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Categoria b: Jovens investigadores HABITAR ÀS MARGENS Tamires Almeida Lima Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Brasil Avenida São João, 1588 – apto 111, Santa Cecília, São Paulo, Brasil CEP: 01211000 +5511983375838 +551132240863 [email protected] PALAVRAS CHAVES: CONFLITO URBANO-AMBIENTAL, INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS, ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS RESUMO As questões relativas às condições humanas da população mais pobre e à alarmante degradação ambiental tem tomado a frente na agenda internacional nas ultimas décadas. Ambos têm sido alvo de estudos internacionais, sendo o Brasil uma temática recorrente, dado o fenômeno das favelas e loteamentos irregulares característicos de nossas grandes metrópoles. Buscando situar estes dois contextos no panorama socioeconômico deste país, traçou-se um quadro sobre a formação e expansão dos assentamentos informais na Região Metropolitana de São Paulo, tomando como estudo de caso assentamento situado nas áreas de proteção ambiental da Represa Billings, uma das principais fontes de abastecimento de água, localizado no extremo sul da metrópole. Tal comunidade encontra-se sob ameaça de remoção, por estar situada em área protegida, além de apresentar precariedade habitacional e urbana, apontada pelo município como “sem possibilidade de consolidação”. No entanto, através da relação desenvolvida com os moradores, chegou-se à conclusão de que seria elaborada uma alternativa de projeto contraria à remoção, através de um processo participativo e colaborativo. Mais do que desenvolver um produto gráfico, o trabalho focou na discussão sobre o direito à moradia e sobre as especificidades de se viver em áreas ambientalmente sensíveis, num processo de construção de conhecimento e de argumentos para se travar um debate político sobre o conflito estabelecido na área. OBJETIVOS GERAIS O trabalho se propôs a compreender a relação entre as ocupações urbanas e as áreas de proteção ambiental na periferia da metrópole paulistana, a fim de elaborar um conjunto de diretrizes que norteasse propostas de intervenção nos assentamentos precários situados nestas áreas. De maneira colaborativa, discute tais relações e diretrizes com os moradores de comunidade ameaçada de remoção, localizada em área de proteção ambiental, visando elaborar projetos alternativos de maneira participativa e educativa. Assim, o trabalho busca embasar tecnicamente as soluções discutidas e elaboradas com a comunidade, ao mesmo tempo em que discute o contexto socioeconômico e político no qual se insere. OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1. Compreensão do contexto socioeconômico e político

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Mención (categoría investigación) Trabajo Completo. Concurso Internacional (Des)Bordes Urbanos CYTED: Tamires Almeida Lima. Habitar às margens. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.

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Categoria b: Jovens investigadores

HABITAR ÀS MARGENS Tamires Almeida Lima

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, Brasil Avenida São João, 1588 – apto 111, Santa Cecília, São Paulo, Brasil CEP: 01211000

+5511983375838 +551132240863 [email protected]

PALAVRAS CHAVES: CONFLITO URBANO-AMBIENTAL, INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS, ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS RESUMO

As questões relativas às condições humanas da população mais pobre e à alarmante degradação ambiental tem tomado a frente na agenda internacional nas ultimas décadas. Ambos têm sido alvo de estudos internacionais, sendo o Brasil uma temática recorrente, dado o fenômeno das favelas e loteamentos irregulares característicos de nossas grandes metrópoles. Buscando situar estes dois contextos no panorama socioeconômico deste país, traçou-se um quadro sobre a formação e expansão dos assentamentos informais na Região Metropolitana de São Paulo, tomando como estudo de caso assentamento situado nas áreas de proteção ambiental da Represa Billings, uma das principais fontes de abastecimento de água, localizado no extremo sul da metrópole.

Tal comunidade encontra-se sob ameaça de remoção, por estar situada em área protegida, além de apresentar precariedade habitacional e urbana, apontada pelo município como “sem possibilidade de consolidação”. No entanto, através da relação desenvolvida com os moradores, chegou-se à conclusão de que seria elaborada uma alternativa de projeto contraria à remoção, através de um processo participativo e colaborativo.

