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    INTEGRAO REGIONAL PRAGMTICA:A INTEGRAO POSSVEL PARA O CONTINENTE SUL-AMERICANO

    Robson Coelho Cardoch Valdez__________________________________________

    Doutorando do Programa de Ps Graduao emEstudos Estratgicos Internacionais da UFRGS

    Mestre em Relaes Internacionais pela UFRGSBolsista CAPES/FAPERGS

    E-mail: [email protected].

    Recebido em:13 ago. 2012Aceito em: 02 out. 2012

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    RESUMO

    A Organizao Mundial do Comrcio (OMC) reconhece a dificuldade dos pases emdesenvolvimento suplantarem suas assimetrias polticas e econmicas em seus acordosregionais. Assim, A OMC recepciona os acordos regionais de integrao econmica e ossistemas de preferncias, considerando-os como uma espcie de estgio preparatrio

    rumo liberalizao comercial em nvel mundial. Nesse sentido, o artigo buscacompreender o processo de integrao sul-americano a partir das lacunas legais daOrganizao Mundial do Comrcio, analisando-o sob a tica de suas conquistas edesafios, assim como sob a perspectiva da poltica externa brasileira.

    Palavras-chave: integrao sul-americana, OMC, comrcio internacional.

    ABSTRACT

    The World Trade Organization (WTO) acknowledges the difficulty faced by developing

    countries in outweighing their political and economic asymmetries in their regionalagreements. Thus, the WTO welcomes regional economic integration agreements andpreference systems, considering them as a kind of preparatory stage toward world tradeliberalization. In this sense, the article seeks to understand the South American integrationprocess from the standpoint of the legal gaps of the World Trade Organisation, analyzing itfrom the perspective of its achievements and challenges as well as from the perspective ofthe Brazilian foreign policy.

    Keywords: South American integration, WTO, international trade.

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    1 INTRODUO

    Passados mais de trinta anos desde a assinatura do Tratado de Montevidu quecriou a Associao Latino Americana de Integrao (ALADI), a partir do arcabouoinstitucional da antiga Associao Latino Americana de Livre Comrcio (ALALC), o

    continente sul-americano vem experimentando incrementos em suas relaes econmico-comerciais e polticas. Nesse sentido, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e aComunidade Andina de Naes (CAN) so exemplos de acordos regionais de alcanceparcial que visam ao incremento do comrcio intrabloco e insero desses pases nocomrcio mundial.

    O aumento do fluxo comercial na regio e o desenvolvimento de instrumentosinstitucionais desses blocos vm legitimando os esforos dos pases na consolidao eampliao da integrao regional. No entanto, o processo integracionista fortementecriticado por possuir um enfoque excessivamente comercial.

    Ao analisar o processo de integrao regional na Amrica Latina e em especial nocontinente sul-americano, este artigo busca relativizar estas crticas argumentando que a

    prpria Organizao Mundial do Comrcio (OMC) reconheceu a maior dificuldade dospases em desenvolvimento suplantarem suas assimetrias polticas e econmicas emseus acordos regionais. H de se ressaltar que estas dificuldades esto na razo da OMCrecepcionar os acordos regionais de integrao econmica e os sistemas de preferncias,considerando-os como uma espcie de estgio preparatrio rumo liberalizaocomercial em nvel mundial.

    Alm dessa introduo e de uma concluso final, o trabalho desenvolve-se emquatro partes. Na primeira parte, o trabalho expe o contexto internacional no qual seinsere o processo de integrao regional. Em seguida, na segunda parte, o artigo buscaanalisar o processo de integrao regional a partir das lacunas normativas da OMC. Aoavanar em sua anlise, o terceiro tpico da pesquisa estuda o processo de integrao naAmrica do Sul, analisando-o sob a tica de suas conquistas e desafios. Por fim, o quartotpico do artigo traz uma anlise do processo de integrao sul-americano sob aperspectiva da poltica externa brasileira.

    2 O CONTEXTO INTERNACIONAL

    Ao analisar o contexto internacional em que se insere o processo de integraoregional na Amrica Latina, percebe-se a grande influncia das transformaeseconmicas ocorridas no decorrer do ltimo sculo. O modelo de desenvolvimento

    econmico, fortemente impactado pelas revolues tecnolgicas e produtivas, buscouadaptar-se s contingncias que tais processos impuseram aos pases.Na primeira revoluo industrial, a concorrncia econmica era livre e as firmas

    eram apenas tomadoras de preo, visto que, na poca, no havia concentrao nemcentralizao do capital. O processo de concentrao acentuou-se com a implantao daindstria pesada (indstria qumica, siderrgica e automobilstica) no final do sculo XIX.Um conjunto de inovaes tecnolgicas e tcnicas gerenciais como o motor decombusto interna e exploso (combustveis derivados do petrleo), avies, telefone,automvel, a Administrao Cientfica de F.W. Taylor e a linha de montagem de H. Fordcontriburam para a mundializao do capitalismo. A partir da a cincia estava a servioda gerao de lucro e da acumulao de capital. Assim, a chamada segunda revoluo

    industrial estava apta a implantar sua produo em larga escala dando incio ao processode concentrao econmica e de mercados eliminando empresas menores e ineficientes,incapazes de financiar seus investimentos.

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    As grandes empresas concentravam capital, por meio de financiamento bancrio ere-investimento de lucros na dinamizao e expanso de suas plantas industriais, ecentralizavam capitais absorvendo as empresas menores incapazes de competir. Nesseperodo, poucas firmas grandes controlavam a oferta e estabeleciam preos. Esseprogressivo processo de concentrao econmica estimulou oligoplios, cartis e fusesdemandando assim a presena do Estado na regulao e/ou fomento desses mercados.

