Mestrado em Administração Orientadora: Rebecca Arkader Rio de … · 2017-10-31 · universidade...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
RELAÇÕES DE FORNECIMENTO EM EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE IMPLANTAÇÃO RECENTE NO
BRASIL: UM ESTUDO DE CASOS
Francisco Eduardo Barros Pires
Mestrado em Administração
Orientadora: Rebecca Arkader
Rio de Janeiro
2003
ii
RELAÇÕES DE FORNECIMENTO EM EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL: UM ESTUDO DE CASOS
Francisco Eduardo Barros Pires Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. Aprovada por: ______________________________ - Orientadora
Prof. Rebecca Arkader COPPEAD-UFRJ ______________________________ Prof. Kleber Fossati Figueiredo COPPEAD-UFRJ ______________________________ Prof. Ricardo Miyashita FEN-UERJ
Rio de Janeiro
Março de 2003
iii
Pires, Francisco Eduardo Barros.
Relações de Fornecimento em Empreendimentos
Automobilísticos de Implantação Recente no Brasil: um estudo de
casos / Francisco Eduardo Barros Pires. Rio de Janeiro, 2003.
viii, 126 f.: il.
Dissertação – Universidade Federal do Rio de Janeiro -
UFRJ, Instituto de Pós-Graduação em Administração –
COPPEAD, 2003.
1. Produção Industrial. 2. Estratégia de Fornecimento.
2. Indústria Automobilística. 4. Dis sertação. I. Título
iv
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Prof. Rebecca, cujas críticas, incentivos, cobranças, atenção
dedicada e, sobretudo, ensinamentos foram imprescindíveis para realização desta
pesquisa;
À minha família pelo constante apoio durante o longo período de maturação desta
dissertação;
Aos professores Kleber Figueiredo e Ricardo Miyashita por terem aceitado participar da
banca com tanta prontidão;
Ao Alexandre, Eduardo, Cláudio, Frederico e Fabrício pelas ótimas entrevistas
concedidas;
Ao Leandro Hasegawa e Leonardo Uehara pelas indicações que viabilizaram as
entrevistas;
A toda equipe do Centro de Estudos em Logística pelo apoio e pelo tempo concedido
para que eu pudesse me dedicar a esta dissertação.
v
RESUMO
PIRES, Francisco Eduardo Barros. Relações de Fornecimento em Empreendimentos
Automobilísticos de Implantação Recente no Brasil: um estudo de casos. Orientadora:
Rebecca Arkader. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação.
O setor automobilístico brasileiro tem vivenciado um movimento de
modernização sem precedentes nos últimos sete anos, gerando grande exposição na
mídia local e diversos estudos conduzidos pela comunidade acadêmica nacional e
internacional.
A presente pesquisa teve como objetivo investigar as principais características das
relações de fornecimento entre montadoras e fornecedores adotadas nos
empreendimentos automobilísticos instalados no Brasil na segunda metade da década de
90. Mais especificamente, a pesquisa teve como objetivo verificar até que ponto os
empreendimentos automobilísticos recém-instalados no país estavam adotando políticas
de fornecimento condizentes com as melhores práticas do setor apontadas na literatura;
relatar eventuais dificuldades encontradas pelas montadoras na adoção das novas
práticas de fornecimento e identificar as vantagens competitivas percebidas a partir
destas formas de relacionamento.
Foram realizados estudos de caso em três dos grandes empreendimentos
automobilísticos recentemente instalados no Brasil. A partir das análises apresentadas
no estudo, pôde-se concluir que as políticas de fornecimento nos recentes
empreendimentos automobilísticos brasileiros têm se caracterizado por relações que
envolvem um longo horizonte de tempo, considerável grau de dependência mútua e, até
certo ponto, um compartilhamento de destinos entre montadoras e fornecedores. Não
obstante, o relacionamento tem também se caracterizado, em alguns momentos, por um
clima adversário devido a fortes pressões para revisão de preços.
vi
ABSTRACT
PIRES, Francisco Eduardo Barros. Relações de Fornecimento em Empreendimentos
Automobilísticos de Implantação Recente no Brasil: um estudo de casos. Orientadora:
Rebecca Arkader. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação.
The Brazilian automotive industry has undergone a modernization revolution over the
last seven years, generating a great number of articles that were published at national
and international magazines. This modernization movement has been referred to as a
“learning lab” to automotive practices.
This work is aimed at investigating the main issues of the buyer-supplier relationship
adopted at the assemblers with recent installed plants in Brazil. More specifically, this
research aims to check if the practices adopted in these plants matches the best practices
referred to by the literature; to describe the difficulties in the adoption of buyer-supplier
relationship best practices and identify competitive advantages perceived from these
practices.
Field research was conducted at three of the big recent installed automotive plants in
Brazil. From the analysis presented at this research, one can conclude that the buyer-
supplier relationship implemented by these assemblers on their new Brazilian plants are
based on long time frame relationships, some level of mutual dependency, and, to some
extent, shared goals and destinies. The relationship, however, has also been
characterized, at certain moments, as adversarial, given the existing strong pressure
towards price reductions.
vii
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 1
1.1. OBJETIVO 4
1.2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO 4
1.3. RECENTES EMPREENDIMENTOS NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA BRASILEIRA 6
2. REVISÃO DE LITERATURA 9
2.1. A CADEIA DE SUPRIMENTOS ENXUTA E GLOBAL 9
2.1.1. O Fornecimento Enxuto 9 2.1.2. O Fornecimento Globalizado 11 2.1.3. Mudanças no Posicionamento e Funções na Cadeia de Suprimentos 13 2.1.4. Evolução do Relacionamento entre Montadoras e Fornecedores 16
2.2 AS NOVAS PRÁTICAS NAS RELAÇÕES DE FORNECIMENTO 19
2.2.1. Reconfiguração da Base de Fornecedores 19 2.2.2. Informação, Capacitação e Tecnologia 31
2.3. A CADEIA DE SUPRIMENTOS EM NOVOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS 40
2.3.1. Os Caminhões e Ônibus da Volkswagen em Resende 40 2.3.2. O Carro Smart da Daimler-Benz na França 41 2.3.3. O Celta da General Motors no Rio Grande do Sul 42
2.4. AS NOVAS BASES DAS RELAÇÕES DE FORNECIMENTO – QUADRO CONCEITUAL 44
3. METODOLOGIA 48
3.1. PERGUNTAS DE PESQUISA 48
3.2. MÉTODO DE PESQUISA 49
3.3. ESCOLHA DOS CASOS 51
viii
3.4. COLETA E ANÁLISE DOS DADOS 51
3.5. LIMITAÇÕES DO ESTUDO 52
4. RESULTADOS 54
4.1. OS CASOS 54
4.1.1. A Montadora M1 54 4.1.2. A Montadora M2 67 4.1.3. A Montadora M3 81
4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS 95
5. CONCLUSÕES 107
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 118
ANEXOS ANEXO 1 ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS MONTADORAS
1
1. INTRODUÇÃO
O setor automobilístico brasileiro tem vivenciado um movimento de modernização sem
precedentes nos últimos sete anos, gerando tanto uma grande exposição na mídia local,
como diversos estudos realizados pela comunidade acadêmica nacional e internacional.
Estão aí envolvidas questões primordiais para a competitividade, tais como ganhos de
produtividade, iniciativas pioneiras no relacionamento montadoras-fornecedores,
aumento da capacidade produtiva e instalação de empreendimentos automobilísticos em
áreas tradicionalmente sem expressão neste setor industrial.
Como pano de fundo destas mudanças poderiam se citar, entre outros, os seguintes
eventos: a entrada de novos players no mercado brasileiro; a guerra fiscal entre estados
visando captar investimentos do setor; as fortes desvalorizações da moeda brasileira
ocorridas em 1999 e 2002; o acordo automotivo para o bloco econômico do Mercosul
(Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil); o ainda tímido avanço do Brasil como pólo
exportador de automóveis e as freqüentes oscilações ocorridas nas vendas internas nos
últimos sete anos.
Estas questões ajudam a traçar o atual cenário do setor automotivo brasileiro, cujas
mudanças estruturais parecem dever-se a uma adaptação progressiva aos novos
paradigmas mundiais referentes aos métodos de produção enxuta e suas conseqüências
sobre o relacionamento entre as montadoras e seus fornecedores. A filosofia e os
métodos de produção enxuta – desenvolvidos pelos japoneses a partir da década de 50 e
difundidos nos Estados Unidos a partir dos anos 80 – foram de fundamental importância
para o surgimento de novas formas de se conduzirem as relações de fornecimento no
setor automobilístico mundial. Práticas como o envolvimento dos fornecedores no
desenvolvimento de novos produtos, a produção e conseqüente entrega em pequenos
lotes em bases just in time, os contratos de longo prazo, os relacionamentos exclusivos e
a maior proximidade física dos fornecedores foram desenvolvidas a partir dos princípios
da produção enxuta, tendo como conseqüência direta aumentos de produtividade,
flexibilidade, rapidez e qualidade na indústria automotiva.
2
No Brasil, a adaptação do setor automotivo às novas formas de produção de veículos e
suprimento de componentes teve início, ainda que de forma tímida, a partir do final dos
anos 80, com a implementação pela Fiat de uma reconfiguração de sua base de
fornecedores junto a sua fábrica em Betim, em Minas Gerais, possibilitando a produção
em pequenos lotes e a utilização de práticas de just-in-time em parte do seu
fornecimento (FERRO, 1997).
A primeira metade dos anos 90 foi caracterizada por intenso processo de modernização
da indústria automobilística. Calcado no aumento da escala de produção, difusão das
técnicas de produção enxuta, novo enfoque para políticas de suprimento de autopeças e
maior automação, este processo resultou em significativo aumento de produtividade no
setor: o tempo de montagem de um veículo reduziu-se de 48 para 33 horas e a produção
por empregado elevou-se de 7,2 para 16,1 veículos/ano (FERRO, 1995).
O final dos anos 90 foi caracterizado por uma verdadeira revolução na indústria
automobilística brasileira que, a partir da construção de nove novas modernas fábricas –
ao custo total de aproximadamente US$ 5 bilhões (SIEKMAN, 2000) -, tem sido
referenciada como um grande laboratório de novas arquiteturas organizacionais de
relacionamento com fornecedores, que poderão, eventualmente, ser replicadas em outras
fábricas no mundo inteiro. Conforme tem sido veiculado em reportagens na imprensa
nacional e internacional, em nenhum outro lugar no mundo foram adotadas tantas
novidades ao mesmo tempo1. Dentre as características citadas nestas matérias, podem-se
ressaltar a adoção de novos conceitos de logística interna e externa, inovações
tecnológicas na área de produção, proximidade física e co- localização de fornecedores,
práticas de fornecimento em módulos e maiores investimentos no treinamento dos
operários.
1 Siekman, P. ,“No Brasil o melhor das montadoras”, Fortune Américas, 25.01.2000, p.9-12; Tim, B., “Ford to farm out key jobs in final assembly: Carmaker’s chief executive sees move as the model for future manufacturing”, Financial Times,04.09.1999; Edmunds, B., “Assembly gets even leaner”, Professional Engineering, 09.09.2000; Green, J. Manufacturing Revolution Underway in Brazil. Ward’s Auto World, August 1998.
3
Além disso, formou-se, no final dos anos 90, uma nova geografia da produção
automotiva no Brasil (FERRO, 1997). A instalação de novos pólos automotivos no
Paraná (S.J. dos Pinhais), Rio de Janeiro (Porto Real e Resende), Minas Gerais (Juiz de
Fora), Rio Grande do Sul (Gravataí) e Bahia (Camaçari) alterou sobremaneira a
configuração geográfica do setor, antes marcadamente concentrado em São Paulo, e
mudou também as características das relações com os operários, que nos novos locais
tendem a ser menos sindicalizados. Como um dos elementos motivadores para a
instalação dessas fábricas em locais de pouca tradição na indústria automobilística
brasileira pode-se ressaltar a atuação dos governos desses estados, que criaram
incentivos financeiros e fiscais para atrair os novos empreendimentos.
Vale ressaltar ainda que, concebidas durante os anos de 1996-97, quando a alta na
demanda de carros indicava que o mercado doméstico brasileiro poderia atingir vendas
de 2,5 milhões no período entre 2000-02, as novas fábricas já sentem a queda nas
vendas – que em 2000 ficaram em torno de 1,68 milhão e em 2001 em torno de 1,79
milhão (ANFAVEA, 2002) - e começam a ser confrontadas com grave problema de
supercapacidade da produção local. A necessidade de se tornar competitiva globalmente
surge, então, como fator premente para o sucesso da indústria automobilística brasileira,
que deve ser capaz de exportar sua capacidade excedente não só para os países do
Mercosul como também para o resto do mundo.
Os padrões de relacionamento com fornecedores nos recentes empreendimentos
automotivos instalados no Brasil, como um dos elementos que contribuem para a
competitividade desta indústria, constitui o tema deste trabalho.
Nesta pequisa, apresenta-se, inicialmente, uma revisão de literatura acerca das
principais tendências e práticas de fornecimento na indústria automobilística brasileira e
mundial. Nesta etapa é apresentado, adicionalmente, um modelo conceitual que resume
as novas bases das relações de fornecimento. Posteriormente, são apresentadas as
perguntas que se objetiva responder com este estudo e também o método de pesquisa
escolhido. Por fim, são apresentados um descritivo das informações obtidas nas
4
entrevistas realizadas, uma análise dos resultados obtidos a luz do modelo conceitual e
as conclusões finais desta pesquisa.
1.1. OBJETIVO
A presente pesquisa tem como objetivo investigar as principais características das
relações de fornecimento entre montadoras e fornecedores adotadas nos
empreendimentos automobilísticos instalados no Brasil a partir da segunda metade da
década de 90. Mais especificamente, a pesquisa tem como objetivo verificar até que
ponto os empreendimentos automobilísticos recém-instalados no país estão adotando
políticas de fornecimento condizentes com as melhores práticas do setor apontadas na
literatura; relatar eventuais dificuldades encontradas pelas montadoras na adoção de
novas práticas de fornecimento e identificar as vantagens competitivas percebidas a
partir destas formas de relacionamento.
A partir de uma pergunta de pesquisa geral: “Como se caracterizam os relacionamentos
entre as montadoras e seus fornecedores nos novos empreendimentos automobilísticos
no Brasil?”, a pesquisa foi orientada a questões específicas relativas à identificação das
práticas relativas ao paradigma de fornecimento enxuto que estão sendo adotadas, das
facilidades e barreiras encontradas para a implementação de novas práticas de
fornecimento, do grau de integração operacional e estratégico entre montadora e
fornecedores e do reflexo das políticas de fornecimento no desempenho dos novos
empreendimentos e na competitividade deste setor industrial.
1.2. RELEVÂNCIA DO ESTUDO
A relevância do presente estudo é decorrente das implicações das relações de
fornecimento para a competitividade industrial. Mais especificamente, pode-se dizer
que este estudo é relevante porque se propõe a verificar a adequação dos modelos de
fornecimento propostos na literatura aos recentes empreendimentos automobilísticos no
Brasil.
5
É importante ressaltar, adicionalmente, tratar-se de tema altamente presente na literatura
internacional e nacional, em revistas especializadas ou não, mas ainda objeto de poucos
estudos empíricos. Há, portanto, inúmeras questões acerca do mesmo ainda não
respondidas nos estudos nacionais e internacionais.
O trabalho de Arkader (1997), que investiga a introdução de novas práticas nas relações
de fornecimento na indústria automobilística brasileira, pode ser considerado marco
para o presente estudo que, apesar de não ter como objetivo uma atualização daquele
para a nova realidade da indústria automobilística nacional, tem como ponto de partida
algumas análises ali realizadas. Mais especificamente, as análises das relações de
fornecimento dos quatro tradicionais fabricantes de automóveis no país foram de grande
importância para o entendimento da realidade brasileira pré- instalação desses novos
empreendimentos.
Pode-se supor que os empreendimentos mais recentes, que começam a partir de novas
instalações2, já adotem em sua concepção conceitos mais colaborativos de
relacionamento com fornecedores, buscando, a partir de uma visão de gerenciamento da
cadeia de suprimentos (supply chain management) uma maior eficiência operacional ao
longo da mesma e uma conseqüente vantagem nos seus custos totais.
Considerada como um grande laboratório de novas e modernas práticas de produção e
de relações de fornecimento (SIEKMAN, 2000), a indústria automobilística brasileira
vem, como se viu, ganhando notoriedade e espaço na mídia especializada internacional.
Segundo Green (1998, p.30), por exemplo, “no coração do país mais populoso da
América do Sul, montadoras e fornecedores de autopeças estão se aproveitando de mão-
de-obra flexível e produção em baixa escala para criar um laboratório de aprendizado a
partir do qual espera-se tirar lições para serem aplicadas em outras fábricas ao redor do
mundo”.
2 Usualmente denominados de “greenfield”
6
O estudo do relacionamento de compra e venda entre os novos empreendimentos
automobilísticos e as empresas de autopeças surge, portanto, como questão relevante
para um melhor entendimento das particularidades desse laboratório de aprendizado.
A relevância do estudo é tanto maior devido à significativa participação do setor
automobilístico como um todo no Produto Interno Bruto Industrial do país –
aproximadamente 15,3% em 2000 (ANFAVEA, 2001) -, e da geração, pela indústria
automobilística, de aproximadamente 265 mil empregos (SILVA, 2000; e
SINDIPEÇAS 2002; ANFAVEA 2002).
1.3. RECENTES EMPREENDIMENTOS NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA
BRASILEIRA
Um resumo sucinto das principais características dos empreendimentos automobilísticos
instalados no Brasil desde 1997 é apresentado a seguir 3, para ilustrar o atual panorama
desta indústria no país4.
1.3.1. Honda
Planta Modelos Inauguração Investimento (U$)
Capacidade produção anual
Produção ano 2002
Produção / Capacidade
Sumaré-SP
Civic Sedan
Outubro 1997
300 milhões 30.000 veículos
20.564 veículos
69%
1.3.2. Toyota
Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)
Capacidade produção anual
Produção ano 2002
Produção / Capacidade
Indaiatuba-SP
Corolla Setembro 1998
150 milhões 24.000 veículos
18.572 veículos
77%
3 Fonte: Anfavea 2003, Siekman, P. ,“No Brasil o melhor das montadoras”, Fortune Américas, 25.01.2000, p.9-12;
7
1.3.3. Renault-Nissan
Planta Modelos Inauguração Investimento (U$)
Capacidade produção anual
Produção ano 2002
Produção / Capacidade
São José dos
Pinhais-PR
Scenic, Clio,
Frontier
Dezembro 1998
670 milhões 120.000 veículos
50.465 veículos
42%
1.3.4. Volkswagen-Audi
Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)
Capacidade produção anual
Produção ano 2002
Produção / Capacidade
São José dos
Pinhais-PR
Golf, Audi A3
Janeiro 1999
700 milhões 170.000 veículos
84.564 veículos
50%
1.3.5. Daimler – Chrysler
Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)
Capacidade produção anual
Produção ano 2002
Produção / Capacidade
Juiz de Fora-MG
Classe A Abril 1999 820 milhões 70.000 veículos
8.168 veículos
12%
1.3.6. General Motors
Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)
Capacidade produção anual
Produção ano 2002
Produção / Capacidade
Gravataí- RS
Celta Julho 2000 600 milhões 120.000 veículos
109.798 veículos
91%
1.3.7. Peugeot-Citröen (PSA)
Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)
Capacidade produção anual
Produção ano 2002
Produção / Capacidade
Porto Real-RJ
Peugeot 206 e
Picasso
Janeiro 2001
600 milhões 70.000 veículos
48.193 veículos
69%
4 As plantas apresentadas estão ordenadas pela data de inauguração - da mais antiga para a mais recente. A planta da
8
1.3.8. Ford
Planta Modelos Inauguração Investimento(U$)
Capacidade produção anual
Produção ano 2002
Produção / Capacidade
Camaçari-BA
Fiesta Outubro 2001
1,3 bilhões 250.000 veículos
~56.500 veículos
23%
Chrysler em São José dos Pinhais, fechada em 2001, não foi abordada neste resumo.
9
2. REVISÃO DE LITERATURA
O objetivo deste capítulo é apresentar as principais tendências de fornecimento na
indústria automobilística. Para tanto, inicia-se, a partir de uma visão mais estratégica,
com o que a literatura especializada identifica como sendo características modernas da
cadeia de suprimentos do setor. Em seguida, são apresentadas as práticas de
fornecimento consideradas pela literatura como best practices dessa indústria. São,
então, identificados e descritos os estudos anteriores referentes aos novos e modernos
empreendimentos automobilísticos mundiais. Por fim, é montado um quadro conceitual
que busca resumir as principais características, identificadas na literatura, para as novas
bases das relações de fornecimento. Este quadro tem como principal objetivo orientar a
pesquisa de campo e as respostas às questões tratadas neste estudo.
2.1. A CADEIA DE SUPRIMENTOS ENXUTA E GLOBAL
2.1.1. O Fornecimento Enxuto
O conceito de fornecimento enxuto, que se baseia em uma estratégia colaborativa ao
invés de antagônica (WOMACK et al, 1991), tem suas origens no Japão, refletindo uma
nova forma de se realizar o suprimento de componentes na produção enxuta
(LAMMING, 1993). Segundo Arkader (1997, p.74), “A terminologia e o conceito de
lean supply ou fornecimento enxuto surgiram a partir das práticas de fornecimento
identificadas com a produção enxuta”.
Womack et al. (1991), em seu livro seminal que difundiu no Ocidente o conceito de
produção enxuta – A Máquina que Mudou o Mundo – apresentam o conceito de
fornecimento enxuto como sendo a solução encontrada pela Toyota nos anos 50 para
estabelecer um novo enfoque para combate ao desperdício no suprimento de
componentes. As práticas introduzidas pela Toyota foram ali relatadas como sendo
baseadas em redução do número de fornecedores diretos da montadora; organização de
10
fornecedores em níveis funcionais com diferentes graus de responsabilidade;
partic ipação de fornecedores de primeiro nível no projeto de novos produtos; fluxo
horizontal de informações entre fornecedores de primeiro nível; coordenação do fluxo
de peças através do sistema just-in-time; participação acionária da montadora nas
empresas fornecedoras; financiamento para compra de maquinaria e compartilhamento
de recursos humanos.
Lamming (1993), em seu livro sobre estratégias para inovação e fornecimento enxuto,
considerou o modelo de fornecimento japonês, descrito acima, como limitado, uma vez
que as montadoras e os fornecedores desenvolveram em quase todos os casos um
relacionamento semelhante ao de parceiros seniores e juniores, ficando a colaboração
prejudicada pelo desbalanceamento de força entre eles. O modelo proposto por esse
autor para o fornecimento enxuto é baseado em uma modificação e extensão do modelo
japonês de parceria e formação de grupos de fornecedores - ou keiretsu5- em que se
sobressaem o aparecimento de fornecedores maiores e mais capazes; a presença desses
fornecedores em outros mercados para diversificação de risco e a necessidade de se
operar globalmente.
Um grande número de práticas mais colaborativas de fornecimento foram sendo
consolidadas mundialmente na indústria automobilística ao longo das décadas de 80 e
90 (CUSUMANO E TAKEISHI 1991, SAKO 1992, LAMMING 1993, NEW 1994).
Dentre estas podem-se citar a duração mais longa dos contratos, a redução na base de
fornecedores, a alteração nos critérios de seleção e avaliação de fornecedores, a política
de desenvolvimento de fornecedores, o aumento na freqüência e intensidade de troca de
informações entre as partes, o maior envolvimento dos fornecedores em projeto e
engenharia, as práticas de entregas freqüentes – just-in-time - e investimento em ativos
específicos.
5 Configuração de re lacionamento inter-firmas com fornecedores horizontalmente conectados e verticalmente integrados (LINCOLN, AHMADJIAN E MASON, 1998).
11
2.1.2. O Fornecimento Globalizado
Conforme mencionado por Santucci (1997), a indústria automobilística, antes baseada
em regiões, tranformou-se, nos últimos 15 anos, em uma indústria globalizada.
Anteriormente, a existência de uma produção de veículos local, com modelos
significativamente diferentes em cada país, não exigia que determinados componentes
fossem fornecidos por uma mesma empresa em nível global. Com a crescente produção
de plataformas comuns de veículos em várias regiões, surge uma lógica econômica para
a contratação de fornecedores globais para um componente específico ou um conjunto
de componentes.
O conceito de fornecimento global e de operações globalizadas é discutido por
Lamming (1993) em seu modelo de fornecimento enxuto, que considera que parte do
relacionamento de fornecimento deve ser baseado na disposição, por parte do
fornecedor, de prover serviços locais para a montadora em qualquer lugar no mundo.
Desta maneira, um fornecedor pode ser responsável por colaborações técnicas no
projeto de um motor ou automóvel desenvolvido em um determinado país e montado
em outro. Assim, qualquer fornecedor de primeiro nível que tenha bom desempenho
apenas em seu país de origem e não ofereça serviços similares em qualquer outro ponto
do mundo não seria considerado um competidor completo (LAMMING, 1993).
A adoção do fornecimento globalizado pode, adicionalmente, resultar na necessidade de
reformulação de estratégias corporativas anteriormente baseadas em troca de
informação e propriedade intelectual, como é o caso do relacionamento nas estruturas
de keiretsu (LINCOLN, AHMADJIAN E MASON, 1998). Um caso emblemático da
dificuldade de se manter um relacionamento montadora-fornecedor caracterizado por
alto grau de abertura de informações e conhecimento, em tempos de operações de
fornecimento globalizadas, seria aquele entre a Toyota japonesa e seu fornecedor Denso
Corp. (ex-Nippondenso). A partir da globalização do fornecimento da Denso, a forte
atuação do braço americano desta companhia (Denso International America, Inc.)
naquele mercado passou a incomodar a Toyota que, por sua vez, começou a temer pelo
12
vazamento de informações para seus concorrentes no território americano. O
enfraquecimento do comprometimento da Denso motivou a Toyota, detentora de 24%
de suas ações, a buscar novos fornecedores e a reduzir o grau de dependência existente
(LINCOLN, AHMADJIAN E MASON, 1998).
A recente estratégia das montadoras, visando reativar as vendas por meio de redução de
custos e aumento da variedade de modelos, seria consistente com a postura de se operar
globalmente com pequeno número de plataformas, a partir das quais as montadoras dão
origem a um grande número de modelos, e com a redução do número de fornecedores a
apenas aqueles com capacitação tecnológica e financeira para participar dos projetos
dos carros a serem produzidos globalmente (GAZETA MERCANTIL, 1997). Berry
(1999) ressalta que as montadoras estão se globalizando no que se refere a peças e não a
veículos, o que é coerente com a redução no número de plataformas produzidas ao
mesmo tempo em que se viabiliza o aumento no número de produtos ofertados ao
mercado.
