razão, ou

seja, que atuava com base nas disposições legais emanadas dos órgãos legislativos. O

surgimento do Estado de Direito significou um grande avanço em termos de limitação dos

poderes absolutos do monarca, em decorrência da adoção de documentos escritos,

denominados Constituições, reguladores e limitadores do exercício do poder político.

Juntamente com o Estado de Direito surgiram os movimentos constitucionalistas

modernos que, apesar de possuírem algumas variações, representavam, em essência, um

movimento teórico jurídico-político que visava limitar e organizar o exercício do poder a

partir da instituição de direitos e garantias aos indivíduos. Nesse momento, surgem os Estados

Constitucionais que, apesar de estarem fundados no império da lei – e serem caracterizados

como Estados de Direito –, também eram instituídos, organizados e limitados pelos

documentos constitucionais.

Sob a forte influência do positivismo jurídico e da teoria clássica do Direito, o Estado

legalista imperou por muito tempo. A norma legislada, vista como expressão da vontade

geral, era o centro do ordenamento jurídico, conferindo unidade e estabilidade ao Direito. A

validade da norma jurídica estava associada apenas ao seu aspecto formal. No século XIX,

tem início a era das codificações, sob a égide do pensamento positivista que defendia a

completude e a autossuficiência do Direito como uma ciência.

Ainda durante a fase do constitucionalismo moderno, em razão da preponderância das

ideias que pregavam a supremacia das normas constitucionais, deu-se o surgimento da Justiça

Constitucional como uma instância responsável, em sua concepção originária, por garantir a

supremacia da Constituição mediante a efetivação de um juízo de compatibilidade lógico

entre as leis ordinárias e as normas constitucionais.

Não obstante alguns avanços no âmbito do Direito Constitucional, a dogmática

jurídica permaneceu distanciada da filosofia jurídica por muito tempo e essa ausência de

reflexão acerca do papel do Direito, dos seus fundamentos de legitimidade e da necessidade

de reconhecer a influência de fatores externos no estudo jurídico lançaram as bases para a

prevalência, por mais de três séculos, das características do Direito em sua perspectiva

clássica, quais sejam: a) existência de caráter científico; b) emprego da lógica formal (daí

porque a interpretação jurídica se restringia ao método de subsunção dos fatos à norma); c)

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pretensão de completude (eventuais lacunas deveriam ser resolvidas pela aplicação dos

costumes, pela analogia e pelos princípios gerais); d) pureza científica (que pretendia

desvincular o Direito da influência de outras ciências); e) racionalidade da lei e neutralidade

do intérprete.

Após a Segunda Guerra Mundial, porém, com a constatação de que o apego à

legalidade exacerbada permitiu o cometimento das atrocidades nazistas e fascistas, percebeu-

se que o Direito deveria se reaproximar da moral e que a lei deveria apresentar um conteúdo

valorativo válido para se legitimar como Direito. Esses valores compartilhados socialmente

estavam imbuídos nas Constituições dos Estados que deixaram de ser consideradas apenas um

documento simbólico, uma carta de intenções.

A superação histórica do jusnaturalismo, a decadência política do positivismo, o

surgimento de um pensamento pós-positivista – que, apesar de não dotado de uniformidade

dogmática, propôs uma nova forma de pensar o Direito, reaproximando-o da necessidade de

adequação a valores éticos – fez emergir uma nova forma de pensar o Direito Constitucional,

denominada de Constitucionalismo Contemporâneo ou neoconstitucionalismo1.

1 Necessário esclarecer que neste estudo adotamos a terminologia “Constitucionalismo Contemporâneo” em detrimento de

“Neoconstitucionalismo”, tendo em vista a deturpação que este último termo sofreu na doutrina brasileira nos últimos anos.

Lenio Luiz Streck exemplifica como o termo “Neoconstitucionalismo” pode dar ensejo a uma utilização deletéria dos

avanços obtidos pelo Direito Constitucional nas últimas décadas:

“Já de início devemos atentar para a seguinte questão: o termo ‘neoconstitucionalismo’ pode ter-nos levado a equívocos. Em

linhas gerais, é possível afirmar que, na trilha desse neoconstitucionalismo, percorremos um caminho que nos leva à

jurisprudência da valoração e suas derivações axiologistas, temperadas por elementos provenientes da ponderação alexyana.

Desse modo, esse belo epíteto – cunhado por um grupo de constitucionalistas espanhóis -, embora tenha representado um

importante passo para a afirmação da força normativa da Constituição na Europa continental, no Brasil, acabou por

incentivar/institucionalizar uma recepção acrítica da jurisprudência dos Valores, da teoria da argumentação de Robert Alexy

(que cunhou o procedimento da ponderação como instrumento pretensamente nacionalizador da decisão judicial) e do

ativismo judicial norte-americano, problema que será abordado mais adiante, ainda nesta introdução.

[...]

Destarte, passadas duas décadas da Constituição de 1988, e levando em conta as especificidades do direito brasileiro, é

necessário reconhecer que as características desse ‘neoconstitucionalismo’ acabaram por provocar condições patológicas que,

em nosso contexto atual, acabam para contribuir para a corrupção do próprio conceito de Constituição. Ora, sob a bandeira

‘neoconstitucionalista’ defendem-se, ao mesmo tempo, um direito constitucional da efetividade; um direito assombrado pela

ponderação de valores; uma concretização ad hoc da Constituição e uma pretensa constitucionalização do ordenamento a

partir de jargões vazios de conteúdo e que reproduzem o prefixo neo em diversas ocasiões, como: neoprocessualismo e

neopositivismo. Tudo porque, ao fim e ao cabo, acreditou-se ser a jurisdição responsável pela incorporação dos ‘verdadeiros

valores’ que definem o direito justo (vide, neste sentido, as posturas decorrentes do instrumentalismo processual).

[...]

Portanto, é possível dizer que, nos termos em que o neoconstitucionalismo vem sendo utilizado, ele representa uma clara

contradição, isto é, ele expressa um movimento teórico para lidar com um direito ‘novo’ (poder-se-ia dizer, um direito ‘pós-

Auschwitz’ ou ‘pós-bélico’, como quer Mario Losano), fica sem sentido depositar todas as esperanças de realização desse

direito na loteria do protagonismo judicial (mormente levando em conta a prevalência, no campo jurídico, do paradigma

epistemológico da filosofia da consciência).

Assim, reconheço que não faz mais sentido continuar a fazer uso da expressão ‘neoconstitucionalismo’ para mencionar

aquilo que esta obra pretende apontar: a construção de um direito democraticamente produzido, sob o signo de uma

Constituição normativa e da integridade da jurisdição.

Assim, para efeitos dessas reflexões e a partir de agora, passarei a nominar Constitucionalismo Contemporâneo (com iniciais

maiúsculas) o movimento que desaguou nas Constituições do segundo pós-guerra e que ainda está presente em nosso

contexto atual, para evitar os mal-entendidos que permeiam o termo neoconstitucionalismo.

Também é importante consignar que a ideia de um neoconstitucionalismo pode dar margem ao equívoco de que esse

movimento leva à superação de um outro constitucionalismo (fruto do limiar da modernidade). Na verdade, o

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Surge uma nova forma de se encarar o Direito e, especialmente, o Direito

Constitucional, que passa a ser a base de toda a ciência jurídica, na medida em que a

Constituição é considerada a essência de todo o ordenamento jurídico. Há uma

constitucionalização do Direito. Nessa época, o Estado Constitucional passa a ser também

democrático e a possuir uma abertura radicada no princípio da dignidade humana. Esta, por

sua vez, possui uma expansão ilimitada, sempre passível de modificação ao longo da história.

Dessa forma, a Constituição passou a ser encarada como um documento aberto às influências

de uma sociedade plural e democrática.

Podemos afirmar, assim, que o Constitucionalismo Contemporâneo, não obstante a

existência de grande diversidade doutrinária, caracteriza-se, essencialmente, por ser o mais

recente movimento (ou momento) constitucionalista que está fundado sob uma base

democrática e pluralista, se desenvolve a partir de uma filosofia pós-positivista e tem a

pretensão de preservar a ideia de força normativa da Constituição, de expandir a atuação da

Justiça Constitucional e de continuar a desenvolver uma hermenêutica constitucional

compatível com a necessidade de concretização efetiva das normas constitucionais e da

garantia dos direitos fundamentais.

O surgimento do Constitucionalismo Contemporâneo operou inegáveis modificações

na forma de atuação da Justiça Constitucional (que antes se limitava a exercer de forma

exclusiva o controle de constitucionalidade), bem como nos limites de atuação desse órgão

face a esse novo paradigma. Tendo em vista o fato de que a maioria dos Estados passou a ser

regido por Constituições que asseguram direitos e garantias fundamentais e que incorporam

valores por meio dos princípios, ocorreu uma expansão das categorias funcionais da Justiça

Constitucional. O Tribunal Constitucional deixou de ser o órgão responsável apenas por

exercer a função de legislador negativo, quando surgissem normas que ofendessem

diretamente a Constituição.

A nova configuração do Direito Constitucional, no marco do Constitucionalismo

Contemporâneo, demandou um Tribunal Constitucional que auxiliasse na concretização da

Constituição em toda a sua materialidade. Assim, a figura do Tribunal Constitucional não

pode mais ser identificada com a de um órgão autônomo em relação aos demais Poderes que

exerce apenas o controle de constitucionalidade e de forma exclusiva. A necessidade de

garantia da concretização da Constituição em toda a sua materialidade fez com que à função

de controle de constitucionalidade exercida pelo Tribunal Constitucional (chamada

Constitucionalismo Contemporâneo conduz simplesmente a um processo de continuidade com novas conquistas, que passam

a integrar a estrutura do Estado Constitucional no período posterior à Segunda Guerra mundial”. (STRECK, 2011, p.36-37)

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estruturante) fossem agregadas outras, tais como a interpretativa e de enunciação da

Constituição; a arbitral; a legislativa; a governativa; e a “comunitarista”.

Houve um certo deslocamento do centro de decisão que antes pertencia,

exclusivamente, ao Legislativo (no Estado Liberal) e depois ao Executivo (no Estado social)

para o Judiciário (no Estado Democrático de Direito). Esse deslocamento não advém da

existência de um proclamado protagonismo judicial, mas de um reposicionamento do

Judiciário, especialmente da Justiça Constitucional, frente às necessidades advindas da

elaboração de Constituições contemporâneas que preveem a necessidade de concretização de

uma série de direitos e garantias fundamentais e do cumprimento das mais diversas normas de

conteúdo programático.

A ampliação das funções da Justiça Constitucional decorreu da abertura semântica das

Constituições contemporâneas, que passaram a contemplar diversos princípios de direitos

humanos e uma vinculação do Legislativo aos direitos fundamentais, retirando do espaço de

decisão política direitos que não poderiam ser suprimidos. No entanto, essa nova competência

funcional da Justiça Constitucional deve ser exercida dentro de limites para não haver

desrespeito à conformação funcional estatuída pela Constituição mas sim um exercício

compartilhado, entre os diversos órgãos dos Estado, para concretizar a Constituição.

Assim, este estudo se propõe a analisar quais foram os avanços mais relevantes

incorporados ao estudo do Direito Constitucional, em razão das inovações trazidas pelo

Constitucionalismo Contemporâneo, bem como a evolução do papel da Justiça Constitucional

ao longo dos anos, com foco especial no alargamento de suas categorias funcionais. Ademais,

diante da interação peculiar e das tensões entre a atividade legislativa e a exercida pela Justiça

Constitucional, também consideramos necessário verificar os limites de atuação do Tribunal

Constitucional, quando exerce as suas funções típicas, para concretizar a Constituição,

implementando direitos fundamentais, sem invadir o âmbito de atuação dos demais órgãos do

Estado.

Para atingir o objetivo a que se propõe, nosso estudo se estrutura em quatro capítulos.

O primeiro aborda de forma histórico-descritiva o processo evolutivo e as diversas fases pelas

quais passou o constitucionalismo, da Antiguidade à modernidade, com especial destaque

para os movimentos constitucionais desenvolvidos na Inglaterra, na França e nos Estados

Unidos. O segundo analisa o momento atual no qual se encontra o constitucionalismo,

chamado Constitucionalismo Contemporâneo, abordando os marcos histórico, filosófico e

teórico, como formas de caracterizar adequadamente o fenômeno. O terceiro capítulo é

dedicado à análise da Justiça Constitucional, com foco na descrição de suas origens e

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evolução, na abordagem das suas principais características e categorias fundamentais. O

capítulo final tem por objetivo analisar as repercussões dos avanços do Constitucionalismo

Contemporâneo na atuação funcional da Justiça Constitucional, estudar os limites da atuação

do Tribunal Constitucional, como uma forma de evitar o desrespeito à conformação

constitucional das competências e de privilegiar uma concorrência funcional na concretização

da Constituição entre os diversos órgãos do Estado.

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2 DO SURGIMENTO E DO DESENVOLVIMENTO DO CONSTITUCIONALISMO

2.1 Aspectos Introdutórios: Adoção de um Conceito de Constituição

Antes de iniciarmos o estudo do constitucionalismo em si, dada a intrínseca relação

entre os dois institutos, é necessário analisarmos e adotarmos um conceito de Constituição.

Conforme especificaremos adiante, o constitucionalismo se consubstancia em uma

teoria ou ideologia2 que se desenvolveu e evoluiu ao longo da história humana e cujo objeto é

limitar e regular o exercício do poder político e garantir os direitos individuais, em certa

comunidade e época determinadas. Em outras palavras, o objeto do constitucionalismo seria

promover a ordem social, ou seja, propiciar a instituição de uma Constituição3.

Importante observar que o vocábulo “constituição” não é de fácil conceituação, na

medida em que possui natureza polissêmica. José Afonso da Silva chama a atenção para a

multiplicidade de sentidos que lhe podem ser atribuídos

2 Conforme será exposto, em seguida, há quem apresente o constitucionalismo, não como uma teoria ou ideologia, mas

técnica, movimento, sistema normativo ou um conjunto de instituições e princípios etc. 3 Para Karl Loewenstein, a Constituição deve conter os seguintes elementos fundamentais: “1. La diferenciación de las

diversas tareas estatales y su asignación a diferentes órganos estatales o detentadores de poder para evitar la concentración

del poder en las manos de un único y autocrático detentador del poder. 2. Un mecanismo planeado que establezca la

cooperación de los diversos detentadores del poder. Los dispositivos y las instituciones en forma de frenos y contrapesos –

los checks and balances, familiares a la teoría constitucional americana y francesa –, significan simultáneamente una

distribución y, por tanto, una limitación del ejercicio del poder político. 3. Un mecanismo, planeado igualmente con

anterioridad, para evitar los bloqueos respectivos entre los diferentes detentadores del poder autónomos, con la finalidad de

evitar que uno de ellos, caso de no producirse la cooperación exigida por la constitución, resuelva el impasse por sus propios

medios, esto es, sometiendo el proceso del poder a una dirección autocrática. Cuando, finalmente, bajo el impacto de la

ideología democrática de la soberanía popular del pueblo, el constitucionalismo alcanzó el punto en el cual el árbitro supremo

en los conflictos entre electorado soberano, la idea originaria del constitucionalismo liberal quedó completa en la idea de

constitucionalismo democrático. 4. Un método, también establecido de antemano, para la adaptación pacífica del

ordenamiento fundamental a las cambiantes condiciones sociales y políticas – el método racional de la reforma constitucional

– para evitar el recurso a la ilegalidad, a fuerza o a la revolución. 5. Finalmente, la ley fundamental debería contener un

reconocimiento expreso de ciertas esferas de autodeterminación individual – los derechos individuales y libertades

fundamentales –, y su protección frente a la intervención de uno o todos los detentadores del poder. Que este punto fuese

reconocido en una primera época del desarrollo del constitucionalismo es un signo de su específico telos liberal. Junto al

principio de la distribución y, por lo tanto, limitación del poder, estas esferas absolutamente inaccesibles al poder político se

han convertido en el núcleo de la constitución material” (LOEWENSTEIN, 1979, p.153-154). Tradução livre: “1. A

diferenciação das várias tarefas estatais e sua atribuição a diferentes órgãos do Estado ou detentores de poder para evitar a

concentração do poder nas mãos de um único titular, autocrático do poder. 2. Um mecanismo planejado que estabeleça a

cooperação dos vários detentores do poder. Os dispositivos e instituições na forma de freios e contrapesos – os checks and

balances, familiares à teoria constitucional americana e francesa – significam, simultaneamente, uma distribuição e, portanto,

uma limitação do exercício do poder político. 3. Um mecanismo, planejado igualmente com antecedência, para evitar os

bloqueios respectivos entre os diferentes e autônomos detentores do poder, a fim de evitar que um deles, caso não produza a

cooperação exigida pela Constituição, resolva o impasse por seus próprios meios, isto é, submetendo o processo de poder a

uma direção autocrática. Quando, finalmente, sob o impacto da ideologia democrática da soberania popular do povo, o

constitucionalismo atingiu o ponto em que o árbitro supremo em disputas entre eleitorado soberano, a ideia original do

constitucionalismo liberal estava completa com a ideia de constitucionalismo democrático. 4. Um método, também é

estabelecido com antecedência, para a adaptação pacífica do ordenamento fundamental às mudanças das condições sociais e

políticas – o método racional de reforma constitucional – para evitar o recurso à ilegalidade, à força ou a revolução. 5.

Finalmente, a lei fundamental deveria conter um reconhecimento expresso de certas esferas de autodeterminação individual –

os direitos individuais e liberdades fundamentais – e sua proteção contra a intervenção de um ou de todos os detentores do

poder. Que este ponto fosse reconhecido em uma primeira etapa do desenvolvimento do constitucionalismo é um sinal

específico de seu telos liberal. Juntamente com o princípio da distribuição e, portanto, limitação do poder, estas esferas

completamente inacessíveis ao poder político tornaram-se o núcleo da constituição material.”

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A palavra constituição é empregada com vários significados, tais como: (a)

“Conjunto dos elementos essenciais de alguma coisa: a constituição do universo, a

constituição dos corpos sólidos”; (b) “Temperamento, compleição do corpo

humano: uma constituição psicológica explosiva, uma constituição robusta”; (c)

“Organização, formação: a constituição de uma assembleia, a constituição de uma

comissão”; (d) “O ato de estabelecer juridicamente: a constituição de dote, de

renda, de uma sociedade anônima”; (e) “Conjunto de normas que regem uma

corporação, uma instituição: a constituição da propriedade”; (f) “A lei

fundamental de um Estado”.

Todas essas acepções são analógicas. Exprimem, todas, a ideia de modo de ser de

alguma coisa e, por extensão, a de organização interna de seres e entidades. Nesse

sentido é que se diz que todo Estado tem constituição, que é o simples modo de ser

do Estado.

A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a

organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas,

escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o

modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os

limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas

garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os

elementos constitutivos do Estado. (SILVA, 2005, p.37-38)

Todas as sociedades, independentemente de suas estruturas sociais, sempre possuem

certas convicções compartilhadas pelos membros da comunidade e que acabam por

representar os princípios sobre os quais se fundamenta a relação entre os detentores e

destinatários do poder. Nesse sentido, Nicola Matteucci (1998, p.247) afirma que “A

Constituição é, de fato, a própria estrutura de uma comunidade política organizada, a ordem

necessária que deriva da designação de um poder soberano e dos órgãos que o exercem” e

que,

Deste modo, sendo a Constituição imanente a qualquer sociedade, é necessário

distinguir o juízo científico sobre as características próprias de cada Constituição,

tanto sob o aspecto formal como sob o aspecto material, do juízo ideológico acerca

do caráter constitucional ou não constitucional de um regime. Para o jurista, todos

os Estados — portanto, também os absolutistas do século XVII e os totalitários do

século XX — têm uma Constituição, uma vez que existe sempre, tácita ou

expressa, uma norma básica que confere o poder soberano de império; que se

imponham depois limites a esta soberania ou que seu exercício seja repartido por

diversos órgãos pouco importa: ubi societas, ibi ius. (MATTEUCCI, 1988, p.247)

A fixação de limites aos detentores do poder está intimamente ligada à existência de

uma sociedade mais justa; percebeu-se que a melhor maneira de impor esses limites seria

fazer constá-los em um sistema de regras fixas, ou seja, estabelecer uma Constituição.

Assim, surgiu a ideia de Constituição em um sentido primitivo, que, hoje, podemos

designar também de sentido material.4

A Constituição seria a representação de certas

4 Jorge Miranda, por outro lado, designa de constituição em sentido institucional (2000, p. 13-14).

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convicções comumente compartilhadas em uma certa sociedade, em determinada época, e

teria por fim primordial limitar e fixar o exercício do poder. A ideia de Constituição apresenta

uma dupla significação ideológica: liberar os destinatários do poder do controle social

absoluto de seus dominadores e assegurar-lhes uma legítima participação no processo de

poder. (LOEWENSTEIN, 1979, p.149- 150)

Podemos afirmar que a Constituição em sentido material era a única existente durante

a Antiguidade. Somente com as revoluções dos séculos XVII e XVIII, passou-se a exigir um

documento escrito com a previsão das normas fundamentais. Foi a partir desse momento que

o conceito de Constituição adquiriu conotação semelhante a atual, qual seja, a de um sistema

de leis fundamentais de regulação da sociedade com a finalidade de controlar o exercício do

poder e passou a existir a ideia de Constituição em sentido formal.

Para Gomes Canotilho (2003, p.88), o advento das revoluções proporcionou um

estreitamento entre o Estado e a sociedade. Segundo o autor, o art. 16 da Declaração

Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão expressa que toda sociedade tem uma

Constituição, querendo dizer que o documento constitucional seria pertencente à própria

comunidade política, e não ao Estado. No entanto, o autor afirma que, a partir do século XIX,

houve uma evolução no conceito de Constituição. Ela passou a ser vista como “a lei

conformadora do corpo político que efetivamente constituía o Estado que a criou”

(CANOTILHO, 2003, p. 88), passando o referente de Constituição a ser o Estado e não mais a

sociedade.

O desenvolvimento dos movimentos constitucionais5, com a elaboração de vários

documentos constitucionais escritos, no final do século XVIII, associado à ideia de

superioridade das normas constitucionais surgida no início do século XX6, fizeram com que o

conceito de Constituição fosse bipartido em duas perspectivas: uma formal e outra material.

Para Jorge Miranda (2000, p.10), a perspectiva material de Constituição está associada

ao seu objeto, conteúdo e função. Já sob uma perspectiva formal, devemos analisar a posição

das normas constitucionais em face das demais normas jurídicas e o modo como se articulam

no plano sistemático do ordenamento.

Jorge Miranda7 conceitua a Constituição em sentido material como o “estatuto jurídico

do Estado ou, doutro prisma, no estatuto jurídico do político; estrutura o Estado e o Direito do

5 Examinados nos itens seguintes deste capítulo. 6 Especialmente, a ideia do ordenamento escalonado de Hans Kelsen e o surgimento do controle de constitucionalidade nos

Estados Unidos. 7 Além de conceituar Constituição em sentido formal e material, Jorge Miranda apresenta também o sentido instrumental,

como “o documento onde se inserem ou depositam normas constitucionais”. (MIRANDA, 2000, p.12)

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Estado” e, em sentido formal, como sendo o “complexo de normas formalmente qualificadas

de constitucionais e revestidas de força jurídica superior à de quaisquer outras normas”.

(MIRANDA, 2000, p.10 e 12)

Em razão da polissemia do vocábulo, encontramos, na doutrina pátria e internacional,

a atribuição à palavra Constituição de uma variada gama de conceitos,8

sentidos9

e

8 São exemplos dos vários conceitos de Constituição:

a) “Orden jurídico del proceso de integración estatal” (Rudolf Smend apud HESSE, 1983, p.6). Tradução livre: “Ordenação

jurídica do processo de integração estatal”.

b) “Proceso de elaboración consciente, organizada y planificada” (Hermann Heller apud HESSE, 1983, p.6). Tradução livre:

“Processo de elaboração consciente, organizado e planificado”.

c) “Limitación y racionalización del poder y como garantía de un libre proceso de la vida política” (Horst Ehmke apud

HESSE, 1983, p.7). Tradução livre: “Limitação e racionalização do poder e como garantia de um processo livre de vida

política”.

d) “La Constitución es el modo de ser que adopta una comunidad política en el acto de crearse y también en e lacto de

reformarse.” (DROMI, 1997, p.107) Tradução livre: “A Constituição é o modo de ser adotado por uma comunidade política

no ato de sua criação e também de sua formação”.

e) “Constituição é o organismo vivo delimitador da organização estrutural do Estado, da forma de governo, da garantia das

liberdades públicas, do modo de aquisição e exercício do poder. Traduz-se por um conjunto de normas jurídicas que estatuem

direitos, prerrogativas, garantias, competências, deveres e encargos, consistindo na lei fundamental da sociedade.” (BULOS,

2011, p.100)

f) “A Constituição é então a auto-organização de um povo (de uma nação, na acepção revolucionária da palavra), o acto pelo

qual um povo se obriga e obriga os seus representantes, o acto mais elevado de exercício da soberania (nacional ou popular,

consoante a concepção que se perfilhe).” (MIRANDA, 2000, p.18)

g) “A constituição do estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um

sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de

aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento dos seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do

homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos

do Estado.” (SILVA, 2005, p.37-38)

h) “Estatuto jurídico do político” (Castanheira Neves apud CANOTILHO, 2003, p.1435)

i) “Juridicamente, porém, Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém

normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de

governar, distribuição de competências, diretos, garantias e deveres do cidadãos. Além disso, é a Constituição que

individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas.” (MORAES, 2010,

p.6)

j) Gomes Canotilho (2003, p.51) traz dois conceitos de Constituição: “Por constituição moderna entende-se a ordenação

sistemática e racional da comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos

e se fixam os limites do poder político.” “Por constituição em sentido histórico entender-se-á o conjunto de regras (escritas

ou consuetudinárias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem jurídico-política num determinado

sistema político-social.”

l) “A Constituição é um ponto firme, uma base coerente e racional para os titulares do poder político, que visam, mediante

ela, dar estabilidade e continuidade à sua concepção da vida associada.” (VERGOTTINI, 1998, p.258)

m) “Regras jurídicas que determinam os órgãos supremos do Estado, fixam o modo de sua criação, suas relações mútuas, seu

domínio de ação, enfim, o lugar fundamental de cada um em relação ao poder estatal” (Georg Jellinek apud TEIXEIRA,

2011, p.65)

n) “Conjunto de regras relativas ao governo e à vida da comunidade estatal, considerada do ponto de vista da existência

desta” (Maurice Hauriou apud TEIXEIRA, 2011, p.65)

o) “Conjunto de regras que regem, por um lado, a organização e as relações dos grandes poderes públicos, e que fixam, por

outro lado, em proveito dos particulares e das coletividades, as limitações gerais à ação do Estado” Joseph Barthélemy e

Paul Duez apud TEIXEIRA, 2011, p.65)

p) “Sistema de leis e costumes que definem a composição e os poderes dos órgãos do Estado e regulam as relações destes

entre si e para com os cidadãos” (Owen Hood Phillips apud TEIXEIRA, 2011, p.66) 9 Não obstante o reconhecimento da relevância do tema, por questões metodológicas, não será possível analisar detidamente

todos os sentidos que foram, e ainda são, atribuídos à Constituição. Neste estudo, apenas desenvolvemos melhor o sentido

jurídico, abrangendo o sentido formal e material de Constituição. Cumpre, portanto, apenas, mencionar a existência de

Constituição em sentido sociológico, político, jurídico e culturalista; Constituição em sentido formal e material e, para alguns

autores (MIRANDA, 2000, p. 34), há também um sentido instrumental etc. Lâmmego Bulos (2011, p.104-112) traz uma

infinidade de sentidos atribuídos à Constituição: jusnaturalista, positivista, marxista, institucionalista, culturalista,

estruturalista, biomédica, compromissória, suave, em branco, plástica, empresarial, oral, instrumental, estatuto do poder,

ordem material e aberta da comunidade, dirigente, instrumento de realização da atividade estatal, subconstitucional,

documento regulador do sistema político, processo público, meio de resolução de conflitos, garantia do status econômico e

social.

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classificações10

. Diversos autores, inclusive, tomando ciência da polêmica envolvendo o

conceito de Constituição, optam por não conceituá-la e limitam-se a apresentar os sentidos

possíveis ao termo.

Neste estudo, optamos por adotar o conceito de Constituição atribuído por Konrad

Hesse, tendo em vista a sua compatibilidade com a ideia de que a Constituição é o centro do

ordenamento jurídico, bem como por ser de clareza evidente e simplicidade elementar ao

perfeito entendimento do instituto.

Konrad Hesse (1983, p.5-6), ao iniciar o estudo acerca do conceito de Constituição,

questiona um posicionamento adotado pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão no

sentido de que a Constituição seria uma ordem de valores. Para o autor, essa conceituação é

mais pressuposta do que demonstrada e suscita mais interrogações do que responde. Hesse

questiona ainda: quais seriam esse valores constitucionalmente prescritos e, em que medida,

constituiriam uma ordem ou um sistema? E continua interrogando: como explicar que a

Constituição pode mudar, dado que os valores seriam constitucionalmente impostos, e quais

limites encontraria essa mudança?

Hesse (1983, p. 8) afirma que definir o que é a Constituição somente é possível por

meio da delimitação da tarefa e da função da Constituição na realidade histórico-concreta.

Para ele é indubitável que aparecem como objetivos de um documento constitucional a

unidade política e a ordem jurídica.

A unidade política a que o autor se refere é uma unidade de tipo funcional, ou seja, é

uma unidade de atuação. Não se trata de pretender uma unidade ideológica, de

comportamentos, etc. Mas sim de uma unidade advinda de um compromisso ou acordo

(mesmo que tácito) de cumprimento das decisões estatais (ainda que seja necessário o uso da

coerção ou a imposição de sanção).

No passado, essa unidade se dava por meio da corporificação do respeito a uma

autoridade (senhor feudal, monarca, etc). No presente, porém, deve-se assumir a historicidade

do Estado, não podendo mais a unidade política ser representada como uma unidade

ontológica, prévia e que está além das forças e do desenvolvimento histórico. Para preservar a

sua existência, o Estado deve manter essa unidade política que deve ser constantemente

criada, preservada e consolidada, mediante a atuação dos Poderes instituídos.

10 Por não caber um maior aprofundamento do tema neste estudo, cumpre apenas informar algumas das classificações

existentes de Constituição: quanto à origem, à forma, à extensão, ao conteúdo, ao modo de elaboração, à alterabilidade, à

estabilidade, à sistemática, à dogmática, à função, à origem de sua decretação, ao conteúdo ideológico (liberais ou negativas e

sociais ou dirigentes); constituições garantia, balanço e dirigentes; constituições expansivas, etc.

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Konrad Hesse (1983, p.13) também constata que, no Estado contemporâneo, não é

mais possível isolar o Estado da sociedade, na medida em que um depende do outro para se

manter. Não é mais possível uma vida social sem um ente responsável, organizador e

planificador, pois as demandas da sociedade para com o Estado são cada vez mais frequentes.

Por outro lado, um Estado democrático não se constitui senão por meio da cooperação

social. Daí porque o autor entende mais adequada a utilização do termo comunidade para

representar essa colaboração entre o estatal e o não estatal dentro do território do Estado,

ficando o termo “Estado” para ser utilizado quando se quiser referir apenas à atividade e

atuação dos Poderes constituídos por meio da formação da unidade política.

Conforme vimos, para Hesse (1983, p.14), a unidade política e, portanto, o Estado e a

realização de suas tarefas, dependem da cooperação humana. Porém, essa atuação precisa ser

organizada, planificada e consciente. Para que a formação da unidade política, que é um

fenômeno permanente, não corra o risco de se desintegrar em meio às lutas pelo poder, é

necessário uma ordenação. É preciso que os Poderes do Estado sejam dotados de uma

organização, de regras de procedimento, para cumprirem suas tarefas e obterem êxito na

manutenção de uma cooperação criadora de unidade, eliminando-se os abusos de poder.

Somente a instituição de uma ordem jurídica permitiria essa cooperação processualmente

ordenada.

Observe-se, porém, que essa ordem jurídica não é um fato preexistente, não se trata de

uma prévia ordem de valores, mas sim, de uma ordem construída, que deve ser criada,

conservada e desenvolvida por meio da ação humana. Essa ordem necessita ser instituída de

forma vinculante pelos Poderes estatais e deve ser concretizada para assegurar a sua

observância.

Trata-se da institucionalização de um Direito histórico e que, para condicionar a

conduta humana, necessita ser aceita por meio de um acordo básico sobre o cumprimento dos

conteúdos da ordem jurídica. Em decorrência desse raciocínio, Konrad Hesse define a

Constituição como “a ordem jurídica fundamental da comunidade”:

La Constitución es el orden jurídico fundamental de la Comunidad. La

Constitución fija los principios rectores con arreglo a los cuales se debe formar la

unidad política y se deben asumir las tareas del Estado. Contiene los

procedimientos para resolver los conflictos en el interior de la Comunidad. Regula

la organización y el procedimiento de formación de la unidad política e la

actuación estatal. Crea las bases y determina los principios del orden jurídico en su

conjunto. En todo ellos es la Constitución “el plan estructural básico, orientado a

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determinados principios de sentido para la conformación jurídica de una

comunidad”11

. (HESSE, 1983, p.16-17)

Adota-se o conceito mencionado, tendo em vista que se considera adequado apresentar

a Constituição como uma ordem jurídica, já que é tal documento que vai ordenar, mediante a

utilização do Direito, a vida em comunidade. Ademais, é ordem jurídica fundamental, pois é a

Constituição que vai estabelecer quais são os assuntos considerados fundamentais pela

sociedade. Acrescente-se, ainda que a utilização pelo autor da palavra comunidade, em vez de

sociedade, é a mais adequada, já que comunidade denota participação, afinidade e união em

torno de uma propósitos comuns.

Essa definição de Konrad Hesse permite vislumbrar o caráter aberto, amplo e

incompleto da Constituição, já que será um instrumento apto a regular as relações sociais em

constantes mudanças. A Constituição possui, assim, uma feição viva, já que estará sempre se

adequando a uma sociedade dinâmica, plena de ideologias e reclamos a serem concretizados.

Assim, “Si la Constitución quiere hacer posible la resolución de las múltiples situaciones

criticas históricamente cambiantes su contenido habrá de permanecer necesariamente ‘abierto

al tiempo’”12

(HESSE, 1983, p.19).

2.2 Acepções do Termo Constitucionalismo

A palavra constitucionalismo traz associada ao seu significado a ideia da existência de

um Estado13

no qual há alguma forma de limitação do poder. Essa limitação sempre se deu

pela Constituição. Não necessariamente de uma Constituição em sentido formal, mas sim, em

sentido material, um instrumento escrito ou não, relacionado aos temas fundamentais do

Estado, tais como a organização do poder político e a definição de direitos mínimos dos

governados14

. Karl Loewenstein observa que

11

Tradução livre: “A Constituição é a ordem jurídica fundamental da Comunidade. A Constituição estabelece os

princípios orientadores em conformidade com os quais se deve construir a unidade política e assumir as tarefas

do Estado. Contém os procedimentos para a resolução de conflitos no seio da Comunidade. Regula a

organização e o processo de formação da unidade política e de atuação estatal. Cria as condições e determina os

princípios da ordem jurídica em seu conjunto. Em tudo isso é a Constituição ‘o plano estrutural básico destinado

a certos princípios de sentido para conformação jurídica de uma comunidade’.” 12 Tradução livre: “Se a Constituição quer tornar possível a resolução das múltiplas situações críticas historicamente

cambiantes seu conteúdo deverá permanecer necessariamente ‘aberto ao tempo’.” 13 Tendo em vista a existência e o desenvolvimento de diversas formas de Estado ao longo da história, a palavra Estado não

foi utilizada apenas no sentido de Estado moderno, como hoje é conhecido, mas sim, no sentido de uma sociedade política

organizada e detentora de alguns elementos e caraterísticas identificadores. Para MIRANDA (2011, p.3 e 5), são elementos

condicionantes da existência de um Estado a presença de um povo, território e poder politico, sendo as caraterísticas mais

comumente encontradas a complexidade de organização e atuação, a institucionalização da coercibilidade e da

autonomização do poder político. 14 Paulo Bonavides explica que Constituição do ponto de vista material é “aquele conjunto de normas pertinentes à

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Sin embargo, la existencia de una constitución escrita no se identifica con el

constitucionalismo. Organizaciones políticas anteriores han vivido bajo un

gobierno constitucional sin sentir la necesidad de articular los límites establecidos

al ejercicio del poder político; estas limitaciones estaban tan profundamente

enraizadas en las convicciones de la comunidad y en las costumbres nacionales,

que eran respetadas por gobernantes y por gobernados.15

(LOEWENSTEIN, 1979,

p.154)

Luís Roberto Barroso (2011, p.26-27) explica que o uso da palavra constitucionalismo

é relativamente recente no vocabulário jurídico, datando de, aproximadamente 200 anos, visto

que, normalmente, está associado aos processos revolucionários ocorridos na França e nos

Estados Unidos.

Lammêgo Bulos (2011, p.65-64), por sua vez, esclarece que o termo

constitucionalismo possui dois sentidos, um amplo e um estrito, sendo este último o mais

comum.

Em sentido amplo, a ideia de constitucionalismo estaria associada ao fato de que todo

Estado, em qualquer época da sociedade, sempre possuiu uma Constituição, na medida em

que sempre existiu uma norma básica para conferir poderes e limites ao soberano. Já em

sentido estrito, a concepção de constitucionalismo estaria relacionada a um movimento

constitucionalista que teve caráter jurídico, social, político e ideológico e que passou a

consistir em uma

Técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século XVIII, que

possibilitou aos cidadãos exercerem, com base em constituições escritas, os seus

direitos e garantias fundamentais, sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo uso

da força e do arbítrio. (BULOS, 2011, p.64)

Ao se considerar o constitucionalismo em seu sentido amplo, podemos apontar que a

sua manifestação mais antiga se deu na época do povo hebreu, seguindo-se o

constitucionalismo grego e o romano. O constitucionalismo moderno está associado ao seu

sentido estrito e surgiu a partir dos movimentos constitucionalistas que tiveram origem nas

revoluções do século XVII na Inglaterra (constitucionalismo inglês) e seguiu-se dos

organização do poder, à distribuição de competências, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa

humana, tanto individuais como sociais” e, ainda, adverte que “não há Estado sem Constituição, Estado que não seja

constitucional, visto que toda a sociedade politicamente organizada contém uma estrutura mínima, por rudimentar que seja.

Foi essa a lição de Lassale, há mais de cem anos, quando advertiu, com a rudeza de sua convicções socialistas e a fereza de

seu método sociológico, buscando sempre desvendar a essência das Constituições, que uma Constituição em sentido real ou

material todos os países, em todos os tempos, a possuíram” (BONAVIDES, 2004, p.80-81). 15 Tradução livre: “No entanto, a existência de uma constituição escrita não se identifica com o constitucionalismo.

Organizações políticas anteriores viveram sob um governo constitucional, sem sentirem a necessidade de articular os limites

ao exercício do poder político; essas limitações estavam tão profundamente enraizadas nas crenças da comunidade e nos

costumes nacionais, que foram respeitadas pelos governantes e governados.”

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movimentos na França (constitucionalismo francês) e nos Estados Unidos (constitucionalismo

norte-americano), no século XVIII.

André Ramos Tavares, por sua vez, chega a identificar quatro acepções do termo

constitucionalismo

Numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento político-social

com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder

arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja

cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira concepção

possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das

Constituições nas diversas sociedades. Numa vertente mais restrita, o

constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um

determinado Estado. (TAVARES, 2011, p.23)

Conforme percebemos, o uso da palavra constitucionalismo não possui um sentido

consolidado, principalmente em decorrência das várias acepções que o termo adquiriu ao

longo do tempo, razão pela qual a fixação de seu conceito é também polêmica.

2.3 Conceito de Constitucionalismo

Trazer um conceito de constitucionalismo não é tarefa simples. A possibilidade de

atribuir ao termo várias acepções já antecipa que dificilmente se encontrará uma unidade

doutrinária acerca de sua definição.

Santi Romano afirma que apenas há constitucionalismo a partir da instituição dos

governos monarquistas constitucionais do século XVIII e conceitua tal fenômeno como “as

instituições e os princípios que são adotados pela maioria dos Estados que, a partir do século

XVIII, têm um governo que, em contraposição àquele absoluto, se diz ‘constitucional’.”

(ROMANO, 1977, p. 42)

No entanto, a maioria dos autores não limita a existência do constitucionalismo à era

moderna, pois tratam esse fenômeno como algo essencialmente ligado à existência de

organização e limitação do poder político, com o estabelecimento de uma relação entre

governantes e governados regida por uma lei maior. Essa limitação e regulação do poder

político e a institucionalização de relações regidas por uma lei suprema, por sua vez, já

existiram em outras civilizações, em momento bem anterior ao vivido na era moderna.

Gomes Canotilho (2003, p.51) chega, inclusive, a afirmar a existência de diversos

constitucionalismos ou, mais precisamente, de diversos movimentos constitucionais, todos

frutos da evolução do pensamento político e jurídico de cada sociedade ao longo da história.

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O que o autor afirma quando diz que existem vários constitucionalismos é que as

características de cada um desses movimentos constitucionais irá depender do momento

histórico-evolutivo em que se manifestou o fenômeno.

Por outro lado, por mais que se identifique a existência de um constitucionalismo

hebreu ou de um constitucionalismo francês, por exemplo, a essência do que representa o

fenômeno do constitucionalismo estará presente em todos esses momentos histórico-

constitucionais, impregnado do temperamento de cada contexto histórico pertinente.

Podemos afirmar, portanto, que o constitucionalismo não é um fenômeno estanque,

mas um processo, já que o seu conteúdo se modifica constantemente, na medida da evolução

do pensamento político e jurídico da sociedade. Assim, não há melhor forma de estudar o

constitucionalismo senão sob a perspectiva histórico-descritiva. A partir dessa ideia, Nicola

Matteucci afirma que

Constitucionalismo não é hoje termo neutro de uso meramente descritivo, dado

que engloba em seu significado o valor que antes estava implícito nas palavras

Constituição e constitucional (um complexo de concepções políticas e de valores

morais), procurando separar as soluções contingentes (por exemplo, a monarquia

constitucional) daquelas que foram sempre suas características permanentes.

(MATTEUCCI, 1998, p. 247)

São diversos os conceitos de constitucionalismo na doutrina,16

porém Gomes Canotilho

16 Podemos apresentar as seguintes enunciações encontradas na doutrina acerca do termo constitucionalismo:

a) “É oportuno insistir que o mais antigo, o mais persistente e duradouro dos caracteres essenciais do verdadeiro

Constitucionalismo continua sendo o mesmo do início, a limitação do Governo a mercê do direito.” (Charles Howard

Mcllwain apud MATTEUCCI, 1998, p. 253)

b) “Sinteticamente, então, pode-se conceituar o fenômeno do constitucionalismo como uma técnica de limitação do governo,

igual a tantas outras existentes, tais como o Estado de Direito e rule of law, com a finalidade de assegurar aos cidadãos o

exercício de seus direitos, em face de pretensos governos arbitrários, mas que se diferencia das demais técnicas, na medida

em que insere em sua alçada de controle, igualmente, a figura da lei (enquanto produto do legislativo).” (AVELINO, 2007,

p.23)

c) “Fica absolutamente nítida, pois, apresentação do constitucionalismo como movimento que, embora de grande alcance

jurídico, apresenta feições sociológicas inegáveis. O aspecto jurídico revela-se pela pregação de um sistema dotado de um

corpo normativo máximo, que se encontra acima dos próprios governantes – a Constituição. O aspecto sociológico está na

movimentação social que confere a base de sustentação dessa limitação do poder, impedindo que os governantes passem a

fazer valer seus próprios interesses e regras na condução do Estado. O aspecto ideológico está no tom garantístico (como

decorrência da limitação do “poder”) pregado pelo constitucionalismo.”(TAVARES, 2011, p.25)

d) “Constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of law,

Rechtsstaat).” (BARROSO, 2011, p. 27)

e) “Nesse diapasão, conceituamos o constitucionalismo como o processo dialético de natureza ética, política e jurídica, que se

desenrola no curso da história a partir de premissas emancipatórias, cuja finalidade é a criação e a manutenção de uma

constituição, a qual deverá figurar como instrumento de contenção do exercício do poder pelo próprio poder, e como fonte

garantidora da fruição e do exercício dos direitos fundamentais em sua plenitude.” (KHAMIS, 2008, p.77)

f) “O constitucionalismo é uma técnica jurídica de tutela das liberdades, porquanto engloba um conjunto de normas,

instituições e princípios constitucionais positivos, depositados em constituições escritas, a exemplo do direito à vida, à

igualdade, à dignidade, ao devido processo legal e tantos outros vetores relacionados à mecânica dos direitos humanos

fundamentais.” (BULOS, 2011, p.66)

g) “Ora, é justamente a este patrimônio jurídico-político comum à generalidade dos países civilizados, a este conjunto de

princípios e instituições constitucionais, que compõem a bem dizer, a estrutura mestra, a essência, o cerne da organização

política e jurídica dos Estados da atualidade, que se denomina o ‘constitucionalismo moderno’, de cujo conceito ficam, desde

logo afastadas aquelas formas, instituições, princípios e práticas repudiados pela consciência jurídica moderna, superados

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(2003, p.51) apresenta uma definição que se aplica aos seus variados sentidos, ao afirmar que

“Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado

indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social

de uma comunidade.” O autor ainda acrescenta que o constitucionalismo moderno

“representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos” e que “o

conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor”. O

constitucionalismo seria, portanto, uma teoria normativa voltada para dois temas

fundamentais: ordenação, fundamentação e limitação do poder político e ao reconhecimento e

garantia dos direitos e liberdades do indivíduo. (CANOTILHO, 2003, p. 54-55)

Nesse sentido, o constitucionalismo pode ser encarado como “um processo17

dialético

que se desenrola no curso da história” (KHAMIS, 2008, p.77), pressupõe a existência de uma

finalidade18

e deve atender à sua carga valorativa19

, por meio de certas técnicas.20

2.4 Constitucionalismo na Antiguidade

Somente é possível falarmos na existência de um constitucionalismo na Antiguidade,

na medida em que adotarmos, para tanto, um conceito mais amplo do termo e do conceito de

Constituição, a ser compreendida como um conjunto de normas gerais, escritas ou não, que

ordenam uma determinada sociedade.

Adotando-se um conceito amplo de constitucionalismo e de Constituição, concluímos

que ambos já existiam, mesmo antes das concepções pós-revolucionárias do século XVIII,

quando foi possível elaborar de forma mais precisa esses conceitos.

pela evolução histórica e que apenas esporadicamente, como por exceção, podem aparecer e subsistir, por período mais ou

menos dilatado, no panorama político-jurídico da nossa época.” (TEIXEIRA, 2011, p.409-410)

h) “Esse conceito polêmico (de Constituição) é que alimenta o movimento político e jurídico, chamado constitucionalismo.

Esse visa estabelecer em toda parte regimes constitucionais, quer dizer, governos moderados, limitados em seus poderes,

submetidos a Constituições escritas.” (FERREIRA FILHO, 2009, p.7)

i) “O termo constitucionalismo apresenta vários significados. Embora se enquadre numa perspectiva jurídica, tem alcance

sociológico. Em termos jurídicos, reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que se encontra acima dos

detentores do poder; sociologicamente, representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder,

inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado”(CARVALHO,

2006, p.211)

j) “Constitucionalismo é o movimento político, jurídico e social, pautado pelo objetivo de criar um pensamento hegemônico

segundo o qual todo Estado deve estar organizado com base em um documento fundante, chamado Constituição, cujo

propósito essencial seria o de organizar o poder político, buscando garantir os direitos fundamentais e o caráter democrático

de suas deliberações”. (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2012, p.26) 17 É um processo já que se desenvolve e se reinventa ao logo da evolução social. 18 Finalidade garantística que se manifesta na criação e manutenção de um documento escrito que assegure os valores

vigentes. 19 Valores éticos, políticos, filosóficos que variam de acordo com o momento histórico. 20 Estado de Direito, portanto, rule of law.

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Considerando o fato de que já existiu, em diversas outras comunidades, uma norma

básica para conferir poderes e limites ao soberano, podemos afirmar que também existiu

constitucionalismo e Constituição.

O constitucionalismo na Antiguidade não tinha a mesma sistematização ideológica

caracterizadora dos movimentos constitucionais modernos e apresentava-se essencialmente

como um conjunto de “princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de

direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder”.

(CANOTILHO, 2003, p.52)

Karl Loewenstein (1979, p.154) faz referência ao fato de que, desde a Antiguidade

hebraica, existiram governos constitucionais que, no entanto, não possuíam um documento

escrito que estabelecesse limites ao exercício do poder, visto que essas limitações já estavam

profundamente enraizadas nas convicções da sociedade e nos costumes, o que fazia com que

fossem obedecidas pelos governantes e governados.

Lammêgo Bulos aponta algumas características desse constitucionalismo na

Antiguidade

a) Os direitos, prerrogativas e deveres não vinham depositados em instrumentos

constitucionais escritos. Aliás, nem existia a díade constituição formal versus

constituição material.

b) Cada comunidade regia-se por costumes próprios, quase sem contato com

outros grupos. Esses costumes derivavam da observância geral, constante e

uniforme das condutas humanas. Formavam-se por dois elementos: um objetivo e

outro subjetivo. O elemento objetivo, material, fático ou externo revelava-se pela

repetição de um procedimento – era o usus. Já o elemento subjetivo, psicológico

ou interno promanava da convicção generalizada de sua exigibilidade. Tratava-se

da opinio juris et necessitatis, que consistia na certeza de que o respeito à norma

consuetudinária equivaleria a uma aquiescência jurídica, disso resultando na sua

obrigatoriedade.

c) Nos grupos sociais relativamente evoluídos, os anciãos do clã, ou da etnia,

submeteriam os membros da comunidade a certos preceitos de comportamento, os

quais eram repetidos em intervalos mais ou menos regulares para que fossem

memorados. O costume, portanto, não era a única fonte de direito dos povos

primitivos, pois existiam verdadeiras leis não escritas para reger a vida do grupo.

d) Influência direta da religião, porquanto os povos primitivos viviam sob o

constante temor dos poderes sobrenaturais, alimentando a crença de que seus

líderes eram representantes dos deuses na terra.

e) Predomínio dos meios de constrangimento para assegurar o respeito aos padrões

de conduta da comunidade, essenciais para se manter a coesão do grupo.

f) Existência de precedentes judiciários. Os chefes ou anciãos firmaram a

tendência de julgar os litígios de acordo com as soluções dadas a conflitos

semelhantes. (BULOS, 2011, p.68)

Normalmente se aponta a existência de três governos constitucionais na Antiguidade:

comunidade dos hebreus, os povos gregos e a república romana.

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2.4.1 Constitucionalismo hebreu

O povo hebreu instituiu uma forma de governo que passou a ser designada por

teocracia21

, já que os súditos acreditavam viver sob a autoridade de uma figura divina. Os

detentores do poder na terra seriam apenas representantes desse poder divino.

Diz-se que o primeiro povo a praticar o constitucionalismo foram os hebreus, pois o

detentor do poder político não possuía poderes absolutos e arbitrários, mas encontrava-se

limitado pelas leis do Senhor que submeteria governantes e governados. (LOEWENSTEIN,

1979, p.154)

Assim, os limites do poder político, ou secular, se encontravam na lei moral, nas

escrituras sagradas. Tanto os governantes quanto os governados deveriam se submeter ao que

estava previsto na sagrada escritura.

Verificamos, pois, na sociedade hebraica o germe da ideia de limitação do exercício

do poder pelo próprio poder, ainda que numa perspectiva teológico-estatal.

Ademais, é também na civilização hebraica que se verifica a primeira forma de

contestação da ruptura com a legitimidade constitucional decorrente das ações praticadas

pelos titulares do poder. Nesse sentido, encontram-se os profetas que contestavam a atuação

ilegítima das autoridades, com base na Constituição moral da sociedade.

Por essas razões é possível apontar a sociedade hebraica como a primeira

manifestação histórica do constitucionalismo, sendo as escrituras sagradas consideradas não

só a lei moral imperativa, mas também o paradigma para valorar e limitar a atuação do poder

político.

2.4.2 Constitucionalismo grego

A civilização grega procedeu à secularização e racionalização do processo de poder.

Karl Loewenstein (1979, p.155) aponta que os gregos atingiram a forma mais avançada de

governo: a democracia constitucional. Havia um democracia direta entre os gregos, sendo

esse o único exemplo conhecido de um sistema político com plena identidade entre os

21 Karl Loewenstein aponta que essa ideologia de dominação foi comum nos impérios orientais da Antiguidade, no mundo

islâmico, no budismo, no xintoísmo. Um exemplo dessa forma de governo na Europa se deu na Genebra de Calvino.

(LOEWENSTEIN, 1979, p.154)

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governantes e governados e no qual o poder político estava igualmente distribuído entre todos

os cidadãos ativos22

.

A sociedade grega manifestava grande apreço ao exercício compartilhado do poder

político e à existência de uma ordem estatal regulada democrática e constitucionalmente, bem

como à defesa da igualdade e de uma justiça igualitária.

O poder político não era, de forma alguma, concentrado ou arbitrário, mas estava

distribuído e limitado racionalmente. As funções estatais gregas eram entregues a diversos

detentores de cargos23

. Meirelles Teixeira aponta que

Aristóteles já distinguia as leis ordinárias do Estado (nómoi) daquela que lhe

estabelecia estrutura e os fundamentos (politéia), definindo-a como “aquele

princípio em cuja conformidade se ordenam as autoridades públicas,

especialmente aquela que acima de todos é soberana; a Constituição (politéia)

designa o ordenamento da autoridade do Estado, define a divisão de poderes

políticos, determina onde reside a soberania e, finalmente, fixa a finalidade de toda

a convivência civil. (TEIXEIRA, 2011, p.61)

Além da divisão das funções governamentais, outra herança do pensamento

constitucional grego está relacionada à limitação do governo pela soberania da lei. Nicola

Matteucci transcreve trechos do pensamento de Platão e Aristóteles no sentido de que, para se

evitar a degeneração do governo ou um despotismo das massas, deve-se respeitar a soberania

das leis mais do que a dos cidadãos:

Em seu livro das Leis, ao investir contra as formas degeneradas da democracia,

escreve Platão: “Segundo as leis antigas, o povo não era senhor, mas, de certa

maneira, um servo voluntário das leis”. E Aristóteles repetia, em seu livro Política,

que há democracias onde é soberana a lei e outras onde, ao contrário, é soberana a

massa: “Isto ocorre, quando a autoridade suprema concerne antes às deliberações

das assembleias populares que à lei. E isso é obra dos demagogos. Nos Estados

democráticos onde a lei é soberana, não há demagogos e quem ocupa os mais altos

cargos são os melhores dentre os cidadãos; mas onde as leis não são soberanas,

surgem os demagogos. Um povo assim, tal qual monarca, procura governar por si,

sem se sujeitar à lei; torna-se despótico; tal democracia corresponde ao que, entre

as monarquias, é tirania”. (MATTEUCCI, 1998, p.253)

22 Quando analisamos a democracia grega com os olhos de hoje, podemos afirmar que se trata mais de uma oligarquia do que

de uma democracia, já que a ostentação da qualidade de cidadão dependia de uma série de critérios que excluía da

participação política a grande massa de mulheres, estrangeiros e escravos. Não obstante, esse fato não ostenta grande

importância, dado o grande impacto influenciador que a democracia grega teve sobre as outras civilizações e dado o

momento histórico em que se consolidou. 23 Karl Loewenstein aponta que foram estabelecidas diversas formas de controle para evitar o exercício do poder arbitrário

pelos ocupantes dos cargos públicos como a nomeação dos detentores de cargo por sorteio; o exercício do cargo era rotativo

e estabelecido por período curto de tempo; era vedada a reeleição; não se exigia qualificação especial para o exercício do

cargo, salvo para certas categorias técnicas, o que propiciava o acesso de todos aos cargos públicos. (LOEWENSTEIN, 1979,

p.155-156)

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Podemos afirmar, portanto, que a civilização grega deu origem a um

constitucionalismo e a um ideal democrático organizados, posto que lá foram concebidos

institutos que até hoje se conservam, tais como a divisão das funções estatais entre os diversos

órgãos, a separação entre o Estado e a religião, a implantação de um sistema judicial, a

institucionalização da supremacia da lei e de sua validade perante todos os cidadãos e o

estabelecimento de um processo formal de criação das leis.

Não obstante a avançada forma de governo instituída na Grécia, tais sociedades não

lograram atingir um equilíbrio estatal e acabaram sucumbindo aos inimigos externos. O fato é

que a assembleia de cidadãos passou a acreditar ter poderes plenos e que não havia

necessidade de ela mesma se submeter às limitações constitucionais, o que fez com que o

povo fosse “incapaz de refrear o seu próprio poder soberano”. (LOEWENSTEIN, 1979, p.

156)

2.4.3 Constitucionalismo romano

A história da civilização romana é bastante extensa e compreende um período de

quase 12 séculos. Normalmente, é dividida em três fases: realeza, república e império.

