Memorial da Resistência de São Paulo PROGRAMA LUGARES … · assinalamentos antropométrico,...

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1 Instituto Médico Legal (IML/SP) Endereço: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 600 Cerqueira César, SP Classificação: Centro Médico. Identificação numérica: 097-08.001 O Instituto Médico Legal (IML) é o órgão técnico mais antigo da Polícia de São Paulo, criado ainda durante o governo monárquico no Brasil em 1886. O Instituto teve como origem o Serviço Médico Policial da Capital, instituído pela Lei nº 18 de 07 de abril de 1886 e foi regulamentado pouco tempo depois, no dia 20 de abril. A instituição funcionou a partir do atendimento de dois médicos que acumulavam as funções de médicos legistas e clínicos nas cadeias públicas. Eram atribuições do Serviço Médico Policial da Capital examinar indivíduos vivos e cadáveres encaminhados pelas autoridades, produzindo exames de corpo de delito e cadavérico a partir da análise de lesões e ferimentos das vítimas; realizar avaliação toxicológica de substâncias; conduzir exames em corpos exumados; ministrar os primeiros socorros em feridos conduzidos ao Serviço Médico Policial; e tratar clinicamente dos presos recolhidos em cadeias públicas 1 . Em 1893 foi criada uma terceira vaga no Serviço Médico Policial da Capital 2 e em 1896, pelo Decreto nº 395 de 07 de outubro, a equipe foi novamente ampliada, contando agora com quatro profissionais, dos quais um deles seria destacado para o atendimento nas cadeias e no gabinete antropométrico 3 . Por este decreto, a instituição 1 Decreto nº 121, de 29 de outubro de 1982. Manda observar com alteração de várias disposições, o regulamento da Repartição Central da Polícia do Estado, que baixou o decreto n.13, de 20 de Janeiro do corrente ano. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Departamento de Documentação e Informação. Disponível em < http://www.al.sp.gov.br/leis/>. Acesso em 14/07/2015. 2 Lei nº 165, de 1º de Agosto de 1893. Cria diversos cargos na Repartição Central da Polícia. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 3 Desenvolvido pelo francês Alphonse Bertillon em 1879, a antropometria consistia em uma combinação de medidas físicas coletadas por procedimentos cuidadosamente prescritos e foi o primeiro método científico de identificação humana amplamente aceito. Além dos Memorial da Resistência de São Paulo PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA

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1

Instituto Médico Legal (IML/SP)

Endereço: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 600

Cerqueira César, SP

Classificação: Centro Médico.

Identificação numérica: 097-08.001

O Instituto Médico Legal (IML) é o órgão técnico mais antigo da Polícia de São

Paulo, criado ainda durante o governo monárquico no Brasil em 1886. O Instituto teve

como origem o Serviço Médico Policial da Capital, instituído pela Lei nº 18 de 07 de

abril de 1886 e foi regulamentado pouco tempo depois, no dia 20 de abril. A instituição

funcionou a partir do atendimento de dois médicos que acumulavam as funções de

médicos legistas e clínicos nas cadeias públicas. Eram atribuições do Serviço Médico

Policial da Capital examinar indivíduos vivos e cadáveres encaminhados pelas

autoridades, produzindo exames de corpo de delito e cadavérico a partir da análise de

lesões e ferimentos das vítimas; realizar avaliação toxicológica de substâncias;

conduzir exames em corpos exumados; ministrar os primeiros socorros em feridos

conduzidos ao Serviço Médico Policial; e tratar clinicamente dos presos recolhidos em

cadeias públicas1.

Em 1893 foi criada uma terceira vaga no Serviço Médico Policial da Capital2 e

em 1896, pelo Decreto nº 395 de 07 de outubro, a equipe foi novamente ampliada,

contando agora com quatro profissionais, dos quais um deles seria destacado para o

atendimento nas cadeias e no gabinete antropométrico3. Por este decreto, a instituição

1 Decreto nº 121, de 29 de outubro de 1982. Manda observar com alteração de várias

disposições, o regulamento da Repartição Central da Polícia do Estado, que baixou o decreto n.13, de 20 de Janeiro do corrente ano. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Departamento de Documentação e Informação. Disponível em < http://www.al.sp.gov.br/leis/>. Acesso em 14/07/2015. 2 Lei nº 165, de 1º de Agosto de 1893. Cria diversos cargos na Repartição Central da Polícia.

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 3 Desenvolvido pelo francês Alphonse Bertillon em 1879, a antropometria consistia em uma

combinação de medidas físicas coletadas por procedimentos cuidadosamente prescritos e foi o primeiro método científico de identificação humana amplamente aceito. Além dos

Memorial da Resistência de São Paulo

PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA

2

também estava obrigada a, sempre que solicitada pelas autoridades, enviar seus

médicos para atendimento em locais de incêndios ou acidentes4. Essa dupla função

do Serviço Médico Policial da Capital, a de oferecer legistas à polícia e clínicos

médicos à população, acabava por gerar lentidão nos processos policiais para

averiguação e solução de crimes, sendo este um problema para a instituição. Como

destaca Teresa Magalhães, professora e diretora do IML da Faculdade de Medicina da

Universidade do Porto/Portugal,

[...] sempre foi atribuído aos médicos o papel de prestar cuidados de

saúde às pessoas doentes ou traumatizadas sem que se

valorizassem certos aspectos fundamentais de natureza legal, sendo

a recolha de vestígios de crimes ou a análise das consequências de

casos de violência, por exemplo, frequentemente negligenciada. Esta

falta negava, inadvertidamente, o direito à obtenção de meios de

prova quando secundariamente aos ferimentos surgiam questões

legais, quer fossem de natureza criminal, civil, do trabalho ou outras5.

O atendimento clínico de urgência à população foi uma das atribuições do

Serviço Médico Policial da Capital até o ano de 1912, quando foi criado o Posto

Médico de Assistência Policial que funcionou na Casa número 1 da antiga rua do

Carmo, atual rua Roberto Simonsen no número 136-B6.

Em 1906, o Serviço Médico Policial da Capital teve seu nome alterado para

Gabinete Médico Legal, mantendo a equipe com quatro médicos legistas que

deveriam proceder com exames de “corpos de delicto; autopsias; verificação de obitos;

exhumações; analyses toxicologicas; e exames de individuos suspeitos de sofrer das

faculdades mentaes, quando encontrados em abandono ou forem indigentes ou

assinalamentos antropométrico, descritivo e dos sinais particulares, apresenta a fotografia do identificado de frente e de perfil e as impressões digitais, introduzidas por Bertillon em 1894. No Brasil, um gabinete antropométrico foi instalado na polícia do Rio de Janeiro em 1894, mas quase não funcionou até 1899, quando foi reorganizado e, em 1900, a identificação de criminosos pelo método foi estabelecida por decreto. Em São Paulo um decreto de 1896 desloca um médico do Serviço Médico Policial da Capital para o atendimento no gabinete. Para informações sobre o Método de Bertillon ver: DE SOUZA, Jamyle Noilthalene Sadoski. Identificação Criminal: reflexões críticas sobre o poder punitivo. Monografia (Monografia em Direito). Universidade Federal do Paraná: Curitiba, 2014. Sobre o método no Brasil consultar: GALEANO, Diego. Identidade cifrada no corpo: o bertillonnage e o Gabinete Antropométrico na Polícia do Rio de Janeiro, 1894-1903. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, v.7, n.3, p.721-742, set/dez 2012. Sobre as regras do Gabinete de Identificação de São Paulo, ver Decreto nº 1.414, de 24 de outubro de 1906. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 4 Decreto nº 395, de 7 de Outubro de 1896. Dá regulamento à repartição de polícia do Estado.

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 5 MAGALHÃES, Teresa. Introdução à Medicina Legal. Faculdade de Medicina. Universidade

do Porto/Portugal, 2003/2004, p.1-28. Disponível em < http://medicina.med.up.pt/legal/IntroducaoML.pdf>. Acesso em 15/07/2015. 6 Conferir: Decreto nº 2.215, de 15 de Março de 1912. Dá regulamento para o serviço da

assistência policial. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf.; Informações sobre a história e os usos da Casa n.1 estão disponíveis no Portal do Museu da Cidade em: <http://www.museudacidade.sp.gov.br/casanumeroum.php>.

