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MENSAGEM SUBLIMINAR NAS PROPAGANDAS: O PODER DE
COMUNICAÇÃO DO SIGNO
CÉZAR, Neura1 - UFRGS
Grupo de Trabalho: Comunicação e Tecnologia
Agência Financiadora: CAPES Resumo Esta comunicação é parte de um projeto de pesquisa que está em andamento na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, curso doutorado em Psicologia Social, intitulada: Televisão subliminar e Juventude: um estudo sobre os impactos da TV na subjetividade dos jovens. Este trabalho tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre o poder de comunicação dos signos que estão presentes numa mensagem subliminar. A palavra subliminar geralmente vem ligada à idéia de estímulos embutidos em propagandas publicitárias, mais especificamente em filmes. Foram analisados dois anúncios impressos mostrados pela Revista Veja, no segundo semestre de 2007 e a cena de número 20 da novela “Sangue Bom”, transmitida no dia 06 de maio de 2013 pela Rede Globo. Neste trabalho foi utilizada a metodologia semiótica desenvolvida por Charles Sanders Peirce, englobando a teoria dos signos, as categorias primeiridade, secundidade e terceiridade, a relação triádica do signo, a noção de percepção, além das associações por similaridade e contigüidade presentes na linguagem. Como resultados encontrou-se que os elementos que compõem o conjunto estrutural da mensagem apresentam um alto potencial de sugestões, de sedução, sendo estruturados de forma caprichosa para que possam distrair a mente do intérprete, abrindo caminho para a instalação da mensagem em si. Porém, nem todos os signos que fazem parte de uma mensagem são hábeis e competentes o suficiente para provocar um efeito numa mente interpretadora. O percepto penetra a mente como signo, inundando os nossos sentidos. A pesquisa também verificou que quando o caso é subliminar, inexiste a capacidade para se chegar aos esquemas interpretativos. São percepções que permanecem abaixo do limiar da consciência. Portanto, por apreensão subliminar se refere à mensagem percebida por qualquer um dos sentidos usuais, fora dos estados reflexivos, sendo considerada recepção inadvertida e se dá num plano de puro sentimento, ou seja, de primeiridade. Palavras-chave: Mensagem subliminar. Signo. Publicidade. Poder.
1 Mestre em Educação pela UFMT, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Vinculada à Linha de Pesquisa Redes Sócio-Técnicas, Cognição e Comunicação, Grupo de Pesquisa Comunicação, Ideologia e Representações Sociais, sob a orientação do Professor Dr. Pedrinho Arcides Guareschi. E-mail: [email protected].
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Palavras Iniciais
Ao longo das últimas cinco décadas, mais precisamente dos anos 90 pra cá, tem sido
desenvolvido a idéia da existência do envio de mensagens subliminares, de forma
dissimulada, sub-reptícia, abaixo dos limites da percepção consciente, atribuindo-se a elas um
elevado poder de manipular a mente das pessoas. Os fenômenos que não podem ser captados
em nível de consciência pelos sentidos, ou seja, aquilo que é indetectável, indiscernível parece
irrelevante se ignorada esta crença. Em torno dessa idéia tem sido construída muita
controvérsia, uma vez que ao mesmo tempo em que conquistou adesão, alastrou medo,
inseguranças, equívocos e juízos aligeirados.
A percepção subliminar tem sido discutida, criticada, confrontada e provocado muito
debate no âmbito da psicologia desde 1863, época em que surgiu o primeiro estudo
experimental. Cada vez mais este tema é debatido na área da comunicação, particularmente
quando se trata de publicidade, uma vez que, inserindo-se na organização da programação
televisiva sua meta central é a exposição de produtos e serviços como forma de rentabilidade.
Considerando que as comunicações inadvertidas se fazem presentes nas relações
cotidianas que o ser humano estabelece, seja na família, no trabalho, na escola, no lazer, as
quais podem condicionar a sua interpretação da realidade, faz-se necessário empreender
estudos para desmitificar confusões que ainda permeiam essa discussão. Com relação à
publicidade há muitos estudos que são marcados por contradições e juízos aligeirados, o que
impede um verdadeiro conhecimento do funcionamento do meio.
O objetivo deste trabalho é apresentar algumas reflexões desenvolvidas sobre o
conceito de subliminar, o qual segundo alguns teóricos são mensagens que, inadvertidamente,
se apossam dos sentidos do ser humano, sendo difícil precisar o efeito que essas podem
causar. Contudo, muitas dessas afirmações não são respaldadas por resultados com
comprovação científica, particularmente com relação aos efeitos provocados por mensagens
de natureza subliminar. Portanto, este trabalho que tem como proposta compreender o
subliminar como fenômeno fundamenta-se no enfoque semiótico dado pela teoria peircena,
adotando os aspectos comuns das categorias indicadas por Peirce.