Existe a expectativa, por parte de especialistas do mercado automotivo, de que a onda
de fusões no setor de autopeças venha a mudar sobremaneira a estrutura da indústria
(GAZETA MERCANTIL, 1997; VAN HOEK AND WEKEN, 1998; GALUZKA et al,
1999). Galuszka et al (1999), por exemplo, indicam a previsão de executivos da
indústria de que a base de fornecedores globais de primeiro nível deva se reduzir de
mais de mil empresas para cerca de 25 fornecedores financeiramente sólidos. Estes
fornecedores globais de primeiro nível seriam, na verdade, montadores de subsistemas
ou módulos que seriam produzidos a partir de componentes contratados aos seus
fornecedores de segundo nível. Ainda segundo este relato, o aumento da concentração
de fornecedores tenderia a fazer com que as montadoras se defrontassem com um
pequeno número de fornecedores de grande porte e com maior poder de barganha do
que os antigos fornecedores, conforme será discutido no item 2.1.4 mais adiante.
Adicionalmente, o movimento de aquisições e fusões no setor vem motivando o
aumento no grau de envolvimento dos fornecedores na agregação de valor ao produto
final (Baldwin e Clark, 1997). Estes mesmos autores relatam o caso dos fornecedores
13
Lear Seating Corporation, Magna International e Johnson Controls, que vêm comprando
outros fornecedores do setor, cada um tentando alcançar a liderança no setor de
fornecimento de bancos e módulos do interior dos carros.
No Brasil, segundo Santos (1996), os efeitos do fornecimento globalizado começaram a
ser percebidos a partir da vinda de novas montadoras para o país. Como a escolha dos
fornecedores para estes novos projetos geralmente se deu fora do país e resultou de
políticas de follow sourcing 6, as empresas brasileiras ficaram em desvantagem, tendo
que, quase que por uma imposição, associar-se aos principais fornecedores mundiais.
Ainda segundo este autor, uma provável conseqüência do aumento da concorrência de
empresas mundiais e da política de follow sourcing seria a de que algumas empresas
nacionais tivessem que passar a fornecer indiretamente, através de um fornecedor
estrangeiro, ou de capital estrangeiro, de primeiro nível.
2.1.3. Mudanças no Posicionamento e Funções na Cadeia de Suprimentos
O conceito de cadeia de suprimentos propõe que a competição no mercado ocorre, de
fato, no nível das cadeias produtivas e não apenas no das unidades de negócios isoladas
(ZIELKE E POHL, 1996). Segundo Pires (1998), o modelo competitivo atual, baseado
nas cadeias produtivas, tem levado a reformulações nas atividades de agregação de
valor em algumas indústrias. No caso da indústria automobilística, parte daquelas
tradicionalmente realizadas pelas montadoras tem sido transferida para seus
fornecedores diretos ou de primeiro nível, possibilitando às montadoras um melhor foco
no seu core business - não incluindo aí, necessariamente, o projeto e montagem de
veículos e motores (LAMMING, 1993).
Conforme salientado por Berry (1999), as montadoras estariam cientes de que a sua
maior oportunidade atual relacionada à economia de custos estaria no gerenciamento
eficiente da sua cadeia de suprimentos. Como parte deste movimento de melhor
gerenciamento da cadeia de fornecedores, Galuszka et al. (1999) citam a tendência de
6 Política em que o fornecedor segue geograficamente a montadora visando fornecer sua peça, para determinado carro, em qualquer lugar do mundo
14
os novos fornecedores de primeiro nível serem capazes de realizar cada vez mais
trabalhos de maior valor agregado, incluindo o projeto de engenharia e a produção de
seções inteiras dos automóveis, como o chassi e o sistema de direção.
Um modelo proposto por Lamming (1993) representa a evolução prevista para a
transferência das atividades de adição de valor no curto, médio e longo prazos na
indústria automobilística. Segundo este modelo, a montadora irá identificar o seu core
business e concentrará esforços nele; os fornecedores de primeiro nível irão absorver
parte do trabalho técnico repassado pela montadora e controlarão uma maior parte da
adição de valor na cadeia e os fornecedores de segundo nível irão continuar sendo
considerados apenas uma capacidade produtiva elástica até conseguirem desenvolver
capacitação técnica suficiente para começar a absorver parte da responsabilidade técnica
que já estará sobrecarregando os fornecedores de primeiro nível. A figura 2.1., a seguir,
resume o modelo proposto por Lamming (1993, p.213):
Figura 2.1. – Modelo Proposto por Lamming para o Posicionamento de Fornecedores na
Cadeia de Suprimentos da Indústria Automobilística
Montadora Primeiro Nível Segundo Nível
Longo Prazo
Responsabilidade Tecnológica
Montadora Primeiro Nível Segundo Nível
Curto Prazo
Responsabilidade Tecnológica
Montadora Primeiro Nível Segundo Nível
Médio Prazo
Responsabilidade Tecnológica
Alta
Média
Baixa
Nenhuma
15
Como conseqüência das novas atribuições dos fornecedores e montadores na cadeia de
suprimentos, um novo equilibrio de poder está surgindo (VAN HOEK E WEKEN,
1998). Diante desta nova realidade, o desafio para as montadoras seria:
“assegurar sua posição de liderança na cadeia, ao mesmo tempo em que permanecem dependentes de fornecedores que realizam a maior parte das tarefas operacionais na cadeia de suprimentos. De maneira a melhorar sua posição e o desempenho de toda a cadeia, as montadoras, como a Mercedes, devem focar a coordenação e integração dos participantes da cadeia utilizando sua visão global da tecnologia, processo de produção e especificação da arquitetura da linha de produção” (VAN HOEK E WEKEN, 1998, p.9).
A tendência apontada pela literatura (VAN HOEK E WEKEN, 1998; BALDWIN E
CLARK, 1997; SALERNO, DIAS E ZILBOVICIUS, 1999) é, portanto, a de
transformar a montadora em gerente do projeto, com menos atividades próprias de
montagem e logística.
Salerno, Dias e Zilbovicius (1999) sugerem que a partir do aumento das atividades de
projeto a serem realizadas pelos fornecedores, a tendência seria de uma menor
ingerência da montadora no controle dos custos de cada módulo, já que não seria mais
possível acompanhar o preço individual de cada peça componente do módulo.
Uma questão com conseqüências ainda mais estruturais é levantada por van Hoeck e
Weken (1998, p.46): “será possível para as montadoras manter a ponta em projeto e
desenvolvimento quando for aumentada a parcela de atividades realizadas por terceiros
e fornecedores?”. Ainda segundo van Hoeck e Weken (1998), a relação de poder do
setor, que sempre tendeu fortemente para o lado das montadoras, teria tido seus
fundamentos alterados a partir do estabelecimento, na década de 90, de relações de
interdependência baseadas em contratos de longo prazo, resultantes principalmente das
pressões competitivas no setor, que teriam levado a um maior envolvimento dos
fornecedores na cadeia produtiva.
16
Cabe citar novamente o caso de relacionamento entre a montadora Toyota e seu
fornecedor de primeiro nível Denso Corp. (ex-Nippondenso), relatado por Lincoln,
Ahmadjian e Mason (1998). Observou-se uma mudança de curso na conhecida
estratégia da montadora japonesa de se concentrar apenas no projeto e montagem de
carros sedans e terceirizar para seus fornecedores de primeiro nível, pertencentes a uma
forte estrutura de keiretsu, o desenvolvimento de grande parte de suas peças. A
mudança estratégica adotada pela Toyota foi a de verticalizar parte da produção de
peças eletrônicas, uma fonte de diferenciação competitiva cada vez maior nos
automóveis. Dois motivos poderiam ser apontados como causa desta guinada na
estratégia da Toyota: a relutância à dependência tecnológica em um item que não
dominava e que se tornava parte integrante do projeto e produção de automóveis e o
enfraquecimento do relacionamento montadora-fornecedor causado pelo crescente
envolvimento da Denso com os rivais americanos da montadora.
2.1.4. Evolução do Relacionamento entre Montadoras e Fornecedores
O estudo de Lamming (1993) relativo ao relacionamento cliente-fornecedor na indústria
automobilística propõe um modelo conceitual que caracteriza quatro fases cronológicas
no relacionamento entre montadoras e fornecedores. Esse modelo propõe as seguintes
fases: primeira fase – modelo tradicional, anterior a 1975: o fornecedor e o cliente
existem em indústrias separadas e só se encontram para realizar um negócio, o nível de
pressão é baixo e as renegociações são jogos ganha-perde; segunda fase – modelo de
stress, entre 1972 e 1985: tentativa desesperada de se cortar custos unitários através de
pressões sobre os preços praticados pelos fornecedores, a renegociação de preços se dá
através de jogos perde-perde; terceira fase – modelo resolvido, a partir de 1982:
melhorias no relacionamento fornecedores-montadora, com critérios de fornecimento se
baseando em preço, qualidade e entrega. A renegociação de preços é ganha-perde ;
quarta fase – modelo de parceria ou japonês, a partir de 1990: visão de gerenciamento
da cadeia de suprimentos e relacionamentos de longo prazo do tipo ganha-ganha.
17
Apesar de este modelo de Lamming ser apresentado segundo uma cronologia, o estudo
de Sako, Lamming e Helper (1995) aponta que na indústria automobilística britânica
estariam co-existindo modelos de parceria – originados da implantação de subsidiárias
de fabricantes japoneses neste país- com atitudes características de relacionamentos
adversários.
Ainda sobre a indústria automobilística britânica, Burnes e New (1997) realizaram um
estudo de caso sobre o relacionamento estratégico e operacional em uma parceria entre
a montadora Rover e o fornecedor TRW Steering Systems Ltd., em que, apesar de todos
os relatos sobre o sucesso do relacionamento em um nível operacional, ficou evidente
que no nível estratégico não houve o desenvolvimento de confiança e transparência,
afetando, inclusive, as negociações financeiras entre as empresas: “Apesar da
interdependência operacional entre as empresas, negociações de custos e outros
assuntos de alto nível podem ser conduzidos de maneiras não muito distintas de
negociações comerciais adversárias” (BURNES E NEW, 1997, p.15).
O estudo de Mudambi e Helper (1998) sobre as relações de fornecimento na indústria
automobilística americana descreve o modelo de relações “próximas mas adversárias”
como sendo típico nesse mercado. No estudo são utilizados dados de uma pesquisa
sobre relações de fornecimento nos EUA - realizada pelo International Motor Vehicle
Program (IMVP) em 1993 - a partir do qual testes estatísticos foram realizados para
comprovar a existência de um quadro de cooperação formal acompanhada de
comportamento não colaborativo. Segundo Mudambi e Helper (1998), dada a existência
no Ocidente de uma instituição legal muito mais forte do que a social, não é
surpreendente que os esforços cooperativos tenham se focado inicialmente em
mecanismos regulatórios. O próximo passo em direção a um quadro de maior
cooperação e confiança, em que os mecanismos legais se tornam secundários em
relação ao comprometimento informal, seria a criação de networks sociais.
Arkader (1997), em seu estudo sobre o relacionamento entre montadoras e fornecedores
na indústria automobilística brasileira, identificou duas dimensões principais para
caracterizar seu modelo descritivo da trajetória na direção do fornecimento enxuto ou de
18
parceria, as quais são: “a visão estratégica do fornecimento, ou a integração estratégica
dos fornecedores às montadoras, e a integração operacional estabelecida entre
montadoras e seus fornecedores” (ARKADER, 1997, p.327). Nesta pesquisa indica-se
que a caracterização de um modelo de fornecimento enxuto só se realiza efetivamente
quando há, no âmbito da montadora, uma convergência das estratégias de operações e
compras/relacionamento que chega a integrá-la operacional e estrategicamente à sua
base de fornecedores.
Esta mesma autora relata que a situação da indústria brasileira à epoca seria de
transição, com avanços modestos na direção de um modelo de fornecimento enxuto e
visão integrada de cadeia de fornecimento:
“[no Brasil] O hiato entre retórica e realidade na percepção dos relacionamentos mostra que ainda se está longe, de um modo geral, de uma integração de fornecedores às montadoras pela adoção de políticas de compras e relacionamento que considerem estrategicamente o papel dos fornecedores na busca de competitividade. Ou seja, os efeitos de eficiência pela integração operacional estariam sendo buscados sem se avançar necessariamente na direção de uma integração estratégica através da formação de redes montadora-fornecedores” (ARKADER, 1997, p.340).
Não obstante, determinada montadora brasileira é descrita por Arkader (1997) como
estando em um estágio mais avançado na integração estratégica que as suas
concorrentes. Nesse caso, a “inspiração no modelo japonês, aliada a uma cultura
organizacional e a uma estrutura favoráveis, age para encaminhar a montadora na
direção de uma integração convergente, tendo em vista a visão gerencial estratégica do
papel dos fornecedores como sustentação de ganhos de capacidade e alcance de
flexibilidade” (ARKADER, 1997, p.340).
Conforme colocado por Mudambi e Helper (1998), o desenvolvimento de confiança
entre montadora e fornecedores é muito difícil de ser imitado, podendo garantir uma
vantagem competitiva sustentável para as empresas. Ainda segundo esses autores, esse
tipo de confiança é mais difícil de ser obtida em algumas sociedades do que em outras,
19
sendo que quando obtida em sociedades em que o ambiente hostil à cooperação é a
norma, pode-se auferir vantagens competitivas ainda mais ressaltadas.
2.2 AS NOVAS PRÁTICAS NAS RELAÇÕES DE FORNECIMENTO
2.2.1. Reconfiguração da Base de Fornecedores
2.2.1.1. Seleção de Fornecedores
A seleção de fornecedores é considerada como a principal tarefa do departamento de
compras de uma empresa (MONCZKA et al., 1998), sendo seu principal objetivo a
“redução de risco e a maximização do valor para o comprador” (MONCZKA et al.,
1998, p.239). Este processo envolve uma série de variáveis estratégicas tais como
duração do relacionamento com o fornecedor, a escolha entre fornecedores nacionais
ou internacionais, o número de fornecedores e o tipo de produto (ELLRAM apud
ARKADER e LINDNER, 2001).
Sendo uma decisão que envolve análises multi-critérios, a seleção de fornecedores se
torna complicada por três motivos. O primeiro seria uma grande gama de opções de
fornecedores. Por exemplo, se o decisor tem 10 possíveis fornecedores para escolher
mas quer trabalhar com apenas três deles, então existem 120 possibilidades. Em
segundo lugar, em uma análise multi-critérios, geralmente não existe um fornecedor que
tenha o melhor desempenho em todas as variáveis analisadas, o que obriga à
comparação de desempenho em várias dimensões distintas. O terceiro motivo advém do
fato de que fornecedores podem alterar seu desempenho em critérios relevantes através
de investimentos específicos (WEBER, CURRENT e DESAI, 2000).
Dyer (2000), em seu estudo sobre a confiança no relacionamento entre montadoras e
fornecedores nos Estados Unidos, Coréia e Japão, conclui que os processos que as
montadoras usam para selecionar fornecedores para um novo modelo de carro pode
influenciar fortemente a relação de confiança que se estabelece entre este e o fornecedor
escolhido. Neste caso, é esperado que a confiança surja a partir de rotinas previsíveis e
20
consistentes do departamento de compras, que não promove trocas oportunísticas de
fornecedores.
A utilização de contratos de longo prazo na seleção de fornecedores é também apontada
por Dyer (2000) como tendo uma forte correlação positiva com o nível de confiança do
fornecedor escolhido.
Dyer, Cho e Chu (1998), em seu artigo sobre a segmentação estratégica de
fornecedores, descrevem os dois modelos de seleção de fornecedores amplamente
difundidos tanto por pesquisa acadêmica quanto pela prática de mercado. Aquele
considerado como “tradicional” ou modelo arm’s-length advoca a minimização da
dependência de fornecedores e a maximização do poder de barganha através de
contratos de curto prazo, frequentes “tomadas de preço” (rebidding), baixo nível de
troca de informação e investimentos em ativos específicos e aumento do número de
fornecedores.
O outro modelo transcende a etapa de seleção de fornecedores e é muitas vezes
chamado de modelo de parceria ou relacionamento japonês. O processo de seleção para
este tipo de envolvimento entre cliente-fornecedor envolve características como pré-
seleção baseada em multiplos critérios, contratos de longo prazo, foco no custo total do
fornecimento, fornecedor único com envolvimento no projeto, avaliação de desempenho
complexa e investimentos substanciais em mecanismos de coordenação e ativos
específicos (DYER, 1996).
Cox (2001) também se refere a dois modelos antagônicos de escolha de fornecedores
visando a melhor apropriação de valor das relações de fornecimento. O primeiro modelo
visa uma alavancagem na negociação com os fornecedores de primeiro nível, através de
ganhos de escala e ameaças de troca de fornecedores. O segundo modelo é baseado em
uma visão de gerenciamento integrado da cadeia de fornecimento e busca na etapa de
seleção identificar aqueles fornecedores com potencial para serem desenvolvidos pró-
ativamente, visando uma alteração radical nas ofertas de fornecimento obtidas pelo
comprador.
21
Uma aplicação prática destes dois modelos pode ser identificada na indústria
automobilística, onde a General Motors tem, historicamente, utilizado um modelo
adversário de seleção de fornecedores, enquanto a Toyota tem empregado um modelo
de parceria. No caso da General Motors, durante o comando de Jose Ignacio Lopez de
Arriortua, fala-se de economias de curto prazo da ordem de U$3 a 4 bilhões a partir do
incentivo à competição entre fornecedores. Já no caso da Toyota, sua filosofia de
seleção de fornecedores para parcerias de longo prazo tem resultado em ganhos
expressivos em reduções de estoque, qualidade e velocidade de desenvolvimento de
novos produtos (DYER, CHO e CHU, 1998).
Conforme mencionado por Cox (2001), o desenvolvimento de uma competência efetiva
na seleção de fornecedores requer que os profissionais possuam um conhecimento das
ferramentas e técnicas que norteiam tanto o modelo adversário de seleção de
fornecedores (modelo arm’s length) quanto a seleção para futuro desenvolvimento de
fornecedores (modelo de parceria). Mais do que isto, esta competência requer que os
profissionais entendam as circunstâncias de poder em que eles estão, para então decidir
qual modelo de escolha de fornecedores devem buscar.
2.2.1.2. Redução da Base de Fornecedores
Há uma tendência na literatura em indicar que o novo paradigma de fornecimento
implica uma menor base de fornecedores para o cliente final (ARKADER, 1997). Uma
motivação econômica para esta redução estaria na criação de valor pela existência de
economias de escala e benefícios de curva de experiência que diminuem tanto os custos
de transação quanto os custos de produção (DYER e OUCHI, 1993).
Dyer, Cho e Chu (1998) ressaltam que os custos administrativos ou transacionais
associados com o gerenciamento de um grande número de fornecedores tipicamente são
maiores que os bene fícios. Segundo estes mesmos autores, dividir compras em
múltiplos fornecedores reduz significativamente a oportunidade destes de alcançar
economias de escala.
22
Há críticas quando se analisa a redução da base de fornecedores. Santucci (1997) relata
que cada vez mais os ganhos por economias de escala estão sendo reduzidos pela
necessidade de flexibilidade na produção. O mesmo autor argumenta ainda que, em
alguns casos, face à atual demanda por variedade de produtos, não existe ganho
significativo em se trabalhar com menos fornecedores, já que o custo do produto seria o
mesmo vindo de um grande ou de um pequeno fornecedor. A única redução de custo
ressaltada seria na área de compras, que poderia ser reduzida.
A utilização de uma pequena e seleta base de fornecedores selecionados no princípio do
desenvolvimento de produtos é indicada por Womack et al. (1991) como sendo um dos
pilares do suprimento de componentes na produção enxuta. A este conceito de reduzida
base de fornecedores adiciona-se a organização vertical em diferentes níveis de
responsabilidade: “O número de fornecedores se reduz de um terço a um oitavo em
comparação ao das companhias de produção em massa, porque os produtores enxutos
designam todo um componente – por exemplo, bancos – ao que chamam de fornecedor
de primeiro nível” (WOMACK ET AL., 1991, p.141).
Lamming (1993) considera a existência de uma pequena base de grandes e talentosos
fornecedores uma condição necessária para o aparecimento do seu conceito expandido e
modificado de fornecimento enxuto. A analogia algumas vezes utilizada é a da
formação de um pequeno círculo de amigos próximos. Essa reconfiguração na base de
fornecedores pode ser obtida através das seguintes medidas: remoção de fornecedores
que não cumprem os níveis requeridos de desempenho no sistema de garantia da
qualidade; remoção de fornecedores considerados como segunda ou terceira opção no
fornecimento de determinada peça; integração de vários componentes em sub-sistemas
ou módulos e realocação dos fornecedores de componentes menores para fornecimento
aos fornecedores integradores ou modulistas (LAMMING, 1993).
Van Hoek e Weken (1998) descrevem o atual movimento de redução do número de
fornecedores como sendo ainda mais acentuado, a partir do surgimento do conceito de
produção modular e co- localização que, na prática, derruba as fronteiras entre
23
fornecedores e montadora e faz surgir alguns poucos fornecedores chamados de nível
zero instalados dentro da fábrica da montadora.
2.2.1.3. A Modularização do Fornecimento
O conceito de modularização, isto é, montagem de um produto complexo a partir de
subsistemas menores que podem ser projetados independentemente, mas que funcionam
juntos como um só, é utilizado em larga escala na indústria de computadores desde
1964 (BALDWIN E CLARK, 1997). O seu objetivo final é diminuir a complexidade do
produto fabricado, ao mesmo tempo em que se aumenta a variedade de ofertas para o
consumidor, através da utilização de módulos genéricos e intercambiáveis que se juntam
em um grande número de produtos acabados (VAN HOEK E WEKEN, 1998).
Murray e Sako (1999), em seu artigo que compara a adoção da modularização nas
indústrias de computadores e na automobilística, identificam diferenças na motivação
para adoção deste tipo de estratégia. Enquanto na indústria de computadores a
modularização da produção foi demandada pelos clientes que buscavam
compatibilidade entre sistemas, facilidade para fazer upgrades e retenção de peças
originais de seus computadores, na indústria automobilística a modularização visou a
redução de complexidade, investimentos em ativos e custos de montagem.
Swiney e Lane (1999) indicam a modularização como sendo um caminho viável para o
desenvolvimento de uma capacidade de se oferecer simultaneamente customização em
massa e resposta rápida ao consumidor. Smith apud Swiney e Lane (1999) aponta o
caso da Dell Computer Corporation como sendo um exemplo atual de como conseguir o
objetivo acima a partir de uma mudança radical dos atuais paradigmas de gerenciamento
de operações, calcando-se, além da modularização, nos seguintes pontos: (a)
estabelecimento de uma base de fornecedores pequena e estável; (b) produção e envio
do produto em até três dias do recebimento do pedido; (c) produção puxada (contra
pedido apenas); (d) política de estoque zero.
24
A modularização como solução para uma complexidade crescente dos produtos de
consumo é também defendida por Baldwin e Clark (1997), que relatam uma outra
vantagem dos produtos modularizados, na indústria de computadores: o fato de
diferentes empresas estarem trabalhando independentemente em módulos impulsiona
um grande aumento na taxa de inovação do setor. Esse aumento na taxa de inovação
pode ser explicado pela ampliação do número de experimentos paralelos realizados
pelas diversas empresas responsáveis pelo projeto de cada módulo.
A redução de custos logísticos é apontada por van Hoek e Weken (1998) como sendo
uma das vantagens da modularização de produtos, obtida através da economia em
custos de estoque (espaço físico e custo de oportunidade) e custos de transporte de
produtos em processo. A lógica por trás dessas economias pode ser atribuída à
capacidade de se reduzir o número de componentes do processo de manufatura e à
utilização do conceito de postponement para a finalização do produto já no canal de
distribuição.
Dentro da indústria automobilística, o conceito de modularização foi inicialmente
desenvolvido pela Fiat na década de 80 visando o aumento da automação devido a
crescentes problemas trabalhistas (MURRAY e SAKO, 1999). Já a adoção da
terceirização da modularização e do desenvolvimento de peças ainda não foi
amplamente explorado, cabendo, normalmente, à montadora o desenvolvimento dos
componentes e a subcontratação de subsistemas:
“Companhias automobilísticas fabricam rotineiramente os componentes de um automóvel em diferentes localizações e depois as juntam para a montagem final. Elas podem assim proceder porque especificaram precisa e completamente o projeto de cada peça. Neste contexto, o projeto de engenharia de uma peça (suas dimensões e tolerâncias) servem como a informação visível do sistema de produção, permitindo que um processo complicado seja dividido entre fornecedores. Esses fornecedores podem inovar no que diz respeito aos processos de produção ou logística, mas, diferentemente da indústria de computadores, eles historicamente tiveram pouca ou nenhuma ingerência sobre o projeto dos componentes”. (BALDWIN E CLARK, 1997, p.86).
25
Ainda segundo Baldwin e Clark (1997), a tendência atual das grandes montadoras do
setor automobilístico, não obstante, tem sido de alteração do sistema rígido de projeto
centralizado que vem vigorando desde o começo do século passado. Sob intensa pressão
para reduzir custos, acelerar a taxa de inovação e melhorar a qualidade do setor, os
projetistas e engenheiros estão hoje procurando novas formas de compartilharem o
desenvolvimento dos complexos sistemas eletro-mecânicos dos carros.
Em resposta a essas pressões, o conceito de modularização da produção no setor
automobilístico tem sido experimentado em diferentes níveis a partir de iniciativas das
grandes montadoras mundiais. Dentre os casos relatados pela literatura, dois se
destacam pelo grau de aplicação do conceito e o número de citações nos estudos
acadêmicos: (a) a fábrica de carros SMART da Daimler-Benz em Hambach, França e
(b) a fábrica de caminhões e ônibus da Volkswagen localizada em Resende, Brasil
(BALDWIN e CLARK, 1997; PIRES, 1998; VAN HOEK e WEKEN, 1998;
SWEENEY e LANE, 1999).
É interessante perceber uma outra motivação, conforme relatada por Galuzka et al
(1999), para a adoção de fornecimento modularizado nos Estados Unidos: a redução de
custos de mão de obra. Esta pode ser atribuída aos menores custos trabalhistas dos
empregados das empresas de autopeças, que em apenas 10% dos casos são
sindicalizados. Ironicamente, o mesmo motivo que empurra a indústria para a
modularização gera entraves à difusão deste novo conceito, já que o sindicato dos
trabalhadores das montadoras nos Estados Unidos (UAW) seria ferrenho opositor ao
movimento de modularização.
Segundo Murray e Sako (1999), a escolha estratégica a ser feita pelas montadoras da
indústria automobilística é entre permanecerem integradas ou se tornarem modulares.
Aquelas que optarem pela integração irão reter controle de todo o projeto e processos de
produção demandando investimentos contínuos nestas duas áreas. Este tipo de escolha
mantém a montadora com a liderança tecnológica na cadeia, além do total controle
sobre a qualidade e complexidade da produção. Os problemas associados com este tipo
de escolha são: departamento de P&D muito grande; necessidade de grande diversidade
técnica; alto investimento em ativos e complexidade na produção.