3

incriminados”7. Em 1910 foi criado o Arquivo do órgão, organizando e preservando a

documentação produzida pela instituição8. Em 1924 foi aumentado para oito o número

de médicos do Gabinete e foi criada a Delegacia de Techica Policial (mantida a grafia),

ou Polícia Técnica, hoje denominado Instituto de Criminalística (IC)9.

No Brasil, assim como em vários países do mundo, principalmente na Europa e

Estados Unidos, a origem da criminalística acompanhou o desenvolvimento da

medicina legal, estando ambas vinculadas às atividades policiais.

Em uma definição do 1° Congresso Nacional de Polícia Técnica,

ocorrido em São Paulo no ano de 1947, a Criminalística seria a

“disciplina que tem como objetivo o reconhecimento e a interpretação

dos indícios materiais extrínsecos, relativos ao crime ou à identidade

do criminoso”. [...] Em uma análise atual, a Criminalística é uma

ciência aplicada que utiliza conceitos de outras ciências firmadas nos

princípios da física, da química e da biologia, no bojo de métodos e

leis próprias embasadas nas normas específicas constantes na

legislação, principalmente a processual penal. Não devemos

confundir o campo da Criminalística com o da Medicina Legal.

Embora ambas se responsabilizem pelos exames de corpo de delito

e, assim, apresentem interseção em vários momentos, a Medicina

Legal tem como objetivo os exames de vestígios intrínsecos (na

pessoa), relativos ao crime10.

A medicina legal no Brasil, com forte influência francesa, italiana e alemã, se

originou na Bahia e no Rio de Janeiro, onde em 1832 foram fundadas as primeiras

escolas de medicina do Brasil11. Quanto à criminalística, não se pode datar com

exatidão a sua origem, mas neste trabalho, destaca-se que ambas dão suporte às

atividades policiais desde o seu surgimento. “No Estado do Rio de Janeiro, por

7 Mantida a grafia do original. Decreto nº 1.414, de 24 de Outubro de 1906. Assembleia

Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 8 CREMESP. História do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo. In: COELHO, Carlos

Alberto de S. e JORGE JR, José Jarjura (orgs.). Manual Técnico-Operacional para os Médicos-Legistas do Estado de São Paulo. CREMESP: São Paulo, p.12. 9 Em 1926 a Delegacia de Techica Policial passou a ser chamada de Laboratório de Polícia

Técnica, e em 1951, de Instituto de Polícia Técnica, contando com seções especializadas. Em 1975 mudou de nome novamente, agora para Divisão de Criminalística e, em dezembro de 1988, "Instituto de Criminalística Dr. Octávio Eduardo de Brito Alvarenga" (um importante criminalista que atuou como diretor e perito do órgão em 1929). Com a criação da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) em 1998, o IC e o IML subordinaram-se a ela. Histórico disponível no Portal da Secretaria de Segurança Pública em <http://www.ssp.sp.gov.br/institucional/organograma/organograma_sptc.aspx>. 10

GARRIDO, Rodrigo Grazinoli e GIOVANELLI, Alexandre. Criminalística: origens, evolução e descaminhos. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia: Vitória da Conquista, ano 4, n.6, jul./dez. 2006, p.45-46. 11

Para mais leitura ver: PRESTES JR, Luiz Carlos Leal; MORAES, Talvane M. e RANGEL, Mary. A Importância do Ensino da Medicina Legal na Formação da Carreira Jurídica. Revista da EMERJ. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 15, n. 59, p. 76-84, jul./set. 2012; e MUAKAD, Irene Batista. A Medicina Legal: evolução e sua importância para os operadores do Direito. Universidade Mackenzie. Faculdade de Direito. São Paulo, 2013. Disponível em < http://goo.gl/27aNlQ>. Acesso em 15/07/2015.

4

exemplo, as instituições criminalísticas surgiram no final da primeira metade do século

XX, já vinculadas ao aparato policial”12.

Para os legistas de São Paulo, o ano de 1929 foi uma data bastante

importante, pois neste momento as autoridades começaram a pensar melhorias para o

serviço médico legal no Estado. Neste sentido, o então diretor do Gabinete Médico

Legal, José Líbero, confeccionou um projeto preocupado com a questão, mas a

Revolução de 1930 impediu a concretização do proposto, que seria retomado apenas

em 1933 com o Decreto nº 6.118 de 17 de outubro de 1933 e regulamentado em 28 de

dezembro do mesmo ano.

Pelo decreto de outubro o Gabinete Médico Legal era agora uma parte do

Serviço Médico Legal do Estado de São Paulo, que abarcava também os Postos

Médico Legal Regionais. O Gabinete era composto pela diretoria, instalações de

clínica médico legal; laboratório de anatomia-patologia e microscopia; laboratório de

toxicologia; gabinete de radiologia; arquivo; biblioteca; museu e necrotério. Criava-se

também o Conselho Médico Legal com o intuito de fornecer bases técnicas em

Medicina Legal para o julgamento de causas criminais. O Conselho seria composto

por um professor da Cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Medicina e Cirurgia

de São Paulo; um professor de Psiquiatria da referida universidade; o professor de

Medicina Pública da Faculdade de Direito de São Paulo; um professor de Direito da

referida faculdade, o diretor do Gabinete Médico Legal; o diretor do Manicômio

Judiciário; e um membro do Ministério Público. Sua função era auxiliar o Gabinete

Médico Legal em questão de grande relevância e para esclarecimentos da Justiça;

responder às consultas técnicas dos médicos legistas e “organizar, anualmente, uma

lista de trinta pessoas de notória idoneidade profissional e mora especializadas nos

vários ramos de perícia criminal, e dentre as quais os Juízes das varas criminais da

Capital escolherão os peritos que devam designar”13.

O Regulamento de dezembro de 1933, intitulado “Regulamento do Serviço

Médico Legal do Estado de São Paulo” determinava que o Serviço Médico Legal seria

organizado com um diretor, nomeado em comissão pelo Chefe de Polícia; onze

médicos legistas; doze médicos legistas regionais, sendo que dois deles estariam

lotados obrigatoriamente em Santos; um médico legista anatomopatologista e

microscopista; um médico radiologista; um médico legista toxicologista; um perito

toxicologista; um servente auxiliar de laboratório; dez escriturários, sendo um deles o

chefe; dois serventes; e um auxiliar de necroscopia.

12

GARRIDO, Rodrigo Grazinoli e GIOVANELLI, Alexandre. op. cit., p.45. 13

Decreto nº 6.118, de 17 de outubro de 1933. Reorganiza o Serviço Médico Legal do Estado, cria o conselho Médico Legal, e dá outras providências. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf.

5

Cabia aos médicos da instituição proceder com exames de lesões corporais;

exames de sanidade física; exames de acidente no trabalho; autopsias e exumações;

pesquisas toxicológicas e exames anatomopatológicos, bacteriológicos e

microscópicos. O decreto ainda determinava que as perícias e exames de corpo de

delito deveriam ser realizadas, preferencialmente, nas instalações do Gabinete Médico

Legal, quando ocorressem na capital, ou nos Postos Regionais no interior. As perícias

poderiam ser executadas, eventualmente, no Instituto Oscar Freire da Faculdade de

Medicina. Dentre outras especificações, determinava-se que as autopsias14 seriam

feitas no necrotério do Gabinete Médico Legal da Capital excetuando-se os casos de

necroscopias precedidas de exumação, quando seriam então realizadas no próprio

cemitério; nos casos em que fosse difícil a remoção até o Gabinete, poderia ser

realizada no cemitério mais próximo; ou quando fossem praticadas pela Faculdade de

Medicina, poderiam ocorrer no Instituto Oscar Freire15.

A esta pesquisa não foi possível confirmar com exatidão onde funcionou o

necrotério do Gabinete Médico Legal de São Paulo até o ano de 1958, quando a toda

a instituição foi transferida para um amplo edifício da Rua Teodoro Sampaio, no

número 151, próximo ao Hospital das Clínicas e ao Cemitério do Araçá. No entanto, o

livro produzido pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, no qual é

apresentado um histórico do IML paulista, afirma que:

Inicialmente, no tempo do Gabinete Médico Legal, as atividades

periciais no [indivíduo] vivo eram realizadas na rua do Carmo nº1,

atual Roberto Simonsen, e as no morto nos diversos simulacros de

necrotério da capital. Posteriormente, as perícias no morto passaram

a ser realizadas no Cemitério do Araçá e na década de 1950, no

governo Jânio Quadros, o serviço foi transferido para a rua Teodoro

Sampaio em prédio próprio, que foi ampliado na década de 70 [...]”16.