Mais do que desenvolver um produto gráfico, o trabalho focou na discussão sobre o direito à moradia e sobre as especificidades de se viver em áreas ambientalmente sensíveis, num processo de construção de conhecimento e de argumentos para se travar um debate político sobre o conflito estabelecido na área.

OBJETIVOS GERAIS

O trabalho se propôs a compreender a relação entre as ocupações urbanas e as áreas de proteção ambiental na periferia da metrópole paulistana, a fim de elaborar um conjunto de diretrizes que norteasse propostas de intervenção nos assentamentos precários situados nestas áreas. De maneira colaborativa, discute tais relações e diretrizes com os moradores de comunidade ameaçada de remoção, localizada em área de proteção ambiental, visando elaborar projetos alternativos de maneira participativa e educativa. Assim, o trabalho busca embasar tecnicamente as soluções discutidas e elaboradas com a comunidade, ao mesmo tempo em que discute o contexto socioeconômico e político no qual se insere.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1. Compreensão do contexto socioeconômico e político

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Análise de como as comunidades periféricas se enquadram no contexto internacional da globalização, bem como nos contextos nacional e local, quais as limitações e condicionantes que levaram à expansão desenfreada das periferias e à dificuldade de superação da precariedade comum a estes territórios.

2. Analisar o conflito urbano-ambiental travado nas áreas de manancial

Buscar situar as áreas de proteção ambiental em torno dos mananciais da região metropolitana de São Paulo no contexto social e econômico encontrado, compreender como o conflito urbano-ambiental está relacionado com a conjuntura apresentada e quais as condicionantes legais e político-administrativas para atuação nas comunidades carentes que se localizam nessas áreas.

3. Meios de atuação

Uma vez traçado o panorama geral e específico, tecer diretrizes para intervenção em assentamentos precários situados nas áreas de proteção ambiental em torno dos mananciais, de maneira complementar e critica à que vem sendo desenvolvida pelo poder público local, amparadas na relação com a comunidade, a fim de ampliar os canais de comunicação “oficiais”, geralmente engessados, disponibilizando aos moradores a oportunidade de se envolverem de maneira mais próxima com o processo de projeto, ao mesmo tempo fornecendo ferramentas para o questionamento perante os órgãos públicos e conhecimento sobre sua própria condição, seus direitos e sobre as especificidades de se habitar em regiões ambientalmente sensíveis.

PROBLEMA

A elaboração de leis e instrumentos urbanísticos e o entendimento do potencial de transformação que possuem, nos leva a questionar, porque não transformam, então? Se diversas leis e instrumentos estão disponíveis e se estes tratam e realmente respondem às questões sociais mais difíceis de nossa sociedade, porque observamos pouca ou nenhuma mudança?

A importação de instrumentos e mecanismos implantados em países ditos de capitalismo avançado, como os da Europa e América anglosaxônica, ainda que na melhor das intenções, encontram aqui realidade social, cultural, econômica e histórica completamente diferentes.

A constituição dos estados latinoamericanos tem origens diferentes e quase antagônicas à daqueles países. O período colonial, os movimentos de independência, a tardia e veloz industrialização, os regimes ditatoriais e a recente democratização, são alguns dos acontecimentos históricos que talvez dêem as pistas para uma rápida diferenciação da constituição social entre estes países, guardadas as especificidades de cada. No Brasil, a herança escravocrata, aristocrática e patrimonialista dão o tom da discussão.

Desta maneira, entendemos que, no Brasil, o que falta não são boas leis, mas sim, leis que interpretem e sejam aplicáveis e condizentes com nossa realidade social, cultural e econômica, mais ainda, vontade política para criá-las e implementá-las.

“Uma atitude de deboche tem sido mais comum do que

uma reação indignada toda vez que é lembrado o fato de que no Brasil há leis que ‘pegam’ e leis que ‘não pegam’. (...) Distância, e por vezes oposição, entre o discurso e a prática,

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essas marcas da sociedade brasileira estão presentes, especialmente na aplicação das leis.” (MARICATO E FERREIRA, 2002, p. 2)

O Estatuto da Cidade, obrigatório às cidades com mais de 20.000 habitantes, visa

regulamentar estes instrumentos na esfera local, relegando aos municípios a tarefa de moldar os instrumentos à sua realidade. No entanto, o contexto apresentado, dita a formulação destes planos que, apesar de terem inserido avanços como as ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), ainda concentram seus esforços numa regulamentação baseada na cidade legal e no amplo acesso ao mercado, à revelia dos cerca de 50% de citadinos que vivem em situação de ilegalidade ou irregularidade habitacional nas grandes cidades brasileiras.