26
Já aquelas que optarem pela estratégia modular irão partir para projetos em módulos e
tranferir a complexidade da produção para seus fornecedores. Irão depender
crescentemente de seus fornecedores para conhecimentos relacionados à produção e
projeto. Neste caso, as montadoras perderão sua liderança técnica, mas continuarão a
reter seu valor através da marca, serviços ao consumidor, design do produto e inovações
conceituais nos automóveis. A estratégia de modularização propicia, adicionalmente,
que a montadora possa reduzir investimentos e aumentar sua presença global.
2.2.1.4. Utilização de Ativos Especializados
O termo “especificidade de ativo” refere-se à intensidade com que determinado
investimento, feito para ser usado em determinada transação, tem um valor mais alto
para aquela transação do que se fosse aproveitado em qualquer outra função
(MCGUINESS, apud LONSDALE, 2001). Investimentos de alta especificidade têm,
portanto, valor muito baixo, ou irrisório, fora da sua função original (LONSDALE,
2001).
Considerado por Dyer e Ouchi (1993) como sendo um dos três benefícios econômicos
(junto com a redução do número de fornecedores e a competição forçada) que tornam o
relacionamento tipo japonês mais eficiente do que os outros, a utilização de ativos
específicos ou especializados pode ser segmentada em três tipos: 1) investimentos
geograficamente específicos, com plantas dedicadas a um cliente em particular,
viabilizando a melhoria da coordenação do fornecimento e a redução de custos em
estoques e transporte; 2) investimentos em equipamentos especializados como
ferramentas, moldes e maquinário a serem utilizados para um cliente específico e 3)
investimento em capital humano através do desenvolvimento de know-how
especializado para atender determinado cliente.
A literatura sobre a especificidade de ativos refere-se constantemente à teoria de custos
de transação (NISHIGUCHI e BROOKFIELD, 1997; NOOTEBOOM ET AL , 2000;
LONSDALE, 2001), mais particularmente à obra de Oliver Williamson (1985) que
27
identifica as duas dimensões mais importantes do comportamento de negócios como
sendo a “imperfeição da informação” e a “propensão do homem econômico a agir
oportunisticamente”. A partir desta teoria, considera-se que caso as partes - comprador
e fornecedor - não contribuirem equivalentemente no investimento do ativo específico,
aparecerá uma dependência pós-contratual, causando um desequilibrio de poder no
relacionamento. Isto se daria porque o lado que fez a maior parte do investimento
relutaria em terminar o relacionamento, tendo em vista que significaria perder o
investimento inicialmente feito (NISHIGUCHI e BROOKFIELD; 1997, LONSDALE,
2001).
Dyer e Ouchi (1993) identificam que fornecedores japoneses investem substancialmente
mais em ativos específicos, principalmente em instalações próximas geograficamente,
do que os americanos, o que seria um claro indicativo de que os fornecedores japoneses
são fortemente dependentes destas montadoras, com uma real possibilidade de
exploração oportunística por parte das últimas. Verifica-se, porém, que as montadoras
japonesas são também significativamente dependentes de seus fornecedores. Isto se dá
pelo fato de que grande parte do conhecimento relativo às peças fornecidas pelas
mesmas permanece como know-how interno dos fornecedores, significando que a troca
dos mesmos também seria bastante custosa para as montadoras. Este tipo de
investimento mútuo em ativos especializados cria interdependência, o que, por sua vez,
cria incentivos para a cooperação mútua (DYER e OUCHI, 1993).
Este mecanismo de cooperação ou dependência mútua foi também identificado por
Nooteboom et al. (2000), que o chamaram de “loop de comprometimento em interesse
próprio”, em seu estudo na indústria automotiva americana. Segundo estes autores,
investimentos específicos aumentam a dependência e criam, portanto, uma oportunidade
de comportamento oportunístico pelo parceiro. Ao mesmo tempo, este mesmo
investimento em ativo específico pode aumentar o valor ímpar que é criado para o
parceiro, diminuindo a tendência a agir de forma oportunística.
Arkader (1997), em seu estudo sobre as relações de fornecimento na indústria
automobilística brasileira, diferencia investimentos operacionais e genéricos em ativos
28
específicos – “estritamente necessários ao atendimento às necessidades da produção” ...
“daqueles revestidos de características estratégicas – investimentos em
empreendimentos conjuntos de montadora e fornecedor, investimentos de fornecedores
em sistemas específicos para comunicação com seus clientes, para entregas ou projeto,
equipamentos e embalagens para entregas especiais, estruturas para submontar
componentes e realizar entregas de maior valor agregado e fábricas para atender a
determinadas montadoras em locais específicos” (:317) – estes sim, denotando um
comprometimento de longo prazo com a continuidade do relacionamento e criando uma
significativa interdependência entre as partes.
2.2.1.5. Localização Geográfica dos Fornecedores
A localização geográfica dos fornecedores não tem sido tratada como uma condição
estritamente necessária para o estabelecimento de modelos de fornecimento calcados no
sistema de produção enxuta (LAMMING, 1993; ARKADER, 1997; SALERNO, DIAS
E ZILBOVICIUS, 1999). Segundo Lamming, “não existem evidências que sugiram que
a proximidade geográfica é uma parte necessária do fornecimento enxuto: várias
companhias no Japão, nos EUA e na Europa estão alcançando entregas just-in-time a
partir de distâncias consideráveis” (1993, p.198).
Segundo Arkader, “a questão da proximidade dos fornecedores como requisito para o
fornecimento JIT é bastante discutida na literatura. Aponta-se que, devido à necessidade
de se entregarem pequenos volumes com grande freqüência, a proximidade, mesmo que
não imperativa, seria uma evidente vantagem competitiva” (1997, p.56). Essa vantagem
competitiva é resumida por Salerno, Dias e Zilbovicius (1999), como sendo decorrente
de redução de custos logísticos, redução de estoques a partir de entregas just-in-
sequence e melhoria do serviço prestado pelo fornecedor à montadora, através de maior
agilidade na resolução de problemas de qualidade ou entrega.
O trabalho de Salerno, Dias e Zilbovicius (1999) estuda novas formas de relações de
fornecimento e configurações geográficas que vêm sendo adotadas pelo setor em novos
empreendimentos automobilísticos, ressaltando a existência de duas correntes: o
29
Condomínio Industrial e o Consórcio Modular. O Condomínio Industrial teria como
característica a escolha pela montadora dos seus fornecedores de primeiro nível que
devem se instalar nas proximidades da fábrica e fornecer sub-montagens. A localização
desses fornecedores seria definida no contrato de fornecimento. No caso do Consórcio
Modular, os fornecedores (chamados de modulistas) estariam instalados dentro da
montadora e seriam responsáveis pela montagem final do carro. Esses fornecedores
seriam também escolhidos pela montadora, e um contrato especial seria assinado,
incluindo cláusulas de amortizações do investimento em instalações, feito por cada
fornecedor.
O modelo de co- localização, chamado por Salerno, Dias e Zilbovicius de Consórcio
Modular, aparece repetidamente na literatura juntamente com o conceito de produção
modular, tratado anteriormente neste trabalho. Van Hoek e Weken (1998, p.45) relatam
que uma das conseqüências desse modelo de co-localização é o aumento da competição
entre os fornecedores visando a posição mais próxima da montadora: “como indicação
dessa competição acirrada, os fornecedores ‘a um passo de distância’ com entregas just-
in-time podem não estar (fisicamente) próximos o suficiente das montadoras. De fato, os
novos fornecedores de primeiro nível podem ser chamados de fornecedores de nível
zero”.
2.2.1.6. Global Sourcing
Muitas vezes confundida com as práticas de fornecimento internacional, que se referem
às atividades de fornecimento entre comprador e cliente de países diferentes, as práticas
de global sourcing implicam integração e coordenação das informações, da estratégia e
dos requerimentos de fornecimento entre todas as unidades de negócio da empresa em
um nível global (Monczka et al, 1998).
O Global sourcing é algumas vezes visto como chave para barganhar preços com os
fornecedores, pois as montadoras podem utilizar um preço único em qualquer lugar do
mundo, principalmente para itens de uma mesma plataforma (Arkader, 1997; Salerno,
Dias e Zilbovicius, 1999). Apesar de cada firma ter suas próprias razões para adotar o
30
fornecimento global, as razões predominantes são benefícios relativos ao custo/preço, à
qualidade, ao acesso à tecnologia e ao fato de a fonte internacional ser a única
disponível (Monczka et al, 1998).
Hellman (1998), discutindo as vantagens e desvantagens do global sourcing e do
fornecimento com proximidade geográfica, aponta uma solução combinada dos dois
conceitos como sendo a mais eficiente operacionalmente. O atual modelo de
concentração de fornecedores junto às novas plantas das montadoras é questionado, uma
vez que normalmente é baseado na instalação de fornecedores visando o atendimento da
capacidade máxima da planta, o que pode vir a ser prejudicial tendo em vista a
característica cíclica desta indústria. A saída apontada seria a de prover as plantas de
fornecimento com técnicas modernas de global sourcing para suprir eventuais picos de
demanda.
Salerno, Dias e Zilbovicius (1999), em seu estudo sobre global sourcing e proximidade
nos novos empreendimentos automobilísticos no Brasil, apontam o antagonismo entre
os conceitos de global sourcing, incentivado pela globalização da economia, e de
fornecimento próximo, considerado como peça-chave no relacionamento fornecedores-
montadora que adotam o just-in-time. O mesmo trabalho, porém, apresenta essa
dicotomia como um falso dilema, uma vez que as questões logísticas e de custos é que
definem a viabilidade de se descentralizar o fornecimento de acordo com cada nova
planta.
Os mesmos autores ressaltam, ainda, que, no Brasil, a utilização de práticas de global
sourcing para commodities e componentes de alta tecnologia teve seu apogeu durante os
anos de supervalorização da moeda local (1994-1998) associada a baixas alíquotas de
importação de autopeças. Neste período – com a demanda e produção crescentes até
1997 - estoques de até três meses ou mais ocorriam para operacionalizar o fornecimento
global. A desvalorização da moeda local ocorrida no início de 1999 estaria levando
agora as montadoras a uma tentativa de reduzir ao mínimo possível o fornecimento
internacional.
31
2.2.2. Informação, Capacitação e Tecnologia
2.2.2.1. Troca de Informação
Um alto grau de compartilhamento de informações entre fornecedores e clientes tem
sido apontado na literatura especializada como sendo um dos pilares do comportamento
colaborativo em que é baseado o modelo de parceria ou modelo japonês de
subcontratação (CLARK, 1989; WOMACK et al, 1991; DYER e OUCHI, 1993;
DYER, CHO e CHU, 1998).
Womack et al (1991) relatam diferentes níveis de troca de informações relacionados ao
suprimento de componentes na produção enxuta. Um dos níveis é referente ao
compartilhamento, por parte dos fornecedores, de uma parte substancial de suas
informações internas sobre custos, visando uma análise de valor dos componentes
supridos. Um outro nível é relacionado com a operação de entrega de componentes e é
chamado de kanban. Neste caso, a troca de informações é utilizada para coordenação do
fluxo de peças no sistema de suprimentos. Uma terceira forma de comunicação muito
utilizada entre as montadoras e fornecedores no suprimento de componentes na
produção enxuta se tornou necessária para a participação integral dos fornecedores no
desenvolvimento conjunto de novos produtos. Neste caso, a troca de informação se dá
tanto pela presença de engenheiros dos fornecedores na montadora, quanto nas visitas
técnicas efetuadas pelas montadoras na fábrica do fornecedor. Este desenvolvimento
conjunto de projetos de engenharia é melhor detalhado no item (2.2.2.3.).
Womack et al (1991) mencionam, ainda, a existência de uma prática de troca constante
de informações nas suas associações de fornecedores. Estas associações são também
consideradas extremamente importantes na disseminação de novas concepções, como
32
foram o controle estatístico de processos (CEP), o controle total da qualidade (CTQ) e o
projeto auxiliado por computador (CAD).
Dyer (1996), em seu artigo sobre como a Chrysler criou uma estrutura do tipo keiretsu
em sua base de fornecedores americanos, cita o aumento na comunicação entre
fornecedores e entre fornecedores e montadora como sendo um dos pontos mais
importantes desta sua iniciativa. Neste caso, o aumento na intensidade da comunicação
se deveu a: 1) aumento do número de engenheiros dos fornecedores “residentes” na
montadora; 2) criação de um conselho com executivos de seus 14 fornecedores mais
importantes; 3) reuniões trimestrais com fornecedores para discutir questões estratégicas
e de desempenho e para analisar as prioridades para o ano seguinte.
Em seu estudo sobre o mercado brasileiro, Arkader (1997) cita que a troca de
informações, antes escassa, não parece mais ponto de atrito entre montadoras e
fornecedores no mercado brasileiro. Segundo esta autora, “tem havido por parte dos
fornecedores consideráveis investimentos em sistemas de comunicação para entregas e
projetos específicos aos relacionamentos com as montadoras-clientes, que denotam a
expectativa de fornecimentos mais longos” (:316). Registra-se adicionalmente a
existência de feedbacks de desempenho para os fornecedores.
É interessante perceber que as melhorias no fluxo de informações tem sido relatadas
mesmo em relacionamentos considerados pouco colaborativos. As informações trocadas
neste caso seriam aquelas consideradas não estratégicas e que não afetam a
vulnerabilidade das empresas com relação a comportamentos oportunísticos pelo
parceiro (MUDAMBI e HELPER, 1998).
2.2.2.2. Desenvolvimento de Fornecedores
Southey apud Arkader (1997, p.100), define o desenvolvimento de fornecedores como
sendo: “o processo de ajudar os fornecedores existentes a desenvolverem e melhorarem
sua capacitação e desempenho como um todo na direção da meta de atender e servir às
33
necessidades do cliente imediato (e final) da maneira mais eficaz em custos e eficiente
em termos de recursos”.
O desenvolvimento de fornecedores é normalmente visto como uma alternativa viável
para montadoras que não querem integrar-se verticalmente, não possuem fácil acesso a
uma base de fornecedores altamente capacitados e querem manter um alto grau de
comprometimento com seus fornecedores existentes (MACDUFFIE e HELPER, 1997).
Segundo Stuart et al. (1998), a Toyota, considerada um dos ícones nas práticas de
desenvolvimento de fornecedores, utiliza uma associação de fornecedores conhecida
como kyoryoku kai para difundir seu best practice e proporcionar o desenvolvimento de
longo prazo da sua base de fornecedores. Essas associações são relatadas por estes
autores como tendo as seguintes funções: estabelecer padrões de controle de qualidade;
facilitar a interação entre fornecedores e realizar fóruns com o objetivo de criar um
relacionamento de confiança entre os membros da associação. A Toyota tem como
objetivo adicional estimular que seus fornecedores de primeiro nível criem associações
semelhantes para os demais níveis da sua estrutura de fornecimento, criando, assim, um
efeito cascata no desenvolvimento de fornecedores.
O desenvolvimento de fornecedores é muitas vezes considerado como sendo uma das
estratégias necessárias para obtenção de uma política de suprimento enxuto. Lamming
(1993) considera a política de desenvolvimento de fornecedores uma conseqüência
natural do compartilhamento de custos entre fornecedores e clientes, uma vez que, a
partir da transparência de custos, esforços conjuntos podem ser realizados visando a
racionalização do processo de adição de valor.
MacDuffie e Helper (1997) também consideram que o processo de desenvolvimento de
fornecedores enxutos é uma condição necessária para a adoção de um modelo de
produção enxuta por parte das montadoras. Neste modelo, os fornecedores enxutos
seriam responsáveis pelo desenvolvimento de produtos, seriam altamente confiáveis
com relação à qualidade e entrega e teriam capacidade para respostas rápidas frente às
exigências das montadoras.
34
Lamming (1993) cita o caso das montadoras japonesas nos EUA que, percebendo a
necessidade de melhoria na base de fornecedores locais, investem pesadamente no
desenvolvimento de seus fornecedores (MACDUFFIE E HELPER, 1997).
A partir de um estudo de caso da Honda no desenvolvimento de fornecedores enxutos
nos EUA, percebe-se que mecanismos de transferência de conhecimento para o
desenvolvimento de fornecedores requerem um alto nível de investimento em tempo e
capital, o que é apenas compatível com relacionamentos de longo prazo.
Conforme descrito por Womack et al. (1991), o desenvolvimento de fornecedores
viabiliza a adoção de políticas de transparência de custos e conceitos de engenharia de
valor, que permitem uma análise racional dos custos envolvidos em cada etapa da
cadeia produtiva.
O modelo de desenvolvimento de fornecedores envolvendo apenas uma relação um-
para-um entre montadora e fornecedor é criticado por Stuart et al. (1998) por suas
limitações em promover um desenvolvimento mais abrangente e por restringir o escopo
das inovações. Segundo esses mesmos autores, os programas de desenvolvimento de
maior sucesso envolvem atividades como: compartilhamento de informações;
programas conjuntos de redução de desperdício; engenharia de valor; transparência de
custos e difusão de tecnologia, devendo englobar não só o relacionamento independente
de cada fornecedor com a montadora, mas também o relacionamento entre fornecedores
através de suas associações.
Uma questão altamente relevante quando se trata do desenvolvimento de fornecedores é
aquela relacionada com os benefícios auferidos pelos competidores das montadoras que
desenvolvem seus fornecedores. De acordo com MacDuffie e Helper (1997), a visão dos
gerentes da Honda nos Estados Unidos é a de que o aumento de competitividade dos
seus fornecedores, com conseqüente benefício para seus concorrentes, é inevitável e
pode até ser desejável considerando-se a necessidade da Honda de possuir fornecedores
auto-sustentáveis. O maior perigo, para estes mesmos gerentes, reside na perda de
capacidade dos fornecedores para responder rapidamente a suas exigências tendo em
vista seu possível perfil multi-clientes. Adicionalmente, o perfil de relacionamento de
35
confiança e de longo prazo da Honda com seus principais fornecedores é considerado
como mitigador dos riscos relacionados com o vazamento de conhecimento por parte de
seus fornecedores.
2.2.2.3. Desenvolvimento Conjunto de Produtos
Os objetivos do envolvimento de fornecedores no desenvolvimento conjunto de
produtos são segmentados por Wynstra, van Weele e Weggemann (2001) em dois tipos:
objetivos de longo prazo, focados no apoio ao desenvolvimento de determinadas
tecnologias e capacitações, e objetivos de curto prazo focados no desenvolvimento de
um novo produto específico. No primeiro caso, objetiva-se a criação de recursos
tecnológicos, enquanto no segundo objetiva-se apenas a exploração destes mesmos
recursos.
Normalmente descrito na literatura especializada como sendo um dos pilares do modelo
“japonês” de parceria entre montadora-fornecedor, o envolvimento precoce de
fornecedores no desenvolvimento colaborativo de produtos é utilizado desde 1958 pela
Toyota, que envolvia engenheiros de seus fornecedores, residentes em suas instalações,
no processo de desenvolvimento de novos produtos (NISHIGUCHI, apud WYNSTRA,
VAN WEELE E WEGGEMANN, 2001)
Este mesmo procedimento de alocar engenheiros dos fornecedores, residentes nas
instalações das montadoras, é relatado por Womack et al. (1991, p. 141) da seguinte
forma: “Os fornecedores de primeiro nível de um programa enxuto de desenvolvimento
alocam quadros – os chamados engenheiros residentes de projetos – para a equipe de
desenvolvimento pouco depois de começar o processo de projetar, e dois a três anos
antes do início da produção”.
Um outro estudo sobre o processo de desenvolvimento de produtos na indústria
automobilística japonesa identificou o impacto positivo de sua estrutura organizacional
no desempenho nessa área: “as montadoras cultivam a capacitação de seus
fornecedores. Isso envolve investimentos, troca de informações, a cessão do espaço e
36
intalações para ‘engenheiros’ convidados e a ajuda aos fornecedores na solução de seus
problemas. Pelo lado do fornecedor, há um comprometimento de criar capacidade e uma
disposição de desempenhar um papel crítico no processo de desenvolvimento”
(CLARK, 1989, p.1260-1261).
Santucci (1997), em seu estudo sobre a globalização da indústria de autopeças, relata
que, ao contrário do senso comum, a atual necessidade de se ter capacitação em projeto
para se tornar um fornecedor de primeiro nível não mais limita a atuação das pequenas e
médias empresas. Atualmente, com o advento de equipamentos como work stations e
máquinas rápidas para manufatura de protótipos, as empresas de autopeças podem, por
uma fração do custo e com muito menos pessoas, atuar no desenvolvimento de novos
produtos com muito mais eficiência do que há 10 anos atrás.
Antes restrito à indústria automobilística japonesa, o envolvimento colaborativo de
fornecedores no desenvolvimento de produtos tornou-se prática mais comum nos EUA
e Europa durante a década de 90 (LEVERICK E COOPER, 1998). Uma pesquisa
empírica realizada por estes autores em uma amostra de 88 fornecedores ingleses indica
que 72% dos fornecedores participantes da pesquisa realizaram algum desenvolvimento
de produto conjuntamente com fornecedores de primeiro nível e que, em média, os
fornecedores participaram do desenvolvimento do produto 26 meses antes do começo
da produção.
As vantagens da participação de fornecedores no desenvolvimento conjunto de produtos
não é, no entanto, unanimidade no meio acadêmico. Wynstra, van Weele e Weggemann
(2001), em seu estudo sobre o gerenciamento de fornecedores envolvidos no
desenvolvimento de produtos, mencionam que dois estudos no Estados Unidos em
meados dos anos 90 (Hartley, 1994 e Birou, 1994) concluem que o envolvimento de
fornecedores no desenvolvimento conjunto de produtos não é sempre benéfico, levando
muitas vezes a produtos mais caros e com pior desempenho.
Segundo Wynstra, van Weele e Weggemann (2001), as conclusões destes dois estudos
são indicativas de que os ganhos com a participação de fornecedores no
37
desenvolvimento de novos produtos não são obtidos facilmente, dependendo,
principalmente, de três condições para o sucesso: 1- Identificação de processos e tarefas
que devem ser realizadas para a integração do desenvolvimento de produtos e dos
processos de fornecimento; 2 – Criação de uma estrutura organizacional que apóie a
execução destas tarefas; 3 – Composição de estrutura organizacional com funcionários
que possuam os necessários requisitos comerciais, técnicos e sociais para viabilizar este
tipo de relacionamento com fornecedores.
Com relação às novas tendências, é interessante mencionar que estudos da KPMG
Consulting e do Automotive Consulting Group, publicados na revista Purchasing
(1998), apontam para um envolvimento ainda maior dos fornecedores no
desenvolvimento de produtos, a partir das pressões das montadoras: “o desenvolvimento
de novos produtos se tornou uma vantagem competitiva-chave para os fornecedores
automotivos”. O estudo da KPMG indica, adicionalmente, que as novas demandas no
setor teriam transformado a tradicional estrutura de fornecedores, baseada em níveis, em
outra, baseada em competências-chave e estratégias de gerenciamento de fornecedores.
2.2.2.4. Infra-estrutura Tecnológica
Sistemas inter-organizacionais como o EDI (eletronic data interchange) vêm sendo a
principal forma de aplicação de comércio eletrônico entre empresas da indústria
automobilística nas últimas duas décadas (RATNASINGAM, 2001). O futuro destes
sistemas de troca eletrônica de dados na indústria automobilística mundial tem sido um
dos pontos mais discutidos neste mercado nos últimos anos (FROOK, 1997).
Como se trata de uma indústria muito dinâmica, com diferentes tendências apresentadas
de tempos em tempos, torna-se interessante o registro da evolução dos
desenvolvimentos neste setor. É apresentado a seguir, um pequeno resumo dos
desenvolvimentos entre os anos de 1997 e 2002.
38
Quadro 2.1. Evolução no Desenvolvimento da Infra-estrutura Tecnológica
Ano Relatos extraídos da literatura Autor(es)
1997 “No mercado americano, as três grandes montadoras (GM, Ford
e Chrysler) estão tentando demonstrar que intranets e extranets
- redes de sistema baseadas na internet e abertas para parceiros
selecionados -, podem aumentar a eficiência da coordenação de
suas cadeias de suprimentos a partir da redução nos custos de
aplicações de informática e aumento na colaboração global”.
Frook, 1997,
p.20
1999 “A Ford Motor Co. está restruturando sua extranet de
fornecedores para transformá-la em um portal na internet. Este
portal, chamado de FSN (Ford Supplier Network) permitirá, a
partir de 1 de Junho, que os fornecedores e clientes visualizem
seus pedidos, mudanças na engenharia das peças ou sistemas,
status de chão-de-fábrica, rejeições nas montagens etc. O
objetivo é criar uma comunidade online para mais de um
milhão de pessoas, visando a redução dos tempos de ciclo e
necessidades de estoque a partir do compartilhamento de seus
processos com fornecedores, revendedores e até
consumidores”.
Joachim,
1999, p. 1
2000 “Já há mais de um ano algumas das maiores empresas do
mundo têm trocado eletronicamente arquivos de CAD/CAM e
documentos confidenciais, utilizando-se da ANX (Automotive
Network Exchange), uma extranet segura e de alto desempenho
construída pela indústria automotiva. Com o objetivo de se
expandir para outras indústrias, a ANX tem sido usada, até o
presente momento, por cerca de 300 participantes da indústria
automobilística”.
Bushaus,
2000, p.93
39
2001 “Em Fevereiro de 2000, as três grandes montadoras do mercado
americano anunciaram que fundiriam suas iniciativas no
comércio eletrônico para fundar o maior balcão de negócios
online do mundo – um site chamado Covisint. Após mais de um
ano, apesar dos planos ambiciosos de desenvolvimento
colaborativo de projetos de peças e veículos, ferramentas
computacionais para financiamento, gerenciamento de
licitações e logística, este site tem sido utilizado, apenas para
negociação de commodities”.
Welch ,
2001, p.1
2002 “A indústria automobilística está movendo sua cadeia de
fornecimento para a internet mais rápido que qualquer outra
indústria. Este movimento se deu, em parte, pela adoção rápida
e crescente do site de negócios entre montadoras e fornecedores
chamado Covisint.
Apesar do Covisint, que já tem montadoras como GM, Ford,
DaimlerChrysler, Nissan, Renault e Peugeot-Citroen em sua
carteira de clientes, o grupo Volkswagen (Volkswagen, Audi,
Bentley/Rolls Royce, Lamborghini etc) resolveu montar seu
próprio site visando manter seus requisitos específicos de
fornecimento – o site VWGroupsupply.com.
Os benefícios que existem por trás desta onda de fornecimento
online ainda estão, porém, para serem mapeados e explorados.
Segundo o diretor de e-commerce da DaimlerChrysler: “O
aumento na transparência entre a montadora e o fornecedor e a
colaboração vão nos ajudar a encontrar onde estão os ganhos de
eficiência. Todos terão acesso à mesma informação ao mesmo
tempo. Isto vai ser resolvido por estas tecnologias.”