O regulamento de 1933 permaneceu vigente até o ano de 1959, quando o

Serviço Médico Legal teve seu nome alterado para Instituto Médico Legal. Neste ano,

no dia 30 de setembro, foi aprovado pelo governador de São Paulo o regulamento do

IML, em vigor até os dias de hoje. Por ele, fica estabelecido que o Instituto Médico

Legal é um órgão da Secretaria da Segurança Pública (sendo que anteriormente o IML

era subordinado diretamente à Polícia), tendo por finalidade “a prática de perícias

médico-legais, requisitadas por autoridades policial ou judiciária, ou membro do

Ministério Público, bom como a realização de pesquisas científicas relacionadas com a

14

O termo recorrentemente utilizado pelo Instituto Médico Legal e pelo Instituto de Criminalística é necropsia, e não autópsia, para se referir ao exame realizado no indivíduo após sua morte. Mas mantemos aqui os termos utilizados pelo próprio documento analisado. 15

Informações retiradas do Decreto nº 6.244 de 28 de dezembro de 1933. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 16

CREMESP. História do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo. op. cit, p.13.

6

Medicina Legal”17. A instituição fica organizada da seguinte forma: diretoria; clínica

médico legal; laboratório de toxicologia; laboratório de anatomia-patológica e

microscopia; gabinete de raio x; necrotério; postos médico legais; seção

administrativa; e biblioteca. Conta com núcleos de perícia especializadas para a clínica

médica, tanatologia forense, radiologia, odontologia legal; e núcleos responsáveis por

exames, análises e pesquisas como o de anatomia patológica, toxicologia forense e

antropologia18.

Atualmente o Instituto Médio Legal é responsável não só por realizar exames

necroscópicos e exumações como também por desenvolver pesquisas no campo da

Medicina Legal; constatar embriaguez, intoxicação, lesão corporal, sanidade mental;

realizar pericia em materiais biológicos, odontológicos e radiologias; e documentar por

meio de laudos técnicos e fotografias, os trabalhos realizados nas pericias e exames.

A Polícia Científica da Secretaria de Segurança Pública prevê que a maior parte do

atendimento do IML, cerca de 70%, é dada a indivíduos vivos, pessoas que foram

vítimas de acidentes de trânsito, agressões, acidentes de trabalho etc., sendo que

apenas 30% dos atendimentos se destina à realização de necropsia (exames

cadavéricos), sendo esta, no entanto, a sua atividade popularmente mais conhecida19.

No período da ditadura civil-militar, uma das estratégias bastante utilizadas

pelos agentes da repressão em relação aos presos políticos mortos sob tortura era

apresentar versões distintas para a causa mortis, amenizando ou eximindo os policiais

de qualquer responsabilidade sob o ocorrido. O repertório de versões para essas

mortes não era muito extenso e como destaca a historiadora Mariana Joffily, as

explicações mais utilizadas eram: suicídio, tentativa de fuga – às vezes seguida de

atropelamento –, resistência à prisão e morte em tiroteio com os “agentes da ordem”20.

Associada a esta possibilidade de forjar causas de morte, a ditadura contou com o

aval técnico e científico de médicos legistas para reproduzi as informações oferecidas

pelos militares, elaborando laudos e atestados de óbito falsos. Em São Paulo, por

exemplo, o IML foi um importante aliado do Destacamento de Operações de

Informações do Centro de Operações e Defesa Interna (DOI-Codi) e do Departamento

Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP).

17

Decreto nº 35.566, de 30 de Setembro de 1959. Aprova o Regulamento do Instituto Médico Legal do Estado. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 18

Portal da Polícia Científica disponível em: <http://www.policiacientifica.sp.gov.br/iml-instituto-medico-legal/>. Acesso em 15/07/2015.Idem. 19

Idem. 20

JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios na Operação Bandeirantes e no DOI de São Paulo (1969-1975). Tese (Doutorado em História Social). FFLCH. Universidade de São Paulo: São Paulo, 2008, p.272.

7

Imagem 01: Sede do

Instituto Médico Legal na

Avenida Dr. Enéas

Carvalho Aguiar, esquina

com Teodoro Sampaio, em

1973. Foto: Jurassaba

Bueno. Fonte: Arquivo

Público do Estado de São

Paulo.

Imagem 02: Veículo do

Instituto Médico Legal nas

dependências da instituição

no ano de 1973. Foto:

Jurassaba Bueno. Fonte:

Arquivo Público do Estado

de São Paulo.

8

Imagem 03: Funcionário

do necrotério do IML nas

novas dependências do

Instituto após as

reformas de 1973. Foto:

Jurassaba Bueno. Fonte:

Arquivo Público do

Estado de São Paulo.

Imagem 04: Geladeiras

onde são mantidos os

corpos que aguardam

liberação do necrotério

do IML. Foto: Jurassaba

Bueno. Fonte: Arquivo

Público do Estado de

São Paulo.

9

OS LEGISTAS DA DITADURA

A atuação dos médicos-legistas21 junto à ditadura civil-militar foi um importante

braço técnico e científico para os militares, pois era através do IML que os agentes da

repressão conseguiam validar as falsas versões de morte: “Quando os sinais de

tortura eram muito evidentes, o legista, às vezes, descrevia as marcas deixadas, mas

concluía sempre no final que a morte se dera como descrito pela polícia”22. A relação

entre os órgãos de repressão e o IML era tão importante para a ditadura civil-militar

que o administrador do necrotério do IML/SP, Josué Teixeira dos Santos, durante um

depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Perus/Desaparecidos em

199223, afirmou existir uma orientação por parte dos militares para a organização da

escala dos legistas, garantindo que eles sempre pudessem contar com os seus

colaboradores24. O Relatório ainda traz a importante revelação do médico legista Isaac

Abramovitch que em depoimento relatou que “havia um compromisso assumido de

colaborar com os órgãos de repressão política sem nenhuma restrição”25.

Os primeiros procedimentos para a falsificação de laudos envolviam o contato

direto dos policiais com o IML. O Instituto encaminhava para o local indicado um carro

próprio e um médico legista, que ia com o objetivo de recolher o corpo e elaborar os

primeiros relatórios sobre a vítima e a cena da morte. Muitas vezes os policiais não

mantinham as cenas do crime intactas para averiguação da perícia, e isso lhes

permitia também, indiretamente, alterar dados da morte e induzir o relatório do perito.

O ex-comandante do DOI-Codi, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, se pronunciou

sobre a razão pela qual seus agentes não seguiam os procedimentos de praxe:

Quando o preso morria num tiroteio ou num acidente desse gênero,

ele era retirado do local e levado para o DOI, onde o corpo

aguardava os trâmites legais para o seu encaminhamento ao IML. As

razões desse procedimento eram necessárias, pois os terroristas,

seguidamente, agiam com uma cobertura armada. Se

permanecêssemos preservando o local, aguardando os

21

O termo médico legista é utilizado em referência ao cargo público ocupado por um médico no Instituto Médico Legal. 22

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. In: Desaparecidos Políticos um capítulo não encerrado da História Brasileira. INSTITUTO MACUCO. São Paulo: Ed. do Autor, 2012, p. 172. 23

No ano de 1992 a Câmara Municipal de São Paulo conduziu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Vala Clandestina de Perus (Cemitério Dom Bosco) onde se descobriram ossadas das quais algumas são de desaparecidos políticos da ditadura. Para consultar o relatório da CPI. Ver: Desaparecidos Políticos um capítulo não encerrado da História Brasileira. INSTITUTO MACUCO. São Paulo: Ed. do Autor, 2012. Outra importante leitura é o relatório da CNV. Volume 1. Parte III. Capítulo 11. Execuções e mortes decorrentes de tortura, 2014. Disponível em < http://www.cnv.gov.br/>. 24

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, op. cit., p.172. 25

Ibidem.

10

procedimentos da Polícia Técnica, estaríamos sujeitos a uma

represália dos terroristas que, em uma ação desse tipo, poderiam

nos atacar e atingir os curiosos. Quando o preso não morria era,

imediatamente, levado para o hospital26.

A documentação produzida pelo IML é bastante simplificada, sendo um recurso

utilizado para qualquer corpo que dê entrada no Instituto: uma solicitação de exame

necroscópico solicitado pela polícia (para a solicitação deste exame a política

apresenta um breve histórico da morte), um laudo cadavérico e fotos correspondentes.

