Memorial da Resistência de São Paulo PROGRAMA LUGARES DA ... · O tema central da peça, a...
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Teatro da Universidade Católica
(TUCA)
Endereço: Rua Monte Alegre, 1024, Perdizes
Classificação: Centro Cultural
Identificação numérica: 077-06.023
O Teatro da Universidade Católica (TUCA) tem sua origem mesclada ao Teatro
dos Universitários da Católica, criado em 1965, e a construção de um auditório pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que serviria à administração
da Universidade como Sala Magna para atividades de grande porte.
A construção do que viria a ser o Teatro da Universidade Católica em 1965 se
inicia em 1957. A PUC, aberta em São Paulo em 1946, vivenciava um aumento anual
em seu quadro de alunos1, mas possuía até o momento, para solenidades e palestras,
apenas uma sala com capacidade para 50 pessoas. Assim, em 1957 foi autorizada
pelo então presidente Juscelino Kubitscheck a liberação de uma parte da quantia a ser
utilizada na obra de ampliação da Universidade.
O Grão-Chanceler da PUC, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta,
convidou o arquiteto Benedito Calixto de Jesus Neto, especialista em construções
religiosas, para desenvolver o projeto do novo auditório. O projeto de Benedito Calixto
garantiu, no novo conjunto, a continuidade estética das linhas clássicas dos prédios já
existentes (datados dos anos 1920). O novo prédio apresentava uma fachada com
entrada em arcos e janelas neocoloniais tendo à frente um pequeno jardim e um
espaço para circulação de carros.
1 Conforme levantamento publicado em 1966 na Revista da Universidade Católica, em 1947 a PUC contava com 300 alunos inscritos, e em 1965 os estudantes já somavam 6 mil. In: RODRIGUES, M.; SUNDFELD, R.; PEIRÃO, S. TUCA, 20 anos. Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, 1986, p.22.
Memorial da Resistência de São Paulo
PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA
2
Imagem 01: Vista
área do complexo
do campus
Perdizes da PUC-
SP, estando à
direita o TUCA.
Foto: Autor
desconhecido.
Fonte: PUC-SP.
Imagem 02: Igreja
do Coração
Imaculado de
Maria, ou Capela
da PUC, como é
mais conhecida.
Construção em
estilo colonial
inaugurada em 16
de setembro de
1923. Foto: Autor
desconhecido.
Fonte: PUC-SP.
Imagem 03: TUCA,
inaugurado em
1965 e construído
em estilo
neocolonial,
mantendo o padrão
com as demais
construções do
campus. Foto:
Autor
desconhecido.
Fonte: PUC-SP.
3
No projeto, o novo complexo seria composto por dois auditórios, um com
capacidade para 1.200 lugares, que se destinava à conferências e solenidades, e
outro com capacidade para 300 pessoas, construído para aproveitar o desnível do
terreno e equipado com aparelhos de projeção para filmes. “Segundo Pe. Victor, esse
auditório estava destinado às atividades de uma futura escola de comunicações.
Seguindo o declive, estava projetado um nível para prática de esportes e de educação
física. No último nível ficaria o restaurante universitário”2.
A construção levou quase oito anos para ficar pronta e o auditório maior, que
recebeu o nome do Auditório Tibiriçá, foi inaugurado no dia 28 de agosto de 1965,
sendo que os demais anexos ficaram prontos depois. No entanto, entre o ano de 1957,
quando o auditório começou a ser construído, e o ano de sua inauguração em 1965, o
Brasil havia mudado bastante, principalmente em seu cenário político-cultural. As
universidades e os estudantes vivenciavam os impactos destas transformações e
“aquele novo espaço cultural que se erguia mansamente foi objeto de expectativas
díspares, reflexo da agitação que percorria o mundo acadêmico na primeira metade da
década de 1960”3.
O TEATRO DOS UNIVERSITÁRIOS
Em 1963 o Centro Acadêmico 22 de Agosto, que representa os estudantes de
Direito da PUC-SP, inicia o debate, dentro da Universidade, sobre a criação de um
grupo de teatro inspirado no Centro Popular de Cultura (CPC). Os CPCs se
organizaram no início da década de 1960 sob o patrocínio da União Nacional dos
Estudantes (UNE) e tinham por objetivo criar e divulgar uma "arte popular
revolucionária"4. Antes do golpe civil-militar de 1964 as reivindicações populares e a
história do Brasil contada pelo ponto de vista do homem comum passaram a ter vez
nos palcos, fazendo oposição ao teatro da moda, marcado pela estética e temas
europeus. Esse tipo de teatro se centrava na ideia de aproximação com bairros
populares, com peças que tratassem de temas cotidianos e que atuassem em defesa
dos interesses populares.