Primeiramente, abordaremos brevemente alguns estudos que marcaram a história
desse evento, assim como os autores que se destacaram nos estudos, pesquisas e experimentos
nessa área, buscando dessa forma, apresentar o conceito de subliminar. Em segundo lugar,
traçaremos alguns aspectos da teoria peirceana, destacando desse estudo os mecanismos de
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captação dos signos, ou seja, as categorias do pensamento e da natureza, denominadas como
primeiridade, secundidade e terceiridade. Essas darão base para analisar com maior
profundidade a questão do subliminar nas mensagens. Por fim, apresentaremos uma análise
semiótica de três peças publicitárias, H’ Stern, duas impressas e uma veiculada, sendo que
esta marca possui um alto nível de sugestibilidade nos signos apresentados nos anúncios
publicitários, na tentativa de mostrar o poder de comunicação de um signo de caráter
subliminar para influenciar grande número de leitores e ouvintes arbitrariamente.
Mensagem Subliminar
Considera-se subliminar todo estímulo (não necessariamente visual) que não é
percebido de forma consciente. Abbagnano (1998, p. 924) define esse termo como sendo o
“mesmo que inconsciente”, ou seja, o que não atinge o limiar da Consciência, produzindo
efeitos a nível inconsciente. Dentro desta perspectiva, considera-se “subliminar qualquer
estímulo percebido de forma inconsciente e seria considerada subliminar qualquer mensagem
inadvertida”. (FERRÉS, 1996, p. 71).
Quando o processo de apreensão de estímulos se dá em nível indistinguível, ou seja,
inadvertido, no qual as percepções não vão além do limiar da consciência, este processo é
caracterizado como fenômeno subliminar, sendo pronunciado sub-liminar. Etimologicamente,
o termo subliminar originou-se do latim sub-limen, como inferior ao liminar. Para a
psicologia, são estímulos que são captados por baixo da fronteira da consciência. Dito de
outra forma, que não é suficientemente intenso para penetrar na consciência, mas que pela
repetição ou por outras técnicas, pode atingir o subconsciente, afetando as emoções, desejos,
opiniões. (FERRÉS, 1998).
O sentido mais comum atribuído ao termo subliminar refere-se à possibilidade de
existir estímulos embutidos em anúncios publicitários e, mais especificamente, em filmes,
considerando que estes estímulos seduzem as pessoas inadvertidamente. O marco da
descoberta dos efeitos subliminares segundo Mucchielle (1978) e Calazans (1992) é o
experimento vicarista, realizado na década de 50, configurando-se como exemplo lendário.
Conforme apresentada em alguns estudos, Jim Vicary instalou em um cinema de Nova
Jersey, um segundo projetor, o qual projetava intermitentemente na tela do filme Picnic, com
Kim Novac (no Brasil Férias de amor), frases como “Beba Coca-Cola” e “Coma Pipoca”, a
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uma velocidade taquicoscópica, em intervalos de cinco segundos, ficando exposto na tela por
1/3.000. Esta era a técnica de projeção subliminar.
Calazans (1992) explica que essa projeção realizada por um taquicoscópio, o qual
pode ser comparado a um projetor de slides, provocaria efeito subliminar, principalmente pela
rapidez, repetição e idéia de movimento das imagens, sendo que a percepção desse estímulo
seria praticamente impossível por estar muito abaixo ou muito acima dos umbrais sensoriais.
Nesse sentido, Brown (1976) ainda diz que as palavras eram projetadas tão depressa que a
mente consciente não teria condições de as perceber sobrepostas ao filme.
Esse experimento, realizado por James Vicary, publicitário renomado, tornou visível o
potencial desse fenômeno, passando, a partir daí, a ser considerado como a novidade poderosa
no campo da publicidade. Essa nova técnica de propaganda tinha o poder de seduzir e
provocar nos consumidores mudança de comportamentos, crenças, desejos, revolucionando
dessa forma, os costumes de compras dos norte-americanos bem como do resto do mundo.
Embora tenha adquirido grande popularidade, o próprio autor do experimento, James
Vicary, anos mais tarde, declarou que o aumento anunciado na venda de pipoca (57,7%) e
coca-cola (18,10%) não ocorreu. Segundo Ramonet (2002), esse resultado foi uma divulgação
dissimulada. Ainda que cientes que tais inserções são tecnicamente impossíveis, esse evento
traz as marcas do alvorecer de uma idéia que divide crenças.
