Mercado de meios de pagamento: uma visão além das manchetes

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Mercado de meios de pagamento: Uma visão além das manchetes Junho/2014 1 Mercado de meios de pagamento: Uma visão além das manchetes A úlma divulgação pelo Banco Central das estascas agre- gadas da indústria de cartões e meios de pagamento brasileira em 12 de maio teve relevante cobertura da imprensa de negó- cios. Como de hábito, o tradicional crescimento de dois dígitos nos volumes de compras com cartões de crédito e débito foi o principal destaque. Entretanto, uma leitura mais atenta das informações dis- poníveis revela tendências mais sus cujas implicações, acreditamos, resultarão em mudanças profundas na configu- ração da indústria nos próximos anos, e deveriam estar desde já na pauta estratégica de todos os agentes do setor. Entre as tendências que passaram “sob o radar” do nociário, destacamos: O crescimento do volume de transações e da base de clientes de cartão de crédito está desacelerando de forma inequívoca A base de cartões vem se transformando de forma relevante, em termos de perfis de produtos e compedores O efeito da quebra de exclusividade na aceitação das bandei- ras internacionais, a parr de 2010, sobre a compevidade do mercado de adquirência vem sendo menor do que o pre- visto pelo mercado A desaceleração do crescimento A primeira constatação importante é a de que o faturamento das operações de débito teve em 2013 um crescimento anual de 23,4% frente a apenas 14,7% das operações de crédito. Descontando a in- flação, teríamos um crescimento de 17,1% no débito, enquanto o crédito ficaria abaixo dos dois dígitos, em 9,1%, marcando o terceiro ano consecuvo de redução do crescimento. Decompondo os componentes do crescimento percebemos que o faturamento médio por cartão avo cresceu apenas 4,6% ao longo de 2013, com um crescimento de 4,2% na base média de cartões. Mais importante é observar as tendências de evolução destes indi- cadores: Após 3 anos apresentando valores acima de 10%, o crescimento do faturamento médio por cartão de crédito, teve em 2013 uma forte redução. A manutenção desta queda nos próximos meses indicaria que a migração de gastos para o cartão, seja por transformação de hábitos de consumo ou por credenciamento de novas categorias e estabelecimentos, estaria se consolidando, apesar do esforço de cre- denciamento por parte dos adquirentes (credenciadores) Gráfico 2. Faturamento por cartões avos: valores absolutos e crescimento anual - valores atualizados para R$ de 2013 pelo IPCA 8.3% 10.4% 12.4% 14.1% 4.6% 5. 4 - 2.7% 2008 2009 2010 2011 2012 2013 Faturamento 4.0 4.3 4. 8 6.4 6. 1 Gráfico 1. Faturamento por meio de pagamento: valores absolutos e crescimento anual - valores atualizados para R$ de 2013 pelo IPCA Crédito Débito 283 324 159 395 189 450 220 500 255 545 299 14% 20% 15% 15% 22% 19% 14% 16% 11% 16% 9% 17% 183 2008 2009 2010 2013 2012 2011 Rua Barão de Capanema 343, 11º andar São Paulo, SP - 01411-011 +55 11 4063 3365 www.pontofuturoconsultoria.com Guilherme Lima Sócio-Fundador [email protected] Ricardo Molero Diretor de Projetos [email protected] Junho/2014

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O paper propõe uma leitura mais atenta das informações disponíveis, indo além das manchetes e números agregados de crescimento, e revelando tendências mais sutis cujas implicações, acreditamos, resultarão em mudanças profundas na configuração da indústria nos próximos anos, e deveriam estar desde já na pauta estratégica de todos os agentes do setor.

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Mercado de meios de pagamento: Uma visão além das manchetes

A última divulgação pelo Banco Central das estatísticas agre-gadas da indústria de cartões e meios de pagamento brasileira em 12 de maio teve relevante cobertura da imprensa de negó-cios. Como de hábito, o tradicional crescimento de dois dígitos nos volumes de compras com cartões de crédito e débito foi o principal destaque.Entretanto, uma leitura mais atenta das informações dis-poníveis revela tendências mais sutis cujas implicações, acreditamos, resultarão em mudanças profundas na configu-ração da indústria nos próximos anos, e deveriam estar desde já na pauta estratégica de todos os agentes do setor. Entre as tendências que passaram “sob o radar” do noticiário, destacamos:• O crescimento do volume de transações e da base de clientes

de cartão de crédito está desacelerando de forma inequívoca• A base de cartões vem se transformando de forma relevante,

em termos de perfis de produtos e competidores • O efeito da quebra de exclusividade na aceitação das bandei-

ras internacionais, a partir de 2010, sobre a competitividade do mercado de adquirência vem sendo menor do que o pre-visto pelo mercado