Após o golpe de 1964, no entanto, esse movimento teatral foi duramente
reprimido pela ditadura, mas ainda assim o Centro Acadêmico (CA), juntamente com o
Diretório Central dos Estudantes (DCE) da PUC-SP, retomou a proposta de criação de
um grupo de teatro. Esse grupo seria composto por estudantes e seria organizado
2 Idem, p.20. 3 Ibidem. 4 Para uma leitura sobre o CPC, conferir o material produzido pelo CPDOC/FGV disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/Centro_Popular_de_Cultura. Acesso em 16/11/2015.
4
dentro da própria universidade, mas estaria comprometido com temas das camadas
populares. O DCE apoiou a proposta e destinou parte da sua verba ao grupo,
emprestando também sua sede para os ensaios5. Começava a ser organizado o
Teatro dos Universitários da Católica, conhecido como TUCA e divulgado na PUC
através da campanha “O TUCA VEM AÍ”.
Ao mesmo tempo em que se organizava o TUCA, ficava pronto o Auditório
Tibiriçá e a Universidade começava a considerar a possibilidade de transformar o novo
prédio em um espaço cultural com uma sala de projeção de cinema, como forma de
arrecadar verbas para compensar os gastos com a construção6.
Isso fez a gente se movimentar para que o prédio do teatro fosse
utilizado pelos alunos. Então criamos o Departamento Cultural. O
DCE contratou Roberto Freire para ser o diretor-geral do grupo de
teatro, Silnei Siqueira, vindo da TV Record, para a direção de atores
e José Armando Ferrara, também da Record, para a cenografia7.
Neste mesmo contexto, como forma de incentivar a cultura nacionalista, a
Comissão Estadual de Teatro, ligada ao Governo de São Paulo, liberou recursos aos
DCEs para que estes organizassem cursos e montassem peças de teatros, que
deveriam ter preços populares. E o Departamento de Cultura do DCE/PUC-SP, que já
vinha promovendo cursos com profissionais de teatro – como, por exemplo, “Métodos
e Interpretação” com aulas ministradas por Eugênio Kusnet; “História do Espetáculo” e
“Introdução às técnicas teatrais” com Alberto D’Aversa – ampliou a temática dos
cursos (psicologia do ator, dinâmica de grupo, técnica de pesquisa e análise do texto
dramático) e, visando à montagem de uma peça, iniciou a realização de testes dentro
da Universidade. Para os cursos foram ofertadas 30 vagas e os inscritos
ultrapassavam 3508. O DCE precisou montar turmas pela manhã, tarde e noite e o
Teatro passou a ter grande adesão dos estudantes, que estavam curiosos após
descobrirem que o TUCA era um grupo de teatro da universidade realizando testes
para uma peça a ser montada.
A escolha da peça foi um processo difícil, pois foi necessário conciliar um texto
político e popular, e que ao mesmo tempo passasse pelo crivo da censura do governo
militar e da própria reitoria. Lembramos que, durante a ditadura civil-militar (1964-
1985), a produção cultural no país ficou sob vigilância permanente dos militares
5 O TUCA esteve vinculado ao DCE da PUC-SP até outubro de 1965, quando passou a ser uma entidade independente. 6 Após concluída a obra do Auditório, este passou a ser alugado para entidades e grupos interessados. O Teatro dos Universitários da Católica o alugava pelo valor de 20% sobre a renda de sua bilheteria. 7 RODRIGUES, M.; SUNDFELD, R.; PEIRÃO, S., op. cit, p.28. 8 Idem, p.30
5
através dos censores da Divisão e Serviços de Censura às Diversões Públicas do
Departamento de Polícia Federal e do Gabinete do Ministério da Justiça – para os
casos relacionados à imprensa. O historiador Marcos Napolitano destaca que houve
ao menos três momentos repressivos na área cultural, sendo que dentro desta baliza
censura-repressão às produções artísticas que vários artistas foram perseguidos,
presos, torturados, assassinados ou precisaram se exilar
Entre 1964-1968 o objetivo era dissolver as conexões entre “a cultura
de esquerda” e as classes populares através, por exemplo, do
fechamento dos CPCs (e da UNE);
Entre 1969-1978 com o objetivo central de reprimir o movimento da
cultura como mobilizadora do radicalismo da classe média
(principalmente dos estudantes). Nessa fase, destaca Napolitano, o
regime aprovou a Lei de Censura (de novembro de 1968) que
sistematizava a censura sobre obras teatrais e cinematográficas e
criava o Conselho Superior de Censura; e em 1972 a Polícia Federal
criou a Divisão de Censura de Diversões Públicas e ampliou o seu
quadro de censores;
Entre 1979-1985, nesta última fase o objetivo central do regime era
controlar o processo de desagregação da ordem política e moral
vigentes, estabelecendo limites de conteúdo e linguagem. A ênfase do
controle censório recaiu sob a “moral e os bons costumes”9. O resultado
foi que a ditadura consegui impedir centenas de peças teatrais de
serem encenadas ou que acabaram chegando aos palcos com
profundas marcas da cesura, produziram verdadeiras obras mutiladas.