Daí pra frente, o estímulo subliminar passou a ser visto como aquele que é capaz de
influenciar e dominar a mente humana, com o objetivo de estimular ou até mesmo induzir
comportamentos e crenças. Esses estímulos são considerados por muitos autores, como sendo
imagens embutidas no conjunto de mensagens, não perceptíveis conscientemente. Entre os
mais variados elementos, podem se destacar: nudez, órgãos genitais (masculina e feminina),
formas demoníacas, palavras indecorosas. Essa forma de publicação ganha cada vez mais
renome, principalmente com a proliferação de divulgações e exposições sem rigor científico.
Pesquisas relativamente recentes no campo da comunicação têm procurado aprofundar
o processo de transmissão de estímulos subliminares. Dentre os autores que têm se destacado
nessa empreitada, cito Flávio Calazans (1992) e Joan Ferrés (1996 e 1998).
Estudos do Fenômeno Subliminar
Existem, pelo menos, duas correntes de pensamento que explicam a concepção de
subliminar em estudos de publicidade. Uma defende a percepção de estímulos embutidos
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(CALAZANS, 1992) e a outra, a percepção daqueles que estão subentendidos (FERRÉS,
1998). Cada uma delas apresenta um recorte do campo conceitual com o intuito de caracterizar
a forma como são apreendidas essas categorias de mensagens em forma de estímulos que se
apresentam aos sentidos da pessoa, em condição abaixo ou acima do limiar da consciência.
A centralidade da teoria de Calazans (1992) está na ligação que ele faz da saturação de
mensagens subliminares com o consumo inconsciente. Ele defende a idéia de que o sentido do
termo subliminar tem ligação direta com a técnica de projeções taquicoscópica. Para o autor
são estímulos que são embutidos em mensagens e imagens. Essa técnica de embutir
mensagens subliminares dentro de imagens, fotografias, hologramas, desenhos ou filmes, foi
denominada por Calazans como Iconesos.
O autor parte da idéia de que estes constroem mensagens que penetram
subliminarmente no subconsciente do receptor, propondo uma fórmula esquemática para
explicar como ocorre esse processo. Para o autor, o subliminar é essa saturação de informação
que nos é apresentada por um tempo muito curto. Em outras palavras, um turbilhão de
mensagens que é veiculada num tempo muito reduzido para a captação de todas as
informações que ela contém.
Essa corrente de estudo considera que os estímulos estão embutidos no processo
comunicativo, visando atender o objetivo da fonte que o produziu. Desse modo, a mensagem
vem carregada com elementos sub-reptícios, não reconhecíveis pela mente humana,
incapacitando a interpretação. São imagens colocadas, enxertadas, no contexto de outras
imagens, ou mesmo sons abaixo de outro som, passando, dessa maneira, despercebidamente
pela mente consciente, por estarem camufladas. Levando em conta o tempo, a condição e a
forma de exposição, impedem que o telespectador as apreenda. O estímulo enviado fica abaixo
do umbral sensorial mínimo ou acima do umbral sensorial máximo.
A corrente indicada por Joan Ferrés apresenta como ponto central à influência da
televisão na esfera das emoções. Esse autor define a terminologia subliminar como qualquer
estímulo que não é percebido conscientemente. Contudo, ele desenvolve o conceito de
subliminar analisando não apenas o limite dos umbrais da consciência, mas igualmente a forma
como o estímulo é emitido, recepcionado e significado pelo telespectador na sua realidade.
O autor considera que essas mensagens são constituídas por um conteúdo semântico
camuflado e são veiculadas de forma indireta e inadvertida, objetivando o processo de
socialização. Essas mensagens são perpassadas por uma intenção ideológica, a qual se acopla
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a outros elementos que compõem a mensagem, fazendo com que o objetivo do emissor não
seja percebido, alojando dessa forma, no inconsciente. Dentre elas, podemos citar as
experiências cinematográficas e televisivas, as quais criam fortes conexões com os desejos,
com alto poder de incidir sobre esfera das emoções.
Como descrito em linhas precedentes, a concepção restrita do subliminar é ampliada
por Ferrés (1998, p. 13), descartando a acepção do termo subliminar como sendo estímulos
embutidos e projeções taquicoscópicas. Para o autor,
Subliminar qualquer estímulo que não é percebido de maneira consciente, pelo motivo que seja: porque foi mascarado ou camuflado pelo emissor, porque é captado desde uma atitude de grande excitação emotiva por parte do receptor, por desconhecimento dos códigos expressivos por parte do próprio receptor, porque se produz uma saturação de informações ou porque as comunicações são indiretas e aceitas de uma maneira inadvertida.