A desaceleração do crescimento A primeira constatação importante é a de que o faturamento das operações de débito teve em 2013 um crescimento anual de 23,4% frente a apenas 14,7% das operações de crédito. Descontando a in-flação, teríamos um crescimento de 17,1% no débito, enquanto o crédito ficaria abaixo dos dois dígitos, em 9,1%, marcando o terceiro ano consecutivo de redução do crescimento.

Decompondo os componentes do crescimento percebemos que o faturamento médio por cartão ativo cresceu apenas 4,6% ao longo de 2013, com um crescimento de 4,2% na base média de cartões.

Mais importante é observar as tendências de evolução destes indi-cadores:

• Após 3 anos apresentando valores acima de 10%, o crescimento do faturamento médio por cartão de crédito, teve em 2013 uma forte redução. A manutenção desta queda nos próximos meses indicaria que a migração de gastos para o cartão, seja por transformação de hábitos de consumo ou por credenciamento de novas categorias e estabelecimentos, estaria se consolidando, apesar do esforço de cre-denciamento por parte dos adquirentes (credenciadores)

Gráfico 2. Faturamento por cartões ativos: valores absolutos e crescimento anual - valores atualizados para R$ de 2013 pelo IPCA

8.3% 10.4% 12.4% 14.1%

4.6%

5.4

- 2.7%2008 2009 2010 2011 2012 2013

Faturamento 4.0 4.3 4.8 6.46.1

Gráfico 1. Faturamento por meio de pagamento: valores absolutos e crescimento anual - valores atualizados para R$ de 2013 pelo IPCA

CréditoDébito

283 324159

395189

450220

500255

545299

14%20%

15% 15%22% 19%

14% 16%11%

16%

9%

17%

183

2008 2009 2010 201320122011

Rua Barão de Capanema 343, 11º andar São Paulo, SP - 01411-011+55 11 4063 3365www.pontofuturoconsultoria.com

Guilherme LimaSó[email protected]

Ricardo MoleroDiretor de [email protected]

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• Surpreendentemente, o crescimento médio anual da base de cartões ativos desde 2010 é inferior a 1%, revelando o maior con-servadorismo da indústria para a concessão de crédito para além da base bancarizada, e confirmando que o “boom” de inclusão da “nova classe média” pode estar próximo do esgotamento

A evolução da base de cartõesObservando a evolução da base de cartões, nota-se claramente o crescimento substancial e consistente da participação dos produtos “premium” e corporativos. Os primeiros, devido à “massificação” de cartões Platinum, e mesmo Black/Infinite nas bases de correntistas dos grandes bancos. Os segundos, pelo início do movimento de mi-gração de pagamentos empresariais PME para meios eletrônicos de pagamento. Em ambos os casos, os movimentos foram incentivados pelos bancos emissores devido à maior taxa de intercâmbio sobre o faturamento dos cartões.

Chama atenção também a estabilização, após forte expansão entre 2007 e 2010, do crescimento da participação dos cartões híbridos (pri-vate label + cartão de crédito), normalmente emitidos nos varejistas, diretamente ou via parcerias com instituições financeiras. O final des-ta expansão é mais um indicador de que a inclusão de novos clientes “não bancarizados” vem se esgotando.

Finalmente, no segmento de Bandeiras, chama a atenção a veloci-dade de ganho de mercado da bandeira nacional Elo nos últimos dois anos, em especial no produto débito, avançando principalmente sobre o espaço da Visa, que historicamente teve em Banco do Brasil e Bradesco (acionistas da Elo) seus principais parceiros no Brasil. Uma das principais questões do mercado é se a bandeira concorrente Hiper (controlada pelo Itaú) terá a mesma velocidade de penetração sobre a base de cartões de débito MasterCard.