A obra a ser encenada pelo TUCA ficou definida, após algumas reuniões, que
seria “Morte e Vida Severina”, escrita por João Cabral de Melo Neto e publicado em
195510. O tema central da peça, a história de um retirante nordestino, de nome
Severino, que deixa o sertão por causa da seca e migra para o litoral em busca de
uma vida melhor, interessava ao grupo por sua identificação tanto com a realidade
brasileira quanto por sua temática popular. Mas a sugestão de Morte e Vida Severina
não foi aceita de imediato, pois a peça já havia sido encenada há pouco tempo, em
1960, pelo Teatro Experimental Cacilda Becker, não tendo alcançado muito sucesso.
Mas o TUCA terminou assumindo a encenação da obra a partir da sugestão de que
9 NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014, p.100-101. 10 Morte e Vida Severina fora escrita a pedido de um grupo teatral do Rio, portanto, era uma obra concebida para ser encenada. A linguagem do livro é marcada por fortes imagens visuais, carregadas de simbologia.
6
ela fosse musicada – e a convites, Chico Buarque musicou o poema e depois
respondeu pela direção musical da peça11.
A verba destinada ao TUCA pela Comissão Estadual de Teatro não foi
suficiente para a montagem de toda a peça, considerando os necessários gastos com
o cenário e iluminação (valendo salientar que o Auditório Tibiriçá, onde seria
apresentada a peça, havia sido projetado para a realização de palestra e solenidades
e a Universidade não possuía os equipamentos necessários para o teatro). Assim,
ajudas de outras pessoas foram fundamentais, como relembra Roberto Freire:
Num dia memorável [...] convidamos nossos amigos de teatro para
assistirem a peça e darem uma ajuda nos recursos técnicos que
estavam ainda meio improvisados. No final nós ficamos
emocionados, mas Alberto D’Aversa, Sando Polônio, e Maria Della
Costa estavam arrasados. O sistema de iluminação era muito
precário, a resistência era feita em banho de salmoura e os fios
mergulhados ali, precisava-se de 10 pessoas para coloca-los em
funcionamento. O Sandro Polônio foi imediatamente ao teatro dele,
tirou os refletores e emprestou-nos, propiciando uma iluminação
profissional para o TUCA, que ficou uma das coisas mais bonitas,
todos se lembram das sombras projetadas na parede12.
No dia 11 de setembro de 1965 estreia Morte e Vida Severina, musicalizado
por Chico Buarque, dirigido por Silney Siqueira, encenado pelo TUCA – Teatro dos
Universitários da Católica e apresentado no Auditório Tibiriçá da PUC-SP. “Ao final, o
público aplaudia de pé durante 10 minutos e foi difícil a cortina fechar definitivamente.
O elenco cantava de novo e as palmas paravam. Acabada a música as palmas
recomeçavam”13. O público havia se encantado com a peça e alguns críticos
especializada produziram, no dia seguinte, uma série de artigos elogiosos ao grupo.