E em caso de identidade duvidosa, é exigido um exame datiloscópico (conferência de

identidade via impressões digitais)27. Para o caso dos militantes de esquerda, o

resultado do exame necroscópico endossava, ao fim do processo médico, a versão

dada pela polícia e era comum, também, que as fotografias presentes nos laudos

cadavéricos fossem tiradas de ângulos específicos para que não ficassem registrados

os traumatismos e escoriações decorrentes das torturas. Segundo Josué Teixeira dos

Santos “esta era uma exigência feita pelo comandante da OBAN/DOI-Codi28, devendo-

se fotografar apenas a cabeça. Em meados de 1971 ele fotografou um “terrorista”,

mostrando também o tórax e foi repreendido severamente pelo major da OBAN”29 – na

época, Carlos Alberto Brilhante Ustra.

Dentro desse sistema de cooperação com a ditadura, é importante ressaltar

que muitos dos opositores do governo acabaram classificados como indigentes pelo

IML após omissão ou alteração, pelos médicos legistas, de informações pessoais

como nome, filiação, estado civil, sexo, idade, peso, estatura e causa da morte. O

destino dado ao corpo (o nome do cemitério) em muitos casos também foi alterado,

dificultando que as famílias descobrissem o destino final de seus entes. Para os

militantes políticos da esquerda, as fichas e laudos médicos do IML eram marcados

com a letra “T” e a inscrição auxiliava os agentes do governo militar a identificar quem

eram e quantos eram os "Terroristas" mortos. Jair Romeu, auxiliar de necropsia e

depois chefe de necrotério do IML/SP, em depoimento à CPI Perus/Desaparecidos

“admitiu [...] ter sido o autor desses registros, por ordens do Del. Alcides Cintra Bueno

26

USTRA, Carlos Alberto Brilhante apud JOFFILY, Mariana. op. cit. p.272. 27

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. In: Desaparecidos Políticos um capítulo não encerrado da História Brasileira. INSTITUTO MACUCO. São Paulo: Ed. do Autor, 2012, p.171. 28

O DOI-Codi era considerado um dos piores destinos para os presos políticos. Em sua sede na rua Tutóia, nº 921, muitos militantes foram torturados, mortos e alguns seguem desaparecidos. Ver o documento produzido pelo Memorial da Resistência: Programa Lugares da Memória. OBAN/DOI-Codi. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível no site da instituição. 29

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. loc. cit, p.172.

11

Filho do DOPS. A letra “T” se destinava a identificar os terroristas”30. Os militantes

também tinham, muitas vezes, entrada sigilosa no IML, como se verifica pela

afirmação de Jair Romeu para a CPI:

No dia 19 de fevereiro de 1973, o Sr. Jair Romeu, oferecendo

denuncia à CGI-SP [Comissão Geral de Investigações] contra o

administrador do necrotério Josué Teixeira dos Santos, dizia que ele

(Jair Romeu) recebia “orientação no sentido de preservar ou

acompanhar pessoalmente os casos ligados a cadáveres de

subversivos, que esses cadáveres encaminhados pela polícia ou

pela OBAN eram mantidos na geladeira e sofriam autopsia mesmo

durante a noite, que era exigida a norma de sigilo, que desse modo o

depoente chegava a passar um arame no trinco da geladeira para

que não fosse facilitado o acesso aos cadáveres [...]31.

Outro tratamento diferenciado e ilegal que geralmente os militantes políticos

recebiam era em relação ao seu rápido encaminhamento para o cemitério. A instrução

de urgência para o caso dos assassinados pelos militares contrariava o próprio

regulamento do IML, cuja norma estipulava que o corpo deveria ser mantido 72 horas

no necrotério, local onde os familiares sempre procuram por um ente falecido ou

desaparecido. No entanto, muitos militantes permaneceram no necrotério do IML por

apenas 24 horas ou menos.

Jair Romeu mostrou conhecer essa norma ao afirmar que “a lei

determina, que os corpos, com exceção de calamidades, terão que

permanecer 72 horas em câmara frigorífica, antes de serem

enterrados”. Durante a década de 70, Jair Romeu enviava os corpos

dos presos políticos para os cemitérios com uma média de 24 horas

após a morte32.

[...] O corpo de José Maria Ferreira de Araujo passou menos de 22

horas no necrotério. O corpo de Joaquim Alencar de Seixas, morto

oficialmente às 13 horas do dia 16 de abril de 1971, passou pelo IML

e foi levado para o cemitério de Perus às 9 horas do dia seguinte.

Teria sido enterrado após 20 horas de sua morte. O militante

Francisco José de Oliveira, enterrado sob nome de Dario Marcondes,

teria sido morto no dia 05/11/71, às 16 horas e segundo o IML seu

corpo deu entrada no dia anterior (dia 04/11/71), saindo para o

cemitério de Perus dia 06/11/71 às 10 horas. Deixando de lado o fato

de que o registro do IML indica entrada de corpo antes da ocorrência

da morte, o certo é que houve menos de 18 horas entre a morte e o

enterro do corpo33.

30

Ibidem, p.171. 31

Idem. 32

Ibidem, p.173. 33

Idem.

12

Dentro do apresentado até o momento, compartilhamos da conclusão desse

relatório ao afirmar que os depoimentos mostram que o envio, necropsia e liberação

de corpos obedecia um ritual próprio, envolvendo geralmente as mesmas pessoas34.

Os médicos legistas e funcionários do IML, comprometidos em auxiliar a ditadura civil-

militar, colaboraram com a repressão na produção da documentação que omitia as

responsabilidades nos casos de torturas, mortes e até mesmo desaparecimento dos

militantes de esquerda.

O Volume III – Mortos e Desaparecidos Políticos do Relatório da Comissão

Nacional da Verdade (CNV)35 reconhece oficialmente 434 mortos e desaparecidos

políticos brasileiros no Brasil e no exterior entre o período de 18 de setembro de 1946

a 05 de outubro de 1988. Neste Volume, a CNV busca esclarecer as circunstâncias

das graves violações de direitos humanos praticadas em cada um desses casos e,

sempre que possível, apresenta as falsas versões oficiais divulgadas à época,

destacando suas incongruências. Em cumprimento à Lei nº 12.528 de 18 de novembro

de 2011 (que cria a CNV) os pesquisadores determinaram, quando identificadas pela

documentação consultada, as estruturas do comando repressor envolvido no caso, os

locais por onde a vítima passou, as instituições e autoria envolvidas na tortura, morte

e/ou desaparecimento. A partir dessa minuciosa pesquisa da CNV, sistematizamos

abaixo os médicos legistas citados pelo Volume III do Relatório da CNV identificados

por essa Comissão como autores de graves violações de direitos humanos por

emissão de laudos fraudulentos, ocultação de cadáveres, omissão ou alteração de

causa mortis.

MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE

Abeylard de Queiroz

Orsini (IML-SP)

Falsificação de laudo de Carlos Marighella; Alceri Maria Gomes da Silva;

Antônio dos Três Reis de Oliveira; Devanir José de Carvalho; Luiz Eduardo

da Rocha Merlino; Antônio Sérgio de Mattos; José Roberto Arantes de

Almeida; Ana Maria Nacinovic Corrêa; Iuri Xavier Pereira. Ocultação de

cadáver e Falsificação de laudo de Dimas Antônio Casemiro. Atesta laudo

falso de Luiz Hirata. Ocultação de informação das causas da morte de

Hiroaki Torigoe. Falsificação de laudo e Falsificação do atestado de óbito de

Alex de Paula Xavier Pereira; Gelson Reicher.

Almir Fagundes de

Souza (IML-RJ)

Alteração da causa mortis de Catarina Helena Abi Eçab.

Aloysio Fernandes

(IML-SP)

Falsificação de laudo de Eduardo Collen Leite.

34

Ibidem, p.172. 35

BRASIL. Relatório da CNV. Volume 3. Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília, 2014. 2014. Disponível em < http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf> Acesso em 20/07/2015.

13

MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE

Amadeu da Silva

Lopes (IML-RJ)

Alteração da causa mortis de Lourenço Camelo de Mesquita.

Antônio Dácio Franco

e Moraes (IML-SP)

Ocultação de cadáver, Ocultação de informação das causas da morte de

José Milton Barbosa.