Podemos afirmar que foi durante a época da república que se desenvolveu o

constitucionalismo romano. A organização estatal da república romana possuía uma série de

freios e contrapesos que tinham a função de limitar o poder político com a previsão de

limitações recíprocas, tais como o estabelecimento de uma estrutura colegiada dos órgãos

superiores; a duração anual dos cargos e a vedação de reeleição imediata; a possibilidade de

intervenção de um tribuno da plebe, quando houvesse conduta ilegal de outro tribuno ou dos

altos magistrados; a participação do Senado; e, ainda, a institucionalização, em tempos de

crise e para determinados fins, de uma ditadura constitucional temporária.

O constitucionalismo romano conseguiu equilibrar melhor a sua democracia interna o

que trouxe mais estabilidade à organização estatal, na medida em que não promoveu uma

democratização excessiva.

O constitucionalismo republicano teve fim com as guerras civis e com a

institucionalização da monarquia de César, que passou a acumular na sua pessoa o exercício

de todos os principais cargos do governo, sem limitação temporal, e a dominar o Senado.

Seguindo-se a esse período monárquico, teve início a era imperial, quando foram eliminados

todos os resquícios de uma Constituição republicana e estabelecido um absolutismo

monárquico com fortes elementos teocráticos.

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No entanto, mesmo na época imperial, encontrava-se, ainda que apenas

simbolicamente, a influência do constitucionalismo republicano no dogma da lex regia,

segundo o qual o domínio absoluto do monarca teria a sua fonte originária na delegação do

poder político do povo ao imperador. Karl Loewenstein (1979, p.157) afirma que essa

tradição da legitimidade republicana permaneceu subjacente ao pensamento antigo e

medieval, ressurgindo na tradição política inglesa.

2.5 Ressurgimento do Constitucionalismo na Inglaterra

Comumente, afirma-se que durante a Idade Média não houve manifestação do

constitucionalismo; ele somente teria ressurgido com as revoluções do século XVII na

Inglaterra. No entanto, Nicola Matteucci, com apoio nos ensinamentos de Charles Howard

Mcllwain, afirma ser possível encontrar na Idade Média diversas manifestações de uma das

características mais autênticas do constitucionalismo: o princípio do governo limitado

Na Idade Média, encontramos, de fato, não só as mais claras apologias do Governo

limitado, como também, em consonância com elas, a mais explícita reivindicação

do primado da função judiciária. A base sacral do poder do rei consiste unicamente

no dever de administrar aos seus súditos “uma justiça reta e imparcial”, porquanto

“a tarefa de julgar pertence a Deus, não ao homem”; neste sentido, o rei, juiz

supremo, era apenas um ministro e servo de Deus. Assim escrevia um bispo do

século IX, Jonas de Orléans: “Por isso foi colocado no trono real para proferir

juízos justos, para prover pessoalmente e cuidar com atenção que ninguém se

afaste, ao julgar, da verdade e da equidade”.

O rei era, pois, a fonte da justiça, o soberano juiz do seu povo, a pessoa em que os

direitos dos súditos podiam encontrar sua tutela natural e a necessária garantia.

Mas a consciência desta altíssima função, que faz do rei um vigário de Deus, está

aliada ao conhecimento da profunda diferença que existe entre o rei e o tirano,

entre o servo de Deus e o ministro do diabo. Basta pensar na ampla e duradoura

aceitação de que gozou durante a Idade Média a célebre afirmação de Isidoro de

Sevilha, um bispo que viveu entre os séculos VI e VII: “Os reis são assim

chamados por sua função de governar, como o sacerdote é assim chamado por

sacrificar, é também o rei por reger. Mas não rege quem não corrige. Portanto,

agindo retamente, conservará o nome de rei; pecando, o perderá. Daí este dito

entre os antigos: ‘Serás rei, se procederes com justiça, do contrário não o serás’”.

E o critério para julgar a retidão do comportamento do rei era seu respeito pela lei.

João de Salisbury, por exemplo, escrevia, no século XII, em Policraticus: “Entre

um tirano e um príncipe existe esta única, ou, melhor, esta capital diferença: o

príncipe obedece às leis, governando segundo seus preceitos o povo de que se

considera servidor. Na verdade, a autoridade do príncipe deriva da autoridade do

direito: e, mais que o poder, importa submeter às leis o poder supremo. Por isso,

que o príncipe não pense que lhe é lícito o que se aparta da equidade e da justiça”.

(MATTEUCCI, 1998, p. 253)

Por mais que os pensamentos transcritos pelo autor sejam de teólogos da época, esses

princípios éticos de submissão da vontade do rei à vontade de Deus, ou seja, esses preceitos

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de justiça e retidão que funcionavam como um limitador da atuação do monarca, eram

amplamente aceitos também entre os juristas ingleses, desde o século XIII. (MATTEUCCI,

1998, p. 254)

Lammêgo Bulos (2011, p.70-71) afirma que, já durante a Idade Média, havia o

predomínio de um pensamento baseado na concepção jusnaturalista, segundo a qual as leis

eram preexistentes aos homens e, assim, se os atos do soberano fossem contrários ao Direito

natural, deveriam ser declarados nulos pelo juiz competente.

O fato é que, durante muitos séculos, após a queda do império romano no ocidente, o

cenário jurídico europeu era praticamente uniforme, baseava-se em regras não escritas, na

prática negocial e nos tribunais locais. Somente após o descobrimento do Corpus Iuris

Civilis24

, no século XI, podemos afirmar que houve uma ruptura entre a evolução do Direito

na Europa continental, especialmente na França e na Itália, e entre a evolução do Direito na

Inglaterra.

O Direito inglês sempre se baseou e, assim continuou sendo mesmo após o

descobrimento do Corpus Iuris Civilis, primordialmente, nos costumes estabelecidos através

dos tempos e conservados pelo povo25

. Esse Direito consuetudinário, legitimado pela

aceitação e utilização ao longo das gerações, era o que representava a ideia de justiça da

época e era o que deveria ser considerado “lei” e respeitado pelos monarcas.

Essa noção de necessidade de limitação do poder real (seja pela vontade de Deus, seja

pela ideia de justiça representada no Direito costumeiro) foi, segundo Nicola Matteucci (1998,

p.254) a grande diferença entre a monarquia inglesa e a que se desenvolveu na França e nos

demais países da Europa continental. Enquanto os juristas ingleses defendiam a necessidade

24 O Corpus Iuris Civilis foi uma compilação de textos da época romana, elaborada no século IV por determinação de

Justiniano, que pretendeu consolidar diversos documentos jurídicos romanos em um único corpus. Na realidade, esses textos

não possuíam relação entre si e consistiam em escritos esparsos que ora retratavam o julgamento de casos, ora escritos

doutrinários, ora escritos de lei. Os descobridores de tais textos os consideram superiores ao Direito então predominante.

Iniciou-se a partir daí um estudo aprofundado e sistematizado de tal documento, com a finalidade de encontrar harmonia e

coerência entre esses textos, o que se deu, principalmente, na Itália e na França. Por outro lado, na Inglaterra estabeleceu-se

um Direito autônomo, baseado na prática cotidiana considerada por todos adequada, configurando-se uma centralização

judiciária e uma homogeneidade da classe forense. Por tais motivos, após alguns anos de estudo do Corpus Iuris Civilis na

Europa continental, a tentativa de iniciar tais estudos também na Inglaterra não teve muita repercussão. Ademais, acrescente-

se que tal nação já era um Estado unitário sob o governo de um rei (a Itália e a Alemanha eram descentralizadas, dividida em

comunas e pequenos reinos) e muitos reis rejeitaram o estudo do Direito romano. Henrique III, inclusive, proibiu o estudo

das leges. 25 O sistema jurídico inglês manteve-se baseado no julgamento dos casos concretos, aplicando regras baseadas nos costumes

e nas decisões dos reis ou dos juízes, que iam sendo catalogadas nos Statute Books. Nessa época, ainda não havia

obrigatoriedade em seguir os precedentes, porém, já existia uma preocupação com os julgamentos contraditórios e com a

necessidade de decidir casos similares de maneira semelhante.

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de submissão da vontade real à lei, os juristas da Europa continental, inspirados nos

glosadores bolonheses26

, afirmavam que a vontade do rei é que deveria ser considerada a lei.

Percebemos, pois, que a ideia de imposição de limitação ao governo monárquico, no

caso inglês, não é um pensamento que remonta somente ao início da era moderna, mas que já

integrava o pensamento jurídico daquele país, desde a época medieval, ainda que em uma

forma primitiva. Não podemos esquecer que, ainda durante a Idade Média, por volta de 1215

com a concessão da Magna Charta Libertatum27

, houve a primeira tentativa de instituir um

instrumento escrito limitador dos poderes absolutos do monarca.

Porém, podemos afirmar que o movimento constitucionalista inglês somente tomou

força e teve a sua fase mais proveitosa a partir das revoluções ocorridas no século XVII. Foi a

Revolução Gloriosa que acabou por implantar limitações ao governo monárquico e ampliar a

participação do parlamento no processo político.

Os conflitos entre o rei e o parlamento começaram com James I, em 1603, e

exacerbaram-se após a subida de Charles I ao trono, em 1625. O absolutismo

inglês era frágil, comparado ao dos países do continente (França, Espanha,

Portugal), não contando com exército permanente, burocracia organizada e

sustentação financeira própria. Em 1628, o Parlamento submeteu ao rei a Petition

of Rights, com substanciais limitações ao seu poder. Tem início um longo período

de tensão política e religiosa (entre anglicanos e católicos, puritanos moderados e

radicais), que vai desaguar na guerra civil (1642-1658), na execução de Charles I

(1649) e na implantação da República (1649-1658), sob o comando de Cromwell.

A República não sobreviveu à morte de seu fundador, dando-se a restauração

monárquica com Charles II, em 1660. Seu filho e sucessor, James II, pretendeu

retomar práticas absolutistas e reverter a Inglaterra à Igreja Católica, tendo sido

derrubado em 1688, na denominada Revolução Gloriosa. Guilherme (William) de

Orange, invasor vindo da Holanda, casado com Mary, irmã do rei deposto, torna-

se o novo monarca, já sob um regime de supremacia do Parlamento, com seus

poderes limitados pela Bill of Rights (1689). (BARROSO, 2011, p.33)

A Petition of Rights foi um instrumento utilizado para se insurgir contra a implantação

de tributos sem a aprovação do parlamento, bem como para reclamar contra a efetivação de

prisões arbitrárias, a ocupação de casas dos cidadãos por soldados e para impedir o uso da lei

marcial em tempos de paz. Foi um instrumento, portanto, que pretendia limitar o poder dos

órgãos governamentais e instituir a proteção de certos direitos dos cidadãos. Os membros do

26 Glosadores bolonheses foram estudiosos da Universidade de Bolonha, na Itália, que se debruçaram sobre o estudo e a

tentativa de sistematização do Corpus Iuris Civilis e consideravam esse Direito superior ao então vigente, baseado nos

costumes. 27 Antes mesmo do surgimento das declarações de direitos da Era Moderna, este documento já havia sido uma tentativa de

instituição, pelos súditos, de certas garantias contra o poder monárquico. Podemos exemplificar algumas das suas cláusulas: a

possibilidade de julgamento por seus pares; a garantia de que nenhum homem seria privado de seus bens ou sujeito à prisão

sem ser submetido a um julgamento; a estipulação de penas e punições proporcionais ao delito; a garantia de concessão de

justiça; a liberdade e inviolabilidade dos bens da igreja, etc.

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parlamento não mais se contentavam com a existência de uma ordem constitucional

simbólica, o que acabou gerando toda a tensão no Estado inglês.

Durante o curto período de implantação da república, foi idealizada a primeira

Constituição escrita do Estado moderno28

: o Instrument of Government de Cromwell, em

1654. Os ingleses, no entanto, acabaram por deixar de lado a existência de uma única lei

fundamental escrita e se contentaram com a regulamentação da ordenação fundamental em

diversos documentos esparsos29

.

A Bill of Rights foi um instrumento mais robusto e institucionalizou a soberania do

parlamento na Inglaterra, pois previa a necessidade de convocação regular do parlamento e do

seu consentimento para a criação de leis, a instituição de tributos e a manutenção de um

exército permanente em tempos de paz. Ademais, trouxe a imunidade dos parlamentares por

suas manifestações no parlamento e proibiu a aplicação de penas sem prévio julgamento.

Assim, no caso do constitucionalismo inglês, passou a coexistir a instituição

monárquica com a aristocrática e a popular, na medida em que as funções estatais foram

repartidas de forma orgânica e racional entre o monarca e o parlamento bicameral, que era

composto por uma câmara de pares do rei e de lordes e por uma câmara de representantes do

povo. Institucionalizou-se, assim, o princípio da divisão de Poderes, de suprema importância

para a tutela e a conservação da liberdade política. (ROMANO, 1977, p.46)

André Ramos Tavares (2011, p. 28-29) aponta que, na Inglaterra, instituiu-se um

sistema de Constituição mista que tinha por característica proporcionar às diversas classes

sociais a participação no exercício do poder.

O constitucionalismo inglês também teve o mérito de reconhecer solenemente e de

garantir efetivamente as liberdades públicas, que foram alçadas da categoria de simples

liberdades de fato ao patamar de liberdades jurídicas30

.

Esse modelo inglês, chamado por Gomes Canotilho (2003, p.55) de modelo

historicista31

, proporcionou, por meio da evolução de diversos momentos constitucionais

28 Karl Loewenstein (1979, p.158) afirma que a prioridade na elaboração de uma Constituição pode ser conferida à Suécia

que, em 1634, estabeleceu os princípios de governo em caso de impossibilidade ou ausência no estrangeiro do rei, por meio

da Regeringsfom. 29 Santi Romano parece ser um entusiasta da inexistência de uma Constituição escrita, afirmando: “O caráter consuetudinário

do direito público inglês e a multiplicidade dos seus documentos escritos beneficia a sua estabilidade, opondo aos inovadores

e aos revolucionários uma resistência longa e continuada de trincheiras; o direito constitucional escrito, pelo contrário,

apresenta-se como um fácil e próximo alvo aos seus adversários, quase que um convite e um concurso perpétuo a quem

souber escrever melhor.” (ROMANO, 1977, p.45) 30

Evidentemente, o avanço na consolidação dos direitos e liberdades públicas àquela época, não são

comparáveis ao atual momento evolutivo das proteção dos direitos fundamentais. Porém, proporcionaram

grandes conquistas naquela quadra histórica, já que representaram o início da busca pela implementação dos

direitos e liberdades.

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(Magna Charta de 1215, Petition of Rights de 1628, Habeas Corpus Act de 1679, Bill of

Rights de 1689, Act of Settlement, de 1701), a consolidação de algumas estruturas

constitucionais, hoje, consideradas fundamentais. Isso se deu não só com referência à

Constituição (histórica) inglesa, mas acabou por influenciar o constitucionalismo francês e

norte-americano. Algumas dessas estruturas permanecem, até hoje, como parte das

Constituições ocidentais modernas.

São frutos desse modelo historicista a garantia da liberdade pessoal de todos os

ingleses e a segurança da pessoa e dos seus bens, o que gerou a necessidade de se criar um

modelo no qual houvesse um julgamento justo e regulado pela lei (due process of law). Essa

lei deveria ser a lei do país (law of the land) a ser aplicada e interpretada de forma evolutiva

pelos juízes, ou seja, dever-se-ia aplicar o Direito comum de todos os ingleses (common law).

Para instituir um governo moderado, principalmente, a partir da Revolução Gloriosa (1688-

1689), ganha estatuto constitucional a representação e a soberania do parlamento, o que

proporcionou a possibilidade de representação social no governo e o compartilhamento de

poder entre o monarca e o parlamento. Ademais, a ideia de soberania do parlamento trouxe

diretamente associada à ideia de que esse poder deveria ser exercido por meio das leis (the

rule of law).

É importante observar que esse constitucionalismo de modelo historicista e a ideia de

soberania do parlamento acabou por impedir que se estabelecesse na Inglaterra uma

Constituição escrita, rígida, e, por conseguinte, um controle de constitucionalidade das

normas. No caso inglês, as leis constitucionais se misturavam com as leis ordinárias gerais, o

que sempre permitiu ao parlamento a possibilidade de modificá-las simplesmente em razão de

sua autoridade soberana. Nesse contexto, pois, o parlamento poderia criar as leis que melhor

lhe aprouvesse, independentemente de estarem ou não em conformidade com o common law,

sem que houvesse nenhum outro órgão que pudesse analisar tais leis e declará-las

inconstitucionais, erigindo-se à categoria de um órgão de caráter absolutista.

Santi Romano (1977, p. 51-52) apresenta cinco institutos que derivaram do

constitucionalismo inglês e que se difundiram por outros Estados: a) o instituto da monarquia

constitucional (naqueles estados que não optaram pela forma republicana de governo); b) o

parlamento bicameral; c) o instituto da representação política por duas câmaras cujos

31 “É evidente, com efeito, a tendência dos ingleses bem como dos romanos ao ‘historicismo’, que se contrapõe à tendência

dos franceses e dos modernos povos latinos ao ‘racionalismo’. Assim, a Inglaterra, não obstante tenha tido um Locke,

considerado o pai espiritual das modernas revoluções (da inglesa do século XVII, da Americana, da francesa), encontra-se

sempre sobre a própria estrada secular, não interrompendo ou, quando muito, restaurando sem grandes modificações, a sua

maravilhosa tranquilidade legislativa. As constituições dos outros Estados têm tido caracteres mais ou menos

revolucionários.” (ROMANO, 1977, p.44)

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35

membros provém da eleição popular; d) a existência do governo de gabinete e sua

responsabilidade perante o parlamento; e) as liberdades públicas e suas garantias

constitucionais.

Todas essas influências acabaram por ser servir de base teórica política do

constitucionalismo moderno de vários Estados, porém, adotadas, em medida mais ou menos

semelhantes, a depender das características particulares de cada Estado.

2.6 Constitucionalismo na Era Moderna

O chamado constitucionalismo moderno se opôs ao antigo pelo fato de ter

representado um questionamento, nos planos político, filosófico e jurídico, dos esquemas

tradicionais de domínio político e uma nova forma de ordenação e fundamentação do próprio

poder político. (CANOTILHO, 2003, p.52)

Essa roupagem que o constitucionalismo passou a apresentar, a partir do século XVIII,

só foi possível em decorrência nas novas ideologias políticas, religiosas, jurídicas e filosóficas

que se desenvolveram impulsionadas pelo Iluminismo. Conforme Luís Roberto Barroso

(2011, p. 99) “no plano das ideias e da filosofia, o constitucionalismo moderno é produto do

Iluminismo e do jusnaturalismo racionalista que o acompanhou, com o triunfo dos valores

humanistas e da crença no poder e na razão”.

Não obstante as várias peculiaridades que envolveram cada um dos movimentos

constitucionais da modernidade (inglês, francês e norte-americano), todos eles tiveram por

principais características: regulamentação legal do exercício do poder por intermédio da

adoção de Constituições escritas32

, cuja superioridade implicava a subordinação de todos os

atos governamentais aos seus dispositivos; exortação do povo a lutar contra a hegemonia do

poder absoluto, a fim de dividi-lo, organizá-lo e discipliná-lo; oposição à opressão e ao

arbítrio em nome dos direitos e garantias fundamentais; instituição uma ideologia liberalista

baseada na implantação de um governo das leis e não dos homens. (BULOS, 2011, p.65)

Para Gomes Canotilho (2003, p.52), o constitucionalismo moderno proporcionou o

surgimento da Constituição moderna entendida como “a ordenação sistemática e racional da

comunidade política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os

direitos e são fixados os limites do poder político” cujas dimensões fundamentais são

compostas pela

32 No caso da Inglaterra não houve a adoção de uma única Constituição escrita em sentido formal, mas sim, de diversos

documentos dotados de conteúdo constitucional.

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36

(1) ordenação jurídico-política plasmada num documento escrito; (2) declaração,

nesta carta escrita, de um conjunto de direitos fundamentais e do respectivo modo

de garantia; (3) organização do poder político segundo esquemas tendentes a

torná-lo um poder limitado e moderado. (CANOTILHO, 2003, p.52)

Podemos afirmar que o artigo 16º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

de 1789 exprime a essência dos movimentos constitucionais modernos ao afirmar que

“qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a

separação dos Poderes não tem Constituição” (BRASIL, 1789).

2.6.1 Constitucionalismo francês

O constitucionalismo francês decorreu de um movimento revolucionário focado no

indivíduo e em seus direitos naturais. Foram o surgimento do Renascimento, o descobrimento

da América, a Reforma Protestante e o desenvolvimento do Iluminismo que lançaram as bases

para o pensamento moderno que pregava a necessidade de valorizar a razão como fonte do

conhecimento, da liberdade individual e da felicidade. Eric Hobsbawm narra que a mais forte

influência da Revolução Francesa estava no campo das ideias dos filósofos da época

A Revolução Francesa não foi feita ou liderada por um partido ou movimento

organizado, no sentido moderno, nem por homens que estivessem tentando levar a

cabo um programa estruturado. Nem mesmo chegou a ter “líderes” como as

revoluções do século XX, até o surgimento da figura pós-revolucionária de

Napoleão. Não obstante, um surpreendente consenso de ideias gerais entre um

grupo social bastante coerente deu ao movimento revolucionário uma unidade

efetiva. O grupo era a “burguesia”; suas ideias eram as do liberalismo clássico,

conforme formuladas pelos “filósofos” e “economistas” e difundidas pela

maçonaria e associações informais.

Até este ponto os “filósofos” podem ser, com justiça, considerados responsáveis

pela Revolução. Ela teria ocorrido sem eles; mas eles provavelmente constituíram

a diferença entre um simples colapso de um velho regime e a sua substituição

rápida e efetiva por um novo. (HOBSBAWM, 2012, p.105-106)

Inicialmente, a Revolução Francesa não se insurgiu contra a monarquia em si, mas

apenas tentou implantar um sistema de monarquia constitucional, nos moldes do que existia

na Inglaterra, com o fim dos privilégios aristocráticos-feudais. O marco histórico que levou à

Revolução Francesa se deu quando, em meio a uma crise financeira do Estado francês, a

nobreza se recusou a reduzir os seus privilégios. Foi, então, convocada uma assembleia

parlamentar composta pelos integrantes do primeiro (nobreza), do segundo (clero) e do

terceiro (burgueses, camponeses e trabalhadores urbanos) estado. O terceiro estado, nesta

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37

oportunidade, rebelou-se contra a frequente aliança nobreza-clero, o que sempre assegurava a

derrota do terceiro estado, autoproclamou-se Assembleia Nacional e, após a rebelião popular,

Assembleia Constituinte.

Sob o lema da liberdade, igualdade e fraternidade, o movimento revolucionário

pretendia acabar com o sistema feudal de exploração; propor a elaboração de uma nova

Constituição; a adoção da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e de uma

constituição civil do clero33

.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 trazia, em seus 17 artigos

e no preâmbulo, a representação dos ideais do Iluminismo. Este documento procurava acabar

com os privilégios sociais, baseando-se na ideia de que todos os homens nasciam livres e

iguais em direitos, assim, a defesa dos direitos deveria ir além da proteção apenas da

propriedade e da liberdade. A Declaração foi fortemente influenciada pela escola do Direito

natural que acreditava na universalidade dos direitos do homem e na possibilidade de sua

proteção e exigibilidade em qualquer tempo e lugar, já que eram inerentes à natureza humana.

É importante mencionar que, por mais que o constitucionalismo inglês tenha

contribuído para consolidar algumas estruturas constitucionais em outros países, o

constitucionalismo francês não apresenta os mesmos traços do britânico, por ter sido

decorrente do rompimento completo34

com a estrutura anterior (ancien régime)35

e a criação

de uma nova ordem social.

Em razão desse rompimento com o antigo regime, o movimento revolucionário

necessitava fundamentar e justificar o novo poder político e o fez apoiado nas teorias

contratualistas. Tais ideias, baseadas na premissa de que todos os homens são livres e iguais,

pregavam ser a ordem política uma construção decorrente de um contrato social, fundado nas

vontades individuais.

Sendo a nova ordem político-jurídica decorrente de um acordo de vontades entre os

homens livres e iguais, havia a necessidade de elaboração de um documento escrito que

representasse a atribuição e a limitação do poder político e garantisse os direitos dos

indivíduos.

33

Esse documento visava regulamentar a igreja francesa, extinguindo os direitos feudais e os privilégios dos

eclesiásticos, transformando os sacerdotes paroquiais em espécies de funcionários públicos. 34 Muito embora em sua fase gestacional a Revolução Francesa não tivesse pretendido romper completamente com o regime

monárquico, mas sim, implementar um sistema de monarquia constitucional, não foi esse modelo que se desenvolveu em um

momento posterior, quando a monarquia foi extinta e instituída uma república. 35 O constitucionalismo inglês, como já afirmado, decorreu de um movimento evolucionista e que não rompeu

completamente com as estruturas medievais estamentais, tratou-se mais de uma “adaptação político-social ou ajustamento

prudencial da história”. (CANOTILHO, 2003, p.57)

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38

Para legitimar a elaboração desse documento escrito, que se consubstanciaria na lei

fundamental, Emmanuel Sieyès desenvolveu a teoria do Poder Constituinte. Este poder

Constituinte36

seria anterior e superior aos outros poderes do Estado e, por isso, estaria

habilitado a instituir um documento escrito responsável por delimitar as funções exercidas por

cada um dos órgãos estatais. Ademais, sendo superior e anterior este poder não estaria sujeito

a limitações decorrentes de regimes anteriores.

Segundo Gomes Canotilho (2003, p.73), os momentos fundamentais da teoria

desenvolvida por Sieyès seriam: “(1) recorte de um poder constituinte da nação entendido

como poder originário e soberano; (2) plena liberdade da nação para criar uma constituição”,

pois “a nação ao ‘fazer uma obra constituinte’, não está sujeita a formas, limites ou condições

preexistentes”. Essas ideias ficam claras nas palavras de Sieyès

La nation existe avant tout, elle est l’origine de tout. Sa volonté est toujours légale,

elle est la loi elle-même. Avant elle et au-dessus d’elle il n’y a que le droit naturel.

Si nous voulons nous former une idée juste de la suite des lois positives qui ne

peuvent émaner que de sa volonté, nous voyons en première ligne les lois

constitutionnelles, qui se divisent en deux parties : les unes règlent l’organisation

et les fonctions du corps législatif; les autres déterminent l’organisation et les

fonctions des différents corps actifs. Ces lois sont dites fondamentales, non pas en

ce sens qu’elles puissent devenir indépendantes de la volonté nationale, mais parce

que les corps qui existent et agissent par elles ne peuvent point y toucher. Dans

chaque partie la constitution n’est pas l’ouvrage du pouvoir constitué, mais du

pouvoir constituant. Aucune sorte de pouvoir délégué ne peut rien changer aux

conditions de sa délégation. C’est ainsi et non autrement que les lois

constitutionnelles sont fondamentales. Les premières, celles qui établissent la

législature, sont fondées par la volonté nationale avant toute constitution; elles en

forment le premier degré. Les secondes doivent être établies de même par une

volonté représentative spéciale. Ainsi toutes les parties du gouvernement se

répondent et dépendent en dernière analyse de la nation.37

(SIEYÈS, 2002, p.53)

Apesar de todo o esforço dos teóricos franceses para caracterizarem o seu movimento

constitucional com base exclusivamente nas ideias dos filósofos racionalistas, concordamos

com Santi Romano (1977, p.49-50). Segundo ele, a elaboração da Constituição norte-

36 Podemos afirmar que o Poder Constituinte já havia se manifestado antes mesmo da teorização elaborada por Sieyès,

quando, durante uma das reuniões do Congresso da Confederação, também chamada de Convenção da Filadélfia, em maio de

1787, delegados das ex-colônias britânicas acabaram se reunindo em assembleia que culminou com a elaboração da

Constituição norte-americana. 37 Tradução livre: “A nação existe antes de tudo, ela é a origem de tudo. Sua vontade sempre legal, é a própria lei. Antes dela

e acima dela só existe o direito natural. Se quisermos formar uma ideia exata da série das leis positivas que só podem emanar

de sua vontade, veremos, em primeira linha, as leis constitucionais que se dividem em duas partes: umas regulam a

organização e as funções do corpo legislativo; as outras determinam a organização e as funções dos diferentes corpos ativos.

Essas leis são chamadas de fundamentais, não no sentido de que possam tornar-se independentes da vontade nacional, mas

porque os corpos que existem e agem por elas não podem tocá-las. Em cada parte, a Constituição não é obra do poder

constituído, mas do poder constituinte. Nenhuma espécie de poder delegado pode mudar nada nas condições de sua

delegação. É neste sentido que as leis constitucionais são fundamentais. As primeiras, as que estabelecem a legislatura, são

fundadas pela vontade nacional antes de qualquer constituição; formam seu primeiro grau. As segundas devem ser

estabelecidas por uma vontade representativa especial. Desse modo, todas as partes do governo dependem em última

instância da nação.”

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39

americana (inspirada em princípios remanescentes do constitucionalismo historicista inglês)

teve grande influência na explosão da Revolução de 1789 e foi uma das fontes mais diretas da

Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, declaração essa que

serviu de preâmbulo à primeira Constituição francesa, em 1791.

Por outro lado, argumenta o autor que não se pode subestimar a influência que as

teorias francesas, imediatamente anteriores à revolução, principalmente por meio da obra de

Montesquieu, tiveram sobre a elaboração das Constituições americanas. De forma que,

quando estas serviram como modelo ao constitucionalismo francês houve uma

“reimportação” de diversos princípios arraigados no espírito francês. Deste modo, existiu uma

influência mútua de um constitucionalismo no outro, sendo difícil mensurar em que medida

ela de fato ocorreu . (ROMANO, 1977, p.52)

Não obstante compartilharem fundamentos comuns, o constitucionalismo francês e o

norte-americano deram origem a modelos constitucionais distintos. Na França, predominou a

ideia de superioridade do legislador e do primado das leis, enquanto nos Estados Unidos,

desde o início, estava presente a consciência de superioridade da Constituição e de submissão

de todos os órgãos do Estado, inclusive o parlamento, às normas constitucionais.

A Revolução Francesa se desenvolveu em diversas fases38

não uniformes e a

libertação do regime absolutista teve uma curta duração

A Revolução passaria ainda por fases diversas, marcadas pelo radicalismo das

facções políticas, no plano interno, e pela hostilidade das monarquias europeias,

que estiveram em guerra com a França entre 1792 e 1800. A instabilidade política

e institucional levou à execução do rei, acusado de traição e à instauração da

República, dando início ao período conhecido como o do governo da Convenção

(1792-1795). Após a derrocada do Terror e de Robespiere, sobreveio o período

historicamente conhecido como o do Diretório (1795-1799), no qual se procurou,

sem sucesso, edificar um republicanismo moderado. A fragilidade política desse

governo colegiado e o sucesso militar nas campanhas externas deram ensejo à

ascensão do exército e de seus generais. Coube a um deles, Napoleão Bonaparte,

deflagrar, em novembro de 1799, o golpe de estado conhecido como 18 Brumário,

marco inicial de uma fase decisiva da história francesa e europeia – a era

napoleônica –, na qual ele exerceu o poder como cônsul, ditador e imperador,

sucessivamente, até que a sorte viesse a faltar-lhe no campo de batalha, em 1814,

levando à sua abdicação. (BARROSO, 2011, p.49)

Em decorrência dessa multiplicidade de momentos históricos e das sucessivas formas

de governo, na França, houve a necessidade de se adotar diversas Constituições, ao contrário

do que ocorreu na Inglaterra (ausência total de uma Constituição escrita, dado o modelo

38 Instauração de uma monarquia constitucional parlamentar; a fase da Convenção; a fase do Diretório; e o início da era

napoleônica.

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40

historicista adotado naquele país) e nos Estados Unidos (adoção de uma única Constituição

que vigora até hoje com pouquíssimas emendas).

A segunda Constituição escrita francesa data de 1793 (ano I da proclamação da

República), porém a crise política institucionalizada e as guerras externas impediram que a

Constituição tivesse vigência39

. Em 1795, após Robespiere ser levado à guilhotina, a

Convenção instituiu uma nova Constituição (Constituição do ano III) com a previsão da

criação de um governo colegiado, o Diretório. A perpetuação da crise política e econômica

abriu passagem para que, quatro anos depois, a população, insatisfeita, apoiasse a ascensão de

Napoleão Bonaparte. Então, foi elaborada a Constituição de 1799 (Constituição do ano VIII)

que instituiu o governo sob a forma de consulado, a porta de entrada para reintroduzir uma

monarquia absoluta sob o comando de Napoleão.

Após as sucessivas derrotas nas guerras, em 1812 e 1813, Napoleão é levado a

renunciar e se exila na ilha de Elba, em 1814. No ano seguinte, foge do exílio e retorna ao

poder por um curtíssimo período, pois a derrota na batalha de Waterloo sela o seu exílio

definitivo na ilha de Santa Helena.

Ocorre, então na França, a restauração monárquica e, em 1814 é elaborada uma nova

Constituição que, em 1830 será reformada. Em 1848, inicia-se a Segunda República que, em

1852 se converte em Segundo Império. Após a derrota da França na guerra franco-prussiana,

sobrevém a Constituição de 1875 que institui a Terceira República e perdura até a ocupação

da França pelos alemães na Segunda Guerra Mundial, em 1940. Após o fim da Segunda

Guerra, instituiu-se a Quarta República e, em 1946, foi adotada uma nova Constituição que

não gozou de grande prestígio. Por fim, em 1958, com o início da Quinta República, uma

nova Constituição foi aprovada e vigora até hoje com algumas poucas emendas.

Esse cenário histórico demonstra que o constitucionalismo francês foi marcado por

uma intensa instabilidade política, o que impediu, desde o começo uma consolidação jurídica

por meio da adoção de uma Constituição perene. Ademais, na França, ao contrário dos

Estados Unidos, a Constituição surgiu como um documento sem força normativa; o que

prevalecia eram os atos do parlamento. Até a Segunda Guerra Mundial, foi essa concepção de

39 Eric Hobsbawm (2012, p.121-122) apresenta a Constituição de 1793 com características marcadamente democráticas,

afirmando: “Uma nova Constituição um tanto radicalizada, e até então retardada pela Gironda, foi proclamada. De acordo

com este nobre documento, todavia acadêmico, dava-se ao povo o sufrágio universal, o direito de insurreição, trabalho ou

subsistência, e – o mais significativo – a declaração oficial de que a felicidade de todos era o objetivo do governo e de que os

direitos do povo deveriam ser não somente acessíveis, mas também operantes. Foi a primeira Constituição genuinamente

democrática proclamada por um Estado moderno. Mais concretamente, os jacobinos aboliram sem indenização todos os

direitos feudais remanescentes, aumentaram as oportunidades para o pequeno comprador adquirir as terras confiscadas dos

emigrantes e – alguns meses mais tarde – aboliram a escravidão nas colônias francesas, a fim de estimular os negros de São

Domingos a lutar pela República contra os ingleses.”

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41

Constituição, surgida no constitucionalismo francês, que se irradiou por toda a Europa

continental.

A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão tinha uma

importância apenas simbólica. Lembremos que, somente em 1971, o Conselho Constitucional

Francês reconheceu valor jurídico a essa declaração, afirmando que tanto a Declaração quanto

o preâmbulo da Constituição de 1946, incorporavam-se à Constituição de 1958, em razão de

expressa menção no preâmbulo desta última.

Também não houve a instituição de um Poder Judiciário forte. A jurisdição era

dividida em judicial, cuja cúpula era a Corte de Cassação e administrativa, que tinha a

atribuição de julgar os litígios envolvendo o Estado e o Conselho de Estado como órgão de

cúpula. Na França, sempre foi vedado apreciar os atos do parlamento ou do governo e,

somente com a Constituição de 1958 foi instituído o Conselho Constitucional como um órgão

autorizado a fazer uma verificação prévia e preventiva da conformidade dos atos legislativos

com a Constituição. É importante destacarmos que uma reforma constitucional promovida

pela Lei Constitucional nº 228-724 introduziu a possibilidade de controle de

constitucionalidade após a promulgação e vigência da lei.

2.6.2 Constitucionalismo norte-americano

A partir do século XVII, intensificou-se a migração de colonos ingleses para a

América do Norte. As colônias inicialmente formadas eram leais à coroa britânica, já que

possuíam uma certa autonomia, em razão da possibilidade de eleição de um corpo legislativo

próprio e da existência de um Poder Judiciário independente de Londres.

No entanto, em meados do século XVIII, em razão da imposição às colônias de

restrições à atividade econômica40

e da instituição de impostos41

– sem a participação das

colônias nas decisões que levaram a esses atos42

– a harmonia foi rompida. A coroa britânica

adotou, em represália, atos considerados intoleráveis43

pelos colonos, o que deu ensejo à

convocação do Primeiro Congresso Continental (de 05 de setembro de 1774 a 26 de outubro

de 1774) no qual 12 (doze) das 13 (treze) colônias se reuniram para deliberar sobre o fim dos

40 Estamos nos referindo ao Townshend Acts e ao Tea Act. 41 Como por exemplo, o Stamp Act. 42 O Stamp Act gerou um forte descontentamento entre os colonos e uma desobediência em massa, fundada no fato de que

não havia participação da colônia no parlamento inglês, datando dessa época o surgimento de um dos slogans da revolução:

no taxation without representation. (BARROSO, 2011, p. 37) 43 Implementação de sanções inglesas contra Massachusetts, em razão da Tea Party ocorrida em Boston (quando os colonos

atiraram na baía de Boston chá indiano que estava sendo importado a preços inferiores) e a transferência para o Canadá das

terras ao norte de Ohio.

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entraves ao seu desenvolvimento. O acirramento da tensão entre a metrópole e as colônias

desaguou na guerra da independência. Em 10 de maio de 1775, começou o Segundo

Congresso Continental44

que perdurou até 01 de março de 1781, já após a declaração da

independência45

, quando foram ratificados os Artigos da Confederação (primeiro documento

de governo dos Estados Unidos).

Por meio da aprovação dos Articles of Confederation, surgiu uma confederação entre

as 13 (treze) ex-colônias. Cada nova federação possuía um governo, um Judiciário e uma

moeda própria e nenhuma delas estava preocupada com a taxação dos produtos uns dos

outros. Esse modelo se mostrou frágil, o que tornou necessária a convocação de uma nova

convenção.

Em 01 de março de 1781, reuniu-se o Congresso da Confederação, que permaneceu

operando até 04 de março de 1798, para tornar possível a manutenção da confederação e

corrigir as falhas dos Artigos da Confederação. Houve 10 (dez) sessões do Congresso da

Confederação, com duração média de 06 (seis) meses cada uma, em várias cidades diferentes

das colônias. Na reunião ocorrida entre 25 de maio e 17 de setembro de 1787, na Filadélfia, o

Congresso converteu-se em convenção constitucional e culminou com a elaboração da

primeira Constituição dos Estados Unidos.

Foi, então, elaborada a primeira carta constitucional escrita do mundo moderno,

representando o marco simbólico da conclusão da Revolução Americana e trouxe um

conteúdo inovador representado pelos seguintes avanços:

a) independência das colônias; b) superação do modelo monárquico; c)

implantação de um governo constitucional fundado na separação de Poderes, na

igualdade, na supremacia da lei (rule of the law). Para acomodar a necessidade de

criação de um governo central com o desejo de autonomia dos Estados – que

conservaram seus próprios Poderes e amplas competências – concebeu-se uma

nova forma de organização do Estado, a Federação, que permitiu a convivência

dos dois níveis de poder, federal e estadual. (BARROSO, 2011, p.39)

Em 17 de setembro de 1787, a Constituição já estava pronta para a ratificação por

parte das ex-colônias, o que ocorreu integralmente em 1788. Essa versão original da

Constituição não previa uma declaração de direitos, o que acabou sendo introduzido, por meio

de 10 (dez) emendas constitucionais conhecidas como Bill of Rights, apenas em 1791.

44 Neste Congresso deliberou-se a necessidade de constituição de um exército organizado (sob o comando de George

Washington); da adoção de constituições escritas pelas ex-colônias e designou-se uma comissão para elaborar a declaração

de independência (cujo principal redator foi Thomas Jefferson). (BARROSO, 2011, p.38) 45 Em 04 de julho de 1776, foi assinada pelos membros do Segundo Congresso a Declaração da Independência, cujo principal

redator foi Thomas Jefferson e teve início um processo de elaboração de Constituições próprias para os Estados recém

emancipados do colonialismo inglês.

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43

É interessante notar que a Constituição Americana foi a própria norma fundadora do

novo Estado e passou a fundamentar toda a sua ordem jurídica. Esse mesmo fenômeno não se

deu nos países Europeus, nos quais o Estado era uma instituição prévia à existência de

qualquer documento constitucional. Reflexo direto da importância atribuída à Constituição

norte-americana foi o respeito à ideia de sua rigidez e supremacia, o que, posteriormente,

permitiu instituir o controle de constitucionalidade.

O constitucionalismo norte-americano, apesar de ter decorrido de um movimento

revolucionário, não tinha por fim o rompimento integral e definitivo com a ordem jurídica e

política anterior. O povo46

americano não tinha por objetivo uma reestruturação dos seus

direitos e liberdades, mas pretendia se desvincular de um parlamento dotado de poderes quase

absolutos e que impunha deveres ao povo norte-americano sem representação dos mesmos

nesse parlamento. Os norte-americanos já possuíam a noção de que a falta de uma

Constituição escrita era a causa da ausência de limites ao parlamento inglês e era o que

proporcionava a possibilidade de elaboração de normas em descompasso com o common law.

Havia, pois, a necessidade de se criar uma lei superior à lei do legislador que garantiria

ao povo regras disciplinadoras do exercício do poder e que seriam oponíveis aos governantes,

quando extrapolassem os limites desse documento escrito fundamental.

Nas palavras de Gomes Canotilho (2003, p. 59) “o modelo americano de constituição

assenta na ideia da limitação normativa do domínio político através de uma lei escrita”. A

Constituição norte-americana surgiu, pois, de um “acordo celebrado pelo povo e no seio do

povo a fim de se criar e constituir um ‘governo’ vinculado à lei fundamental”.

(CANOTILHO, 2003, p.59)

Mesmo tendo o constitucionalismo norte-americano derivado de um movimento

revolucionário e que clamou pela existência de limites normativos fixos por meio da

elaboração de um documento escrito, houve uma significativa transmigração ou propagação

do Direito Constitucional inglês para a lei fundamental norte-americana.

O constitucionalismo norte-americano teve origem, em grande parte, no

constitucionalismo inglês, inspirando-se em seus princípios consolidados ao longo dos anos e,

também, sofreu grande influência dos filósofos franceses e suas ideias revolucionárias47

. A

46 Gomes Canotilho (2003, p.58) explica que o constitucionalismo norte-americano se fundou na ideia de “povo” e não de

“Nação” como ocorreu no caso francês. O fato é que os norte-americanos estavam tentando se livrar de um parlamento

omnipotente e não tinha a intenção de transferir essa omnipotência para a figura da nação que tinha intrínseca também a ideia

de participação do governo. Os norte-americanos queriam que o poder constituinte permanecesse com o povo e a

Constituição representaria um momento de decisão do povo. 47 Santi Romano, ao traçar um panorama sobre o surgimento do constitucionalismo, deixa bem claro que a grande origem de

tudo se deu a partir do movimento constitucional inglês, porém ressalta que foram os constitucionalismos francês e norte-

americano responsáveis, não só por difundir os princípios e instituições incorporados do constitucionalismo inglês, mas

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Constituição americana foi muito influenciada pelas ideias contratualistas de Locke e pela

ideia da existência de um Direito natural superior até mesmo às leis do parlamento.

Como a Constituição representava uma lei superior, ou seja, uma lei que deveria

pautar a atuação dos governantes e a elaboração das outras leis, acabou se convertendo em

verdadeiro paradigma de atuação. A partir disto, decorreu o raciocínio de que seria nula

qualquer lei que infringisse as normas Constitucionais, o que possibilitou o surgimento do

controle de constitucionalidade (judicial review) feito pelos juízes, que foram alçados à

categoria de defensores da Constituição e dos direitos e liberdades48

. Ou seja, desde o início,

já havia no constitucionalismo norte-americano a defesa da força normativa e da supremacia

da Constituição que eram asseguradas pelo controle de constitucionalidade.

também por estruturar a base do moderno Direito Público mediante as seguintes inovações: “a) Alguns princípios que se

encontraram no direito inglês tiveram aceitação e desenvolvimento diversos. Por exemplo, aqueles relativos aos direitos

individuais e à divisão de poderes: os direitos individuais não mais foram reconhecidos como simples limitações dos direitos

do soberano e foram atribuídos não apenas aos cidadãos, mas a todos os homens; a divisão dos poderes assumiu uma

importância mais precisa e os caracteres a ele conferidos por Montesquieu. b) Outro princípio importantíssimo que,

formulado nas cartas americanas e francesas, influiu muito sobre o direito público atual é o da ‘soberania nacional’ [...],

princípio este que, certamente não é equivalente ao da soberania do Estado, mas que tem o mérito de haver encaminhado a

este último, subtraindo a soberania, como poder pessoal, seja ao príncipe, seja aos indivíduos, tornando-a um atributo da

‘nação’ inteira, que depois encontrou-se no Estado. c) Finalmente, o direito americano e o francês, e esta tem sido talvez a

sua mais importante influência, têm contribuído para modificar na sua íntima estrutura a própria sociedade, o que era

preliminarmente necessário para que novas instituições políticas pudessem ser instauradas. Dessa maneira dividiram os

agrupamentos humanos em categorias e classes colocadas em posições jurídicas mais ou menos diversas e sobre esta base

proclamaram o princípio da igualdade, que representa a fórmula final e mais sintética daquela profunda transformação.”

(ROMANO, 1977, p.53-54) 48 No Capítulo 4, exporemos de forma mais detalhada o surgimento do controle de constitucionalidade no constitucionalismo

norte-americano.

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3 O CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO49

O Constitucionalismo Contemporâneo não é um novo termo para ideias antigas50

. A

expressão representa uma nova teoria do Direito e do Estado que supera definitivamente os

paradigmas jusnaturalista e positivista, unindo racionalmente Direito e moral representando

um momento evolutivo posterior do constitucionalismo que agrega ideias advindas do pós-

positivismo

Nessa medida, pode-se dizer que o Constitucionalismo Contemporâneo representa

um redimensionamento da práxis político-jurídica, que se dá em dois níveis: no

plano da teoria do Estado e da Constituição, com o advento do Estado

Democrático de Direito, e no plano da teoria do direito, no interior da qual se dá a

reformulação da teoria das fontes (a supremacia da lei cede lugar à onipresença da

Constituição); na teoria da norma (devido à normatividade dos princípios) e na

teoria da interpretação (que, nos termos que proponho, representa uma blindagem

às discricionariedades e aos ativismos). Todas essas conquistas devem ser

pensadas, num primeiro momento, como continuadoras do processo histórico por

meio do qual se desenvolve o constitucionalismo. Com efeito, o

constitucionalismo pode ser concebido como um movimento teórico jurídico-

político em que se busca limitar o exercício do Poder a partir da concepção de

mecanismos aptos a gerar e garantir o exercício da cidadania. (STRECK, 2011,

p.37)

A ideologia do Constitucionalismo Contemporâneo tem como fundamento a

constitucionalização de todo o Direito e traz a noção de “dever ser” em uma realidade muito

mais aproximada ao “ser”. Apresenta-se, pois, não só como uma nova teoria do Direito

Constitucional, que incorpora mudanças advindas das transformações operadas pela pós-

modernidade na sociedade atual, favorece uma visão constitucionalizada do Direito e

proporciona uma nova forma de pensar e praticar o Direito.

49 Convém esclarecer que o debate em torno do Constitucionalismo Contemporâneo ou Neoconstitucionalismo é um

fenômeno que se restringe, em linhas gerais, à Europa e à América Latina. Nos Estados Unidos não houve uma sucessão de

movimentos ou momentos constitucionais. Lá não houve uma ruptura com os paradigmas constitucionais que já estavam

institucionalizados desde os séculos XVIII e XIX. A Constituição norte-americana ainda é a mesma promulgada em 1787 e

sofreu apenas 27 emendas nesses mais de 200 anos de vigência. No sistema norte-americano, o debate constitucional

moderno gira basicamente em torno da amplitude das competências da federação, dos métodos de interpretação

constitucional, do ativismo ou autocontenção da Suprema Corte etc. O debate iniciado na Europa acerca da incompatibilidade

da Teoria do Direito de cunho positivista com o novo constitucionalismo não fez parte das preocupações da doutrina norte-

americana. Como será verificado ao longo do capítulo, várias das marcas características do Constitucionalismo

Contemporâneo já estavam institucionalizadas no ideário dos Estados Unidos desde a época dos Founding Fathers. 50 Lammêgo Bulos entende de forma diversa afirmando que não há nada de novo nas ideias apresentadas por aqueles que se

denominam neoconstitucionalistas e que as supostas características do Neoconstitucionalismo seriam nada mais do que parte

da evolução do Constitucionalismo Contemporâneo, assim, Neoconstitucionalismo seria o Constitucionalismo

Contemporâneo com outro nome e aduz: “não se trata de um movimento e muito menos de uma escola; não agrega, de modo

sistematizado, um corpo coerente de postulados, nem de propostas científicas que venha a acrescer algo, verdadeiramente

novo, àquilo que a humanidade já sabia; trabalha com teses, ideias e descobertas que vêm de priscas eras, mas que

encontraram o seu apogeu na contemporaneidade; seus defensores são chamados de ‘neoconstitucionalistas’, adoram

propagar concepções velhas como se fossem ‘novas’, tomando como suporte constatações do pensamento jusfilosóficos dos

dias correntes.” (BULOS, 2011, p.80-81)

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Esse novo constitucionalismo supera as bases sobre as quais se fundou o positivismo

jurídico, rejeitando as teorias da fonte, da norma e da interpretação em uma perspectiva

clássica. O fato é que a lei deixa de ser considerada a única fonte do Direito a partir do

momento em que é introduzida a noção de princípios. Ademais, o aparecimento dos

princípios evita a descontextualização do Direito e o retira do dualismo positivismo-

jusnaturalismo. Em razão dessa permeabilização do ordenamento jurídico pelos princípios,

torna-se inadequado continuar a aplicar o esquema da subsunção e da relação sujeito-objeto

propostos pelo positivismo.

O Constitucionalismo Contemporâneo é um fenômeno da segunda metade do século

XX e está diretamente associado ao surgimento do Estado Constitucional de Direito. O

desenvolvimento desse novo movimento constitucional é fruto da evolução do pensamento

jurídico e da ciência política ao longo do século XIX e início do século XX, com acentuado

destaque para o pós-Segunda Guerra Mundial, quando a forma de encarar o Direito é

substancialmente modificada.

De forma simplificada51

, podemos afirmar que o Estado já passou por três formas de

organização jurídica: o Estado pré-moderno, o Estado de Direito e o Estado Constitucional.

Na época do Estado pré-moderno, as fontes de produção do Direito eram descentralizadas,

não havia um corpo legislativo responsável pela elaboração de leis e essa função cabia,

principalmente, à jurisprudência, com base na tradição romanística e no Direito natural,

quando vigorava o Direito comum. O constitucionalismo moderno têm suas primeiras

manifestações nesse momento histórico, quando o Direito passou a ser inteiramente

influenciado pelo jusnaturalismo racionalista.

Durante o século XVIII, após as revoluções inglesa, francesa e norte-americana,

ocorre a separação de Poderes e a função de produção do Direito é concentrada, basicamente,

nas mãos dos órgãos legislativos52

. Sob a forte influência do positivismo jurídico e da teoria

clássica do Direito, o Estado legalista impera por muito tempo. A norma legislada, vista como

51 Essa divisão mais simplificada é adotada com base em Luís Roberto Barroso (2011, p.265-267). Já Jorge Miranda (2011,

p.25-46) aponta três formas diversas de evolução das formas de Estado: a) sob uma perspectiva de natureza cultural, ele

divide em períodos correspondentes ao Estado do Renascimento (séculos XV e XVI); ao Estado da Ilustração (séculos XVII

e XVIII) e ao Estado do Romantismo (século XIX); b) sob uma perspectiva mais política e jurídico-positiva, ele divide em

Estado estamental ou da monarquia limitada pelas ordens; Estado absoluto e Estado constitucional, representativo ou de

Direito (sendo que esse último apresenta grandes variações e complexidade a partir do século XX, o que não permite uma

classificação mais uniforme, em razão da existência de contradição no que toca às opções e valores dos Estados nesse

século); c) sob uma perspectiva mais complexa, que liga Direito, política e economia, ele divide em Estado de poder

soberano dentro do sistema europeu de Estados; Estado comercial relativamente fechado e com sociedade e economia

capitalista burguesa; Estado liberal e constitucional; e Estado nacional que, simultaneamente, abrange todas estas tendências,

mas com uma tendência democrática. 52 Especialmente na França, e em outros países europeus fortemente influenciados pela tradição francesa. Já na Inglaterra e

nos Estados Unidos, o Direito passa a ser objeto de elaboração do Poder legislativo, mas também continua a ser um produto

do common law.

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a expressão da vontade geral, é o centro do ordenamento jurídico, conferindo unidade e

estabilidade ao Direito. A validade da norma jurídica estava associada apenas ao seu aspecto

formal. No século XIX, tem início a era das codificações, fortemente influenciada pelo

pensamento positivista que defendia a completude e a autossuficiência do Direito como uma

ciência.

O fato é que a dogmática jurídica permaneceu distanciada da filosofia jurídica e essa

ausência de reflexão acerca do papel do Direito, dos seus fundamentos de legitimidade e da

necessidade de reconhecer a influência de fatores externos no estudo jurídico lançam as bases

para a prevalência, por mais de três séculos, das características do Direito em sua perspectiva

clássica, quais sejam: a) existência de caráter científico; b) emprego da lógica formal (daí

porque a interpretação jurídica se restringia ao método de subsunção dos fatos à norma); c)

pretensão de completude (eventuais lacunas deveriam ser resolvidas pela aplicação dos

costumes, pela analogia e pelos princípios gerais); d) pureza científica (que pretendia

desvincular o Direito da influência de outras ciências); e) racionalidade da lei e neutralidade

do intérprete.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a constatação de que o apego à legalidade

exacerbada permitiu atrocidades nazistas e fascistas, percebeu-se que o Direito deveria se

reaproximar da moral e que a lei precisava apresentar um conteúdo valorativo para se

legitimar como Direito. Esses valores compartilhados socialmente estavam imbuídos nas

Constituições dos Estados que, com algumas exceções53

, na época, eram consideradas apenas

um documento simbólico, uma carta de intenções. Inicia-se aí a ideia da necessidade de

verificar a compatibilidade das leis com as normas constitucionais.

É importante observarmos que a evolução da teoria do Direito, da forma de pensar o

Direito foi acompanhada sempre pela evolução da forma de pensar também o Direito

Constitucional. Ao mesmo tempo em que se introduzia na sociedade contemporânea os

paradigmas do pensamento pós-positivista (que viriam a superar a teoria clássica do Direito)

também emergia um novo Direito Constitucional que se utilizava justamente dessas premissas

pós-positivistas para se desenvolver.

Essa crise dos conceitos solidificados na era moderna fez emergir uma nova forma de

se encarar o Direito e, especialmente, o Direito Constitucional, que se transforma na base de

toda a ciência jurídica. A Constituição começa a fundamentar e se torna a essência de todo o

ordenamento jurídico. Há uma constitucionalização do Direito.

53 Constituição dos Estados Unidos que, desde o início, foi considerada um parâmetro de validade das normas legais. Ver

Capítulo 1, tópico 1.6.2.

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Nessa época, o Estado constitucional passa a ser também democrático e a possuir uma

abertura radicada no princípio da dignidade humana. A dignidade humana tem uma expansão

ilimitada, sendo sempre passível de modificação ao longo da história, dessa forma, a

Constituição começou a ser encarada como um documento aberto às influências de uma

sociedade plural e democrática.

É relevante notarmos que o próprio conceito de democracia apresenta uma perspectiva

formal – que está ligada à ideia de governo da maioria e de respeito aos direitos individuais –

e uma material, que significa mais que o governo da maioria, pois está associada à ideia de

inclusão participativa dos grupos minoritários e de menor expressão política. Para dar forma a

uma democracia em sentido material, o Estado precisa, além de respeitar os direitos

individuais, promover direitos fundamentais de conteúdo social necessários à constituição de

uma sociedade minimamente igualitária, na qual as pessoas vivam dignamente e efetivamente

livres.54

Nesse sentido,

A construção do Estado constitucional de direito ou Estado constitucional

democrático, no curso do século XX, envolveu debates teóricos e filosóficos

intensos acerca da dimensão formal e substantiva de dois conceitos centrais

envolvidos: Estado de direito e democracia. Quanto ao Estado de direito, é certo

que, em sentido formal, é possível afirmar a sua vigência pela simples existência

de algum tipo de ordem legal cujos preceitos materiais e procedimentais sejam

observados tanto pelos órgãos de poder quanto pelos particulares. Este sentido

mais fraco do conceito corresponde, segundo a doutrina, à noção de Rechtsstaat,

flexível o suficiente para abrigar Estados autoritários e mesmo totalitários que

sigam alguns tipo de legalidade. Todavia, em uma visão substantiva do fenômeno,

não é possível ignorar a origem e o conteúdo da legalidade em questão, isto é, sua

legitimidade e sua justiça. Esta perspectiva é que se encontra subjacente ao

conceito anglo-saxão de rule of the law e que se procurou incorporar à ideia latina

contemporânea de Estado de direito, État de droit, Stato di diritto. (BARROSO,

2011, p.63)

O surgimento do Constitucionalismo Contemporâneo, portanto, se dá no mesmo

momento em que são superados os estandartes da Teoria Clássica do Direito55

. O positivismo

jurídico e a sua lógica de validade formal das leis já não é compatível com os valores que se

desenvolvem nessa sociedade pós-guerra. Há uma necessidade crescente de reaproximar o

Direito e a ética. A Filosofia do Direito e a Sociologia do Direito começam a ser vistas não

54 Para Luís Roberto Barroso “O constitucionalismo democrático, ao final da primeira década do século XXI, ainda debate

com as complexidades da conciliação entre soberania popular e direitos fundamentais. Entre governo da maioria e vida digna

e em liberdade para todos, em um ambiente de justiça, pluralismo e diversidade. Este continua a ser, ainda, um bom projeto

para o milênio.” (BARROSO, 2011, p.64) 55 Podemos apontar como características principais da Teoria Clássica do Direito, fruto do pensamento positivista do século

XIX: a) a defesa de um caráter científico da ciência jurídica; b) o emprego da lógica exclusivamente formal, fazendo com que

a interpretação jurídica se restringisse ao método de subsunção dos fatos à norma; c) pretensão de completude da lei, razão

pela qual eventuais lacunas deveriam ser resolvidas pela aplicação dos costumes, pela analogia e pelos princípios gerais; d)

pureza científica do estudo jurídico, pregando a necessidade de desvincular o Direito da influência de outras ciências; e)

racionalidade da lei e neutralidade do intérprete

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mais como temas estranhos à ciência jurídica e de natureza quase metafísica, mas sim, como

disciplinas integrantes do estudo jurídico56

.