Portanto, o conceito de subliminar defendido por esse autor é muito diferente do
sentido de subliminar do experimento vicarista. Em suas considerações os efeitos provocados
por esses processos, ou seja, as comunicações inadvertidas podem levar a pessoa a agir
motivada pelo impulso, aderir a idéias, valores ou crenças.
Entretanto, a mudança de pensamento não é tarefa simples. Apesar de mais tarde
Vicary ter confirmado publicamente que o resultado de seu experimento não procedia,
configurando-se uma farsa (RAMONET, 2002), Mucchielli (1978) e Calazans (1992)
persistiram na idéia de utilizar o experimento vicarista como referência, insistindo na
efetividade dos métodos taquicoscópicos. Esses autores defendiam que esses procedimentos
possuem um grande potencial para produzir efeitos advindos de estímulos desse gênero.
O ponto de encontro entre essas duas concepções se dá na aceitação do processo de
vitimização que essas mensagens provocam, o qual pode levar à passividade. Elas não negam
o poder de influência que essas apreensões despercebidas provocam na mente humana. Pelo
contrário, ambas confirmam que essas mensagens atuam como armadilhas ou armas de poder
de um grupo de interesses, que podem usar para o ataque a mentes carentes de defesa.
É importante destacar que não há um consenso sobre o tema entre os estudiosos. Por
um lado, algumas pesquisas defendem que não há resultados comprobatórios de que uma
pessoa possa agir sob influência de uma percepção subliminar. Por outro, estudos garantem
que a influência ocorre. Nesse sentido, no entendimento de Ramonet (2002) ficou comprovado
mediante as experiências realizadas que esse tipo de propaganda silenciosa não suscita, senão
necessidades primárias, tais como vontade de beber, comer, de fumar e refrescar-se. Isso
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evidencia sua impotência para impor uma marca precisa de produto. Ainda para o autor, um
aspecto interessante a ser observado nessa teoria é que a permanência do efeito subliminar é
muito reduzida, sendo o tempo insuficiente para motivar a pessoa a adquirir um produto. Em
razão disso, o efeito desaparece ou é substituído por outro.
A noção de subliminar, cujo sentido remete a expressões como camuflado, latente,
inadvertido, despercebido, imperceptível, entre outras, por incompreensão, pode adquirir
sentido negativo e provocar resistências. Isso é possível porque, embora haja toda uma
discussão em torno do termo subliminar, continua sendo alastrada pelos meios de comunicação,
em especial na internet, a idéia de que as mensagens veladas, tanto as imagens embutidas
como as idéias dissimuladas, estão carregadas de alto poder de ataque a mentes indefesas.
Em conseqüência disso surge a necessidade cada vez maior de ler e saber lidar com
essas crenças construídas em torno do termo subliminar. Isso requer uma análise profunda dos
níveis de apreensão dos fenômenos que nos chegam aos sentidos. A teoria semiótica de Peirce
pode ser uma fonte de grande valor para enfrentar essa exigência, uma vez que ela pode
apontar os signos que configuram a mensagem subliminar.
Conceituação de Signo
Passamos agora à discussão de alguns fundamentos da teoria semiótica desenvolvida
por Charles Sanders Peirce, visto que essa teoria permite verificar vários elementos que
passam despercebidos pelo público leigo. Sendo uma ferramenta poderosa na busca de
significados e interpretações mais completas a semiótica traz subsídios mais abrangentes para
as questões que temos em mira explicitar.
O signo é todo sinal da realidade, toda marca que representa algo que está fora dele,
mas de que, em alguns casos, ele é parte. A percepção de algo, seja o que for que a mente
recebe, não supõe o contato com a realidade inteira, mas com uma dimensão que representa o
todo, sendo, portanto, que a imagem que se forma na mente não é o real em si. Esse é o
conceito base da semiótica do norte-americano Charles Peirce.
No entendimento de Santaella (2006, p. 58), “o signo é uma coisa que representa outra
coisa: seu objeto”. Só será signo, se puder representar ou substituir algo diferente dele. Para a
autora, “o signo não é o objeto. Ele apenas está no lugar do objeto. Portanto, ele só pode
representar esse objeto de um certo modo e numa certa capacidade”. Os signos necessitam de
um intérprete para representar seu objeto, e irá produzir na mente do intérprete uma outra
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coisa (signo ou quase-signo) que também se relacionará ao objeto, não diretamente, mas por
meio da mediação do signo. Assim, o resultado de um signo será outro signo, seja imagem,
ação, mero gesto, palavra, sentimento, ou qualquer outra coisa produzida em nossa mente.