    Com o fim da segunda Guerra mundial, foi criado em 1944, na cidade norte-americana de Bretton Woods, o sistema financeiro internacional que passou a vigorardesde ento. Nesse sistema, as moedas do mundo passaram a utilizar um cmbio fixo e ater sua conversibilidade em ouro. Dentro desse contexto foi criado o FMI, que tinha comofuno a estabilizao do sistema de taxas de cmbio, a regulao da liquidezinternacional e apoiar os ajustes dos balanos de pagamento dos pases. O DireitoEspecial de Saque, que seria um fundo de reserva e moeda do FMI, foi criado em 1967no Rio de Janeiro para regular a liquidez do sistema financeiro internacional e entrou emvigor em 1970. O perodo do final da Segunda Guerra at 1970 ficou caracterizado, ento,pela expanso das grandes multinacionais e pelo crescimento de pases como Japo,Alemanha e Itlia.

    Porm, em 1971, os Estados Unidos decidiram no manter mais a conversibilidadedo dlar em relao ao ouro assim como a utilizao do cmbio fixo. Como resultado,houve uma profunda desorganizao do sistema financeiro internacional que se agravouainda mais com o choque do petrleo em 1973 que desestabilizou a economia mundial. Ocontrole sobre o Direito Especial de Saque ficou sob administrao dos pases ricos(Estados Unidos, Canad, Frana, Alemanha, Inglaterra, Itlia e Japo), que passaram ase reunir de tempos em tempos para prospectar cenrios e polticas para economiamundial, ficando tais encontros conhecidos como a reunio do G7. Ao FMI restou apenasa funo de financiar polticas de reestruturao econmica nos pases em crises(Amrica Latina, frica e sia) que se aprofundaram na dcada de oitenta.

    Na esteira dos acontecimentos, as eleies dos governos de Margaret Thatcher naInglaterra (1979) e de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1980) foram responsveispela implementao e divulgao de polticas de liberalizao e desregulamentao emseus pases e no resto do mundo. Nesse perodo, por exemplo, o Brasil acumulava umadvida externa alta devido implantao de um parque industrial que lhe dava destaqueem relao s outras economias da regio. Mesmo sendo o setor primrio responsvelpor grande parte da pauta de exportaes, o pas j mostrava um crescimento no volumede produtos manufaturados ainda que com pouco valor agregado. Contudo, a crise dadvida externa (1983) que assolou a Amrica Latina agravou a situao da balana depagamentos dos pases da regio levando o Brasil a um perodo longo de hiperinflao ebaixssimo crescimento econmico.

    Na tentativa de encontrar uma resposta para estes problemas, economistas latino-americanos, dentre eles o brasileiro Mrio Henrique Simonsen, juntamente com oInternational Institute of Economicse instituies internacionais sediadas em Washingtonrealizaram vrios estudos. Dentre os trabalhos apresentados destacou-se TowardRenewed Economic Growth in Latin Amrica (Rumo ao Crescimento EconmicoRenovado na Amrica Latina) que deu origem publicao de The Progress of PolicyReform in Latin America (O Andamento da Reforma de Polticas Pblicas na AmricaLatina) apresentado em 1990 numa conferncia em Washington onde John Williamsoncunhou o termo Consenso de Washington (KUCZYSKI, WILLIAMSON, 2003, p. VI). Asreformas propostas pelo Consenso de Washington foram: disciplina fiscal; mudana nasprioridades para despesas pblicas; reforma tributria; liberalizao do sistema financeiro;

    taxa de cmbio competitiva; liberalizao comercial; liberalizao da entrada doinvestimento direto; privatizao das empresas estatais; desregulamentao; direitos dapropriedade assegurados. Tais reformas, juntamente com aquelas implementadas por

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    Margaret Thatcher e Ronald Reagan passaram a ser conhecidas como reformasneoliberais por enfatizarem principalmente a liberalizao do comrcio, do capital e doinvestimento externo. Desta forma, a dcada de noventa ficou marcada pela aceleraodesse processo de concentrao econmica impulsionada pela globalizao financeira eeconmica.

    Neste contexto, a integrao econmica passou a ser entendida entre outras

    definies como a ocorrncia simultnea do crescimento dos fluxos internacionais debens, servios e capital; aumento da concorrncia internacional e o crescimento dainterdependncia das economias nacionais como um todo (GONALVES, 2003, p. 22).Este quadro pode ser explicado por uma reorientao da agenda internacional que,imediatamente aps a queda do muro de Berlim em 1989 e a imploso do bloco soviticoem 1991, adotou, preferencialmente, os temas econmicos em detrimento dos temas desegurana.

    Os conflitos da dcada de noventa no impediram a formao de blocoseconmicos regionais em todas as partes do mundo. A criao do NAFTA (NorthAmerican Free Trade Agreement), MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e a proposta decriao de uma rea de Livre Comrcio das Amricas (ALCA) so exemplos deste

    fenmeno no continente americano. Na Europa, deu-se a acelerao do processo deintegrao do continente, que j havia iniciado na dcada de cinqenta, com aparticipao dos pases do leste europeus que estavam sob influencia da antiga UnioSovitica. No leste asitico, organizaes polticas e de segurana passaram ainstrumentalizar esforos para fomentar a integrao econmica da regio1.

    O alto grau de interdependncia da dcada de noventa ficou evidenciado nascrises financeiras ocorridas na Rssia, sia, Brasil, Argentina e Mxico. Essas crisesforam diagnosticadas como decorrentes do alto grau de liberdade dos fluxosinternacionais de capital. De maneira resumida, a oferta internacional de dlar nessaseconomias forava uma apreciao da moeda local, devido a um aumento na demandade moeda nacional para converter moeda estrangeira em moeda local. Essa operao eranecessria para efetuar as transaes internas das economias. Os efeitos se faziamsentir, como j foi mencionado, na apreciao da moeda local, no aumento dos preosdos produtos exportveis, e no aumento do volume das importaes. Ou seja, chegou-seao ponto em que os bancos que intermediavam essa oferta de crdito nas economiastornaram-se insolventes. Os investidores, aproveitando-se do livre fluxo de capitaisabandonavam os mercados emergentes e direcionavam seus investimentos a destinosmais conservadores nos pases desenvolvidos.