Hannnon,
2002, p. 22
40
2.3. A CADEIA DE SUPRIMENTOS EM NOVOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS
2.3.1. Os Caminhões e Ônibus da Volkswagen em Resende
O conceito de consórcio modula r, implementado pela Volkswagen e por sete
fornecedores diretos em sua fábrica de caminhões e ônibus em Resende, Brasil, desde
novembro de 1996, é baseado em um modelo em que: (a) os fornecedores são
responsáveis pela fabricação do módulo, pela sua montagem na linha de produção, pela
sua logística e pelo investimento em equipamentos e ferramentas e (b) a montadora é
responsável pela estrutura da planta e linha de montagem e pela coordenação da planta e
teste final dos veículos (PIRES, 1998).
Conforme ressaltam Baldwin e Clark (1997, p.87): “A Volkswagen não ‘faz’ o carro [o
caminhão ou ônibus], no sentido de produzir ou montar. Mas ela estabelece uma
arquitetura do processo de produção e interface entre as células, estabelece os padrões
de qualidade que cada fornecedor deve cumprir e testa os módulos e caminhões
conforme eles vão passando de estágio em estágio”. Van Hoek e Weken (1998)
consideram a iniciativa da Volkswagen como sendo baseada em uma mudança na
configuração da cadeia de suprimentos, focada na redução de custos e tempo de
produção através da transferência de trabalho para os fornecedores. Neste caso, porém,
não existem evidências de que a adoção do conceito de modularidade tem como um dos
objetivos um melhor atendimento às demandas dos consumidores.
Uma primeira análise do conceito de consórcio modular estabelecido pela Volkswagen
em Resende poderia indicar que a montadora estaria visando obter apenas vantagens em
detrimento dos fornecedores, o que não é necessariamente verdadeiro:
“Em análise superficial, o modelo de consórcio modular parece ser altamente favorável à montadora por repassar a maior parte da responsabilidade da produção aos modulistas, o que lhe permite a concentração em atividades potencialmente mais rentáveis. Entretanto, os fornecedores de autopeças já percebem que a modularização é uma tendência irreversível na indústria automobilística e que o consórcio
41
modular tem acelerado drasticamente esse processo. Participar como um fornecedor de módulos (modulista) em uma planta pioneira representa oportunidades para obter novas competências em processos, tecnologias e administração da produção” (PIRES, 1998, p.13).
Baldwin e Clark (1997), estudando o gerenciamento da produção modularizada,
ressaltam que, independentemente desse tipo de discussão, a alteração nas
responsabilidades dos fornecedores da indústria automobilística pouco se diferencia das
numerosas alterações que vêm sofrendo as cadeias de suprimento de inúmeros setores
industriais. Ao se delegar o processo de produção a vários fornecedores distintos, cada
um adicionando valor ao produto, a montadora ganha em flexibilidade e redução de
custos.
2.3.2. O Carro Smart da Daimler-Benz na França
Segundo relato de van Hoek e Weken (1998), o projeto do carro SMART é baseado em
três estágios na cadeia de suprimentos e focado no melhor atendimento da demanda dos
consumidores – personalização e rapidez. No primeiro estágio da cadeia de
suprimentos, o carro “genérico” é montado a partir de cinco módulos, fornecidos em
seqüência para a montagem por um pequeno número de fornecedores diretos – sete
deles ficam integrados dentro da planta. Em um segundo estágio, o sistema de
distribuição é totalmente direcionado ao atendimento das necessidades e vontades de
cada consumidor específico, que tem a liberdade de “montar” o carro de acordo com sua
vontade. Cinco centros de distribuição na Europa são capazes de fornecer o carro
solicitado em menos de um dia, a partir da utilização de conceitos de postponement de
grande parte dos acessórios do carro. O terceiro estágio é fundamentado na facilidade de
se alterar e renovar o carro durante sua vida útil a partir da substituição e adição de
novos componentes.
Sweeney e Lane (1999) consideram que o carro SMART representa um caso de sucesso
de customização em massa e rápida resposta ao mercado obtido através de políticas de
postponement e alta integração no processo de produção por módulos. Para van Hoek e
Weken (1998), o grande diferencial do projeto está nas atividades que são realizadas
42
pelos fornecedores: “Até atividades consideradas tradicionalmente como sendo chave
para as montadoras, como a prensagem de peças da carroceria do carro, processos de
pintura e coordenação da logística interna não são mais realizadas pela montadora”
(p.40).
A chave para o controle da cadeia de suprimento, segundo Sweeney e Lane (1999) é a
troca de informações em tempo real entre a montadora e seus fornecedores integrados,
assim como reuniões formais sobre planejamento logístico e qualidade realizadas
diariamente, isto é, a efetiva integração durante a fase de montagem do carro genérico
constitui o centro de controle da cadeia de suprimento.
2.3.3. O Celta da General Motors no Rio Grande do Sul
Concebida para ser a mais moderna e eficiente planta da General Motors no mundo e
também para servir de piloto para testes de novas técnicas de produção e
relacionamento com fornecedores, o empreendimento da GM no Rio Grande do Sul foi
inaugurado em 20 de Julho de 2000 (BURT, 2001).
O complexo industrial que foi construído em Gravataí – RS, é constituído por 17
plantas, 16 delas ocupadas por fornecedores, espalhadas em 380 hectares, e custou cerca
de um bilhão de dólares (NAIDITICH 2000; WHEATLEY, 2000).
O pioneirismo que pode ser atribuído a este empreendimento provém de sua capacidade
de materializar grande parte dos conceitos que são normalmente difundidos como best
practice no setor automotivo. Modularização, entregas just in sequence,
desenvolvimento conjunto de produtos, troca de informações, utilização de ativos
especializados e redução da base de fornecedores são freqüentemente citados como
conceitos que estão sendo efetivamente aplicados na planta da GM de Gravataí
(EDMUNDS 2000, NAIDITICH 2000).
O conceito de modularização adotado no subcompacto Celta produzido em Gravataí é
considerado o mais avançado na indústria automobilística. Os módulos entregues por
43
seus 16 fornecedores diretos compõem 85% do valor final de cada carro. Em apenas um
dos módulos fornecido à planta da GM é entregue de uma só vez o motor, a
transmissão, dutos de combustível, eixo traseiro, dutos do fluido de freio e sistema de
exaustão (WHEATLEY, 2000).
Toda a produção dos fornecedores é baseada em um fluxo contínuo de pedidos da
montadora através de planos de produção que informam aos fornecedores (ou
sistemistas como são chamados neste projeto) exatamente o que devem produzir durante
as próximas horas (EDMUNDS, 2000). O conceito de modulistas que participam da
montagem do veículo, adotado na fábrica da Volkswagen de Resende, não foi usado no
projeto da GM, que quis fugir dos problemas trabalhistas enfrentados pela VW naquela
fábrica – por exemplo, exigências de equiparações de salários e benefícios entre os
funcionários dos fornecedores e os da montadora. Neste caso, segundo Naiditich (2000),
a GM pareceu mais cuidadosa na junção de culturas diferentes.
A questão da redução da base de fornecedores que lida diretamente com a montadora
fica bem clara quando comparamos o número e fornecedores diretos das fábricas da GM
em São Caetano e São José dos Campos – entre 300 e 400 – com os da planta de
Gravataí – 17 (NAIDITICH, 2000).
Uma característica interessante da estratégia da GM em Gravataí é que ao delegar mais
funções para os fornecedores, e.g. montagem de módulos e desenvolvimento de
produtos, libera-se a montadora para concentrar seus esforços em design, marketing,
distribuição e venda de seus veículos (NAIDITICH, 2000, BURT, 2001).
Alguns riscos são citados como decorrentes do conceito operacional do projeto: com
uma operação tão enxuta e um sistema de fornecimento tão justo, qualquer desistência
ou problema com os sistemistas tem efeito imediato na linha de produção (NAIDITICH,
2000). Outra questão relevante é se o conceito do projeto, baseado em modularização e
redução de 50% no número de peças que compõem o veículo, poderia ser extrapolado
para carros mais complexos (EDMUNDS, 2000). Uma terceira questão remonta ao risco
em que incorrem os fornecedores ao investir em uma unidade para atender a apenas um
único cliente (NAIDITICH, 2000).
44
Com todas as inovações introduzidas, a fábrica da GM está sendo cotada como uma das
mais produtivas do mundo e potencial líder de produtividade no Brasil: 78 carros anuais
por funcionário, 1 carro produzido a cada 2 minutos (NAIDITICH, 2000).
2.4. AS NOVAS BASES DAS RELAÇÕES DE FORNECIMENTO – QUADRO CONCEITUAL
Conforme relatado por Arkader (1997), a literatura enfatiza a existência de dois
modelos distintos de relacionamento entre compradores e fornecedores, um sendo
considerado “tradicional” e o outro “de aliança ou parceria”, sendo que o último é
considerado um modelo novo e emergente.
O presente estudo tem como um dos principais objetivos a análise das características
das relações de fornecimento adotadas nos novos empreendimentos automobilísticos e,
para tanto, deve ter como pano de fundo um quadro conceitual que ajude a identificar
as práticas utilizadas e a compará- las com aquelas discutidas na literatura. O quadro a
seguir tenta identificar as principais características das práticas apontadas pela literatura
como sendo típicas do novo modelo de fornecimento e tem como objetivo orientar as
respostas às questões tratadas neste estudo.
45
Quadro 2.2. Práticas do Novo Modelo de Fornecimento
Relacionamento Práticas Autor(es)
Dois modelos antagônicos: um com
alavancagem comercial e outro com visão de
gerenciamento da cadeia de suprimento
Cox, 2001;
Dyer et al., 1998
Seleção de
Fornecedores
Seleção com contratos de longo prazo, foco
no custo total, fornecedor único com
envolvimento no projeto, avaliação de
desempenho complexa e investimentos em
ativos específicos
Dyer, 1996
Utilização crescente de pequena e seleta base
de fornecedores
Womack et al.,
1991; Lamming,
1993; Dyer e
Ouchi, 1993; Dyer
et al., 1998
Redução da Base
de Fornecedores
Remoção de fornecedores com baixo
desempenho, de 2a ou 3a opção, integração de
componentes em módulos e re-alocação de
fornecedores de componentes menores
Lamming, 1993
Escolha estratégica: permanecer integrada ou
transferir produção modula r para seus
fornecedores
Murray e Sako,
1999
Modularização do
Fornecimento
Terceirização do projeto dos módulos ainda
pouco explorada
Baldwin e Clark,
1997
Investimentos geograficamente específicos;
investimentos em equipamentos
especializados; investimento em capital
humano
Dyer e Ouchi, 1993 Utilização de
Ativos
Especializados
Podem ter características operacionais ou
estratégicas
Arkader, 1997
46
Proximidade física como vantagem
competitiva
Arkader, 1997;
Salerno et al., 1999
Localização
Geográfica
Duas correntes: fornecedores próximos ou
fornecedores dentro da planta
Salerno et al., 1999
Global Sourcing
Global sourcing visando benefícios de
custo/preço, qualidade, acesso à tecnologia e
fornecimento de peça não disponível
Monczka et al.,
1998
Relacionadas aos fluxos de materiais,
planilhas de custos ou compartilhamento de
tecnologia e conhecimento
Womack et al.,
1991
Troca de
Informações
Em ambientes não colaborativos a tendência é
que as informações trocadas sejam
operacionais
Arakader, 1997;
Mudambi e Helper,
1998
Programas de: compartilhamento de
informações, redução de desperdício,
engenharia de valor, transparência de custos e
difusão de tecnologia
Stuart et al., 1998 Desenvolvimento
de Fornecedores
Devem englobar não só o relacionamento
independente de cada fornecedor com a
montadora, mas também o relacionamento
entre fornecedores através de suas
associações
Stuart et al., 1998
Envolvimento precoce com engenheiros dos
fornecedores residentes na montadora
Womack et al.,
1991; Leverick e
Copper, 1998;
Wynstra et al.,
2001
Desenvolvimento
Conjunto de
Produtos
Investimentos da montadora e o
comprometimento do fornecedor em
desempenhar papel crítico no processo
Wynstra et al.,
2001
47
Utilização de intranets e extranets para
aumentar a eficiência da coordenação da
cadeia de suprimento
Frook, 1997 Infra-estrutura
Tecnológica
Transparência entre a montadora e
fornecedores ajudando a encontrar onde estão
os ganhos de eficiência. Todos tendo acesso à
mesma informação ao mesmo tempo
Joachim, 1999;
Hannnon, 2002
48
3. METODOLOGIA
O objetivo principal deste capítulo é apresentar a metodologia escolhida para a
realização desta pesquisa. Como introdução ao capítulo, detalha-se o que foi
identificado como perguntas a serem respondidas por este estudo. A seguir, são
apresentados os motivos que levaram à escolha do método de estudo de casos como
ideal para a pesquisa. Posteriormente, é descrita a etapa de escolha de casos e coleta e
análise de dados. Por fim, são relatadas as limitações identificadas para o método
escolhido.
3.1. PERGUNTAS DE PESQUISA
A presente pesquisa tem como objetivo responder à seguinte pergunta:
“COMO SE CARACTERIZAM AS POLÍTICAS DE FORNECIMENTO DAS
MONTADORAS, NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE
IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL ?”
As seguintes perguntas mais específicas são propostas como desdobramento desta
pergunta geral:
(1) Quais são as práticas relativas ao paradigma de fornecimento enxuto que estão
sendo adotadas nos recentes empreendimentos automobilísticos no Brasil?
(2) Quais foram os benefícios e problemas percebidos na aplicação de práticas de
fornecimento enxuto nos recentes empreendimentos automobilísticos no Brasil?
(3) Quais foram os entraves e estímulos encontrados pelas montadoras, nas fábricas
recém instaladas no país, para implementação de práticas de fornecimento enxuto?
49
3.2. MÉTODO DE PESQUISA
A escolha do método a ser utilizado é uma etapa de alta relevância no processo de
elaboração de uma pesquisa. Segundo Yin (1989), apesar de não existirem fronteiras
claras e óbvias entre cada uma das estratégias existentes para coleta e análise de
evidência empírica, é importante ressaltar que cada uma delas possui suas vantagens e
desvantagens que devem ser conhecidas antes da escolha do método de pesquisa. O
objetivo é evitar erros grosseiros, isto é, utilizar determinada estratégia quando existe
outra claramente mais apropriada. Um pequeno resumo de algumas das principais
estratégias existentes para pesquisas na área de ciências sociais e de algumas
características relevantes é apresentado no quadro a seguir:
Tabela 3.1. – Características Relevantes de Diferentes Estratégias de Pesquisa.
Fonte: Adaptado de Arkader (1997), p.162.
Estratégia Tipos de pergunta
de pesquisa
Exigência de controle
sobre eventos
Tipos de dados Principais formas de
coleta de dados
Experimento como, porquê sim quantificáveis várias, entre as quais
questionários e
entrevistas
Survey quem, o que, onde,
quantos, o quanto
não quantificáveis
(quantitativo ou
qualitativo)
questionários e
entrevistas
estruturadas
Etnografia como, porquê não principalmente
qualitativo
observação
participante
Pesquisa-Ação como, porquê não principalmente
qualitativo
observação
participante
Estudo de Caso como, porquê não quantitativos e
qualitativos
(quantificáveis
ou não)
várias, entre as quais
entrevistas em
profundidade e análise
de documentos
Visando definir qual é a melhor estratégia de pesquisa a ser adotada, é interessante
perceber que a presente dissertação busca lidar com perguntas do tipo como e porquê,
50
isto é, como é o atual estágio de relacionamento entre montadora e fornecedores e
porque as montadoras adotaram (ou não) práticas de suprimento enxuto nos novos
empreendimentos automobilísticos no Brasil. É importante ressaltar, adicionalmente,
que a pesquisa proposta tem caráter exploratório, já que se trata de fenômeno novo, com
poucas unidades instaladas e sobre as quais há poucos estudos.
Com relação aos demais tópicos apresentados na tabela 3.1. acima, pode-se verificar o
seguinte:
q Exigência de controle sobre eventos: não se busca nem se deseja controlar os
eventos estudados, mas sim explorá- los;
q Tipos de dados: apesar de a pesquisa proposta se identificar mais com o paradigma
qualitativo, será buscado, sempre que possível, uma medição de variáveis
quantitativas que se identifiquem com o problema em questão;
q Principais formas de coleta de dados: as principais formas de coleta de dados serão
entrevistas em profundidade, a serem realizadas nas montadoras escolhidas, e
análise de documentos jornalísticos e da literatura especializada.
Outro item relevante na definição da melhor estratégia a ser utilizada na pesquisa é a
definição de estudos de caso como sendo a melhor maneira de se pequisar “um
fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto real e cujas fronteiras entre fenômeno
e contexto não são claramente evidentes” (Yin, 1989, p.13). Entende-se que este é o
caso da presente pesquisa, uma vez que há a necessidade de se analisar as relações de
fornecimento dentro do contexto das organizações de negócio e do ambiente em que
está inserida.
A análise dos itens acima abordados nos leva a entender que a estratégia que se
apresenta como a mais adequada para esta pesquisa é a do método de estudo de casos.
51
3.3. ESCOLHA DOS CASOS
Com o objetivo de se analisar adequadamente o relacionamento montadoras-
fornecedores nos novos empreendimentos automobilísticos no Brasil, optou-se por
escolher estudos de casos de montadoras com capacidade de produção significativa
(acima de 50.000 veículos por ano) e que já tivessem consolidado sua produção e gestão
do fornecimento em suas novas fábricas, instaladas no período de 1997 a 2002. Por
questões de sigilo, o nome das montadoras escolhidas não será divulgado.
Glaser e Strauss apud Arkader (1997, p.170) apontam que “o método de estudo de casos
implica uma interação entre teoria e os dados e que, dessa forma, o número de casos não
é determinado a priori, mas à medida que se desenvolve a coleta e a análise de dados,
através da lógica de replicação”. No caso específico da presente dissertação, foram
coletados e analisados os dados referentes a três das seis fábricas de tamanho
significativo instaladas no período supracitado. As fábricas escolhidas para coleta de
dados foram aquelas que se mostraram dispostas a abrir informações relacionadas com
sua estratégia de relacionamento com fornecedores. Após a realização das três
entrevistas mencionadas identificou-se a existência de material rico para realização de
análises a luz do modelo conceitual apresentado no capítulo 2. O número de estudos
adotados mostrou-se, portanto, adequado para a investigação e interação, entre teoria e
dados, proposta nesta pesquisa.
3.4. COLETA E ANÁLISE DOS DADOS
A coleta de dados para os três casos escolhidos foi realizada através de entrevistas com
executivos da área de compras (diretor ou gerente) das três montadoras pesquisadas.
Além disso, foram também entrevistados executivos de áreas como logística,
desenvolvimento de produtos e redução de custos. Em cada montadora foram realizadas
pelo menos duas entrevistas.
Para a marcação das entrevistas, foram identificados os entrevistados desejados e feitos
os contatos por telefone visando levantar sua disposição para a realização das
52
entrevistas. Posteriormente foram enviadas mensagens eletrônicas (e-mail) explicitando
os objetivos da pesquisa, a necessidade de agendamento de uma entrevista pessoal, o
tempo de duração estimado para o encontro e a garantia de sigilo sobre as informações
obtidas. Finalmente, a efetiva marcação da entrevista foi confirmada através de contato
telefônico. Todas as entrevistas foram gravadas e seu conteúdo foi utilizado como base
para a descrição e análise dos casos.
A análise dos resultados buscou levantar os elementos necessários para se responder à
pergunta geral da pesquisa, verificando semelhanças e diferenças entre as empresas,
identificando as principais estratégias e práticas referente às relações de fornecimento,
benefícios e problemas percebidos em sua aplicação e entraves e estímulos encontrados
para sua adoção.
O roteiro utilizado para as entrevistas foi estruturado a partir de macro questões
relacionadas com a estratégia de fornecimento, a reconfiguração da base de
fornecedores, a gestão da informação, capacitação e tecnologia e as percepções relativas
aos empreendimentos. As perguntas do roteiro foram elaboradas a partir das questões
levantadas na revisão de literatura e sintetizadas no quadro conceitual do item 2.4. desta
pesquisa. As informações obtidas a partir do roteiro de entrevista formaram a base deste
estudo e viabilizaram responder às perguntas de pesquisa.
3.5. LIMITAÇÕES DO ESTUDO
As limitações do presente estudo são sobretudo as decorrentes do método (Yin, 1989,
1993). Em especial, menciona-se o fato de este não permitir generalizações para o
universo, independentemente do número de casos estudados. Esta limitação, porém, não
invalida sua adoção, na medida em que o objetivo, aqui, não foi o de fazer
generalizações para outras empresas e indústrias, mas sim o de estudar e entender
processos gerenciais.
Pode-se citar limitações adicionais referentes à subjetividade na coleta, registro e análise
das informações obtidas através de entrevistas pessoais e de um possível viés nas
53
respostas do entrevistado. Para minimizar as distorções decorrentes da subjetividade,
tentou-se cruzar, sempre que possível, as informações obtidas através das entrevistas
com outras fontes de informação. Para minimizar o possível viés do entrevistado, o
recurso utilizado foi o de sempre tentar abordar as questões da entrevista sobre vários
ângulos, testando, desta forma, as respostas obtidas.
54
4. RESULTADOS
No capítulo de resultados, são apresentadas, incialmente, as informações coletadas nas
entrevistas realizadas nos três recentes empreendimentos automobilísticos pesquisados.
Posteriormente, são apresentadas análises das práticas de fornecimento destas empresas,
à luz das novas bases das relações de fornecimento – quadro conceitual, apresentado no
capítulo 2.
4.1. OS CASOS
Este item tem como objetivo apresentar relatos da atual situação das relações de
fornecimento em três dos recentes empreendimentos automobilísticos brasileiros,
conforme informações coletadas nas entrevistas realizadas nessas montadoras. Por
questões de sigilo, as montadoras serão referidas subseqüentemente como M1, M2 e
M3. O material apresentado está estruturado de forma a viabilizar a resposta às
perguntas apresentadas no capítulo 3: visão macro da estratégia de fornecimento;
práticas de fornecimento adotadas; benefícios e problemas das atuais práticas e entraves
e estímulos encontrados na implantação.
4.1.1. A Montadora M1
A montadora M1 era uma das montadoras recentemente vindas para o Brasil, tendo
inaugurado sua planta, com cerca de 1.200 funcionários, no início da década de 2000.
Possuia uma pequena linha de produtos sendo fabricados no Brasil, com o seu mix de
produtos complementado com carros importados. Trabalhava com índices de
nacionalização variando entre 50% e 80% (considerando-se apenas o fornecimento
direto), com tendência de crescimento do conteúdo localmente produzido. Possuía baixo
grau de integração vertical, sendo o motor um dos poucos componentes produzidos
internamente no grupo. Sua participação de mercado, apesar de ainda pequena, havia
crescido significativamente nos últimos anos.
55
4.1.1.1. A Estratégia de Fornecimento
A estratégia inicial de fornecimento da M1-Brasil tinha sido definida pela matriz
espelhando as práticas de fornecimento adotadas mundialmente pela empresa. A filial
brasileira não apresentava, portanto, grandes inovações com relação às práticas
mundiais da montadora.
A implantação da estratégia de fornecimento para a planta brasileira havia seguido um
modelo de minimização de riscos, com forte adoção de follow sourcing (tinha-se como
objetivo evitar trabalhar com empresas que não forneciam mundialmente para a M1).
Ainda depois da implantação da fábrica, a planta brasileira continuava com fortes
vínculos com a matriz: a tomada de decisão com relação a questões estratégicas
continuava sendo tomada fora do Brasil (inclusive a seleção de novos fornecedores).
A política da matriz – que também era válida para o Brasil – tinha como um dos
principais objetivos o processo de desverticalização gradual da produção. Como
exemplo poderia se citar o caso da produção de estamparia que recentemente tinha sido
terceirizada (inclusive no fornecimento da planta brasileira). Outra atividade que
começava a ser transferida para os fornecedores mundiais era o fornecimento da
armação da carroceria dos veículos. Tinha-se como objetivo final da política de
desverticalização da produção a concentração dos investimentos nas áreas consideradas
estratégicas para a empresa: projetos e desenvolvimento de novos carros.
Existia a percepção que em alguns casos a desverticalização da produção já resultava
em perda de liderança tecnológica, com conseqüente aumento da dependência, em
alguns tipos de fornecimento (ex.: injeção eletrônica).
Adicionalmente, buscava-se, a partir de uma política definida na matriz, a utilização
crescente do conceito de fornecimento modularizado. Estimava-se que no Brasil 25% do
custo do carro já eram fornecidos em módulos.
56
O relacionamento com fornecedores era visto a partir de uma ótica negocial com ênfase
em contratos e multas. Existia também uma forte pressão para que os fornecedores
abrissem suas “planilhas de custo”, ambicionando que a M1 exercesse um rigoroso
controle sobre os preços praticados. Esta planilha não tinha como objetivo a realização
de programas de engenharia de valor, já que se considerava que itens como melhorias
nos processos, reduções de custo e melhoria contínua eram de responsabilidade dos
fornecedores.
Como filosofia, buscava-se, sempre que possível, a redução da dependência da M1 com
seus fornecedores. Adicionalmente, incentivava-se que os fornecedores trabalhassem
com outras montadoras, viabilizando ganhos de escala que pudessem serem traduzidos
em reduções de preços para a M1.
4.1.1.2. As Práticas Vigentes de Fornecimento
4.1.1.2.1. Seleção de Fornecedores
O fornecimento no Mercosul para a M1 era realizado a partir de um painel único de
fornecedores.
A seleção de fornecedores para os novos empreendimentos era baseada em seu histórico
de desempenho no fornecimento mundial para a M1. Esse histórico era construído a
partir de uma ferramenta de avaliação chamada de “Hexágono de Excelência”.
Os principais pontos considerados no “Hexágono de Excelência” eram:
- Produtividade/Preço: Economia sobre o produto; produtividade do
processo; competitividade nas consultas;
- P&D: Potencial técnico; desenvolvimento de produtos com M1;
desenvolvimento de novos veículos;
- Qualidade: Compromisso com a qualidade; certificações de qualidade;
57
- Logística: Respeito às entregas; garantia do fluxo e flexibilidade; estoque;
plano de segurança;
- Perenidade: Saúde financeira; avaliação do gerenc iamento; compromisso
estratégico com o setor automotivo;
- Internacionalização: Apoio à M1 em projetos internacionais
A aceitação de novos fornecedores era também condicionada à avaliação do “Hexágono
de Excelência”, com o parecer final sendo dado pela matriz.
Os contratos utilizados com os fornecedores eram de longo prazo, vinculados ao ciclo
de vida do produto fornecido, ou seja, o fornecedor era responsável por peças de um
determinado veículo durante todo o período em que ele era fabricado. Existia a
expectativa de redução do preço da peça durante o ciclo de vida do fornecimento (por
causa de curva de aprendizado, por aumento de índices de nacionalização dos
componentes da peça ou por aumento nos volumes fornecidos). De forma geral estas
reduções de preço eram abordadas quando da renegociação anual dos contratos.
Segundo um dos entrevistados: “...eu posso fechar hoje um contrato com uma
dependência de dólar no preço, mas você (o fornecedor) tem um ano para nacionalizar
tais componentes... então dentro de um ano seu preço tem que cair em tantos
porcento...”