Segundo Santaella (2006), na teoria semiótica desenvolvida por Peirce o signo não está
limitado à linguagem verbal, mas abrange todos os tipos de linguagens. Seu conceito
diferencia do binarismo apresentado pela lingüística, na qual o signo resulta de uma relação
entre significante e o significado, restritas à linguagem verbal, não sendo meta desse estudo
tratar sobre isso. Peirce organiza-se de forma triádica: a partir de uma categorização dos níveis
e dimensões de ocorrências fenomênicas: primeiridade, secundidade, terceiridade. Assim,
chega às suas categorias, através da análise e do atento exame do modo como as coisas surgem
na consciência.
São os fenômenos que nos possibilitam uma maior abertura e possibilidade de análise.
Para Santaella (2006, p. 32):
Entendendo-se por fenômeno qualquer coisa que esteja de algum modo e em qualquer sentido presente à mente, isto é, qualquer coisa que apareça, seja ela externa (uma batida na porta, um raio de luz, um cheiro de jasmim) seja ela interna ou visceral (uma dor no estômago, uma lembrança, um expectativa ou desejo), quer pertença a um sonho, ou uma idéia geral e abstrata da ciência, a fenomenologia seria, segundo Peirce, a descrição e análise das experiências que estão em aberto para todo homem, cada dia e hora, em cada canto e esquina do nosso cotidiano.
Peirce (1980) considerava que estes fenômenos eram livres de juízo de valor – de certo
ou errado – e era tudo o que aparecia à mente, algo real ou não. Com base nessa concepção de
fenômeno, Peirce sistematizou o conhecimento em três classes gerais e universais, formando
diagramas que dão conta de todos os fenômenos e denominou-as de Categorias. São elas:
Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Por sua vez, Santaella (2006, p. 42) caracteriza
essas três categorias universais como modalidades possíveis de apreensão de todo e qualquer
fenômeno. Elas são a base onde se opera a apreensão-tradução dos fenômenos. Essas três
categorias pertencem a qualquer fenômeno. No entanto, é bom lembrar, que dependendo da
situação, uma poderá ser mais acentuada que a outra em determinado aspecto.
Definição das Categorias
Peirce (1980) conclui que tudo que surge em nossa consciência ocorre a partir de três
propriedades, que são correspondentes aos três elementos formais de qualquer experiência,
que são: 1) qualidade; 2) Relação; e 3) representação. Com o objetivo de apresentar uma
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nomenclatura mais científica, o autor mais tarde, substituiu estas palavras por primeiridade,
secundidade e terceiridade, as quais são assim definidas:
Primeiridade: é a qualidade da consciência imediata, pura, uma impressão,
sentimento, indivisível, o que não pode ser analisado, inocente e frágil. Na primeiridade, o
conhecimento está sempre no presente, no imediato, é iniciante, original, espontâneo e livre.
“É aquilo que é sem referência a mais nada. É como se fosse possível parar a consciência no
instante presente. Não existe passado ou futuro, apenas um instante presente”. (SANTAELLA,
2006, p. 43). É uma consciência que rompe com o tempo, tornando-se mera possibilidade.
Secundidade: Já a secundidade, segundo Santaella (2006), é aquilo que dá à
experiência seu caráter de luta e confronto, ação e reação, sem a mediação da razão ou de lei.
Onde quer que exista um fenômeno, há a qualidade – que é a primeiridade. Essa qualidade é
uma parte do fenômeno e, para que ela exista, é preciso sua manifestação material, a
factualidade – que é a secundidade, está nesse aspecto material.
Terceiridade: Esta categoria é a síntese intelectual do que ocorre entre o primeiro e o
segundo, é a camada de pensamentos em forma de signos, que nos possibilita a interpretação
dos fenômenos no mundo como explica Santaella (1995). Como exemplo, temos o céu, como
aqui agora, que é a primeiridade, o azul observado nele é a secundidade e a síntese, que é um
signo, pelo qual organizamos - o azul do céu - é a terceiridade.