Antonio Fernandes de

Oliveira (IML-CE)

Falsificação de laudo de Pedro Jerônimo de Souza.

Antônio Valentini

(IML-SP)

Falsificação de laudo de Fernando Borges de Paula Ferreira; Dorival

Ferreira; Antônio Sérgio de Mattos; Eduardo Antônio da Fonseca; Manoel

José Mendes Nunes de Abreu; Rui Osvaldo Aguiar Pfútzenreuter. Ocultação

de informação das causas da morte de Luiz Fogaça Balboni; Gerardo

Magela Fernandes Torres da Costa. Atesta laudo falso de Sônia Maria de

Moraes Angel Jones.

Ari Louzada Dias

(IML-DF)

Falsificação de laudo de Henrique Cintra Ferreira de Ornellas.

Arildo Toledo Viana

(IML-SP)

Falsificação de laudo de Vladimir Herzog.

Armando Cânger

Rodrigues (IML-SP)

Falsificação de laudo de Emmanuel Bezerra dos Santos; Vladimir Herzog.

Ocultação de cadáver e Alteração da causa mortis de Manoel Lisbôa de

Moura.

Arnaldo Siqueira

(Diretor do IML-SP)

Atesta laudo falso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino; José Roberto Arantes

de Almeida; Francisco José de Oliveira; Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão;

Alexander José Ibsen Voerões; Lauriberto José Reyes; Luiz Eurico Tejera

Lisbôa. Ocultação de cadáver de Flávio Carvalho Molina.

Carmindo Moreira

Granja (Enfermeiro da

Cadeia Pública de

Natividade - TO)

Alteração da causa mortis de Ruy Carlos Vieira Berbert.

Cypriano Oswaldo

Mônaco (IML-SP)

Ocultação de informação das causas da morte de José Idesio Brianezi.

Décio Brandão

Camargo (IML-SP)

Falsificação de laudo de Eduardo Collen Leite.

Elias Freitas (IML-RJ)

Falsificação de laudo de Roberto Cietto; Eremias Delizoicov; Carlos Eduardo

Pires Fleury. Alteração da causa mortis de Aurora Maria Nascimento

Furtado.

Erasmo de Castro de

Tolosa (IML-SP)

Ocultação de informação das causas da morte de Marco Antônio Braz de

Carvalho.

Ernesto Eleutério

(IML-SP)

Ocultação de informações do laudo preliminar induzindo à alteração da

causa mortis de Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão; Manoel Fiel Filho.

14

MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE

Frederico Idelfonso

Marri Amaral (IML-SP)

Ocultação de informação das causas da morte de Antônio Raymundo de

Lucena.

Geraldo Rebello

(IML-SP)

Alteração da causa mortis de Norberto Nehring.

Harry Shibata (IML-SP) Falsificação de laudo de Carlos Marighella; Luiz Hirata; Helber José Gomes

Goulart; Emmanuel Bezerra dos Santos; Vladimir Herzog. Falsificação de

laudo e Falsificação do atestado de óbito de Luiz José da Cunha.

Falsificação do atestado de óbito de José Ferreira de Almeida. Ocultação de

cadáver e Alteração da causa mortis de Manoel Lisbôa de Moura; Sônia

Maria de Moraes Angel Jones. Atesta a falsificação de laudo de Neide Alves

dos Santos.

Hélder Machado

Paupério (IML-RJ)

Falsificação de laudo de Merival Araújo.

Helena Fumie Okaijima

(IML-SP)

Alteração da causa mortis de Grenaldo de Jesus da Silva.

Hermes Rodrigues de

Alcântara (IML-DF)

Falsificação de laudo de Henrique Cintra Ferreira de Ornellas.

Hygino de Carvalho

Hércules (IML-RJ)

Falsificação de laudo de Eremias Delizoicov. Falsificação do atestado de

óbito de José Raimundo da Costa.

Irany Novah Morais

(IML-SP)

Ocultação de informação das causas da morte de Luiz Fogaça Balboni.

Isaac Abramovitch

(IML-SP)

Falsificação de laudo de Luiz Eduardo da Rocha Merlino; Eduardo Antônio

da Fonseca; Manoel José Mendes Nunes de Abreu; Hélcio Pereira Fortes;

Frederico Eduardo Mayr; Alexander José Ibsen Voerões; Lauriberto José

Reyes; Rui Osvaldo Aguiar Pfútzenreuter; Ana Maria Nacinovic Corrêa; Iuri

Xavier Pereira; João Carlos Cavalcanti Reis; Carlos Nicolau Danielli; Arnaldo

Cardoso Rocha; Francisco Emanuel Penteado; Francisco Seiko Okama;

Alexandre Vannucchi Leme; Ronaldo Mouth Queiroz. Ocultação de

informação das causas da morte de Hiroaki Torigoe; Gastone Lúcia de

Carvalho Beltrão; José Júlio de Araújo. Falsificação de laudo e Falsificação

do atestado de óbito de Alex de Paula Xavier Pereira; Gelson Reicher.

Alteração da causa mortis de Antônio Benetazzo.

Ivan Nogueira Bastos

(IML-RJ)

Falsificação do atestado de óbito de José Raimundo da Costa.

Jair Romeu (Chefe do

Necrotério do IML-SP)

Ocultação de cadáver. Encaminhou o corpo para sepultamento sem

comunicar a família de Dênis Casemiro; Francisco José de Oliveira; José

Milton Barbosa; Alex de Paula Xavier Pereira; Gelson Reicher; Iuri Xavier

Pereira; José Júlio de Araújo. Atesta a alteração da causa mortis de Luiz

Hirata.

15

MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE

João Grigorian

(IML-SP)

Ocultação de informação das causas da morte de Raimundo Eduardo da

Silva.

João Pagenotto

(IML-SP)

Falsificação de laudo de Alceri Maria Gomes da Silva; Antônio dos Três Reis

de Oliveira; Devanir José de Carvalho; Ocultação de cadáver e Falsificação

de laudo de Dimas Antônio Casemiro.

Jorge Nunes

Amorim (IML-RJ)

Falsificação de laudo de Antônio Carlos Nogueira Cabral.

José Antônio de Mello

(IML-SP)

Ocultação de informação das causas da morte de Manoel Fiel Filho.

José Carlos da

Costa Ribeiro (IML-CE)

Falsificação de laudo de Pedro Jerônimo de Souza.

José Guilherme

Figueiredo (IML-RJ)

Falsificação de laudo de Roberto Cietto. Ocultação de cadáver e Falsificação

do atestado de óbito de Mário de Souza Prata.

José Henrique da

Fonseca (IML-SP)

Ocultação de cadáver, Ocultação de informação das causas da morte e

Falsificação de laudo de Francisco José de Oliveira; Flávio Carvalho Molina;

José Milton Barbosa; José Júlio de Araújo. Ocultação de informação das

causas da morte de Manoel Fiel Filho.

José Manella Netto

(IML-SP)

Falsificação de laudo de Carlos Roberto Zanirato.

Manoel Fabiano

Cardoso da Costa

(Médico da Delegacia

de Xambioá – TO)

Falsificação de laudo de Lourival Moura Paulino.

Lenildo Tabosa

Pessoa (IML-SP)

Falsificação de laudo de Hélcio Pereira Fortes.

Luiz Alves Ferreira

(IML-SP)

Falsificação de laudo de José Roberto Arantes de Almeida.

Marcos de Almeida

(IML-SP)

Falsificação do atestado de óbito de José Ferreira de Almeida.

Maria Lima Lopes

(Enfermeira da Cadeia

Pública de Natividade -

TO)

Alteração da causa mortis de Ruy Carlos Vieira Berbert.

Mario Nelson Mattos

(IML-SP)

Ocultação de informações do laudo preliminar induzindo à alteração da

causa mortis de José Roberto Arantes de Almeida. Ocultação de cadáver,

Ocultação de informação das causas da morte e Falsificação de laudo de

Francisco José de Oliveira.

16

MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE

Mário Santalúcia

(IML-SP)

Ocultação de informação das causas da morte de Joaquim Câmara Ferreira.

Neyde Teixeira

(Departamento de

Medicina Legal-MG)

Falsificação de laudo e Ocultação de informação das causas da morte de

Aldo de Sá Brito Souza Neto.

Olympio Pereira da

Silva (IML-RJ)

Falsificação de laudo de Antônio Carlos Nogueira Cabral.