A superação histórica do jusnaturalismo, a decadência política do positivismo, o

surgimento de um pensamento pós-positivistas – que, apesar de não ter uniformidade

dogmática, propõe uma nova forma de pensar o Direito, reaproximando-o da necessidade de

adequá-lo a valores éticos – associado à influência da Teoria Crítica do Direito57

, constituíram

o pano de fundo filosófico ideal para se desenvolver essa nova forma de pensar o Direito

Constitucional.

Esse novo constitucionalismo é impulsionado por vários fatores. Entre os mais

significativos estão a derrocada do legiscentrismo baseado na supremacia do parlamento, a

pós-modernidade, a superação do positivismo clássico e a centralidade dos direitos

fundamentais, a diferenciação qualitativa entre princípios e regras. O Constitucionalismo

Contemporâneo emerge como um novo paradigma que revisa as teorias da norma, da

interpretação e das fontes, superando o positivismo e integrando, de forma útil e inovadora,

uma série de transformações teóricas e práticas no campo da ciência jurídica58

.

É importante notarmos que o Constitucionalismo Contemporâneo, na medida em que

incorpora valores morais, não pode ser considerado uma teoria universal do Direito, pois

pressupõe a existência de um Estado democrático e Constituições rígidas que contenham um

rol vinculativo e irretroativo de direitos fundamentais. Assim, ao contrário do positivismo –

56 Essa mudança de paradigma se dá, principalmente, em decorrência da influência da Teoria Crítica do Direito, segundo a

qual o Direito não é puro, nem autossuficiente e nem completo, ao contrário, deve buscar interação com outras ciências e

deve tirar inspiração da realidade (sociologia do Direito) e das bases legitimatórias que possibilitam um estudo crítico

(Filosofia do Direito). 57 Em meados do século XX, ganha força a Teoria Crítica do Direito que questiona as premissas do pensamento clássico

(cientificidade, objetividade, neutralidade, estatalidade, completude etc.) e tem por base a ideia de que o Direito não está

imune a ser contaminado pelas opiniões e preconceitos do intérprete, dada a interação necessária entre sujeito e objeto do

conhecimento. A Teoria Crítica dá ênfase ao caráter ideológico do Direito e o trata como “o acessório normativo da

hegemonia de classe” (BARROSO, 2011, p.253). Para a Teoria Crítica, o Direito não é puro, nem autossuficiente e nem

completo, ao contrário, deve buscar interação com outras ciências e deve tirar inspiração da realidade (sociologia do Direito)

e das bases legitimatórias que possibilitam um estudo crítico (Filosofia do Direito). Para a Teoria Crítica seria possível,

inclusive, afirmar que o Direito não se encontra apenas na lei e que poderia existir independentemente de positivação. Essa

Teoria Crítica do Direito teve expressão em diversos países, nas décadas de 70 e 80: na França com a Critique du Droit; nos

Estados Unidos, com a Critical Legal Studies – ambas de forte influência marxista – e na Alemanha com a Escola de

Frankfurt, que foi responsável por questionar a separação entre Direito e ética e por elaborar duas categorias críticas – a

ideologia e a práxis – e por idealizar a existência de duas razões – instrumental e crítica. No Brasil, essa teoria ganhou a

simpatia da esquerda oposicionista, porém foi abafada pela forte pressão do regime militar então vigente. Mesmo tendo

ficado restrita a algumas escolas, essa teoria contribuiu significativamente para fazer surgir uma geração “menos dogmática,

mais permeável a outros conhecimentos teóricos e sem os mesmos compromissos com o status quo.” (BARROSO, 2011, p.

256). É relevante, ainda, apontar que Marilena Chauí (apud BARROSO, 2011, p.254) explica em que consiste a razão crítica

afirmando que “Os filósofos da Teoria Crítica consideraram que existem, na verdade, duas modalidades de razão: a razão

instrumental ou razão técnico-científica, que está a serviço da exploração e da dominação, da opressão e da violência, e a

razão crítica ou filosófica, que reflete sobre as contradições e os conflitos sociais e políticos e se apresenta como uma força

libertadora”. 58 Écio Oto Duarte (2010, p.64 e seguintes) também registra uma série de propriedades e teses atribuíveis ao paradigma

neoconstitucionalista: a) pragmatismo; b) ecletismo (sincretismo) metodológico; c) judicialismo ético-jurídico; d)

interpretativismo moral-constitucional; d) pós-positivismo; e) juízo de ponderação; f) especificidade interpretativa; g)

ampliação do conteúdo da Grundnorm; e h) conceito não positivista de Direito.

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que se pretendia universal, por não incorporar concepções morais – o Constitucionalismo

Contemporâneo convive com ordenamentos jurídicos de países que não adotam as premissas

desse sistema. Ademais, o Constitucionalismo Contemporâneo não se pretende perene, pois

só vai perdurar enquanto as concepções morais dominantes que lhe dão subsídio se

mantiverem.

Nesse contexto, Direito Constitucional e Filosofia do Direito se integram no marco do

Constitucionalismo Contemporâneo para servirem como base a uma nova teoria do Estado

fundada no pensamento constitucional. Segundo Eduardo Ribeiro Moreira,

uma boa definição para Neoconstitucionalismo é entendê-lo como o paradigma

jurídico, que tem como centro a Constituição e, a partir da mesma, repensa a

Teoria do Direito, a Teoria do Estado e a Filosofia do Direito, suplantando o

positivismo com ênfase na reaproximação entre o Direito e a moral e, percorrendo

as transformações teóricas e práticas, orienta o Estado democrático de Direito.

(MOREIRA, 2006, p.25)

O autor argumenta também que o Constitucionalismo Contemporâneo é uma teoria

que “se enquadra em (1) um Estado em busca de transformação: (2) por meios racionais de

correção e (3) em torno de uma identidade própria de Constituição” (MOREIRA, 2006, p.

32). Esses meios racionais de correção são concretizados por meio da argumentação jurídica:

A estrutura do Neoconstitucionalismo é construtivista, racional e argumentativa,

esses fatores podem ser considerados os pontos da inebilidade os pontos de partida

jusfilosóficos. É nesse ponto que começa a se traçar a essência do

Neoconstitucionalismo: uma Teoria do Direito preocupada em transformar o que

não deve ser e com a pretensão de corrigir aquilo que racionalmente pode ser

aperfeiçoado. Nesses dois termos, o Neoconstitucionalismo como filosofia é

essencialmente voltado para a pretensão de correção e para a transformação.

(MOREIRA, 2006, p.20)

Verificamos portanto que a pretensão de corrigir e transformar somente seriam

possíveis pela reaproximação entre o Direito e a moral conjugados pela racionalidade prática;

esses dois aspectos (reaproximação entre Direito e moral e racionalidade prática) seriam o

marco filosófico do Constitucionalismo Contemporâneo englobados pelo pós-positivismo.

Para Afonso Figueroa, Antonio Maia e Sastre Ariza, o Constitucionalismo

Contemporâneo é um novo paradigma do Direito

que se afirma não somente como a nova Teoria do Direito, mas também como a

nova Filosofia do Direito e uma proposta em desenvolvimento de uma futura

Teoria do Estado, o que representa em última análise, um novo contrato social,

advindo da prática jurídica e mais precisamente do sucesso que a ordem

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constitucional alcançou em alguns países, como a Alemanha, os Estados Unidos e

mais recentemente a Espanha. (apud MOREIRA, 2006, p.38)

Apesar da inexistência de uniformidade teórica em torno do pós-positivismo, costuma-

se afirmar que se trata de um movimento que alçou os princípios à categoria de norma jurídica

vinculante e que reconheceu a diferença qualitativa entre princípios e regras. Além disso, o

pós-positivismo retoma a importância da argumentação jurídica fundada na razão prática59

; vê

surgir uma nova hermenêutica jurídica e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos

fundamentais baseada na dignidade da pessoa humana.

Podemos afirmar, assim, que o Constitucionalismo Contemporâneo, não obstante a

existência de grande diversidade doutrinária, caracteriza-se, essencialmente, por ser o mais

recente movimento (ou momento) constitucionalista que está fundado sob uma base

democrática e pluralista e se desenvolve a partir de uma filosofia pós-positivista que pretende

preservar a ideia da força normativa da Constituição, expandir a atuação da Justiça

Constitucional e continuar desenvolvendo uma hermenêutica constitucional compatível com a

necessidade de concretização efetiva das normas constitucionais e da garantia dos direitos

fundamentais.

Observamos, finalmente, que o Constitucionalismo Contemporâneo também exerce

uma forte influência sobre a doutrina brasileira, especialmente, a partir da promulgação da

Constituição da República de 1988.

No Brasil, antes de surgir a ideia de Constitucionalismo Contemporâneo, já havia um

movimento doutrinário defensor da efetividade das normas constitucionais e que tinha por

base três paradigmas que necessitavam ser adotados pela doutrina nacional: a) no plano

jurídico, deveria ser atribuído uma normatividade plena à Constituição, dotada de

aplicabilidade direta e imediata, e fonte de direitos e obrigações; b) no plano científico, havia

a necessidade de reconhecer ao Direito Constitucional um objeto próprio e autônomo,

retirando-o da categoria de integrante do discurso político ou sociológico; c) no plano

institucional, haveria uma valorização do Poder Judiciário, que passaria a ter um papel mais

relevante na concretização dos valores constitucionais. Essa escola de pensamento lançou,

59 Segundo Luís Roberto Barroso, a ideia de razão prática está ligada à obra de Kant e representa “um uso da razão voltado

para o estabelecimento de padrões racionais para a ação humana” (BARROSO, 2011, p.271). A razão prática, portanto,

estaria contraposta à razão teórica, visto que, enquanto esta se limita ao conhecimento objetivo, descritivo, do Direito, aquela

dá possibilidade de fundamentação racional de princípios de moralidade e justiça. Assim, o “pós-positivismo, ao reabilitar o

uso prático da razão na metodologia jurídica, propõe justamente a possibilidade de se definir racionalmente a norma do caso

concreto através de artifícios racionais construtivos, que não se limitam à mera atividade de conhecer os textos normativos”.

(BARROSO, 2011, p.271)

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ainda sob a égide do positivismo, os auspícios de uma futura teoria do Constitucionalismo

Contemporâneo.

Não obstante, Luís Roberto Barroso (2011, p.247-248) afirma que foi o pensamento

positivista o grande responsável por impulsionar, no Brasil, o movimento de efetividade das

normas constitucionais, pois não reduziu o Direito à norma, mas sim, elevou o Direito

Constitucional à condição normativa. Sem essa forte contribuição positivista, as normas

Constitucionais ainda seriam desprovidas de normatividade e de imperatividade de

cumprimento e da sua qualidade de documento conformador do restante do ordenamento

jurídico.

O fato de o positivismo ter influenciado fortemente a ideia de “Direito Constitucional

como norma jurídica” não impediu, porém, o florescimento, em terras nacionais, das

doutrinas pós-positivistas, voltadas à fundamentalidade material da norma, que permitiu o

desenvolvimento do Constitucionalismo Contemporâneo e da teoria dos direitos e garantias

fundamentais.

Hoje, a ideia de efetividade da Constituição e a força irradiante e conformadora das

normas constitucionais já faz parte da pré-compreensão dos juristas brasileiros, podendo-se

afirmar que “Em menos de uma geração, o Direito Constitucional brasileiro passou da

desimportância ao apogeu, tornando-se o centro formal, material e axiológico do sistema

jurídico” (BARROSO, 2011, p.248).

Verificamos, portanto, que o Constitucionalismo Contemporâneo é um fenômeno

relativamente recente e, deste modo, não apresenta ainda uma sistematização dogmática

definitiva. Posteriormente, apresentaremos mais detalhadamente o seu desenvolvimento para

expor as mudanças paradigmáticas que se desencadearam e entender as principais

características desse novo momento constitucional.

3.1 Marco histórico

O marco histórico para o surgimento do Constitucionalismo Contemporâneo é variável

a depender do Estado de que se trata, porém, podemos afirmar que coincidiu com os

processos de redemocratização e reconstitucionalização paulatinos ocorridos ao longo do

século XX.

Foi na Europa continental o início do Constitucionalismo Contemporâneo. O Direito

Constitucional europeu, ressurgido após a Segunda Guerra Mundial, estava traumatizado pelo

sangrento período marcado pelas atrocidades cometidas sob o manto da legalidade dos

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regimes totalitários. Diante disso, o processo de reconstitucionalização esteve, desde o início,

atento às necessidades de reaproximar o Direito e a moral (juízos de valores e éticos cuja

fonte natural é a Constituição) e de implantar uma nova forma de organização política: a

democrática.

A adoção pela Alemanha, em 1949, da Lei Fundamental de Bonn e a instalação do

Tribunal Constitucional Federal, em 1951, foram as principais referências no

desenvolvimento do novo Direito Constitucional que, a partir desse marco, ganhou ascensão

científica nos países de tradição romano-germânica.

A Lei Fundamental alemã previu diversos direitos e garantias fundamentais60

logo em

seus artigos iniciais e, em seu art. 1º, garantiu o respeito e a inviolabilidade da dignidade da

pessoa humana. A Constituição alemã pode ser considerada rígida, pois possui uma forma

mais difícil para a aprovação de emendas e considera cláusulas pétreas a divisão da Federação

em Estados, a participação dos Estados na produção legislativa federal e os direitos e

garantias fundamentais. Ademais, o controle de constitucionalidade das leis frente às normas

constitucionais deve ser feito pelo Tribunal Constitucional Federal, o que demonstra

claramente a opção por um sistema que confere força normativa e supremacia às normas

constitucionais.

Em seguida, merece destaque, como parte desse processo de constitucionalização do

Direito, a Constituição italiana de 1947 e a instalação da Corte Constitucional italiana, em

1956. A redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal e da Espanha somente se

deram na década de 70, respectivamente, em 1976 e 1978, o que proporcionou criar novos

Tribunais Constitucionais e incrementar o debate constitucional, nos mesmos moldes do que

ocorria na Alemanha.

Nesse momento inicial, a principal característica do novo constitucionalismo europeu

foi reconhecer força normativa e supremacia às normas constitucionais que, não mais seriam

vistas como meramente políticas, não vinculantes, cuja implementação dependeria da

discricionariedade legislativa ou administrativa. Acrescentamos ainda, o fato de que a

instituição de Tribunais Constitucionais possibilitou adotar a Constituição como um

parâmetro de validade e legitimidade das normas ordinárias.

Ocorreu, assim, o fenômeno da constitucionalização do Direito, pois a influência das

normas constitucionais espalhou-se por todos os campos do conhecimento jurídico. Tudo

60 Luís Roberto Barroso aponta que, mesmo não tendo sido expressamente previsto na Lei Fundamental de Bonn a existência

de direitos sociais, eles são admitidos com base na cláusula do Estado Social, aliada à eficácia irradiante dos direitos

fundamentais e à teoria dos deveres de proteção. (BARROSO, 2011, p.57-58)

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passou a ser observado sob a ótica constitucional e adequado aos princípios e objetivos da

Constituição. Eduardo Ribeiro Moreira aponta que essa constitucionalização do Direito se dá

sob três perspectivas diferentes:

(a) legislativa (produção e renovação das leis a partir de diretrizes constitucionais);

(b) judicial ( a decisão leva, sempre em conta, as normas constitucionais, em

especial os princípios fundamentais) e (c) em um nível ainda não alcançado por

aqui, de conscientização da sociedade civil dos valores e metas traçados na

Constituição (nível político social). (MOREIRA, 2006, p.32)

No Brasil, apenas com a Constituição de 1988 teve início o processo de

redemocratização e reconstitucionalização do Estado e, assim, somente há 20 anos começou o

desenvolvimento do Constitucionalismo Contemporâneo no país.

3.2 Marco Filosófico

O marco filosófico do Direito Constitucional contemporâneo é o pós-positivismo61

.

Antes de analisarmos essa relevante corrente filosófica, no entanto, faremos uma breve

análise dos dois modelos de pensamento que o antecederam: o jusnaturalismo e o positivismo

jurídico.

3.2.1 Ascensão e decadência do Direito natural

Diz-se que o jusnaturalismo tem sua origem na Grécia antiga, onde Platão já se referia

à existência de uma justiça inata, universal e necessária. Essa ideia estoicista de uma lei

universal racional e imanente foi divulgada na Roma antiga por Cícero que, segundo Guido

Fassò (1998, p.656), afirmou haver “uma lei ‘verdadeira’, conforme à razão, imutável e

eterna, que não muda com os países e com os tempos e que o homem não pode violar sem

61 Convém esclarecer que para a finalidade deste estudo adotamos a posição de que o Constitucionalismo Contemporâneo é

um fenômeno mais abrangente do que o pós-positivismo jurídico, tanto é que este foi tratado apenas como o marco filosófico

daquele. O fato é que o pós-positivismo tem um enfoque mais voltado para questões estritamente jurídicas e para a aplicação

do Direito. No pós-positivismo há espaço para o desenvolvimento de questões filosófico-jurídicas envolvendo a interação

entre o Direito e a moral. O Constitucionalismo Contemporâneo, por sua vez, é mais abrangente e, além de envolver a

interação entre Direito e moral, acrescenta a interação política no âmbito do jurídico. Isso permite que o Constitucionalismo

Contemporâneo seja visto, conforme defende Eduardo Ribeiro Moreira (2006, p.63-76) não só como uma Teoria do Direito e

da filosofia jurídica – o pós-positivismo é passível de ser enquadrado também como Teoria do Direito e da filosofia jurídica –

mas também como uma Teoria do Estado, pois a Constituição, no marco do Constitucionalismo Contemporâneo, tem uma

força expansiva, irradiante e conformadora tão intensa que irá abranger as reflexões não só em torno da aplicação do Direito,

mas também em torno de sua criação. Assim, não só o intérprete e aplicador, mas também o legislador e o administrador

estarão vinculados aos preceitos constitucionais e toda a elaboração normativa e cada eleição de política pública deverá estar

voltada à observância e concretização constitucional em toda a sua materialidade. O Constitucionalismo Contemporâneo,

portanto, pode promover uma reorganização do Estado Constitucional com base em seus paradigmas e mediante o

comprometimento com desenvolvimento democrático.

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renegar a própria natureza humana”. Essa ideia de que existe em todas as sociedades um

conjunto de valores, princípios e pretensões humanas que não decorrem de nenhuma norma

imposta pelo Estado acompanha o conceito de Direito desde a Antiguidade clássica e

permaneceu viva durante a Idade Média, especialmente por meio da obra de Tomás de

Aquino62

.

O jusnaturalismo traz em si o pensamento segundo o qual existiria um Direito natural,

composto por normas superiores às estatais e que seriam legitimadas pela ideia de justiça e

ética. Esses valores superiores limitariam essa normatividade estatal. Luís Roberto Barroso

(2011, p.258) aponta que “A despeito das múltiplas variantes, o Direito natural apresenta-se,

fundamentalmente, em duas versões: a) de uma lei estabelecida pela vontade de Deus; b) a de

uma lei ditada pela razão.” Já para Guido Fassò seriam três as versões pela qual se apresenta o

jusnaturalismo:

Na história da filosofia jurídico-política, aparecem pelo menos três versões

fundamentais, também com suas variantes: a de uma lei estabelecida por vontade

da divindade e por esta revelada aos homens; a de uma lei "natural" em sentido

estrito, fisicamente conatural a todos os seres animados à guisa de instinto;

finalmente, a de uma lei ditada pela razão, específica portanto do homem que a

encontra autonomamente dentro de si. Todas partilham, porém, da ideia comum de

um sistema de normas logicamente anteriores e eticamente superiores às do

Estado, a cujo poder fixam um limite intransponível: as normas jurídicas e a

atividade política dos Estados, das sociedades e dos indivíduos que se oponham ao

direito natural, qualquer que seja o modo como for concebido, são consideradas

pelas doutrinas jusnaturalistas como ilegítimas, podendo ser desobedecidas pelos

cidadãos. (FASSÒ, 1998, p.656)

Foi com o Renascimento e, em seguida com o Iluminismo63

, que o Direito natural

deixou de estar estritamente ligado à ideia de uma lei superior estabelecida pela vontade de

62 Guido Fassò retrata que “O Jusnaturalismo de Santo Tomás é de grande importância histórica, porque constitui, conquanto

nem sempre perfeita e univocamente entendido, a base do Jusnaturalismo católico. Tornando tradicional, ele foi e é ainda,

embora não tenha sido nunca declarado pela Igreja matéria de fé, o centro da doutrina moral e jurídico-política católica.

Contudo, dentro da teologia da tardia Idade Média, ele foi asperamente impugnado pelas correntes voluntaristas, que tiveram

seu maior expoente em Guilherme de Occam (século XIV). Para estas correntes, o Direito Natural é, sem dúvida, ditado pela

razão, mas a razão não é senão o meio que notifica ao homem a vontade de Deus, que pode, por conseguinte, modificar o

Direito Natural a seu arbítrio. Uma tese que foi reassumida e desenvolvida, no início, pela Reforma Protestante. Do

Jusnaturalismo de Santo Tomás tem sido muitas vezes invocado o princípio (que na realidade fora enunciado por Santo

Agostinho e que Santo Tomás aceitou com fortes limitações e reservas) de que uma lei positiva, diversa do Direito Natural e,

por isso, injusta, não é uma verdadeira lei e não obriga. Tal princípio, muito além das intenções de Santo Tomás, foi muitas

vezes alegado para contestar a validade das leis do Estado, quando este se opunha à Igreja; e há juristas e políticos católicos

que ainda hoje o invocam.”(FASSÒ, 1998, p.657) 63 Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina ser o Iluminismo uma Teoria que “concebe o homem como indivíduo, ou seja,

como um ser individualizado, com vida e direitos próprios, que não se confunde com a coletividade, nem se funde nesta. Este

indivíduo é eminentemente racional, determina sua vontade por uma razão que não aceita senão o que lhe pode ser

demonstrado. Razão, portanto, que rejeita o preconceito, isto é, tudo aquilo que não pode ser explicado objetivamente. Tal

indivíduo racional vive num mundo governado em última instância por uma natureza boa e providente. Desta natureza

resultam leis (naturais) que conduzem à melhor das situações possíveis, desde que não embaraçadas. Visam à felicidade que

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Deus e passou a se ligar à concepção de que esses valores superiores seriam determinados

pela racionalidade humana. Hugo Grócio64

foi quem primeiro desenvolveu a tese de que o

Direito ditado pela razão seria independente da vontade de Deus e, inclusive, da sua própria

existência, afirmação essa que foi acolhida entusiasticamente pelos iluministas, defensores de

uma cultura laica e antiteleológica. (FASSÒ, 1998, p.657) O Iluminismo, ligado ao

antropocentrismo e ao individualismo, pregava a necessária separação entre os campos da fé e

da ciência, pois somente por meio da razão o homem poderia alcançar o verdadeiro

conhecimento.

A crença na existência de direitos naturais e em princípios de justiça universalmente

válidos, juntamente com as ideias iluministas, serviu de base filosófica para a eclosão da

Revolução Francesa e para a independência norte-americana, o que impulsionou o surgimento

do Estado Liberal e de Direito. A Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e a

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) estão impregnadas de ideias

jusnaturalista, pois afirmam explicitamente a existência de direitos inalienáveis e inerentes a

todos os homens.

Assim, o Direito natural esteve, juntamente com o Iluminismo e o contratualismo, na

base do constitucionalismo moderno que marcou a transição dos governos absolutistas para os

Estados liberais, mediante a institucionalização da organização e limitação do poder político e

da previsão de direitos e garantias individuais (direitos inerentes a todos os homens pelo

simples fato de o serem).

A consolidação do Estado Liberal e de Direito e do constitucionalismo moderno se

deu por meio da adoção de documentos escritos de cunho constitucional e não constitucional

que visavam à clareza, a unidade e a simplificação dos postulados jurídicos. No plano

constitucional, foram adotadas Constituições escritas e, no plano não constitucional, deu-se

início à era das codificações, cujo maior expoente foi o Código Civil francês de 1804 (Código

Napoleônico).

O que os iluministas pretendiam com as codificações era justamente consolidar em

documentos escritos, de forma orgânica e sistematizada, o Direito natural. Pretendia-se a

completa identificação entre o Direito e a lei. Nesse sentido, Guido Fassò observa que a

realidade jurídica da era moderna

é o objetivo do homem. Objetivo a ser realizado na Terra e não no Céu como era o caso da salvação eterna, meta proposta

para o homem pelo Cristianismo.” (FERREIRA FILHO, 2009, p. 6) 64 Hugo Grócio é também o precursor nos estudos de Direito Internacional, pois defendeu que o Direito natural seria o

fundamento de um Direito a ser reconhecido como válido por todos os povos. (FASSÒ, 1998, p.657)

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se caracterizava por um grave estado de confusão e de incerteza, provocado pela

crise do direito então vigente, o direito chamado “comum”, ou seja, o direito

romano justiniano, modificado e complicado através dos séculos pelo concurso de

outras variadíssimas fontes de normas jurídicas, e agora praticamente impossível

de ser conhecido com segurança. Sentia-se, por isso, uma forte necessidade de

reformas legislativas que dessem ao direito principalmente certeza; o

Jusnaturalismo, com a sua teoria de um direito absoluta e universalmente válido,

porque ditado pela razão, era capaz de oferecer as bases doutrinais para uma

reforma racional da legislação. Parecia que o problema da reforma consistia em

converter em normas positivas as normas do direito natural, que se haviam de pôr

em prática de uma vez para sempre. Foi este o propósito das codificações que

tiveram lugar (destacamos a prussiana e a francesa pela sua particular importância)

entre o fim do século XVIII e inícios do XIX, embora, na realidade, os

codificadores levassem em conta, além do direito natural, o direito vigente,

buscando dar a este uma sistematização racional que o aproximasse do modelo

jusnaturalista. (FASSÒ, 1998, p.659)

Apontamos, portanto, que o auge do jusnaturalismo – a consolidação de seus ideais em

documentos escritos de cunho constitucional e não constitucional, trazendo transparência,

organicidade e unidade aos direitos – foi também a causa de seu declínio, visto que a

codificação gerou um grande apego ao texto das normas escritas, positivadas, que seriam,

supostamente, completas e autossuficientes.

Surge, nesse contexto, a Escola da Exegese que, considerando as codificações

instrumentos completos e autossuficientes, pregou o apego exacerbado ao texto da norma e à

interpretação estritamente gramatical, objetiva e neutra. Não se admitia a existência de Direito

fora dos códigos e foi considerado ilegítimo utilizar princípios ou normas extrínsecas ao

sistema do Direito positivo. Em alguns ordenamentos65

, nem mesmo em caso de lacuna na lei

se poderia recorrer ao Direito natural. Toda a solução deveria ser encontrada no ordenamento

positivo.

O jusnaturalismo é, então, historicamente superado66

pelo positivismo jurídico e,

durante algum tempo, o termo jusnaturalismo foi utilizado de forma depreciativa para indicar

tudo aquilo desprovido de fundamento científico e, portanto, de juridicidade.

3.2.2 Ascensão e decadência do positivismo

O nome positivismo surgiu em 1830, na Escola do socialismo utópico de Saint-Simon

(1760-1825). Posteriormente, difundiu-se por meio das ideias de Augusto Comte, considerado

65 Código Austríaco de 1811. 66 Alguns autores apontam que, após a Segunda Guerra mundial, o Direito natural exsurge como “dique e limite ao poder do

Estado” (FASSÒ, 1998, p.659). Essa nova doutrina do Direito natural ressurge modificada, pois o pensamento jusnaturalista

passa a admitir que os direitos naturais não eram imutáveis, mas sim imanentes ao momento histórico vivido pela sociedade

(FASSÒ, 1998, p.660).

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o precursor do movimento, especialmente na França (BULOS, 2011, p.73). Augusto Comte

afirmou que o conhecimento humano havia atravessado três estágios históricos: o teológico, o

metafísico e ingressara no estágio positivo ou científico (apud BARROSO, 2011, p.261).

É importante notarmos que o positivismo foi uma filosofia que permeou a ideologia de

todas as ciência sociais, não só a jurídica, pois somente as áreas do pensamento passíveis de

serem apreendidas pelos métodos das ciências naturais eram consideradas verdadeiro

conhecimento. Havia uma crença irrestrita na ciência e nos métodos científicos. Sempre

proclamando a importância dos métodos experimentais e ressaltando as limitações da filosofia

racionalista, os positivistas acabaram obtendo prestígio mundial nas mais diversas áreas do

conhecimento.

O conhecimento científico, portanto, passou a ser o único relevante e não estava aberto

às questões teológicas ou metafísicas ou à influência de princípios abstratos e não passíveis de

demonstração cientifica. O método de investigação descritivo era o único respeitado e aceito

para todas as ciências, inclusive as sociais, visto que o conhecimento científico é objetivo e o

objeto de estudo deveria ser preservado de opiniões e preconceitos do sujeito.

Nesse passo, o positivismo jurídico surge, como um momento posterior, de superação

histórica do jusnaturalismo. Trata-se de uma escola filosófica baseada na crença de que o

pensamento jurídico deveria ser regido pelas mesmas leis naturais. Havia uma pretensão de

cientificidade universal. As mesmas leis de investigação científica das ciências naturais,

pautadas na objetividade, invariabilidade e independência da vontade humana, deveriam ser

aplicadas à ciência jurídica. Não eram mais aceitas no estudo do Direito especulações

filosóficas, éticas, morais ou metafísicas e nem a exteriorização de juízos de valor. O único

Direito que interessava era aquele previsto na lei, dotado de imperatividade e coercibilidade

pela imposição estatal. Podem ser enumeradas como características essenciais do positivismo

jurídico

(i) a aproximação quase plena entre o Direito e norma;

(ii) a afirmação da estatalidade do Direito: a ordem jurídica é una e emana do

Estado;

(iii) a completude do ordenamento jurídico, que contém conceitos e instrumentos

suficientes e adequados para a solução de qualquer caso, inexistindo lacunas que

não possam ser supridas a partir de elementos do próprio sistema;

(iv) o formalismo: a validade da norma decorre do procedimento seguido para a

sua criação, independendo do conteúdo. Também aqui se insere o dogma da

subsunção, herdado do formalismo alemão. (BARROSO, 2011, p.262)

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Hans Kelsen, ao tentar elaborar uma teoria pura do Direito, pode ser apontado como

um dos principais defensores do formalismo como único requisito de validade da norma

jurídica, ao prescrever que

O sistema de normas que se apresenta como uma ordem jurídica tem

essencialmente um caráter dinâmico. Uma norma jurídica não vale porque tem um

determinado conteúdo, quer dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela

via de um raciocínio lógico de uma norma fundamental pressuposta, mas porque é

criada por uma forma determinada – em última análise, por uma forma fixada por

uma norma fundamental pressuposta. Por isso, e somente por isso, pertence ela à

ordem jurídica cujas normas são criadas de conformidade com esta norma

fundamental. Por isso, todo e qualquer conteúdo pode ser Direito. Não há qualquer

conduta humana que, como tal, por força do seu conteúdo, esteja excluída de ser

conteúdo de uma norma jurídica. A validade desta não pode ser negada pelo fato

de o seu conteúdo contrariar o de uma outra norma que não pertença à ordem

jurídica cuja norma fundamental é o fundamento de validade da norma em

questão. (KELSEN, 2009, p.221)

Como Kelsen tentava estabelecer uma teoria “pura” do Direito ele propôs um sistema

jurídico formado exclusivamente por regras jurídicas (enunciados normativos com um

pressuposto e uma consequência), desprezando os princípios, e vinculando o conhecimento

jurídico ao Direito positivo, separando, assim, todos os aspectos sociológicos, psicológicos e

influências advindas da ética e da moral.

Com a vinculação da validade da norma à sua forma, o positivismo pretendia resolver

o problema da identificação do critério de justiça válido, pois na doutrina jusnaturalista

predominava uma total abstração do que configuraria tal critério.

O positivismo jurídico caracterizava-se, pois, por uma total separação entre Direito,

moral e política e, ainda, por considerar que todo o Direito estava contido na lei, assim,

somente o Estado era considerado como sua fonte produtora. O Direito era considerado ainda

um sistema pleno, que se autorregulava e que propunha as próprias soluções para lacunas e

antinomias. Seu traço marcadamente distintivo de outras ciências sociais era o seu caráter

imperativo, com a possibilidade de aplicação de sanção pelo seu descumprimento.

Ao longo do tempo, porém, percebeu-se a impossibilidade de se transportar

integralmente os métodos das ciências naturais para o Direito, pois uma postura meramente

descritiva da realidade não se coadunava com a sua pretensão inerente de atuar sobre a

realidade, conformando-a e transformando-a. O Direito é uma ciência vocacionada a

estabelecer normas prescritivas, ou seja, que direcionam a atuação dos indivíduos. Ademais, a

pretensão de objetividade do aplicador do das normas jurídicas é impossível de ser executada,

na medida em que a atividade cognoscitiva sempre será influenciada pelos juízos de valor.

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Outro fator que proporcionou a superação do positivismo jurídico esteve relacionado a

implementação dos regimes autoritários nazista, na Alemanha, e fascista, na Itália, tudo

dentro dos quadros da legalidade. Partindo da premissa de que Direito era tudo aquilo que

estava contido na lei e de que a validade da norma estava ligada apenas ao procedimento

seguido para a sua aprovação, não importando o seu conteúdo, esses regimes autoritários

cometeram uma série de atrocidades sob o manto da legalidade vigente.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, a principal defesa de todos os acusados pelo

Tribunal de Nuremberg estava na alegação de estrito cumprimento da lei e de ordens

provenientes da autoridade competente. Diante desse fato, a comunidade jurídica

internacional passou a repudiar a existência de um ordenamento jurídico alheio a valores

éticos e o positivismo jurídico restou fracassado pela concepção de que a lei não poderia ser

“uma estrutura meramente formal, uma embalagem para qualquer produto” (BARROSO,

2011, p.264).

Os próprios defensores do positivismo jurídico acabaram abrandando a teoria,

adaptando-a aos novos tempos. Foi o que passou a ser chamado de positivismo soft ou

positivismo inclusivo. Prova disso foi o fato de que Herbert L. A. Hart, no pós-escrito de seu

livro, ao responder críticas feitas por Ronald Dworkin, afirmou que os critérios de validade

estabelecidos por sua regra de reconhecimento não seriam apenas de pedigree (modo como as

leis são adotadas ou criadas pelas instituições), mas que também incluiriam “princípios de

justiça ou valores morais substantivos, e estes podem integrar o conteúdo de restrições

jurídico-constitucionais” (HART, 2009, p.320).

O positivismo evoluiu, deste modo, para uma bipartição em duas classificações:

positivismo exclusivo ou duro – baseado nas ideias de Hans Kelsen, Alf Ross e Norberto

Bobbio e que prega a separação completa entre Direito e moral; que a validade do Direito está

na observância dos critérios formais; o não reconhecimento dos princípios; que o sujeito deve

limitar-se apenas a descrever o fenômeno jurídico – e positivismo inclusivo ou moderado cujo

principal adepto foi Herbert L. A. Hart e que prega o reconhecimento dos princípios e sua

aplicação de forma supletiva; e que a interação entre o Direito e a moral ou os fatos sociais

pode ser reconhecida, mas não é direta e depende da regra de reconhecimento, servindo mais

como um pressuposto do modelo. (MOREIRA, 2006, p.66)

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3.2.3 O pós-positivismo67

O pós-positivismo, que surgiu a partir do fracasso histórico do jusnaturalismo e da

derrota política do positivismo, é um pensamento filosófico que não tem uniformidade

dogmática e que representa uma confluência, em certa medida, dos paradigmas teóricos

anteriores.

O pós-positivismo emerge no cenário pós Segunda Guerra Mundial, quando a ideia de

um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos não era mais aceito. O Direito já não

mais podia ser encarado como um repositório de normas ditadas pelo aparato estatal sem

nenhuma correspondência entre as prescrições normativas e alguma ideia de justiça. A ideia

de que o Direito deveria estar integralmente contido na lei já não era mais uma realidade,

porém, os juristas não se conformaram com uma simples retomada do Direito natural,

permeado de conceitos vagos e de uma razão subjetiva.

Nesse momento histórico, o pós-positivismo surge como uma alternativa à pureza

metodológica dos outros dois paradigmas filosóficos e, ao mesmo tempo em que considera

importante um ordenamento positivo que proporcione clareza, certeza e objetividade, também

reconhece a influência da moral e da política no pensamento jurídico.

Konrad Hesse, ao defender a busca de um ponto de equilíbrio entre, de um lado,

aqueles que pretendem o isolamento completo entre a norma e a realidade e, de outro, aqueles

que voltam os olhos exclusivamente para a realidade política social, acaba por sintetizar o que

pode ser a terceira via buscada pelo pós-positivismo

Eventual ênfase numa ou noutra direção leva quase inevitavelmente aos extremos

de uma norma despida de qualquer elemento da realidade ou de uma realidade

esvaziada de qualquer elemento normativo. Faz-se mister encontrar, portanto, um

caminho entre o abandono da normatividade em favor do domínio das relações

fáticas, de um lado, e a normatividade despida de qualquer elemento da realidade,

de outro. (HESSE, 1991, p.14)

O pós-positivismo traz para o discurso jurídico as ideias de justiça e legitimidade.

Reconhece que, não obstante a moral e a política terem campos de atuação específicos, há

67 Lammêgo Bulos apresenta as origens do neopositivismo na sociedade moderna como um fenômeno da filosofia e que

espalhou influência por todos os demais ramos da ciência, afirmando: “Neopositivismo surgiu em Viena, na segunda década

do século XX, como resultado das discussões de elevado nível intelectual dos integrantes do Círculo de Viena (Hans Hahn,

Philipp Franck, Otto Neurath, Moritz Schlick, Rudolf Carnap, David Hume, Gottlob Frege, Ernst Mach) fortemente

influenciados pelo pensamento de Ludwig Wittgenstein. Os neopositivistas esmiuçaram a semiótica (teoria geral dos signos

linguísticos, que abrange todos e qualquer esquema de comunicação, desde os mais primitivos e singelos aos mais avançados

e complexos) e passaram a se preocupar essencialmente com o estudo da linguagem, que era considerada por eles

instrumento essencial ao saber científico. No campo do Direito, especialmente do Direito Constitucional, a grande

contribuição dos neopositivistas foi transmitir a ideia de que não existe linguagem pura, daí a existência de imprecisões,

ambiguidades e contradições encontradas nos textos jurídicos” (BULOS, 2011, p.73).

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uma influência constante de tais disciplinas no Direito. A filosofia política e a filosofia moral

passam a estar fortemente conectadas à teoria do Direito. Esse novo paradigma filosófico,

portanto, sem olvidar o Direito positivo, preocupa-se com os problemas da indeterminação do

Direito e com a reaproximação entre Direito, ética, moral e política.

Esse reencontro da Filosofia do Direito com a ciência jurídica e a introdução dos

valores morais no discurso jurídico tornam-se possíveis por meio da materialização dos

princípios, cujo abrigo natural é a Constituição, seja de forma implícita ou explícita. Quando

os juízos éticos e morais se tornam paradigmas de legitimidade do Direito e estão contidos

nos instrumentos constitucionais, as Constituições se convertem em centro do ordenamento

jurídico, pautando a legitimidade e a validade do restante das normas. O reconhecimento da

normatividade e superioridade desses princípios traz por consequência lógica a normatividade

e a superioridade da Constituição, tudo isso corroborado pela rigidez constitucional e pela

instituição de cláusulas pétreas.

Lenio Luiz Streck conclui sobre as características do pós-positivismo que servem de

paradigmas ao Constitucionalismo Contemporâneo

O neoconstitucionalismo tem por objetivo superar as barreiras interpretativas

impostas pelo positivismo legalista. A superação de tais obstáculos poderá ser

visualizada em três fontes: a) por intermédio da teoria das fontes, haja vista que a

lei já não é mais a única fonte – a Constituição passa a ser fonte auto-aplicativa; b)

por uma substancial alteração da teoria da norma, imposta pela nova concepção

dos princípios, cuja problemática também tem relação com a própria fonte dos

direitos; e c) por uma radical mudança no plano hermenêutico- interpretativo [...].

Percebe-se que o neoconstitucionalismo propõe, assim, a superação do paradigma

do direito meramente reprodutor da realidade para um direito capaz de transformar

a sociedade [...]. Essa superação deve ser realizada a partir do Estado Democrático

de Direito, de forma a proporcionar o surgimento e a implantação de

ordenamentos jurídicos constitucionalizados. (STRECK, 2004, p.159- 160)

Apesar da inexistência de uniformidade teórica em torno do pós-positivismo, costuma-

se afirmar que se trata de um movimento que alçou os princípios à categoria de norma

jurídica vinculante e que reconheceu a diferença qualitativa entre princípios e regras. Além

disso, o pós-positivismo retoma a importância da argumentação jurídica fundada na razão

prática68

; vê surgir uma nova hermenêutica jurídica e o desenvolvimento de uma teoria dos

direitos fundamentais baseada na dignidade da pessoa humana.

68 Segundo Luís Roberto Barroso, a ideia de razão prática está ligada à obra de Kant e representa “um uso da razão voltado

para o estabelecimento de padrões racionais para a ação humana” (BARROSO, 2011, p.271). A razão prática, portanto,

estaria contraposta à razão teórica, visto que, enquanto esta se limita ao conhecimento objetivo, descritivo, do Direito, aquela

a possibilidade de fundamentação racional de princípios de moralidade e justiça. Assim, o “pós-positivismo, ao reabilitar o

uso prático da razão na metodologia jurídica, propõe justamente a possibilidade de se definir racionalmente a norma do caso

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Diante da significativa influência que todos esses desenvolvimentos do pós-

positivismo têm sobre o Constitucionalismo Contemporâneo, constituindo-se em aparato

teórico-filosófico dessa nova forma de pensar o Direito Constitucional, necessário tecermos

alguns breves comentários a respeito69

.

3.2.3.1 Alteração na teoria das fontes do Direito com o reconhecimento da diferença

qualitativa entre princípios e regras e da normatividade dos princípios

Uma das principais características do pós-positivismo e que influenciou

significativamente o Constitucionalismo Contemporâneo foi a reaproximação entre o Direito

e a moral. A relevância da lei positivada não foi desprezada, porém, a volta da influência da

filosofia de Immanuel Kant fez temas como a legitimidade e a justiça serem reintegrados ao

discurso jurídico.

Ambos ingressaram no ordenamento jurídico na qualidade de princípios,

especialmente, princípios constitucionais. A Constituição passou a ser considerada o local

ideal para albergar a previsão de princípios que serviriam como fonte legitimadora para a

legislação infraconstitucional.

Antes das formulações de Ronald Dworkin70

acerca dos princípios jurídicos, já havia

referência em diversos códigos acerca dos princípios gerais de Direito, que foram objeto de

estudo de outros autores71

. Esses princípios gerais, porém, eram considerados pela velha

hermenêutica apenas técnicas de integração das normas jurídicas ou critérios diretivos para a

interpretação ou critérios programáticos para o progresso da legislação.

Os princípios foram estudados pelo jusnaturalismo e pelo positivismo, mas foi a partir

do pós-positivismo que passaram a integrar a categoria jurídica, principalmente, a partir dos

movimentos constituintes da segunda metade do século XX, quando as novas Constituições

“acentuam a hegemonia axiológica dos princípios, convertidos em pedestal normativo sobre o

qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais” (BONAVIDES,

2004, p.264).

Paulo Bonavides acentua que na obra de Karl Larenz já foi possível identificar a ideia

concreto através de artifícios racionais construtivos, que não se limitam à mera atividade de conhecer os textos normativos”.

(BARROSO, 2011, p.271) 69Como mencionamos, os comentários acerca desses marcos teóricos do pós-positivismo, que estão intrinsecamente ligados

ao Constitucionalismo Contemporâneo, não têm a pretensão de analisar a matéria de forma exaustiva, mas apenas trazer a

essência do que representam tais marcos para a teoria pós-positivista e o Constitucionalismo Contemporâneo, visto que uma

abordagem completa e exaustiva seria trabalho para outras várias dissertações. 70 Ronald Dworkin aborda o assunto dos princípios jurídicos nos livros Taking Rights Seriously (1978) e Law’s Empire

(1986). 71 Giorgio Del Vecchio em Sui principi generali del diritto e Norberto Bobbio em Principi generali di diritto.

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de normatividade dos princípios, quando o jurista alemão assinala que poderiam assumir o

caráter de ideias jurídicas norteadoras a serem concretizados pela lei e pela jurisprudência e,

por isso, seriam desprovidos da normatividade, sendo princípios “abertos”; ou que poderiam

ser efetivamente uma regra jurídica de aplicação imediata e se apresentariam como

“princípios normativos” (LARENZ apud BONAVIDES, 2004, p.272).

O passo seguinte na evolução do pensamento dos princípios como normas foi dado por

Vezio Crisafulli que os apresentou com uma dupla eficácia – imediata e mediata – que não se

exaure na sua aplicabilidade, prolongando-se para uma eficácia interpretativa. Afirmou ainda

que os princípios, explícitos ou implícitos, constituem norma e os conceituou da seguinte

forma

Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como

determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem,

desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais

particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem,

potencialmente o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao

contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.

(CRISAFULLI apud BONAVIDES, 2004, p.257)

Mas foi somente com base na obra de Ronald Dworkin que ganhou relevância a

discussão doutrinária que estabelecia uma diferença qualitativa entre regras e princípios, além

de ter sido reconhecida a normatividade dos valores e princípios, ainda quando não expressos

ou escritos. Os princípios, como categorias normativas, não condicionam comportamentos,

mas sim atitudes e as apresentam como fundamentais; têm uma dimensão de peso ou de

importância e não têm aplicabilidade ao modo do “tudo ou nada”. Nas palavras do autor,

a diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas; é de natureza lógica. Os

dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação

jurídica em condições específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da

orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada.

Dados fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a

resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada

contribui para a decisão. (DWORKIN, 2011, p.39)

Os princípios, por outro lado, não se tornam inválidos se não se aplicam a determinada

situação, pois a sua aplicação está condicionada a uma análise de peso ou valor relativamente

ao caso concreto

Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso

ou importância. Quando os princípios se entrecruzam (por exemplo, a política de

proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de

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contrato), aquele que vai resolver o conflito tem que levar em conta a força

relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o

julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais

importante que outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante,

essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que

faz sentido perguntar que peso ele tem ou quão importante ele é. (DWORKIN,

2011, p.42)

Robert Alexy desenvolve uma teoria dos princípios semelhante a de Dworkin

dividindo as normas jurídicas em regras e princípios que se diferenciariam entre si por

critérios qualitativos. Enquanto os princípios seriam normas dotadas de um alto grau de

generalidade, as regras teriam um grau relativamente baixo. Para Alexy, os princípios são

mandados de otimização e que, portanto, podem se concretizar em maior ou menor grau. Já as

regras não possuem grau de concreção, ou são integralmente cumpridas ou não o são. Nas

palavras do autor,

o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas

que ordenam que algo seja realizado na maior medida dentro das possibilidades

jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de

otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e

pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das

possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das

possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes.

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma

regra vale, então, deve-se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem

menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e

juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é

uma distinção qualitativa e não uma distinção de grau. Toda norma é uma regra ou

um princípio. (ALEXY, 2008, p.90-91)

A distinção entre regras e princípios fica evidente quando analisamos, sob a

perspectiva do autor, os conflitos entre as regras ou as colisões entre os princípios. Havendo

conflito entre regras, a solução somente será possível se for inserida uma exceção que remova

o conflito ou se uma das regras for declarada inválida. Se a colisão é entre princípios pode

haver a cedência de um deles diante do outro, que prevalecerá naquela situação; porém, não

significa que o princípio afastado será inválido. A aplicação do princípio está relacionada ao

peso que ele tem em determinado caso concreto.

Assim, os princípios ingressaram no discurso jurídico apresentando características

distintas das normas jurídicas. Riccardo Guastini (apud BONAVIDES, 2004, p.257-258) traz

uma sistematização das principais concepções sobre os princípios e apresenta diferenças

qualitativas entre normas e princípios afirmando que estes últimos caracterizam-se por serem

normas jurídicas que apresentam um alto grau de generalidade e uma linguagem

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indeterminada, razão pela qual necessitam de concretização pela via interpretativa. Ademais,

Guastini afirma que a palavra “princípio” é normalmente utilizada para se referir a normas de

caráter programático e a normas cuja posição na hierarquia das fontes do Direito é bastante

elevada e, ainda, a normas que desempenham uma função importante e fundamental no

sistema jurídico. O mesmo autor afirma também que a expressão “princípio” é usada para se

referir a normas dirigidas aos órgão de aplicação e cuja função é escolher os dispositivos ou

normas aplicáveis aos diversos casos. Em todas essas concepções mencionadas pelo autor é

possível extrair o traço da normatividade como uma característica dos princípios.

O surgimento dessa nova categoria normativa, que proporcionou a agregação da moral

ao Direito, gerou a necessidade do surgimento de uma nova forma de interpretação

constitucional. No caso dos princípios, há a necessidade de aplicação da técnica da

ponderação para decidir qual princípio será aplicável ao caso concreto.

3.2.3.2 Retomada da importância da argumentação jurídica

Ao longo da evolução do estudo jurídico, surgiram inúmeras teorias da argumentação

jurídica72

que nada mais são do que a “análise teórica dos processos argumentativos do

Direito” (FIGUEROA, 2012, p.17). Luís Roberto Barroso define argumentação como sendo

a atividade de fornecer razões para um ponto de vista, o exercício de justificação

de determinada tese ou conclusão. Trata-se de um processo racional e discursivo

de demonstração da correção e da justiça da solução proposta, que tem como

elementos fundamentais: (i) a linguagem, (ii) as premissas que funcionam como

ponto de partida e (iii) regras norteadoras da passagem das premissas à conclusão.

A necessidade da argumentação se potencializa com a substituição da lógica

formal ou dedutiva pela razão prática, e tem por finalidade propiciar o controle da

racionalidade das decisões judiciais. (BARROSO, 2011, p.363)

Nas últimas duas décadas do século XX, tendo em vista a tentativa dos jusfilósofos de

excluírem a discricionariedade judicial positivista do campo da justificação jurídica, surgem

teorias da argumentação jurídica, de matiz contemporâneo (pós-positivista), que têm por base

72 Afonso Garcia Figueroa aponta que “há muitas teorias da argumentação. Alguns de seus cultivadores (formalistas)

afirmaram que as decisões jurídicas são frios silogismos; os realistas replicaram que a argumentação jurídica nada tem a ver

com lógica, mas sim com a ideologia, as emoções, os palpites; outros resgataram da Antiguidade clássica a retórica e os

tópicos para conceber a argumentação jurídica como uma simples técnica de persuasão ou de invenção a partir de lugares-

comuns; de acordo com as correntes críticas, o Direito apresenta uma cobertura ideológica a serviço das classes dominantes,

o que justificaria práticas corretivas da parte dos juízes na forma de ativismo judicial (uso alternativo do Direito dos anos

sessenta e setenta) ou de uma interpretação do Direito que aperfeiçoe suas possibilidades morais de acordo com a

Constituição (o garantismo dos anos oitenta e noventa). Também há quem tenha visto no Direito e na sua aplicação uma

vontade divina (jusnaturalismo) ou alguma forma de ordem moral objetiva (Dworkin), sem esquecer que há não muito tempo

inclusive o próprio Habermas se pronunciou sobre estas questões em sua pessoal incursão jusfilosófica Facticidad y validez.”

(FIGUEROA, 2012, p.16)

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as obras de Robert Alexy (Teoria da argumentação jurídica – de grande influência na Europa

e na América Latina) e de Neil MacCormick (Argumentação jurídica e teoria do Direito –

que influenciou, principalmente os países que adotam o sistema do common law), e que

procuram superar uma concepção puramente formalista da argumentação jurídica, prestando-

se a analisar racionalmente os processos argumentativos.

O pensamento positivista defendia que, nos casos difíceis, quando não houvesse uma

norma jurídica pronta para ser aplicada, o problema deveria ser resolvido por meio da

discricionariedade judicial. Para tanto, o ordenamento ofereceria dispositivos que autorizavam

essa atividade judicial de complementação autopoiética, tais como os princípios gerais de

Direito, os usos e costumes, etc.

O pensamento pós-positivista, no entanto, percebeu que deixar a solução dos casos

difíceis73

para a discricionariedade judicial deu margem a arbitrariedades das mais diversas e

à incidência recorrente de decisionismos. Assim, procurou-se, mediante a elaboração de uma

nova teoria da argumentação jurídica, com base na racionalidade prática74

, um meio racional

de fundamentar e legitimar as decisões judiciais evitando a discricionariedade.

O argumento de autoridade, ou seja, a legitimidade de uma decisão simplesmente por

ser emanada da autoridade competente, deixou de ser aceito pacificamente e passou-se a

buscar a justificação racional da decisão. Ao valorizar a argumentação, pretendia-se exigir

uma demonstração racional do itinerário lógico percorrido para atingir a decisão, o que

proporcionaria sua legitimação e controle.

Esse meio foi oferecido por Robert Alexy e seu método de ponderação para solucionar

as colisões entre os princípios. Os casos difíceis seriam resolvidos por meio da ponderação de

princípios, que, para Alexy, seriam hierarquizados axiologicamente75

, utilizando-se critérios

prima facie. Nos casos fáceis bastaria ao intérprete utilizar o antigo método da subsunção e os

73 Eduardo Ribeiro Moreira defende que a argumentação jurídica deve ser vista como o principal elemento do

neoconstitucionalismo, pois irá fornecer respostas não só para os casos difíceis, mas também para os casos trágicos. O autor

aponta que os casos trágicos seriam aqueles nos quais o conflito suplanta a colisão entre princípios e contrapõe Direito e

justiça. Seriam aqueles casos que para serem solucionados dependem do sacrifício de valores fundamentais do ponto de vista

jurídico ou moral. (MOREIRA, 2012, p.147-149) 74 Luís Roberto Barroso diferencia razão teórica de razão prática afirmando: “a razão teórica busca a verdade, o

conhecimento, e tem por conduta típica a contemplação. A razão prática busca a produção do bom e do justo, e realiza-se

pela ação. Através de um uso teórico da razão, o sujeito do conhecimento examina a realidade e busca descrevê-la com

objetividade. No campo da teoria do Direito, esse uso da razão caracteriza aquelas concepções que se dispõem a dizer o que o

Direito é, sem julgá-lo. É o caso, em especial, da teoria pura do direito, de Kelsen. Um uso prático da razão, por seu turno, é

voltado para o estabelecimento de padrões de comportamento, caracterizados como justos. É através de um uso prático da

razão que são construídos princípios de justiça a partir dos quais é possível julgar os preceitos de um ordenamento jurídico

concreto. A razão prática é o direcionamento da vontade à consecução daqueles valores éticos.” (BARROSO, 2011, p.363) 75 Segundo Lenio Luiz Streck, “neste ponto, reside uma profunda diferença entre as apostas teóricas de Robert Alexy

daquelas realizadas pela teoria integrativa dworkiniana. Com efeito, enquanto Alexy acredita que um procedimento,

previamente criado, pode levar a uma justificação racional da decisão (colisão de princípios), Dworkin reconhece

expressamente a impossibilidade de se oferecer um método/procedimento prévio, que sempre poderá ser repetido, para

solucionar os casos jurídicos”. (STRECK, 2011, p.232)

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critérios clássicos para a solução de conflitos entre regras (critérios hierárquico, cronológico

ou da especialidade). Já nos casos difíceis, caberia ao intérprete hierarquizar e decidir qual

seria o princípio aplicável a partir de alguns critérios.