Com a maioria dos fornecedores era adotada uma política de planilhas abertas para
definição do preço da peça. Caso houvesse aumento ou redução nos volumes previstos
originalmente no contrato, os preços eram renegociados. Adicionalmente, caso os
fornecedores ganhassem contratos com outras montadoras, aumentando a escala de
produção das peças fornecidas, esperava-se que o preço unitário das peças também
fosse reduzido (na prática existia uma certa dificuldade em identificar os novos
contratos dos fornecedores).
58
4.1.1.2.2. Redução da Base de Fornecedores
Redução do número de peças fornecidas por carro:
A estratégia da matriz de utilização crescente do fornecimento em módulos implicava a
redução de fornecedores diretos da empresa. Globalmente, 19 grupos de fornecedores já
concentravam 50% do orçamento da M1. No Brasil, esta adoção crescente do
fornecimento em módulos também implicava uma redução no número de fornecedores.
Redução do número de fornecedores por peça:
Apesar de não existirem metas quantitativas de fornecedores por produto, a pequena
escala da planta brasileira dificultava a utilização de múltiplos fornecedores por peça.
Além da questão da escala, havia uma tendência a concentrar o fornecimento nos
grandes parceiros internacionais da matriz, que vieram para o Brasil ou associaram-se
com empresas instaladas aqui. Segundo relato de um dos entrevistados: “Já que o
fornecedor x que é meu parceiro há 20 anos aqui (na matriz)... admitiu vir para o
mercado periférico junto comigo, dividindo o risco... eu tenho que dar um bom volume
para ele...”. Adotava-se, portanto, em alguns casos, uma política de single sourcing.
É interessante ressaltar a pequena base de fornecedores da M1 no Brasil: trabalhava-se
na época com cerca de 120 fornecedores. Menos de 10 deles representavam 80% do
custo total com fornecedores.
4.1.1.2.3. A Modularização do Fornecimento
O fornecimento em módulos já era uma realidade há 15 anos na M1 mundial e tinha
feito parte do projeto original da M1 Brasil. Existia também uma tendência de
crescimento na sua adoção, tanto mundial quanto localmente.
A estratégia de modularização era definida globalmente pela holding, com os novos
fornecimentos em módulos sendo testados inicialmente na matriz, com posterior adoção
em outros países. Por exemplo, armação interna dos veículos já era fornecida em
módulos na matriz, mas ainda o era em componentes no Brasil.
59
Um exemplo de fornecedor de módulos era uma empresa que fornecia a M1 diversos
módulos, tais como painel de bordo, bancos e interiores de veículos. Neste caso
específico, apesar da desverticalização da produção, o fornecimento continuava sob o
controle da M1, que detinha 100% do capital acionário dessa empresa.
Ainda com relação ao fornecimento em módulos, é interessante ressaltar que surgiram,
em alguns casos, necessidades de adaptações locais ao projeto original de fornecimento.
Essas adaptações foram realizadas localmente através de esforços conjuntos de
engenharia, da montadora e do fornecedor, com o acompanhamento da matriz.
4.1.1.2.4. Utilização de Ativos Especializados
A utilização de ativos especializados era pouco presente no relacionamento entre a M1 e
seus fornecedores.
Os principais investimentos em ativos especializados foram aqueles realizados por cinco
fornecedores que se instalaram junto à fábrica (ativos geograficamente específicos).
Deve-se ressaltar, porém, que a M1 não os obrigava a serem fornecedores exclusivos.
Não havia outros investimentos que denotassem um comprometimento de longo prazo e
que fossem específicos ao relacionamento. Os investimentos em moldes, por exemplo,
eram realizados pela própria M1, que posteriormente emprestava-os para os
fornecedores.
De forma geral, a estratégia da M1 para investimentos em ativos específicos era de
minimização de dependência dos fornecedores. No caso dos moldes, por exemplo,
visava-se ter a flexibilidade de poder trocar de fornecedor, caso necessário.
60
4.1.1.2.5. Localização Geográfica dos Fornecedores
Na estratégia de fornecimento da M1, a proximidade física dos fornecedores não era
considerada fundamental. Dos fornecedores da montadora, mais de 70% localizavam-se
no Estado de São Paulo, o que não inviabilizava que grande parte do fornecimento fosse
realizado com entregas just-in-time.
A montadora tentava, porém, incentivar uma maior proximidade com seus fornecedores
através da oferta de infra-estrutura e repasse do terreno em frente à fábrica (parque
industrial de fornecedores) a preço de custo.
Apenas cinco fornecedores estavam instalados neste parque, já que a pequena escala da
planta dificultava a criação de um grande parque de fornecedores. É interessante
ressaltar que os fornecedores instalados junto à planta não eram exclusivos, e que a
busca de novos clientes era facilitada pela localização do parque industrial, às margens
de uma importante rodovia.
4.1.1.2.6. Global Sourcing
As cotações das peças que seriam fornecidas para os novos veículos da M1 eram
realizadas com os fornecedores internacionais da M1. Os preços eram apresentados
visando atender todas as plantas do grupo que fossem produzir aquele veículo. Este tipo
de estratégia de fornecimento era facilitado pela forte política de follow sourcing
adotada pela empresa.
Esta adoção de uma política de global sourcing estava fortemente fundamentada na
utilização de poucas plataformas e de um grande número de peças em comum para cada
plataforma. Na M1, a meta era ter 75% de sua produção em três plataformas e 60% das
peças do veículo (em valor) comuns para uma mesma plataforma.
61
4.1.1.2.7. Troca de Informação e Infra-estrutura Tecnológica
As trocas de informação entre a M1 e seus fornecedores eram feitas através de EDI
(EDIFACT D96A). Esse sistema de troca eletrônica de informações era usado para
enviar previsões mensais de produção (previsões móveis de quatro meses), atualizações
semanais (atualização das previsões mensais com horizonte de duas semanas) e os
pedidos firmes. Os fornecedores por sua vez enviavam o aviso de remessa das peças. O
objetivo da empresa era ter 100% dos seus fornecedores trabalhando com EDI.
A estratégia de e-business da M1 era baseada em um portal de fornecedores e na adesão
ao portal Covisint. O portal de fornecedores tinha como objetivo aproximar os
fornecedores da empresa, viabilizando um relacionamento com maior participação na
concepção de engenharia, e uma melhoria na coordenação da cadeia de suprimento. Já a
adesão ao portal Covisint visava a realização de leilões reversos via e-marketplace,
compras via catálogo e licitações on-line.
4.1.1.2.8. Desenvolvimento de Fornecedores
Os processos estruturados para o desenvolvimento de fornecedores da M1 eram apenas
aqueles relacionados com questões como cursos e treinamentos, focados
prioritariamente em aspectos de qualidade.
Na M1 não existia estrutura ou know-how específico para desenvolver programas
conjuntos de engenharia de valor ou de redesenho de processos, já que se considerava
que o fornecedor era especialista naquilo que fazia, e que era sua a responsabilidade da
melhoria contínua da eficiência de seus processos. Conforme dito por um dos
entrevistados: “...a responsabilidade total da manufatura é dada para o fornecedor... ele
(o fornecedor) é especialista e tem um know-how maior do que a M1 no assunto...”.
É interessante notar que, por causa da política de aumento crescente do percentual de
itens nacionais nos carros da M1, buscava-se estudar conjuntamente com os
fornecedores quais eram as peças ou componentes em que era viável a substituição de
62
importação. A definição dos processos de fabricação e a viabilização destes novos
fornecimentos era, porém, de responsabilidade do fornecedor. A M1 tentava viabilizar
estas novas peças através de acordos de mais longo prazo que justificassem o
investimento inicial do fornecedor.
4.1.1.2.9. Desenvolvimento Conjunto de Produtos
O desenvolvimento conjunto de produtos com fornecedores era uma prática na matriz,
não no Brasil (onde não existia departamento de pesquisa e desenvolvimento).
Na matriz, a participação dos fornecedores se dava através da presença de técnicos de
diversos fornecedores trabalhando no centro de pesquisa e desenvolvimento da M1.
Estes técnicos participavam do desenvolvimento de produtos específicos, que após
aprovados seriam licitados no mercado. O fornecedor que havia participado do
desenvolvimento da peça não obtinha automaticamente o fornecimento daquela peça,
tendo que participar da cotação mundial para fornecimento.
4.1.1.2.10. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento
Apresenta-se a seguir um quadro resumo que ilustra, de forma sintética, o grau de
adoção pela M1 das novas práticas de fornecimento. Esse quadro foi montado a partir
da percepção obtida nas entrevistas realizadas e não tem como objetivo ser uma medida
quantitativa, mas sim de avaliação de tendências em uma abordagem qualitativa.
63
Quadro 4.1. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento de M1
Alto Investimento de Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos
Baixo PRÁTICAS DE FORNECIMENTO
Modelo Tradicional
Novas Práticas
Seleção de Fornecedores Contratos de Curto
Prazo
Multiple-Sourcing Single-Sourcing
Poucos Mecanismos de Avaliação de Desempenho
Avaliação de Desempenho Complexa
Contratos de Longo Prazo
M1
M1
M1
Redução da Base de Fornecedores
Existência de Fornecedores de Baixo Desempenho
Remoção de Fornecedores de Baixo Desempenho
Realocação de Alguns Fornecedores para Segundo Nível
Existência de Fornecedores Diretos de Pequeno Porte
M1
M1
Modularização
Projeto Próprio Terceirização de Projetos
Fornecimento em Módulos
Fornecimento de Componentes Individuais
M1
M1
Intermediário Alto
Utilização de Ativos Especializados
Pouco Investimento dos Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos
M1
M1 Baixo Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico
Alto Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico
64
PRÁTICAS DE FORNECIMENTO
Modelo Tradicional
Novas Práticas
Localização Geográfica
Fornecedores sem Proximidade Física
Fornecedores com Proximidade Física (no limite dentro da planta)
M1
Global Sourcing Suprimento não Coordenado Globalmente
Utilização de Políticas de Global Sourcing
M1
Troca de Informações
Pouca Troca de Informações de Fluxo de Materiais
Troca de Informações de Fluxo de Materiais
Utilização de Recursos de Tecnologia da Informação
M1
M1
M1
Sem Transparência de Custos
Pouca Utilização de Ferramentas Tecnológicas
Troca de Informações - Planilhas de Custo
Desenvolvimento de Fornecedores
Treinamento de Funcionários dos Fornecedores
M1
M1
Sem Envolvimento na Melhoria dos Processos do Fornecedor
Sem Envolvimento no Treinamento dos Funcionários do Fornecedor
Análises da Cadeia de Valor do Fornecedor
Baixo Intermediário Alto
DesenvolvimentoConjunto de Produtos
O Produto é Desenvolvido pela Montadora
Fornecedores Participam do Desenv. do Produto (local ou mundialmente)
M1
M1
Não há Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora
Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora
Infra-Estrutura Tecnológica
65
4.1.1.3. Percepções Relativas ao Empreendimento
4.1.1.3.1. Benefícios e Problemas das Atuais Práticas
Os principais pontos fortes identificados na estratégia de fornecimento adotada pela M1
no Brasil eram relacionados com: a) redução na base de fornecedores; b) utilização de
fornecimento modularizado; c) proximidade física com fornecedores e d) utilização de
global sourcing.
Redução na Base de Fornecedores:
Os principais benefícios percebidos em se adotar uma menor base de fornecedores eram
relacionados com economias de escala e redução dos custos de transação.
Modularização:
Os pontos fortes relatados na estratégia de modularização eram aqueles relacionados
com a redução do custo transacional e concentração de esforços na definição conceitual
dos novos carros.
Localização Geográfica:
A proximidade física dos fornecedores tinha como principais vantagens o aumento da
velocidade no atendimento das demandas da montadora, a viabilização da redução de
estoques e o estreitamento das relações, com o fornecedor muitas vezes trabalhando
dentro da montadora.
Global Sourcing:
A adoção de uma política de global sourcing viabilizava que eventuais problemas no
suprimento de uma peça em um determinado país poderiam ser resolvidos com a
importação da mesma peça de alguma outra planta do mesmo fornecedor.
A principal desvantagem percebida na adoção das atuais práticas de fornecimento do
empreendimento era relacionada com o risco inerente à aplicação do single sourcing.
Como exemplo deste risco, foi citado o caso de uma empresa argentina que por
66
problemas financeiros interrompeu o fornecimento para a M1 brasileira. Como a peça
fornecida era exclusiva do carro brasileiro, teve-se que desenvolver rapidamente um
novo fornecedor visando evitar o comprometimento da produção. Nos casos em que a
peça possuía fornecimento internacional esse risco era mitigado pelas práticas de global
sourcing.
4.1.1.3.2. Entraves e Estímulos Encontrados
Os principais entraves verificados no desenvolvimento da implantação da estratégia de
fornecimento da M1 no Brasil estavam relacionados com burocracias nas transações
fiscais entre montadora e fornecedores e também com o processo de importação de
peças.
Parque de Fornecedores:
A instalação do parque de fornecedores em endereço fiscal diferente da M1 gerava a
necessidade de emissão de muitas notas fiscais, com um alto custo de papel e overhead.
Importação de Peças:
Faz-se aqui referência a um dos componentes do chamado custo Brasil: a pouca
confiabilidade do processo de importação, por causa das constantes greves e morosidade
no trabalho das aduanas gerava um risco de eventual falta de peças importadas para
fabricação do carro.
A principal facilidade para a adoção das novas práticas de fornecimento está relacionada
com os estímulos fiscais e econômicos concedidos pelo governo do Estado para
instalação da montadora e seus fornecedores.
4.1.1.3.3. Visão de Futuro da Estratégia de Relacionamento
A visão de futuro da M1 para o relacionamento com seus fornecedores envolvia a
utilização crescente de conceitos de fornecimento em grandes módulos e global
67
sourcing, cuja política era fundamentada na utilização de poucas plataformas e poucos
componentes para os carros mundiais da montadora.
Outro conceito que já estava bem estabelecido na estratégia de fornecimento,
conjuntamente com a política de desverticalização da produção, era o de
responsabilização do fornecedor pelas peças/módulos fornecidos. Entendia-se, cada vez
mais, que o core business da empresa era projetar e desenvolver novos carros de
sucesso no mercado. Já os fornecedores teriam como core business ser responsáveis
pelo desenvolvimento conjunto das peças, pela eficiência dos processos de fabricação
das peças e pela qualidade e baixo custo do produto fornecido.
4.1.2. A Montadora M2
A montadora M2 era uma das montadoras recentemente vindas para o Brasil, tendo
inaugurado sua planta, com cerca de 1.100 funcionários, no final da década de 90.
Possuia uma pequena linha de produtos sendo fabricados no Brasil, sendo o seu mix de
produtos complementado com carros importados. Trabalhava com índice de
nacionalização em torno de 40% (considerando-se apenas o fornecimento direto).
Possuia um moderado grau de integração vertical, sendo o motor, o câmbio e 70% da
estamparia fabricados internamente. Sua pequena participação de mercado tinha se
mantido estável nos últimos anos.
4.1.2.1. A Estratégia de Fornecimento
A estratégia de fornecimento da M2-Brasil tinha vindo toda pronta da sede, espelhando
as políticas de uma planta já existente. A filial brasileira não apresentava, portanto,
grandes inovações no relacionamento padrão da M2 com seus fornecedores.
O fornecimento na planta brasileira era praticamente 100% baseado em follow sourcing
com os principais parceiros internacionais da M2 fornecendo também para a planta
brasileira. Alguns desses fornecedores optaram por instalar-se no Brasil enquanto outros
preferiram associar-se com fornecedores já instalados aqui – nesses casos o fornecedor
68
local geralmente pagava royalties para produzir as peças do fornecedor dono do
contrato. Alguns fornecedores de uma outra planta brasileira da M1 foram também
aproveitados.
A estratégia da M2 era fortemente baseada em desverticalização crescente, tanto da
produção quanto do projeto das peças dos carros.
Com relação ao projeto de peças, a política passada de desenvolver e patentear todas as
peças de seus carros tinha gradualmente mudado para um modelo em que os
fornecedores desenvolviam novas peças para a M2, com engenheiros especialistas da
montadora participando ativamente deste desenvolvimento (as patentes ainda eram da
M2). O conceito da M2 para o fornecimento no futuro era baseado em uma terceira fase
em que a M2 apenas definiria o conceito do veículo e as peças seriam totalmente
desenvolvidas pelo fornecedor. Neste caso a patente das peças já seria do fornecedor,
com a montadora tratando-as como uma “caixa preta”. Já existiam, inclusive, algumas
peças sendo fornecidas neste sistema. Neste novo modelo de fornecimento os
engenheiros da M2 seriam realocados para funções de compra.
Como instrumento para negociação de preços, a M2 buscava uma política de planilhas
de custos abertas com seus fornecedores. Porém, seus maiores fornecedores não
aceitavam trabalhar com esta política. Segundo relato da montadora, a adoção da
política de planilhas abertas com alguns fornecedores facilitava eventuais re-
negociações de preço quando comprovado que existiam aumentos de custo. Já as re-
negociações de preço com aqueles que não trabalhavam com planilhas abertas tinham a
tendência a ter de ser mediadas pelas matrizes das empresas.
O relacionamento com os principais fornecedores em nível global era considerado como
sendo de parceria/amistoso. Não obstante, devido a um grave problema de redução no
volume de produção da planta brasileira, surgiram localmente alguns focos de conflito
nas negociações com os fornecedores. Segundo relato de um dos entrevistados: “...nós
temos alguns casos hostis em que existe a necessidade da interferência da matriz”.
69
4.1.2.2. As Práticas Vigentes de Fornecimento
4.1.2.2.1. Seleção de Fornecedores
A seleção de fornecedores era realizada globalmente pela matriz. Existiam por volta de
dois a três fornecedores mundiais já pré-selecionados para cada módulo ou componente,
considerado estratégico, comprado pela M2. O módulo do ar condicionado é um
exemplo de peça para o qual existem três fornecedores mundiais pré-selecionados. No
caso da M2-Brasil o fornecedor selecionado tinha participado ativamente do
desenvolvimento do projeto do módulo, tornando-se fornecedor exclusivo para o carro
mundial.
O histórico de atuação destes fornecedores mundiais era acompanhado (desempenho,
preço e qualidade) para cada projeto, e o seu re-aproveitamento em um novo projeto iria
depender do seu desempenho nos últimos projetos.
Assim como na M1, os contratos utilizados com os fornecedores eram de longo prazo,
vinculados ao ciclo de vida do produto fornecido.
4.1.2.2.2. Redução da Base de Fornecedores
Existiam metas globais tanto para a redução no número de peças fornecidas por carro
(aumento da modularização) quanto para a redução no número de fornecedores por peça
(o objetivo era ter de dois a três fornecedores globais por peça). O fornecimento de
determinada peça para determinado carro funcionava como single sourcing (para cada
projeto existia um fornecedor único para as principais peças/módulos). O fornecedor era
escolhido antes do projeto, participava do projeto e ficava reponsável por aquele
fornecimento para aquele carro.
Na M2 brasileira, a pequena escala de produção inviabilizava a alocação de mais de um
fornecedor por peça, mesmo para o fornecimento de peças consideradas commodities.
70
Os pneus/roda eram a exceção à regra, com três fornecedores qualificados e
homologados para o fornecimento.
No Brasil, praticamente não havia existido redução na base de fornecedores
inicialmente definidos para a planta. Apenas alguns poucos com baixo desempenho
foram removidos. Em nível mundial, existia a tendência de redução de fornecedores
por: a) escolha de poucos e talentosos fornecedores para cada peça/módulo e b) re-
alocação de fornecedores menores para sub-fornecedores.
4.1.2.2.3. A Modularização do Fornecimento
Algumas das principais peças do carro já eram fornecidas em módulo: painel de
controle; ar condicionado; arrefecedor; tampa traseira; sistema de combustível; chicotes
e eixos.
Não obstante, a estratégia de modularização era ainda crescente na empresa. Para se
tornar um fornecedor de primeiro nível da empresa, deveria se assumir cada vez maiores
fatias/responsabilidades do fornecimento. Como exemplo pode-se citar o caso de um
fornecedor da M2 que havia comprado outro fornecedor (de mangueiras) visando
transformar-se em um fornecedor de módulos completos de ar condicionado
É interessante ressaltar que em alguns casos de fornecimento em módulo, a montadora
negociava diretamente com o fornecedor de segundo nível, evitando a perda de sua
alavancagem comercial e garantindo preços competitivos para seu fornecedor de
primeiro nível.
4.1.2.2.4. Utilização de Ativos Especializados
O investimento nas plantas instaladas junto à fábrica da montadora havia sido
totalmente realizado pelos fornecedores, caracterizando um investimento de longo prazo
em ativos geograficamente específicos, cujo retorno deveria ser viabilizado através de
parcelas de amortização incorporadas ao preço das peças.
71
Porém, a situação de baixo volume de produção que havia se configurado após o
período inicial de vendas levou a M2 a optar por comprar as plantas desses
fornecedores. Temia-se o fechamento das mesmas por causa de inviabilidade econômica
do fornecimento nos níveis que se apresentavam. É interessante ressaltar que a compra
das plantas dos fornecedores não foi motivada por uma estratégia específica da
montadora, mas sim pela configuração de uma situação de risco que poderia inviabilizar
o negócio.
Já os investimentos específicos no ferramental de produção, inclusive nas ferramentas
que haviam sido desenvolvidas conjuntamente com os fornecedores, foram realizados
pela montadora. Os fornecedores utilizavam este ferramental por um determinado
período de tempo a partir de um contrato de comodato. Após o término do contrato as
ferramentas eram devolvidas para a M2.
A estratégia da montadora de ser proprietária das ferramentas vinculadas a suas peças
patenteadas tinha como principais objetivos a redução de dependência do fornecedor e a
manutenção do controle sobre um ferramental que poderia ser, eventualmente, utilizado
de forma ilegal no abastecimento do mercado negro de peças de reposição.
Com relação a investimentos em ativos específicos com características mais
operacionais, deve-se citar os investimentos que haviam sido realizados pelos
fornecedores em embalagens específicas, sistemas e certificações de qualidade
específicas.
4.1.2.2.5. Localização Geográfica dos Fornecedores
Não existia uma política agressiva de proximidade física que determinasse que “x%”
dos fornecedores da M2 tivessem que estar a determinada distância física em
determinado prazo de tempo.
72
A montadora adotava, porém, uma política de ter seus fornecedores considerados
estratégicos em seu “condomínio industrial”. No caso da M2 brasileira eram oito
fornecedores nesse condomínio, com quatro fornecendo diretamente na linha de
produção (freio/combustível; pneu/roda; bancos/assentos; painel). Os oito fornecedores
do condomínio industrial realizavam entregas just-in-sequence.
Existiam, adicionalmente, cinco fornecedores em um “parque externo”, com grande
proximidade física da planta.
O condomínio trabalhava com um conceito de “ilha fiscal”, com as transações sendo
registradas através da leitura de códigos de barra na entrega das peças, sem a
necessidade de emissão de notas fiscais a cada transação.
Havia sido adotado para os fornecedores do parque interno e do externo uma política de
exclusividade no fornecimento. Esse conceito de exclusividade causava um grave
problema com os fornecedores, que deveriam ter seus investimentos amortizados nos
custos da peças fornecidas, mas não recebiam escala de pedidos suficiente para tal. Por
questões legais/tributárias, o conceito de “ilha fiscal” adotado no parque interno
impossibilitava que essas empresas pudessem fornecer para outras montadoras,
inviabilizando a redução da ociosidade. Já os fornecedores externos não tinham esse
tipo de restrição e buscavam ativamente negócios com outras montadoras.
4.1.2.2.6. Global Sourcing
A estratégia de fornecimento da M2 era fortemente apoiada em políticas de global
sourcing. No empreendimento brasileiro, 40% (em valor) das peças eram fornecidas
nesta modalidade. Existiam três motivos principais para a adoção desta política: a)
preço - não compensava duplicar algumas ferramentas para ter um fornecimento local;
b) tecnologia - não existia tecnologia desenvolvida no Brasil para fornecer determinadas
peças; c) estratégia - não existia fábrica de motor da M2 no Brasil.
73
4.1.2.2.7. Troca de Informação e Infra-estrutura Tecnológica
A troca de informações existentes entre montadora e fornecedores era principalmente
aquela necessária para coordenação do fluxo de materiais (just-in-time para
fornecedores externos e just-in-sequence para os fornecedores internos) e para a
realização de negociações comerciais (transações de um para um). Com os fornecedores
instalados dentro do parque industrial trocavam-se informações através de intranet. Já
com os de fora, utilizava-se o formato ANFAVEA de troca de dados por EDI.
Informações relacionadas com o custo das peças fornecidas eram trocadas com alguns
fornecedores (política de planilhas abertas). Não objetivava, porém, a realização de
programas conjuntos de engenharia de valor.
Dentro do conceito de Extended Enterprise adotado pela M2 com seus fornecedores, as
matrizes da M2 e seus principais fornecedores trocavam informações relacionadas com
o direcionamento estratégico para os próximos anos.
4.1.2.2.8. Desenvolvimento de Fornecedores
A M2 adotava uma política de desenvolvimento de fornecedores que era baseada nas
oportunidades verificadas durante auditorias de processo periódicas. Eram checadas
oportunidades de melhoria em questões relacionadas com os processos (desperdícios),
meio ambiente e treinamento. A montadora estava evoluindo para um conceito de
“Kaizen” nos fornecedores, visando analisar continuamente as oportunidades de
redução de desperdício e mudanças de processos.
As oportunidades de melhorias detectadas nas auditorias periódicas poderiam ser
transformadas em projetos cujos ganhos/reduções de custos seriam compartilhados entre
montadora e fornecedores. Projetos que envolvessem grandes mudanças (por exemplo,
mudança de tecnologia para nacionalização de peças) deveriam ser aprovados pela
matriz.
74
A possibilidade de transferência de know-how e/ou redução de custos para outras
montadoras ao desenvolver um fornecedor não-exclusivo era vista como real, porém era
também considerada como um risco normal do negócio.
É interessante perceber que as auditorias que eram apresentadas como oportunidades
para o desenvolvimento de fornecedores tinham também como objetivo dar notas aos
fornecedores. No caso da M2 brasileira, as auditorias, que tinham participação dos
compradores, funcionavam também como oportunidade para a montadora pressionar os
fornecedores em questões de qualidade e preço. Segundo um dos entrevistados:
“Funcionam muito bem (as auditorias). Para nós é uma política fundamental”.
Com relação ao desenvolvimento dos funcionários dos fornecedores não existia uma
política estruturada de investimentos. Considerava-se que os investimentos em
treinamento desses funcionários eram de responsabilidade dos próprios fornecedores.
4.1.2.2.9. Desenvolvimento Conjunto de Produtos
O desenvolvimento conjunto de produtos com fornecedores era uma prática na matriz,
onde fica o departamento de pesquisa e desenvolvimento da montadora.