O sucesso da peça, tanto do ponto de vista crítico quanto estético, propiciou ao
TUCA, em 1966, uma viagem à Nancy na França para concorrer ao 4º Festival
Mundial de Teatro Universitário. Apesar das dificuldades financeiras para arcar com a
viagem de todos os integrantes, no dia 25 de abril de 1966 o TUCA se apresentou
11 A pesquisadora Carla Fernanda da Silva destaca que após a decisão de musicalizar Morte e Vida Severina surgiu outro impasse, encontrar um compositor. Heloísa Buarque de Hollanda sugeriu o seu irmão Chico, um estudante de 21 anos, que tinha algumas composições e havia gravado um compacto com as músicas Pedro Pedreiro e Sonho de um Carnaval. Foi com receio que Chico Buarque aceitou o convite: “acho que foi uma temeridade do Roberto Freire me chamar para esse trabalho. Hoje meu trabalho seria diferente, porque naquele tempo eu não tinha domínio técnico da organização musical e peguei um trabalho um pouco maior do que podia”. In: SILVA, Carla Fernanda da. ‘Vamos demolir o Tuca’: O Teatro Universitário como movimento de resistência ao regime militar. Anais do II Seminário Internacional História do Tempo Presente, Florianópolis, 13 a 15 de outubro de 2014, p.5. 12 RODRIGUES, M.; SUNDFELD, R.; PEIRÃO, S., op. cit, p.32. 13 Idem, p.39.
7
para o público francês, que mesmo sem entender uma só palavra em português, se
envolveu e se emocionou com a encenação. A peça foi tão aclamada que o grupo,
imediatamente depois, foi convidado por Jean Louis Barrault, diretor do Teatro das
Nações, para se apresentar no Festival Internacional do Teatro das Nações, um dos
mais importantes do mundo. O TUCA, que passou a receber o apoio financeiro da
embaixada brasileira na França após o sucesso alcançado, iria representar
oficialmente o Brasil no Festival, de onde seguiu em várias apresentações pela
Europa, somando 40 dias de turnê14.
O retorno ao Brasil foi triunfal e a peça foi apresentada 227 vezes em território
nacional. A renda dessas apresentações permitiu o pagamento das dívidas feitas com
a viagem à Europa, a compra de equipamentos de luz e som para o Auditório Tibiriçá,
que passara a ser reconhecido como TUCA – Teatro da Universidade Católica, e a
produção da peça seguinte: O & A.
O espetáculo O & A consistia em um grupo de 15 homens e 15 mulheres que
apenas pronunciavam o som das letras O ou A para contar a história de como os
repressores oprimem e sufocam a juventude. Os diálogos foram suprimidos pela
vocalização dessas duas letras e o cenário criado, juntamente com a temática
abordada, aproximou ainda mais o TUCA do lado social do teatro.
Ferrara criou um cenário de estrutura de canos, de fácil desmonte e
que tentava representar a situação e momento social marcado pelo
isolamento. Era a vida dos “jovens” que parecia assediada pelos
“velhos” dentro de uma enorme gaiola de ferro, dividida em várias
partes nas quais as pessoas se movimentam por todos os lados. Em
determinados locais havia telas para a projeção de slides e de filmes
documentários15.
14 Idem, p.50. 15 Idem, p.56.
Imagem 04:
Encenação de Morte
e Vida Severina pelo
TUCA em dezembro
de 1965. Foto: Autor
desconhecido.
Fonte: Arquivo
Público do Estado de
São Paulo.
8
A peça estreou em 1967 em um contexto de censura ainda mais forte por parte
da ditadura civil-militar, e o espetáculo que não possuía diálogos, sofreu, por parte dos
censores federais com cortes em suas projeções. A censura da PUC-SP por sua vez,
vetou à encenação. Os atores precisaram contornar a situação e, após negociações, a
peça saiu com cortes que não alteraram o sentido proposto. No entanto, por não
conseguir mutilar a peça dentro dos termos da censura tradicional, uma vez que a
encenação não possuía diálogos, os agentes da repressão passaram a atuar com a
prisão dos atores algumas horas antes do espetáculo. Inicialmente ocorria a prisão de
um dos atores, que era substituído durante a apresentação, mas logo depois, os
militares passaram a deter grupos de atores, impossibilitando as substituições e
inviabilizando as apresentações. A consequência foi que O & A deixou de ser
encenada.