    As crises foram canalizadas pelos movimentos antiglobalizao como exemplo dasconseqncias da globalizao que se evidenciava a cada dia como assimtrica. Destaforma, os Estados emergentes, pressionados por movimentos sociais, organizavam-se

    junto s organizaes internacionais, de acordo com seus interesses, para que pudessemencontrar solues para suas inseres no cenrio internacional globalizado e aassimtrico.

    Passados, ento, vinte anos desde o consenso de Washington, movimentoscontrrios afirmam que grande parte dos pases pobres que adotaram as reformas noapresentou os resultados satisfatrios prospectados pelos estudiosos, agravando aindamais o quadro de concentrao de renda, recesso, pobreza, violncia e desemprego nospases. As crises asitica de 1997, brasileira de 1999 e argentina de 2002 - que a levou moratria em 2002 -, serviram de alerta para os demais pases sobre os graus devulnerabilidade e sensibilidade deles em relao s intempries do cenrio poltico eeconmico internacional.

    1 Apresentada como tendo o objetivo de promover o crescimento econmico, a ASEAN Association ofSouth East Nation criada em 1967, tinha a como principal misso, evitar o avano do comunismonaquela regio .

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    Assim, na tentativa de compreender tamanha frustrao frente ao que foialcanado com as reformas liberalizantes nos pases em desenvolvimento, Alain Lipietz(LIPIETZ, 1997) entende a crise do sistema fordista de produo e seus efeitos na relaocapital-trabalho nos pases centrais e as alternativas encontradas para contornar oproblema, como ponto de partida para o que se convencionou chamar de globalizao

    das relaes econmicas. Dentre as alternativas levantadas por Lipietz destacam-se: a) o neotaylorismo, que se caracteriza por uma maior flexibilizao e liberalizao nasrelaes capital trabalho mantendo os princpios bsicos do taylorismo, aplicadoprincipalmente no continente americano; b) o envolvimento negociado menorflexibilizao e liberalizao das relaes capital-trabalho e um taylorismo mais flexvel -(Toyotismo) utilizado no Japo. Lipietz deixa claro que os pases centrais utilizaram ento,em nveis variados, medidas que iam de um neotaylorismo extremado at um toyotismonipnico de acordo com as circunstncias sociais, econmicas e culturais de cada um dospases.

    Entendendo-se, assim, as reformas liberais da dcada de 80 e 90 nada menoscomo uma vlvula de escape para a manuteno do alto padro de vida nos pases

    desenvolvidos, como poca de Bretton Woods, fcil compreender o motivo da virada aesquerda na maioria dos governos latino-americanos a partir de 2000. A consolidao deeleies livres e democrticas juntamente com o aumento generalizado da pobreza e daviolncia levaram estes pases a rever suas polticas de desenvolvimento que alm dereconhecer a relevncia do capital privado dentro desse processo devolve ao Estado opapel de condutor principal do desenvolvimento nacional.

    3 INTEGRAO ECONMICA REGIONAL A PARTIR DAS LACUNAS DAORGANIZAO MUNDIAL DO COMRCIO

    A Organizao Mundial do Comrcio (OMC) promove a liberalizao comercial emnvel mundial com base no princpio da no discriminao que se desdobra em doisoutros princpios basilares dessa organizao: o princpio do tratamento nacional e aclusula de nao mais favorecida. Dentre esses dois princpios, a clusula da naomais favorecida pode ser considerada como o fio condutor da liberalizao comercial.

    A clusula da nao mais favorecida estabelece que qualquer vantagem comercialoferecida a qualquer pas, membro ou no-membro da OMC, deve ser estendida aosdemais membros dessa organizao. O objetivo dessa clusula impedir que hajadiscriminao no comrcio multilateral entre os pases. Importante ressaltar que aclusula de nao mais favorecida aplica-se a todo tipo de comrcio de produtos eservios similares. Esta clusula existe desde a criao do GATT (

    General Agreement onTrade and Tariffs) em 1947 e manteve-se aps o surgimento da OMC.O princpio do tratamento nacional estabelece que entre os membros da OMC no

    pode haver discriminao entre os produtos nacionais e importados. Ou seja, o pas nopode oferecer um tratamento mais favorvel ao produto nacional em relao aos produtosde outros pases da OMC que j entraram no pas. Percebe-se, assim, que enquanto aclusula de nao mais favorecida se dispe a impedir a discriminao a partir da origemdos produtos, o princpio da no discriminao probe a discriminao entre produtonacional e produto importado. Dessa forma, esses princpios tm o objetivo maior deimpedir que os pases adotem prticas protecionistas, dificultando o livre fluxo comercialem nvel global.

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    No entanto, caso um pas membro da OMC venha praticar o dumping ou osubsdio2 e fique constatado o dano, o pas prejudicado pode pleitear junto OMC aadoo de medidas compensatrias, no caso do subsdio, ou de medidas antidumping, nocaso da prtica do dumping. Vale lembrar tambm, que caso o pas alegue sofrer umaonda de importaes capaz de comprometer a existncia de determinado setor daindstria nacional, este pode adotar medidas de salvaguardas como forma de mitigar os

    efeitos danosos do crescimento acelerado das importaes, desde que fique comprovadoo nexo causal.Percebe-se, sob esta perspectiva, que a OMC busca fomentar a liberalizao

    comercial mundial na medida do possvel. Nesse sentido, a Organizao estabelecenormas que visam padronizao de instrumentos capazes de garantir o aumento dofluxo comercial entre os pases membros, assim como os meios competentes para mitigaras divergncias comerciais decorrentes do comrcio internacional.