“Mas isso não impede, obviamente, que hoje os planos

diretores possam ser um instrumento eficaz para inverter a injusta lógica das nossas cidades (...) para isso, não devem ser um ementário de tecnicismos, mas um acordo de toda a sociedade para nortear seu crescimento, reconhecendo e incorporando em sua elaboração todas as disputas e conflitos que nela existem” (FERREIRA, 2003, p.7)

Por meio de um processo de intensa discussão e participação da sociedade civil,

podemos influenciar e pressionar para a elaboração de Planos Diretores mais condizentes com a realidade das cidades e mais eficazes no tratamento de seus conflitos. Ainda que possa ser um processo demorado, somente com a influencia da população podemos alterar esse quadro de “leis que pegam e não pegam”, trazendo a regulamentação para o conhecimento e para o cotidiano dos cidadãos, que ao apreender seu potencial transformador e ao participar de sua elaboração, mais ímpeto terão na cobrança e fiscalização de sua implementação, utilizando-o como oportunidade de melhor conhecer e disputar o território do qual fazem parte.

“Entretanto, a gestão participativa não pode

se ater apenas ao aumento das audiências públicas ou dos fóruns de discussão com os diferentes setores da sociedade civil. (...) A participação deveria incorporar de forma estrutural e definitiva a presença decisória da população em todas as estruturas de gestão da máquina administrativa, da escala local à escala mais geral.” (FERREIRA, 2003, p.8)

A partir desta premissa, portanto, buscou-se atuar em conjunto com uma

comunidade carente que sofre ameaça de remoção por estar localizada em área ambientalmente sensível, onde trava-se um conflito urbano e ambiental, bem como político e social. O trabalho buscou desenvolver hipóteses alternativas ao projeto apresentado pelo governo local em conjunto com os moradores, através de um processo participativo. Desta maneira, acredita-se fornecer mais condições ao debate frente aos órgão públicos, ampliar a

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possibilidade de argumentação na medida em que, ao discutir o projeto, os moradores tenham mais entendimento sobre sua condição, sobre o local que habitam, sobre seus direitos e sobre as especificidades de habitar áreas ambientalmente sensíveis.

METODOLOGIA

O trabalho se estruturou em pesquisas bibliográficas à cerca da formação da periferia da metrópole paulistana, da atuação do poder público perante estes locais e do contexto socioeconômico deste processo. Debruçou-se também a entender as especificidades das áreas de proteção ambiental, especialmente àquelas em torno dos mananciais da metrópole, qual a legislação incidente, os conflitos característicos e quais as condicionantes para a atuação nos assentamentos precários situados nesta áreas.

A partir da compreensão teórica, buscamos selecionar um estudo de caso, onde fosse possível verificar empiricamente os resultados destes contextos e atuar frente aos descompassos encontrados. Para tanto, foi escolhido trabalhar com uma comunidade situada na periferia da metrópole, sob ameaça de remoção devido à questões ambientais.

Foram realizadas reuniões onde foram abordados temas como a política urbana local, preservação ambiental, especificidades de se habitar áreas ambientalmente frágeis, direito à moradia, técnicas compensatórias para redução do impacto humano sobre a natureza, bem como apresentação e discussão dos projetos desenvolvidos.

RESULTADOS OBTIDOS 1. Contexto socioeconômico e político

O Brasil enquadra-se junto aos países de urbanização tardia, caracterizados por forte e rápido crescimento econômico e urbano porém, sem distribuição de renda, mantendo uma situação de atraso. Segundo Maricato (1995), o desenvolvimento da indústria baseou-se na grande disponibilidade de mão-de-obra e no pagamento de baixos salários. O grande contingente populacional que se instalou nas grandes cidades industrializadas, não encontrou qualquer política habitacional que lhe garantisse adequada situação de moradia, o que propiciou a formação dos cortiços, loteamentos irregulares e das favelas, caracterizados por grande precariedade, tanto da habitação quanto das áreas em que se localizam, num fenômeno de espraiamento urbano, uma vez que as periferias foram se distanciando cada vez mais das regiões centrais da metrópole.