Para Peirce (1980) a noção de qualidade, ou seja, a primeiridade é uma experiência
inteiramente simples em si mesma. A noção de relação, a secundidade, origina-se da
consciência dupla ou do sentido de ação e reação. Por fim, a noção de mediação, a
terceiridade, procede da consciência plural ou do sentido de aprendizado. A terceiridade se
manifesta quando o curso da vida nos força a pensar e perceber o mundo que nos cerca.
Diante de qualquer fenômeno, para que possamos conhecer e compreender as coisas a
consciência produz um signo, que é um pensamento que faz a ligação entre nós e os
fenômenos. Assim, segundo Santaella (2006, p. 51) “perceber não é senão traduzir um objeto
de percepção em um julgamento de percepção, ou melhor, é interpor uma camada
interpretativa entre a consciência e o que é percebido”.
A Tríade Perceptiva de Peirce
A tríade de Peirce é a referência para reconhecer o mundo dos signos. É possível por
meio de sua semiótica descrever, analisar e interpretar linguagens. Os conceitos servem de
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ferramentas para o pensamento, para o aumento da percepção. Aliados à pesquisa científica,
os conceitos podem ser eficazmente empregados e com resultados surpreendentes.
Segundo Santaella (1995, p. 69) a percepção funciona sempre como mediadora entre o
objeto e a mente interpretante, apresentando-se numa “tríade: percepto, percipuum e
julgamento perceptivo”. Os perceptos inundam os nossos sentidos. Isso decorre pelo fato dos
mesmos serem externos a nós, assomando-se a nossa consciência de forma singular, sem
estarem ligados a mais nada e apresentando-se como uma qualidade de sentimento vaga e
indefinida na sua presentidade, na sua imediaticidade, na sua qualidade de impressão, ou,
ainda, como estados de surpresa ou, também, como princípios condutores de hábitos.
Os perceptos estão continuamente tentando nos seduzir. Passar despercebidamente por
eles é tarefa quase impossível, uma vez que nossa sensibilidade vem equipada para captá-los
sem que os percebamos conscientemente. Quando se apresentam aos nossos sentidos, eles
adotam a forma de percipuum, e, em seguida, os nossos esquemas interpretativos capturam
esse percipuum e o transforma num julgamento perceptivo. Segundo Santaella (1998, p. 65),
os julgamentos de percepção são elementos gerais que pertencem ao plano de terceiridade.
Em relação à nossa capacidade de percepção e interpretação, Peirce citado por
Santaella (1995, p. 70), diz que somente “percebemos aquilo que estamos equipados para
interpretar”. Isso significa dizer que nossos esquemas interpretativos são limitados, por nós
não dominarmos as operações mentais envolvidas nesse processo de julgamento perceptivo.
Embora o percepto penetre a mente enquanto signo, esses limites humanos impedem
que o mesmo seja apreendido pelos esquemas interpretativos. São percepções que
permanecem abaixo da fronteira da consciência. Nascimento (2001, p. 17), conclui que a
“recepção subliminar é a mensagem percebida, por qualquer um dos sentidos, à margem dos
esquemas reflexivos, portanto indiscernível, dando-se num plano de primeiridade”.
Peirce esboçou também, dentro desse processo de julgamento perceptivo as sugestões
associativas. Essas são descritas pelo autor como inferências, sendo classificadas em dois
tipos: por contigüidade e por similaridade. Para o autor, a diferença entre os fenômenos
mentais é apenas de grau. Este compara as inferências à consciência.
A sugestão por contigüidade, segundo Peirce, parte de uma idéia que é familiar oriunda
de um sistema de idéias, podendo dessa forma acionar e trazer esse sistema à mente de uma
pessoa. Poderá também surgir desse sistema, por qualquer motivo que seja, outra idéia, a qual
pode destacar-se e vir a ser pensada por si mesma.
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A sugestão por similaridade ocorre quando a mente, mediante uma característica
latente, a qual só poderá ser revelada por meio de experiência, faz a ligação no pensamento de
duas idéias que têm por similares. No entanto, este tipo de inferência também implica na idéia
de ligação, da mesma forma que ocorre com a inferência por contigüidade.
Na sequência, apresentaremos uma análise dos signos que fazem parte de três peças
publicitárias com o objetivo de compreender como ocorre o processo de sugestibilidade do
fenômeno comunicacional e sua força para produzir significado.
Um olhar semiótico para as mensagens subliminares dos anúncios
As peças publicitárias analisadas a seguir são imagens que realçam a beleza da mulher.