    Ao reconhecer os desafios que a liberalizao comercial em nvel mundial impeaos pases, a OMC, ao longo de sua histria, tem reconhecido a necessidade deflexibilizar a adoo de seus princpios fundacionais. Foi nessa perspectiva que a OMCcriou a clusula de habilitao durante a Rodada de Tquio em 1979. Por meio da

    clusula de habilitao criou-se o arcabouo normativo para acomodar os sistemas depreferncias comerciais. Trata-se de um tratamento diferenciado que beneficia a inserocomercial dos pases em desenvolvimento por meio de privilgios comerciais do SistemaGeral de Preferncias (SGP) e do Sistema Global de Preferncias comerciais (SGPC)3.Estes instrumentos representam uma exceo ao princpio da reciprocidade nasnegociaes e clusula de nao mais favorecida.

    Observa-se, ento, que os acordos de integrao regional respaldam-se na idiade liberalizao comercial gradual do comrcio multilateral. Assim, os acordos regionaisencontram respaldo no artigo XXIV do GATT que estabelece a possibilidade para que osmembros da OMC, integrantes de um bloco econmico especfico, concedampreferncias tarifarias entre si, sem a necessidade de estender esses benefcios aosdemais membros da Organizao Mundial do Comrcio. Ou seja, busca-se a umaconvergncia gradual ao livre comrcio em nvel mundial. No entanto, o pargrafo 4 doartigo XXIV enfatiza que o objetivo das reas de livre comrcio e unies aduaneiras ode facilitar o comrcio entre seus integrantes e no o de levantar barreiras ao comrciocom os demais membros da OMC.

    Constata-se, assim, que os processos de integrao sob a gide da AssociaoLatino Americana de Integrao (ALADI), mais especificamente o MERCOSUL eComunidade Andina de Naes (CAN), enquadram-se em todas as condies de exceoaos princpios fundamentais da OMC: o princpio da no-discriminao e a clusula danao mais favorecida. As controvrsias comerciais e polticas que emergem das

    relaes econmicas no interior desses blocos so conseqncias de suas assimetrias einteresses que os pases buscam equacionar. Dessa forma, levando-se em consideraoque a prpria OMC reconhece os desafios do livre comrcio mundial para os pases deforma geral, e em especial para os em desenvolvimento, toda a analise acerca doprocesso de integrao econmica na regio deve ser adequadamente relativizada.

    2 O dumping caracterizado pela venda no mercado externo de produto com preo inferior ao preopraticado no mercado domstico. J o subsdio existe na forma de ajuda financeira fornecida por umgoverno ou instituio governamental a um setor especfico da economia nacional que se materializa emvantagem frente aos demais concorrentes no comrcio internacional.

    3 O SGP administrado pela Conferncia das Naes Unidas para o Comrcio e Desenvolvimento(UNCTAD) e caracterizado pela concesso de preferncias tarifrias dos pases desenvolvidos aos

    pases em desenvolvimento de forma unilateral, sem necessitar estender tais preferncias aos demaismembros da OMC. Da mesma forma, o SGPC autoriza a concesso mtua de preferncias comerciaisentre os pases em desenvolvimento sem a necessidade de estender estas preferncias aos demaismembros da OMC.

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    4 O PROCESSO DE INTEGRAO REGIONAL NA AMRICA DO SUL

    Ao analisarmos os processos de integrao na Amrica Latina, transportamo-nosimediatamente ao perodo Ps-Segunda Guerra Mundial, quando a Europa comea suaempreitada rumo ao processo integracionista do velho continente. As iniciativaseuropias, nesse sentido, acabaram por influenciar essas iniciativas aqui na Amrica

    Latina. Ademais, o pensamento econmico da Comisso Econmica para a AmricaLatina (CEPAL), que tinha uma forte influncia no desenvolvimento econmico dos pasesda regio, respaldava, de certa forma, essa estratgia.

    Os pases da regio passaram, ento, a entender que o desenvolvimentoeconmico poderia ser alcanado por meio de sua organizao econmica em blocosregionais. Apesar da CEPAL estimular o processo de substituio de importaes comomodelo de desenvolvimento econmico para a Amrica Latina, este organismo toleravao intercmbio comercial em nvel regional.

    Surge ento, a partir do pensamento cepalino, em 1960, a ALALC (AssociaoLatino-Americana de Livre Comrcio). A ALALC tinha como estratgia principal aestruturao de um mercado comum, a partir do estabelecimento inicial de uma rea de

    livre comrcio composto pelos seguintes pases: Argentina, Bolvia, Brasil, Chile,Colmbia, Equador, Mxico, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.

    No entanto, com o passar do tempo, foi-se percebendo que os objetivos da ALALCeram muito ambiciosos (criao de um mercado comum4) para um conjunto de pasescom graus de assimetrias gritantes. Alm dos condicionantes econmicos, a polticainternacional da Guerra fria gerava uma atmosfera de desconfiana generalizada emrelao s reais pretenses polticas e econmicas dos pases. Soma-se a esse quadro, obaixssimo grau de institucionalidade da ALALC, caracterizado pela falta de coordenaode polticas em prol da integrao.