A ausência de políticas habitacionais voltadas para atender a população de baixa renda, além de impulsionar a precariedade, contribuiu ao longo do tempo para o crescimento do déficit habitacional, que atinge números extremamente alarmantes, tornando-se cada vez mais difícil de ser sanado. A Fundação João Pinheiro (FERREIRA, 2013) estimou o déficit brasileiro em cerca de 6,2 milhões de unidades, sendo que cerca de 80% recai sobre famílias com renda entre 0 e 3 salários mínimos.

A dificuldade de implementação de adequadas políticas habitacionais, de urbanização de favelas e de outras que busquem a diminuição das desigualdades, está diretamente relacionada à maneira como se formaram o Estado e a sociedade brasileiros, fortemente calcados no patrimonialismo. O Estado, instrumentalizado pelas classes dominantes, conduz as políticas em direção a seus próprios interesses, em detrimento do que seria mais interessante para o conjunto da sociedade. (FERREIRA, 2010)

A entrada neoliberal em nosso país, por volta da década de 90, levou a transformações econômicas características deste modelo, como enfraquecimento do papel do Estado, desregulação, privatizações e abertura do mercado interno para o capital

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internacional, levando ao abandono da implantação de políticas públicas estruturais e à adoção de políticas assistencialistas pontuais. No entanto, a adoção dessa transformação econômica concomitante ao momento de redemocratização do país (após 21 anos de ditadura militar), criou um cenário bastante antagônico, onde os agora “governos democráticos” aderiram ao neoliberalismo a fim de ganhar espaço no cenário internacional, ainda que as conseqüências fossem o agravamento da concentração de renda e da crise social. (FERREIRA, 2010)

No campo urbanístico não foi diferente, ainda que a Constituição Brasileira de 1988, através dos artigos no183 e no183 que tratam da função social da propriedade urbana, tenha iniciado um processo de democratização das cidades e que alguns governos progressistas tenham implantado políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de vida da população mais pobre e mecanismos de gestão democrática, o contexto de internacionalização da economia falava mais alto e comprometia grande parte dos recursos em obras de revitalização e modernização das cidades em detrimento de políticas sociais, agravando a segregação urbana decorrente da gentrificação causada por estes grandes projetos. (FERREIRA, 2010)

Treze anos depois, em 2001, a aprovação do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) trouxe novo alento à luta pela reforma urbana. No entanto, ainda que tenham sido regulamentados os artigos no 182 e no183 da Constituição, o Estatuto não encontra meios de ser aplicado de maneira eficaz, cerceado por interesses políticos e de classes, numa sociedade marcada pela segregação urbana, segundo Villaça (1998), necessária à manutenção da dominação política e econômica sobre as classes de menor renda.

Como elucidou Maricato (In: Arantes, Maricato e Vainer, 2009) a origem de planos e instrumentos urbanísticos nos países de capitalismo avançado e no contexto do pós-guerra na constituição do Estado de bem-estar social, se davam como ferramentas necessárias para que o poder público pudesse, desde o início, promover esse modelo político-econômico e social e mediar os interesses do capital face ao bem público urbano.

No Brasil, o conceito “as idéias fora do lugar” (elaborado por Roberto Schwarz) resume em que medida os contextos se diferem, os instrumentos urbanísticos importados e adaptados, surgiram aqui como uma tentativa de reação a um modelo de sociedade e de cidade estruturalmente organizadas de forma propositalmente desigual. Ou seja, o potencial dos instrumentos e seu possível alcance, mudam completamente.

“Aqui, trata-se de reverter a posteriori um processo

histórico-estrutural de segregação espacial, o que significaria, em essência, dar ao Estado a capacidade de enfrentar os privilégios urbanos adquiridos pelas classes dominantes ao longo de sua hegemônica atuação histórica de 500 anos.” (FERREIRA, 2003, p. 6)

Desta maneira, podemos compreender que, por princípio, os instrumentos propostos

no Estatuto da Cidade não estão garantidos nem são automaticamente eficazes, tudo está na dependência de como eles serão incluídos nos Planos Diretores e na vontade política de tirá-los do papel, fazendo frente aos interesses de classe e do mercado.