Na matriz, o envolvimento dos fornecedores se dava através da participação em
plataformas de desenvolvimento com equipes formadas por engenheiros da montadora e
do fornecedor. Existia uma tendência de que a participação do fornecedor no
desenvolvimento poderia vir a ser ainda maior, com a montadora perdendo a liderança
tecnológica em uma série de peças/módulos fornecidos.
No Brasil existiu um esforço conjunto durante o período de planejamento do
empreendimento, em que engenheiros dos fornecedores analisaram conjuntamente com
a montadora as oportunidades de melhorias locais do projeto.
75
4.1.2.2.10. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento
Apresenta-se a seguir um quadro resumo nos mesmos moldes daquele montado para
M1. Mais uma vez, deve-se ressaltar que não tem como objetivo ser uma medida
quantitativa, mas sim de avaliação de tendências.
76
Quadro 4.2. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento de M2
Baixo PRÁTICAS DE FORNECIMENTO
Modelo Tradicional
Novas Práticas
Seleção de Fornecedores Contratos de Curto
Prazo
Multiple-Sourcing Single-Sourcing
Poucos Mecanismos de Avaliação de Desempenho
Avaliação de Desempenho Complexa
Contratos de Longo Prazo
Redução da Base de Fornecedores
Existência de Fornecedores de Baixo Desempenho
Remoção de Fornecedores de Baixo Desempenho
Realocação de Alguns Fornecedores para Segundo Nível
Existência de Fornecedores Diretos de Pequeno Porte
Modularização
Projeto Próprio Terceirização de Projetos
Fornecimento em Módulos
Fornecimento de Componentes Individuais
Intermediário Alto
Utilização de Ativos Especializados
Pouco Investimento dos Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos
Baixo Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico
Alto Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico
M2
M2
M2
M2
M2
M2
M2
M2 Alto Investimento de Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos
M2
77
PRÁTICAS DE FORNECIMENTO
Modelo Tradicional
Novas Práticas
Localização Geográfica
Fornecedores sem Proximidade Física
Fornecedores com Proximidade Física (no limite dentro da planta)
Global Sourcing Suprimento não Coordenado Globalmente
Utilização de Políticas de Global Sourcing
Troca de Informações
Pouca Troca de Informações de Fluxo de Materiais
Troca de Informações de Fluxo de Materiais
Utilização de Recursos de Tecnologia da Informação
Sem Transparência de Custos
Pouca Utilização de Ferramentas Tecnológicas
Troca de Informações - Planilhas de Custo
Desenvolvimento de Fornecedores
Treinamento de Funcionários dos Fornecedores
Sem Envolvimento na Melhoria dos Processos do Fornecedor
Sem Envolvimento no Treinamento dos Funcionários do Fornecedor
Análises da Cadeia de Valor do Fornecedor
Baixo Intermediário Alto
DesenvolvimentoConjunto de Produtos
O Produto é Desenvolvido pela Montadora
Fornecedores Participam do Desenv. do Produto (local ou mundialmente)
Não há Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora
Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora
Infra-Estrutura Tecnológica
M2
M2
M2
M2
M2
M2
M2
M2
M2
78
4.1.2.3. Percepções Relativas ao Empreendimento
4.1.2.3.1. Benefícios e Problemas das Atuais Práticas
Os principais pontos fortes identificados na estratégia de fornecimento adotada pela M2
no Brasil eram relacionados com: a) proximidade física com fornecedores; b) utilização
de fornecimento modularizado; c) utilização de global sourcing / follow sourcing e d)
políticas de seleção de fornecedores.
Localização Geográfica:
Os principais benefícios percebidos com relação a uma maior proximidade dos
fornecedores eram relacionados com a redução de estoques, viabilizada por entregas
just-in-sequence e o aumento da confiabilidade do fornecimento.
Modularização:
As vantagens percebidas na estratégia de modularização eram responsabilidade única
pela qualidade do módulo; responsabilidade única pelo mercado de pós-vendas;
desenvolvimento tecnológico do módulo como core-business do fornecedor; redução
de investimentos e redução dos custos de transação.
Global Sourcing:
A política de global sourcing associada à instalação dos fornecedores internacionais da
M2 no Brasil teve como ponto positivo viabilizar um rápido start-up da montadora.
Seleção de Fornecedores:
A M2 brasileira conseguia, através de políticas de avaliação de desempenho de
fornecedores, pressionar e barganhar com seus fornecedores locais. Explica-se: as
avaliações do desempenho de cada fornecedor eram realizadas por projeto e essas
avaliações eram utilizadas para definir a escolha de fornecedores para cada novo projeto
79
da OEM7, ou seja, os fornecedores dependiam, em um nível mundial, das avaliações de
desempenho da unidade brasileira.
Existiam, porém, problemas percebidos na adoção das atuais práticas de fornecimento
relacionadas com: a) redução da base de fornecedores; e b) modularização.
Redução da Base de Fornecedores:
Problemas relacionados com o aumento da dependência da montadora. A adoção de
single sourcing gerava uma situação em que os fornecedores podiam explorar a
dependência da montadora de seu fornecimento, que era único, para ser mais agressiva
nas negociações de preço. Segundo relato de um dos entrevistados: “a dependência é
total... eles têm a faca e o queijo na mão”.
Modularização:
Existiam desvantagens percebidas na estratégia de modularização: perda de
alavancagem na negociação (fornecedores maiores e margem do sistemista nas peças do
módulo); risco do módulo se tornar “caixa preta” com perda de liderança tecnológica na
cadeia e maior dificuldade em conseguir apurar o custo real do módulo mesmo através
de políticas de planilhas abertas.
4.1.2.3.2. Entraves e Estímulos Encontrados
Os principais entraves encontrados na implantação da estratégia de fornecimento da M2
estavam relacionadas com a ausência de tecnologia desenvolvida no Brasil para
fornecer determinadas peças, com a pequena escala de produção, com a falta de
conhecimento prévio do parque de fornecedores local e com questões
operacionais/burocráticas relacionadas com a importação de peças.
Ausência de Tecnologia Local e Pequena Escala de Produção:
A ausência de parque fornecedor local com capacitação para produção de peças com
alto nível tecnológico associada com a pequena escala da produção local havia obrigado
7 OEM – Original Equipment Manufacturer. Fabricante original de equipamentos (neste caso, de carros)
80
a M2 a depender muito do fornecimento internacional, com todos os riscos econômicos
e operacionais inerentes a esta opção.
Falta de Conhecimento do Parque Local:
As definições da política de fornecimento do empreendimento haviam sido todas
tomadas na matriz, sem que houvesse um conhecimento profundo da realidade brasileira
de fornecimento. Foram tomadas algumas decisões que geraram atrasos e aumento de
custo no fornecimento. Por exemplo: a) as ferramentas foram feitas fora do Brasil, sem
que se avaliasse se já não existiam similares no parque de fornecedores brasileiro; b)
alguns processos e ferramentas definidos na matriz não serviam para a realidade
brasileira – por exemplo, alguns estampos foram feitos sem que houvesse nenhum
injetor no Brasil em que eles pudessem ser fixados.
Importação de Peças:
A importação de peças gerava dificuldades relacionadas com o grande lead time do
fornecimento (cerca de 40 dias) e também com problemas burocráticos relacionados
com a re-importação de peças que haviam sido devolvidas: a alfândega brasileira não
aceitava eventuais modificações de projeto que pudessem ter sido realizadas na peça
que estava sendo re- importada.
Os estímulos encontrados para implantação das novas práticas de fornecimento eram
relativos a liberalidades e benefícios fiscais concedidos pelo Estado e à existência de
uma base de fornecedores prévia, relativa a um outro empreendimento do grupo.
4.1.2.3.3. Visão de Futuro da Estratégia de Relacionamento
A principal tendência da estratégia de relacionamento futuro com os fornecedores era a
terceirização progressiva de funções de agregação de valor, com a montadora focando
seus esforços na definição de novos carros.
Na visão de futuro de M2, os fornecedores passariam de meros fabricantes de peças
para assumir uma posição de liderança no desenvolvimento de determinados tipos de
81
produtos (geralmente sistemas inteiros). Estes produtos passariam a ser de patente do
fornecedor com a montadora tendo pouca ingerência sobre o seu desenvolvimento.
4.1.3. A Montadora M3
A montadora M3 era um dos recentes empreendimentos automobilísticos instalados no
Brasil, com cerca de 3.500 funcionários alocados à sua planta, que havia sido
inaugurada no início da década de 2000. Possuía uma pequena linha de produtos sendo
fabricados no Brasil, sendo o seu mix de produtos complementado com carros nacionais
de outras plantas e carros importados. Trabalhava com índice de nacionalização em
torno de 95% (considerando-se apenas o fornecimento direto). Possuia baixo grau de
integração vertical, com a grande maioria dos seus componentes sendo fabricados por
terceiros. Sua participação de mercado estava sendo crescente desde o seu recente início
de atividades.
4.1.3.1. A Estratégia de Fornecimento
A estratégia de relacionamento com fornecedores da M3 tinha sido definida por uma
equipe composta por técnicos brasileiros e da matriz. O resultado final havia sido
apresentado a um board na matriz, tendo sido feitos ajustes para o alinhamento com a
estratégia mundial de compras da empresa.
Neste empreendimento buscava-se aplicar todos os conceitos considerados best
practices na indústria automobilística. A utilização agressiva de conceitos de liderança
dos fornecedores no desenvolvimento de produtos, de redução da base de fornecedores
e de localização geográfica próxima, com política única de recursos humanos, era
considerada pioneira no grupo.
Era aplicado, adicionalmente, o conceito de fornecimento em grandes módulos
diretamente na linha de montagem, configurando uma política de desverticalização de
parte da produção. A montagem na linha de produção continuava, porém, na sua maior
parte, sob a responsabilidade da M3. Os 30% do valor do carro que eram fornecidos
82
sem modularização inviabilizavam que pudesse ser definida uma estratégia de
montagem do carro pelos fornecedores.
O relacionamento com os fornecedores era, de forma geral, fortemente influenciado por
pressões relacionadas à renegociação de preços por aumento de custos, tornando-o, na
maioria dos casos, hostil.
Já na parte técnica do relacionamento, poderia se identificar dois principais grupos de
fornecedores: um primeiro grupo entendia os objetivos comuns das empresas e
trabalhava conjuntamente em programas de engenharia de valor e redução de custos; um
segundo grupo usava a dependência da montadora do seu fornecimento único tentando
renegociar preços como forma de repassar os eventuais aumentos de custo das peças.
A utilização de planilhas de custos abertas era considerada pela M3 como sendo
condição necessária para balizar as discussões de alterações de preço por aumento de
custo com qualquer fornecedor. Era também considerada necessária para a realização de
programas de engenharia de valor. Considerava-se porém que nem todas as empresas
abriam as planilhas no nível de detalhamento desejado.
4.1.3.2. As Práticas Vigentes de Fornecimento
4.1.3.2.1. Seleção de Fornecedores
A seleção de fornecedores para este empreendimento tinha sido considerada pioneira no
grupo, tendo sido realizada a partir de um trabalho rigoroso de escolha dos fornecedores
com melhor histórico de desempenho da M3 no Brasil e/ou Argentina. A escolha local
havia sido submetida a um conselho mundial de compras na matriz, sendo feitas
algumas alterações na seleção original visando incluir aqueles fornecedores mundiais
considerados estratégicos.
Os principais fornecedores selecionados para participar do projeto da M3 foram
convidados a se instalar em um parque de fornecedores junto à fábrica, garantindo
83
contratos de longo prazo e de exclusividade de fornecimento com envolvimento no
projeto.
Existia, adicionalmente, um esforço para selecionar novos fornecedores para instalação
junto à M3. Este fornecimento não seria de itens estratégicos, mas devido ao grande
investimento específico demandado seriam garantidos contratos de longo prazo. Os
critérios de seleção para esses fornecedores não eram rigorosos. Considerava-se,
inclusive, que alguns fornecedores pudessem ser desenvolvidos “do zero”, desde que
estivessem dispostos a se instalar nas proximidades da fábrica.
4.1.3.2.2. Redução da Base de Fornecedores
A M3 adotou uma estratégia de redução da sua base de fornecedores calcada na
integração de componentes em módulos e remoção de fornecedores com baixo
desempenho.
Integração de componentes em módulos:
A estratégia da M3 era fortemente baseada em fornecimento em módulos, o que reduzia
sobremaneira o número de fornecedores com quem a montadora tinha relacionamento
direto. Os 31 grandes fornecedores localizados junto à fábrica da M3 forneciam 70% do
valor do carro.
Remoção de fornecedores de baixo desempenho :
Havia sido feito um grande trabalho nos últimos três anos visando a redução do número
de fornecedores por peça, com uma seleção daqueles considerados os de melhor
desempenho – foram usados critérios como qualidade, número de paradas de linha,
cadeia de valor eficiente, etc. Reduziu-se a base em 10 vezes: dos cerca de 1500
fornecedores originalmente existentes, haviam sido escolhidos por volta de 150
fornecedores-chave.
84
Mesmo após a escolha e aprovação dos fornecedores-chave que iriam ser convidados
para se instalar junto à planta da M3, ainda houve a remoção de alguns fornecedores
selecionados que apresentavam problemas de qualidade.
Trabalhava-se com fornecimento single sourcing nessa etapa de início de atividades,
com pouca escala de produção. A estratégia para o futuro era manter o single sourcing
com as empresas que se instalassem junto à planta e tornar de fornecimento duplo
aquelas peças em que não fazia sentido incentivar a produção local, já que dependiam
de enorme escala de produção, por exemplo, amortecedores e embreagens.
4.1.3.2.3. A Modularização do Fornecimento
Conforme mencionado anteriormente, a estratégia de fornecimento de M3 era
fortemente baseada no conceito de modularização. Eram 31 fornecedores modulistas
instalados junto a M3 (representando 70% do valor do carro) e que haviam participado
ativamente do desenvolvimento conceitual dos módulos fornecidos.
Exemplos de módulos fornecidos:
- Módulo de Suspensão (suspensão, motor, freio, torres, etc)
- Módulo do Banco
- Módulo Soft Trim (carpete, isoladores acústicos, etc)
- Módulo de Body Shop (fechamento da carroceria)
- Módulo das Portas
- Módulo de Front-End (inclui ar condicionado)
A política adotada em M3 era a de fornecimento de módulos considerados grandes e
complexos. Temia-se, porém, que caso os módulos se tornassem ainda maiores e mais
complexos, poderia-se chegar a uma situação em que a modularização deixaria de ser
interessante para M3, com os fornecedores agindo oportunisticamente ao fornecer
grandes “caixas pretas” sem um efetivo controle de custos por parte das montadoras.
Segundo um dos entrevistados, “...chega um limite que a modularização fica cara para
85
você...o processo fica fora do seu controle...se você não tem a flexibilidade de falar: ‘se
você não faz eu faço’ (alguma modificação), o fornecedor fica muito à
vontade...portanto você tem de observar sempre este limite, até onde você vai com a
modularização”.
É interessante ressaltar, ainda, que para evitar o aumento de custos na compra de
componentes para os módulos, M3 muitas vezes realizava diretamente a negociação
comercial para comprar componentes que seriam montados no módulo por um outro
fornecedor. O objetivo era não desperdiçar a sua grande alavancagem comercial,
evitando aumentar o custo final dos módulos.
4.1.3.2.4. Utilização de Ativos Especializados
Os principais investimentos em ativos especializados realizados por M3 e seus
fornecedores eram aqueles referentes aos ativos geograficamente específicos. A infra-
estrutura básica era toda fornecida pelo governo do Estado (terreno, energia e fibra
ótica), o investimento em asfalto (pavimentação) era todo de M3 e cada fornecedor
investiu na sua fábrica específica, com a amortização de seus investimentos sendo
incluída no preço das peças fornecidas.
Com relação à dependência criada com o investimento em ativos geograficamente
específicos, vale notar que se percebia em alguns fornecedores comportamentos
oportunísticos, que visavam alavancagem nas negociações comerciais contando com a
dependência de M3 de seu fornecimento. Segundo relato de um dos entrevistados:
“alguns usam contra a M3 o fato de estar aqui, visando ‘ganhar mais pedrinhas’... usam
as famosas pressões de parar a linha...”.
O investimento nas ferramentas especializadas era todo dos fornecedores, porém M3
comprava gradativamente esses ativos (no horizonte de cinco a dez anos) a partir de
amortizações no preço das peças compradas.
86
4.1.3.2.5. Localização Geográfica dos Fornecedores
A montadora adotava para este empreendimento a estratégia de instalação em área
green field com grande proximidade física de seus principais fornecedores (70% do
valor fornecido já estava dentro do condomínio industrial). Existiam, no total, 31
fornecedores dentro de seu parque industrial.
Já havia outras empresas se instalando próximas ao empreendimento, formando um
parque externo. A política de M3 era expandir ainda mais este parque externo,
oferecendo, além dos benefícios econômicos concedidos pelo Estado, um contrato de
longo prazo com exclusividade de fornecimento e inclusão em seus programas de
desenvolvimento de fornecedores. Visava-se, assim, a redução dos preços das peças que
eram trazidas de grandes distâncias.
M3 não exigia exclusividade de fornecimento das empresas instaladas no seu parque
interno ou externo. Pelo contrário, estas eram incentivadas a aproveitar o fluxo de
retorno do transporte das peças que chegariam, para fornecer para outras montadoras,
aumentando sua escala de produção (e viabilizando reduções no custo das peças
fornecidas para M3).
Havia sido criado um regime fiscal especial para M3, que só recebia a nota fiscal dos
seus fornecedores localizados no parque industrial quando o carro já estava saindo do
condomínio industrial, pronto para a venda ao consumidor final (regime de pay for
production). Esta prática viabilizava a eliminação de custos burocráticos envolvendo a
emissão de notas fiscais para o fornecimento das peças/módulos.
Uma outra conseqüência do regime fiscal especial era que os fornecedores só recebiam
quando o carro estivesse pronto para ser vendido. Por isso alguns fornecedores
acabavam tendo seu faturamento atrasado por problemas em peças fornecidas por outra
empresa.
87
Adicionalmente, é interessante ressaltar que a estratégia adotada com relação à política
de recursos humanos tinha sido a de unificar a base salarial/benefícios dos trabalhadores
tanto da montadora quanto dos fornecedores. Essa estratégia esbarrou inicialmente em
políticas corporativas de recursos humanos de algumas empresas fornecedoras, mas
acabou sendo implementada com sucesso.
4.1.3.2.6. Global Sourcing
Existia um conselho mundial de compras que definia as políticas de fornecimento de
M3, buscando cotações globais com seus principais fornecedores. Dois principais
fatores dificultavam a inserção da M3 Brasil nessas políticas de compra global: a
plataforma utilizada no veículo produzido no Brasil era independente das demais
plataformas mundiais e o fornecimento local estava muito mais barato em dólar do que
qualquer fornecimento internacional.
Por causa da desvalorização do real, o movimento que estava ocorrendo era o de os
melhores fornecedores de M3 Brasil começarem a ganhar outros fornecimentos globais
da montadora. Era esperado que o envolvimento das empresas locais em fornecimentos
globais fosse mais intensificado a partir do momento em que a plataforma brasileira
começasse a se tornar uma plataforma internacional.
4.1.3.2.7. Troca de Informação e Infra-estrutura Tecnológica
Existia em M3 políticas de troca de informação com fornecedores relacionadas com
fluxo de materiais, planilhas de custos das peças e desenvolvimento colaborativo de
produtos.
A utilização de sistemas de tecnologia de informação tinha sido especialmente intensa
durante o período de concepção do projeto, com o desenvolvimento colaborativo dos
produtos sendo coordenado eletronicamente entre diversas unidades mundiais de M3 e
de seus fornecedores internacionais.
88
A abertura dos custos das peças fornecidas era solicitada por M3 para viabilizar re-
negociações de preço e também para realização de programas conjuntos de redução de
custos. Porém, o nível de detalhamento de custos dessas planilhas era, em muitos casos,
insuficiente para viabilizar um efetivo acompanhamento dos custos das peças.
4.1.3.2.8. Desenvolvimento de Fornecedores
Existia em M3 um esforço estruturado e contínuo para o desenvolvimento dos
fornecedores e redução de custos. Segundo relato de um dos entrevistados: “...queremos
fornecedores fortes em termos de processos de qualidade e eliminação de desperdício”.
O programa existente era baseado em análise da cadeia de valor dos fornecedores, e
tinha como pré-requisito a transparência de custos dos mesmos. Existia uma equipe de
35 funcionários de M3 (incluindo engenheiros e equipe de suporte) focados na
otimização de custos e engenharia de valor. Esta equipe realizava workshops com os
fornecedores e em alguns casos desenvolvia fornecedores praticamente “do zero”.
A M3 adotava, mundialmente, uma política de compartilhamento dos benefícios
auferidos no desenvolvimento de fornecedores. Em alguns casos, os investimentos eram
realizados totalmente por M3. Como retorno cobrava-se do fornecedor determinada
redução do preço da peça durante o período em que ela era fornecida.
Adicionalmente, M3 realizava grandes investimentos em capital humano de seus
fornecedores. Ao todo, M3 investiu em quase 1000 horas de treinamento para os
funcionários dos fornecedores. Um dos treinamentos dados para todos os 31
fornecedores instalados junto à fábrica foi em 6 sigma/black belt. Buscava-se, assim, o
aperfeiçoamento dos fornecedores em análises estatísticas e de processos.
Não existiam grandes preocupações com o vazamento de tecnologia/know how, que
determinado fornecedor poderia ter desenvolvido a partir de um investimento de M3,
para as outras OEM’s concorrentes de M3. Nestes casos acreditava-se que as reduções
de custo obtidas com o investimento de M3 não se transformariam necessariamente em
89
reduções de preço para as outras montadoras – os fornecedores simplesmente
aproveitariam para aumentar sua margem ao fornecer para as outras OEM’s.
4.1.3.2.9. Desenvolvimento Conjunto de Produtos
No projeto de M3 no Brasil, a participação dos fornecedores no desenvolvimento das
peças havia sido iniciada 30 meses antes do assim chamado “Job #1”8. M3 havia
participado ativamente do desenvolvimento do conceito do carro com 250 engenheiros e
os fornecedores tinham tido a liderança no desenvolvimento em peças/módulos como
suspensão, bancos, módulo dianteiro e de arrefecimento. Este projeto foi iniciado nas
matrizes da montadora e dos fornecedores e foi, posteriormente, transferido para as
filiais brasileiras.
No ano de 2000, a M3 mundial desenvolveu um programa cujo princípio era transferir
progressivamente o desenvolvimento de peças e módulos para seus fornecedores.
Acreditava-se que os fornecedores tinham como core business pesquisar e desenvolver
os produtos que forneciam. Esse programa da M3 mundial foi aplicado de forma
pioneira no empreendimento brasileiro, em que vários projetos de peças e módulos
tiveram os seus desenvolvimentos liderados por fornecedores.
A percepção de M3 era de que esta transferência da liderança no desenvolvimento
causava uma perigosa dependência da montadora de seu fornecedor desenvolvedor.
Segundo um dos entrevistados, “quando se perde a (liderança na) tecnologia, se perde
tudo”. Existem relatos de que o aumento da vulnerabilidade da montadora chegou a ser,
inclusive, explorado por alguns fornecedores, que demonstraram comportamentos
oportunísticos em renegociações de preço de peças/módulos.
No caminho inverso do inicialmente trilhado, M3 tinha agora como estratégia manter a
liderança tecnológica no desenvolvimento de produtos. Os fornecedores continuavam,
porém, a ter uma importante participação no desenvolvimento de produtos.
Considerava-se, inclusive, que o relacionamento dos fornecedores com outras OEMs
8 Job #1 é a primeira montagem de veículo realizada em uma fábrica
90
ajudava M3 a ter acesso a novas idéias e tecnologias para o desenvolvimento de novos
produtos e para mudanças nos atuais.
4.1.3.2.10. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento
Apresenta-se a seguir um quadro resumo nos mesmos moldes daquele montado para M1
e M2. Mais uma vez, deve-se ressaltar que não tem como objetivo ser uma medida
quantitativa, mas sim de avaliação de tendências.
91
Quadro 4.3. Quadro Resumo das Práticas de Fornecimento de M3
Baixo PRÁTICAS DE FORNECIMENTO
Modelo Tradicional
Novas Práticas
Seleção de Fornecedores Contratos de Curto
Prazo
Multiple-Sourcing Single-Sourcing
Poucos Mecanismos de Avaliação de Desempenho
Avaliação de Desempenho Complexa
Contratos de Longo Prazo
Redução da Base de Fornecedores
Existência de Fornecedores de Baixo Desempenho
Remoção de Fornecedores de Baixo Desempenho
Realocação de Alguns Fornecedores para Segundo Nível
Existência de Fornecedores Diretos de Pequeno Porte
Modularização
Projeto Próprio Terceirização de Projetos
Fornecimento em Módulos
Fornecimento de Componentes Individuais
Intermediário Alto
Utilização de Ativos Especializados
Pouco Investimento dos Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos
Baixo Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico
Alto Investimento dos Fornecedores em Ferramental Específico
M3
M3
M3
M3
M3
M3
M3
M3
M3
Alto Investimento de Fornecedores em Ativos Geograficamente Específicos
92
PRÁTICAS DE FORNECIMENTO
Modelo Tradicional
Novas Práticas
Localização Geográfica
Fornecedores sem Proximidade Física
Fornecedores com Proximidade Física (no limite dentro da planta)
Global Sourcing Suprimento não Coordenado Globalmente
Utilização de Políticas de Global Sourcing
Troca de Informações
Pouca Troca de Informações de Fluxo de Materiais
Troca de Informações de Fluxo de Materiais
Utilização de Recursos de Tecnologia da Informação
Sem Transparência de Custos
Pouca Utilização de Ferramentas Tecnológicas
Troca de Informações - Planilhas de Custo
Desenvolvimento de Fornecedores
Treinamento de Funcionários dos Fornecedores
Sem Envolvimento na Melhoria dos Processos do Fornecedor
Sem Envolvimento no Treinamento dos Funcionários do Fornecedor
Análises da Cadeia de Valor do Fornecedor
Baixo Intermediário Alto
DesenvolvimentoConjunto de Produtos
O Produto é Desenvolvido pela Montadora
Fornecedores Participam do Desenv. do Produto (local ou mundialmente)
Não há Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora
Engenheiros dos Fornecedores Residentes na Montadora
Infra-Estrutura Tecnológica
M3
M3
M3
M3
M3
M3
M3
M3
M3
93
4.1.3.3. Percepções Relativas ao Empreendimento
4.1.3.3.1. Benefícios e Problemas das Atuais Práticas
Os principais pontos fortes identificados na estratégia de fornecimento adotada por M3
no Brasil eram relacionados com a) redução na base de fornecedores; b) utilização de
fornecimento modularizado e c) proximidade física com fornecedores.
Redução na Base de Fornecedores:
Os principais benefícios percebidos com relação à redução do número de fornecedores
eram relacionados com menores problemas com qualidade das peças/módulos; a
redução dos custos de transação tanto para montadora quanto do fornecedor (menor
custo fixo para ambos); ganhos de escala e ganhos de agilidade e qualidade no
atendimento (ao se tornar o principal faturamento daquele fornecedor).