Como mencionado anteriormente, entre 1969-1978 a cena cultural brasileira
vivia uma nova fase repressora focada agora na desmobilização do radicalismo da
classe média (principalmente dos estudantes) e sistematizando ainda mais a censura
às obras teatrais, musicais etc. Destacamos que em 13 de dezembro de 1968, a
ditadura civil-militar ganhava força com a promulgação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) –
que foi revogado apenas em 1979. A partir desse decreto, o presidente da República
decretou o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado (que só voltou a
ser convocado em outubro de 1969); ficando também autorizado a intervir nos estados
e municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por dez anos, os direitos
políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e
suspender a garantia do habeas-corpus. “No preâmbulo do ato, dizia-se ser essa uma
necessidade para atingir os objetivos da revolução, "com vistas a encontrar os meios
indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país"”16.
Marcos Napolitano destaca que ao final do mês de dezembro “cerca de 500 cidadãos
(sobretudo professores, jornalistas e diplomatas) tenham perdido direitos políticos, 5
juízes de instâncias superiores, 95 deputados e 4 senadores, seus mandatos”17.
Após o golpe repressor contra a peça O & A, o TUCA apenas voltou a se
apresentar artisticamente em 1969 com a obra Comala, representando o Brasil no
Festival Universitário Latino-Americano de Manizales/Colômbia. E no ano seguinte foi
montada “Terceiro Demônio”, que seguiu em turnê pela América Latina e Estados
Unidos. Apesar do sucesso das peças, quando o grupo retornou ao Brasil em fins de
1970, encontrou o teatro da PUC alugado a entidades não vinculadas à Universidade
16 D'ARAUJO, Maria Celina. O AI-5. CPDOC/FGV. Disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5. Acesso em 18/11/2015. 17 NAPOLITANO, Marcos. op. cit, p.94.
9
e, sem condições financeiras de alugar outro espaço, passou a depender novamente
da cessão de espaço por outras instituições. O grupo, quando conseguia ensaiar na
universidade tinha acesso ao espaço em um horário reduzido, de 20h às 23h, e caso
esse período fosse ultrapassado, deveriam arcar com as despesas trabalhistas dos
funcionários da PUC-SP que ficavam à disposição do teatro18. Essas condições e a
falta de apoio da Universidade à proposta teatral do TUCA, cada vez mais envolvido
com o teatro social, acabaram colocando fim à relação entre o grupo e a PUC e em
maio de 1971, encerrava-se, definitivamente a relação entre ambos. “As atividades do
grupo deslocaram-se para o Equipe Vestibulares que, a partir de então, cedeu-lhe
verbas e as dependências”19.
O TUCA. ESPAÇO POLÍTICO-CULTURAL DA PUC-SP
A Igreja Católica no Brasil foi uma das principais bases de sustentação do
golpe civil-militar de 1964, organizando, inclusive, a Marcha da Família com Deus pela
Liberdade. No entanto, no início dos anos 1970, como resultado do Concílio Vaticano
II, das Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano de Medellín (1968) e
Puebla (1979), a Igreja assumiu um papel maior na luta contra a ditadura e pela
igualdade social20. E as universidades católicas foram instruídas a atuar em três
campos: a pesquisa, o ensino e a extensão de serviços à comunidade. “Segundo tais
diretrizes, a pesquisa e o ensino deveriam responder aos problemas da sociedade
através da busca das soluções e da formação de profissionais que promovessem o
desenvolvimento social” Quanto ao campo da “extensão”, cabia à Universidade
desenvolver atividades que atendessem também às aspirações da sociedade21.
Em 1972, em diálogo com essas diretrizes recebidas da Comissão Episcopal para a
América Latina (CELAM), a PUC-SP criou o serviço de Extensão Cultural, responsável
pela promoção de atividades no Teatro da Universidade Católica (TUCA), que passou
a ser reconhecido como um espaço para peças de teatro, festivais de música, shows
18 RODRIGUES, M.; SUNDFELD, R.; PEIRÃO, S., op. cit, p.60. 19 Ibidem. 20 É neste período que se desenvolvem as Comunidade Eclesiais de Base (CEBs) com o objetivo de constituir núcleos pastorais nos bairros para que as pessoas pudessem estabelecer laços comunitários entre si e, a partir dos próprios ideais cristãos, reivindicarem melhorias em suas comunidades relativas à moradia, saúde, transporte, custo de vida. Existem muitas pesquisas relevantes sobre a atuação da Igreja Católica durante a ditadura civil-militar no Brasil e o papel que ela desempenhou na luta contra os militares e a favor dos direitos humanos. Destacamos aqui apenas algumas leituras, como o trabalho de José Cardonha. A Igreja Católica nos "Anos de Chumbo": resistência e deslegitimação do Estado Autoritário Brasileiro 1968-1974. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011; e o Relatório da CNV, volume II, Textos Temáticos, Texto 4 - Violações de direitos humanos nas igrejas cristãs. Disponível em: < http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_2_digital.pdf >. Acesso em 13/05/2015. 21 RODRIGUES, M.; SUNDFELD, R.; PEIRÃO, S., op. cit, p.62.