Trata-se de duas propagandas impressas mostradas pela Revista Veja, no segundo semestre do
ano de 2007 e outra é uma cena veiculada na novela “Sangue Bom”, transmitida no dia 06 de
maio de 2013 pela Rede Globo de Televisão. No tocante ao produto, são jóias da empresa
Joalheria H’Stern, em que o objeto de análise será a imagem e o texto verbal, tendo por base as
categorias estabelecidas por Peirce: primeiridade, secundidade e terceiridade e também a
concepção de subliminar, ou seja, mensagens apreendidas abaixo do limiar da consciência.
A intenção é mostrar quais os conteúdos invisíveis e inadvertidos se fazem presentes
no jogo das mensagens veiculadas e quais os aspectos que eles exploram. A análise nos faz
acreditar que a concepção tradicional de subliminar vai além como conceito e pode abranger
formas de linguagem de elevado teor estético e informativo, excluindo a visão de que os
efeitos produzidos são armadilhas ou emboscadas para capturar o leitor.
Para esta tarefa de análise desses significados o processo de percepção percorre o
caminho completo, mediando o objeto e a mente interpretadora, apresentando-se nesta ordem:
percepto. percipuum e julgamento perceptivo. Esse percurso constrói um recurso
interpretativo no momento da percepção desses signos. Isso decorre, neste caso, de que o
signo é apreendido em nível de terceiridade. Vale lembrar que sendo a nossa capacidade de
percepção consciente limitada, muito do que se percebe não chega ao julgamento perceptivo.
Esse conteúdo permanece, portanto, no nível subliminar.
A seguir apresento três peças, as quais exploram o produto em venda, as jóias,
realçando a marca: “H’Stern”. No conjunto homogêneo há a imagem de uma bela mulher,
uma atriz principal, a qual reparte o papel principal com a mercadoria. Ela é possuidora de
muito charme, encanto pessoal, glaumor, sendo capaz gerar um belo espetáculo para os olhos,
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até mesmo daqueles olhares mais prevenidos. Há também a bela imagem do produto,
estrategicamente colocado, dando ênfase ao detalhe para sugerir ou até mesmo transferir para
o produto a imagem de uma personalidade famosa conforme se observa nas figuras 1; 2 e 3.
Figura 1: Anúncios de jóias H’Stern. Figura 2: anúncios de jóias H’Stern. Fonte: Revista Veja, 2010, p. 8 e 9. Fonte: Revista Veja, 2010, p. 7.
Figura 3: Anúncios de jóias H’Stern na trama da novela Sangue Bom. Fonte: Disponível em: <http://novelafashionweek.com.br/site/.06/05/2013>. Acesso em: 15/04/2013.
O conjunto de signos, os quais formam estas imagens acima chegam até o nosso olhar
na forma de perceptos, imergindo-se em nossos sentidos. A imagem real existente em si é o
percepto. Quando folheamos uma revista ou assistimos aos programas de televisão esses
anúncios chegam até os nossos olhos e não há como impedir que os perceptos que compõem
essas propagandas estejam presentes na sua presentidade, na sua imediaticidade qualitativa.
Neste processo de apresentação, esses anúncios transformam-se em percipuum, que é
a única forma para que nossos esquemas interpretativos possam capturá-los. Assim que eles
se apresentam aos nossos sentidos, são imediatamente apreendidos e a seguir se transformam
num julgamento perceptivo. Os estudos de Peirce (1980) nos permitem verificar que muitas
apreensões, nesses anúncios, se dão em nível de terceiridade: a mulher, a jóia, os brincos, o
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anel, as cores, as palavras, enfim há ocorrência de um processo de semiose e interpretação de
um signo dentro de outro signo.
Para capturar as imagens presentes nos anúncios, no caso deste estudo, anúncios da
H’Stern, a pessoa é levada através das sugestões criadas por todo um mecanismo de
linguagem contido nesse conjunto da mensagem, dadas mediante associações similares e
contíguas entre os elementos que compõem o anuncio publicitário.
Por outro lado, nesses anúncios pode conter algum conteúdo comunicativo invisível,
os quais podem passar despercebidos ao receptor. Esses são signos captados no nível da
primeiridade, sendo, deste modo, signos não fisgados pelos nossos esquemas interpretativos
limitados. A incapacidade de apreender o potencial comunicativo desse tipo de signo quer
dizer que é a manifestação de um fenômeno subliminar.
O texto verbal das imagens basicamente se limita ao nome da marca, em primeiro
plano. Na figura 1, a imagem do anel, brinco, pulseira soma à ancoragem do texto verbal
“Jóias H’Stern marcam você”, com destaque para a expressão marcam. Isso significa que
estamos diante de um conjunto pronto a indicar, através da inferência associativa por
contigüidade. Ou seja, quando uma idéia familiar é capaz de atrair, de fortificar uma outra
idéia do sistema e esta passa ser pensada por si mesma, ou seja, é trazida a um nível de fácil
discernimento.