Um segundo gargalo à implementação dos instrumentos urbanísticos, trata-se do desigual acesso ao solo urbanizado, outra característica intrínseca à formação de nosso país.

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Tanto nas cidades quanto no campo, a estrutura institucional e política de regulamentação do acesso à terra, herdada do período colonial, foi implementada no sentido de não alterar a hegemonia existente. Segundo Ribeiro e Cardoso (apud Ferreira, 2005), por essa razão as primeiras intervenções urbanas “visaram criar uma nova imagem da cidade, em conformidade com os modelos estéticos europeus (...) as elites buscavam afastar de suas vistas – e das vistas do estrangeiro – o populacho inculto, desprovido de maneiras civilizadas, mestiço. As reformas urbanas criaram uma cidade ‘para inglês ver’ ”.

Podemos associar estes fatores à perene segregação social frente aos cortiços, loteamentos irregulares e favelas, a cidade apenas reproduziu a diferenciação social que existia no campo, a hegemonia latifundiária refletiu-se na hegemonia da burguesia urbana.

A evolução das leis, no entanto, não foi capaz de vencer a tradição. A pouca eficácia do Estatuto da Cidade (2001) em democratizar o acesso à terra corrobora com o panorama apresentado. Apesar do Estatuto ter dado poder aos municípios de atuar incisivamente sobre as desigualdades através de seus planos diretores, poucos são os exemplos que podemos elencar de situações verdadeiramente democratizantes de distribuição do solo urbanizado.

Somados, estes fatores estruturais em muito explicam as dificuldades de implementação de reais políticas de inclusão social, habitação, desenvolvimento urbano, educação, saúde, entre outros, pois representam ameaça às estruturas de dominação profundamente enraizadas em nossa sociedade. 2. Analisar o conflito urbano-ambiental travado nas áreas de manancial

Especificamente na área de proteção aos mananciais (Represa Guarapiranga e Represa Billings) da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), a partir da expansão industrial, as ocupações de menor renda passaram a se instalar nesta região, devido à oferta de emprego na indústria, que também migrou para estas áreas, mas principalmente, devido ao processo de segregação urbana que direcionou as classes de menor renda às periferias da metrópole e às áreas de menor valor imobiliário. Assim, devido ao grande crescimento urbano próximo às represas e ao aumento da poluição das águas, fortes pressões por parte da sociedade civil, de ambientalista e de outros especialistas, ocorreram para que se regulamentasse as ocupações nestas áreas.

Aprova-se então a Lei de Proteção aos Manancias (LPM) no 898/75, que impôs restrições bastante severas aos parâmetros de uso e ocupação do solo, e como os loteamentos haviam sido construídos sem qualquer tipo de embasamento legal e sem critérios para oferecimento de infraestruturas, a adaptação era complicada e a lei não surtiu efeito, o que relegou inúmeros loteamentos à situação de ilegalidade ao mesmo tempo em que fomentou a ocupação clandestina, devido ao efeito de desvalorização imobiliária que causou na região, que associada à pressão do crescimento populacional e à falta de políticas públicas de habitação, deixava população mais pobre sem outras alternativas (MARTINS, 2006). Os assentamentos precários ali instalados, ainda hoje, são deficientes de infraestrutura sanitária e urbana, além de serem estigmatizados como os principais fatores de poluição das águas da represa.

Deste processo, criou-se um passivo acumulado de cerca de 1,5 milhão de pessoas que residem na área dos mananciais da RMSP, tornando-se inviável a remoção de tamanho contingente populacional, tanto financeiramente quanto socialmente. Martins (2006) afirma a necessidade de adequação urbanística e ambiental destes assentamentos, por meio da

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adoção de parâmetros específicos, como única solução para uma possível ocupação de baixo impacto às águas.