    Em 1980, a ALALC deixa de existir e, por meio da assinatura do Tratado deMontevidu, criada em seu lugar a Associao Latino-Americana de Integrao(ALADI). Diferentemente de sua antecessora, a ALADI utiliza-se de mecanismos maisflexveis para atingir a meta de constituir um mercado comum entre os pases da regio.

    poca da ALALC utilizava-se a rigidez da clusula de nao mais favorecida emnvel regional como diretriz basilar do comrcio entre os pases. Nesse sentido, toda equalquer preferncia tarifria que um pas concedia a outro, em suas relaes comerciais,deveria ser estendida aos demais. Essa abordagem multilateral foi abandonada com oadvento da ALADI que estabeleceu que essas preferncias poderiam ser dadas somentea um grupo restrito de pases. Dessa forma, a Comunidade Andina de Naes (CAN)pode conceder uma preferncia tarifria ao Panam, sem necessariamente ter queestend-la ao MERCOSUL, por exemplo.

    A ALADI, assim como a ALALC, tambm busca a formao de um mercado comumlatino americano. Todavia, ao levar em considerao as diversas assimetrias entre ospases, esse organismo estabeleceu que esse objetivo pode ser alcanado gradualmentepor meio de uma rea de preferncias econmicas compostas por uma prefernciatarifaria regional (produtos originrios dos pases membros da ALADI gozam depreferncia tarifaria no comrcio intrabloco), por acordos de alcance parcial (abrangemapenas alguns membros da ALADI como o caso do MERCOSUL e da CAN) e acordosde alcance regional (abrangem a totalidade dos membros da ALADI)5.

    4 O mercado comum caracterizado pela existncia de uma rea de livre comrcio em que os fatores de

    produo circulam livremente nos territrios dos pases membros. Nesse sentido, destaca-se a livrecirculao de bens, produtos, servios, capital e mo-de-obra.

    5 Artigo 4 do Tratado de Montevidu - Para o cumprimento das funes bsicas da Associao,estabelecidas pelo artigo 2 do presente Tratado, os pases-membros estabelecem uma rea de

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    Vale ressaltar que as formas de integrao fomentadas pela a ALADI reforam ofato de que estas esto abertas adeso de outros pases membros dessa organizao;elas devem tratar diferentemente os pases membros de menor desenvolvimento relativo;e podem conter regras especficas em termos de regras de origem, clusulas desalvaguarda, restries no-tarifrias, etc. Ou seja, a ALADI passou a enxergar as

    assimetrias regionais como desafios ao processo de integrao econmica na AmricaLatina.Atualmente os membros da ALADI esto divididos em trs categorias de pases:

    Pases de menor desenvolvimento relativo: Bolvia, Equador e Paraguai; Pases de desenvolvimento intermedirio: Colmbia, Chile, Venezuela, Peru,

    Uruguai e Cuba; Outros pases: Brasil, Argentina e Mxico.

    Em linhas gerais tanto o MERCOSUL quanto a CAN possuem objetivos comuns aserem perseguidos por seus respectivos organismos institucionais de coordenao.Ambos os processos visam criao de um Mercado Comum (livre circulao de bens,servios, pessoas e de capitais dentro dos blocos econmicos juntamente com a adoo

    de uma Tarifa Externa Comum - TEC)6. Tem-se hoje a idia consolidada de que tanto oMERCOSUL quanto a CAN constituem unies aduaneiras imperfeitas (caracterizadaspela livre circulao de mercadorias e servios entre os pases dos blocos e, ainda, pelaharmonizao da poltica comercial em relao a terceiros pases).

    O excessivo enforque comercial desses blocos econmicos pode ser explicado, emparte, pelo fato de ser menos difcil a integrao pela via econmico-comercial. Os temaspertinentes s relaes comercias entre os pases membros esto restritos a uma parcelatambm reduzida de atores e tomadores de decises. Nesse caso, destacam-se oexecutivo e a classe empresarial influente dos respectivos pases.

    Por outro lado, o avano nas demais reas (livre circulao de capital e mo-de-obra) encontra dificuldade nas assimetrias macro e micro-econmicas dos pases, nosdiferentes estgios de consolidao de suas respectivas instituies democrticas, e nadificuldade de consenso domstico sobre os temas pertinentes livre circulao detrabalhadores no interior dos blocos. Porm, apesar de todos os constrangimentospolticos e econmicos pelos quais os pases da regio passaram nas ltimas trsdcadas, a integrao regional permanece como tema de alta relevncia na agendaexterna dos pases.

    Aparte dos contenciosos comerciais, inerentes a todo processo de integrao, oMERCOSUL e a CAN tm buscado, por meio de suas instituies, a consolidao deseus instrumentos de articulao poltica e econmica. Nesse sentido, tanto oMERCOSUL quanto a CAN contam, de forma generalizada, com um rgo poltico, um

    rgo executivo, um rgo arbitral, uma secretaria administrativa, um rgo econmico defomento, e mais recentemente, com um parlamento7.Adicionalmente, destaca-se a materializao dos objetivos integracionistas do

    MERCOSUL e da CAN na criao da Unio das Naes Sul-Americanas (UNASUL) emmaio de 2008. Alm dos aspectos polticos e econmicos, a UNASUL delibera sobretemas pertinentes integrao fsica continental no contexto da Iniciativa para Integrao

    preferncias econmicas, composta por uma preferncia tarifria regional, por acordos de alcance regionale por acordos de alcance parcial.

    6 Os processos de integrao regional distinguem-se em cinco modelos, os quais ordenados em ordemcrescente de integrao so os seguintes: rea de livre comrcio, unio aduaneira, mercado comum,unio econmica e integrao econmica total.

    7 Destaca-se que o parlamento tem funo intergovernamental que visa ao fortalecimento da cooperaoentre os parlamentos dos pases membros. Nesse sentido o parlamento no cria leis. O parlamento tem alegitimidade de propor a criao de instrumentos e normas polticas que devem ser apreciadas peloConselho Poltico do bloco.

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    da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA), e defesa regional (Conselho deDefesa Sul-americano). Percebe-se, assim, que apesar do enfoque comercial eintergovernamental da integrao regional no continente sul-americano, a integraoavana gradualmente na direo das demais esferas sociais dos pases.