Onildo B. Rogeno

(IML-SP)

Atesta laudo falso de Luiz Hirata.

Orlando José Bastos

Brandão

(IML-SP)

Ocultação de informação das causas da morte de Marco Antônio Braz de

Carvalho; Antônio Raymundo de Lucena; Raimundo Eduardo da Silva.

Falsificação de laudo de Carlos Roberto Zanirato; João Carlos Cavalcanti

Reis; Arnaldo Cardoso Rocha; Francisco Emanuel Penteado; Francisco

Seiko Okama; Alexandre Vannucchi Leme; Ronaldo Mouth Queiroz; Luiz

José da Cunha; Helber José Gomes Goulart. Ocultação de cadáver e

Falsificação de laudo de Luiz Eurico Tejera Lisbôa. Alteração da causa

mortis de Antônio Benetazzo.

Otávio D’Andrea

(IML-SP)

Falsificação de laudo de Dorival Ferreira. Ocultação de cadáver e

Falsificação de laudo de Luiz Eurico Tejera Lisbôa. Ocultação de informação

das causas da morte Gerardo Magela Fernandes Torres da Costa.

Paulino de Paula

Almeida (IML-SP)

Falsificação do atestado de óbito de José Maria Ferreira de Araújo.

Paulo Augusto de

Queiroz Rocha

(IML-SP)

Ocultação de informação das causas da morte de José Idesio Brianezi;

Joaquim Câmara Ferreira. Ocultação de cadáver e Falsificação de laudo de

Joelson Crispim; Alteração da causa mortis de José Maria Ferreira de

Araújo; Falsificação de laudo de Dênis Casemiro; Carlos Nicolau Danielli.

Pedro Sarillo (IML-RJ)

Alteração da causa mortis de João Antonio Santos Abi Eçab e Catarina

Helena Abi Eçab.

Pérsio José Ribeiro

(IML-SP)

Falsificação de laudo de Hamilton Fernando Cunha.

Renato Cappellano

(IML-SP)

Falsificação de laudo de Dênis Casemiro. Ocultação de cadáver e Ocultação

de informação das causas da morte de Flávio Carvalho Molina.

Roberto Blanco dos

Santos (IML-RJ)

Falsificação de laudo de Merival Araújo. Alteração da causa mortis de

Lourenço Camelo de Mesquita.

Rubens Pedro Macuco

Janine (IML-RJ)

Falsificação do atestado de óbito de Marilena Villas Boas Pinto. Alteração da

causa mortis de Raul Amaro Nin Ferreira.

17

MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE

Salim Raphael

Balassiano (IML-RJ)

Alteração da causa mortis de Aurora Maria Nascimento Furtado.

Samuel Haberkorn

(IML-SP)

Alteração da causa mortis de Norberto Nehring.

Sandoval de Sá

(IML- GO, hoje TO)

Ocultação de informação das causas da morte de Arno Preis Paraíso do

Norte.

Sérgio Belmiro

Acquesta (IML-SP)

Alteração da causa mortis de José Maria Ferreira de Araújo; Grenaldo de

Jesus da Silva.

Sérgio de Oliveira

(IML-SP)

Ocultação de cadáver e Falsificação de laudo de Joelson Crispim.

Vasco Elias Rossi

(IML-SP)

Atesta laudo falso de José Roberto Arantes de Almeida.

Vera Lúcia Junqueira

(Departamento de

Medicina Legal-MG)

Falsificação de laudo e Ocultação de informação das causas da morte de

Aldo de Sá Brito Souza Neto.

Walter Sayeg (IML-SP) Ocultação de informação das causas da morte de Gastone Lúcia de

Carvalho Beltrão. Falsificação de laudo de Frederico Eduardo Mayr;

Alexander José Ibsen Voerões; Lauriberto José Reyes.

LOCALIZAR OS DESAPARECIDOS POLÍTICOS: UM DEVER DO ESTADO

DEMOCRÁTICO

Conforme Relatório da Comissão Nacional da Verdade, resultado de dois anos

de intensas pesquisas no país inteiro, o regime civil-militar instaurado em 1964 levou à

morte de 434 pessoas36. Destas, 210 ainda seguem desaparecidas (o que significa

que os corpos jamais foram entregues às famílias) e 33 tiveram seu paradeiro

posteriormente localizado, permitindo serem enterrados conforme os desejos de seus

familiares, que, finalmente, puderam viver o luto dessa perda. O compromisso do

36

Destacamos que esse dado oficial, no entanto, não esgota o total de mortes causadas pela ditadura civil-militar, assim como não abarca a enorme quantidade de exilados e banidos que tiveram que abandonar o país sob o risco de vida. E somando-se às responsabilidades do Estado há ainda uma incalculável cifra de torturados. Também como não se pode deixar de dizer, esse número tampouco abarca as graves violações perpetradas contra camponeses e povos indígenas, o que resulta, portanto, em um quadro de violência generalizado no Brasil durante os 21 anos de governo militar que produziu um expressivo número de vítimas.

Tabela 01: Relação de médicos legistas e outros funcionários da área médica envolvidos em violações

de direitos humanos durante a ditadura civil-militar no Brasil. Todas as informações foram retiradas do

Relatório da CNV, Volume III - Mortos e Desaparecidos Políticos. Fonte: Governo Federal - Comissão

Nacional da Verdade, 2014.

18

Estado brasileiro na questão dos desaparecidos é de suma importância para garantir a

reparação às vítimas e à sociedade, uma vez que o Estado foi o responsável pelas

ocultações de cadáveres de opositores políticos e deve agora reconhecer sua

obrigação em localizar e identificar esses corpos, devolvendo-os às famílias. Esse é

um ponto fundamental do nosso processo democrático, sendo também, enfatizado

pela CNV:

[...] em alguns casos, familiares, por esforços próprios, conseguiram

encontrar o suposto local onde seus entes queridos encontravam-se

enterrados. Tal localização, contudo, não foi acompanhada de uma

plena identificação dos restos mortais que, destaca-se, é sempre um

ônus do Estado. Alguns casos em que familiares desenterraram

corpos que não correspondiam aos de seus entes queridos servem

para comprovação da importância de que o Estado realize a

identificação plena dos restos mortais dos desaparecidos políticos,

devendo-se supor que o enterro dos corpos em local diverso daquele

registrado nos documentos tenha integrado as estratégias de

ocultação de corpos pela ditadura militar. No caso brasileiro, a

maioria das pessoas desaparecidas foram enterradas como

indigentes, com nomes falsos ou em valas clandestinas e coletivas, o

que impõe ainda maiores obstáculos para a plena identificação dos

seus restos mortais37.

O Brasil, desde o seu processo de redemocratização iniciado em 1985, ratificou

os principais instrumentos internacionais de direitos humanos que proíbem, direta ou

indiretamente, a prática da tortura. A manutenção dos desaparecidos políticos no

Brasil democrático é uma situação que contraria esse compromisso assumido

internacionalmente, pois, como destaca a Corte Interamericana de Direitos Humanos

(CIDH), “os desaparecimentos forçados se constituem como uma forma múltipla e

continuada de violação de direitos humanos”38. Isso porque um desaparecimento não

se concretiza nem como vida nem como morte à família, o que a leva a uma busca

contínua por informações. “O empenho das famílias no sentido de localizá-los e dar-

lhes um túmulo é a tentativa de materializar um lugar para a ausência, é o combate

37

Relatório da CNV. Volume 1. Parte III. Capítulo 7. Quadro conceitual das graves violações, 2014, p.292. 38

Para mais informações ver: RODRÍGUEZ-PINZÓN, Diego e MARTIN, Claudia. A Proibição de Tortura e Maus-tratos pelo Sistema Interamericano. Um Manual para vítimas e seus defensores. Trad. Regina Vargas. Genebra/Suiça: World Organization Against Torture (OMCT), 2006. Disponível em < http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/a_pdf/manual_omct_tortura_oea.pdf>; Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf. Acessos em 17/07/2015.

19

contra o esquecimento e pela possibilidade de, enfim, elaborar o luto”39. A situação

dos desaparecidos ainda cria, dentro de sua família, uma situação continuada de

trauma e dor. A psiquiatra Paz Rojas Baeza, que desenvolve seu trabalho junto aos

familiares que buscam o corpo de um ente desaparecido, ressalta exatamente que a

ausência de informações sobre o destino dos corpos tem provocado traumas agudos e

síndromes crônicas na família, sintomas que se agravam pela ausência de justiça e

impunidade40.