Para Alexy, a argumentação jurídica seria parte especial da teoria da argumentação e,

portanto, também obedeceria às regras do discurso racional e às específicas do discurso

jurídico. Luís Roberto Barroso enumera tais regras

as conclusões devem decorrer logicamente das premissas, não se admite o uso da

força ou da coação psicológica, deve-se observar o princípio da não contradição, o

debate deve estar aberto a todos, dentre outras. Paralelamente, outras regras

específicas do discurso jurídico deverão estar presentes, como a preferência para

os elementos normativos do sistema, o respeito às possibilidades semânticas dos

textos legais, a deferência para com as deliberações majoritárias válidas e a

observância dos precedentes, para citar alguns exemplos. (BARROSO, 2011,

p.365)

O fato é que a introdução dos princípios no discurso jurídico gerou a necessidade de se

elaborar uma nova hermenêutica constitucional, visto que as técnicas de resolução de

conflitos entre as normas infraconstitucionais (antinomias) não seriam aplicáveis aos conflitos

entre princípios. Nesse contexto, a partir da contribuição de Alexy, o princípio da

razoabilidade ou o da proporcionalidade76

passou a se apresentar como uma técnica

argumentativa constitucional para resolvê-los. Ou seja, uma operação argumentativa nascida a

partir das necessidade de preservar o instrumental teórico do pós-positivismo e do

Constitucionalismo Contemporâneo.

Importante esclarecermos que, ainda que a razoabilidade e a proporcionalidade sejam

tratadas no Brasil como sinônimos, a origem desses termos é bem distinta. A ideia de

razoabilidade desenvolveu-se a partir da garantia do devido processo legal, em sua

perspectiva material, adotada pela Constituição dos Estados Unidos.

Inicialmente, a cláusula do devido processo legal possuía um caráter estritamente

processual, ligada às garantias de participação no processo. Em um segundo momento,

adquiriu uma conotação material e passou a significar a possibilidade de o Poder Judiciário

verificar a compatibilidade entre o meio empregado pelo Poder Legislativo para atingir o fim

almejado: “por intermédio da cláusula do devido processo legal passou-se a proceder ao

exame de razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rationality) das leis e dos atos

normativos em geral no Direito norte-americano” (BARROSO, 2011, p.278).

76 A maioria dos doutrinadores brasileiros, bem como o Supremo Tribunal Federal, trata os princípios da razoabilidade e a

proporcionalidade como sinônimos.

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Já a ideia de proporcionalidade desenvolveu-se no Direito alemão, inicialmente, no

âmbito do Direito Administrativo e funcionava como uma limitação à discricionariedade

administrativa; nessa época, ainda não era cogitado o controle judicial dos atos legislativos,

pois imperava a ideia de supremacia da lei e do parlamento. Após a Segunda Guerra Mundial,

porém, a ideia de proporcionalidade passou a ter assento constitucional, extraído do princípio

do Estado de Direito da Lei Fundamental de 1949 e o princípio da reserva legal passou a

significar o princípio da reserva de lei proporcional.

A proporcionalidade ou “máxima da proporcionalidade” apresentada como técnica

argumentativa por Robert Alexy está ligada a uma verificação de compatibilidade entre meios

e fins e o seu conteúdo pode ser dividido em 03 (três) subprincípios: a) adequação (o meio

empregado na medida deve ser adequado ao fim perseguido); b) necessidade (o meio

empregado deve ser o necessário, o exigível para atingir o fim visado, não devendo ser

empregados meios excessivamente gravosos. Quando não houver necessidade, deve-se

procurar sempre o menos gravoso); c) proporcionalidade em sentido estrito (o meio

empregado não deve trazer mais ônus do que o benefício que se pretende obter, ou seja, o

bem jurídico a ser obtido deve ser mais valioso que o bem sacrificado).77

Verificamos, portanto, que a teoria da argumentação de Robert Alexy surge com um

caráter procedimental, na medida em que adota procedimentos racionais para a ponderação de

direitos fundamentais e tenta diminuir a incidência da arbitrariedade. A teoria do autor foi

orientada pela racionalidade prática e pretendeu formular regras ou condições da

argumentação prática racional.

Lenio Luiz Streck (2011, p.231-233) critica essa opção pós-positivista de solução dos

casos difíceis por meio de uma teoria da argumentação baseada na ponderação de princípios

hierarquizados axiologicamente, pois afirma que essa ponderação apenas vem a ser um

mecanismo exterior por meio do qual se encobre o verdadeiro raciocínio. Para o autor, a

maneira como deve ser feita a “escolha” dos princípios que devem prevalecer será tão

subjetiva e dependente do juiz quanto era o esquema da discricionariedade judicial proposto

pelo positivismo. Streck defende que essa “escolha” subjetiva sobre qual o princípio deve

77 Esses mesmos elementos podem ser encontrados nos testes de constitucionalidade dos atos do poder público feitos pelos

juízes nos Estados Unidos. A depender da matéria em questão, será aplicado um deles. Os testes são identificados como

sendo de: a) mera racionalidade (para que o ato governamental seja aprovado, basta que aquele que alega a

inconstitucionalidade não consiga demonstrar a ilegitimidade do fim ou que há inadequação do meio utilizado); b) aferição

severa (para que o ato governamental não seja invalidado, o poder público deverá demonstrar que o fim a que se está visando

é imperioso e que o meio utilizado era necessário); c) nível intermediário (o poder público deverá demonstrar que o fim

público invocado é importante – que significa mais do que apenas legítimo e menos do que imperioso – e que o meio

escolhido possui uma relação substantiva com o fim – um meio termo entre ser meramente racional e ser indispensável).

(BARROSO, 2011, p.282-283)

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prevalecer continua presa no paradigma da filosofia da consciência e ao esquema sujeito-

objeto, não se compatibilizando com a circularidade hermenêutica. Nem mesmo a existência

de uma hierarquia, conforme propõe Alexy, seria suficiente para retirar a necessidade de

ponderação que, por sua vez, implica em uma margem considerável de discricionariedade.

Lenio Luiz Streck afirma que se deve dar razão às críticas de Jürgen Habermas ao

“uso discricionário da ponderação” e à “ponderação discricionária”, tendo em vista que

A ponderação sempre leva a uma abstração em face do caso, circunstância que

“reabre” para o juiz a perspectiva de argumentação sobre “o caráter fundamental

ou não do direito”, já reconhecido desde o início como fundamental, e assim acaba

tratando esses direitos como se fossem “valores negociáveis”, com o que se perde

a força normativa da Constituição, que é substituída pelo “discurso adjudicador”

da teoria da argumentação jurídica. (STRECK, 2011, p.239)

O autor especifica que, para Habermas, não se deve ponderar valores, nem abstrata,

nem concretamente, e a proporcionalidade só será legítima se aplicada como um sinônimo de

equidade, uma necessidade de coerência e integridade para qualquer decisão. Neste sentido, a

resposta “correta” não seria encontrada por meio de um juízo de ponderação, mas sim, através

de uma “reconstrução principiológica do caso, da coerência e da integridade do direito”

(STRECK, 2011, p.240):

Como venho deixando claro, a partir da segunda edição desta obra e em outros

textos, a alusão à proporcionalidade somente tem sentido como aplicação

equânime do direito e para afastar aquilo que Dworkin chama de “leis de

conveniência”. O sentido do que seja “proporcional” ou “desproporcional” deve

ser dado pela reconstrução da história institucional do direito, nos estreitos

caminhos da integridade e da coerência. (STRECK, 2011, p.182 nota 13).

Por isso, para a hermenêutica (filosófica), o princípio da proporcionalidade não

tem – e não pode ter – o mesmo significado que tem para a teoria da argumentação

jurídica. Para a hermenêutica, o princípio da proporcionalidade é como uma

metáfora, isto é, um modo de explicar que cada interpretação – que nunca pode ser

solipsista – deve obedecer a uma reconstrução integrativa do direito, para evitar

interpretações discricionárias/arbitrárias sustentadas em uma espécie de “grau zero

de sentido”, ou que, sob o manto do caso concreto, tenham a estabelecer sentidos

para aquém ou para além da Constituição (veja-se que o próprio Habermas admite

o uso da proporcionalidade, se esta ocorrer nos espaços semânticos estabelecidos

nos discursos de fundamentação, que tem em uma Constituição democrática o seu

corolário). (STRECK, 2011, p.240)

Luís Roberto Barroso (2011, p.366-368), por sua vez, ao propor critérios que devem

orientar a argumentação jurídica, afirma ser recomendável: 1) a existência de uma

fundamentação, ou seja, a argumentação jurídica deve apresentar fundamentos normativos

que lhe dê sustentação, como as normas jurídicas e a dogmática jurídica, livrando-se de

quaisquer espécies de voluntarismos; 2) o respeito à integridade do sistema, ou seja, deve-se

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ter compromisso com a unidade, continuidade e coerência da ordem jurídica, mediante a

utilização de soluções universalizáveis para todos os casos que apresentem as mesmas

características, do que decorre a necessidade de observância dos precedentes; 3) conferir certo

peso, ainda que relativo às consequências concretas da decisão, ou seja, o mundo jurídico

deve sempre estar em contato com a realidade e com as consequências práticas de sua

atuação, o que, evidentemente, não autoriza uma argumentação inspirada exclusivamente

neste ponto de vista.

3.2.3.3 O surgimento de uma nova hermenêutica

O giro linguístico pode ser apontado como o fenômeno marcante e decisivo para a

origem da nova hermenêutica frente ao momento pós-positivista. A ideia central do giro

linguístico é a aceitação de que a linguagem deixa de ser objeto da reflexão filosófica e passa

a ser fundamento de todo o pensar, pois é na linguagem que tudo se expressa. A linguagem

não é um instrumento disponível para conhecer objetos, mas é a própria forma pela qual se

possibilita o conhecimento. De modo que,

o direito é linguagem, e terá de ser considerado em tudo e por tudo como uma

linguagem. O que quer que seja e como quer que seja, o que quer que ele se

proponha e como quer que nos toque, o direito é-o numa linguagem e como

linguagem – propõe-se sê-lo numa linguagem. (CASTANHEIRA NEVES apud

ABBOUD, 2012, p. 56)

Outro avanço operado pelos filósofos pós-positivistas foi superar o conceito de

verdade correspondencial da Antiguidade clássica e da filosofia medieval – que compreendia

a verdade como um produto da correspondência da coisa ao intelecto – com base no conceito

de verdade entendida como uma construção subjetiva do sujeito cognoscente. Nesse sentido, o

filósofo deve renunciar o compromisso com a verdade e reafirmá-lo na tarefa da busca da

verdade. (ABBOUD, 2012, p.53-54)

Ademais, o chamado giro hermenêutico-ontológico de Martin Heidegger e Hans-

Georg Gadamer exerceu influência significativa sobre a “compreensão”, transportando o foco

do objeto para o ser.

Em decorrência dos avanços filosóficos brevemente enumerados, a hermenêutica

deixa de ser considerada apenas uma

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técnica interpretativa ou uma ferramenta metodológica disponível para a

determinação da correta interpretação da legislação e passa a ser encarada como

um modo de ser daquele que compreende o direito, a linguagem passa a ser

constituinte e constituidora do mundo do homem (ABBOUD, 2012, p.59).

No caso da interpretação dos textos normativos, entendeu-se que uma aplicação

silogística do enunciado normativo seria inadequada, pois o enunciado não é norma pronta,

mas apenas linguagem que constitui um dos elementos da norma que irá solucionar o caso.

Outros elementos podem não estar escritos e são condicionados por uma série de fatores.

A teoria estruturante da norma de Friedrich Müller evidenciou que o texto da norma é

apenas seu ponto de partida, constitui o seu programa normativo, porém não é nele que está a

norma passível de aplicação. Georges Abboud observa:

Ocorre que normatividade, essencial à norma, não é produzida por esse mesmo

texto, isso porque a norma e realidade não devem ser justapostos sem nenhuma

relação tal como a doutrina “neokantiana” – que distingue ser de dever ser –

preconiza. O encontro destas dar-se-ia apenas mediante a subsunção do tipo legal

(Sachverhalt) a um primeiro enunciado de caráter normativo. Na realidade,

convém ressaltar que o texto da norma não é a própria norma jurídica, não é

elemento conceitual da norma jurídica, mas configura o dado de entrada (input)

mais importante ao lado do caso a ser decidido juridicamente no processo de

concretização da norma. (ABBOUD, 2012, p.62)

Para Müller, o texto da lei é apenas um dos elementos da norma jurídica, outro

elemento estruturante dela seria o problema concreto que pretende ver resolvido. Deste modo,

para o autor, a norma jurídica seria sempre criada no caso concreto, decorrente do próprio

processo de concretização e teria por característica a temporalidade.

Foi com base nas contribuições de Heidegger que o intérprete deixou de ser

considerado um ser que contempla o mundo de fora e passou a ser visto como um “ser-no-

mundo” que interage e se relaciona com as coisas ao interpretá-las. Esse “ser-no-mundo” não

é imparcial, pois está a todo o momento influenciando e sendo influenciado pelas coisas que

interpreta.

Nesse mesmo sentido, Gadamer afirma que toda interpretação é influenciada pelos

preconceitos e valores que o intérprete possui. Porém, mesmo imbuído de suas pré-

compreensões78

, o intérprete deve estar aberto para permitir que o texto lhe diga algo e não

78 Importante notar que Lenio Luiz Streck defende que essa “pré-compreensão (Vorverständnis) não é sinônimo de ‘visão de

mundo’, ‘ideologia’, ‘subjetividade’ etc., como equivocadamente apregoam alguns jusfilósofos contemporâneos, ao

pretenderem agregar uma ‘pitada hermenêutica’ às suas posturas ainda reféns do esquema sujeito-objeto. A pré-compreensão

constitui aquilo que Schnädelbach chama de ‘razão hermenêutica’. Trata-se de um existencial, sobre o qual não temos o

domínio (e isso especialmente os adeptos das teorias argumentativas não conseguem entender). Sendo mais específico: essa

dimensão pré-compreensiva, forjada no mundo prático (facticidade), não é um elemento formal, traduzível por regras de

argumentação, por exemplo, como se fosse um caminho para algo. Essa dimensão ocorre em uma totalidade de nossa

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deve tentar adaptar o seu conteúdo às suas pré-compreensões. A interpretação depende da

compreensão e esta, por sua vez, depende do diálogo entre o intérprete e o texto.

Sendo a interpretação um processo dialógico entre texto e intérprete (que deve estar

aberto para recepcionar o que o texto quer lhe dizer) e, considerando que ambos estão

inseridos no mundo, em um dado momento histórico-cultural, estabelecer-se-á um movimento

de interações recíprocas e constantes entre o intérprete e o texto. O intérprete acabará sendo

influenciado pelo texto, já que este será capaz de incutir nele novos preconceitos; e o

conteúdo atribuído ao texto, por sua vez, será influenciado pelas opiniões prévias do

intérprete. É o chamado círculo hermenêutico. Gadamer afirma que,

Cada época tem de entender um texto transmitido de uma maneira peculiar, pois o

texto forma parte do todo da tradição, na qual cada época tem um interesse

pautado na coisa e onde também ela procura compreender a si mesma. O

verdadeiro sentido de um texto, tal como este se apresenta ao seu intérprete, não

depende do aspecto puramente ocasional que representam o autor e seu público

originário. Ou pelo menos não se esgota nisso. Pois esse sentido está sempre

determinado também pela situação histórica do intérprete, e, por consequência, por

todo o processo objetivo histórico. (GADAMER, 1999, p.443)

Posteriormente às críticas à sua tese, especialmente as feitas por Jürgen Habermas,

Gadamer esclareceu que a aceitação da existência e influência da pré-compreensão do

intérprete não pode ser incondicional. Essa pré-compreensão, embora não se possa negar o

seu papel no processo interpretativo, deve ser sempre iluminada pela razão crítica, como uma

forma de possibilitar a dissociação entre os preconceitos legítimos e os ilegítimos.

A ideia da interferência da pré-compreensão na atividade interpretativa foi trazida para

a interpretação constitucional por Konrad Hesse que defendeu que

El intérprete no puede captar el contenido de la norma desde un punto cuasi

arquimédico situado fuera de la existencia histórica en que se encuentra, cuya

plasmación ha conformado sus hábitos mentales, condicionado sus conocimientos

y sus pre-juicios. El intérprete comprende el contenido de la norma a partir de una

pre-comprensión que es la que va a permitir contemplar la norma desde ciertas

expectativas, hacerse una idea del conjunto y perfilar un primer proyecto

necesitado aún de comprobación, corrección y revisión a través de un análisis más

profundo, hasta que, como resultado de la progresiva aproximación a la “cosa” por

parte de los proyectos en cada caso revisados, la unidad de sentido queda

claramente fijada.79

(HESSE, 1983, p.44)

realidade, a partir da conjunção de múltiplos aspectos existenciais, que fazem parte da nossa experiência (facticidade, modo-

de-ser-no-mundo) e são, portanto, elementos a que temos acesso mediante o esforço fenomenológico de explicitação.”

(STRECK, 2011, p.230-231) 79 Tradução livre: “O intérprete não pode captar o conteúdo da norma a partir de um ponto quase arquimédico fora da

existência histórica, cujo enquadramento moldou seus hábitos mentais, condicionando o seu conhecimento e pré-conceitos. O

intérprete compreende o conteúdo da norma a partir de uma pré-compreensão que é o que vai permitir contemplar a norma a

partir de certas expectativas, ter uma noção do todo e traçar um primeiro esboço que ainda demandará comprovação,

correção e revisão através de uma análise mais aprofundada, até que, como resultado da progressiva aproximação da "coisa"

por parte dos esboços em cada caso revisados, a unidade de significado restar claramente definida.”

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74

Percebemos que Hesse também admite a forte influência da pré-compreensão e dos

hábitos mentais sobre a atividade interpretativa, porém esclarece que essa primeira

aproximação à coisa, condicionada pelos seus prévios conhecimentos, deverá ser objeto de

revisão e correção para que a unidade de sentido seja corretamente fixada.

Observamos, portanto, que a moderna interpretação, inclusive a constitucional, não

pode deixar de reconhecer a força da historicidade e da tradição sobre os hábitos mentais que

moldam a compreensão do intérprete. Por outro lado, essa pré-compreensão deverá ser

submetida a uma análise racional e crítica, ser objeto de testes e correções, para que o

intérprete separe os preconceitos legítimos e os ilegítimos e fixe claramente o sentido do

objeto interpretado.

3.2.3.4 Desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais80

edificada sobre a

dignidade da pessoa humana

O início da busca pela implementação de direitos fundamentais remonta às origens do

constitucionalismo moderno81

. Os movimentos constitucionais que visavam limitar e

organizar o poder político também tentavam impor uma série de direitos e garantias a serem

assegurados aos particulares em detrimento do poder governamental. No entanto, só é

possível efetivamente falarmos na existência de direitos e garantias a partir da segunda

metade do século XVIII, quando os movimentos revolucionários lançaram mão de

documentos escritos que procuravam instituir a proteção aos direitos e liberdades82

.

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins defendem que, para falarmos em direitos

fundamentais, é necessária a presença de, ao menos, três elementos:

a) Estado. Trata-se do funcionamento de um aparelho de poder centralizado que

possa efetivamente controlar determinado território e impor suas decisões por

meio da Administração Pública, dos tribunais, da polícia, das forças armadas e

também dos aparelhos de educação e propaganda política. Sem a existência de

80 Alguns autores fazem questão de diferenciar a expressão “direitos humanos” da expressão “direitos fundamentais”. Gomes

Canotilho é um deles e especifica que é possível diferenciá-los de acordo com suas origens e significados, pois, enquanto os

“direitos do homem” são os válidos para todos os povos e em todos os tempos, os “direitos fundamentais” são os direitos do

homem jurídico - institucionalmente garantidos e limitados em certo espaço e tempo. Daí porque é possível extrair que os

direitos do homem derivam da própria natureza humana e, por isso, possuem um caráter inviolável, atemporal e universal, já

os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta (CANOTILHO, 2003,

p.393). Adotamos neste trabalho essa diferenciação proposta pelo autor. 81 A Magna Charta de 1215 foi o primeiro instrumento escrito que tentou atribuir direitos e garantias aos barões frente ao rei,

porém, não pode ser classificada como uma efetiva declaração de direitos, já que não era exigível e dependia da

implementação espontânea do monarca, além do que falta-lhe a característica da universalidade, visto que não era aplicável a

todos os homens do reino. Novas tentativas de instituir direitos aos súditos surgiram por meio dos seguintes instrumentos:

Petition of Rights de 1628, Habeas Corpus Act de 1679, Bill of Rights de 1689, Act of Settlement, de 1701. 82 Virginia, Bill of Rights (1776) e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).

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Estado, a proclamação de direitos fundamentais carece de relevância prática. Estes

não poderiam ser garantidos e cumpridos e perderiam sua função precípua, qual

seja, a de limitar o poder do Estado em face do indivíduo.

b) Indivíduo. Pode parecer supérfluo dizer que a existência dos indivíduos é um

requisito dos direitos fundamentais. Não existem pessoas desde o início da

humanidade? Do ponto de vista da filosofia e da teoria política, a resposta aqui é

negativa. Nas sociedades do passado, as pessoas eram consideradas membros de

grandes ou pequenas comunidades (família, clã, aldeia, feudo, reino), sendo

subordinadas a elas e privadas de direitos próprios.

c) Texto normativo regulador da relação entre Estado e indivíduos. O papel de

regulador entre os dois elementos supra descritos é desempenhado pela

Constituição no sentido formal, que declara e garante determinados direitos

fundamentais, permitindo ao indivíduo conhecer a sua esfera de atuação livre de

interferências estatais e, ao mesmo tempo, vincular o Estado a determinadas regras

que impeçam cerceamentos injustificados das esferas garantidas da liberdade

individual. O texto deve ter validade em todo o território nacional e encerrar

supremacia, isto é, força vinculante superior àquela das demais normas jurídicas.

(DIMOULIS; MARTINS, 2012, p.10-12)

Por tais motivos, somente em razão do desenvolvimento das ideias iluministas que

institucionalizaram a noção de indivíduo e do fortalecimento dos Estados nacionais foi

possível o surgimento de declarações de direitos que tentavam implementar a proteção de

direitos fundamentais em favor dos indivíduos.

Ingo Wolfgang Sarlet (2004, p.49) esclarece que os documentos escritos do século

XVIII, não obstante tenham representado uma certa evolução na luta pela implementação das

liberdades genéricas dos indivíduos, somente podem ser considerados efetivos representantes

da defesa dos direitos e liberdades em uma versão bem primitiva, quando comparados às

declarações de direitos surgidas no século XX. Isso, porque, esses direitos e liberdades não

vinculavam o Parlamento e, portanto, careciam de supremacia e estabilidade.

Mesmo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, comumente apontada

como um marco para o reconhecimento dos direitos fundamentais, enquanto tal, era

considerada apenas um documento de força política, simbólica, sem nenhuma obrigação do

legislador para com o seu efetivo cumprimento83

. O fato de os indivíduos não contarem com

um Poder Judiciário ou qualquer espécie de aparato estatal autônomo suficiente para fazer

cumprir o disposto em tais declarações de direitos ocasionava a ausência de coercibilidade

para o cumprimento das declarações por parte do Estado e a impossibilidade de efetiva

fruição dos direitos pelos indivíduos.

Acreditamos, portanto, que o marco efetivo do reconhecimento dos direitos

fundamentais tenha sido, primeiro, a Declaração da Virgínia de 1776, que positivou os

83 Lembremos que, somente em 1971, o Conselho Constitucional Francês reconheceu o valor jurídico a essa declaração,

afirmando que tanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão quanto o preâmbulo da Constituição de 1946,

incorporavam-se à Constituição de 1958, em razão de expressa menção no preâmbulo desta última.

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direitos do homem logo após a independência das colônias e, em seguida, a Constituição

norte-americana de 1787, a partir da introdução da declaração de direitos, por meio de 10

(dez) emendas constitucionais conhecidas como Bill of Rights, em 1791. Neste momento, os

direitos fundamentais foram positivados em uma ordem jurídica e poderiam então ser objeto

de cobrança por meio judicial84

.

As primeiras declarações de direitos possuíam um viés estritamente liberal e

consagravam apenas formas limitativas da intervenção do Estado na liberdade e na

propriedade. Foi apenas com as Constituições mexicana (1917) e a de Weimar (1919) que os

direitos sociais passaram a constar em um documento escrito, mas, ainda assim, desprovidos

de possibilidade de cobrança efetiva pelos seus titulares.

Transcorreu um longo período até que os direitos fundamentais saíssem da esfera de

reconhecimento simbólico e fossem reconhecidos como direitos concretizáveis. Essa

passagem se deu a partir da segunda metade do século XX (pós-Segunda Guerra), quando

quase todas as Constituições começaram a prever declarações de direitos em seus textos, bem

como a disposição de que tais direitos seriam cláusulas imutáveis e passíveis de uma cobrança

judicial efetiva85

.

Foi a partir dessa constitucionalização dos direitos fundamentais que eles passaram a

ser encarados em uma dupla natureza: direitos subjetivos e princípios objetivos da ordem

constitucional. André Ramos Tavares ensina que essa dimensão objetiva dos direitos

fundamentais proporciona uma eficácia irradiante de tais direitos e favorece o surgimento da

teoria dos deveres estatais de proteção

A eficácia irradiante obriga que todo o ordenamento jurídico estatal seja

condicionado pelo respeito e pela vivência dos direitos fundamentais. A teoria dos

deveres estatais de proteção pressupõe o Estado (Estado-legislador; Estado-

administrador e Estado-juiz) como parceiro na realização dos direitos

fundamentais, e não como seu inimigo, incumbindo-lhe sua promoção diuturna.

Em síntese, é o “sentido de uma vida estatal contida na Constituição”.

(TAVARES, 2011, p.508)

A moderna teoria dos direitos fundamentais desenvolveu-se no sentido de considerar

que a dimensão desses direitos deve ser aberta86

, ou seja, não pode haver enumeração

84 Lammêgo Bulos (2011, p.517) aponta que a Constituição Brasileira de 1824 foi a primeira a estabelecer expressamente os

direitos homem. Em seguida, foram positivados na Carta belga de 1831. 85 Importante observarmos que a justiciabilização dos direitos fundamentais ainda é assunto não pacificado no que se refere

aos direitos econômicos, sociais e culturais. 86 Outra faceta da abertura dos direitos fundamentais está relacionada ao seu grau de implementação. Acabou prevalecendo

nos documentos internacionais – Pacto dos Direitos Civis e Políticos e Pacto dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais da

ONU – por questões de ajustamento político, que a implementação dos direitos e garantias individuais e políticos seria

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77

taxativa.87

Eles estarão sempre abertos à modificação, evolução e adequação à realidade social

vigente, o que evita o fenômeno da petrificação dos direitos fundamentais.

3.2.3.4.1 A dignidade da pessoa humana como base da teoria dos direitos fundamentais

Percebemos, pois, a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) e

da adoção, por diversos regimes democráticos-constitucionais, dessa nova teoria dos direitos

fundamentais, mediante a inclusão desses direitos em suas Constituições, que a ideia de

promover e proteger os direitos humanos passou a ser a base de todos os ordenamentos

jurídicos.

É importante mencionarmos que essa teoria dos direitos fundamentais emergida do

pós-positivismo foi edificada sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, que a partir

do fim da Segunda Guerra Mundial, foi incluído como um princípio vetor em diversos

instrumentos internacionais88

. A abertura da expressão, porém, torna de difícil densificação o

conteúdo de tal princípio.

Luís Roberto Barroso informa que, superando as ideias utilitaristas, foi o imperativo

categórico kantiano que informou a ideia de dignidade da pessoa humana. O autor apresenta

as duas proposições éticas que informa a filosofia do imperativo categórico

a) uma pessoa deve agir como se a máxima da sua conduta pudesse transformar-se

em uma lei universal; b) cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si

mesmo, e não como um meio para a realização de metas coletivas ou de outras

metas individuais. As coisas têm preço; as pessoas têm dignidade. Do ponto de

vista moral, ser é muito mais do que ter. (BARROSO, 2011, p272)

O princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, representa o núcleo essencial de

todos os direitos constitucionalmente consagrados e é o valor maior da ordem constitucional,

capaz de irradiar efeitos por todo o ordenamento jurídico, abrangendo as relações estatais e as

relações privadas.

Esse princípio assegura a todas as pessoas, por sua simples existência no mundo, a

intangibilidade de um espaço de integridade. Daí porque se inclui em seu conteúdo a proteção

de um mínimo existencial que seria “o conjunto de bens e utilidades básicas para a

integral, ou seja, a sua justiciabilidade seria imediata. Por outro lado, quanto aos diretos e garantias sociais, econômicos e

culturais, a sua implementação se daria de forma progressiva, na medida das possibilidades econômicas do Estado. 87 A Constituição brasileira, em seu art. 5º, §2º, expressa que os direitos fundamentais nela consagrados não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados. 88 Declaração do Direitos Humanos (1948), Constituição alemã (1949), Constituição Italiana (1947), Constituição portuguesa

(1976), Constituição espanhola (1978), Constituição brasileira (1988).

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subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. Aquém daquele patamar,

ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade.” (BARROSO, 2011, p.275)

Dentre os direitos a serem reconhecidos como o mínimo existencial de qualquer

pessoa, merecedora de respeito a sua dignidade, estão a percepção de uma renda mínima (que

assegure a manutenção das necessidades básicas, tais como, alimentação, moradia e

vestuário); educação fundamental; saúde básica e acesso à justiça89

.

No âmbito do Direito Civil, o princípio da dignidade da pessoa humana possui como

conteúdo também os direitos da personalidade, aí incluídos os direitos à integridade física

(direito à vida, direito à disposição do próprio corpo, direito ao cadáver) e os direitos à

integridade moral (direito à honra, à imagem, à privacidade, direitos autorais, etc.).

3.3 Marco teórico

A teoria clássica do Direito, associada à ideia positivista, voltava o estudo jurídico

apenas para o âmbito de aplicação da norma. A fase de elaboração normativa e eleição de

políticas públicas estava fora do domínio jurídico e pertencia ao campo da política.

A reaproximação do Direito à ética e à política e a chamada “invasão da Constituição”

como características do Constitucionalismo Contemporâneo, importaram em uma nova forma

de pensar o Direito que vai além do seu âmbito de aplicação. O pensamento do novo Direito

Constitucional prega que, ainda quando se esteja tratando de opções legislativas ou de eleição

de políticas públicas, deve-se respeitar as opções constitucionais, sob pena de possibilidade de

recurso ao Poder Judiciário. Ou seja, tanto o legislador quanto o administrador público devem

pautar-se pelas opções, objetivos e limitações constitucionais, caso contrário, o Poder

Judiciário poderá ser acionado para determinar uma concretização compulsória das normas

desrespeitadas.

Essa força constitucional que se espalha pelo ordenamento, conformando e vinculando

a edição das demais normas e a eleição de políticas públicas, decorre da adoção de três

marcos teóricos fundamentais ao Constitucionalismo Contemporâneo, abaixo brevemente

analisados.

89 O acesso à justiça é uma garantia instrumental para proteger e implementar outros direitos básicos inerentes à dignidade

humana.

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3.3.1 Força normativa da Constituição

O primeiro paradigma teórico do novo constitucionalismo merecedor de destaque é a

força normativa atribuída à Constituição. As normas constitucionais deixaram de ser vistas

como parte de um documento estritamente político, de uma carta de intenções direcionada ao

legislador e que só seria concretizada na medida de sua discricionariedade.

O grande teórico da força normativa da Constituição foi Konrad Hesse que sempre

considerou essencial que a Constituição incorporasse o estado espiritual do seu momento

histórico e considerasse elementos sociais, políticos e econômicos dominantes, sob pena de,

não o fazendo, perder a sua força.

O autor se insurge contra a ideia de que a “Constituição jurídica” se limitaria a

representar por escrito a “Constituição real”, esta última composta pelos fatores reais de

poder. Para ele, concordar com essa afirmação seria o mesmo que descaracterizar o Direito

Constitucional como uma ciência, reduzindo-o ao papel de justificador das relações de poder

dominante, além de o equiparar à sociologia ou à ciência política.

Hesse defende a existência de um condicionamento recíproco entre a Constituição

jurídica e a realidade político-social, afirmando que a pretensão de vigência da Constituição

somente será realizada se considerar essa realidade. A Constituição, ordenação conformadora

da realidade social, não pode estar dissociada da realidade político-social, pelo contrário,

ambos os institutos devem interagir em um condicionamento recíproco.

Para o autor, a força normativa está ligada à possibilidade de realizar o conteúdo da

Constituição, ou seja, a sua normatividade se intensifica à medida que as normas

constitucionais e as circunstâncias sociais se aproximam mutuamente90

, aduzindo que “a

intensidade da força normativa da Constituição apresenta-se, em primeiro plano, como uma

questão de vontade normativa, de vontade de Constituição” (HESSE, 1991, p.24).

A força normativa da Constituição depende, portanto, de um lado, da possibilidade de

se realizar os conteúdos da Constituição e, de outro, está condicionada pela vontade constante

dos integrantes do processo de concretização em realizá-los. Nas palavras do autor,

90 Nesse mesmo sentido, Giuseppe Vergottini: “a doutrina da Constituição material demonstra que o princípio normativo que

origina e justifica um ordenamento, isto é, a Constituição por excelência, consiste na força normativa da vontade política,

com aplicação realista do princípio de efetividade (princípio que, se bem que com perspectiva diversa, é também usado, em

última instância, pela própria doutrina normativista, ao procurar encontrar, voltando atrás, uma justificação última para as

normas gradualmente dispostas em um sistema). A Constituição material tem, portanto, condições de se apresentar como a

real fonte de validade do sistema (e, consequentemente, também da Constituição formal), de lhe garantir a unidade como

fundamento de avaliação interpretativa das normas existentes e de preencher suas lacunas, de permitir identificar os limites

da continuidade e mudanças do Estado, sendo ela o parâmetro de referência. São, portanto, os princípios constitucionais

fundamentais, a que aludimos, que revestem essencial importância na compreensão de uma Constituição. É a estes que

havemos de fazer referência” (VERGOTTINI, 1998, p.260).

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80

Esta fuerza normativa se halla condicionada de una parte por la posibilidad de

realización de los contenidos de la Constitución. Cuanto mayor sea la conexión de

sus preceptos con las circunstancias de la situación histórica, procurando conservar

e desarrollar lo que ya se halla esbozado en la posición individual del presente,

tanto mejor conseguirán estos preceptos desplegar su fuerza normativa. Cuando la

Constitución ignora el estado de desarrollo espiritual, social, político o económico

de su tiempo, se ve privada del imprescindible germen de fuerza vital, resultando

incapaz de conseguir que se realice el estado por ella dispuesto en contradicción

con dicho estado de desarrollo. Su fuerza vital y operativa se basa en su capacidad

para conectar con las fuerzas espontaneas y las tendencias vivas de la época, de su

capacidad para desarrollar y coordinar estas fuerzas, para ser, en razón de su

objeto, el orden global especifico de las relaciones vitales concretas.

De otra parte, la fuerza normativa de la Constitución se halla condicionada por la

voluntad constante de los implicados en el proceso constitucional de realizar los

contenidos de la Constitución. Puesto que la Constitución como todo orden

jurídico precisa de su actualización por medio de la actividad humana, su fuerza

normadora depende de la disposición para considerar como vinculante sus

contenidos y de la resolución de realizar estos contenidos incluso frente a

resistencias; ello tanto más cuanto que la actualización de la Constitución no puede

ser apoyada e garantizada en la misma medida que la actualización de otro derecho

por los poderes estatales, lo cuales no son constituidos sino a través de esta

actualización.91

(HESSE, 1983, p.27-28)

É importante observar que, por mais que a Constituição se configure como a ordem

jurídica fundamental da comunidade, ela deve permanecer incompleta, deixando abertas

algumas questões para serem adaptadas, na medida em que ocorrerem mudanças na realidade

político-social, pois “afigura-se igualmente indispensável que a Constituição mostre-se em

condições de adaptar-se a uma eventual mudança dessas condicionantes” (HESSE, 1991,

p.21).

Além de prever normas de organização, Hesse defende que, para preservar a força

normativa – intimamente associada ao regular cumprimento da Constituição, em razão de sua

adequação à realidade – somente alguns poucos princípios devem estar no texto – o que

facilita a sua rápida adaptação – pois a constitucionalização de interesses momentâneos leva à

necessidade de reformas e à desvalorização da força normativa.

91 Tradução livre: “Esta força normativa está condicionada, por um lado, pela possibilidade de realização dos conteúdos da

Constituição. Quanto maior a conexão de seus preceitos com as circunstâncias da situação histórica, procurando preservar e

desenvolver o que já está esboçado na posição individual do presente, maior será a possibilidade de que estes preceitos

implementem sua força normativa. Quando a Constituição ignora o estado de desenvolvimento espiritual, social, político ou

econômico de seu tempo, vê-se privada do imprescindível germem de força vital, resultando incapaz de conseguir que se

realize o estado por ela disposto em contraposição ao estado de desenvolvimento. Sua força vital e operativa se baseia em sua

capacidade de se conectar com as foças espontâneas e as tendências vivas da época, de sua capacidade para desenvolver e

coordenar estas forças, para ser, em razão do seu objeto, a ordem global específica das relações vitais concretas.

Além disso, a força normativa da Constituição está condicionada pela vontade constante dos envolvidos no processo

constitucional de realizar o conteúdo da Constituição. Dado que a Constituição como toda ordem jurídica precisa de uma

atualização por meio da atividade humana, sua força normadora depende da disposição para considerar como vinculantes

seus conteúdos e da resolução de realizar seus conteúdos mesmo frente a resistências; isso tanto mais quanto a atualização da

Constituição não pode ser apoiada e garantida na mesma medida que a atualização de outro direito pelos poderes estatais, os

quais não são constituídos senão através dessa atualização.”

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A Constituição é, pois, uma norma jurídica suprema, dotada de força vinculante e

obrigatória e revestida de intensa carga valorativa. Sua força normativa estará assegurada

sempre que as suas normas correspondam à realidade fática, ao mesmo tempo em que estejam

abertas para eventuais adaptações e todos os participantes da vida constitucional pratiquem

seus mandamentos.

Lammêgo Bulos, defendendo que o princípio da força normativa da Constituição não é

um fenômeno do Constitucionalismo Contemporâneo, mas que já existe desde a época do

constitucionalismo moderno, em sua fase mais avançada, assim sintetiza os desdobramentos

do princípio da força normativa

Constatou-se que as constituições possuem uma força jurídica interna que as

distingue dos demais diplomas normativos (leis ordinárias, decretos, resoluções

etc.). Essa força jurídica interna revela três aspectos de notável envergadura no

panorama do constitucionalismo moderno: 1º) supremacia da constituição – todo e

que qualquer ato normativo sujeita-se à hegemonia do poder constituinte

originário; 2º) princípio da efetividade plena das normas constitucionais – os

preceitos constitucionais, mesmo aqueles que dependem de providência normativa

ulterior, existem para condicionar a realidade concreta de seu tempo, ainda que

essa pretensão encontre empecilhos e obstáculos aparentemente intransponíveis.

Era o começo da doutrina das normas constitucionais programáticas, que irá

encontrar o seu apogeu na fase contemporânea do constitucionalismo; e 3º) função

promocional das constituições modernas – ao contrário das teses do grau zero de

eficácia constitutiva do Direito Constitucional, presentes no constitucionalismo

antigo, exsurge a função promocional das normas constitucionais. As

constituições não estabelecem somente os mecanismos para o controle de

constitucionalidade de suas prescrições; além disso, elas promovem,

coercitivamente, a direção social, política, econômica e cultural do Estado. Daí o

caráter promocional de suas prescrições. Promocional, porque procura

acompanhar a evolução do Direito e o fluir das relações sociais, abandonando a

ideia de um ordenamento constitucional unicamente repressivo, para dar vazão às

grandes discussões que afetam o organismo social como um todo. (BULOS, 2011,

p.75-76)

O reconhecimento da força normativa, portanto, é um grande marco para o

Constitucionalismo Contemporâneo, pois proporcionou constatar o caráter vinculativo e

obrigatório das normas constitucionais que passaram a ter os mesmos atributos de

imperatividade, coercibilidade e executoriedade inerentes a todas as normas jurídicas.

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3.3.2 Supremacia92

e rigidez constitucional e a expansão da jurisdição constitucional

A ideia de supremacia constitucional remonta ao surgimento da primeira Constituição

norte-americana. Enquanto na Europa do século XVIII, ainda prevalecia o dogma da

supremacia do parlamento, a Constituição norte-americana já surge influenciada pelas ideias

de Alexander Hamilton no sentido de que deveria ser considerada um instrumento superior às

leis emanadas do parlamento.

Hamilton defendia que a Constituição era um ato de delegação popular. Nesse

documento, o povo americano havia imposto uma série de determinações de observância

obrigatória aos Poderes Executivo e Legislativo – os detentores do mandato conferido pela

delegação popular contida na Constituição. Sendo, pois um ato de delegação popular, as

determinações constitucionais deveriam ser consideradas superiores àquelas emanadas de leis

elaboradas pelo Poder Legislativo, afinal, as determinações do mandante (povo) são

logicamente superiores às dos seus representantes (Poder Legislativo)

No legislative act, therefore, contrary to the Constitution, can be valid. To deny

this, would be to affirm, that the deputy is greater than this principal; that the

servant is above his master; that the representatives of the people are superior to

the people themselves; that men acting by virtue of powers, may do not only what

their power do not authorize, but what they forbid.93

(HAMILTON, 1787, p.211-

212)

Assim, a Constituição norte-americana seria uma Constituição limitativa dos poderes

do corpo Legislativo e jamais a vontade dos poderes constituídos poderia ser superior à do

poder constituinte. Nas palavras de Hamilton

92 É importante observarmos que a ideia de supremacia das normas constitucionais surgiu em momentos distintos na Europa

continental e nos Estados Unidos. MATTEUCCI (1998, p.255) afirma que “O princípio da primazia da lei, a afirmação de

que todo poder político tem de ser legalmente limitado, é a maior contribuição da Idade Média para a história do

Constitucionalismo. Contudo, na Idade Média, ele foi um simples princípio, muitas vezes pouco eficaz, porque faltava um

instituto legítimo que controlasse, baseando-se no direito, o exercício do poder político e garantisse aos cidadãos o respeito à

lei por parte dos órgãos do Governo. A descoberta e aplicação concreta desses meios é própria, pelo contrário, do

Constitucionalismo moderno; deve-se particularmente aos ingleses, em um século de transição como foi o século XVII,

quando as Cortes judiciárias proclamaram a superioridade das leis fundamentais sobre as do Parlamento, e aos americanos,

em fins do século XVIII, quando iniciaram a codificação do direito constitucional e instituíram aquela moderna forma de

Governo democrático, sob o qual ainda vivem.” Ou seja, no sistema constitucional norte-americano, já imbuído das ideias de

necessidade de controle dos atos do parlamento (e fortemente influenciado pela ideia de norma fundamental do sistema

inglês), não houve dificuldade em se defender a superioridade das normas constitucionais, que deveriam servir de limites à

própria atuação do órgão legislativo. Já na Europa continental, a ideia de supremacia constitucional é bem recente, data da

segunda metade do século XX. 93 Tradução livre: “Nenhum ato legislativo, portanto, contrário à Constituição, pode ser válido. Negar isso, seria afirmar que

o delegado é maior do que o delegante, que o servo está acima do seu mestre; que os representantes do povo são superiores

ao próprio povo; que os homens que agem por força dos poderes concedidos podem fazer não só o que o seu poder não

autoriza, mas o que eles proíbem.”

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83

By a limited Constitution, I understand one which contains certain specified

exceptions to the legislative authority; such, for instance, as that it shall pass no

bills of attainder, no ex post facto laws, and the like. Limitations of this kind can

be preserved in practice no other way than through the medium of courts of

justice, whose duty it must be to declare all acts contrary to the manifest tenor of

the Constitution void. Without this, all the reservations of particular rights or

privileges would amount to nothing.94

(HAMILTON, 1787, p.210-211)

Na Europa continental, o modelo legalista que fundamentava a ideia de soberania do

Legislativo somente é deixado de lado após a Segunda Guerra Mundial e, com inspiração no

modelo norte-americano, quando emerge a ideia de supremacia da Constituição.

Conforme já observamos, a superação do positivismo jurídico decorreu do

entendimento de que o fundamento de validade das normas jurídicas não poderia estar apenas

em critérios formais, mas deveria haver uma legitimação de conteúdo material. Isto significa

que era necessário incorporar ao Direito valores éticos que seriam sua fonte legitimadora.

A crise do Estado legalista relacionou-se a uma crescente desconfiança na atividade

legislativa que, se por um lado, havia sido capaz de produzir ordenamentos jurídicos

totalitários e ensejadores de verdadeiras atrocidades sob o manto da legalidade durante os

regimes nazista e fascista, por outro, também havia sido responsável por uma excessiva

regulamentação da vida social e a intromissão do Estado em setores antes ressalvados de sua

interferência95

.

É nesse momento que os valores ingressam definitivamente no ordenamento jurídico e

se alocam nas Constituições – na qualidade de princípios – que, agora, deixam de ser

encaradas como meras declarações de direitos, sem conteúdo jurídico efetivo, para serem

vistas como normas coercitivas e imperativas a serem concretizadas.

A Constituição, agora considerada suprema e permeada de valores (princípios),

irradia-se por todo o ordenamento jurídico conformando e legitimando as demais normas. Os

princípios fundamentais são incluídos no centro duro e imutável das Constituições,

proporcionando a sua proteção contra uma ação ilegítima do parlamento.

O novo modelo de supremacia da Constituição – em contraposição à supremacia do

parlamento – favorece a proteção aos direitos fundamentais (incluídos no núcleo rígido do

texto constitucional) contra uma possível ação danosa do processo político majoritário.

Consolida-se, assim, a noção de rigidez constitucional.

94 Tradução livre: “Por uma Constituição limitada, eu entendo aquela que contém certas exceções específicas à autoridade

legislativa; como, por exemplo, a de que não se deve aprovar projetos de lei para confisco de bens, nem leis ex post facto, e

assim por diante. Este tipo de limitação apenas pode ser preservado, na prática, por meio dos tribunais, que possuem o dever

de declarar todos os atos contrários ao manifesto de conteúdo da Constituição inválidos. Sem isso, todas as reservas de

direitos ou de privilégios particulares equivaleriam a nada.” 95 Esse fenômeno se deu, principalmente, no período do Welfare State.

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A partir da ideia de supremacia e rigidez constitucional, surge a necessidade de

instituir uma jurisdição constitucional que tivesse por função justamente proteger a

Constituição e a manutenção dos seus atributos.

Nos Estados Unidos, desde o início do século XIX, a partir do julgamento do caso

Marbury v. Madison (1803), institucionalizou-se um modelo de jurisdição constitucional na

qual todos os membros do Judiciário estavam habilitados a verificar a compatibilidade das

leis com a Constituição. O desenvolvimento desse sistema foi favorecido pela opinião, sempre

presente naquele modelo constitucional, de que a Constituição era o instrumento de limitação

do parlamento e, portanto, deveria apresentar-se suprema a todas as demais normas.

Com a adoção, pela Europa continental, na segunda metade do século XX, dessa ideia

de supremacia constitucional – Constituição como limitadora do parlamento – a ideia de

supremacia do parlamento foi abandonada.

Se a supremacia era da Constituição – e não da lei – e se esta apresentava um núcleo

de valores intangível – princípios – havia a necessidade de se instituir um controle de

compatibilidade das leis com as normas constitucionais.

Após um intenso debate acerca de quem deveria ser o guardião da Constituição (se os

Poderes Executivo, Legislativo ou um órgão especificamente criado para esse fim, o Tribunal

constitucional96

), acabou prevalecendo em boa parte dos países das Europa continental o

modelo idealizado por Hans Kelsen para a Constituição austríaca de 1920. Foi possível,

assim, consolidar a jurisdição constitucional para garantir e concretizar as normas

constitucionais.

3.3.3 A nova interpretação constitucional

A mudança do centro do ordenamento jurídico da lei para a Constituição, a instituição

da Jurisdição Constitucional, o influxo das teorias pós-positivistas, o desenvolvimento de uma

teoria dos direitos fundamentais, baseada na dignidade da pessoa humana, a grande

complexidade das sociedades modernas, o pluralismo valorativo, a adoção da razão prática

como um parâmetro de fundamentação jurídica, entre outros, são fatores que influenciaram

sobremaneira as mudanças na hermenêutica constitucional97

.

96 O tema da Justiça Constitucional será desenvolvido no Capítulo 4. 97 A hermenêutica de uma forma geral, não só a constitucional, sofre profundas mudanças ao longo do século XX,

especialmente na segunda metade, sob a influência de todos os fatores enumerados e, ainda, em razão da influência da Teoria

Crítica do Direito e da filosofia da linguagem.

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Os cânones hermenêuticos não são mais suficientes para a interpretação

constitucional. Chegamos à conclusão de que essas regras hermenêuticas foram desenvolvidas

para a interpretação de textos normativos, sendo que as normas constitucionais não são

determinadas apenas pelo seu texto, mas pelo processo mesmo de interpretá-las com o

objetivo de concretizá-las.

O fato de as Constituições contemporâneas se apresentarem com um caráter aberto, o

que permite sua adaptabilidade necessária ao longo do tempo, fez com que as normas

constitucionais se mostrassem abstratas, prevendo conceitos vagos, cláusulas gerais e

princípios.

Celso Ribeiro Bastos (2002, p.105-122) ensina que a norma constitucional tem certas

peculiaridades – inicialidade fundante das normas constitucionais, caráter aberto e

possibilidade de atualização; linguagem constitucional sintética, ampla e principiológica;

opções políticas nas normas constitucionais – que justificam uma hermenêutica própria.

A interpretação constitucional, portanto, deixou de estar adstrita à análise do texto da

Constituição e passou a depender da concretização da norma constitucional, da sua aplicação

ao caso concreto. Com base em Konrad Hesse, a interpretação passou a ser concretização, ou

seja, a atualização ou abertura dos textos normativos. A norma jurídica não se identifica com

o texto normativo, mas apenas é encontrada diante de um problema real.

Com apoio, principalmente, nas ideias da hermenêutica filosófica e na doutrina de

Friedrich Müller e sua teoria estruturante da norma, Konrad Hesse se apresenta como o

grande teórico da nova hermenêutica constitucional defendendo a interpretação constitucional

como concretização, mediante a incorporação da realidade de cuja ordenação se trata. Para o

autor, o objetivo da interpretação

es el de hallar el resultado constitucionalmente “correcto” a través de un

procedimiento racional y controlable, el fundamentar este procedimiento de modo

igualmente racional y controlable, creando, de este modo, certeza y previsibilidad

jurídicas, y no, acaso, el de la simple decisión por la decisión.98

(HESSE, 1983,

p.37)

Assim, texto legal e norma jurídica diferem, pois só será norma jurídica aquilo que

resultar da aplicação diante de um caso concreto. O problema é, então considerado, um dos

elementos estruturantes da norma jurídica.

98 Tradução livre: “é o de encontrar o resultado constitucionalmente ‘correto’ através de um procedimento racional e

controlável, o de fundamentar esse procedimento de modo igualmente racional e controlável, criando, assim, a certeza e

previsibilidade jurídica, e não, a possibilidade da simples decisão pela decisão.”

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Para Hesse, a realização da Constituição depende de uma interação com a realidade,

pois o conteúdo da norma constitucional não consegue ser realizado apenas com base nas

pretensões contidas no texto da norma. A concretização do conteúdo de uma norma

constitucional depende da incorporação das circunstâncias da realidade que essa norma é

chamada a regular. Por tal motivo

a fin de poder dirigir la conducta humana en cada una de las situaciones, la norma

en mayor o menor medida fragmentaria necesita “concretización”. La cual sólo

será posible cuando se tomen en consideración en dicho proceso, junto al contexto

normativo, las singularidades de las relaciones vitales concretas sobre las que la

norma constitucional no puede prescindir de estas singularidades, so pena de

fracasar ante los problemas planteados por las situaciones que la Constitución esta

llamada a resolver.99

(HESSE, 1983, p.29)

A concretização pressupõe compreender o conteúdo da norma e deve estar vinculada à

pré-compreensão100

do intérprete e ao problema concreto que se quer resolver. Assim, a

concretização da norma constitucional depende da aceitação, como parte do processo de

interpretação, de duas ideias fundamentais: a influência da pré-compreensão e da necessidade

de um problema concreto a ser resolvido. Hesse admite a forte influência da pré-compreensão

e dos hábitos mentais sobre a atividade interpretativa, porém, deixa claro que essa primeira

aproximação à coisa, condicionada pelos seus prévios conhecimentos, deverá ser revista e

corrigida para que a unidade de sentido seja corretamente fixada, sem arbitrariedade.

(HESSE, 1983, p. 43)

Tendo em vista a especificidade das normas constitucionais – o seu caráter amplo e

aberto – Konrad Hesse apresenta princípios específicos da interpretação constitucional, para

ele “A los principios de la interpretación constitucional les corresponde la misión de orientar

99 Tradução livre: “a fim de dirigir o comportamento humano em cada uma das situações, a norma em maior ou menor

medida fragmentária necessita de ‘concretização’. A qual só será possível quando se leva em consideração neste processo,

juntamente com o contexto normativo, as singularidades das relações vitais concretas em que a norma constitucional não

pode prescindir dessas singularidades, sob pena de fracassar ante os problemas levantados pelas situações que a Constituição

está chamada a resolver.” 100 “El intérprete no puede captar el contenido de la norma desde un punto cuasi arquimédico situado fuera de la existencia

histórica en la que se encuentra, cuya plasmación ha conformado sus hábitos mentales, condicionado sus conocimientos y sus

pre-juicios. El intérprete comprende el contenido de la norma a partir de una pre-comprensión que es la que va a permitir

contemplar la norma desde ciertas expectativas, hacerse una idea del conjunto y perfilar un primer proyecto necesitado aún

de comprobación, corrección y revisión a través de un análisis más profundo, hasta que, como resultado de la progresiva

aproximación a la “cosa” por parte de los proyectos en cada caso revisados, la unidad de sentido queda claramente fijada.”

(HESSE, 1983, p.44). Tradução livre: “O intérprete não pode captar o conteúdo da norma a partir de um ponto quase

arquimédico fora da existência histórica, cujo enquadramento moldou seus hábitos mentais, condicionando o seu

conhecimento e pré-conceitos. O intérprete compreende o conteúdo da norma a partir de uma pré-compreensão que é o que

vai permitir contemplar a norma a partir de certas expectativas, ter uma noção do todo e traçar um primeiro esboço que ainda

demandará comprovação, correção e revisão através de uma análise mais aprofundada, até que, como resultado da

progressiva aproximação da ‘coisa’ por parte dos esboços em cada caso revisados, a unidade de significado resta claramente

definida.”

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y encauzar el proceso de relación, coordinación y valoración de los puntos de vista o

consideraciones que deben llevar a la solución del problema”101

. (HESSE, 1983, p.47-48)

Entre eles, citamos: 1) unidade da Constituição – nenhuma norma constitucional pode

ser contemplada isoladamente, vez que há uma interdependência entre todos os elementos

constitucionais e deve-se sempre ter em mente a necessidade de evitar o surgimento de

contradições entre as normas constitucionais; 2) concordância prática102

– a relação de

interdependência das normas constitucionais exige que os bens jurídicos nela protegidos

sejam coordenados de forma que, na solução do problema, a sua identidade seja sempre

preservada. Havendo colisão entre normas constitucionais, não se pode, mediante uma

abstrata ponderação de bens ou valores, realizar um dos bens e sacrificar o outro. A unidade

da Constituição exige estabelecer o limite de ambos os bens, de modo que cada um atinja uma

efetividade ótima. A fixação desses limites deve observar o princípio da proporcionalidade

para não ir além do necessário para a concordância entre ambos os bens; 3) correção

funcional – o intérprete deve observar a função constitucionalmente atribuída aos órgãos e

não deve modificar essa distribuição de funções por meio da interpretação; 4) critério da

eficácia integradora – na busca da solução dos problemas jurídico-constitucionais, sempre se

deve dar preferência àquelas soluções que preservem a unidade política da Constituição; 5)

força normativa da Constituição – é preciso que por meio da interpretação seja dada

preferência àqueles pontos de vista que proporcionam o alcance da máxima eficácia das

normas constitucionais, diante das circunstâncias de cada caso, visto que, para preservar a sua

força normativa, a Constituição deve ser realizada pelos integrantes do processo de

concretização que devem apresentar vontade de realizar os conteúdos constitucionais; 6)

interpretação conforme a Constituição – uma lei não deve ser declarada nula quando possa ser

interpretada em conformidade com a Constituição, visto que as normas constitucionais não

são apenas “normas-parâmetro”, mas também normas de conteúdo na determinação do teor

das leis ordinárias. (HESSE, 1983, p. 48-57).

No Brasil, Celso Ribeiro Barros sistematizou o estudo da nova interpretação

constitucional. Aquilo que Konrad Hesse apresenta como princípios da interpretação

constitucional, Celso Ribeiro Bastos denomina pressupostos hermenêutico-constitucionais ou

postulados. Para o autor,

101 Tradução livre: “Aos princípios de interpretação constitucional corresponde a missão de orientar e dirigir o processo de

articulação, coordenação e valoração dos pontos de vista ou considerações que devem levar à solução do problema.” 102 Também chamado por alguns autores de princípio da harmonização.