10
nacionais e internacionais, mas também congressos científicos, conferências e
debates de cunho político como denúncia dos casos de desaparição de civis.
Destacamos alguns exemplos que podem ser ressaltados dessa atuação do
TUCA, tais como: as apresentações de Gal Costa, Gonzaguinha, Ivan Lins, Elis
Regina, Toquinho, Mercedes Sosa e a realização, em 1977, da 29ª reunião anual da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que produziu um
documento a favor da reintegração dos cientistas cassados às suas instituições de
origem. Neste mesmo ano, o movimento estudantil começava a se rearticular com a
realização do III Encontro Nacional de Estudantes (III ENE) na PUC, realizado dia 22
de setembro de 1977, e o TUCA foi o espaço escolhido para a realização de um ato
contra a repressão. O aparato policial, sob o comando de Erasmo Dias, coibiu
violentamente a articulação estudantil invadindo o espaço universitário e prendendo,
aproximadamente, 700 estudantes22. Outro evento marcante foi a recepção feita para
Paulo Freire em 20 de agosto de 1979, quando retornou de seu exílio após a
aprovação da Lei de Anistia.
22 Para mais informações sobre esse evento, consultar o documento produzido pelo Memorial da Resistência de São Paulo a respeito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Esse documento está disponibilizado na página da instituição, na aba Lugares da Memória.
Imagem 05: Cartaz convocando
para o debate sobre a violência
de Estado e os desaparecidos
políticos. Mais um exemplo do
significado político que o TUCA
passou a agregar. Foto: Autor
desconhecido. Fonte: CEDIC-
PUC.
Imagem 06: Registro da 29ª reunião
da SBPC, que deveria acontecer em
Fortaleza, mas que acabou sendo
sabotado pelo governo federal, que
negou verbas e locais públicos. Os
encontros anuais da SBPC
intensificavam os debates políticos
do período. Foto: Autor
desconhecido. Fonte: Vladimir
Sacchetta.
11
No ano de 1984, esse espaço de resistência artística e política à ditadura civil-
militar sofreu duros golpes quando foi praticamente destruído por dois incêndios. No
primeiro deles, ocorrido em 22 de setembro, as chamas começaram atrás do palco e,
rapidamente, se alastraram por todo o teatro. Foram abertas investigações, com fortes
suspeitas de ter sido um ato criminoso (uma vez que nesse mesmo dia se
rememorava a invasão da PUC pela polícia militar ocorrida em 1977), mas o laudo da
perícia apontou que o incêndio começou a partir de uma falha termoelétrica. O fogo,
que havia começado por volta das 19h30, às 21h já estava controlado, no entanto, a
cena era de destruição total, como descreve a Folha de São Paulo, que teve acesso
ao local quando este foi liberado à imprensa.
As chamas estavam a meio metro de altura, espalhadas por toda a
área do palco e da parte da frente da plateia. Em vários pontos
escapavam chamas azuladas, queimando os equipamentos de luz e
som. Apenas uma das sete fileiras de cadeiras, nos fundos, debaixo
da marquise, escaparam da destruição23.
23 FOLHA DE SÃO PAULO. No aniversário da invasão da PUC, fogo destrói o Tuca. Folha de São Paulo. 24 de setembro de 1984, p.12.
Imagem 07: No dia 22 de setembro
de 1984, um incêndio destruiu
rapidamente o TUCA, restando
apenas as últimas filas de cadeira da
plateia. Foto: Daniel Ruiz Garcia.
Fonte: Tuca, 20 anos.
