MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

23
Se Bem me Lembro... A vida não é o que a gente, e sim o que a gente A vida não é o que a gente, e sim o que a gente recorda, e como recorda para contá-la. recorda, e como recorda para contá-la. Gabriel Garcia Marques Gabriel Garcia Marques

Transcript of MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Page 1: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Se Bem me Lembro...

““A vida não é o que a gente, e sim o que A vida não é o que a gente, e sim o que a gente recorda, e como recorda para a gente recorda, e como recorda para

contá-la.contá-la.

Gabriel Garcia MarquesGabriel Garcia Marques

Page 2: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Naquele tempo...Todos nós temos episódios de vida para lembrar: uma festa, uma travessura, um passeio, uma viagem, um costume. Alguns deles são tão importantes e marcantes que merecem ser registrados.

Page 3: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

A memória de cada indivíduo traz em si a memória do grupo social a que pertence

Page 4: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Para escrever precisamos: Entrevistar pessoas que possam contribuir

com o texto com suas recordações Selecionar e organizar as respostas Escrever o texto Ler o texto Corrigir o texto Reescrever o texto

Page 5: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Viver para contar...

“Até a adolescência, a memória tem mais interesse no futuro que no passado, e por isso minhas lembranças da cidadezinha ainda não estavam idealizadas pela nostalgia. Eu me lembrava de como ela era: um bom lugar para se viver, onde todo mundo conhecia todo mundo, na beira de um rio de águas diáfanas que se precipitavam num leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. Ao entardecer, sobretudo em dezembro, quando passavam as chuvas e o ar tornava-se de diamante, a Serra Nevada de Santa Marta parecia aproximar-se com seus picos brancos até as plantações de banana, lá na margem oposta.

Page 6: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

... Dali dava para ver os índios aruhacos correndo feito formiguinhas enfileiradas pelos parapeitos da serra [...]. Nós, meninos, tínhamos então a ilusão de fazer bolas com as neves perpétuas e brincar de guerra nas ruas abrasadoras. Pois o calor era tão inverossímil, sobretudo durante a sesta, que os adultos se queixavam dele como se fosse uma surpresa a cada dia. Desde o meu nascimento ouvi repetir, sem descanso, que as vias do trem de ferro e os acampamentos da United Fruit Company foram construídos de noite, porque de dia era impossível pegar nas ferramentas aquecidas pelo sol.”

Gabriel García Marquez.Viver para contar. Rio de Janeiro: Record, 2003.

Page 7: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Fragmento do livro Viver para contar, um texto de memórias de Gabriel Garcia Márquez.

Aracataca, onde o autor nasceu, é uma cidade litorânea, bastante quente. Apesar disso, dali se enxerga a Serra Nevada de Santa Marta. Como o próprio nome diz, nessa serra, os picos das altas montanhas têm neve constantemente.

Page 8: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Semelhantes, porém diferentes

Diário: costuma ser elaborado como um registro íntimo; em sua origem, não se dirige a outra pessoa, o seu destinatário primeiro é o próprio autor. Nele, são registradas as experiências vividas no presente. Quando os diários são publicados, tempos depois de terem sido escritos, geralmente passam por uma transformação.

Page 9: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Relato histórico: pode ser definido como uma narrativa que estabelece relações entre sujeitos, fatos e tempos históricos. O autor de um relato histórico não se atém à narrativa de uma história. Quando o autor é um historiador, ele busca fontes, reúne e analisa documentos, utiliza critérios para verificar a veracidade do que relata. Normalmente, relatos históricos não trazem a história do autor.

Memórias literárias: geralmente são narrativas que têm como ponto de partida experiências vividas pelo autor em épocas passadas, mas contadas da forma como são vistas no presente.

Page 10: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Primeiras linhas

O primeiro texto será feito com base na pesquisa, quando os alunos conversaram com pessoas mais velhas da comunidade,

Realizaram leituras e reflexões com base em alguns fragmentos de textos.

Atenção! Vocês deverão se colocar no lugar de uma pessoa mais velha para escrever as memórias dela, em primeira pessoa.

Page 11: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Para isso, podem fazer-lhes perguntas como: O(a) senhor(a) se lembra de alguma passagem marcante

da sua vida nesta cidade? Que fato é esse? Por que ele foi marcante?