A competitividade do mercado de adquirênciaO mercado de adquirentes (ou “credenciadores”) ganhou grande evi-dência nos últimos anos, tanto pelo fato de os adquirentes serem os únicos elementos da cadeia de valor com ações na Bovespa, quanto pela extinção, por determinação do Banco Central, da exclusividade da parceria Visa/Visanet (atual Cielo), que buscava induzir competi-tividade no mercado, e reduzir o custo de aceitação para os varejistas. Passados quase 4 anos da abertura, vários pontos indicam que o obje-tivo foi apenas parcialmente atingido:

• Após uma queda nos primeiros anos após o fim da exclusividade, em larga parte devido a negociações de grandes estabelecimentos, as taxas médias de desconto cobradas aos varejistas estabilizaram-se nos dois últimos anos. A queda nas taxas ao longo destes 4 anos foi equivalente à metade ou menos das expectativas do mercado em 2010

• Ao contrário das expectativas originais, os novos adquirentes não adotaram a estratégia de low cost. Santander/GetNet e Banrisul, inclusive, praticam taxas médias maiores do que Cielo e Rede – o que deve ser, em parte, creditado à maior concentração de seus volumes em clientes de menor porte, que tendem a pagar as taxas mais elevadas

Gráfico 8. Taxa média de desconto bruta para transações crédito em 1 parcela no 4o tri de 2013 - valores em % do volume financeiro da transação

2.45 2.422.56

2.69

Cielo Rede Santander Banrisul

Gráfico 7. Evolução da taxa média de desconto bruta para transações de crédito em 1 parcela - valores em % do volume financeiro da transação

2.732.69

2.732.67 2.67

2.682.56 2.48 2.43 2.452.46 2.41 2.40 2.42

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

RedeCielo

Gráfico 6. Bandeira Elo: % da base total de cartões ativos de crédito e débito

0.3%0.2%

12 T1 12 T2 12 T3 12 T4 13 T1 13 T2 13 T3 13 T4

0.9%0.3%1.5%

0.4%2.1%

0.5%2.7%

0.7%

4.2%

1.0%

5.7%7.1%

1.3% 1.6 %

Crédito

Debito

Gráfico 5. Cartões híbridos: % da base total de cartões ativos de crédito

5.5%9.1%

12.9%

18.7% 17.4% 16.2% 17.1%

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Gráfico 4. Cartões corporativos e premium: % da base total de cartões ativos de crédito

1.6%

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

1.6%3.0% 3.6%

1.7%

4.1%

2.3%

4.9%

3.3%

6.7%

4.5%

7.9%

4.7%

8.2%Corporate

Premium

Gráfico 3. Cartões de crédito ativos: volume total (em milhões de unidades) e crescimento anual

71.1 75.2 82.9 84.2 81.8 85.3

16.7%

5.8%10.2%

1.5%

- 2.8%

4.2%

2008 2009 2010 2011 2012 2013

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• A participação do intercâmbio (parcela de remuneração dos emis-sores do cartão) na taxa de desconto aumentou de forma significa-tiva nos últimos anos, até chegar a 60%. Ou, inversamente, a taxa de desconto líquida dos adquirentes caiu em 27%, principalmente como consequência dos ajustes nas taxas de intercâmbio promovi-dos pelas bandeiras nos últimos anos. Ainda assim, lembramos que diversos bancos de investimento estimavam, antes da quebra de exclusividade, reduções de até 50% neste valor, e que a partilha de valor emissor/adquirente no Brasil ainda está muito distante dos 80/20 observados em vários mercados maduros

O sucesso dos grandes adquirentes em preservar a atratividade do negócio pode ser atribuído a uma série de fatores, inclusive a sua competência empresarial em preparar-se apropriadamente para a transição de ambiente competitivo, e em contrapartida, a falta de pre-paro, informações e capacidade de articulação do pequeno e médio varejo para negociar com propriedade.

Adicionalmente, deve ser destacada a busca dos adquirentes e seus controladores em incentivar outros sistemas de pagamento com ex-clusividade na adquirência (Amex, Elo, Cartão Hiper, cartões de ben-efícios, entre outros), que mantenham, para certos segmentos, a ne-cessidade de afiliação a mais de uma empresa, e reduzindo o incentivo a racionalização de capacidade do mercado. A ação do Banco Central para eliminar estes arranjos é uma possibilidade real no médio pra-zo, e poderia incentivar um novo ciclo de negociações e reduções de preços de aceitação de cartões para diferentes ramos da economia.