12
Em 13 de dezembro de 1984 o teatro foi novamente incendiado. Desta vez,
após achar restos de uma bandeira embebida em thinner, os peritos concluíram ter
sido um ato criminoso. O teatro fechou suas portas e reabriu, parcialmente, quatro
anos depois, após levantar recursos por meio de uma campanha envolvendo a
sociedade civil, o SOS TUCA, na qual artistas, estudantes e entidades promoveram
eventos para a captação do dinheiro. Em novembro de 2002 teve início uma nova
reforma do prédio, que foi finalizada em agosto de 2003. Em 22 de agosto de 2003,
restaurado e modernizado, o TUCA foi reaberto, agora com as obras totalmente
finalizadas.
Imagem 08: Os dois
incêndios do TUCA,
ocorridos em setembro
e dezembro de 1984,
causaram danos
materiais ao teatro,
mas a estrutura predial
pode ser recuperada
através de reformas.
Foto: Augusto
Nazario. Fonte: Tuca,
20 anos.
Imagem: 09: Campanha
SOS TUCA, que
levantou fundos para a
reconstrução do teatro.
Os recursos levantados
não foram, no entanto,
suficientes para concluir
a obra, o que levou o
espaço a funcionar de
forma parcial e precária
por vários anos. Foto:
Fernando Pimentel.
Fonte: Tuca, 20 anos.
13
O TUCA continua sendo um importante espaço cultural da cidade de São
Paulo, com programação regular de shows e peças teatrais. No entanto, como se
seguiu ao final da década de 1970, o local também abre suas portas para debates,
congressos científicos e conferências. Em 18 de março de 2014, abrigou o III Tribunal
Tiradentes, intitulado “Julgamento da Lei de Anistia: justiça para os crimes da
ditadura”. O evento, que simula uma corte, faz referência aos Tribunais organizados
em 1983 e 1984 para julgarem, respectivamente, a Lei de Segurança Nacional e o
Colégio Eleitoral da ditadura. As três versões do Tribunal Tiradentes, ao condenarem
instrumentos legais utilizados pela ditadura para a perpetuação da repressão, da farsa
democrática e da falta de responsabilização, constitui-se como um marco na
redemocratização do país e um mecanismo de denúncia na luta por memória, verdade
e justiça no Brasil.
O Teatro da Universidade Católica é um dos marcos da resistência à ditadura
civil-militar, sendo reconhecido como um importante lugar de memória sobre o
passado recente brasileiro. Esse reconhecimento está associado ao próprio edifício
marcado como um espaço de contestação artística e política da juventude, de artistas,
intelectuais e entidades envolvidas com a luta pelos direitos humanos. O Teatro, já no
momento de sua inauguração em 1965, recebeu encenações artísticas com fortes
referências sociais e muitas outras manifestações políticas, marcando o Teatro com
um papel significativo no contexto histórico brasileiro e no processo de
redemocratização da sociedade. Mas, extrapolando a própria edificação, destacamos
também o Teatro dos Universitários da Católica (que cedeu o nome TUCA ao teatro da
PUC-SP) e o movimento estudantil que o originou como parte dessa história de luta e
resistência aos militares.
Como ação de militância, a peça de estreia do TUCA, Morte e Vida Severina,
teve inúmeras apresentações na periferia, fábricas e escolas, fazendo de Severino
(protagonista da peça) a síntese da contestação e da resistência à ditadura.
Imagem 10: O TUCA, durante o III Tribunal Tiradentes, estava completamente lotado.
Estudantes, intelectuais, e organismos de direitos humanos acompanharam o julgamento que
condenou a Lei de Anistia no país. Foto: Alessandra Haro. Fonte: Acervo Pessoal.
14
Selecionada para o Festival de Nancy, a obra promoveu na França discussões sobre a
ditadura instalada no Brasil e com a inovadora O&A o TUCA enfrentou a censura ao
produzir uma peça de contestação sem diálogo, mas não conseguiu evitar a
repressão, que prendeu os estudantes/atores continuamente, desestabilizando o
próprio grupo e impedindo a encenação.
Por toda essa atuação de importância, o TUCA, que sofreu diversos atentados
que quase o destruíram em fins da década de 1980, é um patrimônio histórico e
cultural de São Paulo, marcado pela resistência coletiva de estudantes que,
organizados, atuavam em prol da transformação da sociedade por meio da arte
política e do teatro social.
ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES
Em junho de 1998, por resolução do Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo –
CONDEPHAAT, o TUCA foi tombado como bem cultural, histórico e arquitetônico. Já
em 2002, uma nova resolução do CONDEPHAAT incorpora ao tombamento todo o
conjunto de edifícios da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, devido à
preservação da memória do bairro, da história do ensino superior e da resistência
cultural e dos setores organizados frente ao autoritarismo do Regime Militar.