No contexto desse dever do Estado democrático de localizar os corpos dos

desaparecidos políticos da ditadura ainda há bastante a ser feito, mas também é

verdade que avançamos em alguns casos. Uma situação de grande repercussão

nacional sobre os desaparecidos ocorreu em São Paulo com a abertura, no ano de

1990, da vala clandestina no Cemitério Dom Bosco em Perus. Essa vala foi criada em

1976 e nela foram depositadas cerca de 1.049 ossadas, que permaneceram ocultadas

até a década de 199041. O relatório da CPI Perus/Desaparecidos da Câmara Municipal

de São Paulo destaca que a própria vala se manteve clandestina por vários motivos:

por não existir registro de sua criação; por ela ter sido aberta em uma área destinada a

construção de uma capela; por não ter sido demarcada como local de sepultamento;

por não ter sido incluída na planta do cemitério; por ter sido construída de forma

irregular (sem alvenaria); e por não registrar os corpos depositados na vala42. Em

depoimento à CPI, funcionários do Cemitério garantiram que “a vala foi aberta por

ordem transmitida pelo então administrador do cemitério, hoje falecido, e pelos fiscais

do SFM [Serviço Funerário Municipal] sem procedimento formal”43.

O relatório da CPI também conclui que o IML/SP teve participação na

conversão desse cemitério, inicialmente destinado a indigentes da região de Perus44,

39

REIS, Daniel Aarão e ROLLEMBERG, Denise. Desaparecidos Políticos. Portal Memórias Reveladas. Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil. Arquivo Nacional. Brasília. Em: < http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/campanha/desaparecidos/>. Acesso em 17/07/2015. 40

BAEZA, Paz Rojas. La interminable ausencia. Estudio médico, psicológico y político de la desaparición forzada de personas. Santiago/Chile: LOM Ediciones, 2009, p.187. 41

Para uma leitura sobre o Cemitério Dom Bosco e a Vala ver o material produzido pelo Memorial da Resistência de São Paulo: Programa Lugares da Memória. Cemitério Dom Bosco. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível na página da instituição. 42

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, op.cit.; p.168. 43

Ibidem. 44

O sepultamento de um indigente pode estar relacionado tanto ao corpo de uma pessoa que não foi identificada ou não foi reclamada por ninguém, sendo o corpo encaminhado pelo IML ou pela Faculdade de Medicina; como pode estar relacionado a um serviço de auxílio social, geralmente designado a uma família que não possui recursos para sepultar o seu ente. Assim, a família procura por um cemitério público e a pessoa é enterrada como indigente, mas isso não significa dizer que a pessoa não será identificada no cemitério. Ver esclarecimento da CPI Perus/Desaparecidos. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, op.cit, p.157.

20

em um espaço de uso exclusivo dos corpos encaminhados pelo IML ou pela

Faculdade de Medicina.

A razão para a mudança encontra uma única explicação nos dois

depoimentos do Sr. Fabio Pereira Bueno, ex-diretor do CEMIT –

Departamento de Cemitérios. Houve entendimentos diretos com o

IML, na pessoa de Harry Shibata, então integrante da diretoria,

cumprindo solicitação do instituto de uso do cemitério para esse fim.

O motivo alegado seria maior facilidade de acesso45.

Quando o carro do IML chegava ao Cemitério os sepultadores perguntavam ao

policial Miguel Fernandes Zaninello, condutor do veículo, “tem alguém especial aí?”,

referindo-se aos corpos saídos do Deops e do DOI-Codi46. Sobre esses corpos, como

já mencionado por esta pesquisa, havia a intencionalidade de se manter sigilo e

muitos foram enterrados como indigentes mesmo chegando ao IML com identificação.

Como afirma a CPI Perus/Desaparecidos, sabia-se que neste cemitério estavam

enterrados pelo menos 13 corpos de presos políticos, 7 com nomes falsos e 6 que

possivelmente se encontravam na Vala Clandestina de Perus.

As ossadas encontradas na vala em 1990 foram encaminhadas ao

Departamento de Medicina Legal da Unicamp e as primeiras identificações

aconteceram após o fim da catalogação desse material. No dia 08 de julho de 1991

foram identificados os restos mortais de Sônia Maria Moraes Angel Jones e Antônio

Carlos Bicalho Lana (encontrados no cemitério Dom Bosco, fora da vala) e Denis

Antônio Casemiro (cujos restos mortais estavam na vala comum). No ano seguinte,

em 25 de junho de 1992, foram identificados: Frederico Eduardo Mayr (seus restos

mortais foram depositados na vala comum), Helber José Gomes Goulart (sepultado no

cemitério Dom Bosco, encontrado fora da vala)47. Alguns outros corpos foram

identificados posteriormente, mas esse número segue sendo, até o momento, irrisório

diante da quantidade de pessoas sepultadas como indigentes no cemitério Dom Bosco

e que estavam entre as 1.049 ossadas. Atualmente os trabalhos de identificação das

ossadas seguem sendo realizados pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Outro importante fator em relação aos desaparecidos políticos da ditadura é a

promoção da verdade a partir da abertura dos arquivos da repressão. O direito à

verdade é o direito fundamental a ser exercido por todo e qualquer cidadão de receber

e ter acesso às informações de interesse público que estejam em poder do Estado.

Este é um dever do Estado, que “deve revelar e esclarecer às vítimas, aos familiares e

45

Idem, p.166-167. 46

Idem, p.167. 47

Edição Especial 2001: Projeto Perus: passando a limpo. A história corrigida. Jornal Unicamp. Em: <www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/mar2001/ossopag4e5.html>. Acesso em 17/07/2015.

21

à sociedade as informações de interesse coletivo sobre os fatos históricos e as

circunstâncias relativas às graves violações de direitos humanos praticadas nos

regimes de exceção”48.

Os arquivos do IML são importantes fontes documentais para os familiares de

desaparecidos que podem acessar informações que os ajudem a localizar os corpos

de seus entes e rever as falsas versões de morte legitimadas pelos médicos legistas

colaboradores da ditadura. Mas os documentos produzidos por essa instituição

também são fundamentais para a sociedade como um todo, pois se constituem como

fontes de pesquisa para investigações sobre a colaboração de distintos setores sociais

com os órgãos envolvidos na repressão política, ampliando ainda mais o debate sobre

os alcances da ditadura civil-militar no país.

Em relação a esta sensível questão dos arquivos, destacamos os documentos

produzidos pelo Instituto Médico Legal de São Paulo. O relatório da CPI

Perus/Desaparecidos aponta que a Comissão de Familiares de Mortos e

Desaparecidos teve dificuldade de encontrar os documentos produzidos pelos

médicos legistas e que o arquivo referente à década de 70 está desaparecido ou em

partes destruído, provavelmente com a intenção de prejudicar a pesquisa sobre os

fatos ocorridos durante a repressão política. A Comissão de Familiares afirmou à CPI

que o acervo de fotos e negativos está quase todo destruído: “O álbum de fotos dos

cadáveres teve vários exemplares arrancados, justamente no lugar em que deveriam

estar presos políticos”49. Mas, mais recentemente (ao menos em relação ao arquivo do

IML/SP), a CNV conseguiu mapear e requisitar documentos da ditadura. Como afirma

o jornal O Globo, “os membros da comissão fecharam um acordo com o governador

Geraldo Alckmin para ter acesso a todos os documentos do período da ditadura e não

só aos arquivos públicos”50, o que demonstra alguns passos conquistados pela

sociedade brasileira em direção à conquista da memória e da verdade no país.

Nesta pesquisa o Instituto Médico Legal de São Paulo é considerado um lugar

de memória por sua vinculação a atos de repressão durante a ditadura civil-militar. As

ações dos médicos legistas, colaboradores da ditadura, resultaram em diversas

violações de direitos humanos e produziram instrumentos que ajudaram os agentes da

repressão a eximir suas responsabilidades em torturas, mortes e desaparecimentos de

muitas pessoas. O IML, sob a ação desses médicos, emitiu laudos fraudulentos,

48

DOS SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça e SOARES, Ricardo Maurício Freire. As Funções do Direito à Verdade e à Memória. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n.19, jan./jun. 2012, p.273. 49

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. loc. cit, p.173. 50

FARAH, Tatiana. São Paulo abre arquivos à Comissão da Verdade. O Globo. 18 de julho de 2012. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/brasil/sao-paulo-abre-arquivos-comissao-da-verdade-5518136>. Acesso em 17/07/2015.