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esses postulados são um comando, uma ordem mesma, dirigida a todo aquele que

pretende exercer uma atividade interpretativa. Os postulados precedem a própria

interpretação, e se quiser, a própria Constituição. São, pois, parte de uma etapa

anterior à de natureza interpretativa, que tem de ser considerada enquanto

fornecedora de elementos que se aplicam à Constituição, e que significam,

sinteticamente, o seguinte: não poderás interpretar a Constituição devidamente

sem antes atentares para estes elementos. Trata-se de uma condição, repita-se, da

interpretação. Não se terá verdadeira atividade interpretativa se não estiver o

intérprete bem imbuído dessas categorias. Concluindo, o intérprete fica diante de

enunciados cogentes, dos quais a sua atividade (interpretativo-constitucional) não

poderá descurar. (BASTOS, 2002, p.165-166)

Entre eles, estão: 1) supremacia da Constituição – ocupando a Constituição uma

posição de primazia no ordenamento jurídico, a interpretação de todas as demais normas deve

ser feita a partir das normas constitucionais; 2) unidade da Constituição – como são normas

que formam um sistema interdependente e harmônico, o intérprete sempre deverá considerar a

Constituição em sua globalidade e harmonizar eventuais tensões entre as normas para

preservar a sua unidade política e de conteúdo; 3) maior efetividade possível – sempre que

possível o dispositivo constitucional deverá ser interpretado de modo que se lhe confira maior

eficácia, ou seja, deve ser preservada a carga material de cada norma, não sendo aceitável a

sua nulificação, mesmo parcial; 4) harmonização – para evitar a exclusão ou o sacrifício de

algum dispositivo constitucional, deve-se sempre atribuir às normas constitucionais um

conteúdo coerente com as demais normas, evitando assim eventuais conflitos. (BASTOS,

2002, p.172-179)

Importante observar que, para Celso Ribeiro Bastos (2002, 263-298), a interpretação

conforme a Constituição não seria um princípio e nem um postulado da interpretação

constitucional, mas uma das modernas formas de interpretação constitucional ao lado da

declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto; da declaração de

constitucionalidade de norma em trânsito para a inconstitucionalidade e a mutação

constitucional; da declaração de inconstitucionalidade como apelo ao legislador; da

declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, etc.

Já para Gomes Canotilho (2003, p.1310), a interpretação conforme a Constituição

seria um “instrumento hermenêutico de conhecimento das normas constitucionais que

impõem recurso a estas para determinar e apreciar o conteúdo intrínseco da lei” ou seja seria

mais um “princípio de prevalência normativo-vertical ou de integração hierárquico-

normativa do que um simples princípio de conservação de normas”.

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4 DESENVOLVIMENTO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL103

O surgimento e o desenvolvimento da Justiça Constitucional se deram pincipalmente

na Europa, após a Segunda Guerra Mundial. Ao contrário do que aconteceu nos Estados

Unidos – onde o movimento constitucionalista gerou, desde o início, uma noção de limitação

do parlamento e de superioridade da Constituição – na Europa, ainda vigorou por mais de 150

anos a ideia de superioridade do parlamento e das leis emanadas desse órgão.

Havia uma total identificação entre lei e Direito e o monopólio da produção do Direito

era do Poder Legislativo. Prevalecia na Europa continental uma concepção de que os juízes

não estavam autorizados a exercer nenhuma atividade interpretativa das leis, eles deveriam se

limitar a aplicá-las tal qual emanadas do parlamento e segundo o método de subsunção. A

atividade judiciária era considerada mecanicista e toda atividade normativa deveria emanar do

legislativo.

Essa função secundária atribuída ao Poder Judiciário decorria do receio que os

responsáveis pela Revolução Francesa tinham para com os juízes, que sempre foram o braço

executivo do monarca. Daí a opção por lhes deixar um papel menos relevante no momento

pós-revolucionário. Essa tentativa de impor limites rígidos ao Poder Judiciário pode ser

evidenciada pela elaboração de um decreto, em agosto de 1790, que proibiu os tribunais de

fazerem regulamentos e determinou que se dirigissem ao Legislativo sempre que julgassem

necessário interpretar uma lei; era a técnica da référé législatif (KELSEN, 20117, p. IX). Em

meio ao predomínio desse Estado legalista não foi possível desenvolver uma Justiça

Constitucional, tal como ocorreu nos Estados Unidos.

Somente a partir da segunda metade do século XX, o Estado legalista entrou em

decadência. Essa derrocada veio da constatação de que não poderia haver um ordenamento

103 Esclarecemos que, neste trabalho, optamos por utilizar a expressão Justiça Constitucional em vez da mais popular

jurisdição constitucional para designar apenas o estudo da Justiça que se desenvolve no âmbito do Tribunal Constitucional,

adotando-se, integralmente, as ideias de André Ramos Tavares (2005, p.142-153). Concordamos com o referido autor quando

afirma que a utilização da expressão jurisdição constitucional seria mais adequada para identificar “a parcela da atividade

pela qual se realiza, jurisdicionalmente, vale dizer, consoante um método jurídico processual, a proteção da Constituição em

todas as suas dimensões” (TAVARES, 2005, p.144). Daí porque a terminologia jurisdição constitucional “inculca a ideia de

desenvolvimento processual consoante o rito judicial, visando a atuação constitucional. Nesse sentido, intensamente

utilizado, a jurisdição constitucional refere-se ao estudo de questões mais propriamente processuais. Realiza-se um corte

prévio para admitir, sem maiores preocupações, que a defesa e cumprimento último da Constituição opera-se mediante um

processo de tomada de decisão de caráter jurisdicional. Elimina-se, assim, questões essenciais a uma completa teoria da

Justiça Constitucional, como o estudo da natureza política ou jurídica do processo de decisão que dele deriva, quando

realizada pelo Tribunal Constitucional” (TAVARES, 2005, p.146). Assim, a utilização da expressão jurisdição constitucional

limitaria nosso estudo aos aspectos processuais das atividades desenvolvidas pelos Tribunais Constitucionais, quando, na

realidade, é interessante abordarmos também questões mais amplas quanto ao estudo político ou jurídico da natureza das

funções do Tribunal Constitucional e ainda aspectos de legitimidade democrática, por exemplo. É importante notarmos,

também, que o estudo da Justiça Constitucional se limita a analisar a atuação do Tribunal Constitucional e não tem por foco o

desenvolvimento da jurisdição constitucional perante outros tribunais ou juízos.

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jurídico indiferente a valores, o que gerou uma desconfiança em relação à adoção de critérios

de validade apenas formal da lei, e para com o Poder Legislativo que, apesar de ser

considerado o órgão composto por representantes do povo, havia dado suporte às atrocidades

cometidas sob o manto da legalidade.

A verificação de que o apego à legalidade exacerbada permitiu a ocorrência de fatos

sangrentos, nazistas e fascistas, fez florescer a ideia de que a lei precisava apresentar um

conteúdo valorativo para se legitimar como Direito. Esses valores compartilhados socialmente

deveriam integrar as Constituições dos Estados que, até aquele momento, eram, em geral,

apenas um documento simbólico, uma carta de intenções.

Essa crise dos critérios de validade formal fez emergir uma nova forma de se encarar o

Direito e, especialmente, o Direito Constitucional, que passa a ser a base de toda a ciência

jurídica. A Constituição se transforma no fundamento e na essência de todo o ordenamento

jurídico, adquire um valor normativo hierarquicamente superior e começa a ser vista como lex

superior, fonte da produção normativa, o que faz dela um parâmetro obrigatório a ser

observado por todos os atos do Estado. Há, portanto, uma constitucionalização do Direito.

Inicia-se aí a necessidade de se verificar a compatibilidade das leis às normas constitucionais,

de conformidade substancial dos atos dos Poderes públicos para com as normas e princípios

hierarquicamente superiores da Constituição.

A supremacia jurídica da Constituição, mesmo sendo o traço mais característico do

Estado Constitucional de Direito, não é algo que pode ser identificado apenas pelo texto

constitucional, mas depende do reconhecimento da rigidez da Constituição. Somente quando

se estabelece um sistema de revisão constitucional reforçado (mais difícil que a tramitação

legislativa ordinária) e um sistema de controle de constitucionalidade da lei e de outros atos

de poder é que será possível afirmar a supremacia das normas constitucionais. Assim,

podemos constatar que a supremacia da Constituição e a Justiça Constitucional são realmente

conceitos intrinsecamente unidos.

Nos Estados Unidos, país precursor na instituição de um mecanismo de controle de

constitucionalidade das normas, apontou-se, desde o início, o Poder Judiciário como o órgão

responsável para realizar essa tarefa. Por outro lado, na Europa, ainda muito influenciada pelo

dogma da supremacia do parlamento, instaurou-se um longo debate sobre quem deveria ser o

guardião da Constituição, ou seja, qual entidade teria por função proteger a Constituição

contra eventuais violações, aplicando-a, realizando-a e cumprindo-a104

.

104 A par da existência de uma instância especializada, é importante notar que cidadão também dever ser entendido como

guardião da Constituição. André Ramos Tavares (2005, p.74-74) aponta diversos dispositivos constitucionais de alguns

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O debate polarizou-se, basicamente, entre Hans Kelsen e Carl Schmitt105

. Kelsen

(2007, 151-153) defendia a atribuição dessa função ao Tribunal Constitucional, que não seria

um órgão do Poder Judiciário, mas do Legislativo, com uma tarefa de legislador negativo e

cuja legitimidade democrática estaria na indicação política de seus membros, não obstante o

autor tenha reconhecido que a atividade a ser desenvolvida por esse órgão teria nítida

semelhança com a atividade judicial. Para Schmitt (1983, p. 248-250), a guarda da

Constituição deveria ser feita por um terceiro neutro com função “mediadora, tutelar e

reguladora”. Ele identificou que essas características estariam presentes no Presidente do

Reich, pois a sua independência, imparcialidade e neutralidade residiria na sua eleição direta

pelo povo alemão, para um mandato de 7 anos, nas travas que existem à revogação desse

mandato e na sua independência com relação às maiorias parlamentares.

Podemos afirmar que a existência de uma Justiça Constitucional e de um Tribunal

Constitucional106

foram uma criação decorrente do constitucionalismo norte-americano e que,

posteriormente, foi reelaborada e adaptada à realidade europeia por Hans Kelsen, na segunda

década do século XX. A ideia central da Justiça Constitucional está fundada na superioridade

das normas constitucionais sobre as demais leis do ordenamento. A Constituição se

transforma em parâmetro de validade de todo o ordenamento, do que decorre a necessidade de

conformar as demais leis às prescrições constitucionais (ENTERRIA, 2001, p.123).

Gomes Canotilho (2003, p.892) define a Justiça Constitucional como o “complexo de

atividades jurídicas desenvolvidas por um ou vários órgãos jurisdicionais, destinadas a

fiscalizar a observância e o cumprimento das normas e princípios constitucionais vigentes.”

Estados que preveem a posição do cidadão enquanto membro obrigado a proteger a Constituição. O autor afirma que

“qualquer um é partícipe na vida constitucional de seu Estado, e, nessa medida, pode transformar-se em curador da

Constituição” (TAVARES, 2005, p.71). Nesse sentido, quando a vontade de Constituição (HESSE, 1983, 78) estiver presente

na sociedade todos irão lutar de forma ativa para ver a Constituição cumprida e serão considerados seus curadores. 105 André Ramos Tavares aponta, ainda, uma constante tendência em boa parte da doutrina constitucional em indicar o

parlamento como o curador da Constituição; a interpretação constitucional seria feita por meio das leis editadas pelo

legislativo, em razão da representatividade democrática de tal órgão. Porém, o autor alega que tal modelo é inadequado, pois

ninguém pode ser juiz em causa própria. Ademais, configuraria um bis in idem atribuir tal tarefa ao legislador, visto que o

legislativo, quando edita leis já tem a obrigação de dar cumprimento à Constituição e, caso verifique a inconstitucionalidade

de uma determinada norma, poderá revogá-la por meio da edição de uma norma nova e constitucional. (TAVARES, 2005,

p.84-85) 106 Tribunal Constitucional para os fins desta pesquisa é o órgão que exerce certas funções, todas com foco na proteção e

concretização da Constituição e na necessidade de proteger a supremacia constitucional. Para que um tribunal se configure

constitucional não será necessário deter o exercício monopolizado da jurisdição constitucional, nem exercer com

exclusividade a função de controle da constitucionalidade, nem que seu modo de atuação se dê apenas por processo

autônomo. Ou seja, concordamos com André Ramos Tavares (2005, p. 153-159) que há Tribunal Constitucional ainda que

outros juízes e tribunais exerçam as funções de garantia e concretização da Constituição, ainda que sejam atribuídas outras

funções a esse tribunal, tais quais as funções de um tribunal supremo e ainda que os processos que se desenvolvam perante o

Tribunal Constitucional não sejam exclusivamente autônomos – muito embora, neste último caso, ainda que não seja

autônomo, as regras processuais que regem a atuação do Tribunal Constitucional sempre serão diversas das que regem o

processo comum, tendo em vista a atuação deste tribunal por meio do processo objetivo.

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O Estado Constitucional Democrático, portanto, para se preservar e se garantir, passou

a prever meios de garantia da observância das normas constitucionais e da imposição de

sanções contra atos dos órgãos de soberania e de outros Poderes públicos não conformes com

a Constituição (CANOTILHO, 2003, p.887). A manutenção e implementação desse aparato é

competência da Justiça Constitucional. Ou seja, é por meio da Justiça Constitucional que se

assegura a observância, a aplicação, a estabilidade e a conservação da Constituição. É a

Justiça Constitucional que garante a supremacia da Constituição. Gomes Canotilho afirma que

a fiscalização da constitucionalidade tanto é uma garantia de observância da

constituição, ao assegurar, de forma positiva, a dinamização da sua força

normativa, e, de forma negativa, ao reagir através de sanções contra a sua

violação, como uma garantia preventiva, ao evitar a existência de actos

normativos, formal e substancialmente violadores das normas e princípios

constitucionais. (CANOTILHO, 2003, p.889)

André Ramos Tavares (2005, p.199-200) aponta uma diversidade doutrinária sobre as

competências da Justiça Constitucional. Enumera que para Friesenhahn, ela deveria apreciar

os conflitos constitucionais, o controle das normas e o recurso de amparo; sendo que Enterria

acrescenta, ainda, a necessidade de controle prévio de constitucionalidade. Para Valdés, seria

necessário assegurar o caráter normativo da Constituição, garantir o respeito aos direitos

fundamentais e dar solução aos conflitos entre os órgãos do Estado. Favoreu defenderia como

ramos de competência o controle da constitucionalidade dos atos do Poder Público, a proteção

dos direitos fundamentais, o controle das regras da democracia representativa e participativa,

o controle dos demais Poderes públicos e seu funcionamento, o equilíbrio da federação.

Para Gomes Canotilho (2003, p. 895) as competências da Justiça Constitucional

seriam muito heterogêneas e abrangeriam a solução de litígios de competência entre os órgãos

supremos do Estado e aqueles decorrentes de limitação territorial, ou seja, relativos à

federação; o controle de constitucionalidade; a proteção dos direitos fundamentais; o controle

de regularidade da formação dos órgãos do Estado e dos seus titulares através do contencioso

eleitoral; e a averiguação e apuração dos crimes de responsabilidade.

Partindo-se dessa descrição inicial a respeito da essência da Justiça Constitucional,

julgamos necessário traçar um panorama sobre suas origens, desenvolvimento e competências

fundamentais para melhor entendermos o instituto.

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4.1 Judicial Review e o Modelo Norte-Americano

Conforme abordamos, o constitucionalismo norte-americano, desde o início,

estabeleceu uma concepção de Constituição bem diversa da que existia na Europa. Em razão

da intenção de limitar os poderes do parlamento e sob a influência da tradição do Direito

natural, em sua versão puritana, a Constituição foi erigida à categoria de norma suprema,

limitadora e conformadora das demais leis do parlamento.

A ideia de um “superdireito” limitador das demais normas já existia na tradição do

common law inglês, conforme explica Garcia de Enterria

el common law es el que habilita una técnica especifica a favor de esa supremacía

constitucional, la técnica de la judicial review, que proviene del common law

inglés, de su posición precisamente central como “Derecho común”, desde la cual

el Derecho común puede exigir cuentas a los statutes, a las leyes, como normas

puramente singulares o excepcionales que son, que penetran en un Derecho común

ya constituido. Esta técnica de predominio del common law sobre las leyes o

estatutos es lo que todavía hoy en el sistema inglés, que no conoce la técnica de la

constitucionalidad de las leyes, por motivos que inmediatamente vamos a ver, se

siegue llamando the control of the common law over statutes, es decir, el principio

interpretativo básico por virtud del cual el Derecho común sitúa dentro del sistema

que el representa, y normalmente con criterios restrictivos, todas las normas

singulares dictadas por el legislativo, puesto que el common law en su esencia no

es un derecho legislado, como bien sabido.107

(ENTERRIA, 2011, p.124)

Essa noção inglesa de superioridade do common law sobre as leis emanadas do

parlamento permitiu, ainda no começo do século XVII, que o juiz Edward Coke tentasse

implementar um controle de validade das leis que permitiria a sua anulação caso estivessem

em desconformidade com os princípios fundamentais do sistema, considerados uma expressão

do Direito natural. Essa tese não foi aceita pelo Direito inglês, onde sempre predominou o

dogma da superioridade do parlamento, porém, foi adotada pelos constituintes norte-

americanos.

Desde a elaboração da Constituição norte-americana havia notícia sobre a tentativa de

instituir um controle de constitucionalidade. Essa ideia original de adoção pela constituinte do

107 Tradução livre: “o common law possibilita uma técnica específica em favor dessa supremacia constitucional, a técnica da

judicial review, que provem do common law inglês, e de sua posição central como ‘Direito comum’, em razão da qual o

Direito comum pode exigir respeito por parte dos statutes, das leis, como normas puramente singulares e excepcionais que

são, que penetram em um Direito comum já estabelecido. Essa técnica de predomínio do common law sobre as leis ou

estatutos é o que, todavia, hoje, no sistema inglês, que não conhece a técnica da constitucionalidade das leis, por motivos que

imediatamente serão vistos, segue sendo chamado de the control of the common law over statutes, isto é, o princípio

interpretativo fundamental em virtude do qual o Direito comum situa dentro do sistema que ele representa, e normalmente

com critérios restritivos, todas as normas singulares ditadas pelo legislativo, posto que o common law, em sua essência, não é

um direito legislado, como sabido.”

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judicial review foi nitidamente inspirada no julgamento da House of Lords108

do Dr. Bonham

case, no qual Edward Coke asseverou, embora sem acolhimento, a controlabilidade dos atos

do parlamento inglês.

Mesmo contando com influentes defensores, dentre eles Madison109

e Hamilton, o

judicial review não foi acolhido pela constituinte e nem no processo posterior de ratificação

da Constituição (LEAL, 2006, p.20-21). São conhecidas as palavras de Hamilton segundo o

qual

Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. Negar isto seria

como sustentar que o procurador é maior que o mandante, que os representantes do

povo são superiores a esse mesmo povo, que aqueles que agem em virtude de

poderes concedidos podem fazer não só o que eles autorizam mas também aquilo

que proíbem. O corpo legislativo não é juiz constitucional de suas atribuições.

Torna-se mais razoável admitir os tribunais como elementos colocados entre o

povo e o corpo legislativo, a fim de manterem este dentro dos limites do seu poder.

Portanto, a verificar-se uma inconciliável divergência entre a Constituição e uma

lei deliberada pelo órgão legislativo, entre uma lei superior e uma lei inferior, tem

de prevalecer a Constituição. (HAMILTON apud MIRANDA, 2000, p. 18)

Mesmo não tendo sido admitido expressamente o judicial review, a Constituição

norte-americana previu a supremacy clause, segundo a qual a Constituição seria um Direito

superior que vincularia os juízes, frente às disposições contrárias das Constituições e leis

estaduais. A primeira emenda à Constituição, editada dois anos depois, estabeleceu um limite

expresso ao Poder Legislativo ao afirmar que o Congresso não poderia editar nenhuma lei que

estabelecesse ou proibisse o livre exercício da religião, que limitasse a liberdade de expressão

ou imprensa ou o direito de reuniões pacíficas ou de apresentar petições ao governo

(ENTERRIA, 2001, p.125-126).

4.1.1 A concepção de Hamilton e o paradigmático caso Marbury v. Madison

Hamilton fundamenta a sua defesa a respeito do judicial review em três premissas: no

acolhimento de uma determinada ideia de Constituição; na natureza da função exercida pelos

108 Interessante observar que, na Inglaterra, a Câmara dos Lordes (House of Lords), órgão integrante do Legislativo, exercia

função jurisdicional ao analisar em última instância os recursos contra as decisões da Corte de Apelação (Court of Appeal) e

exercia a função de corte de primeira instância para o julgamento de seus pares. As funções judiciais da Câmara dos Lords

foram sendo suprimidas, desde 2005, até que, em 2009, foi criada a Suprema Corte do Reino Unido que assumiu as funções

de corte de última instância do reino. Assim, curiosamente, durante quase toda a história do judiciário inglês, um órgão

integrante do parlamento exercia funções jurisdicionais e dava a última palavra acerca do que seria a lei em determinados

casos, o que favorecia o mecanismo de correção das decisões judiciais por meio da edição de lei pelo parlamento. 109 Importante notar que a concepção de controle de constitucionalidade defendida por Madison era bem diferente da

proposta por Hamilton. Enquanto este último pretendia um controle feito pelo Poder Judiciário, o primeiro sustentava a

“instituição de um conselho de revisão das leis, composto por membros dos Executivo e do Judiciário, que teria poder de

veto em relação aos atos editados pelo Congresso americano antes que entrassem em vigor” (LEAL, 2006, p.20).

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juízes e na estatura político-institucional do Poder Judiciário (LEAL, 2006, p.21). A

Constituição seria o ato pelo qual o povo soberano delegaria aos governantes poder para agir

em seu nome e reservaria para si vários direitos. Assim, sendo a Constituição o instrumento

que institui e regula a forma de proceder dos órgãos do Estado e que limita a autoridade do

Legislativo110

, ela aparece como logicamente superior a esses órgãos e juridicamente superior

às demais normas. A sua garantia, portanto, confia-se ao Poder considerado mais neutro e

mais fraco111

: o Judiciário. Nas palavras de Hamilton

If it be said that the legislative body are themselves the constitutional judges of

their own powers, and that the construction they put upon them is conclusive upon

other departments, it may be answered, that this cannot be the natural presumption,

where it is not to be collected from any particular provisions in the Constitution. It

is not otherwise to be supposed, that the Constitution could intend to enable the

representatives of the people to substitute their will to that of their constituents. Its

far more rational to suppose, that the courts were designed to be an intermediate

body between the people and the legislature, in order, among other things, to keep

the latter within the limits assigned to their authority. The interpretation of the

laws is the proper and peculiar province of the courts. A constitution is, in fact,

and must be regarded by the judge, as a fundamental law. It therefore belongs to

110 “The complete independence of the courts of justice is peculiarly essential in a limited Constitution. By a limited

Constitution, I understand one which contain specified exceptions to the legislative authority; such for instance, as that it

shall pass no bills of attainder, no ex post facto laws, and like. Limitations of this kind can be preserved in practice no other

way than through the medium of courts of justice, whose duty it must be to declare all acts contrary to the manifest tenor of

the Constitution void. Without this, all the reservations of particular rights or privileges would amount to nothing.”

(HAMILTON, 1787, p. 211). Tradução livre: “A independência completa dos tribunais é particularmente essencial em uma

Constituição limitada. Por uma Constituição limitada, eu entendo aquela que contém certas exceções específicas à autoridade

legislativa; como, por exemplo, a de que não se deve aprovar projetos de lei para confisco de bens, nem leis ex post facto, e

assim por diante. Este tipo de limitação apenas pode ser preservado, na prática, por meio dos tribunais, que possuem o dever

de declarar todos os atos contrários ao manifesto de conteúdo da Constituição inválidos. Sem isso, todas as reservas de

direitos ou de privilégios particulares equivaleriam a nada.” 111 “This simple view of the matters suggests several important consequences. It proves incontestably, that the judiciary is

beyond comparison the weakest of the three departments of power (1); that it can never attack with success either of the other

two; and that all passible care is requisite to enable it to defend itself against their attacks. It equally proves, that though

individual oppression may now and then proceed from the courts of justice, the general liberty of the people can never be

endangered from that quarter; I mean so long as the judiciary remains truly distinct from both the legislature and the

Executive. For I agree, that ‘there is no liberty, if the power of judging be not separated from the legislative and the executive

powers.’(2) And it proves, in the last place, that as liberty can have nothing to fear from the judiciary alone, but would have

every thing to fear from its union with either of the other departments; that as all the effects of such a union must ensue from

a dependence of the former on the latter, notwithstanding a nominal and apparent separation; that as, form the natural

feebleness of the judiciary, it is in continual jeopardy of being overpowered, awed, or influenced by its co-ordinate branches;

and that as nothing can contribute so much to its firmness and independence as permanency in office, this quality may

therefore be justly regarded as an indispensable ingredient in its constitution, and, is a great measure, as citadel of public

justice and the public security.” (HAMILTON, 1787, p.210-211). Tradução livre: “Essa visão simples da questão sugere

várias consequências importantes. É a prova incontestável que o Judiciário é, sem comparação, o mais fraco dos três

departamentos de poder (1); que ele nunca poderá atacar com sucesso qualquer um dos outros dois; e que todo o cuidado

possível é requisito para habilitá-lo a defender-se contra os ataque dos outros. Isso prova igualmente, que apesar de a

opressão do indivíduo poder, agora e depois, provir dos tribunais, a liberdade geral do povo nunca poderá ser posta em perigo

por aquela parte; quer dizer, desde que o judiciário permaneça verdadeiramente distinto tanto da legislatura quanto do

Executivo. Eu concordo, que ‘não há liberdade, se o poder de julgar não estiver separado dos poderes legislativo e

executivo.’ (2) E isso prova, em último lugar, que enquanto a liberdade não teria nada a temer do judiciário sozinho, ela teria

tudo a temer da união do judiciário com qualquer um dos outros órgãos; que os efeitos dessa união podem gerar uma

dependência do primeiro com relação aos últimos, não obstante uma separação apenas nominal e aparente; é assim que se

forma a fraqueza natural judiciário, que está em perigo constante de ser dominado, intimidado, ou influenciado pelos outros

ramos de poder em coordenação; e como nada pode contribuir o suficiente para sua firmeza e independência quanto a

permanência no cargo, esta qualidade pode portanto, ser considerado como um ingrediente indispensável na sua constituição,

e é uma grande medida a ser adotada como fortalecimento da justiça pública e da segurança pública.”

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them to ascertain its meaning, as well as the meaning of any particular act

proceeding from the legislative body. If there should happen to be an

irreconcilable variance between two, that which has the superior obligation and

validity ought, of course, to be preferred; or, in other words, the Constitution ought

to be preferred to the statute, the intention of the people to the intention of their

agents.112

(HAMILTON, 1787, p.211)

Hamilton preocupa-se, ainda, em demonstrar que a instituição do judicial review não

levará a um modelo que induza à superioridade do Poder Judiciário frente ao Legislativo,

pois, para o autor, a superioridade é do povo em relação aos dois Poderes, e afirma

Nor does this conclusion by any means suppose a superiority of the judicial to the

legislative power. It only supposes that the power of the people is superior to both;

and that where the will of legislature, declared in the statutes, stands in opposition

to that of the people, declared in the Constitution, the judges ought to be governed

by the latter rather then the former. They ought to regulate their decisions by the

fundamental laws, rather them by those which are not fundamental.113

(HAMILTON, 1787, p.211)

É interessante notarmos que Hamilton apenas defende a possibilidade de os tribunais

afastarem uma lei quando esta se apresentar manifestamente oposta ao texto constitucional.

Os casos duvidosos de constitucionalidade de leis deveriam ser deixados ao juízo do próprio

Poder Legislativo114

(LEAL, 2006, p.24-25).

Ao lado da ideia de superioridade das normas constitucionais, a construção da noção

de rigidez constitucional foi outro fator que contribuiu significativamente para o

florescimento do controle de constitucionalidade. Roger Stiefelmann Leal aponta a esse

respeito que

A vulnerabilidade dos princípios e regras explicitados no documento – ou

documentos – designado por Constituição em face da imposição política dos

112 Tradução livre: “Se for dito que o corpo legislativo são os juízes constitucionais de seus próprios poderes, e que a

construção que eles puserem sobre si é conclusiva também sobre outros departamentos, pode ser respondido, que esta não

pode ser uma presunção natural, e que não pode ser deduzida de nenhuma disposição específica da Constituição. Não é

possível se supor, que a Constituição poderia intencionar permitir que os representantes do povo substituíssem a vontade de

seus constituintes pela sua própria. É muito mais racional supor que os tribunais foram designadas para serem um corpo

intermediário entre o povo e o legislativo, a fim de, entre outras coisas, manter o último dentro dos limites atribuídos à sua

autoridade. A interpretação das leis é competência própria e peculiar dos tribunais. A Constituição é, e de fato, deve ser

considerada pelo juiz, como a lei fundamental. Portanto, pertence a eles determinar o seu significado, bem como o

significado de qualquer ato particular emanado do corpo legislativo. Se acontecer uma variação irreconciliável entre os dois,

aquele que tiver uma superior obrigatoriedade e validade deve, evidentemente, ser preferido, ou, em outras palavras, a

Constituição deve ser preferida ao estatuto, a intenção do povo à intenção de seus agentes.” 113 Tradução livre: “Esta conclusão de forma alguma supõe uma superioridade do poder judiciário sobre o legislativo. Ela só

supõe que o poder do povo é superior a ambos; e que onde a vontade do legislativo, declarada nos estatutos, está em oposição

à do povo, declarada na Constituição, os juízes devem ser regidos por esta em vez da anterior. Eles devem regular suas

decisões pela lei fundamental, em vez de por aquelas que não são fundamentais.” 114 Essa ideia vigora até hoje entre alguns constitucionalistas norte-americanos que defendem a doutrina da deference. A

respeito do tema ver PERRY, Michael J. Direitos humanos constitucionalmente institucionalizados e a Suprema Corte

Americana: da deferência thayeriana. Tradutora: Marina Bevilacqua; Revisor técnico: Felippe Monteiro. Revista

Brasileira de Estudos Constitucionais _ RBEC, Belo Horizonte, ano 1, n. 2, p. 113-126, abr./jun. 2007. Disponível em:

<http://www.bidforum.com.br/bid/ PDI0006.aspx?pdiCntd=41678>. Acesso em: 8 mai 2012.

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próprios poderes públicos, sobretudo àqueles que se convencionou atribuir a

qualidade de soberano, exigiu uma outra importante alteração de cunho jurídico.

Tratou-se de estabelecer procedimentos mais gravosos para a modificação do texto

constitucional do que os adotados na elaboração das demais leis. Trata-se do

sistema de Constituição rígida. (LEAL, 2006, p.15)

O judicial review não era mencionado expressamente na constituição norte-americana.

No entanto decorreu a ideia da adoção de uma Constituição escrita, rígida e suprema com

relação às demais normas do ordenamento. Ora, se somente atos que obedecessem a

determinados requisitos poderiam alterar a Constituição, entendeu-se que os demais atos, que

a contrariassem e que não obedecessem as formalidades necessárias para modificá-la,

deveriam ser contrários à Constituição e, portanto, inválidos.

A ideia do controle de constitucionalidade das leis somente se estabelece

definitivamente a partir da construção teórica do juiz John Marshall, no julgamento do famoso

caso Marbury v. Madison115

, quando, pela primeira vez, foi anulada uma lei federal116

em

decorrência de sua incompatibilidade com a Constituição. Garcia de Enterria afirma que a

possibilidade de se anular uma lei federal em contradição à Constituição decorreu de uma

observação de Marshall, que afirmou

cuando una ley se encuentra en contradicción con la Constitución la alternativa es

mui simple: o se aplica la ley, en cuyo caso se inaplica la Constitución, o se aplica

la Constitución, lo que obliga a inaplicar la ley; él opta por esta segunda solución,

naturalmente, que juzga the very essence of judicial duty, sobre la base de lo que

ya antes Hamilton, en The Federalist, había llamado, y va a quedar en adelante

establecido como un principio capital del Derecho público norteamericano, la

obligación más fuerte, la vinculación más fuerte del juez a la Constitución (higher,

superior obligation).117

(ENTERRIA, 2001, p.126)

Segundo John Marshall, ante a existência de um conflito de leis, caberia ao Poder

Judiciário a decidir qual das normas deveria prevalecer (FERREIRA FILHO, 2009, p.34).

Ademais, sendo a Constituição um direito fundamental, caberia ao Judiciário fazer prevalecer

a Constituição em detrimento de uma lei conflitante (LEAL, 2006, p.26). O judicial review se

transformou na peça central do sistema constitucional norte-americano.

115 Nesse caso a Suprema Corte declarou inconstitucional, por ferir o artigo III da Constituição dos Estados Unidos que trata

das competências da Suprema Corte, uma lei editada pelo Congresso que atribuía à Corte competência para processar e julgar

originariamente writs of mandamus em outras situações que não as expressamente admitidas no texto constitucional. (LEAL,

2006, p.25). 116 Garcia de Enterria assinala que a invalidade de leis estaduais em decorrência de sua incompatibilidade com a Constituição

suscitava menos dúvidas e, inclusive antes do julgamento de Marbury v. Madison, já havia sentenças anteriores admitindo a

anulação da lei estadual. (ENTERRIA, 2001, p.127) 117 Tradução livre: “quando uma lei está em conflito com a Constituição a alternativa é muito simples: ou se aplica a lei, caso

em que não se aplica a Constituição, ou se aplica a Constituição, o que obriga a não aplicar a lei; ao se optar por esta segunda

solução, naturalmente, que se julga the very essence of judicial duty, sobre a base do que Hamilton, em The Federalist, havia

chamado, e que vai acabar se estabelecendo como um princípio fundamental do Direito público norte-americano, a obrigação

mais forte, a vinculação mais forte do juiz à Constituição (higher, superior obligation).”

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A decisão do caso Marbury v. Madison deu origem à manifestação paradigmática da

Justiça Constitucional e instituiu o que se denomina hoje controle difuso e concreto dos atos

do Legislativo voltado à proteção dos direitos constitucionais. Chama-se difuso, pois os

direitos podem ser invocados perante qualquer juiz e, em última instância, perante o tribunal

supremo, ou seja, todos os órgãos do Poder Judiciário poderiam exercer a função de guarda da

Constituição e o princípio do stare decisis asseguraria a uniformidade das decisões dos

diversos tribunais e a obediência ao que fosse decidido pela Suprema Corte. E concreto, pois

vincula a decisão à resolução jurídica de um caso em particular e à alegação de prejuízo à

interesses pessoais legítimos.

4.1.2 As limitações instituídas ao judicial review

O judicial review foi construído no julgamento de um caso concreto pela Suprema

Corte norte-americana que se autoatribuiu essa nova competência, com base no voto do juiz

John Marshall que, por sua vez, apoiou-se na doutrina de Hamilton.

A Suprema Corte, porém, já tendo ideia, desde o início, da magnitude desta nova

competência e do temor quanto a uma aplicabilidade deturpada do instituto, acabou

construindo na prática jurisprudencial, ainda do século XIX, algumas limitações ao exercício

da jurisdição constitucional. Duas das mais importantes estão relacionadas à necessidade de

haver um caso ou controvérsia para que o Poder Judiciário possa atuar e, ainda, à não

apreciação de questões políticas.

A primeira autolimitação erigida da jurisprudência da Suprema Corte está

fundamentada no artigo III da Constituição norte-americana que determina que a jurisdição

das cortes e juízes alcança apenas casos ou controvérsias118

. O fato de o dispositivo

constitucional mencionar a necessidade de existir uma “causa” ou “controvérsia” indica que

somente quando houver reais conflitos de interesse é que o Poder Judiciário poderá intervir.

118 A literalidade do mencionado dispositivo prevê (destaque em itálico das palavras “cases” e “controversies” nossos): “The

judicial Power shall extend to all Cases, in Law and Equity, arising under this Constitution, the Laws of the United States,

and Treaties made, or which shall be made, under their Authority;—to all Cases affecting Ambassadors, other public

ministers and Consuls;—to all Cases of admiralty and maritime Jurisdiction;—to Controversies to which the United States

shall be a Party;—to Controversies between two or more States;—between a State and Citizens of another State;—between

Citizens of different States;—between Citizens of the same State claiming Lands under Grants of different States, and

between a State, or the Citizens thereof, and foreign States, Citizens or Subjects.” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,

1787) Tradução livre: “A competência do Poder Judiciário se estenderá a todos os Casos de aplicação da Lei e da Equidade

ocorridos sob a presente Constituição, as leis dos Estados Unidos, e os tratados concluídos ou que se concluírem sob sua

autoridade;—a todos os Casos que afetem os embaixadores, outros ministros e cônsules;—a todos os Casos do almirantado e

de jurisdição marítima;—às Controvérsias em que os Estados Unidos sejam parte;—às Controvérsias entre dois ou mais

Estados;—entre um Estado e Cidadãos de outro Estado;— entre Cidadãos de diferentes Estados;—entre Cidadãos do mesmo

Estado reivindicando terras em virtude de concessões feitas por outros Estados, e entre um Estado, ou os seus Cidadãos, e

Estados, Cidadãos, ou Súditos estrangeiros.

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Essa limitação é que atribui concretude ao controle de constitucionalidade norte-

americano, posto que o tribunal irá solucionar uma questão específica envolvendo litigantes

sem anular uma lei. O diploma legal inconstitucional e afastado de aplicação no caso concreto

continua válido, salvo para o caso em que houver declaração sobre a sua

inconstitucionalidade. É relevante notarmos que o que impede a aplicação dessa lei declarada

inconstitucional – mas que ainda permanece válida – a outros casos é a doutrina do stare

decisis que implica na necessidade de observância dos precedentes de outros juízos ou

tribunais, especialmente se emanado da Suprema Corte119

.

Outro limite imposto ao exercício da jurisdição constitucional está na impossibilidade

de apreciar questões políticas, pois a interpretação da Constituição, em certas questões, deve

ficar a cargo dos Poderes eminentemente políticos (Legislativo e Executivo). Roger

Stiefelmann Leal aponta que a Suprema Corte tentou, mas não conseguiu, oferecer critérios

precisos para identificar quando se está diante de uma questão política ou não, afirmando

No caso Baker v. Carr, a Suprema Corte procurou fornecer elementos para uma

identificação mais precisa de uma political question. Contudo, sua tentativa foi, ao

que parece, infrutífera. Afirmou a Corte estar diante de uma questão política

quando: a) for textualmente demonstrável a atribuição da questão a algum órgão

de natureza política; b) houver a carência de parâmetros judicialmente aplicáveis

para resolver o caso; c) houver a impossibilidade de decidir a questão sem uma

determinação política inicial claramente de âmbito não judicial; d) identifica-se a

impossibilidade de um tribunal promover uma solução independente sem

expressar falta de respeito aos demais órgãos estatais; e) ocorrer uma incomum

necessidade de aderir inquestionavelmente a uma decisão política já tomada; f)

identificar-se a potencialidade de confusão ou embaraço em relação a múltiplos

pronunciamentos de vários órgãos estatais sobre a questão. (LEAL, 2006, p.31)

119 Em razão da organização judiciária norte-americana a necessidade de observar precedentes pode ser apenas persuasiva –

quando o juízo ou tribunal não está estritamente vinculado a julgar de forma idêntica, mas é aconselhável que se faça para a

manutenção da harmonia do sistema – ou mandatória – quando o juízo ou tribunal é obrigado a seguir o precedente de outro

tribunal. No modelo norte-americano, a decisão de cada um dos juízes acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade

de determinada norma é vinculante para os demais juízes hierarquicamente inferiores e de mesma jurisdição. Ou seja,

decidido um determinado caso específico mediante a aplicação ou negativa de aplicação de determinada norma por

inconstitucionalidade, essa decisão dever ser adotada em todos os casos seguintes que versem sobre o mesmo tema. No caso,

a corte chamada a decidir em último grau sobre a aplicação de uma norma a um caso concreto é a Suprema Corte dos Estados

Unidos. Decidindo a Suprema Corte pela não aplicação de uma norma por inconstitucionalidade a um determinado caso,

todos os juízes de instâncias inferiores estarão vinculados à ratio decidendi dessa decisão e deverão acolher futuras ações nas

quais se requeira a não aplicação da mesma lei ou de lei com o mesmo conteúdo, salvo se possuírem boas razões para não

fazê-lo, quando, então, deverá ser praticado o overruling (revogação do precedente) pelas Cortes que estiveram autorizadas a

fazê-lo. Boas razões, neste caso, não são simplesmente razões que o julgador considere adequadas, de acordo com a sua

convicção pessoal ou com sua visão jurídica do caso, mas sim, para o direito norte-americano, são aquelas fortes razões que

levam o magistrado a desacreditar por completo na decisão que foi dada anteriormente. São fortes razões que indicam a

necessidade de mudança do precedente, pois ocorreram mudanças na sociedade que tornaram o precedente ultrapassado, ou

tendo em vista a total inadequação do precedente à realidade social. Enfim, são boas razões aquelas que vão além do

entendimento pessoal do magistrado e se justificam na própria repercussão da decisão anterior no meio social. A respeito do

tema ver MARSHALL, Geoffrey. What is binding in a precedent? In: MACCORMICK, Neil; SUMMERS, Robert S. (eds.).

Interpreting precedents: a comparative study. Surrey: Ashgate, 2010 e SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente

judicial à súmula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006.

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100

A tentativa da Suprema Corte não obteve êxito, pois acabou suscitando mais dúvidas

sobre a presença dos supostos critérios no julgamento, do que respostas a respeito do que deve

ser entendido por questões políticas.

4.2 Tribunal Constitucional e o Modelo Europeu

4.2.1 Antecedentes históricos

Antes do desenvolvimento do modelo de jurisdição constitucional idealizado por Hans

Kelsen, tentou-se instituir na Inglaterra e, em dois momentos, na França, alguma forma de

controle de constitucionalidade dos atos legislativos.

Carl Schmitt (1983, p.27) aponta que a demanda por estabelecer um guardião da

Constituição teve início junto com os primeiros movimentos constitucionais da era moderna.

O autor refere-se à precursora tentativa de instituir, após a morte de Cromwell, em 1658, na

Inglaterra, uma corporação especial destinada a manter a ordenação existente do

commonwealth e a impedir a restauração monárquica.

A primeira tentativa francesa de implantar um controle de constitucionalidade se deu

com a proposta de Emmanuel Sieyès de instituir um jurie constitutionnaire. André Ramos

Tavares (2005, p.126-127) aponta que o jurie constitutionnaire seria um neologismo

idealizado por Sieyès para designar um Tribunal Constitucional e tinha por objetivo criar um

conjunto de representantes que tivessem por missão julgar as reclamações contra eventuais

atentados à Constituição. O jurie constitutionnaire de Sieyès buscou inspiração no tribunato

de Rousseau que funcionaria como um órgão conservador das lei e do Poder Legislativo,

como um protetor do soberano contra o governo.

Não obstante apontar-se que o jurie constitutionnaire de Sieyès teve uma forte

influência no pensamento de Alexander Hamilton, na França, a proposta não foi aceita, em

razão do receio de se conferir um imenso poder, maior que os outros Poderes do Estado, a um

único órgão.

A ideia de criar um órgão responsável pela guarda da Constituição foi implementada

no ano VIII da revolução na forma de um Senado conservador – Sénat conservateur – que

seria responsável por manter ou anular todos os atos inconstitucionais assim considerados

pelo tribunat ou pelo governo.

Carl Schmitt (1983, p.28) afirma que foi a Constituição francesa do ano VIII a

responsável por instituir o Senado como defensor da Constituição. O autor prescreve que o

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101

instituto permaneceu sem nenhuma atuação até a derrocada de Napoleão e que este Sénat

conservateur apenas vem desempenhar o seu papel de guardar a Constituição quando declara,

já após a derrota de Napoleão, por decreto, que ele e sua família estavam destituídos do trono

por terem ofendido a Constituição e os direitos do povo.

O Senado, portanto, não exerceu suas atribuições, permitindo uma série de práticas

abusivas e inconstitucionais por parte de Napoleão Bonaparte, na qualidade de imperador.

Assim, a ideia de criar uma instância controladora da constitucionalidade dos atos do governo

foi abandonada, na França, em razão do receio de se criar uma instância que controlasse o

próprio governo.

4.2.2 O modelo de controle concentrado idealizado por Hans Kelsen

Não obstante o fato de que os revolucionários franceses tivessem, inicialmente, uma

compreensão de Constituição muito próxima da que tinham os constituintes norte-americanos

(Constituição como lei fundamental e suprema, conformadora das demais normas), segundo

anota Garcia de Enterria (2001, p.130), essa concepção de desfez em razão de ataques da

direita e da esquerda revolucionária e pós-revolucionária. A ideologia direitista propiciou a

manutenção ou a restauração monárquica em vários países, o que manteve a prevalência do

princípio monárquico que via o rei como uma fonte pré-constitucional do poder. A esquerda,

por outro lado, fortemente influenciada pela concepção sociológica de Constituição real de

Ferdinand Lasalle, desvalorizou a força da Constituição e a reduziu a uma folha de papel cuja

única função seria ocultar as relações reais de poder (ENTERRIA, 2001, p.130). A noção de

superioridade da Constituição perdeu-se no tempo.

Além destes fatores que deram origem a uma desvalorização da Constituição, o

modelo de controle de constitucionalidade norte-americano não foi adotado na Europa

também em decorrência da cultura positivista exacerbada que pregava o culto à lei, bem como

a fidelidade ao princípio da separação dos Poderes. A lei era o elemento central do sistema

jurídico, símbolo máximo da razão e expressão da vontade geral. A soberania parlamentar era

incontestável. Seria impensado, portanto, admitir que o parlamento produzisse leis “erradas”.

Permitir que os tribunais julgassem a licitude das leis, obra do parlamento, subvertia toda a

lógica estrutural da teoria da separação dos Poderes.

Ademais, a estrutura do sistema judicial europeu, que muitas vezes prevê uma

jurisdição dual ou plural (ordinária e administrativa) poderia dar ensejo a uma proliferação de

decisões conflitantes sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de determinada

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102

norma, pois na Europa não vigorava nenhum instituto semelhante ao stare decisis que

proporcionava uniformizar as decisões nos Estados Unidos.

Somente em 1919, e por iniciativa de Hans Kelsen, a doutrina americana do controle

de constitucionalidade foi desenvolvida na Europa, pois o jurista conseguiu apresentar

soluções teóricas para as objeções político-jurídicas que impediam acolher o controle de

constitucionalidade. Para tal fim, o sistema kelseniano introduziu uma mudança significativa

em relação ao sistema americano: concentrar a função da guarda da Constituição em um único

órgão, o Tribunal Constitucional, que não seria propriamente um tribunal do Poder Judiciário

(pois não teria por função aplicar uma lei a casos concretos), mas se limitaria a controlar a

compatibilidade entre duas normas: a Constituição e a lei.

Ao contrário do modelo de controle norte-americano, no qual todos os juízes estão

autorizados a garantir a Constituição, esse outro modelo se apresenta como uma jurisdição

concentrada em um único órgão competente, separado da jurisdição ordinária. A criação de

um órgão específico para analisar a constitucionalidade das normas evitaria decisões

conflitantes a respeito da constitucionalidade por parte de vários juízos, proporcionando

segurança jurídica. Instituiu-se, assim, o modelo de jurisdição concentrada.

O Tribunal Constitucional seria chamado a pronunciar-se exclusivamente sobre

questões jurídico-constitucionais, com total abstração dos motivos e interesses políticos

subjacentes à lei atacada e dos conflitos de interesses relacionados aos casos concretos de

aplicação dessas leis. Ou seja, o controle de constitucionalidade se esgota no Tribunal

Constitucional, que é o órgão responsável para confrontar a norma legal e a constitucional,

ambas abstratas, verificando eventual contradição lógica.

A possibilidade de provocar esse controle, segundo Kelsen (2007, p.174-177)., teria

por modelo ideal uma actio popularis, ou seja, deveria ser conferida a todos os cidadãos.

Porém observa que essa medida não seria recomendável, pois traria o risco de promover

diversas ações temerárias e um intolerável congestionamento das funções. Por esses motivos,

o autor recomenda que a possibilidade de acionar o Tribunal Constitucional seja feita: 1) pelas

autoridades públicas que, devendo aplicar uma norma, tivessem dúvidas quanto a sua

regularidade; 2) pelas partes, em processo judiciário ou administrativo, quando houver

emanado um ato de autoridade pública – sentença ou ato administrativo – dando execução a

uma norma irregular; 3) pelos governos de Estados federados contra os atos da União e pelo

governo federal contra atos dos Estados; 4) por meio de um defensor da Constituição – um

órgão junto ao Tribunal Constitucional que se encarregaria de provocar o controle ex officio,

quando estimasse ser algum ato irregular; 5) por uma minoria parlamentar qualificada, visto

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103

que a jurisdição constitucional tem por função proteger as minorias; e 6) pela introdução ex

officio pelo próprio Tribunal Constitucional. Kelsen defende um participação plural no

processo perante o Tribunal Constitucional, pois advoga a participação da autoridade da qual

emanou a norma jurídica para defender sua regularidade, bem como de particulares

interessados no litígio que deu ensejo à instauração do processo concentrado ou de

particulares que tenham direito de levar a causa ao Tribunal.

Hans Kelsen, ao elaborar o seu modelo de controle jurisdicional de

constitucionalidade, defendeu que os Tribunais Constitucionais deveriam basear sua atuação

apenas em uma operação lógico-jurídica de compatibilidade entre uma norma superior e uma

inferior e demonstrou ser veementemente favorável ao distanciamento do Tribunal

Constitucional de uma atuação política. Para ele era “tão difícil quanto desejável afastar

qualquer influência política da jurisprudência da jurisdição constitucional” (KELSEN, 2007,

p.154).

A opção de Hans Kelsen por esse modelo tinha justificativa no momento jurídico-

histórico de tensão política, entre os juízes e o Poder Legislativo da Europa dos anos 20, que

teve seu ápice na República de Weimar e na tensão teórica entre o positivismo e o Direito

livre120

. Assim, o Tribunal Constitucional representava duas coisas: uma tentativa de conciliar

a garantia da constituição e da liberdade política do parlamento frente aos juízes e, ao mesmo

tempo, uma tentativa de recuperar a ideia de aplicação racional e controlável do Direito

(ABELLÁN, 2003, p.166).

Nos termos de Kelsen (2007, p.151), todos os juízes continuariam submetidos à

necessidade de aplicar leis, porém, o Tribunal Constitucional poderia eliminar do sistema

jurídico, com eficácia ex nunc, aquelas leis incompatíveis com a Constituição. Kelsen superou

o dogma da soberania do parlamento ao afirmar que todos os Poderes deveriam estar

subordinados à Constituição, pois supremo deveria ser apenas o ordenamento constitucional.

Segundo Garcia de Enterria (2011, p.132), o Tribunal Constitucional de Kelsen foi

construído como um órgão Legislativo, porém, não com uma função de legislação positiva –

que engloba a possibilidade de editar e modificar as leis – mas com função de legislador

negativo, que poderia ab-rogar as normas incompatíveis com a Constituição. A sua

caracterização como legislador – não obstante ser legislador negativo – é que daria força erga

omnes às suas decisões. Nas palavras de Kelsen,

120 Essa escola pretendia liberar, em certa medida, os juízes da necessidade de observância da lei no julgamento dos casos.

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104

Claro, a anulação de um ato legislativo por um órgão que não é órgão legislativo

mesmo, constitui uma intromissão no “poder legislativo”, como se costuma dizer.

Mas o caráter problemático dessa argumentação logo salta aos olhos, ao se

considerar que o órgão a que é confiada a anulação das leis inconstitucionais não

exerce uma função verdadeiramente jurisdicional, mesmo se, com a independência

de seus membros, é organizado em forma de tribunal. Tanto que se possa

distingui-las, a diferença entre função jurisdicional e a função legislativa consiste

antes de mais nada em que esta cria normas gerais, enquanto aquela cria

unicamente normas individuais. Ora, anular uma lei é estabelecer uma norma

geral, porque anulação de uma lei tem o mesmo caráter de generalidade que sua

elaboração, nada mais sendo, por assim dizer, que a elaboração com sinal negativo

e portanto ela própria uma função legislativa. E um tribunal que tenha o poder de

anular as leis é, por conseguinte, um órgão do poder legislativo. Portanto, poder-

se-ia interpretar a anulação das leis por um tribunal tanto como uma repartição do

poder legislativo entre dois órgãos, quanto como uma intromissão no poder

legislativo. (KELSEN, 2007, p.151-152)

É importante observarmos que, não obstante a configuração do Tribunal

Constitucional como um órgão Legislativo, os elementos políticos considerados no processo

de elaboração da lei e a característica da livre conformação ou criação legislativa não existem

na atividade do Tribunal Constitucional. A anulação da lei consiste em aplicar normas da

Constituição e, por isso, ao mesmo tempo em que se trata de uma atividade legislativa por

produzir norma jurídica de caráter geral – com sinal negativo – submetida e vinculada

diretamente à Constituição, também se assemelha a atividade jurisdicional (KELSEN, 2007,

p.153). A atividade do Tribunal Constitucional, nos moldes da construção kelseniana, assume

características de uma atividade estatal híbrida, pois reúne atributos inerentes à legislação e à

jurisdição.

Podemos dizer, assim, que o traço característico do sistema kelseniano é excluir o

conhecimento de problemas constitucionais pelos juízes. Isso se justifica, aparentemente, pois

na lógica de Kelsen, a natureza criativo-volitiva da atividade jurisdicional sempre esteve

ligada a uma exigência de concretizar ou resolver casos. A necessidade de garantir o princípio

da hierarquia e supremacia das leis exigia um órgão de fiscalização específico que nem

substitui o legislador, pois não adentra no mérito da elaboração legislativa e nem substitui o

juiz, pois não tem por função analisar a aplicação da lei ao caso concreto. Por esse motivo, o

modelo de Justiça Constitucional kelseniano supõe existir um único órgão cuja tarefa fica

adstrita ao exercício de um juízo de compatibilidade lógica entre dois enunciados normativos,

a lei e a Constituição, sem qualquer referência a fatos, qualificando-se, pois, como jurisdição

concentrada e abstrata. (ABELLÁN, 2003, p.167)

A composição e a organização do Tribunal Constitucional, ante sua função com

características de atividade jurisdicional, deve ser semelhante àquela dos tribunais. Kelsen

(2007, p.154) entende que não deve ser alto o número de membros do Tribunal Constitucional

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105

e que a indicação dos mesmos poderia ser feita pelo chefe de Estado, pelas escolas de Direito

ou pelo próprio Tribunal, seguida de uma escolha por deliberação parlamentar. Esses

integrantes deveriam ser selecionados dentre juristas de carreira e estariam impedidos de

exercer a jurisdição constitucional membros do governo e parlamentares.

A atribuição da tarefa de defesa da Constituição a um Tribunal Constitucional teve por

crítico Carl Schmitt (1983, p. 89-90). que afirmava que o controle de constitucionalidade dos

atos passa pela resolução de dúvidas do sentido da norma constitucional – uma determinação

de conteúdo legal de cunho exclusivamente legislativo –, o que não poderia ser realizado no

âmbito da jurisdição, uma vez que a atividade jurisdicional é uma tarefa de subsunção

processual e concreta dos fatos à norma legal. Para o autor, a atribuição da tarefa de guarda da

Constituição a um tribunal ocasionaria não uma “judicialización de la Política, sino una

politiquización de la Justicia”121

(SCHMITT, 1893, p.57).

Carl Schmitt defendeu ainda que instituir um Tribunal Constitucional fere o princípio

democrático e ocasiona a existência de uma segunda câmara legislativa formada por

funcionários profissionais, uma instância política suprema com atribuições para formular

preceitos constitucionais. Isso seria o mesmo que trasladar as funções legislativas a uma

“aristocracia de la toga”122

(SCHMITT, 1983, p.245). O autor defende que a guarda da

Constituição deve ser feita por um terceiro neutro com função “mediadora, tutelar e

reguladora”. Ele identificou que essas características estariam presentes no Presidente do

Reich, pois a sua independência, imparcialidade e neutralidade residiria na sua eleição direta

pelo povo alemão, na existência de um mandato de 7 anos, nas travas que existem à

revogação desse mandato e na sua independência em relação às maiorias parlamentares

(SCHIMITT, 1983, p. 248-250).

O modelo de Tribunal Constitucional kelseniano prevaleceu e foi transportado para a

Constituição austríaca de 1920. Seu modelo de jurisdição concentrada também foi adotado

por outros países europeus após a Primeira Guerra Mundial.

É relevante lembrarmos também que Kelsen sempre defendeu um controle de

constitucionalidade que não comprometesse a liberdade política do parlamento e que se

mostrasse cercado de razão e lógica. Para atingir tal objetivo, estipulou dois requisitos:

instituir um juízo abstrato de normas, que excluísse toda a ponderação de valores e interesses

subjacentes à lei e aos fatos objeto de sua aplicação, para evitar a subjetividade; e, em

segundo lugar, a adoção de uma Constituição concebida como uma regra procedimental e de

121

Tradução livre: “não uma judicialização da Política, mas uma politiquização da Justiça.” 122

Tradução livre: “aristocracia da toga”

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106

organização e não uma geradora de problemas morais e substantivos. (ABELLÁN, 2003,

p.168)

Porém, após a Segunda Guerra, iniciou-se um momento de desconfiança em relação

ao legislador que, durante os movimentos nacional-socialistas, se transformou na maior

ameaça para a liberdade. Assim, os constituintes dos países no pós-guerra, especialmente

Alemanha e Itália, adotaram o sistema de controle de constitucionalidade por Tribunais

Constitucionais, porém, não com a feição kelseniana de legislador negativo, mas sim, de

jurisdição constitucional – embora concentrada – de inspiração norte-americana e com base

na doutrina da supremacia da Constituição.