O TUCA, que conta com 50 anos de trajetória e de atuação na área cultural e
política do país, possui um Centro de Documentação e Memória, criado em 2005 para
preservar, valorizar e compartilhar parte dessa história. O tratamento e a organização
dessa massa documental foram feitos através da criação de dossiês relativos à
produção de temporadas teatrais, shows, concertos, eventos acadêmicos ou políticos,
assim como de projetos, plantas, correspondências, contratos, alvarás de exibição,
roteiros de espetáculo, balanços financeiros, fotografias e, ainda, materiais de
divulgação dos espetáculos produzidos pelo próprio Teatro ou pela imprensa em geral.
Em 2011 parte significativa da documentação foi digitalizada garantindo ainda mais a
difusão dos documentos, que, em breve, poderão ser acessados pelo portal do Teatro.
ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA
O Memorial da Resistência possui um programa especialmente dedicado a registrar,
por meio de entrevistas, os testemunhos de ex-presos e perseguidos políticos,
familiares de mortos e desaparecidos e de outros cidadãos que
trabalharam/frequentaram o antigo Deops/SP. O Programa Coleta Regular de
Testemunhos tem a finalidade de formar um acervo, cujo objetivo principal é ampliar o
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conhecimento sobre o Deops/SP e outros lugares de memória do Estado de São
Paulo, divulgando, desta forma, o tema da resistência e repressão política no período
da ditadura civil-militar.
- Produzidas pelo Programa Coleta Regular de Testemunhos do Memorial da
Resistência
LOBO, Elza Ferreira; NOGUEIRA, Rosemeire. Entrevista sobre militância,
resistência e repressão durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de
São Paulo, entrevista concedida a Maurice Politi, Kátia Neves, Cristina Bruno e
Marcelo Araújo, em 16/09/2008.
Outras entrevistas REDE PUC. 45 anos do Teatro da Universidade Católica. Matéria sobre os 45 anos
do TUCA produzido para a Rede PUC. Edição de Aline Cavalcanti. Rede PUC, PUC-
SP, 2011. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=AKrlnRzlcwQ.
TVPUC. TUCA 50 anos. Reportagem sobre os 50 anos da instituição. Jornalista Ana
Beatriz Camargo. TVPUC, PUC-SP, 2015. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=cQFzDsOHnY4&index=4&list=PL99vyy3WwlvomuJ
rQExhy2o2VcN1Sxvvd.
FILMES E/OU DOCUMENTÁRIOS
Documentário: Incêndio TUCA. Direção de Jorge Cláudio Ribeiro e Roberta
Alexandre Sundfeld. Realização TV GLOBO-SP. 1985. Sinopse: Em 22 de setembro
de 1984 o Tuca foi alvo de um incêndio, muito provavelmente criminoso. Esse vídeo
conta a história do teatro e os esforços para sua reconstrução.
Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=qu6kv9VL_ig
Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=ML1tABOGtgY
REMISSIVAS: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).
REFERÊNCIAS
D'ARAUJO, Maria Celina. O AI-5. CPDOC/FGV. Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5. Acesso em 18/11/2015.
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FERNANDES, S.; NOVAES, L. H. Arte e Memória: preservação do arquivo
permanente do Teatro da Universidade Católica/ TUCA da PUC-SP. VII Congresso
de Arquivologia do Mercosul, Viña del Mar/Chile, 21 a 24 novembro de 2007.
FOLHA DE SÃO PAULO. No aniversário da invasão da PUC, fogo destrói o Tuca.
Folha de São Paulo. 24 de setembro de 1984.
NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo:
Contexto, 2014.
RODRIGUES, M.; SUNDFELD, R.; PEIRÃO, S. TUCA, 20 anos. Secretaria de Estado
da Cultura de São Paulo; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, 1986.
SILVA, Carla Fernanda da. ‘Vamos demolir o Tuca’: O Teatro Universitário como
movimento de resistência ao regime militar. Anais do II Seminário Internacional
História do Tempo Presente, Florianópolis, 13 a 15 de outubro de 2014.
COMO CITAR ESTE DOCUMENTO: Programa Lugares da Memória. Teatro da
Universidade Católica (TUCA). Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo,
2015.