O(a) senhor(a) tem algum objeto antigo ou foto que lembre essa passagem de sua vida?

Como era o trânsito? Como eram as construções? Como era a vida das pessoas? E seus valores? Como se

divertiam?

Page 12: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

anotem o maior número possível de informações durante a conversa com a pessoa escolhida.

Organizem uma ficha com: nome do entrevistado, idade, fato lembrado, temas mencionados, o que mais chamou a sua atenção.

Page 13: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Vejam como é o plano global de um texto de memórias literárias.

Para auxiliá-los nessa tarefa separamos trechos iniciais e finais dos livros Por parte de pai, de Bartolomeu Campos Queirós e O menino no espelho, de Fernando Sabino.

Em geral, o início de um livro, ou mesmo de um capítulo de memórias literárias, é dedicado a situar o leitor no tempo e, principalmente, no espaço em que se passam as lembranças do narrador.

Page 14: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Quando chovia, no meu tempo de menino, a casa virava um festival de goteiras. Eram pingos do teto ensopando o soalho de todas as salas e quartos. Seguia-se um corre-corre dos diabos, todo mundo levando e trazendo baldes, bacias, panelas, penicos e o que mais houvesse para aparar a água que caía e para que os vazamentos não se transformassem numa inundação. Os mais velhos ficavam aborrecidos, eu não entendia a razão: aquilo era uma distração das mais excitantes.”

Fernando Sabino. O menino no espelho, Rio de Janeiro: Record, 1992.

Debruçado na janela meu avô espreitava a rua da Paciência, inclinada e estreita. Nascia lá em cima, entre casas miúdas e se espichava preguiçosa, morro abaixo. Morria depois da curva, num largo com sapataria, armazém, armarinho, farmácia, igreja, tudo perto da escola Maria Tangará, no Alto de São Francisco.

Bartolomeu Campos Queirós. Por parte de pai.

Page 15: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

“Cheguei a Nova Granada de manhãzinha, quase escuro, quase claro, a noite indo embora sem pressa e o dia, menos apressado ainda, dando as caras. Passei a alça da mochila pelo ombro, e comecei a caminhar em direção da casa de meus pais, localizada no centro da cidade, para uma visita de carinho e saudade”.

Edson Gabriel Garcia. Nas ondas do rádio. Cenpec, 2004.

‘Naquela grande casa de pedra em que vovô Vincenzo e vovó Catarina moravam [...] havia uma escadinha misteriosa que subia de uma das grandes salas e que parava numa porta sempre trancada”.

Ilka Brunhilde Laurito. “As almas do Amém”, In: A menina que fez a América.

Marcas do passado

Page 16: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Também no passado? Pretérito perfeito e o pretérito imperfeito. A diferença entre os tempos verbais do passado. Pretérito perfeito: indica uma ação pontual,

completamente terminada no passado, como: cheguei, passei, comecei. Ele é adequado para relatar as ações “fechadas”, terminadas no início da visita do autor à sua cidade natal.

Pretérito imperfeito: indica ação habitual no tempo passado, fato cotidiano que se repete muitas vezes. Ele é adequado quando a autora descreve “a vida sempre igual de todos os dias”. (acordava, estudava, almoçava...)

Page 17: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Agora é a sua vez Para a produção do texto, devem retomar os dados sobre o

entrevistado eleito. Comece recuperando o que já foi trabalhado. Lembre de:

retomar as informações dadas pelo entrevistado no depoimento;

selecione as histórias e os fatos mais interessantes e pitorescos;

Procure transmitir ao leitor as sensações e emoções que surgiram durante a entrevista;

Procure citar objetos e costumes de antigamente, fazendo comparações entre o passado e o presente;

usar palavras e expressões que marquem o tempo passado; mostrar os sentimentos e sensações rememorados pelo

entrevistado: cores, cheiros, sabores e movimentos; lançar mão de recursos literários para tornar o texto

interessante.

Page 18: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Da entrevista ao texto de memórias literárias Comecem eliminando as perguntas e mantendo apenas

as respostas.

Releiam o trecho apresentado e registrem as informações que vocês considerarem fundamentais para alguém que não ouviu a entrevista e não conheceu o entrevistado. Essa etapa corresponde à seleção das informações.