Segundo Garcia de Enterria (2001, p.134), o sistema adotado na Alemanha e na Itália

foi o americano de supremacia da Constituição com influências significativas da construção

kelseniana, o que deu origem a um sistema de jurisdição concentrada, no qual só alguns

órgãos políticos estavam legitimados a provocar o processo de controle de constitucionalidade

a ser feito exclusivamente pelo Tribunal Constitucional e com uma atribuição de força erga

omnes às sentenças deste Tribunal.

4.2.3 Principais características do Tribunal Constitucional em sua concepção originária

A transposição do modelo kelseniano para a vivência constitucional dos diversos

Estados gerou uma grande variedade de procedimentos e práticas, não houve uma recepção

pura da forma de controle idealizada por Kelsen123

. No entanto, as diferenças não impedem

que tracemos um panorama das características originárias, básicas e comuns, na experiência

dos Tribunais Constitucionais.

Uma primeira característica originária que podemos apontar era a necessidade de que

o Tribunal Constitucional fosse um órgão autônomo com relação aos demais Poderes do

Estado. Kelsen já advertia que

Portanto não é com o próprio parlamento que podemos contar para efetuar a

subordinação à Constituição. É um órgão diferente dele, independente dele e, por

conseguinte, também de qualquer outra autoridade estatal, que deve ser

encarregado da anulação de seus atos institucionais – isto é, uma jurisdição ou um

tribunal constitucional. (KELSEN, 2001, p.150)

123 Roger Stiefelmann Leal traz alguns exemplos das peculiaridades que o controle de constitucionalidade de inspiração

kelseniana pode adquirir em cada Estado específico, lembrando que em alguns países o parâmetro do controle de

constitucionalidade das leis é limitado ao texto constitucional, enquanto que em outros locais pode-se estender a outros

diplomas normativos – tal como ocorre naqueles que adotam a figura do bloco de constitucionalidade. Lembra também que

há tribunais Constitucionais que apreciam apenas a constitucionalidade de leis, enquanto outros podem analisar também

decisões judiciais e atos administrativos. (LEAL, 2006, p.58-59)

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107

Assim, o Tribunal Constitucional deveria se apresentar como um órgão independente e

autônomo dos demais Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário124

, sendo dotado de

estrutura, organização e magistratura próprias. Para Louis Favoreu (2004, p.27) era

importante que essa autonomia fosse assegurada pela previsão do estatuto mínimo do

Tribunal Constitucional (organização, atribuições, funcionamento, prerrogativas dos

membros, previsão de autonomia regimental, administrativa e financeira) na própria

Constituição.

Outra característica do Tribunal Constitucional em sua concepção originária seria o

exercício monopolizado do controle jurisdicional da constitucionalidade125

. Nesse sentido,

Kelsen não via impedimento para o Tribunal Constitucional exercer outras funções além do

controle de constitucionalidade, porém, os outros juízos ou tribunais deveriam manter sua

atuação subordinada à lei (FAVOREU, 2004, p.28).

Por fim, Louis Favoreu (2004, p.28) aponta como característica dos Tribunais

Constitucionais a indicação política de seus membros. Ou seja, os juízes do Tribunal

Constitucional não devem vir da carreira da magistratura em decorrência de promoções

regulares e progressivas. A função precípua dos Tribunais Constitucionais de interpretação da

Constituição demanda uma sensibilidade político-institucional de seus membros, ante a

proximidade e a complexidade dos fatos políticos que serão analisados. Assim, seleção dos

membros deveria envolver alguma forma de apreciação política. Por isso, normalmente, a

indicação dos juízes do Tribunal Constitucional deveria ser feita por autoridades políticas.

Notamos, ainda, que a legitimidade democrática das autoridades políticas que

designam os membros do Tribunal Constitucional acaba se transportando para esse membros

e, em razão de “sua composição plural, dá ensejo a que correntes políticas mais relevantes no

124 Em face da autonomia da jurisdição constitucional com relação à jurisdição ordinária, os países que adotarem esse modelo

de controle de constitucionalidade passam a conviver com uma dualidade ou até pluralidade de jurisdições, na medida em

que se poderá identificar uma jurisdição constitucional, uma jurisdição ordinária e, muitas vezes, uma jurisdição

administrativa. 125 Dada a relevância do tema, hoje, é impensável a existência de um modelo de Justiça Constitucional na qual não seja

deferido a todos os tribunais, juízos, órgãos administrativos, cidadãos, etc a possibilidade de exercer um certo controle de

constitucionalidade, ainda que em sede de interpretação constitucional. Fato que não descaracteriza a existência de um

Tribunal Constitucional. A questão é que, modernamente, a compreensão constitucional é prévia à sua aplicação, logo

qualquer pessoa que esteja aplicando, ou concretizando comandos constitucionais, por meio da aplicação de uma lei, estará

também interpretando referida lei segundo os comandos constitucionais e, portanto, exercendo algum controle de

constitucionalidade, ainda que com resultado negativo (TAVARES, 2005, p.155-156). Como lembra Häberle “todos estão

inseridos no processo de interpretação constitucional, até mesmo aqueles que não são por ela diretamente afetados. Quanto

mais ampla for, do ponto de vista objetivo e metodológico, a interpretação constitucional, mais amplo há de ser o círculo dos

que delas devam participar. É que se cuida de Constituição como um processo público (Verfassung als öffentlichen

Prozess).” (HÄBERLE, 1997, p.32)

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108

cenário político do Estado tenham adeptos entre seus integrantes, sem, porém, qualquer

vinculação estrita de representação ou subordinação” (LEAL, 2006, p.69).

É possível afirmarmos que esse modelo de jurisdição constitucional idealizado por

Hans Kelsen não existe mais, se é que algum dia foi implantado em algum lugar. Foi um

modelo pensado para um Estado que tem por base uma Constituição desprovida de carga

axiológica e que seria apenas o fundamento de validade do ordenamento jurídico. Hoje, a

grande parte dos Estados possui Constituições que asseguram direitos e garantias

fundamentais e incorporam valores por meio dos princípios, não podendo a tarefa de defesa

da Constituição do Tribunal Constitucional ser meramente a de um legislador negativo

quando surgirem normas que ofendam diretamente a Constituição. A nova configuração do

Direito Constitucional pede um Tribunal Constitucional que auxilie na concretização da

constituição em toda a sua materialidade.

Desse modo, concordamos com André Ramos Tavares (2005, p.159) quando afirma

que o que deve identificar um órgão como Tribunal Constitucional não são essas

características originariamente pensadas segundo o modelo kelseniano, mas sim, o exercício

de funções marcadas pela ideia de proteção da supremacia da Constituição, mediante sua

defesa e cumprimento.

No marco do Constitucionalismo Contemporâneo, a Justiça Constitucional e as

funções do Tribunal Constitucional deixaram de se identificar exclusivamente com o

exercício monopolístico do controle de constitucionalidade. O foco principal está na

concretização da Constituição em toda a sua materialidade. Diante desta constatação é

necessário estudarmos essas novas funções atribuídas à Justiça Constitucional e, por

conseguinte, ao Tribunal Constitucional, no marco do Constitucionalismo Contemporâneo.

4.3 A Dimensão Funcional da Justiça Constitucional126

André Ramos Tavares (2005, p.173-174) aponta que o dogma da tripartição dos

Poderes em sua concepção original não é mais aceito. A multifuncionalidade do Estado

contemporâneo demanda a reordenação e a redistribuição das funções estatais. O autor afirma,

ainda, que os estreitos limites da clássica divisão de Poderes pensada por Montesquieu não

126 As funções a serem analisadas são apenas estruturais ou próprias do Tribunal Constitucional, ou seja, aquelas que

pertencem por natureza a este órgão e acabam por caracterizá-lo como tal. O estudo das funções impróprias – aquelas que são

atribuídas ao Tribunal Constitucional por força de previsão normativa, mas que não têm relação intrínseca com a posição de

garante da Constituição – não são de interesse para o nosso trabalho, já que são variáveis de um para outro ordenamento

jurídico e não podem fazer parte integrante de uma teoria da Justiça Constitucional.

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109

comportam um Tribunal Constitucional, o que demonstra, por si só, a insuficiência dessa

teoria para os dias atuais.

Aos Tribunais Constitucionais foi atribuída a função inaugural e primordial de

controle da constitucionalidade das leis. O exercício dessa função, praticamente

monopolizada pelos Tribunais Constitucionais, acabou proporcionando a esse órgão uma

posição de destaque entre as funções estatais.

No entanto, André Ramos Tavares (2005, p.137-138) aponta que muitas outras

funções127

foram atribuídas ao Tribunal Constitucional ao longo da história e todas são tão

relevantes e originárias quanto o controle de constitucionalidade, na medida em que também

têm por fim preservar e concretizar a Constituição.

Devemos lembrar que toda e qualquer função que se pretenda atribuir ao Tribunal

Constitucional deve ter “a Constituição como uma referência necessária” e sempre estará

alicerçada em duas premissas: na “colocação da Constituição como lex superior” e na

“necessidade de que a Constituição contemple um Tribunal Constitucional e a ele atribua a

sua guarda” (TAVARES, 2005, p.191). Não podemos deixar de ressaltar que todas as

competências a serem exercitadas pelo Tribunal Constitucional devem ter previsão na

Constituição – lei ordinária não pode atribuir funções a esse órgão – e devem ter por objetivo

concretizar o princípio da supremacia da Constituição.

Essas outras funções que o autor atribui ao Tribunal Constitucional (interpretação e

enunciação da Constituição; estruturante; arbitral; legislativa; governativa e “comunitarista”),

no seu entender, demonstram uma superação do modelo clássico de divisão de funções

estatais. E, algumas delas, como a função arbitral, poderiam, inclusive, a colocar o Tribunal

Constitucional em posição de supremacia com relação aos outros órgãos, na medida em que

ele será o responsável por solucionar conflitos entre os demais. (TAVARES, 2005, p.175-

176)

André Ramos Tavares (2005, p.188-190) esclarece que não há diferenciação material

entre as funções exercidas pelos órgãos Legislativo, Executivo, Judiciário e Tribunal

Constitucional. A diferença estaria no aspecto formal (motivo-finalidade) da função de cada

um deles. O autor exemplifica o seu pensamento por meio da função legislativa, ao afirmar

127 André Ramos Tavares reconhece que não há uma unidade doutrinária em torno da aceitação da existência de categorias

funcionais da Justiça Constitucional e aponta três razões básicas para isso: “(i) O tema da Justiça Constitucional é

relativamente recente na História do Direito, impossibilitando um adequado desenvolvimento de parcela de suas categorias

fundamentais. Inicialmente se fixou atenção na ‘legitimidade’ da Justiça Constitucional. (ii) Há uma diversidade e

inadequação de funções atribuídas empiricamente a alguns tribunais constitucionais. (iii) Houve forte concentração

doutrinária no estudo do tema do controle de constitucionalidade das leis, função que inaugura a atividade do Tribunal

Constitucional na história.” (TAVARES, 2005, p193)

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110

que não existe uma função legislativa, mas sim funções legislativas exercidas por vários

órgãos, sendo que, cada um deles, ainda que esteja exercendo materialmente a mesma função,

estará fazendo com base em um motivo-finalidade diverso. Enquanto o legislador edita atos

normativos para regular a vida em sociedade, o Tribunal Constitucional edita atos decisórios

de cunho normativo com a exclusiva finalidade de defender a Constituição. Com relação ao

Poder Judiciário, por exemplo, o autor aponta que este executa o Direito e a Constituição com

a finalidade de solucionar conflitos sociais concretos. Já o Tribunal Constitucional executa a

Constituição para defendê-la.

4.3.1 Função de interpretação e de enunciação da Constituição

A função interpretativa está sempre presente na atuação do Tribunal Constitucional,

tendo em vista que a concretização de qualquer norma jurídica pressupõe uma interpretação

prévia128

. No caso do Tribunal Constitucional, será parte de suas funções estruturais

interpretar exclusivamente a Constituição.

É importante mencionarmos que, como toda aplicação implica em interpretação, o

Tribunal Constitucional também realiza a interpretação casual das leis ordinárias submetidas à

sua apreciação, quando está promovendo o controle de constitucionalidade ou atuando como

uma Corte de cassação; porém, essa interpretação de diploma normativo que não seja

constitucional não integra as funções próprias do Tribunal Constitucional.

O Direito não está integralmente nos textos. Por isso, é imprescindível termos em

mente a diferenciação entre texto escrito ou enunciado jurídico e norma jurídica, como texto

construído pelo operador do Direito a partir dos enunciados. Estes são verdadeiros limites à

intepretação da Constituição, já que a “interpretação insere-se como o processo pelo qual o

Tribunal constrói a norma a ser aplicada, a partir do enunciado fornecido pelo legislador”

(TAVARES, 2005, p.219). Seria a construção de um discurso não autônomo129

, pois

vinculado ao texto escrito e que implicaria em certo grau de subjetivismo, porém não de

arbitrariedade. A jurisprudência não pode construir novos enunciados, o que é tarefa do

128 A função interpretativa normalmente é exercida como uma função instrumental e está presente sempre que o Tribunal

exerce todas as suas outras funções. Porém, importante mencionar que, no Brasil, essa função já foi exercida de forma

autônoma, por meio da representação para interpretar a lei ou ato normativo federal ou estadual, prevista no art. 119, I, l da

Constituição de 1969. 129 André Ramos Tavares afirma que a atividade interpretativa é normativa por excelência, embora não se deva confundir

com atividade legislativa em sentido estrito (TAVARES, 2005, p.223); mais do que aplicar a Constituição os Tribunais

Constitucionais acabam por completá-la (TAVARES, 2005, p.226).

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111

legislador, mas a Justiça Constitucional possui uma exceção a essa regra que se opera por

meio da “enunciação constitucional”. (TAVARES, 2005, p.218-219)

André Ramos Tavares explica que, segundo o esquema de verificação do

escalonamento hierárquico proposto por Merkel 130

, a decisão interpretativa do Tribunal

Constitucional sobre determinada norma da Constituição ou a elaboração de uma súmula

vinculante131

será equiparada a uma norma constitucional, segundo o critério da capacidade

ou força de derrogação. 132

Assim, as decisões do “Tribunal Constitucional ocupariam o

mesmo escalão das normas constitucionais em sentido estrito (Constituição originária), já que

poderiam ‘derrogar’ as leis e estas não poderiam derrogar as primeiras.” (TAVARES, 2005,

p.220)

Por outro lado, levando-se em conta o critério do fundamento de validade, tendo em

vista que o fundamento das decisões do Poder Legislativo e do Tribunal Constitucional seria a

Constituição, “ambas estariam, pelo menos, em idêntico posicionamento geral.” (TAVARES,

2005, p.220)

Quando o Tribunal interpreta uma lei ordinária, esta servirá apenas como uma diretriz

para o legislador. Desse modo, se o Tribunal considera determinada lei constitucional, nada

impede que o legislador a revogue por outra posterior. Porém

A decisão que, ao contrário, reconhece a inconstitucionalidade da lei (promovendo

sua interpretação como processo anterior inafastável impõe-se ao Legislativo. Isso

significa que, ao eventualmente revogar a lei declarada inconstitucional e editar

outra com idênticos termos, o Legislador não terá êxito, pois deverá permanecer a

130 A teoria desenvolvida por Merkel apresenta duas possibilidades de escalonamento hierárquico “sendo uma delas baseada

no (i) fundamento de validade e a outra na (ii) capacidade ou força de derrogação.” (TAVARES, 2005, p.219) 131 “A súmula vinculante, por estar inserida no contexto interpretativo, impede a atuação contrária do Parlamento, por meio

de lei formal. Tem-se, como se nota, uma progressiva (e ilimitada) retração do âmbito de atividade do Parlamento, o que é

resultado do processo histórico de assunção do Estado Constitucional.” (TAVARES, 2005, p.232) 132 Victor Ferreres Comella afirma a possibilidade de atuação do legislativo contra uma decisão que declara a

inconstitucionalidade de determinada norma por meio da resposta legislativa. O autor defende que a reformabilidade da

Constituição é um meio de resposta da comunidade política a uma determinada interpretação judicial. Porém essa reforma

pode trazer os inconvenientes de elevar o nível da lei que foi invalidada pelo juiz, ou remeter ao legislador ordinário a

concreção de determinado direito abstrato que provocou a controvérsia, desconstitucionalizando o seu conteúdo. Porém, há

um segundo tipo de resposta que não contém esses inconvenientes, que seria a “resposta legislativa”, consistente na edição de

uma nova lei com o mesmo conteúdo da que foi declarada inconstitucional pelo tribunal, com a finalidade de provocar uma

segunda rodada de debates e de provocar uma mudança na linha jurisprudencial do tribunal. Obviamente, para se admitir essa

repetição de uma lei extirpada do ordenamento deverá ter transcorrido um prazo razoável desde a decisão do tribunal, é ideal,

inclusive, que tenha havido a eleição de um novo parlamento. Nesse sentido, é importante que o sistema jurídico possa

promover a evolução da jurisprudência constitucional. Alguns sistemas não privilegiam essa mudança na jurisprudência, tais

como: a) Os sistemas não federais, posto que nesses sistemas é necessário que o mesmo parlamento que aprovou a lei

invalidada aprove outra de conteúdo similar ou idêntico. Já nos sistemas federais, basta que a nova lei sobrevenha de outro

ente federativo; b) Os sistemas que apenas trazem o controle de constitucionalidade abstrato impossibilitam a mudança de

jurisprudência, pois o tribunal constitucional extirpa a lei considerada inconstitucional do sistema. Já onde ocorre o controle

difuso, o juiz não destrói a lei inconstitucional, apenas deixa de aplicá-la a um caso concreto e assenta um precedente que

deve ser seguido em casos similares. Se, no futuro, o juiz modifica o precedente, a lei recupera a sua aplicabilidade. Assim, o

autor afirma que a resposta legislativa é necessária para possibilitar a modificação da jurisprudência de forma favorável ao

legislador. (COMELLA, 2003, p.340-342)

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112

solução já adotada pelo Tribunal Constitucional em sua decisão. (TAVARES,

2005, p.221)

O autor reconhece, ainda, que a interpretação do Tribunal Constitucional, por força da

competência legislativa de reforma constitucional, terá que ceder diante da manifestação

direta do constituinte. Porém, adverte que superar a decisão do Tribunal por meio da reforma

da Constituição pode acabar sendo inviabilizada por dificuldades processuais e políticas

inerentes ao Parlamento, mas não ao Tribunal Constitucional. (TAVARES, 2005, p.230)

Tema polêmico envolvendo a interpretação e a enunciação está ligado à aceitação do

“bloco de constitucionalidade”, quando o Tribunal Constitucional determina o

reconhecimento de força constitucional a certas normas não inseridas formalmente no texto da

Constituição. É por força da interpretação que o Tribunal irá enunciar a existência de mais

normas constitucionais para além do texto da Constituição.

Essa possibilidade foi reconhecida na França, quando o Conselho Constitucional

Francês entendeu que tanto a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão quanto o

preâmbulo da Constituição de 1946 se incorporavam à Constituição de 1958, em razão de

expressa menção no preâmbulo desta última.

No Brasil, a tese ainda não é majoritariamente aceita. Foi exposta pelo ministro Celso

de Mello no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 595-ES e vem sendo usada

para tentar ampliar o parâmetro constitucional de validade das normas. Afirma-se que houve a

introdução do “bloco de constitucionalidade” no ordenamento brasileiro com a entrada em

vigor da Emenda Constitucional nº 45/2004, prevendo que tratados e convenções

internacionais sobre direitos humanos, quando aprovados por 3/5 dos votos, em cada casa do

Congresso, em dois turnos, têm força normativa equivalente a das emendas constitucionais.

André Ramos Tavares (2005, p.234-248) esclarece que a função interpretativa, apesar

de ser realizada por todos os órgãos do Estado, é uma categoria funcional fundamental da

Justiça Constitucional, em razão do grau de intensidade e da finalidade específica com que

essa Justiça a desenvolve. Por esse motivo, apresenta três espécies de interpretação

constitucional que são aplicadas, quase sempre concomitantemente, pelo Tribunal

Constitucional: interpretação principiológica, interpretação evolutiva e interpretação

desenvolvimentista das liberdades públicas.

A interpretação principiológica decorreu da evolução do Direito, por meio da

introdução nas Constituições de normas de caráter principiológico, de conteúdo aberto e

passível de preenchimento pelo órgão responsável pela guarda da Constituição. Os princípios

deixaram de ser apenas valores indicativos da atuação legislativa e converteram-se em Direito

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positivo de eficácia normativa. O tipo de interpretação desenvolvido neste caso se dá com um

grau máximo de intensidade, pois a determinação do conteúdo das normas constitucionais irá

depender de uma atuação concretizadora do Tribunal com a influência de fatores externos ao

Direto, como a pré-compreensão.

A interpretação evolutiva tem a finalidade específica de adaptar o texto da

Constituição ao momento histórico, permitindo a vigência de um mesmo texto constitucional

ao longo dos anos. A Constituição é um instrumento dinâmico, vivo, assim como a sociedade

que pretende regular e dar suporte. A interpretação evolutiva feita pelo Tribunal

Constitucional vai permitir justamente que, mesmo sem a alteração formal do texto, seja

modificado o conteúdo atribuído à norma jurídica. Essa forma de interpretação, muitas vezes

é apontada como mutação constitucional133

, visto que altera o significado e o alcance da

norma jurídica, sem alterar o texto normativo.

A interpretação desenvolvimentista das atividades públicas é feita pelo Tribunal

Constitucional quando este concretiza direitos e garantias fundamentais. Esta interpretação

deve sempre ter em vista promovê-los por meio de uma postura ampliativa e beneficiadora,

além de guardá-los contra atos violadores; além disso, também terá traços de uma

interpretação principiológica (pois a grande parte dos direitos fundamentais é lançado em

normas de conteúdo principiológico) e evolutiva (já que a dinâmica da sociedade pede uma

interpretação dos direitos fundamentais sempre adequada ao momento histórico que se vive).

4.3.2 Função estruturante

É a função destinada à manutenção da estrutura do ordenamento jurídico (adequar e

harmonizar formalmente o ordenamento, nos termos de sua lógica interna e de seus

comandos) por meio do controle de constitucionalidade. No caso, o Tribunal Constitucional

vai eliminar do sistema jurídico-normativo os elementos normativos indesejáveis e as práticas

e omissões inconciliáveis com as determinações constitucionais. O foco do Tribunal é,

133 No que tange à mutação constitucional, Gomes Canotilho esclarece que há necessidade de aceitação dessa teoria com

reticências, afinal “uma coisa é admitirem-se alterações no âmbito ou esfera da norma que ainda se podem considerar

susceptíveis de serem abrangidas pelo programa normativo (Normprogramm), e, outra coisa, é legitimarem-se alterações

constitucionais que se traduzem na existência de uma realidade constitucional inconstitucional, ou seja, alterações

manifestamente incomportáveis pelo programa da norma constitucional. Uma constituição pode ser flexível sem deixar de ser

firme. A necessidade de uma permanente adequação dialética entre o programa normativo e a esfera normativa justificará a

aceitação de transições constitucionais que, embora traduzindo a mudança de sentido de algumas normas provocado pelo

impacto da evolução da realidade constitucional, não contrariam os princípios estruturais (políticos e jurídicos) da

constituição. O reconhecimento destas mutações constitucionais silenciosas (‘stille Verfassungswandlungen’) é ainda um

acto legítimo de interpretação constitucional. Por outras palavras que colhemos em K. Stern: a mutação constitucional deve

considerar-se admissível quando se reconduz a um problema normativo-endogenético, mas já não quando ela é resultado de

uma evolução normativamente exogenética.” (CANOTILHO, 2033, p.1229)

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114

portanto, verificar a compatibilidade formal dos atos normativos com a hierarquia e a

competência constitucionalmente atribuída para a prática desses atos.

Normalmente, a Constituição prevê normas de conteúdo procedimental (relativas à

forma de organização do Estado) e de conteúdo substancial (referentes ao catálogo de direitos

e garantias assegurados aos indivíduos). Qualquer norma editada pelo Poder Legislativo em

desconformidade com as normas procedimentais ou cujo conteúdo afronte as normas

constitucionais de caráter substancial estará infringindo a estrutura do ordenamento jurídico e

deverá ser eliminada pelo Tribunal Constitucional, por meio da sua função estruturante.

Poderão ser analisados pelo Tribunal não só as leis, mas também todos os demais atos

normativos, desde que tenham fundamento direto na norma constitucional e não em alguma

lei. Ao mencionarmos demais atos normativos, pretendemos incluir também aqueles que

envolvem questões políticas134

, pois, em um Estado que adota uma Constituição limitativa

dos governos, não há questão política excluída do alcance constitucional.

O controle de constitucionalidade realizado pelo Tribunal Constitucional servirá,

portanto, para manter o ordenamento jurídico harmonizado e logicamente preservado, sem

que seja incluído no sistema norma incompatível com a estrutura da Constituição. Essa

dimensão estruturante da Justiça Constitucional se justifica em razão da necessidade de

garantir a supremacia e a rigidez das normas constitucionais.

Para André Ramos Tavares, também a função estruturante desenvolvida pelo Tribunal

Constitucional terá a mesma estatura da norma constitucional. O autor afirma que os efeitos

de uma decisão do Tribunal Constitucional que declara a inconstitucionalidade da norma não

“apenas equivalem (de imediato) aos efeitos de um ‘legislador’ negativo (derrogação) mas

também alcançariam o legislador do futuro, impedindo-o de atuar no sentido de apresentar lei

de conteúdo idêntico daquela anulada” (TAVARES, 2005, 262). Assim, seria adotada uma

posição que promove a segurança jurídica e a racionalidade do sistema, não obstante os riscos

de que se inviabilize a função evolutiva (adaptativa) do Tribunal relativamente às normas

constitucionais.

André Ramos Tavares (2005, p.271-272) defende que a técnica de interpretação

conforme a Constituição, por mais que envolva a atividade interpretativa, melhor se enquadra

como parte da função estruturante, uma vez que tem por objetivo afastar aquelas

incompatíveis com o sistema constitucional e atribuir uma interpretação congruente com a

134 No quarto capítulo verificaremos que essa análise de questões políticas encontra limites na separação entre juízo de

constitucionalidade e juízo de decisão política, sendo que, não é dado ao Tribunal Constitucional adentrar no âmbito deste

último.

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115

Constituição. Essa técnica também evidencia a distinção que a Justiça Constitucional deve

promover entre enunciado normativo (texto escrito da norma) e norma jurídica (resultado da

interpretação desse texto).

No desempenho da função estruturante, o Tribunal Constitucional pode exercer

também o papel de corte de superposição, ou seja, responsável por adequar as decisões

judiciais inferiores ao sistema jurídico.

Podemos considerar as decisões judiciais como um elemento normativo do sistema,

daí porque seria atribuição também do Tribunal Constitucional reformar para extirpar do

ordenamento as decisões incongruentes. Essa atividade, porém, para não inviabilizar a

atuação do Tribunal, deveria vir acompanhada do instituto do writ of certiorari (existente nos

Estados Unidos) que permite ao Tribunal decidir quais processos aceitará para revisar a

depender da conveniência e relevância social da matéria envolvida.

Atualmente, podemos afirmar que a função estruturante passou a incluir em seu rol de

finalidades a preservação dos direitos fundamentais que passaram a integrar a grande maioria

das Constituições modernas. Por isso, a função estruturante deixou de se referir apenas ao

controle de constitucionalidade das leis e à resolução de conflitos de atribuição e passou a ser

qualificada pela finalidade de tutelar os direitos fundamentais.

4.3.3 Função arbitral

O exercício da função arbitral pelo Tribunal Constitucional tem por objetivo

solucionar eventuais conflitos de competência e também determinar a competência

constitucionalmente estabelecida dos demais órgãos do Estado. O Tribunal deve estar atento

ao exercício das funções normativas ou materiais pelos demais órgãos para verificar se não

está havendo invasão da função constitucionalmente atribuída de uns pelos outros. O Tribunal

deverá, portanto, manter o equilíbrio entre a atuação das demais funções do Estado.

Nos países que adotam a forma federativa, o Tribunal Constitucional será responsável

por resolver os conflitos de competência entre os entes de federação. E, mesmo naqueles que

não adotam, será o Tribunal Constitucional o responsável por solucionar os conflitos

referentes à organização territorial e à estruturação de Poderes.

A função arbitral está sempre associada ao exercício da função interpretativa, posto

que será a partir da leitura das funções constitucionalmente distribuídas entres os órgãos que o

Tribunal irá fixar os limites das responsabilidades de cada um. André Ramos Tavares ensina

que a decisão proferida na atuação da função arbitral

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operará, inexoravelmente, uma interpretação constitucional para determinar os

limites, os contornos precisos, constitucionalmente estabelecidos, para cada um

dos poderes ou entidades envolvidas no conflito estabelecido. A natureza dessa

decisão, portanto, como se pôde estabelecer, não é a de exercício do controle de

leis, mas sim um “controle” dos limites dos “poderes” ou entidades constitucionais

Esse tipo de decisão, portanto, pode ser considerado uma decisão de interrupção

(constitucionalmente estabelecida) do atrito entre as entidades constitucionais.

Embora essa decisão seja adotada a partir de um específico ponto de colisão ou

atrito, formará um comando genérico aplicável indiscriminadamente para todas as

situações futuras nas quais se pudesse repetir a mesma ocorrência. (TAVARES,

2005, p.319)

Essa função será exercida não só quando o Tribunal estiver na posição de um terceiro

no conflito, ou seja, tratar-se de decidir a competência entre dois órgãos como o Legislativo e

o Executivo, mas também quando o Tribunal tiver que solucionar conflitos nos quais ele

mesmo esteja envolvido. Assim, ainda que o conflito de competência ocorra entre o Tribunal

Constitucional e os Poderes Judiciário, Executivo ou Legislativo será ele o órgão responsável

por fixar a competência de cada uma dessas funções do Estado.

4.3.4 Função legislativa

André Ramos Tavares traz como inerente à Justiça Constitucional a função legislativa

“atividade da qual resulta a composição inaugural de comandos com efeito de caráter geral” e

que foi por muito tempo exclusiva do legislador (TAVARES, 2005, p.322). Essa função,

porém, deve ser desempenhada dentro de certos limites, para não haver invasão das

competências do Legislativo. É importante termos em mente que a função legislativa não é

exclusiva do órgão Legislativo, mas certas atividades serão exclusivamente atribuições sua.

Assim, a atividade legislativa desenvolvida pelo Tribunal Constitucional deverá estar

adstrita aos limites de suas atribuições para evitar ingressar no âmbito daquela que integra as

atribuições exclusivas do órgão Legislativo. Assim, as decisões legislativas do Tribunal

Constitucional devem decorrer expressamente da divisão constitucional de competências e

dependem de norma constitucional prevendo o exercício dessa função. O Tribunal

Constitucional poderá desempenhar essa função em duas situações

(i) Por vezes há uma atribuição de competência sucessiva (na omissão do

legislador a competência transfere-se para o Tribunal Constitucional). (ii) Pode

haver, contudo, uma atribuição direta de competência exclusiva (ao Tribunal

Constitucional pertence o poder de editar normas sobre certas matérias, que ficam,

nessa medida, subtraídas da esfera de atuação do legislador). (TAVARES, 2005,

p.327)

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117

É importante observarmos que uma decisão legislativa do Tribunal Constitucional está

no mesmo patamar das leis, ou seja, uma lei ordinária poderá se sobrepor a uma decisão

legislativa do Tribunal.

Ademais, a função legislativa é distinta da atividade interpretativa. Mesmo que as

decisões interpretativas do Tribunal Constitucional tenham status constitucional, essa

atividade não é legislativa, pois sempre estará vinculada a um determinado processo, limitado

pela necessidade de provocação e de observância da imparcialidade e das normas adotadas

pelo legislador e pela Constituição. Já a função legislativa é autônoma e pode ser a finalidade

última do processo. Ao contrário da função interpretativa, que é instrumental e exercida pelo

Tribunal como meio para praticar as outras funções. (TAVARES, 2005, p.325)

Guilherme Braga Penã de Moraes entende que a Justiça Constitucional exerce, no

mínimo, as seguintes atividades legislativas:

(i) a elaboração dos regimentos internos dos tribunais constitucionais; (ii) o

exercício, no âmbito do controle de constitucionalidade, de poderes

tendencialmente normativos, com a prolação de decisões atípicas, e (iii) a

complementação e o desenvolvimento da regulação processual constitucional, pelo

Direito Constitucional e Processual dúctil, principalmente quando os mecanismos

tradicionais de criação judicial de normas jurídicas se revelarem insuficientes para

o desempenho das atribuições que lhe são inerentes. (MORAES, 2011, p.103)

André Ramos Tavares amplia o leque de opções e considera que será exercida

atividade legislativa quando o Tribunal atuar no desempenho das seguintes funções “(i)

competência para elaborar leis; (ii) controle preventivo das leis; (iii) controle das omissões

legislativas inconstitucionais; (iv) decisões aditivas, redutoras e substitutivas; (v) elaboração

de seu regimento interno.” (TAVARES, 2005, p.327)

A possibilidade de elaboração de leis pelo Tribunal Constitucional é considerada

atividade legislativa em sentido estrito e só poderá ocorrer quando a Constituição, ao

estabelecer a competência legislativa de cada um dos órgãos de Estado, contemplar também o

Tribunal Constitucional.

Em relação ao exercício do controle preventivo de leis, por mais que alguns autores o

considere parte da função de controle de constitucionalidade (função estruturante), André

Ramos Tavares (2005, p. 329) atenta para o fato de que, como se trata de uma atividade pré-

positiva (a lei ainda não existe no mundo jurídico), ainda não haverá ofensa da estrutura do

sistema, razão pela qual o enquadramento como função estruturante não é adequado. Aqui

haverá função legislativa, pois o controle preventivo é uma das fases do processo legislativo,

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sendo o caso de lembrarmos, inclusive, que a decisão do Tribunal será vinculante para o

Legislativo. Assim, Legislativo e Tribunal Constitucional atuam juntos no processo de

elaboração da lei.

A atuação do Tribunal Constitucional no controle das omissões legislativas

inconstitucionais também é uma atividade legislativa, pois haverá uma produção legislativa

do Tribunal no sentido de provisoriamente e especificamente colmatar lacunas no

ordenamento. Importante observar que a atuação do Tribunal estará adstrita às situações em

que a ausência ou a insuficiência de regulamentação legal desrespeite um comando

constitucional. Ou seja, a Constituição prevê a necessidade de regulamentar uma determinada

matéria, porém, o Poder Legislativo permanece inerte e acaba afrontando o comando

constitucional. Na ausência ou insuficiência de normatização, o Tribunal irá, primeiramente,

exercer a função de controle (estruturante) e, se constatar que a falta de lei ofende a estrutura

constitucional do sistema, efetuará a regulação temporária e específica da situação. É

possível, pois, afirmarmos que essa atividade legislativa é supletiva (depende da ausência de

regulamentação pelo Legislativo), provisória (só vigora enquanto o Legislativo não atuar) e

específica (só é possível naquela situação em que a ausência de legislação ocasionar uma

afronta às normas constitucionais).

Guilherme Braga Penã de Moraes (2011, p. 109) atenta para o fato de que o Tribunal

Constitucional também exerce atividade legislativa em casos de inconstitucionalidade por

ação, ao relativizar a eficácia retroativa das decisões por inconstitucionalidade ou, quando

declara a constitucionalidade da norma e fixa a interpretação adequada, proferindo as

“decisões de calibragem” ou “intermediárias”. Essa decisões atípicas seriam a restrição dos

efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade135

, o afastamento do efeito

repristinatório136

, a interpretação conforme a Constituição137

, a declaração parcial de

inconstitucionalidade sem redução de texto138

, o apelo ao legislador139

, a declaração de

135 Essa técnica se dá quando o Tribunal julga procedente a ação direta de inconstitucionalidade e declara a norma

inconstitucional com a manipulação dos efeitos dessa declaração no tempo. Aqui, o Tribunal, tendo em vista razões de

segurança jurídica ou de excepcional interesse social, reduz o âmbito de eficácia retroativa do pronunciamento jurisdicional,

mediante a fixação de termo inicial para a produção de todos (limitação temporal total) ou alguns (limitação temporal parcial)

dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, entre a produção da norma jurídica e a publicação da decisão de

procedência, e reconhece a intangibilidade das situações de fato consumadas anteriormente ao marco temporal definido na

decisão. 136 Aqui, o Tribunal declara a inconstitucionalidade de determinada norma, julgando procedente a ação direta de

inconstitucionalidade, porém, não deixa que a norma que havia sido revogada pela lei declarada inconstitucional retome a sua

vigência. Ou seja, a decisão do Tribunal exclui a retomada de vigência da norma revogada em virtude da declaração de

inconstitucionalidade da norma revogadora. 137 Nesse caso, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada improcedente e a norma é considerada constitucional, desde

que adotada determinada interpretação. Ou seja, o Tribunal elimina as possibilidades de interpretação incompatíveis com a

Constituição, de maneira que há a redução do conteúdo normativo, sem afetar a expressão literal da norma jurídica submetida

ao controle de constitucionalidade. 138 Neste caso, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada parcialmente procedente, sendo o ato normativo declarado

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119

inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade140

, a declaração de norma ainda

constitucional em trânsito para a inconstitucionalidade141

, etc.

Também dizemos que há atividade legislativa quando o Tribunal Constitucional – ao

verificar que a Constituição, em determinada matéria, não deixou margem de conformação ao

legislador, determinando a regulamentação em um certo sentido e o legislador editar norma

desrespeitando o comando constitucional (indo além ou aquém deste) – por meio de suas

sentenças adita, reduz ou substitui o conteúdo da norma. É necessário, para haver a atuação do

Tribunal, que a “vontade constitucional” seja clara e que o comando legal tenha desrespeitado

essa intenção constitucional.

Por fim, a função legislativa também se manifesta quando ao Tribunal Constitucional

é dada a atribuição de elaborar o seu regimento interno. Essa possibilidade decorre

diretamente do postulado da separação dos Poderes, pois ao Tribunal Constitucional será

garantido sua auto-organização e não ter que se submeter a processos determinados por outros

órgãos do Estado.

4.3.5 Função governativa

A função de governo, normalmente considerada apenas uma função política, na

realidade, não se deve confundir com a função ora analisada. Ela possui uma natureza mais

discricionária. As questões políticas são decididas apenas por juízos políticos, que se reportam

mais à conveniência e oportunidade de sua atuação em um determinado sentido do que a um

direito correlato de observância necessária.

Já a função de governo de que ora se trata está conectada à necessidade de

cumprimento dos fins do Estado, da necessidade de consecução dos interesses da sociedade.

Esses objetivos do Estado vão estar encartados nas normas constitucionais, muitas vezes, por

meio das normas programáticas. A função de governo, portanto, não é discricionária, visto

inconstitucional, se aplicável a determinada hipótese fática. Aqui, o tribunal irá eliminar as hipóteses de aplicação

incompatíveis com a Constituição, havendo redução do programa normativo, sem alterar a expressão literal da norma

jurídica. 139 Por meio dessa técnica, o Tribunal julga improcedente a ação direta de inconstitucionalidade e reconhece o estado de

constitucionalidade da norma, porém adverte para a necessidade de sua alteração, complementação ou substituição, antes que

se consolide o estado de inconstitucionalidade. 140 O tribunal Constitucional julga procedente a ação direta de inconstitucionalidade, declarando a norma inconstitucional,

sem, no entanto, declarar a sua nulidade, em razão de não existir outra norma apta a preencher a lacuna que a declaração de

nulidade deixaria no ordenamento. Daí o tribunal reconhece o estado de inconstitucionalidade da norma jurídica, todavia

excepciona a possibilidade de sua aplicação, para exortar os órgãos legislativos a produzirem nova regulamentação sobre a

matéria. 141 Nesse caso, o tribunal julga improcedente a ação direta de inconstitucionalidade, declarando a constitucionalidade da

norma, porém, ressalva a possibilidade de vir a declarar, no futuro, a invalidade da lei, porque a afirmação da sua

constitucionalidade é fundamentada em circunstância de fato, que se pode modificar ao longo do tempo.

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120

que a própria Constituição estabelece de forma vinculante os objetivos e fins almejados pelo

Estado. Pode-se resumir, portanto, que a função de governo estará associada ao cumprimento

dos comandos e objetivos constitucionais para promover os fins especificados pela

Constituição

O fato é que o Tribunal Constitucional ao se caracterizar como um órgão que visa

promover e proteger a supremacia da Constituição também acaba atuando para concretizar os

objetivos e fins estatais constitucionalmente enumerados. Assim, sendo a função de governo

promover os fins do Estado e cumprir seus objetivos, e a atuação do Tribunal Constitucional

também vinculada a atingir os fins do Estado, é consequência que este Tribunal também irá

exercer uma função de governo.

A função governativa da Justiça Constitucional não se desenvolve de forma autônoma,

já que isso seria uma atribuição dos outros órgãos do Estado, mas sempre conjuntamente com

outra de suas funções. André Ramos Tavares (2005, p.352-354) enumera que o Tribunal

exercerá a atividade governativa quando atua em sua função arbitral e promove um governo

participativo com a atuação de cada um dos órgãos no âmbito de sua respectiva competência;

quando preserva as minorias contra as maiorias evitando que estas governem sozinhas; ou

quando atua na função de controle preservando a estrutura do ordenamento

constitucionalmente estipulada. Aqui cabe observarmos que sendo a lei o instrumento de

governo por excelência, fica evidente que a Justiça Constitucional está exercendo função

governativa quando declara determinada lei inválida.

Hoje, a promoção dos direitos fundamentais pode ser encarada como um dos

principais objetivos constitucionalmente estabelecidos, razão pela qual será uma constante na

função governativa a promoção desses direitos. Deste modo, sendo atribuição da Justiça

Constitucional definir, promover e proteger os direitos fundamentais, ela estará exercendo

inegável função de governo. Nas palavras de André Ramos Tavares,

Não se trata aqui de exigir o cumprimento dos direitos fundamentais na concepção

de liberdades públicas, nem de desenvolver sua interpretação ou integração, mas

sim de exigir e impor a criação de condições fáticas favoráveis para o exercício do

catálogo de direitos fundamentais declarado. Vislumbra-se, pois, nessas

circunstâncias a presença de uma função tipicamente governativa, porque o

Tribunal Constitucional acabará por determinar os âmbitos de atuação exigíveis do

Estado. (TAVARES, 2005, p.356)

Finalmente, é importante asseverar que essa função governativa não pode ser exercida

de forma discricionária pelo Tribunal Constitucional, mas sim, dependerá de provocação dos

órgãos legitimados a fazê-lo; estará restrita aos programas governativos previstos diretamente

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pela Constituição e deve, evidentemente, respeitar os âmbitos de atuação próprios dos outros

órgãos do Estado.

4.3.6 Função “comunitarista”

André Ramos Tavares atribui, ainda, à Justiça Constitucional uma função inovadora e

que, só recentemente, vem sendo exercida por alguns Tribunais Constitucionais. Essa função

“comunitarista” seria “aquela voltada para a defesa da superioridade do Direito Comunitário

(pró-comunidade) em relação ao Direito estatal (de cada Estado integrante de uma

comunidade maior)” (TAVARES, 2005, p.359)

Tendo em vista o fato de que todas as funções exercidas pela Justiça Constitucional

possuem um fundamento na necessidade de cumprir e garantir a Constituição, para ser

possível implementar a função “comunitarista” é necessário haver previsão constitucional

dessa atuação. Uma vez prevista, ao Tribunal Constitucional será franqueada a possibilidade

de verificar a conformidade de todos os atos normativos e não normativos do Estado às

diretivas superiores do Direito Comunitário. Assim, todo ato Legislativo nacional em

desconformidade com o Direito Comunitário deverá ser excluído do ordenamento.

Essa função se caracteriza, portanto, como um controle de constitucionalidade

indireto, já que “promove-se, em um primeiro momento, a proteção da Constituição,

especialmente de sua supremacia e, particularmente, da norma constitucional que determina o

cumprimento do Direito Comunitário” (TAVARES, 2005, p.262). Somente, em um segundo

momento, e como aplicação da vontade da Constituição, é que vai surgir a proteção do Direito

Comunitário em si.

É relevante notarmos, entretanto, que, principalmente em se tratando de direitos

fundamentais, se a regulamentação comunitária de determinado tema foi inferior à

regulamentação nacional, ou seja, o Direito Comunitário tenha a previsão de menos direitos

fundamentais que o ordenamento interno, prevalecerá a regulamentação interna. Não é

possível retroceder em termos de direitos fundamentais. A regulamentação comunitária

deverá ser considerada um parâmetro protetivo mínimo a ser seguido e obedecido por todos

os Estados-partes da comunidade, sendo deferido a eles estabelecerem uma regulamentação

ainda mais favorável aos seus nacionais.

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122

5 OS LIMITES À ATUAÇÃO DA JUSTIÇA CONSTITUCIONAL

Conforme observamos ao final do capítulo anterior, a Justiça Constitucional

desempenha o seu ônus de garantidora da supremacia da Constituição por meio do exercício

de determinadas funções. Já dissemos que as funções atribuídas ao Tribunal Constitucional,

como sua essência, modificaram-se ao longo do desenvolvimento do Constitucionalismo

Contemporâneo. A função inaugural de órgão responsável pelo controle de

constitucionalidade das normas deixou de ser vista como a única função do Tribunal e, não

obstante ter continuado a ser uma das atribuições de destaque, outras foram agregadas à

prática da Justiça Constitucional.

Devido às peculiaridades envolvendo a Justiça Constitucional, essa atuação sempre

esteve adstrita a certos limites impostos pela própria Constituição. Quando do seu surgimento,

as limitações impostas à atuação da Justiça Constitucional eram muito mais rígidas. Prestava-

se mais deferência ao princípio da separação de Poderes, à necessidade de observância estrita

à conformidade constitucional funcional, à impossibilidade de análise de questões políticas, à

atuação na forma de um legislador negativo, etc.

O maior desenvolvimento do Constitucionalismo Contemporâneo ao longo da segunda

metade do século XX, especialmente nas duas últimas décadas, trouxe junto uma evolução

também no pensamento em torno do conteúdo das funções e dos limites ao exercício das

mesmas pela Justiça Constitucional. A inclusão nas Constituições de um número maior de

comandos normativos – a regulação constitucional, hoje, vai muito além da disciplina do

poder político – aumentou o parâmetro da atividade fiscalizatória exercida pela Justiça

Constitucional.

O Estado de Direito foi substituído pelo Estado Constitucional e o Direito passou a

incorporar questões éticas e valores que encontraram, nas Constituições, um espaço natural

para se desenvolver traduzidos em princípios. Assim, houve uma valorização dos princípios e

o reconhecimento de sua normatividade e das peculiaridades inerentes a sua interpretação.

Os avanços perceptíveis no pensamento jurídico oriundos dos institutos agregados

pelo Constitucionalismo Contemporâneo são inegáveis. Porém, também é possível afirmar

que esses institutos acabaram sofrendo reiteradamente uma aplicação deturpada,

descomprometida com a precisão, correção e coerência teórica que lhes seria indicada.

Institutos incompatíveis entre si começaram a ser usados conjuntamente e o discurso

jurídico tornou-se fluido, mais maleável do que seria indicado e passível de ser manejado de

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forma discricionária e arbitrária. A discricionariedade judicial, considerada uma porta aberta

para a arbitrariedade, passou a ser defendida como um item da nova hermenêutica. A

utilização indevida e descompromissada de institutos tão relevantes não será o foco do nosso

estudo. Ao contrário, temos por objetivo analisar seriamente e respeitando a natureza dos

institutos, como o Constitucionalismo Contemporâneo influenciou a modificação dos limites

de atuação da Justiça Constitucional.

É necessário, pois, analisar até que ponto os avanços do Constitucionalismo

Contemporâneo podem ser incorporados à atuação da Justiça Constitucional sem

comprometer o Estado Constitucional Democrático de Direito.

5.1 Manutenção da Separação entre Juízo de Legalidade versus Juízo de

Constitucionalidade e entre Juízo de Constitucionalidade versus Decisão Política como

Limite à Atuação do Tribunal Constitucional

O significado atual do Constitucionalismo Contemporâneo decorre diretamente da

ideia de Constituição como uma norma jurídica suprema. No Constitucionalismo

Contemporâneo, as normas constitucionais podem ser identificadas como o fundamento de

validade de todo o ordenamento jurídico, como o guia que estrutura e condiciona as demais

normas. Nesse contexto de primazia, supremacia e normatividade da Constituição, uma

jurisdição constitucional é extremamente relevante, na medida em que terá por atribuição

preservar estes atributos.

A Justiça Constitucional, portanto, encontra sua principal fonte legitimadora na

necessidade de existir um órgão responsável pela proteção dessa primazia, supremacia e

normatividade da Constituição. Sem um órgão responsável por manter essa estrutura, o

sistema não subsistiria às constantes e diversas afrontas e desrespeitos provocados pelos

cidadãos e órgãos do Estado.

Podemos afirmar que a dimensão legitimadora da Justiça Constitucional integra a própria

Constituição. Independentemente da construção doutrinária adotada sobre a natureza do

Tribunal Constitucional, se órgão jurídico ou político, ou da visão a respeito do princípio da

divisão das funções, o fato é que os limites da atuação funcional da Justiça Constitucional, ou

seja, os limites dentro dos quais a atuação do Tribunal Constitucional será legítima, são

encontrados na própria Constituição.

Para Marina Gascón Abellán (2003, p.169) a legitimidade de atuação da Justiça

Constitucional depende do exercício de suas funções e do respeito a certos limites. A autora

apresenta como limites a necessidade de se observar a distinção entre juízo de legalidade e

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juízo de constitucionalidade, por um lado, e a distinção entre juízo de constitucionalidade e

decisão política, por outro.

Primeiramente, para que a Justiça Constitucional atue de forma legítima é preciso

separar juízo de constitucionalidade e de legalidade. Quando estiver sendo exercido um juízo

de legalidade, não pode o de constitucionalidade incidir.

Essa necessária divisão entre as formas de atuação ganha mais relevância quando se

tem em mente aqueles Tribunais Constitucionais que também revisam as decisões judiciais no

tocante à aplicação da Constituição. Por ocasião dessa revisão sobre os atos judiciais, o

Tribunal Constitucional não pode rever o modo pelo qual os juízes interpretam e aplicam as

leis no caso concreto, a não ser que tenha havido a violação de direitos constitucionais. A

função do Tribunal não será analisar o acerto na aplicação do Direito, mas sim a sua

adequação ao texto constitucional. Não compete a ele fixar a melhor interpretação da lei, mas

apenas rechaçar aquelas incompatíveis com a Constituição. Desta maneira, a interpretação da

lei deve ser inteiramente preservada se isto não acontecer. Nos casos em que existam diversas

interpretações compatíveis com a Constituição, não pode o Tribunal impor aquela que

considere a melhor. (ABELLÁN, 2003, p. 170)

A autora esclarece, ainda, que a lei, como uma expressão de direitos políticos

democráticos tem uma autônoma razão de ser frente à Constituição e um âmbito próprio, no

qual a Constituição não pode incidir (ABELLÁN, 2003, p.170). Por mais que a Constituição

apresente-se como uma norma suprema e estruturante do ordenamento jurídico, haverá um

espaço de conformação reservado ao legislador ordinário e no qual ele terá liberdade para

atuar, segundo os parâmetros constitucionais. Se a lei estiver em conformidade com as

determinações constitucionais, o Tribunal Constitucional não poderá considerá-la inválida por

entender que não foi dada a melhor solução ao caso. Aqui encontramos a separação entre o

juízo de constitucionalidade e a decisão política democrática. Atuando o legislador no seu

espaço de conformação, não poderá a decisão política ser considerada inválida.

Quanto à separação entre juízo de constitucionalidade e âmbito de conformação

legislativa, especificamente quando analisa vícios de mérito na atividade do Poder

Legislativo, Gomes Canotilho afirma que se deve ter muita cautela ao transpor a análise do

mérito do ato legislativo para o sistema de fiscalização de inconstitucionalidade. Segundo o

autor, para o Tribunal Constitucional fiscalizar, é necessário uma profunda incongruência

entre o uso do Poder Legislativo e os fins ou escopos fixados na Constituição. Assim, quando

a Constituição estabelece um determinado fim a atingir ela condiciona a atividade legislativa.

Será possível que a Justiça Constitucional controle se, por parte do legislador, houve

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adequação entre os fins constitucionais e o os meios utilizados para os perseguir ou se os fins

perseguidos pelo legislador foram completamente diversos dos visados pelas normas

constitucionais. (CANOTILHO, 2003, p.1320) Daí observar o autor que será possível o

controle de constitucionalidade para analisar vícios meritórios em duas hipóteses

As hipóteses de vícios de mérito reconduzem-se, fundamentalmente, a duas

categorias: (1) vícios de mérito porque o uso do poder legislativo no sentido de

impor determinadas soluções é objectivamente inadmissível perante determinadas

circunstâncias, violando-se regras e princípios constitucionais (princípio da

igualdade, princípio da proibição do excesso, direitos, liberdades e garantias); (2)

vícios de mérito por irrazoabilidade da lei captada através de um conjunto de

manifestações (inconsequência, incoerência, ilogicidade, arbitrariedade,

contraditoriedade, completo afastamento do senso comum e da consciência ético-

jurídica comunitária). Na primeira hipótese, há casos em que se entrecruzam com

dimensões presentes na segunda hipótese (ex.: violação do princípio da proibição

do excesso). (CANOTILHO, 2003, p.1320)

Marina Gascón Abellán apresenta, ainda, dois modelos que descrevem a relação no

ordenamento jurídico entre a lei e a Constituição: o modelo constitucionalista (também

chamado judicialista) e o legalista (também chamado democrático).

O modelo constitucionalista ou judicialista é aquele no qual a Constituição possui um

projeto político muito bem articulado ou fechado e ao legislador corresponde a tarefa de

executar ou aplicar esse projeto. Nesse modelo, a Constituição já estabelece o que deve ser

feito, dá a orientação da atuação política em várias matérias. O nome constitucionalista é

atribuído ao modelo, pois é a própria Constituição que predetermina a solução de todos os

conflitos, de modo que a lei só pode servir para concretizar as abstratas determinações

constitucionais. Também se denomina esse modelo de judicialista, pois serão os juízes que

analisarão quais normas devem figurar no ordenamento jurídico em cada momento,

principalmente, o Juiz Constitucional quando verifica a compatibilidade da lei com a

Constituição. Essa atribuição, porém, é compartilhada com todos os juízes que poderão,

inclusive, aplicar diretamente a Constituição em detrimento da lei, caso seja necessário.

(ABELLÁN, 2003, p.170)

Por outro lado, no modelo democrático ou legalista, a Constituição se limita a

delimitar as regras de competência política. A Constituição só determina “quem manda”,

“como manda” e “até onde pode mandar”, porém “o que se deve mandar” é algo reservado ao

legislador. Esse modelo é denominado democrático, pois se baseia na ideia de que a

Constituição não predetermina a solução de todos os conflitos, mas apenas assinala as regras

básicas e o marco aberto de valores no qual o legislador pode se mover. Dentro desses limites

de conformação constitucional, caberá aos juízos políticos decidirem. Este modelo também é

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chamado legalista, pois é o poder político quem se encarrega de, a cada momento, fazer

realidade o que na Constituição só aparece como possibilidade, ou seja, é o legislador

democrático quem determina as normas que devem presidir o sistema jurídico histórico-

concreto, de maneira que o juiz ordinário está sujeito ao princípio da legalidade e o juiz

constitucional só deve declarar inconstitucional a lei quando ultrapassar o marco de

possibilidades políticas permitidas pela Constituição142

. (ABELLÁN, 2003, p.171)

Assim, um Estado que adotar um sistema constitucional democrático e comprometido

com a dignidade democrática da lei deverá sempre optar pelo modelo democrático ou

legalista. O fato é que a lei, como uma expressão de direitos políticos, possui uma autônoma

razão de ser, e disso deriva a necessidade de uma separação rigorosa entre as questões

políticas e constitucionais, quando se pretende estabelecer os limites à atuação da Justiça

Constitucional.

Concordamos com Marina Gascón Abellán (2003, p.171) quando afirma que a função

do juiz constitucional não é substituir o parlamento, que goza de uma inegável liberdade

política. Ao juiz não incumbe fixar a melhor lei sobre uma perspectiva constitucional, mas

apenas eliminar aquelas que demonstrem ser intoleráveis constitucionalmente. Ao analisar a

constitucionalidade da lei, não pode o juiz valorar os motivos políticos que levaram o

legislador a adotar determinada posição e nem sugerir ou impor opções políticas. O Tribunal

não deve interferir na direção política do país.

A exigência de que a Justiça Constitucional respeite a separação entre juízo de

constitucionalidade e decisão política, por um lado, e juízo de constitucionalidade e de

legalidade, por outro, exige do Tribunal Constitucional um esforço autoinibitório. Afinal, se

incumbe ao Tribunal, no exercício da sua função arbitral, fixar as competências e os limites

da atuação de cada um dos órgãos do Estado, será ele mesmo quem irá fixar, com base na

Constituição, os limites de sua atuação, segundo um juízo de constitucionalidade.