A LPM passou por um processo de revisão, e após diversos embates entre órgãos administrativos, legislativos e ambientais, em 2009, a represa Billings foi objeto de uma Lei Específica (no13.579/09), nos moldes da lei que fora desenvolvida para a represa Guarapiranga (no12.233/06), sendo elaborado um zoneamento com parâmetros específicos pra a área de proteção da represa, bem como diretrizes de gestão, preservação e administração. Esta Lei trouxe a possibilidade de urbanização dos loteamentos e favelas localizados nas áreas de proteção, através dos procedimentos estabelecidos pela Lei. No entanto, esta legislação, diversas vezes, foi de encontro à legislação dos municípios abrangidos pela área de proteção da represa, e a compatibilização destas leis e da atuação dos municípios foi e ainda tem sido bastante difícil.

Na cidade de São Bernardo do Campo, Ferrara (2013) acompanhou dois estudos de caso, onde o município segue o procedimento estabelecido pela Lei Específica e dá entrada no processo de aprovação para a regularização urbanística, ambiental e fundiária de favelas e assentamentos. Um dos casos, Capelinha-Cocaia, teve de aguardar cerca de 3 anos para receber a licença ambiental para a execução das obras. Estes casos ilustram uma das grandes dificuldades de se implementar projetos de urbanização de favelas em áreas ambientalmente protegidas, uma vez que os diferentes órgãos envolvidos, geralmente, apresentam diferentes visões e entendimentos sobre a questão, tornando o processo de licenciamento difícil e moroso.

De maneira geral, as ocupações de baixa renda são tidas como prejudiciais à qualidade ambiental das áreas de proteção e das águas, pois, muitas delas, não possuem infraestrutura sanitária, gerando poluição solo e na água, e mesmo após a elaboração de projetos que mitigam os impactos humanos sobre o ambiente, ainda encontra-se certa resistência por parte de alguns analistas, que podem optar por negar a licença e direcionar o caso para remoção, o que em diversos casos vai ao encontro de direitos sociais estabelecidos, muitas vezes sobrepondo a questão ambiental à social, em detrimento de uma possível conciliação.

No entanto, através de diferentes estudos examinados (Whately, Santoro e Dias, 2008; Polli, 2010; Aguilar e Alvim, 2013) constatou-se que, baseados na premissa de uso múltiplo das águas, estabelecido na Política Nacional de Recursos Hídricos, diversos projetos e obras de grande porte têm sido implantados na região dos mananciais e têm promovido impactos diretos e indiretos muito maiores na qualidade da água.

A implantação de estradas, usina incineradora, transporte fluvial de resíduos sólidos, entre outros, através da mídia, ganham respaldo perante a população por serem expostas como necessidade ao conjunto da sociedade, no entanto, omite-se o fato de que os impactos também recairão sobre o conjunto da sociedade, e mais diretamente sobre àqueles que estão nas áreas de influência dos projetos. Desta maneira, ainda que a legislação vá de encontro a estes projetos, move-se todo um aparato legal e estatal para que se justifique a intervenção.

O conceito de Sociedade de Risco desenvolvido por Ulrich Beck e discutido por Henri Acselrad (2002) aponta “o fracasso das instituições responsáveis pelo controle e pela segurança, que sancionam, na prática, a normalização legal de riscos incontroláveis.” (ACSELRAD, 2002, p. 50).

Acselrad ainda acrescenta a dimensão política da situação, salientando, assim como Villaça (1998), o papel do Estado na condução e direcionamento desigual no espaço

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urbano, neste caso, de danos ambientais. Os bairros predominantemente pobres estão mais expostos aos riscos de deslizamento, inundação e contaminação por esgoto e lixo tóxico, marcas características das desigualdades social e ambiental.

O pouco e difícil investimento em políticas públicas habitacionais, sociais e de desenvolvimento urbano nos loteamentos e favelas localizados nas margens das represas decorrem dos mesmos impasses estruturais da sociedade brasileira anteriormente discutidos, porém, acrescidos do estigma de serem os principais poluentes das águas, da constante incerteza se poderão ou não permanecer na região onde vivem e da precariedade habitacional e urbana comum à estes assentamentos.

Desta maneira, o trabalho estuda maneiras de intervir nestes territórios ambientalmente frágeis, atento às dificuldades estruturais para sua implementação. 3. Meios de atuação

Através da já existente aproximação da pesquisadora Dra. Luciana Ferrara com a região do bairro dos Alvarenga na cidade de São Bernardo do Campo, tivemos conhecimento do caso do Jardim Cruzeiro do Sul. Esta comunidade ocupa área particular inserida na Área de Proteção e Recuperação de Mananciais (APRM) da represa Billings e tem sofrido pressões para sua remoção, principalmente, devido às condições ambientais de sua localização.