É importante compreender bem os fatos narrados. Se houver termos desconhecidos, consultem o dicionário.

Uma vez feita essa primeira escrita, identifiquem se há no texto repetições de palavras ou expressões muito próximas e avaliem a possibilidade de eliminar essas informações ou substituir termos ou expressões por outras, equivalentes.

Page 19: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Fiquem atentos ao uso dos pronomes demonstrativos (esse, esta, aquele, aquela etc.). Enfatize que a forma como são usados na fala nem sempre é adequada ao registro escrito.

Verifiquem a adequação da linguagem para a situação proposta. Lembrem-se de que não há um único modo correto de dizer, mas quando um texto é “publicado” é necessário seguir as regras da norma-padrão. A intenção não é descaracterizar a linguagem do entrevistado, mas torná-la adequada a um texto de memórias literárias.

Para encerrar o trabalho, verifiquem a grafia das palavras.

Page 20: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

A princesa dos campos

A vida em Tatuí sempre foi muito tranquila, ainda mais para mim, que sempre vivi num pequeno sítio do bairro dos Mirandas.

Minha casa era uma construção bastante antiga, do tempo dos escravos, ainda feita de sapé e barro.

Papai, nessa época, trabalhava numa lavoura de algodão, uma imensidão de terras cobertas por um branco sem fim, que pareciam mesmo campos repletos de neve.

Nessa época, tudo era mais difícil. Além de ajudarmos na lavoura, tirávamos água do poço para nossas atividades domésticas. O banheiro ficava fora, era uma latrina: no chão, assim rústica, um buraco, onde cada “passeio” era uma excitação mental extraordinária.

Page 21: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

A cada dia, o passeio até o banheiro era uma surpresa diferente, mas havia sempre uma especial: Josué, que estava sempre lá. Ele era alegre, cantava sem parar, me fazendo companhia e afastando a magia fantasmagórica das trevas noturnas.

E antes que eu esqueça... preciso lembrar que Josué era um sapo, muito grande, verde, de olhos esbugalhados. Por muito tempo foi meu amigo mais fiel, até que conheci um novo mundo – o da escola.

Como nosso bairro era muito pequeno, não tinha escola, e os patrões de meu pai achavam importantíssimo que eu tivesse estudo. Assim, decidiram que meu pai me levaria todos os dias de carroça para a cidade e eu achava tudo isso a mais incrível aventura, como as das novelas do rádio, que ouvíamos na época.

Page 22: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Sentia-me como uma princesa ou uma heroína do velho oeste em cima da velha carroça, recoberta com um pelego bastante quente, que nos dias de frio me aquecia e nos de calor me acalorava ainda mais.

O primeiro dia na escola foi algo bastante incomum, todos se conheciam, pois, como diziam, moravam na cidade, e eu... com meus pés sujos de terra vermelha, roupas simples, sem uniforme, e uma sacolinha de pano, onde levava a minha merenda: pão feito pela minha mãe, recheado com banana, e o mais puro leite numa garrafinha de vidro.

Transformei-me logo no alvo da risada de todos, eles não compreendiam que eu vinha de longe e que tudo isso era o melhor que podia ser conferido a nós que morávamos no sítio.

Estava deslocada, um passarinho fora da gaiola. A professora d. Lígia, vendo-me acuada, tratou logo de reverter a situação, acolheu-me como mãe. Contou que também morava num sítio e pediu-me um pouco do meu lanche e o saboreou como um banquete.

Page 23: MEMÓRIAS LITERÁRIAS...

Por um momento, foi como se o mundo tivesse parado, todos atordoados com os acontecimentos. Nem podiam acreditar, pois a professora que nunca mostrava afeição por ninguém estava bem ali do meu lado, como uma velha e querida amiga.

Desse dia em diante todos passaram a me respeitar, não mais me esquecia de chegar à cidade e limpar os pés, trocar os sapatos e escondê-los na árvore defronte da escola para que nunca mais meu lugar ficasse cheio da terra vermelha, terra de que tanto me orgulhava no caminho feito de carroça conduzida por papai, com o dia claro ou com as luzes dos velhos lampiões a gás.

(Texto baseado na entrevista feita com a sra. Bernadete Poles André, 58 anos.)