Importante notarmos que a função do Tribunal Constitucional não se identifica mais

apenas com o exercício monopolístico do controle de constitucionalidade. Porém, não só o

controle de constitucionalidade, mas também todas as funções atribuídas à Justiça

Constitucional (interpretativa, estruturante, arbitral, legislativa, governativa e

142 Esse modelo legalista se assemelha mais ao brasileiro, na medida em que o Tribunal constitucional não está autorizado a

emitir juízos de valor acerca do conteúdo das leis emergentes do legislativo, mas tão somente podem fazer um controle do

cumprimento das formalidades necessárias, bem como verificar se a lei não ofende o que está contido no texto constitucional,

porém, as opções políticas ficam inteiramente ao cargo do legislador democrático. No entanto, ainda assim, a Constituição

americana se enquadra mais perfeitamente a esse modelo, em razão de seu conteúdo sintético que se limita a traçar as

competências de cada um dos poderes estatais e a fixar apenas alguns direitos fundamentais. Por outro lado, a brasileira

avança um pouco na competência do legislador ordinário na medida em que traça diversos programas que devem ser

seguidos pela legislação infraconstitucional.

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“comunitarista”) podem ser exercidas nos limites necessários de separação entre o âmbito

político e o juízo de constitucionalidade. E só se forem exercidas nestes limites é que serão

legítimas.

Mesmo que estejamos nos referindo a função governativa ou legislativa, não se está

invadindo o âmbito pertencente aos juízos de decisão política. Conforme especificamos, ainda

que a função governativa – em razão do nome a ela atribuído – pareça sugerir que o Tribunal

Constitucional irá exercer funções de governo do Estado, significa apenas que a Justiça

Constitucional também tem um papel determinante para promover e realizar os fins do

Estado. É certo que esses objetivos da sociedade estarão encartados nas normas

constitucionais, muitas vezes, por meio das normas programáticas. Essa função de governo,

portanto, não é discricionária ou autônoma, visto que a Constituição vai estabelecer de forma

vinculante os objetivos e fins a serem atingidos pelo Estado. Podemos resumir, portanto, que

a função de governo estará associada ao cumprimento dos comandos e objetivos

constitucionais para promover os fins especificados pela Constituição e será sempre exercida

em conjunto com outras do Tribunal.

Lembremos que, atualmente, a promoção dos direitos fundamentais pode ser encarada

como um dos principais objetivos constitucionais, razão pela qual será uma constante na

função governativa a promoção de tais direitos. Deste modo, ao se apresentar como parte da

função da Justiça constitucional definir, promover e proteger os direitos fundamentais, este

órgão estará exercendo inegável função de governo de forma legítima, ao promover tais

direitos restringindo-se aos programas governativos previstos pela Constituição e respeitando

os âmbitos de atuação dos outros órgãos do Estado.

No caso da função legislativa, desde que desempenhada dentro de certos limites,

também será possível que o Tribunal Constitucional se abstenha de invadir o âmbito do juízo

de decisão política. As decisões legislativas do Tribunal Constitucional devem decorrer

expressamente da divisão constitucional de competências e dependem de norma

constitucional prevendo o exercício dessa função, só assim a função legislativa da Justiça

Constitucional estará dentro de um âmbito de legitimidade.

É no controle das omissões legislativas inconstitucionais que está o ponto mais tênue

da linha divisória entre o juízo de constitucionalidade e de decisão política, pois a única forma

do Tribunal resolver a omissão inconstitucional será colmatando provisoriamente as lacunas

no ordenamento por meio de uma inovação no mundo jurídico. Evidentemente que a atuação

do Tribunal estará adstrita às situações em que a ausência ou a insuficiência de

regulamentação legal acabe por desrespeitar um comando constitucional. Ou seja, a

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Constituição prevê a necessidade de regulamentação de uma determinada matéria, porém, o

Poder Legislativo permanece inerte e acaba gerando uma afronta ao comando constitucional.

Na ausência ou insuficiência de normatização, o Tribunal irá, inicialmente, exercer a função

de controle (estruturante) e, se constatar que a falta de lei ofende a estrutura constitucional do

sistema, irá regular de forma temporária e específica a situação. É possível, pois, afirmar que

essa atividade legislativa é supletiva (depende da ausência de regulamentação pelo

Legislativo), provisória (só vigora enquanto o Legislativo não atuar) e específica (só é

possível naquela situação determinada em que a ausência de legislação ocasione uma afronta

às normas constitucionais).

Desde que exercida dentro desses limites, mesmo havendo uma “invasão provisória”

do juízo de decisão política pelo Tribunal, terá sido legítima, na medida em que a

Constituição impõe esse tipo de atuação por parte do Tribunal.

5.2 Teoria da Deference como Modo Padrão de Atuação da Justiça Constitucional

James Bradley Thayer foi um forte crítico à opção da Suprema Corte norte-americana

pela realização do controle de constitucionalidade. Em 1893, o autor escreveu um trabalho,

intitulado “Origem e finalidade da doutrina americana do direito constitucional”,

influenciador de grandes debates até os dias atuais.

Dentre os argumentos apresentados pelo autor contra a realização do controle de

constitucionalidade pelo judiciário está o da deferência143

ou teoria da deference, segundo a

143 Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2013, p.336-337) apontam os argumentos aduzidos por Thayer em desfavor do

controle de constitucionalidade feito pelo Judiciário: “Argumento literal: as Constituições estaduais nos EUA não atribuem

aos juízes o poder de controlar a constitucionalidade das leis estaduais. Esse poder é deduzido de maneira implícita.

Argumento histórico: tanto membros da Convenção que criou a Constituição Federal como muitos juízes e doutrinadores dos

EUA negaram que o Judiciário tivesse o poder de anular leis. Crítica ao argumento sistemático de Marshall: a Suprema

Corte dos EUA deduz esse poder do caráter escrito da Constituição Federal. Mas isso não convence, porque muitos países

europeus, como a França e a Suíça, possuem Constituição escrita, sem que os juízes se considerem competentes para anular

normas do Legislativo. Nesses países vale a regra de que as normas constitucionais não podem ser implementadas pelos

tribunais contra a vontade dos legisladores. Argumento da limitada competência do Judiciário: os juízes só podem fiscalizar

a constitucionalidade para resolver um caso concreto e não para anular leis. Esse poder só cabe ao Legislativo, sob pena de

violar a separação de poderes. Argumento da indeterminação constitucional e da abertura interpretativa: a interpretação da

Constituição não pode ser literal e acadêmica. Deve ser política. Como as normas constitucionais são vagas, há várias

possibilidades de interpretação razoável. Não é tarefa do judiciário estabelecer o ‘verdadeiro significado’ da Constituição.

Somente o Legislativo, eleito pelo povo, pode escolher a interpretação mais conveniente, conforme o interesse da Nação,

editando leis que considerar ‘prudentes’ ou ‘razoáveis’. Argumento da deferência: o controle judicial da

inconstitucionalidade é imprescindível. Caso contrário, não haveria garantia de que o Legislador efetivamente se submeta à

Constituição. Mas essa competência do Judiciário conhece fortes limitações. O Judiciário só pode declarar a

inconstitucionalidade se for ‘manifesta’, situada ‘além de qualquer razoável dúvida’, ‘evidente e clara’, ‘muito clara’,

‘inequívoca’, ‘inquestionável’. A doutrina da inconstitucionalidade manifesta é conhecida nos EUA como ‘regra do caso

duvidoso’ (doubtful case rule) ou ‘regra do evidente erro’ (clear mistake rule). Exige que o Judiciário mostre ‘deferência’ ou

‘respeito’ ao Legislativo. Só pode anular uma lei se for evidente que o legislador cometeu um erro ao criar a lei

inconstitucional. Nessa perspectiva, cabe ao judiciário fixar o ‘limite externo’ que a Constituição impõe ao Legislativo. Se

avançassem mais, os magistrados excederiam seus poderes, legislando negativamente, mediante a anulação de leis. Crítica ao

paternalismo judicial: Thayer considera que nos ordenamentos jurídicos que conhecem o controle judicial de

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qual o judiciário somente poderia declarar a inconstitucionalidade se for manifesta,

inequívoca, além de qualquer razoável dúvida. Essa ideia deu origem a doutrina da

inconstitucionalidade manifesta, também conhecida nos Estados Unidos como regra do caso

duvidoso e exige que o Judiciário mostre deferência ou respeito às opções do Legislativo.

A ideia da adoção de uma postura deferencial pela Justiça Constitucional parte de

pressupostos semelhantes aos da teoria que aponta como limite da Justiça Constitucional a

necessidade de separar o juízo de constitucionalidade do juízo de decisão política.

A partir da premissa de que ao Tribunal Constitucional competiria sempre uma

interpretação final sobre as normas constitucionais, a teoria da deference prevê que função de

interpretação da Constituição deve ser exercida com deferência às opções legislativas. Sempre

que houver questionamento sobre a constitucionalidade de determinada norma, segundo esta

teoria, o Tribunal deverá perquirir se a opção legislativa pela edição da norma questionada foi

razoável, mesmo que não seja considerada a mais adequada. Dessa forma

[O tribunal] só pode desconsiderar a Lei [impugnada] quando aqueles que têm o

direito de elaborar leis não tiverem apenas cometido um mero equívoco, mas um

equívoco muito claro — tão evidente que não dê margem a questionamento. Esse é

o padrão de dever a que os tribunais elevam os Atos legislativos [as Leis]; esse é o

teste que aplicam – não apenas seu próprio julgamento quanto à

constitucionalidade, mas sua conclusão acerca de qual julgamento é admissível a

outro ente incumbido pela constituição do dever de fazê-lo. Essa regra reconhece

que, levando-se em consideração as exigências governamentais rigorosas,

complexas e constantemente trazidas à tona, muitas delas parecerão

inconstitucionais para um indivíduo, ou grupo de pessoas, ao passo que para outros

poderão muito bem parecer constitucionais; que a constituição frequentemente

admite diferentes interpretações; que com muita frequência há uma margem de

escolha e decisão; que em tais casos a constituição não impõe sobre o legislativo

nenhuma opinião específica, mas deixa aberta essa margem de escolha; e que

qualquer que seja a escolha, se for racional, será constitucional. (THAYER apud

PERRY, 2007, p.114-115)

A ideia thayeriana da deferência judicial e a sua premissa da necessidade de um “erro

evidente” que justifique a interferência do juiz constitucional não tem por base uma crença

irrealista na capacidade do Poder Legislativo de sempre decidir questões constitucionais da

maneira mais adequada ou no fato de que os legisladores, e apenas eles, são os efetivos

representantes do povo. Esse teoria tem por fundamento o fato de que, em uma democracia,

os cidadãos são o poder político supremo e, assim sendo, eles, e não o Judiciário, deveriam

constitucionalidade os legisladores não se preocupam muito com questões constitucionais, pensando que se a lei for

inconstitucional o Judiciário fará a devida intervenção. Se o Judiciário limitasse suas intervenções nesse campo, os

legisladores atuariam com maior responsabilidade, preocupando-se mais com ‘questões de justiça e de direitos’, como ocorre

na Inglaterra e em outros países sem o controle judicial da constitucionalidade.”

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exercer a última palavra em termos de interpretação constitucional, desde que essa

interpretação fosse razoável, sob pena de ruir a própria ideia de soberania popular.

Ademais, a adoção de uma postura não deferencial dos tribunais pode retirar a

capacidade da sociedade e de seus representantes de decidir sobre questões constitucionais. O

desrespeito às opções do legislador, privando-os da dúvida razoável, acaba privando também

os cidadãos de sua capacidade de decidir sobre temas constitucionais controvertidos. A

responsabilidade por proteger e concretizar direitos fundamentais seria transferida do Poder

Legislativo para o Poder Judiciário.

Para os defensores da teoria deferencial, os juízes constitucionais não devem agir

como legisladores nem questionar se, segundo o seu entendimento, determinada lei é boa ou

ruim, mas sim, averiguar se a opção feita pelo Poder Legislativo ao considerá-la

constitucional (já que para editar e aprovar determinada lei os legisladores devem considerá-la

em conformidade com a Constituição) é razoável, ainda que não seja a melhor.

Michael Perry (2007, p.6) acredita na necessidade de adotar a deferência thayeriana

como um padrão de atuação da Justiça Constitucional, salvo, no julgamento de questões que

tratem da constitucionalidade das leis e políticas que disciplinem a liberdade de expressão,

imprensa ou reunião. Em matérias que versem sobre a liberdade de expressão não é

admissível, para o autor, conferir o benefício da dúvida razoável à opção legislativa. O fato é

que a proteção e a implementação direta pelo judiciário dos direitos que se refiram à liberdade

de expressão ou de reivindicação é necessária, justamente, para assegurar os procedimentos

democráticos e privilegiar a autonomia política dos cidadãos ao conduzirem questões

constitucionais controvertidas. Permitir que uma opção do legislador, ainda que, em tese,

razoável, possa retirar minimamente a liberdade de expressão ou de reivindicação dos

cidadãos tenderia a reduzir, e não a acentuar, a capacidade dos cidadãos e de seus

representantes de deliberarem ativa e adequadamente sobre questões políticas controversas.

Assim, quando se tratar de direitos que envolvam a liberdade de expressão e

reivindicação, a lógica se inverte e não deve ser privilegiada a teoria deferencial, tendo em

vista a necessidade de promover, e não de reduzir, a atuação dos cidadãos na vida política e

nas decisões constitucionais. O Tribunal deverá questionar se, no seu entendimento, a norma é

ou não inconstitucional, não sendo necessário conceder o benefício da dúvida razoável ao

Poder Legislativo quanto à constitucionalidade da norma.

Devemos ter em mente que o processo democrático de tomada de decisão não pode ser

desnecessariamente reprimido e que a capacidade pela tomada de decisão democrática

responsável não pode ser subvertida, “então é melhor, em casos de dúvida, que a Suprema

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Corte, e os tribunais, pequem pela falta de regulamentação de expressão (e imprensa e

reunião) que pelo excesso de tal disciplina” (PERRY, 2007, p.5).

Deste modo, a teoria da deferência não deve ser entendida como uma autorização para

a Justiça Constitucional se omitir diante de atos dos demais Poderes que não sejam

condizentes com as atribuições constitucionalmente impostas a eles. Todos os Poderes devem

evitar a omissão e o arbítrio, observar a necessidade de guarda e concretização da

constituição, no seu âmbito de atuação. Em decorrência do espontâneo cumprimento por cada

um dos órgãos estatais de suas funções constitucionais, somente as condutas eivadas de vícios

violadores da juridicidade e que não comportem o benefício da dúvida razoável em favor do

Poder que o praticou devem ser invalidadas pelo Tribunal Constitucional. Essa postura, que

privilegia a deferência às opções do legislador, estimula e garante os processos democráticos

e a autonomia política plena dos cidadãos.

5.3 A Valorização dos Princípios e a Deturpação de Certas Categorias Teóricas

O reconhecimento dos princípios como uma categoria normativa autônoma é um dos

traços marcantes do pós-positivismo. Em decorrência das ideias do Constitucionalismo

Contemporâneo esses princípios encontraram abrigo especial nos documentos constitucionais

e, por isso, a eles se agregou a categoria de normas supremas.

No entanto, uma das críticas sobre a utilização dos avanços do Constitucionalismo

Contemporâneo é justamente deturpar e exagerar no uso de certos institutos e categorias

dogmáticas como os princípios, que passaram a ser considerados a única categoria normativa

relevante. Diante disso, alguns autores denunciam a utilização indiscriminada dos princípios

E, como tudo virou princípio, muitos juízes deixam de aplicar as normas jurídicas,

em nome de ilações e mais ilações, transformando conjecturas em certezas,

probabilidades em axiomas, deturpando a grande importância que os princípios,

verdadeiramente, possuem. (BULOS, 2011, p.86)

É importante reconhecer, porém, que não há razão para se insurgir contra a

valorização dos princípios e sua aplicação como uma categoria normativa. O verdadeiro

problema do Constitucionalismo Contemporâneo está em deturpar e utilizar

indiscriminadamente os institutos, o que se dá, em grande parte, em nome do ativismo

judicial.

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O Constitucionalismo Contemporâneo, para evitar o uso indiscriminado de qualquer

instituto, agregou ao seu marco filosófico a necessidade da argumentação jurídica. É o

respeito à importância da argumentação que conseguirá impor limites a atividade indevida e

desenfreada de abuso de uma certa categoria jurídica. Em muitos casos é, sim, necessário

utilizar princípios em sobreposição às regras. Porém, os princípios, por serem normas dotadas

de um alto grau de abstratividade e que incorporam um forte conteúdo axiológico não

deveriam se apresentar como uma norma que se opõe às regras, mas, sim, que condiciona a

sua elaboração. Os princípios, como categoria normativa, existem previamente e, por isso,

devem ser elaboradas regras que se ajustem ao acervo principiológico do ordenamento.

É importante lembrarmos que o Constitucionalismo Contemporâneo, ao se apresentar

como uma nova Filosofia Jurídica e uma nova Teoria do Estado possui uma força irradiante

que ultrapassa o âmbito de aplicação da norma (quando os protagonistas seriam apenas os

juízes), mas também conforma a atividade legislativa e executiva demandando a necessidade

de se elaborar leis e implementar políticas públicas que concretizem os comandos

constitucionais.

No Constitucionalismo Contemporâneo, não há espaço para falarmos em

protagonismo judicial, em necessidade de desrespeito às regras para aplicar princípios. Os

Poderes Legislativo e o Executivo também devem ser protagonistas na concretização dos

comandos constitucionais e elaborar regras que se adequem aos princípios constitucionais. A

argumentação jurídica não detém o monopólio da racionalidade. O legislador se utiliza de

uma racionalidade, a política. E não poderia ser diferente, pois a lei, expressão da vontade

política, está vinculada à Constituição (ABELLÁN, 2003, p.186). A sociedade, por sua vez, é

mais uma protagonista na concretização constitucional, pois é necessário criar uma

consciência constitucional quando toda a sociedade seria conhecedora, cumpridora e

concretizadora dos comandos constitucionais.

Com isso, percebemos que não há no Constitucionalismo Contemporâneo um espaço

para o protagonismo de quem quer que seja. Todas as funções estatais são igualmente

relevantes na vivência constitucional, assim como a sociedade. Não há mais lugar para

discricionariedade do juiz, do legislador ou do administrador. Todos devem obediência à

Constituição, que é a responsável por ditar os parâmetros de atuação e que irá estipular os

limites e o espaço de cada um dos órgãos estatais.

Como é a Constituição a norma que conforma a atuação de todos os órgãos e

intérpretes, essa contraposição entre princípios e regras não deve existir. Os princípios

constitucionais devem condicionar a atuação dos órgãos de produção legislativa e as regras

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devem se conformar aos princípios. Se não houver respeito aos princípios constitucionais, o

Poder Judiciário poderá intervir e deixar de aplicar a regra por inconstitucionalidade.

Portanto, não é o juiz constitucional quem “decide” de maneira discricionária se

haverá a aplicação de uma regra ou de um princípio. Não sendo inconstitucional, a regra deve

ser aplicada. Não pode o julgador substituir a aplicação de uma regra por ilações que,

supostamente, seriam de conteúdo principiológico, mas que não passam de argumentos gerais

para o julgador proferir a decisão que bem entender. Ademais, não é o juiz quem “decide” os

princípios que existem no ordenamento, pois tal postura solipsista geraria um inchaço dessa

categoria normativa e o seu uso indiscriminado. Os princípios já estão previstos pela

Constituição.

5.4 Justiça Constitucional, Democracia e a Proteção dos Direitos Fundamentais

Podemos afirmar que o fenômeno da “invasão da Constituição” ou

“constitucionalização do Direito” vai muito além de uma Constituição permeada por normas

programáticas. Significa que a Constituição espalha uma força irradiante que conforma o

ordenamento jurídico e elege determinadas políticas públicas. Significa a vinculação de todos

os agentes públicos às prescrições constitucionais.

A previsão de normas programáticas não é prejudicial, mas sim necessária, pois

auxilia a pautar a conduta dos agentes públicos e a traçar as metas para o Estado, que vão

sendo realizadas na medida das possibilidades. O eventual descumprimento de normas

programáticas não proporciona, necessariamente, a perda de força normativa da Constituição,

desde que o legislador e o administrador também usem a argumentação e a racionalidade

prática para justificar o não cumprimento momentâneo de um comando constitucional.

O não cumprimento temporário e justificado de uma determinada norma

constitucional ou a não concretização imediata de algum direito programático não pode

franquear à Justiça Constitucional a possibilidade de atuar fora de seus limites e invadir a

competência dos demais órgãos estatais. Os “fins” e os “meios” expressos nas normas

jurídicas devem ser definidos pelo legislador (regra majoritária). No entanto, é necessário

esclarecer que, quando esses “fins” e “meios” estiverem violando normas constitucionais é

tarefa da Justiça Constitucional corrigir e preservar a força normativa da Constituição (papel

contramajoritário da Justiça Constitucional).

Reconhecemos que o Constitucionalismo Contemporâneo e o Estado Democrático e

Constitucional de Direito proporcionaram um certo deslocamento do centro de decisão para o

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134

Poder Judiciário. Isso não significa a primazia desse órgão ou protagonismo, mas apenas um

redimensionamento de suas funções, justamente porque as Constituições contemporâneas

preveem mecanismos a serem implementados pelo Poder Judiciário para a concretização de

alguns direitos.

Porém, o Poder Judiciário não pode ser visto como “solução mágica” para os

problemas decorrentes dos fracassos ou da insuficiência das políticas sociais, sob pena de

correr o risco de criar cidadãos “de segunda classe” que deixam de reivindicar seus direitos

para dependerem do paternalismo judicial. Ademais, não é possível compactuar com a criação

de uma “república de juízes” (STRECK, 2011, p.68). Nesse sentido, importantes as lições de

Lenio Luiz Streck

Tem-se que ter em mente, entretanto, a relevante circunstância de que, se no

processo constituinte se optou por um Estado intervencionista, visando a uma

sociedade mais justa, com a erradicação da pobreza etc., dever-se-ia esperar que o

Poder Executivo e o Legislativo cumprissem tais programas especificados na

Constituição. Acontece que, em grande parte, a Constituição não está sendo

cumprida. As normas-programa da Lei Maior não estão sendo implementadas. Por

isso, na falta de políticas públicas cumpridoras dos ditames do estado democrático

de Direito, surge o judiciário como instrumento para o resgate dos direitos não

realizados. Por isso a inexorabilidade desse “sensível deslocamento” antes

especificado. Com todos os cuidados que isso implica.

Em face do quadro que se apresenta – ausência de cumprimento da Constituição,

mediante omissão dos poderes públicos, que não realizam as devidas políticas

públicas determinadas pelo pacto constituinte –, a via judiciária se apresenta –

por vezes – como a via possível para a realização dos direitos que estão previstos

nas leis e na Constituição. É claro que o Judiciário não faz e não fará políticas

públicas. Aliás, é nesse sentido que devemos desmistificar algumas ideias que se

propagam a respeito dos direitos e das políticas públicas. Com efeito, política

pública é um problema de ação do Poder executivo. O que o Direito pode fazer é

regulamentar a execução dessas políticas e é nesse âmbito regulatório que o

judiciário pode intervir. Isso por um motivo muito simples: o Judiciário jamais

poderá executar uma política pública pelo simples fato de que ele não tem a

“chave do cofre”, etc. O problema do Judiciário é uma questão de regulamentação

e adequação constitucional dessas políticas no âmbito daquilo que Elías Díaz

chama de “legalidade constitucional”. (STRECK, 2011, p.68-69)

Anna Pintore observa que até mesmo a promoção, criação e proteção dos direitos

fundamentais deve ter limites. Para ela, os direitos fundamentais não podem ser convertidos

em um instrumento insaciável “devorador de la democracia, del espacio político y, a fin de

cuentas, de la propia autonomía moral de la cual los hacemos derivar”144

(PINTORE, 2009,

p.243). A defesa dos direitos fundamentais, para a autora, não pode levar ao sacrifício dos

próprios traços democráticos dos ordenamentos constitucionais.

144

Tradução livre: “devoradora da democracia, do espaço político e, finalmente, da própria autonomia moral da qual os

fazemos derivar.”

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135

Assim, por mais relevantes que os direitos fundamentais, sua proteção e promoção

sejam para a sociedade, o Tribunal Constitucional deveria evitar a cultura dos “direitos

humanos insaciáveis”. O ordenamento constitucional prevê regramentos tão relevantes quanto

a proteção dos direitos fundamentais e que devem ser respeitados e concretizados para

possibilitar a manutenção do Estado Democrático de Direito.

Anna Pintore (2009, p.248-251) chama a atenção para um problema nas democracias

constitucionais atuais que é conciliar o princípio do Estado de Direito (conteúdo substancial)

com o princípio democrático (conteúdo formal)145

. Para a autora, a democracia e os direitos

surgem como dois critérios de legitimação do poder que se contrapõem. É errado imaginar

que ambos são complementares e harmônicos e que é possível promover os dois sem o

sacrifício de nenhum. O fato é que a existência de um direito não se confunde com a

existência da norma que o instituiu, e “la identificación definitoria entre derechos

fundamentales y normas contribuye a generar la ilusión de que estos últimos poseen un

carácter, por así decir, autoejecutivo y de que no precisan de administración (y, por tanto, de

administración democrática)”146

. (PINTORE, 2009, p. 254)

Na verdade, um direito, desde que positivado, não gera dúvidas, porém, ainda que

exista uma norma jurídica prevendo-o, o seu conteúdo poderá apresentar várias opções

políticas dentro do marco de direitos compatíveis. Para a autora, o problema se trata de

Estabelecer a quién debe confiarse este poder de administración de los derechos

dentro del marco constitucional, y en qué formas: se al legislador democrático o al

intérprete, si a la mayoría política, ciertamente “solo” mayoría, probablemente

inepta y acaso arrogante pero cuando menos electiva y políticamente responsable,

o, por el contrario, a una minoría, aunque sea filosóficamente ilustrada, pero no

electiva ni políticamente responsable.

145 Anna Pintore defende a inadequação da tentativa de fixar um conceito substancial de democracia, especialmente se há

uma tentativa de identificá-lo com Estado de Direito. Para a autora o conceito de democracia deve ser extraído de uma

perspectiva procedimental, questionando-se acerca de “quem” decide e “como” decide. O conteúdo dessas decisões (“o que”

se decide) não deve integrar o conceito de democracia. Para a autora “una cosa son los contenidos, los ámbitos, sobre los que

puede versar la decisión democrática y otra, los presupuestos (también éstos de contenido) que hacen de dicho método

decisional un método, justamente por ello, democrático. O, por decirlo, de otro modo, una cosa son los contenidos del juego

y otra, los presupuestos indispensables para que el juego que se quiere jugar sea justamente ése y no otro. Mi tesis es que, en

la definición, si se quiere ser fiel a la semántica de ‘democracia’ (de los modernos), pueden incluirse los presupuestos, pero

no debe incluirse el contenido.” (PINTORE, 2009, p.248-249). Tradução livre: “uma coisa são os conteúdos, as áreas, sobre

as quais pode versar a decisão democrática e outra, os pressupostos (também estes de conteúdo) que fazem este método de

decisão, justamente por isso, democrático. Ou, de outra forma, uma coisa são os conteúdos do jogo e outras, os pressupostos

indispensáveis para que o jogo que se quer jogar seja justamente esse e não outro. Minha tese é que, na definição, se se quer

ser fiel à semântica de ‘democracia’ (dos modernos), podem ser incluídos os pressupostos, porém não se deve incluir os

conteúdos.” 146 Tradução livre: “a identificação definidora entre os direitos fundamentais e as normas contribui para a ilusão de que estas

últimas têm um caráter, por assim dizer, autoexecutáveis e não necessitam de administração (e, portanto, a gestão

democrática).”

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136

La alternativa, por tanto, no está entre un poder de decisión y una autoejecución,

sino entre un método de administración democrático, y uno no democrático.147

(PINTORE, 2009, p.264)

Diante destas considerações, a autora conclui ser um entendimento aristocrático e

paternalista o de subtrair a atribuição de conteúdo dos direitos de quem os instituiu e tentar

atribui-lo tal empreitada à administração do intérprete, pois não se deve excluir esta tarefa da

esfera de autonomia moral e política dos titulares dos direitos. A autora afirma que “creemos

en los derechos porque creemos en la autonomía de los individuos, y no a la inversa”148

(PINTORE, 2009, p.265).

Certamente, proteger, promover e concretizar os direitos fundamentais em um nível

máximo é extremamente relevante para a sociedade. Não há que se negar que a dignidade da

pessoa humana depende da incorporação de cada vez mais direitos ao patrimônio jurídico dos

indivíduos e da efetiva implementação de todos eles. Essa atribuição, porém, não deve ser

conferida originariamente aos órgãos do Poder Judiciário, pois é uma tarefa que depende da

participação de todos diretamente interessados. O campo natural para o florescimento destes

debates é o Poder Legislativo e é lá que a sociedade deve promover uma busca incansável

pela implementar todos os direitos humanos necessários a uma existência digna.

Evidentemente, também, se deve sempre buscar a atuação da Justiça Constitucional na

promoção dos direitos fundamentais, pois a efetiva concretização de vários direitos depende,

em muitos casos, de um Poder Judiciário forte e autônomo. Porém, estas atribuições devem

ser exercidas dentro dos limites constitucionalmente impostos, em conformidade com a opção

política feita por um Estado Democrático de Direito, onde não há protagonismo de nenhum

dos órgãos do Estado, mas o exercício compartilhado da função de proteger e promover a

supremacia da Constituição. Desta maneira, a liberdade de conformação do legislador e a

autonomia moral e política dos cidadãos deve ser respeitada, evitando assim uma atuação

paternalista da Justiça Constitucional.

147 Tradução livre: “Estabelecer a quem se deve confiar este poder de administração dentro do marco constitucional, e em que

formas: se ao legislador democrático ou ao intérprete, se a uma maioria política, certamente ‘só’ maioria, provavelmente

inepta e porventura arrogante, porém, pelo menos, eleita e politicamente responsável, ou, ao contrário, a uma minoria, que

embora seja filosoficamente ilustrada, não é eleita e nem politicamente responsável. A alternativa, portanto, não está entre

um poder de decisão e uma autoexecução, mas sim, entre um método de administração democrático e outro não

democrático.” 148 Tradução livre: “Acreditamos nos direitos, pois acreditamos na autonomia dos indivíduos, e não o contrário”.

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5.4.1 Justiça Constitucional e proteção das minorias

A Justiça Constitucional tem sua atuação legitimada também pela necessidade de

proteger os direitos constitucionalmente reconhecidos às minorias, em face de eventuais

modificações pretendidas por maiorias eventuais.

Os direitos e garantias fundamentais são incluídos nos documentos constitucionais

como uma forma de fazê-los respeitar ao longo da vivência constitucional. A realização dos

direitos e liberdades tem um custo, posto que a sua efetivação, geralmente, se dá a partir do

sacrifício de outros interesses que podem afetar uma multiplicidade de pessoas. Poderia

ocorrer, por diversos motivos, que a maioria parlamentar, junto à opinião pública, decidisse

algo que lesionasse um direito cuja validade e essencialidade esta mesma maioria

(parlamentar e social) reconheceu, anteriormente, incluindo-o no texto constitucional.

(COMELLA, 2003, p.334)

A Constituição, ao prever tais direitos fundamentais e estipular a dificuldade ou até a

impossibilidade de suprimi-los por se apresentar rígida, acaba recordando à comunidade

política a maior importância desses direitos para assegurar a todos uma existência

minimamente digna, ou seja, a

consagração dos direitos fundamentais pelas constituições passou a representar um

espaço inacessível aos Parlamentos, porque as diversas declarações que foram

sendo incorporadas ao patrimônio cultural da humanidade (na perspectiva

ocidental) procuraram assegurar determinados direitos dos indivíduos contra

práticas espúrias do Legislador (direitos públicos subjetivos como regras negativas

de competência do Estado). (TAVARES, 2012b, p.65)

Diante da necessidade de proteger minorias frente às alterações prejudiciais aos

direitos fundamentais propostas por maiorias, a Justiça Constitucional irá desempenhar um

papel fundamental. O fato é que a atuação do Tribunal Constitucional durante um processo

de controle de constitucionalidade favorece a prática de argumentar a favor e contra as

decisões políticas a partir de razões derivadas das Constituições. (COMELLA, 2003, p.335)

Ao exercer o controle de constitucionalidade, o juiz constitucional chama a atenção

dos cidadãos e dos seus representantes para as demandas, argumentos, contra-argumentos e as

razões relevantes e suficientes que justificam a sua decisão final. Ademais, o juiz

constitucional enriquece o debate em torno dos direitos ao proporcionar novas vozes que não

puderam fazer-se ouvir durante o processo legislativo. O órgão do Poder Legislativo, por

vezes, pode ser um espaço insuficiente para a oitiva de todas as vozes, sem mencionarmos o

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risco de parcialidade contra os grupos mais marginalizados da sociedade. Assim, os debates

públicos podem ser enriquecidos com os novos argumentos que o juiz constitucional faz

visível por meio de suas sentenças.

A Justiça Constitucional, portanto, pode se converter em um espaço amplo e acolhedor

de discussões a favor e contra determinadas alterações legislativas, no qual vozes que não

foram ainda ouvidas no processo legislativo poderão se manifestar. São elas, vozes

normalmente compostas por diversas minorias sociais e que, no novo constitucionalismo,

merecem também a proteção constitucional visto que poderiam ser prejudicadas se a decisão

sobre o destino de seus direitos ficasse inteiramente ao arbítrio da maioria. Para André Ramos

Tavares

A democracia só será plena quando estiver presente (não como suficiente) o

modelo majoritário e, além dele, estiverem assegurados os direitos e liberdades

fundamentais, o princípio da subordinação de todos à lei (governo de leis e não

dos homens), e desde que existam mecanismos que assegurem que a maioria não

sufocará os correlatos direitos da minoria, alcançados após uma longa evolução

histórica de conquistas. (TAVARES, 2005, p.509)

Em se tratando da prática argumentativa perante a Justiça Constitucional, é necessário

lembrarmos a defesa que Robert Alexy faz da legitimidade de atuação do Tribunal

Constitucional em decorrência da representação argumentativa.

É uma representação que se contrapõe à representação democrática do parlamento,

pois esta última estaria focada apenas em um procedimento de decisão centrado nos conceitos

de eleição e de regra da maioria, o que acabaria gerando um modelo exclusivamente

decisionista. Para fazer com que o modelo de representação democrática do parlamento deixe

de ser exclusivamente decisionista, Alexy (2007, p.162-163) defende a necessidade de incluir

a argumentação no conceito de democracia, como uma forma de torná-la deliberativa, por

meio da institucionalização do discurso. Deste modo, a representação do povo pelo

parlamento deixaria de ser apenas fundada em decisões que têm expressão nas eleições e nas

votações para se fundamentar também nos argumentos apresentados.

Com relação à representação do povo pelo Tribunal Constitucional, o autor afirma que

o fundamento de legitimidade dessa representação estaria também na argumentação. Porém,

para que essa argumentação fosse válida e a representação argumentativa autêntica, o autor

apresenta duas condições: “a existência de argumentos válidos ou corretos” e “a existência de

pessoas racionais capazes e dispostas a aceitar argumentos válidos ou corretos porque eles são

válidos ou corretos”. (ALEXY, 2007, p.164-165)

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Sendo Justiça Constitucional o local apropriado para o exercício das práticas contra

majoritárias, é preciso adotar um conceito de democracia que vá além da democracia

deliberativa e que agregue a necessária concretização dos direitos fundamentais e a imposição

de limites às maiorias eventuais. Encontramos, deste modo, o conceito de democracia

constitucional compatível com a atuação do Tribunal Constitucional que, mesmo quando

desfavorecer opções políticas da maioria, estará dentro dos limites de legitimidade se tiver por

objetivo promover direitos fundamentais das minorias prejudicadas.

5.5 A Justiça Constitucional Entre o Procedimentalismo e o Substancialismo

A atuação do Tribunal Constitucional para implementar os direitos fundamentais

passou a receber críticas, em decorrência, especialmente, da ausência de legitimidade

democrática para embasar a atuação desses órgãos. Referidas considerações sobre a ausência

de legitimidade democrática do Tribunal Constitucional para fazer a sua decisão se sobrepor à

decisão política do Poder Legislativo fizeram surgir duas teorias ligadas a modelos

doutrinários distintos de democracia que tinham por objetivo conferir essa dimensão

legitimadora à Justiça Constitucional: a teoria procedimentalista e a teoria substancialista.

Apesar das nítidas diferenças entre as duas, ambas têm em comum o fato de terem sido

criadas para justificar a atuação da Justiça Constitucional na defesa, guarda e concretização da

Constituição.

Em linhas gerais, a tese substancialista defende que a legitimação da Justiça

Constitucional estaria ligada à garantia da concretização dos valores constitucionais,

principalmente, os direitos fundamentais. Já a teoria procedimentalista prega que a atividade

do Tribunal Constitucional está legitimada pelo fato de o Tribunal proceder de acordo com

determinados requisitos, assegurando os processos democráticos.

A tese substancialista defende a implementação direta e imediata do direito assegurado

pelo Tribunal Constitucional, garantindo a concretização da materialidade da Constituição. A

tese procedimentalista, ao contrário, estipula que a Justiça Constitucional deve promover a

possibilidade dos próprios indivíduos concretizarem a materialidade constitucional.

Para os partidários da teoria procedimentalista, a importância da Justiça Constitucional

seria garantir que os direitos fundamentais não ficassem restritos à sua seara formal, devendo

ser possibilitada uma concretização efetiva de tais direitos na sociedade e pela própria

sociedade, o que se daria a partir do momento em que se assegura a participação dos cidadãos

nas decisões políticas. A função do Tribunal Constitucional deveria ser a de garantir os

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processos democráticos, a participação e a igualdade de possibilidade para argumentar. O

Tribunal não chegaria a implementar diretamente o direito em si. A sociedade, por meio dos

processos democráticos (estes sim, assegurados pelo Tribunal Constitucional) estaria apta a

implementar a materialidade da Constituição.

Podemos citar Ronald Dworkin como um dos expoentes da teoria substancialista, que

pretende defender a legitimação da atuação do Tribunal Constitucional pelo conteúdo material

de sua atuação e pelo fim específico desejado: concretizar os valores constitucionais,

especialmente os direitos e garantias fundamentais. Contrapondo-se, portanto, à legitimação

de que goza a soberania popular e o Legislativo. O substancialismo leva à defesa de uma

Justiça Constitucional mais engajada, disposta a concretizar e materializar a Constituição.

As ideias de Dworkin, acerca da legitimação substancial da Justiça Constitucional,

baseiam-se no fato de que a moral faz parte do direito e de que, portanto, o juiz deve pautar a

sua atuação na defesa e implementação dos valores morais acolhidos pela sociedade e que

também integram o ordenamento jurídico. A atividade judicial deve levar apenas a uma única

decisão correta que assim será na medida em que incorporar as práticas sociais. Logo, a

função do Tribunal Constitucional seria garantir a proteção e promoção de direitos

fundamentais, por meio de uma decisão que acolhesse os valores morais que integram o

ordenamento e são acolhidos pela sociedade149

.

André Ramos Tavares (2005, p.533) lembra que, para Dworkin, o princípio da maioria

só deveria ser aplicável às matérias sensíveis à escolha política, ou seja, àquelas que

envolvam questões políticas tais como empregar ou não dinheiro público na construção de

determinada estrada. Já em matéria relativa a direitos e liberdades (questões de princípio

político, para Dworkin) a decisão majoritária seria insuficiente para alcançar a “correção” e,

por isso, seria legítima a atuação do Tribunal Constitucional utilizando-se dos mesmos

métodos racionais dos demais tribunais.

Jürgen Habermas150

, por outro lado, é um dos principais representantes da teoria

procedimentalista e defende que a função do Tribunal Constitucional seria a de assegurar os

procedimentos democráticos. O procedimentalismo surge como a teoria mais preocupada com

a preservação dos procedimentos democráticos e acredita que só respeitando-os a Justiça

Constitucional estará sendo efetiva.

149 O assunto é desenvolvido por Ronald Dworkin, em El Imperio de la Justicia (1992), p.44 e seguintes. 150 O assunto é desenvolvido por HABERMAS em Facticidad y Validez: sobre el Derecho y el Estado Democrático de

Derecho en Términos de Teoría del Discurso, 2005, p.311 e seguintes.

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141

Para Habermas a decisão judicial não pode ser construída com base na premissa da

existência de uma única decisão correta, mas, deve ter por fundamento a possibilidade de

participação de todos os interessados, de maneira igualitária, na construção da decisão. A

função do magistrado, portanto, é promover a argumentação e a discussão (ação

comunicativa) de todos os interessados no processo. Assim, a função primordial da Justiça

Constitucional seria garantir o pleno desenvolvimento dos processos democráticos, pois

O Tribunal Constitucional não deve ser um guardião de uma suposta ordem supra

positiva de valores substanciais. Deve, sim, zelar pela garantia de que a cidadania

disponha de meios para estabelecer um entendimento sobre a natureza dos

problemas e a forma de sua solução. (STRECK, 2011, p.61)

Habermas vê diferença entre os princípios e os valores morais, entendendo que os

primeiros seriam normas cogentes, enquanto os segundos apenas preferências compartilhadas

da sociedade. Para ele, não existem valores universais e, por isso mesmo, a legitimidade da

Justiça Constitucional não poderia estar assentada em valores.

Em vez de conferir toda a responsabilidade da decisão ao juiz, que deveria escolher

quais valores acolher (valores que não são universais, mas apenas compartilhados por uma

parcela da sociedade, quiçá uma pequena parcela), Habermas substitui a legitimidade dos

valores por um processo comunicativo, criando um modelo de democracia constitucional que

não se fundamenta nem em valores compartilhados, nem em conteúdos substantivos, mas em

procedimentos que asseguram a formação democrática da opinião, que exige uma

participação política da sociedade.

Ao contrário do entendimento existente na Corte Constitucional Alemã, Habermas

defende que a Constituição não pode ser vista como uma ordem de valores, pois, se assim o

fosse, tratar-se-ia de um instrumento que estaria a impor a todos os cidadãos uma determinada

forma de agir, retirando deles a sua possibilidade de autodeterminação. A Constituição, por

outro lado, deve ser vista como uma norma que fixa os procedimentos democráticos por meio

dos quais os cidadãos poderão exercer a sua autodeterminação e busca, por meio da

argumentação e do discurso, estipular a forma de organização da sociedade e estabelecer o

que se deve entender pelo bem comum.

A função do Tribunal Constitucional, portanto, não seria assegurar imediatamente

determinados direitos, partindo do pressuposto de que todos compartilham do mesmo

entendimento, mas sim, garantir a possibilidade de autodeterminação dos cidadãos.

Habermas, inclusive, entende que o Tribunal se transforma em uma instância autoritária,

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quando se conduz pela ideia de concretizar valores materiais constitucionais e que essa

invasão pelos tribunais do âmbito político desestimula uma atuação dos cidadãos voltada para

fins cívicos e faz com que o juiz seja considerado a fonte de esperança para a solução de todos

os problemas.

André Ramos Tavares (2005, p.533-534) expõe a tese procedimentalista defendida por

John Hart Ely para quem a atuação do Tribunal Constitucional estaria legitimada, mesmo que

atuasse contra as maiorias eventuais, quando conferisse proteção ao direito de participação

política e aos direitos e liberdades instrumentais a esse direito. Por outro lado, no que tange

aos valores fundamentais, a Justiça Constitucional teria de respeitar a vontade da maioria

representada pelas opções concretizadas pelo Legislativo, desde que este órgão atuasse dentro

do círculo democrático.

A adoção de uma postura procedimentalista é bastante adequada a um Estado que se

pretende democrático e que tem por base a autodeterminação dos cidadãos, pois evita a

adoção de uma postura paternalista do Estado (ou da Justiça Constitucional), colocando nas

mãos de cada um dos cidadãos a possibilidade de decidir e conduzir plenamente as suas vidas.

Tal posição privilegia a qualidade de sujeito de direito (e não de objeto) dos indivíduos, o que

é bastante saudável para o pleno desenvolvimento político e democrático do país.

A adoção pelo Tribunal Constitucional da teoria substancialista pode vir a infringir a

necessária separação entre juízo de constitucionalidade e juízo de decisão política, quando,

por meio da interpretação o julgador impuser a sua própria moralidade política. Considerar

legítima uma atuação do Tribunal Constitucional no sentido de anular lei do Poder Legislativo

produzida em conformidade com a Constituição, mas que poderia apresentar opções políticas

“melhores” ou “piores”, por estarem ou não de acordo com os valores morais, supostamente,

acolhidos pela sociedade, é admitir que a Justiça Constitucional está autorizada a fazer juízos

políticos e a substituir a interpretação constitucional do legislador pela sua interpretação

constitucional.

Por outro lado, não podemos entender que, mesmo adotando uma postura

substancialista, seja autorizada a prática de ativismos ou protagonismos judiciais a pretexto de

concretizar direitos. Pois, a verdadeira concretização só irá acontecer de fato na medida em

que estiver fundada na Constituição e não em critérios pessoais de conveniência política ou

moral.

A dimensão hermenêutica do Direito, e especialmente do Direito Constitucional,

sofreu um redimensionamento a partir do Constitucionalismo Contemporâneo com o

surgimento de textos constitucionais que positivam os direitos fundamentais e sociais. Para

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tanto, foi significativa a adoção de um modelo de Estado Democrático de Direito151

ligado à

realização dos direitos fundamentais.

Em vista desse novo paradigma, que ocasionou o redimensionamento do Direito

Constitucional com a inclusão de normas de forte conteúdo social e programáticas, houve

também um redimensionamento da hermenêutica e do próprio papel da Justiça Constitucional

que, por mais que não possa ser uma instância na qual se tomam decisões políticas e de

governo152

, deverá “servir como via de resistência às investidas dos Poderes Executivo e

Legislativo, que representem retrocesso social ou a ineficácia dos direitos individuais ou

sociais” (STRECK, 2011, p.70).

Acreditamos que a postura procedimentalista realmente tem o mérito de promover a

autonomia dos cidadãos, privilegiar um espaço de discussão pública e desenvolver os

institutos democráticos. No entanto, quando se adota um modelo de Constituição que prevê

amplos direitos e garantias fundamentais, individuais e sociais, e ainda normas de conteúdo

programático, é necessário que a atuação da Justiça Constitucional seja pautada por uma

postura também substancialista, porém, não sem reservas. Essa atuação substantiva deverá

encontrar seus limites nos programas e mecanismos constitucionais, não se sobrepor à atuação

dos demais órgãos e sempre respeitar as opções políticas feitas pelos órgãos competentes

dentro do marco constitucional, pois a decisão do Poder Judiciário não é mais nem menos

correta que a decisão política do Poder Legislativo ou Executivo. O juízo feito politicamente e

dentro dos parâmetros constitucionais para elaborar uma lei não pode ser objeto de

julgamento por parte do Judiciário que deverá se limitar a respeitar a opção política adotada.

5.6 Da Necessária Concorrência Funcional na Concretização da Constituição

O Tribunal Constitucional é o órgão responsável por se manifestar acerca da

constitucionalidade ou não de determinada norma, ao qual foi atribuída a função de interpretar

oficialmente as normas constitucionais. No entanto, isto não poderia lhe assegurar primazia na

estrutura orgânica do Estado Constitucional, mas assegurar-lhe-ia, apenas, o seu lugar,

151 Lenio Luiz Streck, com base nos ensinamentos de Elías Díaz, afirma que o Estado Democrático de Direito representa uma

verdadeira superação das noções anteriores de Estado Liberal e Estado Social, representando um novo modelo que pretende

uma profunda transformação no modo de produção capitalista com a sua substituição progressiva por uma “organização

social de características flexivamente sociais, para dar passagem, por vias pacíficas e de liberdade formal e real, a uma

sociedade onde se possam implantar superiores níveis reais de igualdades e liberdades” (STRECK, 2011, p.59). Assim, o

Estado Democrático de Direito se prestaria a uma transformação da estrutura econômica e social a partir de uma práxis

política e de uma atuação dos poderes públicos voltada a garantir e promover os direitos e liberdades fundamentais. 152 Lembremos que a função governativa jamais será exercida de forma autônoma e não tem relação com efetivamente o ato

de governar, mas apenas com o direcionamento da atuação da Justiça Constitucional para a consecução dos fins do Estado.

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144

relevante e especificamente determinado no Estado Democrático. Ao Tribunal Constitucional

foi assegurada uma forma de atuar que lhe garante força para fazer vigorar suas decisões

frente aos demais órgãos; isso porém não é primazia.

A democracia participativa em um Estado Constitucional se desenvolve de forma

dinâmica e permite que a todo momento os órgãos produzam decisões, no âmbito de suas

competências, que podem se chocar com as decisões dos demais órgãos. O papel do Tribunal

Constitucional será relevante para afirmar, com base constitucional, qual das decisões deve

prevalecer em determinado momento, porém, não podemos afirmar que há primazia de um

sobre os outros, já que os demais órgãos também possuem papel relevante e determinante na

forma de atuar do Tribunal (a escolha dos membros do Tribunal passa pelo Executivo e

Legislativo; seu orçamento é aprovado pelo Legislativo e pode sofrer ajustes pelo Executivo;

o Legislativo é o órgão incumbido da função de constituinte derivado e tem a força de mudar

texto de norma constitucional, implicando alteração sobre a interpretação constitucional do

Tribunal, etc).

Nesse sentido, Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2013, p.348) observam que, nos

Estados Unidos, os críticos ao controle de constitucionalidade pelo Judiciário discordam da

tese da supremacia judicial utilizada, muitas vezes, como argumento legitimador pelas Cortes

Constitucionais. Quando o Tribunal Constitucional adota a ideia de supremacia judicial, ele

reivindica não só o exercício de suas competências, mas também o poder da última palavra e

não respeita as eventuais interpretações divergentes dadas pelos demais órgãos no legítimo

exercício de suas competências. Os autores lembram que

Os críticos consideram, ao contrario, que é necessário entender e aplicar o direito

constitucional com base na equivalência dos poderes estatais em assunto de

interpretação constitucional. É a tese conhecida como departmentalism ou

nonsupremacy. Isso permitiria preservar o poder do povo contra um possível

“despotismo” do Judiciário, mostrando que todas as interpretações dadas por

poderes estatais são igualmente respeitáveis, cada uma em seu momento e âmbito

de competência. (DIMOULIS; LUNARDI, 2013, p.348)

Por mais que se entenda ultrapassada a teoria da divisão de poderes conforme

concebida originalmente, há que se reconhecer que essa divisão continua existindo, mas sob

uma nova perspectiva. Não discordamos do relevantíssimo papel que o Tribunal

Constitucional ocupa no Estado, porém é tão significativo quanto o dos demais órgãos e não

um papel de primazia. Assim, deve-se continuar a prestar deferência ao princípio da

conformidade funcional, expresso em todas as Constituições, por meio das normas que

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145

estabelecem a competência de cada um dos órgãos do Estado. Segundo Gomes Canotilho, o

princípio da conformidade constitucional

tem em vista impedir, em sede de concretização da Constituição, alteração da

repartição de funções constitucionalmente estabelecidas. O seu alcance primeiro é

este: o órgão (ou órgãos) encarregado da interpretação da lei constitucional não

pode chegar a um resultado que subverta ou perturbe o esquema organizatório-

funcional constitucionalmente estabelecido (Ehmke). É um princípio importante a

observar pelo Tribunal Constitucional, nas suas relações com o legislador e

governo, e pelos órgãos constitucionais nas relações verticais de poder

(Estado/regiões, Estado/autarquias locais). (CANOTILHO, 2003, p.1224-1225)

A opção da Constituição por adotar um Estado Democrático de Direito não é sem

sentido nem mera perfumaria política-jurídica, mas implica a observância necessária de

alguns princípios por parte dos órgãos constitucionais. A Constituição, como ordem jurídica

fundamental, confere aos Poderes públicos a medida e a forma para a prática dos seus atos.

Assim, todos os atos dos Poderes públicos devem estar em conformidade com o que dispõe a

Constituição, inclusive, no seu aspecto formal. Gomes Canotilho (2003, p.247), quando se

manifesta sobre o princípio da reserva de Constituição, especifica que, “os órgãos do estado

só têm competência para fazer aquilo que a constituição lhes permite” e, ainda que

Na definição do quadro de competência, as funções e competências dos órgãos

constitucionais do poder político devem ser exclusivamente constituídas pela

constituição ou, por outras palavras, todas as funções e competências dos órgãos

constitucionais do poder político devem ter fundamento na constituição e reduzir-

se às normas constitucionais de competência. (CANOTILHO, 2003, p.247)

Konrad Hesse (1983, p. 50), por sua vez, aponta como um dos princípios da

interpretação constitucional a necessidade de observância ao critério da correção funcional, ou

seja, se a constituição regula, de certa forma, a competência dos agentes e das funções

estatais, o órgão de interpretação deve manter-se no marco das funções que lhe são atribuídas

e não deve modificá-las por meio da interpretação. Esse princípio é fundamental nas relações

entre o Tribunal Constitucional e o legislador, pois ao Tribunal só compete, em relação ao

legislador, uma função de controle, sendo vedada qualquer interpretação que restrinja a

liberdade de conformação do legislador além dos limites estabelecidos na Constituição ou,

inclusive, uma conformação feita pelo próprio Tribunal. Assim, os órgãos constitucionais não

devem, por meio da interpretação, modificar a repartição, coordenação e equilíbrio de funções

e de tarefas estabelecidas pela Constituição.

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146

Desta forma, não há primazia de um órgão sobre os outros. O que deve haver é a

atuação de cada um dentro dos limites de suas competências constitucionais sempre voltada

para concretizar a Constituição. Na expressão de André Ramos Tavares (2012b, p.67), deve

haver uma “concorrência funcional na concretização da Constituição”, pois

Ao juiz constitucional cumpre o papel didático de orientação geral do Estado no

cumprimento e implementação de direitos fundamentais. Opções políticas de não

implementação ou da (tradicional) situação de violação são ilegítimas do ponto de

vista da Constituição e devem sofrer a “intervenção” do juiz constitucional. Isso

também não significa que este deva se autoproclamar como instância exclusiva e

autossuficiente na implementação da Constituição e dos direitos fundamentais.

Ademais, algumas das “técnicas de decisão da Justiça Constitucional” (v. Tavares,

2007: 249-63) nitidamente demonstram uma dimensão de respeito diuturno para

com as opções validamente consagradas pelo parlamento, podendo ser

apresentadas como “convites ao diálogo interinstitucional” (Rothenburg, 2007:

436) ou verdadeiras práticas de uma autolimitação judicial (cf. Schneider, 1991:

214). A referência à aplicação dessas técnicas é incompatível com a concepção

que defenda um grau máximo (exclusivo e global) da atuação da Justiça

Constitucional. (TAVARES, 2012b, p.70)

Embora a interpretação da Constituição pelo Tribunal Constitucional se agregue ao

conteúdo das normas constitucionais, o legislador, ao atuar conforme suas competências

constitucionais ordinárias ou na qualidade de constituinte derivado, poderá editar textos

normativos contrários às decisões interpretativas do Tribunal, ainda que seja deferido ao

Tribunal vir a declarar, novamente, tais normas inconstitucionais. Essa relação de eventual

contraposição entre Legislativo e o juiz constitucional, faz parte do processo democrático e é

o que proporciona a evolução de entendimentos e posições adotadas por ambos.

Consideramos fazer parte do “jogo democrático” que os órgãos do Estado apresentem,

por vezes, uma atuação dialética e o desenvolvimento social e democrático dessa

contraposição pode levar a uma atuação dialógica. São precisas as palavras de Jutta Limbach

no sentido de que “democracia não é consenso, mas sim, conflito”153

.

Por isso é que consideramos válida a atuação do Legislativo ao emitir “respostas

legislativas”, ou seja, em sentido contrário a uma decisão do Tribunal Constitucional que

declara a inconstitucionalidade de determinada norma.

Victor Ferreres Comella defende que a reforma da Constituição é um meio de resposta

da comunidade política a uma determinada interpretação judicial. Porém, pode trazer os

inconvenientes de elevar o nível da lei invalidada pelo juiz, ou remeter ao legislador ordinário

153 Frase proferida por Jutta Limbach na abertura de sua conferência no I Congresso Direitos Humanos - Brasil e

Alemanha Concordâncias e Diferenças, no Centro Universitário UNIFIEO, de 20 a 22 de outubro de 2011, cujos anais não

estão disponíveis ainda.

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147

a concreção de determinado direito abstrato que provocou a controvérsia, excluindo o seu

conteúdo da Constituição.