A empresa administradora da represa reclama a retirada dos moradores para que possa realizar operação e manutenção, em adição, a existência de uma nascente e um córrego muito próximos às casas, o fato de estar do lado oposto da estrada que passou a ser o delimitador da ocupação na região, a precariedade habitacional de parte das residências e a dificuldade de controle urbano para impedir a expansão da comunidade foram fatores somados pelo município que oficializou a remoção do Cruzeiro do Sul com o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS), desenvolvido pela prefeitura municipal (SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2010), causando uma grande repercussão entre os moradores, que se viram ameaçados, pois as condições de como se dará essa remoção não são explicitadas pelo Plano, que ainda carece de estudos mais aprofundados.

Neste contexto, a presidente da associação dos moradores, Marli, procurou os coordenadores de um grupo de pesquisa que vinha atuando na região do bairro dos Alvarenga já há alguns anos, e a partir deste contato, foram iniciadas, no início de 2013, uma série de reuniões com os moradores para discussão da realidade urbana do bairro dos Alvarenga. Houve, portanto, a intenção de se desenvolver um trabalho mais específico com esta comunidade, uma vez que os demais bairros da região não passam por ameaça de remoção.

Nestes primeiros contatos, buscamos esclarecer o papel dos pesquisadores de arquitetura e urbanismo e da universidade perante a situação urbana em que os moradores se encontram e quais poderiam ser nossos campos de atuação, como pesquisa documental, reuniões e contato com órgãos responsáveis, desenvolvimento e embasamento técnico para soluções alternativas, etc, buscando esclarecer que o elemento ativo perante a luta política que se pretende travar, sempre teria de ser a comunidade e seus representantes, colocando-nos como elemento de respaldo técnico.

O trabalho que se propôs desenvolver em conjunto com os moradores do Cruzeiro do Sul, baseia-se no estudo de alternativas de intervenção na área. Foi realizada uma compilação de soluções e recomendações para intervenção em assentamentos precários

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localizados nas áreas de manancial, no intuito de acumular ideias e experiências que possam ser aproveitadas na elaboração das propostas alternativas à remoção.

Ainda que os dados técnicos como levantamento planialtimétrico cadastral e sondagens não tenham sido fornecidos pelo município até o momento, alguns cenários já puderam ser estudados de maneira preliminar, como a possibilidade de urbanização da área, permanecendo a maioria das famílias no local, possibilidade também de reassentamento interno, e em última instância, caso a remoção seja reafirmada como alternativa, a existência de possíveis áreas de reassentamento próximas ao local, para encurtar ao máximo o deslocamento das famílias.

Estas alternativas, pretende-se discutir, rever e detalhar em conjunto com os moradores, de acordo com as necessidades e demandas que surgirem das reuniões organizadas, onde possam firmar a posição de condutores de seus próprios anseios, através de um processo de discussão e conscientização das limitações e especificidades de se habitar nas áreas de manancial.

Baseados no conceito de planejamento conflitual que vem sendo desenvolvido recentemente pelo professor Carlos Vainer (2013) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entendemos que um dado conflito pode ser base para o desenvolvimento criativo de diferentes soluções, onde o processo participativo exista não apenas para mediação do conflito e aceitação de determina solução dada como única, mas como meio de atuação das comunidades como planejadores ativos de seu próprio destino, no caso apresentado, buscando conciliar seu direito à moradia adequada às medidas de proteção e recuperação ambiental. Portanto, mais que um produto técnico, o projeto, sob esta ótica, figura como instrumento de luta política em defesa dos direitos sociais e urbanos.

Ainda em discussão, acreditamos que o processo de elaboração de propostas e argumentos, técnicos e sociais, será de grande valia aos moradores, pois terão melhores condições de discutir e argumentar perante o poder público, estarão melhor informados e conscientes de sua condição e de seus direitos bem como de seus deveres, fazendo valer seu direito à participação e à gestão da cidade e ampliando os canais de participação popular, geralmente engessados.

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