As cores também são usadas para criar a associação com o produto. A cor amarela das
jóias em consonância com a cor do fundo das imagens e também das roupas vestidas pelos
modelos. A possibilidade de associação criada tanto na figura 1, na figura 2 quanto na figura
3, é de que elas sugerem uma mulher bela, plena, admirada e realizada, atribuindo-lhe o papel
de se tornar inesquecível usando um anel de outro da joalheria H’Stern. O objeto adquirido
cumpre a função de ir além, pertencer a esse grupo seleto.
As imagens dos três anúncios mostram alguns signos que podem passar despercebidos,
de alguma forma para algum leitor e telespectador, pelo menos num primeiro momento. São
algumas formas prontas a aludir possíveis associações similares e contíguas a mentes
interpretadoras. Na figura 1, a ênfase é dada na pose do modelo deitada, enfatizando braços,
uma das pernas, decote do vestido. Soma-se se a esta, a figura 2 que o destaque é dado ao
arranjo da imagem do produto estrategicamente para sugerir. Já na figura 3, a disposição dos
brincos reforça a beleza do pescoço, o fascínio do sorriso, do olhar, da face da personagem
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famosa. São formas que apresentam magnitude para uma associação por similaridade, ou seja,
aparência física com a marca H’Stern. Constrói-se uma aceitável relação de aparência.
O que se entende como subliminar nesses anúncios são os signos que não são
apreendidos pelos esquemas interpretativos do processo de percepção. Eles se revelam em
outro signo. Eles são capturados em nível inconsciente, portanto, de primeiridade. Por isso
são qualidades de sentimento inexplicáveis, não-avaliáveis que escapam do nível da
consciência.
No que tange à condição de sensação, esses anúncios situam-se apenas como a
primeira parte desse processo perceptivo, já que todo o seu conteúdo não passa de perceptos
que sempre chamam a nossa atenção sobre eles mediante suas qualidades e aparências
indiscerníveis. Essa mera qualidade de sentimento lhe permite permanecer no nível
subliminar. Contudo, se esses signos com um potencial comunicativo de primeiridade passar
de oculto a revelado, perde sua condição de subliminar.
Quando apreciamos essas peças publicitárias com o olhar menos atento, as formas
sugestivas dos signos por inferência de similaridade com marca H’Stern, a apreensão pode
ocorrer em um ambiente de primeiridade, impedindo a avaliação do processo. Quando
passamos a fazer essa associação, isso significa que o percepto alcançou o julgamento
perceptivo, abandonando sua condição de subliminar, alcançando a interpretação. Deste
modo, pelas inúmeras possibilidades de associações que a mensagem pode despertar em cada
mente interpretadora, inumeráveis signos podem se revelar a cada anúncio veiculado.
Considerações Finais
A intenção neste estudo foi a de demonstrar que nas mensagens, em especial no campo da
publicidade, se manifesta uma variedade de elementos que são capazes de sugerir determinadas
conexões, sejam elas por similaridade e/ou por contigüidade. Elas criam com este processo um
mecanismo que seja capaz de provocar uma limitação na mente interpretadora, de forma que
uma mensagem seja captada na consciência em nível de primeiridade, simplesmente como
qualidade de sentimento, mera qualidade de impressão.
Quando se leva em conta os limites das percepções humanas para perceber
conscientemente os fatos, é admissível de que no nível da consciência a apreensão de muitas
mensagens pode tornar-se indiscernível e indetectável para os nossos sentidos, uma vez que
nosso discernimento não está equipado para captar o que é impalpável.
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Entretanto, diante desse universo de signos que buscam capturar a nossa atenção para
eles, existe uma ação mediadora. É comum o signo se oferecer por completo, porém, fazer a
análise do conjunto de informações que ele apresenta e está apto a aludir exigirá a atuação
efetiva dessa ação. Em algumas situações, esta ação não tem força para se efetivar. Por esta
razão, que, garantir taxativamente que um signo de caráter subliminar possui alto poder para
incidir sobre as mentes humanas e provocar efeitos que não são possíveis de serem
mensurados, abre espaço para resistências, por faltar ainda constatações científicas. Isso acaba
mais afastando do que aproximando as diversas concepções, impedindo uma comunicação
mais expressiva.
REFERÊNCIAS
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