    5 A AMRICA DO SUL E A POLTICA EXTERNA BRASILEIRA: A BUSCA PELAINTEGRAO8

    A Amrica do Sul, em especial o Cone Sul do continente, apresentou-se, desde ofinal da dcada de sessenta, como uma alternativa a qualquer processo de integraomais amplo para o pas. A inexistncia de conexes fsicas de comunicaes, asassimetrias econmicas e a existncia de um mercado interno em expanso eramargumentos que mostravam o ceticismo da diplomacia nacional em relao s idias deintegrao regional (CERVO; BUENO. 2002. p.416).

    Na realidade, para o Brasil, os pases da Bacia do Prata e o Chile como forma decontrabalanar a influncia argentina na regio - eram a materializao mais concreta de

    uma Amrica do Sul (BANDEIRA, 2006, p.275). No entanto, a necessidade decooperao, principalmente entre Brasil e Argentina devido existncia de umacomplementaridade econmica, levou o pas assinatura do Tratado da Bacia do Prataem 23 de abril de 1969 com a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e a Bolvia (BANDEIRA,2006). O tratado objetivava a promoo harmnica do desenvolvimento e a integraofsica dos pases da Bacia do Prata.

    A partir de ento, no decorrer da dcada de 1970, o pas celebrou com o Paraguai,em abril de 1973, o tratado de aproveitamento hidreltrico dos recursos hdricos do rioParan criando a binacional ITAIPU; assinou a Ata de Cooperao para a compra de gsnatural e complementao industrial com a Bolvia (1973); elaborou estudos para acriao de uma indstria binacional para a explorao de carvo na Colmbia (1973);assim como projetos conjuntos com o Uruguai para o desenvolvimento das bacias daLagoa Mirim e do rio Jaguaro (CERVO; BUENO. 2002. p.419).

    Seguindo o modelo de relacionamento estabelecido com os pases do Tratado daBacia do Prata, o pas props, em 1978, a criao do Tratado de cooperao Amaznica(TCA)9 com os pases da bacia amaznica: Bolvia, Colmbia, Equador, Peru, Suriname,Guiana e Venezuela. O Brasil buscava estreitar laos com os pases da regio tanto deforma bilateral como multilateral. Porm, apesar desses avanos, a diplomacia brasileiratinha pendncias a resolver com a Argentina que via, assim como outros pases docontinente, os movimentos brasileiros na regio com certa desconfiana.

    Cristina Soreanu Pecequilo (2009, p.233) argumenta que o pas tem buscado

    (desde a dcada de setenta do sculo passado) eliminar as duas principais hiptesesacerca do papel brasileiro na regio: a de que o pas estaria de costas para o continente ea de que o Brasil exerce uma ao imperialista na regio. Nesse sentido, em 19 deoutubro de 1979, Argentina, Brasil e Paraguai assinaram o Acordo Tripartite pondo um fimao contencioso com a Argentina sobre o aproveitamento hidreltrico de seus rios por meio

    8 Este tpico foi extensamente baseado no segundo captulo da dissertao de mestrado do autor, intituladaA Internacionalizao do BNDES no Governo Lula. Apesar das crticas aos diversos projetosintegracionistas no continente sul-americano dos quais o Brasil faz parte, reconhece-se o fato de que oMERCOSUL, ALADI e a UNASUL so instituies com personalidade jurdica de direito internacional eque suas agncias operam na regio dentro do marco legal de cada um desses projetos (Parlamento doMERCOSUL, Fonplata, FOCEM, IIRSA, Conselho de Defesa Sul-Americano). A relevncia desses

    projetos analisada, neste trabalho, a partir do ponto de vista da poltica externa do Governo Lula.9 Em 1995, os pases signatrios do TCA decidiram criar uma secretaria permanente dando personalidadejurdica entidade. A partir de 1998 a secretaria foi implementada com a aprovao do protocolo deemenda ao TCA instituindo, oficialmente, a Organizao do Tratado de Cooperao Amaznica (OTCA).

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    das represas Itaipu e Corpus. Assim, Fernando Guimares Reis salienta que o acordotripartite no s resolveu uma questo tcnica como tambm abriu oportunidades para odilogo com Buenos Aires (REIS, 1994, p.25).

    Durante o conflito das Malvinas (1982-1983) o Brasil permaneceu oficialmente10neutro reconhecendo, porm, o direito argentino sobre as ilhas; em 1983 o pas auxilioupoltica e financeiramente o Suriname na superao de sua crise interna; e em 1985 o

    Brasil formalizou sua adeso ao Grupo de Apoio (Brasil, Argentina, Uruguai e Peru)endossando as deliberaes do Grupo de Contadora (Mxico, Colmbia, Panam eVenezuela) no que dizia respeito crise na Amrica Central. Ademais, vale ressaltar quea partir dos grupos de Contadora e de Apoio surgiu, em 1986, o Grupo do Rio11, frum dedebate com perfil poltico sul-americano com o intuito de consolidar a ordem democrticana Amrica Latina.

    Percebe-se que os movimentos diplomticos do Brasil na dcada de oitentafomentavam a criao de um ambiente de cooperao entre os pases da regio. Nessecontexto, a relao Brasil-Argentina se consolidava como eixo estratgico para aintegrao brasileira no continente. Alm do Acordo Tripartite de 1979, os pasesfirmaram, em 17 de maio de 1980, o Acordo de Cooperao para o Desenvolvimento e

    Aplicao dos Usos Pacficos da Energia Nuclear. Esse acordo, que ps fim desconfiana mtua em relao existncia de projetos hegemnicos na regio, foicomplementado tambm pelo Convnio de Cooperao entre a Comisso Nacional deEnergia Nuclear do Brasil e a Comisso Nacional de Energia Atmica da Argentina; assimcomo pelo Convnio de Cooperao entre as Empresas Nucleares Brasileiras S.A. e aComisso Nacional de Energia Atmica da Argentina (ALTEMANI, 2005, p.219).