Modularização:
A principal vantagem na adoção de um fornecimento altamente modularizado era a
redução de complexidade de atividades de compras e de montagem.
Localização Geográfica:
As vantagens percebidas no fornecimento com proximidade fís ica eram melhor
qualidade (peça sem transporte, peças com menor envelhecimento); melhor
comunicação; maior facilidade nas programações de entrega e maior facilidade nas
resoluções de problemas. Segundo um dos entrevistados: “resolve-se na hora”.
Existiam, porém, problemas percebidos na adoção das atuais práticas de fornecimento
relacionadas com a) redução da base de fornecedores; b) modularização e c) ativos
específicos.
94
Redução da Base de Fornecedores:
Os principais problemas percebidos eram relacionados com o aumento da dependência
do fornecedor (o que era em parte mitigado pelo tamanho da compra com o fornecedor
e também pela sua representação global).
Modularização:
Problemas relacionados com eventual falta de know-how de fornecedores de módulos
que compravam peças de fornecedores de segundo nível mas não tinham capacitação
técnica para resolver os problemas de qualidade de todos os componentes do módulo.
Ativos Específicos:
A existência de ativos geograficamente específicos geravam espaço para o aparecimento
de comportamentos oportunísticos: alguns fornecedores usavam a poder de parar a linha
de produção como pressão para re-negociação de preços.
4.1.3.3.2. Entraves e Estímulos Encontrados
Os principais entraves percebidos eram aqueles relacionadas com a instalação em área
green field e a adoção de conceitos, processos e produtos novos. Com relação a
instalação em área sem tradição automobilística, foram mencionadas dificuldades
relacionadas com a necessidade de investimentos em treinamento da mão-de-obra local
e com a montagem do “zero” de uma base de fornecedores local. A adoção de novas
práticas como transferência de liderança no desenvolvimento de produto para alguns
fornecedores, single sourcing para grande parte do fornecimento e também a forte
adoção da modularização geraram dificuldades relacionadas com o aumento da
vulnerabilidade da montadora que ficou fortemente dependente de alguns fornecedores.
As principais facilidades para a adoção das novas práticas de fornecimento estão
relacionadas com o certo grau de autonomia que a M3 Brasil possuia com relação à
adoção de novas práticas de fornecimento e os estímulos fiscais e econômicos
concedidos pelo governo do Estado para instalação da montadora e seus fornecedores.
95
4.1.3.3.3. Visão de Futuro da Estratégia de Relacionamento Os principais conceitos pioneiros adotados na M3 Brasil tinham como um dos objetivos
servir de teste para futura aplicação em outros empreendimentos da M3 mundial.
Considerava-se, como visão de futuro, que algumas das práticas de fornecimento
adotadas não deveriam ser aplicadas com tanta intensidade:
q O nível de envolvimento do fornecedor com o desenvolvimento das peças/módulos
dos carros não deveria ser de tal ordem que a montadora perdesse a sua liderança
tecnológica. Percebia-se que a perda de liderança tecnológica poderia gerar uma
dependência excessiva de alguns fornecedores.
q A modularização não deveria ser utilizada indiscriminadamente pois chegava-se em
um limite em que o módulo fornecido era uma “caixa preta” para a montadora.
Percebia-se que a perda de controle da tecnologia e dos custos associados a grandes
e complexos módulos gerava comportamentos oportunísticos dos fornecedores.
Considerava-se, também, como visão de futuro, que várias das práticas de fornecimento
adotadas poderiam ser consideradas de sucesso e replicáveis em outras plantas mundiais
da M3: reduções na base de fornecedores, estratégias de desenvolvimento e engenharia
de valor com fornecedores, as políticas de livros abertos, a localização de fornecedores
dentro da fábrica, os projetos de peças compartilhados com fornecedores e a adoção de
fornecimento modularizado.
4.2. ANÁLISE DOS RESULTADOS
As entrevistas descritas nas seções precedentes apresentaram o material necessário a
uma análise das características das relações de fornecimento vigentes nos
empreendimentos automobilísticos de recente implantação no Brasil.
96
O quadro conceitual que serviu de pano de fundo a esta pesquisa apresenta, de forma
sintética, as principais características das práticas apontadas pela literatura como sendo
típicas do novo modelo de fornecimento – normalmente referenciado como enxuto, de
aliança ou parceria - considerado por Arkader (1997) como sendo um modelo
emergente no Brasil. A análise desenvolvida a seguir foi orientada por este quadro
conceitual.
Seleção de Fornecedores
Os processos de seleção de fornecedores nos recentes empreendimentos
automobilísticos brasileiros abordados neste estudo foram considerados bastante
próximos entre si.
Estes processos baseiam-se, fundamentalmente, em um conceito de criação de uma
pequena base de grandes fornecedores internacionais, previamente qualificados pelas
matrizes das empresas, e que são considerados a cada nova necessidade de fornecimento
(normalmente a cada novo modelo de carro).
A seleção propriamente dita se dá a partir da análise do histórico de desempenho de
cada fornecedor previamente qualificado. Os critérios utilizados para classificar o
desempenho dos fornecedores são normalmente claros e objetivos como aquele
apresentado por M1 em seu “Hexágono de Excelência”. É interessante perceber que esta
característica de transparência na seleção de fornecedores é apontada por Dyer (2000)
como tendo forte correspondência com a relação de confiança que se estabelece ent re a
montadora e o fornecedor escolhido.
Adicionalmente, dentre os critérios indicados por Dyer (1996) como sendo típicos de
uma seleção de fornecedores para um relacionamento de parceria – contratos de longo
prazo, fornecedor único com envolvimento no projeto e avaliação de desempenho
complexa – pode-se considerar que todos são característicos dos relacionamentos de
M1, M2 e M3. Dyer (1996) também indica a política de investimentos em ativos
específicos como sendo desejável para este tipo de seleção de fornecedores. Neste caso
97
deve-se ressaltar que a utilização de ativos especializados era bastante presente no
relacionamento de M2 e M3 com seus fornecedores, porém pouco utilizada por M1 e
seus fornecedores.
Apesar dos critérios de seleção descritos até aqui serem a tônica das práticas nos novos
relacionamentos, envolvendo normalmente de 70 a 80% do custo de fornecimento do
carro, existem peças consideradas commodities em que a política de seleção e
relacionamento poderia ser melhor enquadrada no modelo arm’s-length - descrito por
Dyer, Cho e Chu (1998) - com tentativas de maximização do poder de barganha através
de contratos de curto prazo e aumento do número de fornecedores.
Redução da Base de Fornecedores
As iniciativas de redução da base de fornecedores adotadas nos recentes
empreendimentos automobilísticos brasileiros abordados neste estudo foram também
consideradas significativamente semelhantes entre si.
O movimento de redução da base de fornecedores aconteceu nestes empreendimentos
por dois principais motivos: adoção de fornecimento modularizado (com conseqüente
realocação de fornecedores de componentes menores para segundo nível) e remoção de
fornecedores de baixo desempenho.
Em nível mundial o que se percebe é que as matrizes destas montadoras têm como
estratégia trabalhar com poucos fornecedores por peça ou módulo considerados
estratégicos – na M1 mundial, 19 fornecedores já concentram 50% do orçamento de
compras. Essa política global, que está alinhada com a tendência apontada na literatura
(Womack et al., 1991, Lamming, 1993, Dyer e Ouchi, 1993, Dyer, Cho e Chu, 1998) de
utilização crescente de pequena e seleta base de fornecedores, foi transplantada para os
recentes empreendimentos brasileiros através, principalmente, de políticas de follow
sourcing.
98
Modularização do Fornecimento
A escolha estratégica, mencionada por Murray e Sako (1999), de transferência da
produção modular para os fornecedores tem sido adotada em diferentes níveis pelas
montadoras nos recentes empreendimentos brasileiros.
Em M1 e M2 a adoção de fornecimento modularizado era vista como uma estratégia
ainda em crescimento dentro das empresas, que vinham progressivamente substituindo
as peças tradicionalmente fornecidas por módulos cada vez maiores. Existia nestas duas
empresas um claro entendimento dos riscos associados à crescente dependência dos
projetos modulares dos fornecedores. Acreditava-se, porém, que o desenvolvimento dos
módulos fazia parte do core business dos fornecedores e que o perfil de relacionamento
com seus grandes fornecedores internacionais era mitigador desses riscos.
Já em M3, a visão era de que a experiência no empreendimento brasileiro já indicava
um limite na intensidade de aplicação do conceito de modularização. O entendimento
nesta montadora era de que a modularização já havia sido aplicada de forma tão
“agressiva” que os fornecedores começaram a agir de forma oportunística ao fornecer
grandes “caixas pretas”.
Percebem-se, portanto, diferenças nas visões de adoção da modularização entre M1/M2
e M3. Em M1 e M2 a escolha estratégica é a de transferência da produção modular para
seus fornecedores, com um conseqüente aumento de dependência. Conforme previsto
por Murray e Sako (1999), busca-se com essa estratégia um maior foco na marca,
serviços ao consumidor, design do produto e inovações conceituais nos automóveis. Em
M3, a opção futura é pelo fornecimento modularizado sem a perda da liderança
tecnológica na cadeia. Aumentam-se, desta forma, os gastos com pesquisa e
desenvolvimento, porém diminui-se o grau de dependência dos fornecedores.
Utilização de Ativos Especializados
Arkader (1997) segmenta os investimentos em ativos especializados em duas categorias:
investimentos operacionais e genéricos em ativos específicos e aqueles com
99
características estratégicas - estes sim, denotando um comprometimento de longo prazo
com a continuidade do relacionamento e criando uma significativa interdependência
entre as partes.
Em todos os empreendimentos abordados nesta pesquisa, verificou-se, em maior ou
menor grau, a existência de investimentos em ativos especializados com características
estratégicas. Mais especificamente, em todos os casos verificou-se investimentos de
fornecedores em fábricas geograficamente específicas e das montadoras em infra-
estrutura para instalação desses fornecedores.
É interessante ressaltar que, apesar dos investimentos de fornecedores em plantas
geograficamente específicas caracterizarem um certo grau de especificidade de ativo,
apenas no caso de M2 o ativo dos fornecedores é 100% específico àquele
empreendimento, com as empresas localizadas com proximidade física fornecendo com
exclusividade.
Já com relação a outros tipos de investimentos em ativos especializados também com
objetivos estratégicos, percebe-se uma certa divergência nas estratégias de M1, M2 e
M3. Os investimentos em moldes, por exemplo, são todos feitos por M1 e M2. Já no
empreendimento da M3, os fornecedores investiram nos moldes, que estão sendo
progressivamente comprados por M3. Os investimentos em capital humano específico
também são significativamente diferentes entre as montadoras. Neste item, M3 adota
uma política de investir fortemente em treinamento e capacitação dos funcionários dos
fornecedores para atendimento de suas demandas, M1 adota uma política de investir
apenas em treinamentos mais básicos e M2 entende que a capacitação dos funcionários
dos fornecedores para o atendimento de suas demandas é um investimento de obrigação
dos próprios fornecedores.
Percebe-se, portanto, no item de investimento em capital humano uma postura
diferenciada de M3 e das outras montadoras. Esse assunto será abordado com mais
detalhe no item de desenvolvimento de fornecedores.
100
Localização Geográfica
A partir dos investimentos em ativos geograficamente específicos, mencionados no item
anterior, alguns fornecedores das três montadoras estudadas instalaram-se com
proximidade física da planta. É interessante ressaltar que em todos estes projetos optou-
se pela instalação próxima da planta, e não dentro da planta, alinhando-se com uma das
duas correntes atuais apontadas por Salerno, Dias e Zilbovicius (1999) – fornecedores
próximos ou dentro da planta.
Um dos motivos apontados para optar-se pelos fornecedores próximos e não dentro da
planta foi o fato de que ainda existe um significativo percentual de peças dos carros que
não são fornecidas em módulos. A complexidade atual de montagem dessas pequenas
peças é ainda um obstáculo para esse tipo de solução. Porém, a entrega de módulos
diretamente na linha de produção já é uma realidade nestas montadoras.
Dentre as montadoras pesquisadas, M1 foi aquela em que a proximidade física foi
considerada menos importante para sua estratégia de fornecimento, com apenas cinco de
seus fornecedores localizando-se em seu parque interno. No outro extremo, a M3 apoia-
se fortemente em uma estratégia de proximidade geográfica com 31 de seus
fornecedores em seu parque interno.
Global Sourcing
As estratégias de fornecimento definidas para M1 e M2 foram fortemente calcadas em
políticas globais e corporativas de fornecimento. Grande parte dos fornecedores destes
empreendimentos já forneciam, inclusive, para a montagem dos mesmos veículos em
outros países. Em alguns casos o fornecedor internacional se instalou ou se associou
com alguma empresa no Brasil (follow sourcing), e em outros casos o fornecimento é
internacional.
A política adotada por M3 foi distinta da de M1 e M2 por dois motivos principais.
Primeiro, porque M3 já possuia uma sólida base de fornecedores locais. Segundo,
101
porque o veículo montado por M3 em seu recente empreendimento brasileiro faz parte
de uma plataforma nacional, não havendo, portanto, fornecedores previamente definidos
ao nível mundial. Porém, como M3 também tem uma política corporativa global de
fornecimento definida pela matriz, muitas peças/módulos foram cotados com os
fornecedores mundiais estratégicos da montadora.
A utilização de global sourcing nestes empreendimentos visou, de maneira geral, os
benefícios apontados por Monczka et al. (1998): custo/preço; qualidade; acesso à
tecnologia e fornecimento de peças não disponíveis localmente. Percebe-se, porém, que
os dois principais motivos para a adoção foram: a) qualidade: as montadoras não tinham
conhecimento nem confiança significativa na qualidade do fornecimento local e b)
tecnologia: alguns veículos produzidos nestes empreendimentos continham itens de
tecnologia não disponível no Brasil.
É interessante perceber que a forte desvalorização do real frente ao dólar ocorrida nos
últimos anos aumentou significativamente a competitividade das peças produzidas no
Brasil, gerando oportunidades para que uma política de suprimento globalizado
viabilize exportações a partir da base de fornecedores que se instalou no Brasil.
Troca de Informações e Infra-estrutura Tecnológica
Womack et al. (1991), segmenta a troca de informações naquelas relacionadas com o
fluxo de materiais, planilhas de custos ou compartilhamento de tecnologia e
conhecimento. Nos empreendimentos estudados verifica-se que a troca de informações
relacionadas com o fluxo de materiais é amplamente utilizada. Já a abertura das
planilhas de custos acontece apenas com alguns fornecedores. A montadora que revelou
ter um maior acesso a esses tipos de informação dos fornecedores foi M3, que é a única
que utiliza essas informações para realizar análises de racionalização de processos e
engenharia de valor.
Em um nível mundial, o compartilhamento de tecnologia e conhecimento também
acontece em todas as empresas entrevistadas. Nos empreendimentos brasileiros, porém,
102
somente M3 tem um núcleo de pesquisa e desenvolvimento local trabalhando
conjuntamente com fornecedores.
Mudambi e Helper (1998) e Arkader (1997) mencionam que em ambientes não
colaborativos a tendência é que as informações trocadas não sejam estratégicas. Das
entrevistas realizadas, percebe-se que o relacionamento a nível mundial destas
montadoras com seus principais fornecedores envolve trocas de informações
estratégicas, incluindo as previsões de lançamento de novos veículos, com alguns anos
de antecedência.
Com relação à adoção de ferramentas tecnológicas para as trocas de informações é
interessante ressaltar que as três montadoras encontram-se em um estágio similar, com
forte utilização de tecnologia para transferência de informações relacionadas com os
fluxos de materiais (principalmente EDI, intranet e internet) e também adoção de
ferramentas tecnológicas para compartilhamento de informações relacionadas com o
desenvolvimento conjunto de peças/módulos.
Desenvolvimento de Fornecedores
As estratégias de desenvolvimento de fornecedores, muitas vezes consideradas como
necessárias para obtenção de uma política de suprimento enxuto (Lamming, 1993,
MacDuffie e Helper, 1997), são significativamente divergentes nos empreendimentos
pesquisados.
Em um dos extremos está M1, cujo entendimento é que os fornecedores são
especialistas no que fazem e que não é de sua responsabilidade análises de melhorias
contínuas nos seus processos deles. No meio do espectro está M2, que tem uma política
de desenvolvimento de fornecedores atrelada às suas auditorias periódicas, em que são
verificadas questões relacionadas com os processos (desperdícios), meio ambiente e
treinamento. Verifica-se, porém, que as auditorias em M2 tem uma função mista de
desenvolvimento e de cobrança de desempenho, não sendo, portanto, uma ferramenta
totalmente focada no desenvolvimento de fornecedores. M3 está no outro extremo, com
103
um esforço estruturado e contínuo para o desenvolvimento dos fornecedores e redução
dos custos. Existem atualmente cerca de 35 funcionários do empreendimento de M3
focados nas análises de engenharia de valor. Esta mesma equipe realiza workshops com
os fornecedores e, em alguns casos, desenvolver fornecedores praticamente “do zero”.
É interessante perceber que uma importante política, amplamente utilizada pela Toyota,
considerada como um dos ícones nas práticas de desenvolvimento de fornecedores
(Stuart et al., 1998), não é adotada nos empreendimentos pesquisados. O modelo da
Toyota considera que as práticas devem englobar não só o relacionamento independente
de cada fornecedor com a montadora, mas também o relacionamento entre fornecedores
através de suas associações (conhecidas como kyoryoku kai).
Desenvolvimento Conjunto de Produtos
O desenvolvimento colaborativo de produtos com participação ativa de montadoras e
fornecedores faz parte da estratégia mundial de fornecimento de todas as montadoras
entrevistadas. Conforme previsto em artigos da literatura especializada (Womack et al.,
1991; Leverick e Copper, 1998; Wynstra, van Weele e Weggemann, 2001) verifica-se o
envolvimento precoce (com alguns anos de antecedência) dos fornecedores no
desenvolvimento dos produtos, a participação de engenheiros dos fornecedores
residentes nas montadoras, investimentos e comprometimento de ambas as partes no
processo colaborativo.
Apesar de alinhados com relação à necessidade de se estabelecerem mecanismos de
cooperação para o desenvolvimento de produtos, existem divergências com relação ao
limite de transferência de responsabilidade tecnológica para o fornecedor. Lamming
(1993) propõe um modelo para posicionamento de fornecedores na cadeia de
suprimentos que prevê um alto grau de responsabilidade tecnológica tanto da montadora
quanto do fornecedor de primeiro nível.
Na prática, o que se verificou nos empreendimentos estudados é que os principais
fornecedores de primeiro nível já assumem um alto grau de responsabilidade
104
tecnológica e agregação de valor no desenvolvimento dos novos produtos. Começa a ser
discutida, porém, a real necessidade da montadora continuar a assumir o papel de líder
de projeto com liderança tecnológica no desenvolvimento.
Em M2, existe uma estratégia corporativa de transferir a liderança tecnológica no
desenvolvimento de alguns produtos para seus fornecedores. Isso já ocorre em pelo
menos um produto, cuja patente é do fornecedor e não da montadora. Na visão de futuro
desta montadora, serão reduzidos significativamente os gastos com pesquisa e
desenvolvimento e a função de compras será realizada por engenheiros com maior
conhecimento técnico das peças a serem fornecidas. Considera-se que os riscos de
dependência excessiva dos fornecedores são mitigados pela natureza do relacionamento
de longo prazo entre eles.
No empreendimento de M3, relata-se que o caminho de transferência da
responsabilidade tecnológica para o fornecedor já foi trilhado, porém os resultados
relacionados com aumento de vulnerabilidade da montadora associado a
comportamentos oportunísticos de fornecedores obrigou-os a rever esse conceito e a re-
assumir a liderança tecnológica no desenvolvimento.
Resumo das Práticas de Fornecimento
Relaciona-
mento
Prática – Modelo
Conceitual
Prática – Verificado nas
Entrevistas
Aderência?
Seleção de
Fornecedores
Seleção com contratos de
longo prazo, foco no
custo total, fornecedor
único com envolvimento
no projeto, avaliação de
desempenho complexa e
investimentos em ativos
específicos?
Criação de uma pequena base de
grandes fornecedores
internacionais e que são
considerados a cada nova
necessidade de fornecimento. A
seleção propriamente dita se dá a
partir da análise do histórico de
desempenho de cada fornecedor
previamente qualificado.
Sim: em
M1, M2 e
M3
105
Redução da
Base de
Fornecedores
Utilização crescente de
pequena e seleta base de
fornecedores; Remoção
de fornecedores com
baixo desempenho e
integração de
componentes em
módulos
Utilização crescente de pequena
e seleta base de fornecedores,
foi transplantada para os
recentes empreendimentos
brasileiros através,
principalmente, de políticas de
follow sourcing.
Sim: em
M1, M2 e
M3
Modularização
do
Fornecimento
Transferir produção
modular para seus
fornecedores;
Terceirizar projeto dos
módulos.
M1 e M2: progressivamente
substituindo as peças
tradicionalmente fornecidas por
módulos cada vez maiores;
M3: Opção por fornecimento
modularizado sem a perda da
liderança tecnológica na cadeia
Sim: em
M1 e M2
Parcial:
em M3
Utilização de
Ativos
Especializados
Investimentos
geograficamente
específicos; em
equipamentos
especializados; em
capital humano.
Em todos os empreendimentos
abordados nesta pesquisa,
verificou-se, em maior ou
menor grau, a existência de
investimentos em ativos
especializados com
características estratégicas. M1
menos avançada.
Sim: em
M2 e M3
Parcial:
em M1
Global
Sourcing
Visando benefícios de
custo/preço, qualidade,
acesso à tecnologia e
fornecimento de peça
não disponível.
M1 e M2: fortemente calcadas
em políticas globais e
corporativas de fornecimento;
Principais motivos qualidade e
tecnologia;
M3: utilização de global
sourcing em menor intensidade.
Sim: em
M1 e M2
Parcial:
em M3
-
106
Troca de
Informações
Relacionadas aos
fluxos de materiais,
planilhas de custos ou
compartilhamento de
tecnologia e
conhecimento
Em todas: troca de informações
relacionadas com o fluxo de
materiais;
Em M3: Maior acesso a
planilhas de custos e
compartilhamento de tecnologia
e conhecimento no Brasil
Sim: em M3
Parcial: em
M1 e M2
Desenvolvi-
mento de
Fornecedores
Compartilhamento de
informações, redução
de desperdício,
engenharia de valor,
transparência de custos
e difusão de tecnologia
M1: Fornecedores são
especialistas no que fazem...
M2: Auditorias –
desenvolvimento e análise de
desempenho
M3: 35 funcionários focados no
desenvolvimento e análise de
valor.
Sim: em M3
Parcial: em
M2
Não: em M1
Desenvolvi-
mento
Conjunto de
Produtos
Engenheiros dos
fornecedores residentes
na montadora;
Investimentos da
montadora e o
comprometimento do
fornecedor em
desempenhar papel
crítico no processo
Em todas: O desenvolvimento
colaborativo de produtos faz
parte da estratégia mundial de
fornecimento;
Em M2: Existe uma estratégia
corporativa de transferir a
liderança tecnológica;
Em M3: Considera-se que a
liderança tecnologica deve ser
mantida in-house.
Sim: em
M1, M2 e
M3
107
5. CONCLUSÕES
O objetivo deste capítulo é responder às perguntas formuladas por esta pesquisa. Para
tanto, inicia-se respondendo às perguntas mais específicas, que foram propostas como
desdobramento da geral, e na seqüência responde-se a esta pergunta geral: “COMO SE
CARACTERIZAM AS POLÍTICAS DE FORNECIMENTO DAS MONTADORAS,
NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE IMPLANTAÇÃO
RECENTE NO BRASIL?”
5.1. 1A RESPOSTA: PRÁTICAS DE FORNECIMENTO NOS
EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE IMPLANTAÇÃO RECENTE NO
BRASIL
Diante do panorama geral apresentado no capítulo 4, é interessante perceber como a
globalização das atividades na indústria automobilística vem influenciando as
estratégias de fornecimento adotadas nos recentes empreendimentos brasileiros.
Políticas de fornecimento globalizado com adoção de follow sourcing, por exemplo, têm
direcionado as práticas de fornecimento, agora fortemente calcadas em práticas como
seleção de fornecedor único, redução da base de fornecedores e modularização, dentre
outras.
Nota-se, além disso, que existe algum grau de uniformidade no direcionamento
estratégico de fornecimento desses novos empreendimentos. Apesar de os casos
divergirem consideravelmente com relação a práticas como desenvolvimento de
fornecedores, exclusividade de fornecimento para a montadora e nível de participação
do fornecedor no desenvolvimento de produtos, estes compartilham, em grande parte,
políticas gerais condizentes com o novo paradigma de fornecimento enxuto. Há
indicativos, inclusive, de compartilhamento de destinos comuns em todas as montadoras
pesquisadas. Destacam-se nesse contexto práticas como vultosos investimentos em
108
ativos específicos, fornecimento único com horizonte de tempo da vida do modelo e
participação ativa dos fornecedores no desenvolvimento tecnológico do veículo.
Resumidamente, percebe-se, das análises apresentadas no capítulo 4, um inequívoco
avanço na adoção das práticas apontadas pela literatura especializada como condizentes
com um novo modelo de fornecimento, calcado em uma relação mais próxima com os
fornecedores (seleção complexa, redução da base, proximidade física, maior troca de
informações e global sourcing), um maior nível de investimento no relacionamento
(investimento em ativos especializados e desenvolvimento de fornecedores) e um maior
compartilhamento das atividades de agregação de valor (modularização e
desenvolvimento conjunto de produtos).
Neste contexto, destaca-se o empreendimento de M3 com adoção relativamente grande
em todas as práticas de fornecimento avaliadas. É interessante ressaltar que M3 parece
ter aproveitado a experiência de já estar no Brasil há algum tempo para viabilizar a
adoção de uma postura mais moderna nas práticas de relação com seus fornecedores.
M2 possuía adoção mais intensa em oito das dez práticas e M1 em sete das dez práticas.
5.2. 2A RESPOSTA: RESULTADOS COM AS POLÍTICAS VIGENTES DE
FORNECIMENTO NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE
IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL
De forma geral, foram apontados grandes benefícios relacionados com as novas práticas
de fornecimento adotadas nos recentes empreendimentos automobilísticos instalados no
Brasil. Ganhos de eficiência envolvendo redução de custos, aumento de flexibilidade,
aumento de qualidade, aumento de rapidez e aumento de confiabilidade foram relatados.
A adoção de uma política envolvendo uma grande proximidade física com os
fornecedores foi apontada como viabilizadora de reduções de estoque, de melhoria na
comunicação, de aumento da confiabilidade do fornecimento, de rapidez na resolução
109
de problemas e do estreitamento das relações de confiança entre montadoras e
fornecedores.