A análise conjunta destes elementos pouco discutidos (ainda que publicamente disponíveis) permite traçar diversas implicações que exigem não apenas atenção, mas também ações concretas das em-presas e executivos envolvidos com o setor de meios de pagamento:

1. Necessidade de mudança de “mindset” dos gestores:

O modelo tradicional da indústria – produtos, plásticos, canais de aquisição e meios de captura – já está iniciando a sua transição de “mercado em crescimento” para “mercado maduro”. Como conse-quência, futuros ganhos de “market share” e base de clientes tornar-se-ão cada vez mais caros e quase sempre ocorrerão sobre a base dos concorrentes. Assim, os investimentos e incentivos gerenciais dos emissores devem priorizar menos a expansão da base, e mais a gestão eficaz de todo o ciclo de vida do cliente, ou seja, aquisição → ativação → rentabilização → fidelização → retenção, que será cada vez mais condição necessária para a rentabilidade de uma operação de cartões. Adicionalmente, este cenário fará com que as organizações vence-doras, cada vez mais, sejam aquelas que fundamentem suas ações em dados e análises, utilizando-se da vasta riqueza de informações oferecidas pelo comportamento transacional do cliente. Neste aspecto, as iniciativas de capacitação analítica no mercado brasilei-ro ainda são incipientes quando a comparados com as práticas do mercado americano, ou mesmo de países emergentes da Europa.

Gráfico 9a. Evolução das taxas médias de intercâmbio e de desconto bruta para todas as transações de crédito - valores em % do volume financeiro da transação

IntercâmbioT axa de desconto líquida

2.92

1.51

1.41

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

1.52 1.54 1.58 1.51 1.51 1.66

1.44 1.44 1.34 1.28 1.26 1.10

2.96 2.98 2.92 2.79 2.77 2.76

Gráfico 9b. Evolução da participação do intercâmbio sobre as taxas de desconto brutas para transações de crédito - valores em %

48 51 52 54 54 5560

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Intercâmbio T

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2. Próximas ondas de crescimento para os pagamentos eletrônicos:

Apesar do crescimento “orgânico” (ou em dígitos únicos) que se avizinha para o modelo tradicional de cartões, o setor ainda tem grandes “novos oceanos” a explorar – e cada qual com desafios específicos.

a. Para os pagamentos de pessoas físicas, o próximo grande passo será acelerar a migração dos valores transacionados em dinheiro, em compras de baixo valor e, principalmente, pela massa não-bancari-zada (ou “sub-bancarizada”). Concretamente, falamos de pagamen-tos móveis, cartões e contas pré-pagas, e moedeiros eletrônicos, entre outros. Entretanto, os modelos de negócios que viabilizarão estes novos produtos e sistemas ainda não se consolidaram, mas certamente terão a participação de concorrentes não-tradicionais (como empresas de telecomunicações e start ups de diferentes es-pécies), e o espaço dos agentes tradicionais de meios de pagamento está longe de ser garantido

b. No mercado de pessoas jurídicas, a captura dos fluxos financeiros e de crédito mercantil entre empresas ainda encontra-se nos seus estágios iniciais no Brasil. Entretanto, para a criar valor para estes clientes, será necessário desenvolver um entendimento bem mais profundo do que o existente no setor sobre as reais necessidades e características dos diferentes nichos de mercado. A observação do mercado indica que este trabalho que é feito com mais eficá-cia por especialistas em diferentes áreas – cartões frota, cartões de frete, cartões de distribuição, etc. – o que indica que a necessidade de adequação da oferta e posicionamento dos grandes atores, ou, alternativamente, a oportunidade de aquisição futura destes espe-cialistas de nicho

3. Oportunidades para o pequeno e médio varejo:

Ainda que o grande varejo já tenha obtido descontos muito significa-tivos para as suas taxas de descontos, as persistentes altas margens dos adquirentes apontam para oportunidades relevantes de redução de custos para médios e pequenos varejistas no médio/longo prazo. En-tretanto, para alcançar estes ganhos os varejistas precisarão buscar for-mas criativas de negociação com os adquirentes, como, por exemplo, negociações coletivas e coordenadas, através de entidades de classe ou agentes consolidadores, como centrais de serviços e compras.

Em resumo, os próximos 5 a 10 anos serão de intensas transfor-mações para o ecossistema brasileiro de meios de pagamento, e um período em que todos os elos da cadeia de valor e todos agentes do setor precisarão provar o seu real valor para o mercado, sob pena de se tornarem irrelevantes. Entender os movimentos de mudança e as tendências do mercado em profundidade, e além das manchetes, é apenas o primeiro passo.

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