    Assim, o envolvimento gradual de insero brasileira na Amrica do Sul respondeu necessidade de se estabelecer uma relao de cooperao estratgica que buscavaresolver situaes que iam de encontro com os interesses nacionais na regio: ocontencioso sobre as empresas Corpus e Itaipu, o no aproveitamento dacomplementaridade econmica Brasil-Argentina e o receio generalizado de uma presenahegemnica do Brasil na regio. Superadas as desconfianas iniciais, o processo deredemocratizao no Brasil e na Argentina contribuiu para a insero institucionalizada doBrasil no continente por meio da criao do MERCOSUL.

    Em 1985, Brasil e Argentina firmaram a Declarao de Iguau que previa a criaode um bloco regional no Cone Sul, assim como o surgimento de uma comisso bilateralpara negociao de vrios acordos comerciais. No mesmo ano foi assinada a Ata para aIntegrao Brasil-Argentina que criou o Programa de Integrao e CooperaoEconmica (PICE). J em 1988, os dois pases assinaram o Tratado de Integrao,Cooperao e Desenvolvimento. Em 1990 foi assinada a Ata de Buenos Aires, prevendoa criao de um mercado comum em quatro anos e meio. Temendo o isolamento,

    Paraguai e Uruguai, juntamente com Brasil e Argentina firmaram, em 26 de maro de1991, o Tratado de Assuno que estabeleceu o MERCOSUL.

    10 Em junho de 1982, um bombardeiro argentino, com problemas tcnicos e carregado de armas, foiescoltado por caas brasileiros e aterrissou em solo nacional. A partir da, comeou uma controvrsiadiplomtica envolvendo a neutralidade brasileira, Inglaterra e Argentina.

    11 Na Cpula da Unidade (Cancn, 22 e 23/02/10), que congregou a XXI Cpula do Grupo do Rio e a II

    CALC, decidiu-se criar a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), com basena fuso do Grupo do Rio e da CALC. Enquanto no se conclua o processo de constituio da entidade,no entanto, sero preservados o Grupo do Rio e a CALC, com seus respectivos mtodos de trabalho,prticas e procedimentos.

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    5.1 A INSERO CONTINENTAL VIA MERCOSUL

    Ao longo da dcada de noventa e dos anos 2000, sucessivos protocolos12assinados no mbito do MERCOSUL consolidaram o bloco como base institucional praum processo de integrao continental de maior amplitude. Moniz Bandeira salienta que acriao do MERCOSUL no objetivava ganhos puramente econmicos mas constituir o

    ncleo de um futuro mercado comum, base de um estado supranacional, como a UnioEuropia, sobre o lastro geogrfico da Amrica do Sul. (BANDEIRA, 2006, p.277).Paralelamente ao desenvolvimento do MERCOSUL, o pas lanou a idia de

    integrao em nvel continental ao sugerir a criao da rea de Livre Comrcio Sul-Americana (ALCSA) durante a VII Reunio de Cpula do Grupo do Rio, em 1993, nacidade de Santiago do Chile. Naquele contexto, a consolidao do continente como reaestratgica para a insero internacional do pas ganhava importncia devido ao projetode estabelecimento de uma possvel rea de Livre Comrcio das Amricas (ALCA).Dessa forma, a institucionalizao do MERCOSUL e a articulao brasileira com osdemais pases do continente constituram-se como realidades a serem consideradas nosdebates acerca dos ganhos e perdas relacionados criao da ALCA.

    Enquanto as negociaes sobre a ALCA e ALCSA ocorriam de forma lenta, oGoverno Brasileiro dava continuidade ao processo de consolidao do MERCOSUL comobloco regional. Percebe-se que o aspecto comercial da integrao predominou at 1994,quando foi assinado o Protocolo de Ouro Preto que criou a estrutura institucional doBloco. Em 1996 Chile e Bolvia associaram-se ao bloco. Nessa mesma tendncia deexpanso das relaes do bloco, o MERCOSUL assinou acordo-quadro com aComunidade Andina de Naes (CAN) em 1998. No mesmo ano, foi assinado o Protocolode Ushuaia sobre o Compromisso Democrtico conhecido como clusula democrtica,como forma de promover a democracia entre os membros do Bloco.

    No entanto, no decorrer da segunda metade da dcada de noventa, as crisescambiais ocorridas no Mxico, na sia, na Argentina e no Brasil, abalaram as relaesintra-bloco, principalmente entre Brasil e Argentina. Houve receio de que o futuro doMERCOSUL estivesse comprometido, devido s medidas unilaterais dos pases aobuscarem solues para a crise.

    Os principais pontos de estrangulamento das economias sul-americanas, e no sdo Cone Sul, no perodo 1999/2000, foram a desestruturao do Estado, a perdade sua ao social (com aumento da pobreza, misria, desemprego, baixa rendae fragmentao), a abertura econmica, o declnio dos setores estratgicosprivatizados e os desequilbrios cambiais. Naquele momento, o bloco tevedificuldades em agir como tal, com todos os membros buscando solues rpidase individuais na tentativa de minimizar seus problemas (PECEQUILO, 2009,p.243).

    Superado o perodo de crise, o MERCOSUL ampliou suas relaes com outrospases da regio, ao ter Peru como membro associado em 2003 e Colmbia e Equadorem 2004. A Venezuela, que formalizou seu pedido de adeso ao bloco em 2004,encontra-se com sua candidatura a membro pleno a ser formalizada, a espera daaprovao do parlamento paraguaio. Nesse sentido, a iniciativa brasileira de realizar aCpula de Braslia em 2000, frum de discusso poltica e econmica como forma depromover a integrao continental, desencadeou uma srie de eventos que solidificaram apresena do pas na regio: IIRSA, Comunidade Sul-Americana de Naes, UNASUL.