Com a forte política de modularização adotada em todos os três empreendimentos,
foram relatados ganhos na redução de custos indiretos - em função de novas práticas de
compras - e também de custos de produção, em função da simplificação do processo de
montagem dos veículos. O maior foco do fornecedor no desenvolvimento de peças
maiores e mais complexas foi também apresentado por M1 e M2 como viabilizador de
uma redução de investimentos da montadora em pesquisa e desenvolvimento.
Considerou-se que a adoção de pequena e seleta base de fornecedores era também
responsável pela redução de custos transacionais e trazia, adicionalmente, ganhos de
escala ao viabilizar maior concentração de compras em poucos fornecedores. M3 relata
também o aumento da presteza no atendimento das demandas da montadora (que tende
a ser um dos principais faturamentos do fornecedor) e melhorias na qualidade e
confiabilidade das peças fornecidas (ao trabalhar-se com seleta base de fornecedores).
Em menor escala foram indicados também benefícios relacionados com políticas de
desenvolvimento conjunto de produtos, que permitem reduções nos investimentos da
montadora em pesquisa e desenvolvimento; global sourcing, que gera flexibilidade para
resolução de problemas no fornecimento local a partir de importação a partir de uma
outra planta do mesmo fornecedor e, seleção de fornecedores, em que os fornecedores
internacionais dependem do seu desempenho local para serem selecionados em outras
concorrências mundiais.
De forma geral os problemas percebidos com a adoção das práticas de fornecimento
descritas estavam fortemente relacionados com o aumento da exposição da montadora
ao risco de comportamentos oportunísticos dos fornecedores.
A redução da base de fornecedores e a adoção de ativos geograficamente específicos e
de single sourcing na maioria das peças fornecidas foram descritas por todas as
montadoras como tendo um efeito adverso de aumento da dependência da montadora
110
com relação a seus fornecedores. Em M2 e M3, verificou-se, inclusive, que o poder dos
fornecedores de parar a linha de produção era eventualmente usado para pressionar
reajustes de preço. As montadoras, por sua vez, apoiavam-se na dependência dos
fornecedores dos negócios mundiais com a montadora para re-equilibrar a negociação
comercial.
Com relação à crescente adoção de fornecimento modularizado, também foram
percebidos alguns pontos negativos, tais como perda de alavancagem comercial,
eventual perda de liderança tecnológica e perda de controle sobre o real custo da peça
fornecida.
5.3. 3A RESPOSTA: ENTRAVES E ESTÍMULOS PARA AS POLÍTICAS DE
FORNECIMENTO NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE
IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL
Um dos principais entraves à adoção de políticas de fornecimento avançadas estava nas
dificuldades operacionais e burocráticas relacionadas com o processo de importação de
peças. Este problema afetava particularmente a adoção de práticas de global sourcing de
M1 e M2, envolvendo a utilização de fornecimento internacional, as quais sofriam com
processos aduaneiros demorados e pouco confiáveis.
M2 sofria, adicionalmente, com a ausência de tecnologia local para produzir algumas
peças de seu carro, dependendo ainda mais fortemente da política de fornecimento
internacional dos seus fornecedores internacionais.
Neste ponto é importante mencionar a questão da desvalorização da moeda local, que
tem pressionado fortemente os custos das peças fornecidas em todos os
empreendimentos. Esse aumento de custos tem motivado grandes pressões para re-
negociação dos preços das peças fornecidas, afetando, em alguns casos, o
relacionamento entre montadora e fornecedor.
111
De forma geral, as questões burocráticas relacionadas com a necessidade de inúmeras
emissões fiscais quando se utiliza a prática de entregas freqüentes de pequenos lotes foi
solucionado em M2 e M3, que trabalhavam com um regime fiscal simplificado. Já em
M1 esta burocracia fiscal era considerada um entrave.
O principal estímulo à adoção de políticas de fornecimento avançadas está relacionado
com os grandes benefícios fiscais e econômicos concedidos pelos governos de todos os
estados onde se instalaram os novos empreendimentos estudados. As políticas de
concessões destes estados viabilizaram uma forte adoção de fornecimento com
proximidade física e investimentos em ativos específicos.
Considera-se, adicionalmente, que a instalação em áreas green field, longe, portanto,
dos fortes movimentos sindicais existentes na região do ABC paulista, viabilizou a
adoção de políticas de fornecimento calcadas em uma maior terceirização das atividades
de projeto e montagem e um maior nível de automação na linha de produção.
Por fim, é interessante ressaltar que o grau de avanço de M3 na adoção de modernas
práticas de fornecimento parece ter sido em parte incentivado pela sua experiência local,
adquirida na gestão de suas outras fábricas instaladas no país. Este fato viabilizou,
inclusive, um maior nível de independência, rapidez e inovação nas decisões de
fornecimento desta montadora.
5.4. RESPOSTA À PERGUNTA GERAL: “COMO SE CARACTERIZAM AS
POLÍTICAS DE FORNECIMENTO DAS MONTADORAS COM SEUS
FORNECEDORES, NOS EMPREENDIMENTOS AUTOMOBILÍSTICOS DE
IMPLANTAÇÃO RECENTE NO BRASIL?”
A partir das análises apresentadas neste estudo, pode-se concluir, inicialmente, que as
políticas de fornecimento nos recentes empreendimentos automobilísticos brasileiros
têm se caracterizado por relações que envolvem um longo horizonte de tempo, um
considerável grau de dependência mútua e, até certo ponto, o compartilhamento de
destinos entre montadoras e fornecedores. Não obstante, o relacionamento tem também
112
se caracterizado, em alguns momentos, por um certo clima adversário, com fortes
pressões para revisão de preços.
A caracterização dos relacionamentos como de compartilhamento de destinos pode ser
atribuída a um alto grau de adoção de todas as best practices de relações de
fornecimento estudadas nesta pesquisa: seleção de fornecedores, redução da base de
fornecedores, modularização, utilização de ativos especializados, localização geográfica
próxima, global sourcing, troca intensa de informação, desenvolvimento de
fornecedores e desenvolvimento conjunto de produtos.
Com relação às características de pressão para re-negociação de preços, é interessante
ressaltar dois pontos principais. Em primeiro lugar, a forte desvalorização do real frente
ao dólar causou uma grande pressão de custos sobre os itens importados e também sobre
aqueles com preços dolarizados causando perdas de margem em toda a cadeia. Em
segundo, o fato de que as relações de fornecimento de parceria não podem e não devem
ser configuradas como relações “confortáveis” (cosy arrangements) sob pena de não
haver mais a busca por reduções de custo e otimizações na cadeia. Nos relacionamentos
japoneses, os fornecedores consideram saudável haver algum tipo de stress relacionado
com apertos de preço das montadoras (Sako, Lamming e Helper, 1994).
Para um melhor entendimento da atual situação de fornecimento nestes
empreendimentos, é interessante reconhecer, adicionalmente, a importância do cenário
internacional, mais especificamente da reestruturação ocorrida nessa indústria na década
de 90, envolvendo um forte movimento tanto de consolidação na indústria de autopeças
quanto de adoção de políticas globais de fornecimento.
A partir dos estudos de caso realizados, pôde-se perceber o importante papel dessa
reestruturação mundial na viabilização da adoção de avançadas práticas de fornecimento
no Brasil. Primeiro, porque o movimento de consolidação da indústria de autopeças
viabilizou o surgimento de grandes e talentosos players, capazes de assumir
responsabilidades cada vez maiores na agregação de valor na indústria automobilística.
Consolidaram-se mundialmente, portanto, práticas como redução da base de
113
fornecedores, modularização e desenvolvimento conjunto de produtos. Segundo, porque
a adoção de práticas globais de fornecimento permitiu, a partir de políticas de follow
sourcing, que um seleto grupo de grandes fornecedores internacionais se instalasse no
Brasil a convite de seus clientes mundiais. Com a vinda desses fornecedores, as
políticas de fornecimento mundiais das montadoras puderam, em muitos casos, ser
“transplantadas” para os empreendimentos brasileiros.
Como terceiro componente dessa equação, ressalta-se a opção pela instalação dos
empreendimentos em áreas green field. Arkader (1997) descreve dois problemas
característicos à região de maior tradição automobilística no país (região do ABC em
São Paulo) e que funcionam como entraves à adoção de novas práticas de fornecimento:
a falta de espaço disponível para a instalação de fornecedores próximos às montadoras e
a questão sindical, que eleva o custo da mão-de-obra, torna endêmicas as ameaças de
greve (inclusive nos fornecedores) e impõe limites à desverticalização.
Nos empreendimentos estudados pôde-se verificar dois padrões de práticas de
fornecimento. Um primeiro padrão é identificado em M1 e M2 e um segundo em M3.
Ambos apresentaram, de forma geral, um alto grau de adoção das modernas práticas de
fornecimento abordadas nesta pesquisa. Em M3, porém, verifica-se a existência de
características mais fortes de envolvimento em práticas que denotam uma visão de rede
de interesses compartilhados entre a montadora e seus fornecedores. Neste contexto,
referência é feita ao alto nível de investimentos em ativos específicos e
desenvolvimento de fornecedores realizados por M3 e seus fornecedores.
Porém, outra característica que pôde ser percebida no relacionamento entre M3 e seus
fornecedores é que em quase todos os casos desenvolveu-se um relacionamento
semelhante ao de um parceiro senior trabalhando com parceiros juniores - parecido com
aquele relatado por Lamming (1993) como sendo típico do modelo de fornecimento
japonês, mas cujo comportamento colaborativo ficaria, teoricamente, prejudicado pelo
desbalanceamento de poder. Nota-se, no comportamento de aversão à dependência dos
fornecedores em itens como modularização e desenvolvimento de produto, que M3 tem
como objetivo manter essa suposta ascendência hierárquica sobre os fornecedores.
114
M1 e M2 mantêm um relacionamento mais próximo do de empresas de mesmo porte e
poder, com, inclusive, a opção dessas montadoras de depender crescentemente de seus
fornecedores em aspectos como desenvolvimento tecnológico. Acreditam que seu
relacionamento de parceria, global e de longo prazo, reduz eventuais tentações de seus
fornecedores de agirem oporunisticamente. Este modelo assemelha-se àquele proposto
por Lamming (1993) como sendo de modificação e extensão do modelo japonês de
parceria. Neste modelo, sobressair-se- iam: o aparecimento de fornecedores maiores e
mais capazes; a presença desses fornecedores em outros mercados para diversificação
de risco e a necessidade de se operar globalmente. Verifica-se nesses empreendimentos,
porém, menor envolvimento com uma importante prática de parceria no fornecimento: a
de desenvolvimento de fornecedores e engenharia de valor. A justificativa é que se
considera, de maneira geral, que os fornecedores já têm maior expertise no seu ramo de
atuação do que as próprias montadoras.
Resumidamente, percebe-se que o nível de adoção de best practices de fornecimento é
maior no empreendimento de M3. Nesta montadora verifica-se, também, um maior grau
de colaboração para melhorias de processo e reduções de custo. Porém, o seu
relacionamento é caracterizado por uma relação em que se sobressai o poder da
montadora sobre os fornecedores. Uma possível explicação para a convivência de
comportamentos colaborativos e de compartilhamento de destinos com um
relacionamento desigual e hierárquico é que a suposta ascendência sobre os
fornecedores é utilizada pela montadora como forma de assumir uma função de
coordenação e gerenciamento da cadeia de suprimentos dessa indústria.
Também de forma resumida, percebe-se que M1 e M2 trabalham com um alto grau de
adoção de praticamente todos os best practices de fornecimento. O pequeno grau de
adoção de uma política de colaboração para melhorias de processo e reduções de custo
nos fornecedores é, porém, o ponto fraco na estratégia dessas montadoras. Perde-se,
nesse caso, um importante instrumento utilizado para racionalização de custos inter-
empresas e gerenciamento da cadeia de suprimentos, que é a engenharia de valor. Uma
possível explicação para a não existência de uma consistente rotina de análise de valor
115
na cadeia de fornecimento é a tendência destas empresas de aumentar seu foco na
marca, serviços ao consumidor, design do produto e inovações conceituais nos
automóveis, reduzindo seu nível de investimento em pesquisa e desenvolvimento e
delegando cada vez maiores responsabilidades para seus fornecedores.
A partir de uma análise calcada no estudo de Arkader (1997) sobre as relações de
fornecimento das quatro grandes montadoras instaladas no Brasil em décadas passadas,
pode-se verificar que, a partir da ocorrência dos três principais fatores descritos
anteriormente - consolidação do setor de autopeças mundial, utilização de políticas
globais de fornecimento e instalação em áreas green field – tornou-se possível a
ocorrência de uma ruptura com o modelo de fornecimento anteriormente vigente no
Brasil.
No modelo “antigo”, predominante nas relações de fornecimento, em três das quatro
grandes montadoras da indústria automobilística brasileira até a segunda metade da
década de 90, existia, ainda segundo Arkader (1997), um limitado avanço na direção de
um modelo de parceria. Verificava-se àquela época um ainda baixo grau de adesão a
práticas como entregas freqüentes, investimento em ativos específicos, fornecimento
com horizonte temporal longo e utilização de reduzida base de fornecedores.
Conforme descrito no item 2.1.4. desta pesquisa, o estudo de Lamming (1993) relativo
ao relacionamento cliente-fornecedor na indústria automobilística propõe um modelo
conceitual que caracteriza quatro fases cronológicas no relacionamento entre
montadoras e fornecedores. Esse modelo pode ser usado como referencial para
posicionamento de empresas e indústrias quanto às praticas de fornecimento. As quatro
fases consideradas são: tradicional, stress, resolvido e de parceria ou japonês.
Arkader (1997) posiciona a então política vigente de fornecimento das montadoras
instaladas no país como sendo a de convivência de características (:310) “enquadradas
por Lamming no modelo de stress, como um alto nível de tensão nos relacionamentos,
elevada pressão para redução de preços, cadeias de produção com baixo grau de
controle e campanhas agressivas por qualidade, com elementos identificados com o
116
modelo resolvido, como as maiores exigências em termos de serviços e o
compartilhamento de informações necessárias à operação de sistemas just-in-time”.
As características de fornecimento apuradas nesta pesquisa apontam para um
enquadramento no modelo de parceria ou japonês, em que se identifica um nível de
pressão comercial muito elevado, em função das elevadas exigências, mas também um
nível igualmente elevado de cooperação e interdependência das partes, unidas em
relacionamentos e estratégias de longo prazo.
Ressalvas devem ser feitas com relação a este enquadramento. Com relação a M3 deve-
se ressaltar que nem em todos os relacionamentos com seus principais fornecedores
consegue-se o nível de cooperação nas práticas de fornecimento descrito neste modelo.
Considera-se que entraves organizacionais e culturais nessas empresas fornecedoras
estariam impedindo o avanço de um modelo resolvido para um de parceria efetiva. Já
com relação a M1 e M2, ressalta-se que a baixa adoção de práticas colaborativas de
engenharia de valor pode ser considerada como não adequada às características teóricas
do modelo de parceria.
5.5. RELAÇÕES DE FORNECIMENTO NOS EMPREENDIMENTOS
AUTOMOBILÍSTICOS DE RECENTE IMPLANTAÇÃO NO BRASIL:
LIMITAÇÕES E SUGESTÕES DE NOVOS ESTUDOS
O movimento de modernização ocorrido no setor automobilístico brasileiro nos últimos
sete anos tem gerado uma série de estudos realizados pela comunidade acadêmica
nacional e internacional. A partir das análises apresentadas neste estudo, verificou-se
que as mudanças ocorridas a partir da instalação de novos empreendimentos incluem
alterações expressivas nas relações de fornecimento entre montadoras e fornecedores,
agora calcadas em relacionamentos de longo prazo, considerável grau de dependência
mútua e compartilhamentos de destinos.
As limitações que se identificam nesta pesquisa são aquelas decorrentes do fato de não
se ter estudado todo o universo de empreendimentos automobilísticos instalados no
117
Brasil a partir da segunda metade da década de 90 (a amostra de três estudos de caso
correspondeu a 50% de todo universo) e de não terem sido realizadas entrevistas nas
empresas fornecedoras das montadoras pesquisadas. É interessante perceber que a
ausência de pesquisa nas empresas fornecedoras indica que se obteve uma visão parcial
do relacionamento. Uma linha de pesquisa que envolvesse entrevistas com os
fornecedores poderia viabilizar que se checasse a distância entre as particularidades do
relacionamento percebidas pelos fornecedores com aquelas relatadas pelas montadoras.
Outras linhas de pesquisa que poderiam ampliar a visão obtida nesta pesquisa seriam, a)
um estudo de casos das relações de fornecimento dos quatro empreendimentos
automobilísticos instalados já há algumas décadas no Brasil9 – visando uma melhor
compreensão da evolução nas relações de fornecimento a partir da instalação dos novos
empreendimentos; b) um estudo que estendesse as análises de relacionamento cliente-
fornecedor até outros elos da cadeia de fornecimento – visando entender as estratégias
de relacionamentos nos outros elos e também se já existe um efetivo papel da
montadora como gerenciador desta cadeia de suprimentos; c) um estudo que realizasse
comparações entre as políticas de fornecimento atualmente praticadas nos novos
empreendimentos automobilísticos brasileiros com aquelas praticadas em outros países
em desenvolvimento, que tenham relevância neste setor e d) um estudo que verificasse a
viabilidade de se extrapolar parte ou todas as conclusões deste estudo para outras
indústrias com características e demandas de fornecimento semelhantes às da indústria
automobilística.
Por fim, é interessante ressaltar que os empreendimentos estudados foram recentemente
implantados, o que significa que mudanças consideráveis podem ainda acontecer nas
relações de fornecimento atualmente vigentes. Estas mudanças nas relações tendem,
inclusive, a serem prováveis nas montadoras recentemente vindas para o Brasil, em que
a forte ingerência da matriz tende a diminuir ao longo dos anos. Portanto, uma
atualização deste estudo, visando a revisão das conclusões obtidas, após alguns anos da
implantação, é também uma interessante linha de pesquisa.
9 Este estudo seria uma atualização do estudo realizado por Arkader (1997) .
118
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McKinsey Quarterly, número 3, p. 160-163, 1996.
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ANEXOS
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ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS MONTADORAS
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO EMPREENDIMENTO
Razão Social
Controle acionário
Evolução do faturamento
Número de empregados (operação / administrativo)
Linha de produtos
Exportação (volume, % do faturamento, principais mercados)
Importação (valor / volume produtos acabados, % do faturamento, valor peças /
componentes, % dos fornecimentos, principais origens)
Nível de integração vertical (% - sistemas/componentes/peças fabricadas internamente
ou por subsidiárias/listar)
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QUESTÕES RELATIVAS À ESTRATÉGIA DE FORNECIMENTO
Como foi definida a estratégia de relacionamento com os fornecedores deste
empreendimento (modularização das peças, localização dos fornecedores, número de
fornecedores por peça, investimento em ativos específicos, troca de informações, etc) ?
Quem participou destas definições (fornecedores, matriz, pessoas de outras plantas no
Brasil) ?
A estratégia de fornecimento mudou com relação à projetos antigos ? Caso positivo,
quais foram os motivos que levaram a empresa a adotar esta nova estratégia?
Qual é a atual política da empresa quanto à verticalização da produção? A tendência é
verticalizar mais / desverticalizar? Porquê?
Como a empresa vê o relacionamento com seus fornecedores – amistoso/hostil/neutro?
Há diferenças entre os fornecedores? Caso positivo, a que creditam tais diferenças?
RECONFIGURAÇÃO DA BASE DE FORNECEDORES
2.1. Redução da Base de Fornecedores
2.1.1. Quantos fornecedores há para cada produto? Existem metas quantitativas para o
número de fornecedores por produto? Como tem sido a evolução da prática da empresa
nos últimos dez anos? Existem metas de single-sourcing ou double-sourcing para peças
e/ou módulos?
2.1.2. Existiu algum movimento relacionado à redução na base de fornecedores para
este empreendimento? Caso positivo, quais são os elementos motivadores da redução da
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base de fornecedores? (remoção de fornecedores com baixo desempenho, integração de
componentes em módulos e re-alocação de fornecedores de componentes menores).
2.1.3. Quais os benefícios e/ou problemas percebidos na redução do número de
fornecedores com os quais se tem relacionamento direto? (economias de escala, curva
de aprendizado, redução dos custos de transação, aumento da dependência do
fornecedor, etc).
2.2. Modularização do Fornecimento10
2.2.1. Trabalha-se com o fornecimento em módulos ou sistemas? Quais são os pontos
fortes e fracos percebidos neste tipo de prática? (redução de investimentos e maior foco
na marca, serviços, inovações e design / aumento da dependência dos fornecedores e
perda da liderança tecnológica na cadeia).
2.3. Localização Geográfica
2.3.1. A montadora adota alguma estratégia visando a proximidade geográfica com os
fornecedores? (e.g., Condomínio Industrial: escolha pela montadora dos fornecedores
que devem se instalar nas proximidades e fornecer sub-montagens; co-localização:
fornecedores dentro da montadora). Quais são as principais vantagens e obstáculos
percebidos na estratégia adotada?
2.4. Seleção de Fornecedores
2.4.1. Quais são os critérios para seleção de fornecedores? Eles são os mesmos para
todas as peças ou existe algum tipo de segmentação do fornecimento?
2.4.2. Caso exista, favor explicar como é feita esta segmentação e também como é o
processo de seleção dos diferentes tipos de fornecedores (contratos de longo prazo, foco
no custo total, envolvimento do fornecedor com o projeto, nível de complexidade da
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avaliação de desempenho, investimentos em coordenação e investimentos em ativos
específicos / contratos de curto prazo, freqüentes “tomadas de preço”, baixo nível de
troca de informação e aumento no número de fornecedores).
2.4.3. A política praticada foi inspirada por práticas da matriz, ou por benchmarking em
alguma outra empresa? Em que sentido? São utilizadas práticas de follow sourcing?
2.5. Utilização de Ativos Especializados11
2.5.1. Os fornecedores realizam investimentos em ativos especializados ? Caso
realizem, de que tipo são eles? (investimentos geograficamente específicos,
investimentos em equipamentos especializados, investimentos em capital humano). Cite
alguns exemplos (e.g., investimentos de fornecedores em sistemas específicos para
comunicação com seus clientes, para entregas ou projeto, equipamentos e embalagens
para entregas especiais, estruturas para submontar componentes e realizar entregas de
maior valor agregado e fábricas para atender a determinadas montadoras em locais
específicos).
2.5.2. Quem tomou a decisão de investir em ativos especializados? Qual foi a motivação
para este tipo de investimento?
2.5.3. Os eventuais investimentos em ativos especializados foram realizados
conjuntamente (montadora e fornecedor)? Com o mesmo nível de investimentos? A
prática atual tem funcionado bem? (um eventual desbalanceamento no nível de
investimentos causa um correspondente desbalanceamento de poder no
relacionamento?)
10 Modularização = montagem de um produto complexo a partir de subsistemas menores que podem ser projetados independentemente, mas que funcionam juntos como um só
11 Ativos Especializados = investimento feito para ser usado em determinada transação, tendo um valor mais alto para aquela transação do que se fosse aproveitado em qualquer outra função.
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2.5.4. Quais as vantagens e desvantagens percebidas na utilização de ativos
especializados?
(percepção com relação ao aumento de interdependência no caso de investimentos
mútuos)
2.6. Global Sourcing12
São utilizadas práticas de fornecimento globalizado (ou global sourcing)? Porque estas
práticas tem sido adotadas? (benefícios relativos ao custo/preço, à qualidade, ao acesso
à tecnologia, regras da matriz, ou ao fato da fonte internacional ser a única disponível)
2.6.2. Quais são as principais vantagens e obstáculos percebidos na adoção da prática de
fornecimento globalizado?
INFORMAÇÃO, CAPACITAÇÃO E TECNOLOGIA
3.1. Troca de Informações
3.1.1. Quais são os tipos de infra-estrutura tecnológica (EDI, extranet, internet)
utilizados atualmente para o gerenciamento da cadeia de fornecedores? Quais são as
principais aplicações para estes sistemas? (gerenciamento de licitações,
compartilhamento de informações sobre fluxo de materiais, desenvolvimento
colaborativo de projetos de peças, ferramentas computacionais para financiamento, etc).
3.1.2. Existem políticas de troca de informações com fornecedores? Quais são as
principais políticas? (dimensões: fluxos operacionais de materiais; planilha de custos;
compartilhamento de tecnologia e conhecimento). Troca-se informações de cunho
estratégico? (que podem auxiliar no planejamento de longo prazo)
12 Essas práticas envolvem coordenação das informações e dos requerimentos de fornecimento entre unidades de negócio em um nível global
131
3.2. Desenvolvimento de Fornecedores
3.2.1. Existem programas estruturados para o desenvolvimento de fornecedores? Caso
positivo, quais são eles? (compartilhamento de informações; programas conjuntos de
redução de desperdício; engenharia de valor; transparência de custos, difusão de
tecnologia, etc).
3.2.2. Existe uma política de compartilhamento de custos (cost sharing) e de benefícios
(gain sharing) relacionados ao programa de desenvolvimento de fornecedores? Caso
positivo, como funcionam estas políticas?
3.2.3. Quais são os riscos identificados no desenvolvimento de fornecedores não-
exclusivos? (benefícios para seus concorrentes) Existe alguma medida para prevenção
destes riscos? (perfil de relacionamento de longo prazo)
3.3. Desenvolvimento Conjunto de Produtos
3.3.1. Tem havido desenvolvimento conjunto de sistemas/componentes/peças com
alguns fornecedores? Caso positivo, qual é a característica destes desenvolvimentos?
(produtos específicos ou desenvolvimentos de longo prazo envolvendo capacitações e
tecnologias)
3.3.2. Caso exista desenvolvimento conjunto de produtos, os fornecedores participam do
desenvolvimento com quantos meses de antecedência, antes do ínicio da produção?
3.3.4. Como é feita a integração do desenvolvimento de produtos e dos processos de
fornecimento inter-empresas? É criada uma estrutura organizacional que apoie a
execução destas tarefas? São utilizadas ferramentas de tecnologia da informação?
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PERCEPÇÕES RELATIVAS AO EMPREENDIMENTO
4.1. Quais foram os principais benefícios percebidos na adoção da atual estratégia de
relacionamento com fornecedores? (as atuais práticas estão valendo a pena?)
4.2. Quais foram as principais dificuldades encontradas, na adoção das atuais práticas de
fornecimento? (exis tem desvantagens relacionadas ao pioneirismo? existem
desvantagens relacionadas ao ambiente político-econômico do Brasil?). Caso pudesse
começar de novo o que faria diferente?
4.3. De que forma as políticas de fornecimento adotadas diferem daquelas praticadas
nos outros empreendimentos do grupo? Acredita-se que algumas das práticas pioneiras
iniciadas no Brasil poderão ser replicáveis em outros empreendimentos? Quais seriam
estas práticas “replicáveis”?
4.4. Quais são as tendências no relacionamento com fornecedores que tendem a se
tornar práticas estabelecidas na indústria e quais são aquelas que sofrerão retrocessos?
(modularização, co- localização, global sourcing, utilização de portais para
desenvolvimento conjunto de partes, etc).