O autor aponta também um segundo tipo de resposta sem esses inconvenientes, a

“resposta legislativa”, que consiste na edição de uma nova lei, com o mesmo conteúdo

daquela declarada inconstitucional pelo Tribunal, com a finalidade de provocar mais debates e

mudar a linha jurisprudencial do Tribunal. Para admitir essa repetição de uma lei extirpada do

ordenamento, o autor considera necessário ter transcorrido um prazo razoável desde a decisão

do Tribunal. É ideal, inclusive, que tenha havido a eleição de um novo parlamento e que o

sistema jurídico possa, então, promover a evolução da jurisprudência constitucional. O autor

afirma que a resposta legislativa é essencial para modificar a jurisprudência favoravelmente

ao legislador. (COMELLA, 2003, p.340-342)

Ainda conforme esse entendimento, Lenio Luiz Streck (2001, p.191) observa, com

apoio em Antonio Manuel Penã Freire – ao considerar que a Justiça Constitucional deve atuar

de forma substantiva na implementação de direitos fundamentais – que o juiz constitucional

deve participar do diálogo coletivo com a incumbência de recordar aos cidadãos o peso de

certos direitos e de enriquecer o debate com argumentos e pontos de vista que não tiveram

espaço na discussão parlamentar

Por isso, o peso do controle de constitucionalidade deve ser compensado com o

poder dos órgãos políticos de “responder” de algum modo aos juízes

constitucionais, já que, de outro modo, a instituição do controle judicial perderia a

sua legitimidade. Em suma, acrescenta o autor, pode não ser razoável que o órgão

de controle de constitucionalidade tenha a última palavra sobre o alcance e os

limites dos nossos direitos, porém, desde logo, o que me parece conveniente é que

tenha a palavra. (STRECK, 2011, p.191-192)

Os Tribunais Constitucionais têm grande poder de conformação, principalmente,

porque a própria Constituição é incompleta justamente para possibilitar a sua adequação à

evolução social. Essa adaptação das normas constitucionais aos novos tempos também pode

ocorrer pela interpretação feita pelos tribunais, razão pela qual “A jurisdição constitucional,

tal como a ciência jurídica, não são meras ‘retardatárias’ em relação à realidade política: têm a

competência e força necessárias para direcionar e ‘melhorar’ (ainda que limitadamente) essa

realidade” (HÄBERLE, 2007, p.77-78). Também na perspectiva do mesmo autor, todos são

intérpretes legítimos da Constituição, pois quem vive a norma acaba por interpretá-la

Isso significa que a teoria da interpretação deve ser garantida sob a influência da

teoria democrática. Portanto, é impensável uma interpretação da constituição sem o

cidadão ativo e sem as competências públicas mencionadas. Todo aquele que vive

no contexto regulado por uma norma e que vive com esse contexto é, indireta ou, até

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148

mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é

participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do

processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da

Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da

Constituição. (HÄBERLE, 2002, p.14-15)

Assim, o Tribunal Constitucional deve atuar para cumprir e proteger o seu papel de

defensor da Constituição e é saudável que os cidadãos tenham confiança e credibilidade no

órgão que exerce essa função. Porém, essa confiança e credibilidade não podem ser tamanhas

que retirem a necessária interação da sociedade com o Legislativo. Nesse sentido, a

observação de Peter Häberle

Mesmo assim, o forte enraizamento da jurisdição constitucional na ética e na vida

dos cidadãos, especialmente em relação à reclamação constitucional, sua ação em

prol da identificação dos cidadãos com a Constituição e, dessa forma, sua

participação na cultura política possuem um aspecto negativo: a jurisdição

constitucional sob a Lei Fundamental pode também ser indício de desconfiança

apolítica em relação à democracia e de confiança desproporcional na

jurisprudência. A crença alemã na jurisdição constitucional não pode implicar

descrença na democracia. Em outras palavras, a atual relação positiva com a

jurisdição constitucional não pode se tornar absoluta. Não deve ter como reflexo

uma relação negativa com o pluralismo dos interesses pluralísticos, com as –

necessárias – situações de conflito limitado, com as atividades do processo

político-democrático público. Muito menos pode permitir uma falta de relação,

como se diz nos romances. Essa reflexão indica o grande número de tarefas que os

políticos, os servidores públicos, os educadores, os pensadores republicanos, os

cidadãos, todos nós devemos desempenhar em relação à nossa ordem

fundamentada na liberdade – sem que isso retire da jurisdição constitucional parte

do seu brilho. Não apenas a jurisdição constitucional, mas todos nós somos,

politicamente, “guardiões da Constituição”! (HÄBERLE, 2007, p.81)

Para Häberle (1997, p. 30), a interpretação da Constituição é uma atividade que diz

respeito a todos, mesmo intérpretes indiretos ou em longo prazo. Trata-se de um processo

aberto que conhece possibilidades e alternativas. A vinculação converte-se em liberdade na

medida em que reconhece uma nova orientação hermenêutica que contraria a lógica da

subsunção. Há a necessidade de integrar a realidade no processo de interpretação, que gera,

como consequência, a ampliação do círculo do intérprete.

As Cortes Constitucionais, portanto, possuem um campo bastante extenso no qual

podem atuar para implementar a defesa das normas constitucionais. No entanto, essa

possibilidade de adequar a interpretação constitucional à realidade social não pode ir além dos

limites do texto constitucional e deve respeitar a atuação e o relevante papel desempenhado

pelo Legislativo em um Estado Constitucional e Democrático de Direito. Sobre o assunto,

Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins concluem que

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149

as considerações e finalidades políticas, por mais urgentes que sejam, nunca

devem contrariar normas jurídicas vigentes, sob pena de ilegalidade ou

inconstitucionalidade, algo que exprime o disciplinamento jurídico da política, isto

é, sua submissão ao império da lei.

(...)

entre todas as autoridades estatais, o legislador ordinário é o primeiro

concretizador da Constituição e, consequentemente, o órgão que possui o maior

poder discricionário de tomada de decisões com critérios políticos, não podendo as

demais autoridades contrariar suas decisões por simples motivo de discordância ou

inconveniência política (que pode também se apresentar como discordância moral,

científica, estética etc).

(...)

essas considerações indicam a necessidade de se evitarem construções teóricas e

decisões que desrespeitem essa forma de divisão de tarefas. A necessidade de

autocontenção do Poder Judiciário no exercício de suas competências corresponde

à necessidade de se respeitar o espaço político que foi concedido ao legislador pela

própria Constituição. O critério para tanto é o próprio texto constitucional. O

Judiciário nunca poderá, recorrendo a “ponderações”, decidir de forma a contrariar

a decisão do legislador, exceto quando isso fundamentar-se diretamente no texto

constitucional.

(...)

O exame de proporcionalidade e a hermenêutica constitucional em geral devem

respeitar suas próprias limitações, evitando intervir no campo do poder

discricionário do legislador. O Poder Judiciário não é um legislador que decide

politicamente em instância recursal. Ele só pode modificar a decisão legislativa se

houver um argumento racional, o qual permita fundamentar a incompatibilidade

entre a lei e a Constituição. (DIMOULIS; MARTINS, 2012, p.216-217)

Nesse sentido, acredita-se em um Estado, no qual todos os órgãos devem atuar dentro

dos limites de suas competências constitucionais, respeitando a importância e a relevância dos

demais órgãos, havendo uma “concorrência funcional na concretização da Constituição”

(TAVARES, 2012b, p.67).

Se uma atuação assim gerar uma eventual contraposição entre o entendimento de dois

órgãos, é preciso reconhecer que a norma de fechamento constitucional vigente prevê,

naquele dado momento, que a interpretação do Tribunal Constitucional terá a função de

validar ou invalidar a compreensão dos outros órgãos quanto aos assuntos de natureza

constitucional, desde que o Tribunal não invada o âmbito de atuação político exclusivo dos

demais Poderes. Essa regra de fechamento do sistema é o que se poderia denominar de última

palavra provisória.

Todavia, o assunto não está decidido definitivamente no tempo, dado que nada impede

seu amadurecimento, por meio de novos debates, principalmente com a participação da

sociedade, podendo o Parlamento trazê-lo novamente para a discussão ao editar uma nova

norma. Corroborando tal raciocínio, Conrado Hubner Mendes afirma:

Cortes e parlamentos têm responsabilidades deliberativas, e podem desafiar-se

mutuamente a exercê-las. Isso não é feito sem conflito, incerteza ou risco de erro.

Suponho que elas possam ser consideradas mais ou menos legítimas a depender de

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seu respectivo desempenho. Por ser este um critério consequencialista de

legitimidade, traz complexidade à separação de poderes.

Até aqui, sustentei basicamente que a instituição com o melhor desempenho

deliberativo sobressai-se na competição pelo melhor argumento e tem legitimidade

para desafiar a outra. No entanto, essa proposição parece simplista e causa

inúmeros problemas práticos. O mais óbvio deles é: e se as duas utilizarem da

razão pública, fizerem um claro esforço de maximização de seu desempenho e,

ainda assim, discordarem?

Uma resposta seria: prevalece, no final das contas, aquela que tiver a prerrogativa

da última palavra provisória. Num sistema de controle de constitucionalidade, a

corte, portanto. Todavia, se, em outra perspectiva temporal, há circularidade, e se a

instituição derrotada – o parlamento – poderá sempre reiniciar uma nova rodada,

não caberia à corte deferir? No extremo do desacordo sincero, engendrado pela

razão pública, seria possível sustentar que a instituição com o melhor pedigree

deve ter um trunfo especial?

Essa aparenta ser uma questão fundamental de qualquer teoria do diálogo. Se a

última palavra provisória não impede novas rodadas procedimentais, significa que

a estabilização de um determinado tema coletivo ocorreria somente a partir de

alguma acomodação entre os dois poderes, ou quando um deles aceitar a posição

do outro (a qual, a propósito, pode ser resultado de seguidas negociações

argumentativas de rodadas anteriores). A abdicação judicial na situação-limite

talvez fosse uma defesa normativa plausível. A corte daria ao parlamento o

benefício da dúvida. No entanto, este cenário é mais especulativo do que realista.

Com maior frequência, poderes reduzem progressivamente o desacordo, fazendo

concessões recíprocas. É um jogo político, mas nada impede que uma deliberação

genuína influencie o processo. (MENDES, 2008, p 205-206)

Sendo os dois órgãos protagonistas de um eventual conflito e ocupantes de relevante

papel no Estado Democrático, devemos considerar que a decisão de ambos terá sua fonte de

legitimação direta da Constituição, de modo que a solução jamais poderá ser encontrada pela

aplicação da ideia de primazia de um sobre o outro. Percebemos, portanto, que essa tensão

permanente entre o Tribunal Constitucional e o Poder Legislativo é inerente ao processo

contínuo de formação da vontade política. E é durante esse processo de densidade deliberativa

que se deve buscar a “última palavra” naquele órgão que melhor argumentar as suas razões.

5.7 Formas de Intervenção da Justiça Constitucional no Âmbito Político

Conforme mencionamos diversas vezes, o aporte teórico do Constitucionalismo

Contemporâneo incorporou as ideias de normatividade e supremacia constitucional e

desenvolveu uma nova forma de interpretar a Constituição que incorporou definitivamente a

necessidade de concretizar os direitos fundamentais como peça essencial no desenvolvimento

da atividade interpretativa.

A Constituição contemporânea não se limita a legitimar e repartir as competências de

governo, mas é uma norma dotada de alta carga valorativa que prevê normas de conteúdo

principiológico que, por sua vez, contém diversos direitos fundamentais. Esse conteúdo

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151

axiológico e principiológico das Constituições é normalmente vazado em termos vagos,

abertos e abstratos. Essa abstração e imprecisão das normas constitucionais é necessária,

tendo em vista a pretensão de perpetuação da Constituição e a necessidade de se adaptar às

diversas situações sociais. A Constituição se apresenta como norma incompleta justamente

para permitir a sua atualização e perpetuação ao longo do tempo. Essa abertura da

Constituição permite que ela incorpore o elemento espiritual do seu tempo e considere os

elementos sociais, políticos e econômicos dominantes, possibilitando a manutenção da sua

força normativa. (HESSE, 1991, p.21)

Essa textura aberta das normas Constitucionais também é responsável por elevar o

debate em torno dos limites da atuação da Justiça Constitucional. O que não podemos aceitar

é uma concepção de Justiça Constitucional ilimitada e em grau máximo, sob o argumento de

que seria ela o órgão responsável por dar a última palavra sobre a interpretação das normas

constitucionais.

Conforme já defendemos, a argumentação jurídica e a política são dotadas de

racionalidade; Tribunal Constitucional e legislador têm o ônus de concretizar a Constituição

de forma compartilhada, sem a primazia de nenhum órgão. A dinâmica da democracia

constitucional impõe uma atuação dialógica desses dois órgãos (ainda que, em diversos

momentos, em pontos de tensão anteriores à chegada de uma síntese, seja inevitável uma

atuação dialética). De forma que o Tribunal Constitucional terá sim uma palavra na definição

do alcance e dos limites dos direitos constitucionais, não obstante, não se deva considerar que

seja a última manifestação em definitivo.

Reconhecemos que ao atuar de forma substantiva, para implementar direitos e

garantias fundamentais, a Justiça Constitucional interfere no âmbito de opções políticas,

especialmente, quando o Legislativo ou o Executivo não atuam ou o façam de forma

deficiente para dar cumprimento aos comandos constitucionais, sem nenhuma razão

constitucional relevante para tanto. Essa intervenção legítima da Justiça Constitucional no

âmbito político se dá, principalmente, por meio das decisões intermediárias154

, a seguir

mencionadas.

154 Decisões intermediárias, também chamadas de decisões de calibragem, são aquelas proferidas pela Justiça Constitucional

que estão em uma zona intermediária entre decisões que declaram de forma integral a inconstitucionalidade ou a

constitucionalidade da norma. Trata-se de uma técnica decisória criada pela Corte Constitucional italiana utilizada para

calibrar os efeitos de suas decisões no controle de constitucionalidade, de modo que as mesmas fiquem mais adequadas a

solucionar o caso específico. São normalmente utilizadas quando o Tribunal se depara com situações em que a declaração de

constitucionalidade ou inconstitucionalidade da norma não privilegia a manutenção da segurança jurídica, da isonomia ou da

proporcionalidade necessárias ao sistema jurídico. São decisões que acabam implicando, em alguma medida, na interferência

sobre o conteúdo normativo dos dispositivos legais analisados e impõem variações interpretativas das normas, em detrimento

de outras que também se poderiam extrair. O Tribunal Constitucional profere tais decisões, em casos de inconstitucionalidade

por ação, quando atua relativizando a eficácia retroativa das decisões por inconstitucionalidade ou, quando declara a

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152

Porém, ainda que uma atuação substantiva da Justiça Constitucional seja necessária,

não é possível aceitar discricionariedades e decisionismos. Por isso, as decisões

intermediárias devem ser utilizadas com cautela, dentro dos limites do exercício do juízo de

constitucionalidade e, nesse largo espaço que o juízo de constitucionalidade comporta, deve

frutificar a argumentação racional que serve de base a uma doutrina da interpretação no

Constitucionalismo Contemporâneo. Reiteramos que não podemos confundir a necessária

intervenção da Justiça Constitucional com a possibilidade de arbitrariedades e decisionismos.

Sempre o limite dessa intervenção estará no texto da Constituição.

5.7.1 Sentenças interpretativas

As sentenças interpretativas são resultado da conjugação de dois princípios: do

princípio segundo o qual sempre se deve procurar a conservação das leis no ordenamento

jurídico com o da necessidade de que todas as normas devem sempre ser interpretadas em

conformidade com a Constituição. Segundo este último (que, por sua vez, decorre da

supremacia da Constituição) um preceito legal só deve ser declarado inconstitucional se não

admitir nenhuma interpretação que o compatibilize com a Constituição. Por outro lado, se

houver a possibilidade de ser dada à norma uma interpretação compatível ao texto

constitucional, sua vigência deve ser preservada.

As sentenças interpretativas, portanto, são aquelas que conjugam a primazia da

Constituição e a necessidade de se preservar as leis e, portanto, não anulam o texto da norma,

permitindo que ele continue vigente, sempre que seu conteúdo admita alguma interpretação

conforme a Constituição ou desde que não se atribua ao texto uma interpretação considerada

inconstitucional pelo Tribunal. Marina Gascón Abellán define sentenças interpretativas

conforme o conceito do Tribunal Constitucional espanhol, segundo o qual seriam sentenças

interpretativas aquelas que

rechazan una demanda de inconstitucionalidad o, lo que es lo mismo, declaran la

constitucionalidad del precepto impugnado en la medida en que se interprete en el

sentido que el Tribunal constitucional considera como adecuado a la constitución o

constitucionalidade da norma e fixa a interpretação constitucionalmente adequada; ou, ainda, ao restringir os efeitos

temporais da decisão de inconstitucionalidade, ao afastar o efeito repristinatório; ao utilizar a técnica da interpretação

conforme a Constituição, da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, do apelo ao legislador, da

declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, da declaração de norma ainda constitucional em trânsito para

a inconstitucionalidade.

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153

no se interprete en el sentido (o sentidos) que considera inadecuados.155

(ABELLÁN, 2003, p.175)

As sentenças interpretativas formalmente rejeitam o pedido de declaração de

inconstitucionalidade da norma, porém, acabam acolhendo, em certa medida, a

inconstitucionalidade de certos sentidos considerados incompatíveis com a Constituição. Ou

seja, o Tribunal determina, ao mesmo tempo, quais os que devem ser acolhidos e afastados da

interpretação da lei.

Por ser a tarefa de interpretação da Constituição atribuída à Justiça Constitucional,

quando atua no exercício, principalmente, da função estruturante, o Tribunal Constitucional

acaba exercendo a tarefa de interpretar também as normas da legislação ordinária, o que seria

da competência da jurisdição ordinária. Porém, estando ambas as interpretações

(constitucional e da legislação) intrinsecamente ligadas, deve ser reconhecida a possibilidade

de o Tribunal proferir sentenças interpretativas, ainda que ingresse no juízo de legalidade que

não lhe é próprio. Além de haver uma invasão do âmbito da decisão política, há também outra

do âmbito do juízo de legalidade inerente à legislação ordinária. Gomes Canotilho observa

acerca da interpretação conforme a constituição que este tipo de interpretação

só permite a escolha entre dois ou mais sentidos possíveis da lei mas nunca uma

revisão do seu conteúdo. A interpretação conforme à constituição tem, assim, seus

limites na “letra e na clara vontade do legislador”, devendo, “respeitar a economia

da lei” e não podendo traduzir-se na “reconstrução” de uma nova norma que não

esteja devidamente explícita no texto. (...) Pelo contrário, a alteração do conteúdo

da lei através da interpretação pode levar a uma usurpação de funções,

transformando os juízes em legisladores activos. Se a interpretação conforme a

constituição quiser continuar a ser interpretação, ela não pode ir além dos sentidos

possíveis resultantes do texto e do fim da lei. Por outras palavras: a interpretação

conforme a constituição deve respeitar o texto da norma interpretanda e os fins

perseguidos através do acto normativo sujeito a controlo. (CANOTILHO, 2003,

p.1311)

Marina Gascón Abellán (2003, p. 175-176) afirma que, mediante a aplicação dessa

técnica, o Tribunal Constitucional mais se aproxima de um tribunal supremo, em razão do

risco de que, sob o pretexto de dar uma interpretação conforme, acabe dando a “melhor”

interpretação da lei, em detrimento de outras igualmente constitucionais. Assim, a autora

afirma que os limites que separam a interpretação conforme da “melhor” interpretação são

imprecisos e, por isso, essa técnica deve ser utilizada sempre junto ao exercício do self-

restraint. Com a escusa da interpretação conforme, o Tribunal pode acabar impondo uma

155 Tradução livre: “rechaça uma demanda de inconstitucionalidade ou, o que é o mesmo, declaram a constitucionalidade do

preceito impugnado na medida em que se interprete no sentido que o Tribunal constitucional considera como adequado à

constituição ou não se interprete no sentido (ou sentidos) que considera inadequados.”

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154

outra que claramente não se deduz de seu texto, ultrapassando os limites da interpretação

conforme (quando o Tribunal profere interpretações plausíveis da lei) para realizar uma

alteração judicial do ordenamento invadindo o âmbito que a Constituição reserva ao

legislador. Quando o Tribunal avança este limite, surgem as sentenças manipulativas.

5.7.2 Sentenças manipulativas

A possibilidade do Tribunal Constitucional adotar uma sentença manipulativa

evidencia a invasão do âmbito de decisão política por parte da Justiça Constitucional. Essas

sentenças manipulativas são proferidas quando não há nenhuma interpretação plausível do

preceito legal impugnado compatível com a Constituição. Ocorre que, mesmo constatando

que a norma legal é incompatível com o texto constitucional, o juiz constitucional considera

adequada ou conveniente a manutenção da vigência de tal preceito. Para manter esse preceito

legal inconstitucional vigente, o Tribunal pode lançar mão de dois tipos de sentenças

manipulativas: i) aquelas que manipulam o texto da lei para provocar uma interpretação

conforme o mesmo (anulando um inciso, uma ou várias palavras do texto para mudar o seu

sentido)156

ii) aquelas que manipulam diretamente sua interpretação, forçando as

possibilidades interpretativas do texto (interpretação contra legem) para resultar compatível

com a Constituição157

.

As sentenças manipulativas são um caso especial de pronunciamento interpretativo,

pois excluem certa interpretação da lei e impõem outra. A interpretação pode recair sobre o

programa normativo, gerando as sentenças substitutivas, ou sobre o âmbito de aplicação,

dando ensejo às sentenças redutoras ou aditivas.

As decisões substitutivas são aquelas nas quais há a substituição de uma interpretação

plausível e compatível com o texto da norma, mas que é inconstitucional, por outra que,

claramente, não deriva do preceito, porém, é compatível com a Constituição.

As sentenças redutoras são aquelas cujo âmbito de aplicação da norma é reduzido por

meio da interpretação. Neste caso, a regra deixa de ser aplicável a uma ou mais hipóteses

compreendidas originariamente no enunciado abstrato para haver adequação do seu conteúdo

à norma constitucional.

156 Nesse tipo de sentença manipulativa se inclui a declaração de inconstitucionalidade parcial com redução de texto. 157 Nesse tipo de sentença manipulativa se inclui a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto. Neste

caso, a ação direta de inconstitucionalidade é julgada parcialmente procedente, sendo o ato normativo declarado

inconstitucional, se aplicável a determinada hipótese fática. Aqui, o tribunal irá eliminar as hipóteses de aplicação

incompatíveis com a Constituição, reduzindo o programa normativo, sem alterar a expressão literal da norma jurídica

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155

Já as aditivas são aquelas nas quais, pela interpretação, ocorre uma extensão das

hipóteses de aplicação da norma para torna-la compatível com a Constituição. As sentenças

aditivas supõem o reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão, pois parte do

pressuposto de que o dispositivo legal deixou de abordar algo imposto pela Constituição. Para

solucionar essa omissão, a sentença acrescenta, por via interpretativa, a hipótese que está

faltando. Assim, a sentença aditiva é aquela que estende a aplicação de um preceito legislativo

a uma hipótese não prevista até então, sendo que, sem a referida extensão o preceito

continuaria inconstitucional.

Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2013, p.274-275), com base na doutrina italiana,

subdividem as decisões manipulativas aditivas em duas categorias: as de garantia ou de

prestação “tomadas quando a Corte Constitucional acrescenta à norma um dispositivo que diz

respeito ao exercício de um direito fundamental, de cunho negativo (direito de liberdade) ou

social” e as de princípio ou dispositivo genérico proferidas quando a inconstitucionalidade

“pode ser sanada pela criação de vários dispositivos, não cabendo à Corte escolher o mais

adequado. Nesse caso, pronuncia-se a inconstitucionalidade por omissão e se declara a

necessidade de supri-la, deixando a escolha a critério do juiz da causa.”

A justificativa para adotar sentenças manipulativas aditivas é promover o princípio da

igualdade. Marina Gascón Abellán (2003, p.178), porém, observa que a igualdade também

poderia ser privilegiada se o juiz constitucional simplesmente anulasse o preceito. No entanto,

esclarece que, na medida em que opta não por anulá-lo integralmente, mas sim estendê-lo a

determinadas hipóteses não previstas, é porque entende que a ausência total do preceito traz

prejuízos imediatos a todos os beneficiários da norma. Assim, evidencia-se a atuação do

Tribunal na qualidade de legislador positivo, visto que cria uma nova lei para os aplicadores

do Direito que não foi desejada pelo legislador. Para a autora, essa atuação não é aceitável,

posto que subtrai do legislador competências que lhe são próprias e traz uma situação de

insegurança jurídica com consequências não previstas e nem almejadas por essa interpretação

constitucional.

A autora preceitua, porém, que as sentenças manipulativas, por serem mecanismos que

ultrapassam os limites da Justiça Constitucional, só são admissíveis quando produzem normas

constitucionalmente exigidas, ou seja, quando a norma que deriva da sentença obedece à

necessidade de proteger algum bem ou valor constitucional e ainda não exista outra forma de

fazê-lo que não a estabelecida na sentença. Nestes casos, é indiferente que a integração

constitucional seja efetivada pelo juiz constitucional ou pelo legislador. No entanto, não

estando preenchidos os requisitos acima, o Tribunal deveria limitar-se a declarar a

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156

inconstitucionalidade do preceito, mesmo que o fizesse sem a declaração da nulidade da

norma, pois cumpriria sua função estruturante, porém, deixando para o legislador reparar a

situação de inconstitucionalidade pela via legislativa. (ABELLÁN, 2003, p.179)

Essa atividade legislativa do Tribunal Constitucional poderá ser admitida quando

verificamos que a Constituição, em determinada matéria, não deixou margem de conformação

ao legislador, determinando a regulamentação em um certo sentido e o legislador houver

editado norma desrespeitando o comando constitucional (indo além ou aquém deste). É

necessário, para haver uma atuação do Tribunal neste sentido, que a “vontade constitucional”

seja bem clara e que o comando legal tenha desrespeitado essa intenção constitucional.

Com esse posicionamento nos parece que, mesmo ante uma atuação manipulativa do

Tribunal Constitucional, deve-se dar prevalência à efetividade da Constituição e à proteção de

sua supremacia, que não poderia ter sido obtida de outro modo senão mediante a utilização

das sentenças manipulativas, mesmo extrapolados os limites impostos à Justiça

Constitucional.

5.8 A Existência de um Código de Processo Constitucional como Forma de Limitação da

Atividade da Justiça Constitucional

Uma das funções do Tribunal Constitucional é a arbitral, segundo a qual a este órgão

competirá dirimir os conflitos de atribuição entre os demais órgãos do Estado, e fixar o limite

das competências constitucionais elencadas a cada um. Em decorrência dessa função arbitral,

caberá à Justiça Constitucional fixar as dimensões e os limites de sua atuação o que, muitas

vezes, acontece sem parâmetros objetivos.

A atuação da Justiça Constitucional quando desenvolve suas funções típicas158 se dá

por meio de processos159

regidos por normas inseridas em uma categoria diferenciada dos

158 Adotamos neste trabalho o entendimento de que são funções típicas da Justiça Constitucional as funções interpretativa,

estruturante, arbitral, legislativa, governativa e “comunitarista”. 159 O Direito Processual, de forma geral, apenas passou a ser considerado disciplina autônoma em meados do século XIX, por

obra, principalmente, de Oskar Von Bülow. A afirmação do estudo do processo civil e penal se deu já nas primeiras décadas

do século XX. Nessa época, não foi possível o desenvolvimento de uma teoria do processo constitucional, dado que ainda

não havia o reconhecimento da supremacia e normatividade da Constituição. Somente após o reconhecimento do valor

jurídico da Constituição, principalmente, após a Segunda Guerra Mundial, houve um maior desenvolvimento do estudo dos

processos pelos quais se daria a defesa e implementação das disposições constitucionais. Os processualistas da época, porém,

não se dedicaram ao estudo das formas de implementação e concretização constitucional pela via judicial, o que acabou

sendo levado a efeito pelos próprios constitucionalistas e propiciou a unificação do estudo da parte substancial da

Constituição e da parte processual (que trata da defesa e implementação da Constituição), passando as duas a serem tratadas

exclusivamente como parte do Direito Constitucional. Mesmo ainda no século XX, quando os âmbitos substancial e

processual da Constituição eram estudados como parte do mesmo objeto, já foi possível perceber a necessidade de se fazer

uso de processos específicos destinados à defesa dos valores constitucionais. A partir dessa percepção, que teve como

precursor Niceto Alcalá-Zamora y Castillo, começou-se a utilizar a denominação “processo constitucional” para esse tipo de

atuação voltada à implementação direta da materialidade constitucional. O reconhecimento da existência de um processo

constitucional decorreu da conclusão de que se estaria tratando de um método de atuação do Estado, consubstanciado no

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157

processos civil e penal, razão pela qual considerou-se adequado denominar àquele por meio

do qual atua a jurisdição constitucional de processo objetivo. Chegou-se ao entendimento de

que para defender valores constitucionais seria necessário exercer uma jurisdição ordinária e

contenciosa e adotar, pela Justiça Constitucional, certos procedimentos específicos que

caracterizariam este processo objetivo.

Esse processo constitucional ou objetivo tem por fim a realização direta (e não

incidental ou secundária) da Constituição e se dá por meio da Justiça Constitucional, quando

atua no exercício de todas as suas funções típicas. Assim, não é qualquer tipo de realização

constitucional operada indiretamente por qualquer magistrado no exercício da função

jurisdicional que se constituirá em objeto do processo constitucional.

Importante observarmos que, mesmo que as características desse processo objetivo

variem, a depender da função exercida pelo Tribunal Constitucional, ele sempre será diverso

do processo comum, em razão da peculiaridade da matéria, das partes envolvidas e do

interesse relativo às disputas intersubjetivas e de índole pessoal que caracterizam a matéria

objeto do processo comum e que não estão presentes no processo objetivo.

Outro fator de distanciamento entre os processos objetivo e comum encontra-se na

finalidade que se busca atingir com o primeiro, qual seja “a certificação, manutenção e

ratificação da supremacia constitucional contra todos os comportamentos normativos ou não

que dela se desviem” (TAVARES, 2005, p.393). Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi (2013,

p.10) afirmam “Temos um verdadeiro processo constitucional quando a atuação processual

objetiva diretamente preservar a supremacia da Constituição”.

Podemos afirmar que o processo é objetivo, pois não se pretende com ele privilegiar

esse ou aquele interesse, mas preservar a ordem constitucional. Há uma preocupação com a

restauração da ordem constitucional, com a prevalência da Constituição e com a sua

imposição sobre todos os comportamentos. O que se pretende é “a proteção da Constituição

objetivamente considerada como interesse exclusivo” (TAVARES, 2011, p.274).

O grande debate em torno do processo objetivo por meio do qual atua a Justiça

Constitucional está ligado à ausência de regulação legal deste procedimento. Normalmente,

não há previsão nos ordenamentos jurídicos de uma legislação que estipule a forma pela qual

encadeamento lógico de atos destinados a obtenção de uma tutela jurisdicional protetiva da supremacia constitucional, dos

direitos fundamentais e, ainda, da distribuição horizontal e vertical do poder político. Passou-se, então, a ser utilizada a

denominação Direito Processual Constitucional para o estudo dos instrumentos processuais garantidores do cumprimento das

normas constitucionais (proteção da materialidade constitucional: supremacia constitucional, direitos fundamentais e

distribuição horizontal e vertical do poder político) e a denominação Direito Constitucional Processual para o estudo

sistemático dos conceitos, categorias e instituições processuais consagrados na Constituição.

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158

deverá ser exercida a jurisdição constitucional160

. Essa ausência de parâmetros objetivos

acaba sendo suprida pelo próprio Tribunal Constitucional à medida que os problemas

processuais vão aparecendo, porém

Esquece-se o papel balizador do processo objetivo, cujas regras previamente

assentadas podem chegar ao ponto de manipular o resultado ou atuação em geral

da Justiça Constitucional e de seu relacionamento com os demais “poderes” (v.

Baracho, 1984: 345 e ss.). Olvida-se, neste último sentido apresentado, que a

instrumentalização da Justiça Constitucional pode revelar consequências para o

próprio resultado da atuação da justiça Constitucional (e que , por esse motivo,

tal instrumentalização não é neutra ou isenta de opções). (TAVARES, 2012b,

p.161)

Na ausência de unidade metodológica e principiológica, portanto, é a jurisprudência

quem acaba ocupando um espaço próprio da técnica legislativa, suprindo as lacunas e

desenvolvendo os mais diversos institutos para proporcionar a efetiva concretização dos

direitos. Essa atuação legislativa inovadora do Tribunal Constitucional, porém, não é

adequada.

O redimensionamento das funções da Justiça Constitucional, em face da maior

necessidade de concretizar os direitos fundamentais que estão fora do alcance da decisão

política dos Legislativos, elevou o debate em torno dos limites a atuação do juiz

constitucional, com o intuito de evitar arbitrariedades. A utilização dos métodos da nova

hermenêutica constitucional associada aos métodos de trabalho do Tribunal Constitucional

por meio de um parâmetro normativo, acabaria proporcionando uma desejável imposição de

limites objetivos à atuação do Tribunal.

5.8.1 Vantagens da codificação

A proposta de um Código de Processo Constitucional não poderia se restringir apenas

à reunião em um único documento de leis esparsas sobre o tema mas que não estivessem aptas

a agregar inovações ao sistema jurídico, pois

A proposta de um novo Código de Processo Constitucional não é de mera

perfumaria jurídica ou de simples reunião de leis esparsas, sem maiores

consequências positivas ou razões práticas para a sociedade. A adoção desse

160 Alguns países da América Latina criaram leis específicas sobre o processo constitucional (Costa Rica, em 1989) e

podemos dizer que as Leis 9.868/99, 9.889/99 e 12.562/11, no Brasil, são também leis gerais sobre o tema. Porém, a

construção de um Código Processual Constitucional nas províncias argentinas de Entre Rios (1990) e Tucumán (1999), e a

criação de um código dessa natureza em âmbito nacional no caso do Peru, em 2004, faz saltar aos olhos a possibilidade de

regulamentação ampla e geral da matéria, como forma de evitar um constante e necessário preenchimento por parte dos

Tribunais Constitucionais da ausência de legislação acerca do tema.

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159

Código visa, sobretudo, a que esses processos já existentes se desenvolvam mais

adequadamente, com maior intensidade e clareza de seu sentido real, colocando o

Direito (enquanto ordem jurídica estatal) a serviço dos direitos humanos (ordem

jurídica da sociedade). (BELAUNDE; TAVARES, 2010, p.5)

É fato que a sociedade ocidental enfrenta o fenômeno da desvalorização dos

códigos161

, não obstante, acreditamos que a elaboração de um código em matéria de Direito

Processual Constitucional teria o mérito de unificar critérios e princípios a serem adotados em

relação ao tema. Poder-se-ia unificar, com base em valores comuns, toda a normatização legal

sobre a defesa da supremacia constitucional; proteção processual dos direitos fundamentais e

salvaguarda da distribuição horizontal e vertical do poder político. A codificação tem a

vantagem de ser permeada por valores comuns e tem a propriedade de inovar no ordenamento

jurídico de maneira adequada, sistematizando e uniformizando as normas relativas ao tema

sobre o qual se refere. É indispensável ressaltar a importância de um tratamento do processo

constitucional de maneira orgânica, sistemática e integral.

A uniformidade da regulamentação evitaria dúvidas e discussões meramente

processuais e que, por vezes, atrasam o andamento regular do processo e a prestação da tutela

jurisdicional. Concordamos com Domingo Garcia Belaunde e André Ramos Tavares, quando

afirmam:

Ademais, a formação de um Código em matéria processual parece especialmente

significativa e útil, por tratar de unificar critérios que são importantes de serem

observados na realização (judicial) de direitos humanos fundamentais. Além disso,

trata-se de unificar normas de ordem pública, como é o caso das normas

processuais. Numa regulamentação uniforme é imprescindível para evitar

discussões formais que prejudicam o direito material e, ademais, estabelecer regras

com uma principal fonte de legitimidade, que é busca pela realização dos direitos

humanos fundamentais. Essa característica deve, atualmente, ser complementada,

já que existem processos constitucionais para dirimir conflitos de competência e

para defender a supremacia constitucional de maneira objetiva.

(...)

Mas o fundamento próprio da criação de um Código de Processo Constitucional é

a presença de uma Carta de Direitos Humanos Fundamentais em cada Constituição

estatal ocidental. É a presença e impositividade dos direitos fundamentais que

justifica a criação de um Código específico que promova e proteja tais direitos.

(...)

A formulação de um Código de Processo Constitucional atende ao grau de

maturidade que se reconhece à sociedade, capaz de identificar como foco e origem

de muitas das dificuldades relacionadas aos direitos fundamentais na forma ou

processo a aplicar. Essa percepção, que só se desenha em sociedades mais

avançadas, permite a consciência de que o aprimoramento das leis e, em particular,

de leis processuais, é etapa inevitável no caminho rumo ao Estado Constitucional

pleno. (BELAUNDE; TAVARES, 2010, p.5-7)

161 O que está evidenciado pela constante elaboração de leis gerais ou leis “marco” sobre determinados temas em vez de

Códigos.

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160

Observamos que uma proposta de codificação do processo constitucional não possui

relação alguma com as codificações da Antiguidade (Corpus Juris Civilis de Justiniano,

Código de Hamurabi), já que tais “códigos” não possuíam preocupação com a uniformidade

dos institutos de que tratavam e procuravam apenas reunir, em um mesmo instrumento, várias

normas sem qualquer correlação necessária. Um possível Código de Processo Constitucional,

por outro lado, deveria possuir unidade, uniformidade e harmonia entre os institutos e

instrumentos abordados, como forma de proporcionar a máxima efetividade possível à

proteção dos direitos e garantias fundamentais. Um código que trate da matéria processual

constitucional também não deveria ter por base o modelo inaugurado com o Código Civil

francês de 1804, posto que não poderia ser caracterizado por uma pretensão universalizante de

abordar toda a matéria especificada em um único documento, reduzindo a regulamentação

integral do tema apenas ao conteúdo da lei.

A proposta de se elaborar um Código de Processo Constitucional não tem por fim

reduzir o papel do juiz constitucional na interpretação e aplicação do Direito, mas

implementar parâmetros racionais e controláveis à interpretação e concretização

constitucional. É uma tentativa de evitar a arbitrariedade ou, até mesmo, a excessiva

“personalização” da aplicação do Direito. Deseja-se impedir que o jurisdicionado fique na

dependência do entendimento específico de determinado juiz para conhecer a evolução de seu

processo. Mais uma vez, lembremos a importância da elaboração de um código na

possibilidade de regulamentar de forma adequada, sistematizada, harmônica do processo

constitucional, abordando institutos com maior intensidade e clareza de seu sentido real.

No contexto brasileiro, outra grande vantagem de elaborar um código está relacionada

ao fato de que aprová-lo pode levar mais tempo para a sua maturação e atenção, com mais

discussões e análises por comissões de juristas e parlamentares162

. As leis esparsas, por outro

lado, são aprovadas mais facilmente a depender dos interesses governamentais envolvidos163

.

A própria Constituição da República prevê, em seu art. 64, §4º, que a tramitação dos códigos

não precisa se submeter ao prazo estipulado para o processo legislativo ordinário. Dessa

forma, nos parece evidente que a elaboração de um código para tratar da matéria processual

162 Nesse sentido, veja-se o tempo de tramitação do Código Civil de 2002 e dos projetos de Código de Processo Civil (PL

8.046/10) e Código de Processo Penal (PLS 156/2009), desde a instituição da comissão elaboradora, e que ainda estão em

trâmite no Congresso. 163 Não se pode esquecer que a opção do legislativo pela elaboração de leis gerais em vez de códigos não está apenas

relacionada com a existência na sociedade de uma descrença nos códigos. No caso brasileiro, trata-se também de opção do

corpo político no sentido de evitar toda a tramitação mais dificultosa, formal e plural que exige um código. É evidente que a

elaboração de um código atrai mais atenção da sociedade em geral do que a elaboração de leis esparsas.

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161

constitucional acabaria gerando um espaço mais aberto para a discussão da comunidade

jurídica e de toda a sociedade.

5.8.2 Conteúdo de um Código de Processo Constitucional

Ao considerarmos que a função de um Código de Processo Constitucional seria

unificar e harmonizar os institutos, critérios e princípios relativos à materialização dos direitos

e garantias fundamentais, como uma forma de dar efetividade à jurisdição constitucional, é

possível estabelecermos certo conteúdo mínimo e necessário de um código que a isso se

propõe.

Inicialmente, julgamos necessário um primeiro título que contemple: i) princípios de

ordem geral, constitucionais e infraconstitucionais, que orientem todas as demais normas; ii)

normas sobre diretrizes gerais do processo objetivo explicitando o seu objeto e objetivos, ou

seja, sobre a teoria geral do processo constitucional; iii) um conjunto de regras introdutórias,

de aplicação geral, principalmente, regras hermenêuticas e de interpretação, já que os

processos constitucionais possuem um objeto específico, relacionado à implementação da

materialidade constitucional em toda a sua plenitude; iv) em seguida, poder-se-ia introduzir

normas sobre competências e responsabilidades dos órgãos judiciais e a respeito da natureza e

dos efeitos da decisão proferida pelos órgãos jurisdicionais; e v) finalmente, dar-se-ia início às

regulamentações específicas de cada um dos processos constitucionais, inclusive no que tange

à parte recursal.

Julgamos ideal que o objeto do código não se restrinja à normatização dos processos

objetivos (ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, ação

direta de inconstitucionalidade por omissão, ação direta interventiva, arguição de

descumprimento de preceito fundamental), mas que se refira também às ações constitucionais

(habeas corpus, mandado de segurança, habeas data, mandado de injunção, ação popular, ação

civil pública) e que hoje constam em diversas leis esparsas e, por isso, não possuem uma

unificação de princípios regedores básicos. Ademais, tal código poderia, também, apresentar

alguns regramentos específicos (no que houvesse de diferente do processo comum) para

determinadas questões relacionadas diretamente ao controle de constitucionalidade pela via

difusa.

Assim, esse Código de Processo Constitucional regularia não só o processo objetivo

(forma de atuação da Justiça Constitucional no exercício de suas funções típicas), mas

também para tratar das ações constitucionais. Esse código poderia abordar todo o processo

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162

constitucional, ou seja, todas as ações referentes aos institutos e elementos relacionados à

proteção da supremacia da Constituição e dos direitos fundamentais; à distribuição horizontal

e vertical de competência; e à promoção e defesa da Constituição em âmbito normativo. Ou

seja, por meio dele, seriam regulamentados, segundo a terminologia de Domingo García

Belaunde, os processos constitucionais propriamente ditos (aqueles que são por “natureza”

constitucional) e aqueles processos “constitucionalizados” (que sem serem propriamente

constitucionais, o legislador atribuiu-lhes essa categoria). (BELAUNDE; TAVARES, 2010,

p.7)

5.8.3 Breves Considerações sobre o Paradigmático Código de Processo Constitucional do

Peru

O caso paradigmático de codificação nacional164

do Direito Processual Constitucional

é o Código de Processo Constitucional aprovado no Peru em 2004165

, atualmente em vigor, e

elaborado a partir de um projeto de iniciativa de uma comissão autoconvocada formada por

juristas independentes, em 1994.

O Código de Processo Constitucional peruano foi muito bem recebido pela doutrina

nacional e estrangeira, pois concentrou e sistematizou os instrumentos de controle de

constitucionalidade e defesa dos direitos fundamentais em um só instrumento normativo, com

a mesma redação legislativa e técnica processual constitucional. O código foi bem sucedido

em abordar o processo constitucional de forma orgânica, integral e sistemática e, ainda,

positivou importantes avanços e inovações provenientes de muitos anos de contribuição

doutrinária e jurisprudencial. Serviu ainda para corrigir deficiências e suprir lacunas relativas

ao funcionamento judicial e presentes na legislação anteriormente em vigor.

O Código de Processo Constitucional do Peru começa delimitando o alcance das

normas contidas no instrumento e, já no artigo 2º, prevê os fins do documento abordando, em

seguida, os princípios processuais pertinentes:

Artículo I - Alcances

El presente Código regula los procesos constitucionales de habeas corpus, amparo,

habeas data, cumplimiento, inconstitucionalidad, acción popular y los conflictos de

competencia, previstos en los artículos 200 y 202 inciso 3) de la Constitución.

Artículo II - Fines de los Procesos Constitucionales

Son fines esenciales de los procesos constitucionales garantizar la primacía de la

Constitución y la vigencia efectiva de los derechos constitucionales.

164 Em âmbito regional o caso paradigmático foi a construção de um Código Processual Constitucional na província argentina

de Tucumán, em 1999. 165 O Código foi criado pela Lei peruana n. 28.237, de 31 de maio de 2004.

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163

Artículo III - Principios Procesales

Los procesos constitucionales se desarrollan con arreglo a los principios de

dirección judicial del proceso, gratuidad en la actuación del demandante,

economía, inmediación y socialización procesales.

El Juez y el Tribunal Constitucional tienen el deber de impulsar de oficio los

procesos, salvo en los casos expresamente señalados en el presente Código.

Asimismo, el Juez y el Tribunal Constitucional deben adecuar la exigencia de las

formalidades previstas en este Código al logro de los fines de los procesos

constitucionales.

Cuando en un proceso constitucional se presente una duda razonable respecto de si

el proceso debe declararse concluido, el Juez y el Tribunal Constitucional

declararán su continuación.

La gratuidad prevista en este artículo no obsta el cumplimiento de la resolución

judicial firme que disponga la condena en costas y costos conforme a lo previsto

por el presente Código.166

(PERÚ, 2004)

O título preliminar do Código de Processo Constitucional peruano é dotado de

conteúdo principiológico e traça diversas diretrizes gerais de atuação dos órgãos judiciais,

prevendo, ainda algumas regras de competência. Após traçar esse panorama introdutório geral

e essencial para a sua correta aplicação, o código passa a estipular a normatização geral e

específica de cada um dos institutos sobre os quais menciona.

Importante esclarecermos que há regras abordando o controle difuso de

constitucionalidade, mas apenas para especificar a necessidade de o juiz não aplicar lei que

considere inconstitucional e o dever de não divergir de decisões do Tribunal Constitucional

que confirmem a constitucionalidade de certa norma. O fato é que o controle difuso não é

exercido em um processo constitucional, mas sim, em processos comuns, civis e penais,

devendo ser encarado como uma técnica à disposição do julgador para proteger os direitos e

garantias fundamentais dos jurisdicionados. Um Código de Processo Constitucional, portanto,

não trata do controle difuso, mas apenas poderá reconhecê-lo como uma técnica disponível e

regulamentar certos aspectos peculiares e relevantes pertinentes ao seu uso.

Conforme analisam Domingo García Belaunde e André Ramos Tavares (2010, p.10-

11), o código peruano é um exemplo vitorioso e traz diversas regras específicas que

166

Tradução livre: “Artigo I - Abrangência. Este Código regula os processos constitucionais de habeas corpus,

amparo, habeas data, cumprimento, inconstitucionalidade, ação popular e os conflitos de competência, previstos

nos artigos 200 e 202 inciso 3) da Constituição. Artigo II - Objetivos dos Processos Constitucionais. São

objetivos essenciais dos processos constitucionais garantir a supremacia da Constituição e da efetiva validade

dos direitos constitucionais. Artigo III - Princípios Processuais. Os processos constitucionais são desenvolvidos

de acordo com os princípios direção judicial do processo, gratuidade da atuação do demandante, economia,

rapidez e socialização processuais. O Juiz e o Tribunal Constitucional têm o dever de impulsionar de ofício os

processos, salvo nos casos expressamente previstos no presente Código. Além disso, o Juiz e o Tribunal

Constitucional devem adaptar a exigência das formalidades previstas neste Código à realização dos fins dos

processos constitucionais. Quando um processo constitucional apresentar uma dúvida razoável acerca de estar

efetivamente concluído, o Juiz e o Tribunal Constitucional devem determinar a sua continuação. A gratuidade

prevista neste artigo não obsta o cumprimento da decisão judicial definitiva que disponha sobre a condenação em

custas e despesas, conforme o previsto por este Código.”

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164

solucionam problemas discutidos há tempos pela doutrina. Entre eles, questões relativas à

impossibilidade de questionar a decisão de um processo constitucional por meio de outro

processo constitucional, aos recursos das ações constitucionais e a execução de algumas

sentenças, além de fazer referência às dificuldades diante da banalização dos processos

constitucionais.

A elaboração de um Código de Processo Constitucional desponta, pois, como um

passo necessário para que os processos constitucionais ou constitucionalizados sejam

regulados de forma unitária, sistematizada e harmônica. Em razão das peculiaridades do

processo objetivo, referentes à massificação do debate e à participação da sociedade, somente

a elaboração de um código poderia promover o desenvolvimento adequado, com mais

intensidade e clareza esperadas de tais processos que versam sobre matéria constitucional e

que têm por fim promover e proteger os direitos e garantias constitucionais. Assim,

consideramos relevante a adoção de um paradigma processual específico para proporcionar

controle e limitação adequada da Justiça Constitucional. Lembramos, sempre, que estas

normas processuais não poderão ser instituídas com a finalidade de limitar a defesa e a

concretização da Constituição por parte do Tribunal.

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165

6 CONCLUSÕES

O constitucionalismo, em sua concepção mais básica, é identificado como uma teoria

ou ideologia que tem por fim limitar e regular o poder político e a organização do Estado.

Considerando-se uma caracterização primitiva, o constitucionalismo sempre existiu, desde a

Antiguidade, naqueles Estados nos quais havia alguma forma de limitação e de regulação do

poder político.

Porém, foi somente a partir das revoluções liberais do século XVII e XVIII que surgiu

o constitucionalismo com uma feição moderna e apareceram documentos escritos com o

objetivo de limitar e regular o poder político e garantir alguns direitos individuais, de caráter

eminentemente liberal, aos cidadãos. É nessa época que ocorre a transição do Estado

Absolutista para o Estado Constitucional.

A concepção de Direito, então, é fortemente influenciada pelas ideias jusnaturalistas,

até que, no século XIX, o início da “era das codificações” proporciona a superação do

jusnaturalismo pelo positivismo jurídico. O positivismo jurídico, porém, promove um apego

exacerbado ao texto da lei, permitindo a ocorrência de atrocidades, durante o período dos

regimes nazista e fascista, sob o manto da legalidade.

A necessidade de reaproximar o Direito e a moral, que já vinha se desenhando desde o

início do século XX, ganha força após a Segunda Guerra Mundial, quando se consolida a

ideia de que não pode existir um ordenamento jurídico indiferente a valores. Esses, por sua

vez, ingressam no ordenamento jurídico por meio de princípios incluídos nos textos

constitucionais. Os critérios de validade normativa estritamente formais não eram mais

suficientes para legitimar o conteúdo do Direito.

Ganha visibilidade, nesse momento, a Teoria do Direito pós-positivista que promove

uma alteração na teoria das fontes do Direito com o reconhecimento da diferença qualitativa

entre princípios e regras e da normatividade dos princípios. O abandono do apego ao

formalismo e à interpretação literal dos textos faz com que a argumentação jurídica ocupe um

papel de destaque no processo de concretização das normas. Surge, assim uma nova

hermenêutica jurídica baseada na filosofia da linguagem e na necessidade de reconhecimento

da influência de fatores externos na atividade interpretativa. As ideias pós-positivistas

também promovem o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada

sobre a dignidade da pessoa humana.

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166

Essa evolução na Teoria do Direito, a partir da segunda metade do século XX,

favorecida pelos aportes filosóficos do pós-positivismo, acabou por proporcionar uma

constitucionalização do Direito. As normas constitucionais passam, então, a ser consideradas

supremas e dotadas de força normativa. A Constituição deixa de ser vista como uma carta de

intenções e começa a ser considerada um instrumento jurídico dotado de força normativa e de

cumprimento coercitivo, agregando ao seu conteúdo uma forte carga axiológica e

principiológica da qual decorre a abertura do seu texto.

Essa nova forma de pensar o Direito Constitucional, que traz a Constituição para o

centro do ordenamento jurídico e lhe confere supremacia e normatividade, passa a ser

chamada de Constitucionalismo Contemporâneo.

O Constitucionalismo Contemporâneo caracteriza-se, essencialmente, por ser um

movimento (ou momento) constitucionalista fundado sob uma base democrática e pluralista,

desenvolvido a partir de uma filosofia pós-positivista e que pretende preservar a ideia da força

normativa da Constituição, expandir a atuação da Justiça Constitucional e continuar

desenvolvendo uma hermenêutica constitucional compatível à necessidade de concretização

efetiva das normas constitucionais e da garantia dos direitos fundamentais.

A centralidade da Constituição também ensejou a elaboração de um sistema que

tivesse por missão proteger a sua supremacia, rigidez e normatividade. Nos Estados Unidos,

esse ônus foi atribuído ao Poder Judiciário, por meio da criação do judicial review. Em grande

parte da Europa, porém, foi adotado um modelo inspirado naquele desenhado por Hans

Kelsen, no qual se atribuía tal tarefa a um Tribunal Constitucional que, ao menos em sua

configuração inicial, mais se assemelhava a um órgão Legislativo, apesar de exercer

atividades semelhantes à judicial, com função apenas de verificar a compatibilidade das leis

às normas Constitucionais.

As atribuições da Justiça Constitucional, porém, acompanharam a evolução do

Constitucionalismo Contemporâneo e à função originária de controle de constitucionalidade

(também denominada estruturante) foram agregadas as funções de interpretação e enunciação

constitucional, arbitral, legislativa, governativa e “comunitarista”.

Observamos que houve um certo deslocamento do centro de decisão que antes

pertencia, exclusivamente, ao Legislativo (no Estado Liberal) e depois ao Executivo (no

Estado social) para o Judiciário (no Estado Democrático de Direito). Esse deslocamento não

advém de um proclamado protagonismo judicial, mas de um reposicionamento do Judiciário,

especialmente da Justiça Constitucional, diante das necessidades decorrentes da elaboração de

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Constituições contemporâneas que preveem a necessidade de concretizar direitos e garantias

fundamentais e cumprir as mais diversas normas de conteúdo programático.

A ampliação das funções da Justiça Constitucional derivou da abertura semântica das

Constituições contemporâneas que passaram a contemplar diversos princípios de direitos

humanos e de uma vinculação do Legislativo aos direitos fundamentais, retirando do espaço

de decisão política certos direitos considerados insuprimíveis.

Porém, não podemos aceitar uma concepção de Justiça Constitucional ilimitada e em

grau máximo, ao argumento de que seria ela o órgão responsável por dar a última palavra

sobre a interpretação das normas constitucionais. A textura aberta das normas Constitucionais

elevou o debate em torno dos limites da atuação da Justiça Constitucional. Por esse motivo, é

cada vez mais relevante o refinamento do método de trabalho da Justiça Constitucional para

que, por meio da utilização de uma nova hermenêutica e de processos constitucionais

previamente definidos, seja possível que a Justiça Constitucional ocupe o seu papel na

implementação dos direitos fundamentais, sem ingressar no âmbito de outros órgãos do

Estado que devem ter a sua relevância também reconhecida.

Se a Justiça constitucional teve redimensionada a sua atuação foi porque a

Constituição assim determinou. De modo que a atuação deste órgão deve estar sempre

limitada e pautada pelas normas constitucionais.

A distinção necessária entre o juízo de constitucionalidade (a ser exercido pela Justiça

Constitucional) e juízo de decisão política (âmbito no qual o Tribunal Constitucional não

pode ingressar) continua a ser essencial a uma atuação legítima do órgão que exerce estas

funções. Por mais que o princípio da separação de funções seja encarado sob uma perspectiva

contemporânea, o princípio da conformidade funcional continua vigente e deve ser respeitado,

sob pena de invasão de um órgão nas funções de outro.

Por mais relevante que seja concretizar os direitos fundamentais em um estado

Constitucional, não podemos esquecer que este Estado também é democrático e, por isso, há

outras normas estruturais do sistema constitucional às quais se deve prestar tanta reverência

quanto aos direitos fundamentais. Estes, por sua vez, não podem ser convertidos em um

instrumento insaciável, que devora a própria democracia e o espaço político e de autonomia

dos cidadãos. A defesa dos direitos fundamentais não pode levar ao sacrifício dos próprios

traços democráticos dos ordenamentos constitucionais.

A possibilidade de invasão excepcional do âmbito de decisão política poderá ser

admitida apenas e tão somente quando verificado que a Constituição, em matéria específica,

não deixou margem de conformação ao legislador, determinando a regulamentação em um

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certo sentido e o legislador houver editado uma norma desrespeitando o comando

constitucional (indo além ou aquém deste). É necessário, para haver a atuação do Tribunal

neste sentido, que a “vontade constitucional” esteja previamente determinada e que o

comando legal tenha desrespeitado essa intenção.

Certamente a atuação da Justiça Constitucional para promover os direitos

fundamentais é relevante, mas as suas funções devem ser exercidas dentro de limites

constitucionais, em conformidade com a opção política feita por um Estado Democrático de

Direito, no qual não há protagonismo de nenhum dos órgãos do Estado, mas o exercício

compartilhado da função de proteger e promover a supremacia da Constituição. Deste modo,

a liberdade de conformação do legislador e a autonomia moral e política dos cidadãos deve

ser respeitada, evitando assim uma atuação paternalista da Justiça Constitucional.

Uma atuação legítima do Tribunal Constitucional deve ser substantiva, porém,

conjunta com um exercício de autocontenção para não ultrapassar os limites constitucionais.

Sendo, ainda, indicado, para este objetivo consolidar um método de trabalho,

institucionalizando regras claras e uniformes para o processo constitucional.

Nesse contexto, a elaboração de um Código de Processo Constitucional é um passo

necessário para que os processos constitucionais ou constitucionalizados sejam regulados de

forma unitária, sistematizada e harmônica. As peculiaridades do processo objetivo, referentes

à massificação do debate e à participação da sociedade, nos levam a concluir que somente a

elaboração de um Código Processual Constitucional poderia promover o desenvolvimento

adequado, com a maior intensidade e clareza esperada de tais processos envolvendo a matéria

constitucional e que têm por fim promover e proteger os direitos e garantias constitucionais. É

relevante para proporcionar um controle e uma limitação adequada da Justiça Constitucional

estabelecer um paradigma processual específico. Todavia, alertando que estas normas

processuais não serão instituídas com a finalidade de limitar a defesa e a concretização da

Constituição por parte do Tribunal.

Deste modo, uma atuação da Justiça Constitucional comprometida com a proteção dos

direitos e garantias fundamentais é essencial para o desenvolvimento da sociedade e para

proporcionar uma identificação constitucional dos cidadãos. Porém, não podemos nos

esquecer que os meios democráticos de proteção dos valores constitucionais também devem

ser privilegiados, e nunca desrespeitados pela atuação dos órgãos que exercem a jurisdição

constitucional.

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