    12 Protocolo de Ouro Preto (1994) instituiu a arquitetura institucional do bloco, assim como formas desoluo de controvrsias que foram aperfeioadas ao longo do tempo pelos Protocolos de Braslia (1993)e Olivos (2002).

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    Esses desdobramentos, que adentraram os anos 2000, inseriram uma novadinmica nos processos de integrao continental, criando formas de cooperao para oBrasil, como por exemplo, o envolvimento do BNDES e empresas nacionais nofinanciamento e execuo dos projetos de infra-estrutura no mbito da IIRSA(PECEQUILO, 2009, p. 244). Essa nova dinmica das relaes do Brasil com a Amricado sul estimulou a relao do Estado e do empresariado nacional na busca de uma

    estratgia comum de insero internacional que contemplasse interesses mtuos. Assim,a relao Estado-empresas nacionais tem buscado a projeo internacional do pas pormeio da internacionalizao da economia nacional a partir da Amrica do Sul.

    6 CONCLUSO

    A liberalizao comercial promovida pela Organizao Mundial do Comrcioesbarra no conflito de interesses domsticos que influencia o processo decisrio depoltica de comrcio exterior de cada estado. Essa influncia percebida na formatendenciosamente protecionista de cada Estado ao lidar com as normas do comrcio

    internacional.Nesse sentido, a OMC busca limitar este tipo de atitude entre seus membros por

    meio de mecanismos de monitoramento de polticas comerciais que visam eliminaode barreiras tarifrias e no-tarifrias ao comrcio. Levando-se em conta tal desafio, aOMC d entender que apesar de ferirem seu princpio basilar de no discriminao e suaclusula de nao mais favorecida, os sistemas preferenciais de comrcio e os acordosregionais de integrao representam passos importantes rumo liberalizao comercialem nvel global, desde que estes acordos alcancem parte substancial do comrcio debens e servios.

    Faz-se necessrio, assim, adotar a mesma anlise flexvel e gradualista que aOMC utiliza para avaliar e normatizar a liberalizao comercial, quando o desafio forestudar e prospectar cenrios para os processos de integrao regional na AmricaLatina e, em especial, na Amrica do Sul. No caso da Amrica do Sul, as anlises edecises tm de ser, acima de tudo, pragmticas.

    No resta dvida de que as assimetrias econmicas, polticas e sociais sodesafios grandiosos ao processo de integrao regional. No entanto, os resultadosalcanados mostram que a integrao do continente pode ser atingida de forma adistribuir oportunidades de desenvolvimento econmico a todos os pases da regio.Contudo, no razovel esperar que os processos de integrao na Amrica do Sultenham o mesmo dinamismo econmico e institucional alcanado pelo bloco europeu. L,na Europa, o processo de integrao percorreu um caminho de mais de meio sculo

    congregando uma comunidade de pases muito mais homogneos em termos polticos eeconmicos do que os que se encontram no continente sul-americano.Dessa forma, os contenciosos comerciais no interior dos blocos, alvos constantes

    de crticas pouco construtivas, devem ser percebidos como questes pontuais referentess assimetrias econmicas entre os pases. Nesses casos, tem-se criado mecanismosinstitucionais de dilogo para o equacionamento dessas divergncias. A criao dessesmecanismos, ao mesmo tempo em que evidencia a necessidade de se trabalhar asassimetrias econmicas, mostram o comprometimento dos pases em se levar adiante oprocesso de integrao regional.

    Quanto ao Brasil, a Amrica do Sul parece ter se consolidado como rea prioritriapara sua poltica externa. O peso econmico e poltico do pas tem-lhe dado um papel de

    liderana tcita no processo de integrao regional. Assim, a insero comercial do Brasila partir de uma Amrica do Sul integrada em termos polticos, econmicos, sociaisconsolida-se como uma estratgia de Estado para o pas.

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    De toda forma, o protagonismo do Brasil na regio lhe impe a responsabilidade defazer avanar o processo de integrao continental. Parte considervel dos custospolticos e econmicos desse processo assumido pelo pas deve ser interpretado comoinvestimentos de ganhos tangveis (hard powereconmico) e intangveis (soft power).

    Percebe-se, por essa perspectiva, que ao levarmos em considerao o contextointernacional e os ganhos alcanados com a integrao sul-americana, o processo de

    integrao continental precisa seguir avanando de forma gradual, flexvel e pragmtica.Devem-se priorizar reas mais vulnerveis integrao (cultura, educao, segurana ecomrcio). Estas reas apresentam uma resistncia menor das sociedades, contribuempara solidificar o esprito integracionista que est mais consolidado nas esferasgovernamentais do que na percepo dos cidados comuns, e causam um desgastepoltico consideravelmente menor do que a harmonizao de polticas econmicas ecomerciais entre pases.

    Observa-se, todavia, que ao se priorizar as reas mais vulnerveis, no se podeolvidar que os temas econmicos (tarifa externa comum, livre circulao de mo-de-obrae de capital, quotas, etc.) so de extrema relevncia e precisam ser constantementetrabalhados. Assim, o esforo destinado ao avano do processo de integrao em tudo

    aquilo que for conjunturalmente possvel poder contribuir para ampliar a integrao nasreas de maior divergncia entre os pases.

    REFERNCIAS

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    BANDEIRA. L. A. M. O Brasil e a Amrica do Sul. In:Relaes internacionais do Brasil:temas e agendas Vol.1 ALTEMANI,Henrique,. LESSA, Antnio Carlos (Org). So Paulo:Saraiva, 2006, p.267-297.

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