22

ocultou cadáveres e falsificou a causa mortis de diversos jovens que lutavam por

acreditar na liberdade e na democracia para o país. A partir dessas violações, o IML

atuou no sentido de aumentar ainda mais as angústias dos familiares dos mortos e

desaparecidos políticos, que tiveram o seu direito essencial ao luto negado pela

ausência permanente do corpo. Aos familiares coube a luta pela abertura desses

arquivos e a revelação da verdade sobre a cooperação entre médicos do IML e a

repressão militar entre 1964-1985.

ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES: Uma apuração sobre as atividades do Instituto Médico Legal de São Paulo foi

realizada durante a investigação da CPI Desaparecidos que investigou os

responsáveis e a origem das 1.049 ossadas encontradas em uma vala comum no

Cemitério Dom Bosco do bairro de Perus, em 1990; os documentos dos arquivos do

IML acessados e depoimentos colhidos para a CPI resultaram, em um primeiro

momento, na transferência dos trabalhos de identificação para a equipe de legistas da

Universidade de Campinas (Unicamp) e agora segue aos cuidados da Universidade

Federal de São Paulo (Unifesp).

Em relação ao funcionamento do IML, o que se observa é a precarização das

condições de trabalho. O pesquisador Lorenzo Aldé associa essa precarização a um

“processo histórico e estrutural, que compromete, em maior ou menor grau, o

rendimento de todos os setores da instituição”, ou seja, vai desde a estrutura física

como mobiliário, instrumentos de trabalho (materiais de necropsia, produtos químicos,

uniformes e equipamentos de segurança em especial nos laboratórios e na necropsia)

até a “má conservação, o improviso e a inadequação das condições de trabalho em

relação às funções sociais e jurídicas exigidas da instituição”51. Aldé, afirma que o

órgão foi relegado à sombra do aparato principal do Governo, “que centralizou na

hierarquia militar as principais responsabilidades estatais, incluindo a Justiça e a

Polícia. O endurecimento do regime, a partir de 1968 [...] tirou de cena parte dos

recursos humanos que davam vida intelectual ao IML”52. Essa política do governo

militar de valorização dos meios de repressão acabou por gerar na instituição um

gradativo sucateamento em seu corpo de funcionários e em sua estrutura física de

trabalho.

51

Idem, p.145. 52

ALDÉ, Lorenzo. Ossos do ofício. Processo de trabalho e saúde sob a ótica dos funcionários do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública). Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2003, p.22.

23

ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA

O Memorial da Resistência possui um programa especialmente dedicado a registrar,

por meio de entrevistas, os testemunhos de ex-presos e perseguidos políticos,

familiares de mortos e desaparecidos e de outros cidadãos que

trabalharam/frequentaram o antigo Deops/SP. O Programa Coleta Regular de

Testemunhos tem a finalidade de formar um acervo, cujo objetivo principal é ampliar o

conhecimento sobre o Deops/SP e outros lugares de memória do Estado de São

Paulo, divulgando, desta forma, o tema da resistência e repressão política no período

da ditadura civil-militar.

- Produzidas pelo Programa Coleta Regular de Testemunhos do Memorial da

Resistência

SEIXAS, Ivan Akselrud de. Entrevista sobre militância, resistência e repressão

durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista

concedida a Karina Alves Teixeira e Ana Paula Brito em 19/11/2014.

SILVA, Ilda Martins da. Entrevista sobre militância, resistência e repressão

durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista

concedida a Karina Alves Teixeira e Paula Salles em 18/03/2014.

Outras entrevistas

SHIBATA, Harry. O jornalista José Nêumanne Pinto conversa com o legista Harry

Shibata, diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo entre 1976 e 1983. Dossiê

Shibata. Jornal do Brasil. São Paulo, 09 de novembro de 1980.

FILMES E/OU DOCUMENTÁRIOS

Documentário: Vala Comum. Direção de João Godoy. 1994. Sinopse: O

documentário discorre sobre o processo de descoberta das ossadas de militantes

políticos que combateram a ditadura e que foram enterradas na vala comum do

cemitério de Perus, em São Paulo. Apresenta ao telespectador entrevistas com

familiares e imagens históricas do processo de resgate e análise das ossadas.

Documentário: Mártires Anônimos: Vala de Perus – 20 Anos em Busca de

Respostas. Direção de Mainary Moura do Nascimento, Janaina Martins de Oliveira e

Maria Aparecida Alves da Silva. Sem ano. Sinopse: Apresenta o processo de

descoberta e identificação das ossadas dos mortos e desaparecidos políticos

encontrados na Vala Clandestina de Perus.

24

Filme: Corpo. Direção de Rossana Foglia e Rubens Rewald. 2007. Sinopse: O

cenário do filme é um necrotério e o protagonista da história é Artur, médico legista

que tem como passatempo analisar as pessoas e teorizar sobre as causas de suas

mortes. Um dia, ao analisar o corpo de uma mulher, encontrado junto com ossadas de

desaparecidos políticos, Artur conclui que ela tinha sido morta na mesma época que

os outros, mas que estranhamente seu corpo ficou conservado por mais de 30 anos. O

problema é que ele não consegue descobrir nenhuma pista sobre quem é a mulher

misteriosa e acaba recebendo um ultimato de sua chefe: caso ela não seja identificada

em 24 horas, será enterrada como indigente.

REMISSIVAS: Deops/SP; DOI-Codi; Cemitério Dom Bosco - Vala de Perus;

Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP).

25

PLANTAS E MAPAS

Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

26

REFERÊNCIAS

ALDÉ, Lorenzo. Ossos do ofício. Processo de trabalho e saúde sob a ótica dos

funcionários do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado

em Saúde Pública). Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2003.

BRASIL. Relatório da CNV. Volume 1. Parte III. Capítulo 11. Execuções e mortes

decorrentes de tortura. Brasília, 2014. Disponível em < http://www.cnv.gov.br/>.

Acesso em 20/07/2015.

BRASIL. Relatório da CNV. Volume 3. Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília,

2014. 2014. Disponível em <

http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf> Acesso em

20/07/2015.

CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da

Comissão Parlamentar de Inquérito. In: Desaparecidos Políticos um capítulo não

encerrado da História Brasileira. INSTITUTO MACUCO. São Paulo: Ed. do Autor,

2012, p. 172.

COELHO, Carlos Alberto de S. e JORGE JR, José Jarjura (orgs.). Manual Técnico-

Operacional para os Médicos-Legistas do Estado de São Paulo. CREMESP: São

Paulo.

GARRIDO, Rodrigo Grazinoli e GIOVANELLI, Alexandre. Criminalística: origens,

evolução e descaminhos. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade

Estadual do Sudoeste da Bahia: Vitória da Conquista, ano 4, n.6, jul./dez. 2006.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Legislação. Assembleia Legislativa do

Estado de São Paulo. Departamento de Documentação e Informação. Disponível em

< http://www.al.sp.gov.br/leis/>. Acesso em 14/07/2015.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Instituto Médico Legal. Polícia Científica.

Disponível em: <http://www.policiacientifica.sp.gov.br/iml-instituto-medico-legal/>.

Acesso em 15/07/2015.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Organograma. Secretaria de Segurança

Pública. Disponível em

<http://www.ssp.sp.gov.br/institucional/organograma/organograma_sptc.aspx>.

Acesso em 15/07/2015.

27

JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios na Operação

Bandeirantes e no DOI de São Paulo (1969-1975). Tese (Doutorado em História

Social). FFLCH. Universidade de São Paulo: São Paulo, 2008, p.272.

MAGALHÃES, Teresa. Introdução à Medicina Legal. Faculdade de Medicina.

Universidade do Porto/Portugal, 2003/2004, p.1-28. Disponível em <

http://medicina.med.up.pt/legal/IntroducaoML.pdf>. Acesso em 15/07/2015.

MUAKAD, Irene Batista. A Medicina Legal: evolução e sua importância para os

operadores do Direito. Universidade Mackenzie. Faculdade de Direito. São Paulo,

2013. Disponível em < http://goo.gl/27aNlQ>. Acesso em 15/07/2015.

COMO CITAR ESTE DOCUMENTO: Programa Lugares da Memória. Instituto

Médico Legal (IML/SP). Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2015.