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Instituto Médico Legal (IML/SP)
Endereço: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 600
Cerqueira César, SP
Classificação: Centro Médico.
Identificação numérica: 097-08.001
O Instituto Médico Legal (IML) é o órgão técnico mais antigo da Polícia de São
Paulo, criado ainda durante o governo monárquico no Brasil em 1886. O Instituto teve
como origem o Serviço Médico Policial da Capital, instituído pela Lei nº 18 de 07 de
abril de 1886 e foi regulamentado pouco tempo depois, no dia 20 de abril. A instituição
funcionou a partir do atendimento de dois médicos que acumulavam as funções de
médicos legistas e clínicos nas cadeias públicas. Eram atribuições do Serviço Médico
Policial da Capital examinar indivíduos vivos e cadáveres encaminhados pelas
autoridades, produzindo exames de corpo de delito e cadavérico a partir da análise de
lesões e ferimentos das vítimas; realizar avaliação toxicológica de substâncias;
conduzir exames em corpos exumados; ministrar os primeiros socorros em feridos
conduzidos ao Serviço Médico Policial; e tratar clinicamente dos presos recolhidos em
cadeias públicas1.
Em 1893 foi criada uma terceira vaga no Serviço Médico Policial da Capital2 e
em 1896, pelo Decreto nº 395 de 07 de outubro, a equipe foi novamente ampliada,
contando agora com quatro profissionais, dos quais um deles seria destacado para o
atendimento nas cadeias e no gabinete antropométrico3. Por este decreto, a instituição
1 Decreto nº 121, de 29 de outubro de 1982. Manda observar com alteração de várias
disposições, o regulamento da Repartição Central da Polícia do Estado, que baixou o decreto n.13, de 20 de Janeiro do corrente ano. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Departamento de Documentação e Informação. Disponível em < http://www.al.sp.gov.br/leis/>. Acesso em 14/07/2015. 2 Lei nº 165, de 1º de Agosto de 1893. Cria diversos cargos na Repartição Central da Polícia.
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 3 Desenvolvido pelo francês Alphonse Bertillon em 1879, a antropometria consistia em uma
combinação de medidas físicas coletadas por procedimentos cuidadosamente prescritos e foi o primeiro método científico de identificação humana amplamente aceito. Além dos
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também estava obrigada a, sempre que solicitada pelas autoridades, enviar seus
médicos para atendimento em locais de incêndios ou acidentes4. Essa dupla função
do Serviço Médico Policial da Capital, a de oferecer legistas à polícia e clínicos
médicos à população, acabava por gerar lentidão nos processos policiais para
averiguação e solução de crimes, sendo este um problema para a instituição. Como
destaca Teresa Magalhães, professora e diretora do IML da Faculdade de Medicina da
Universidade do Porto/Portugal,
[...] sempre foi atribuído aos médicos o papel de prestar cuidados de
saúde às pessoas doentes ou traumatizadas sem que se
valorizassem certos aspectos fundamentais de natureza legal, sendo
a recolha de vestígios de crimes ou a análise das consequências de
casos de violência, por exemplo, frequentemente negligenciada. Esta
falta negava, inadvertidamente, o direito à obtenção de meios de
prova quando secundariamente aos ferimentos surgiam questões
legais, quer fossem de natureza criminal, civil, do trabalho ou outras5.
O atendimento clínico de urgência à população foi uma das atribuições do
Serviço Médico Policial da Capital até o ano de 1912, quando foi criado o Posto
Médico de Assistência Policial que funcionou na Casa número 1 da antiga rua do
Carmo, atual rua Roberto Simonsen no número 136-B6.
Em 1906, o Serviço Médico Policial da Capital teve seu nome alterado para
Gabinete Médico Legal, mantendo a equipe com quatro médicos legistas que
deveriam proceder com exames de “corpos de delicto; autopsias; verificação de obitos;
exhumações; analyses toxicologicas; e exames de individuos suspeitos de sofrer das
faculdades mentaes, quando encontrados em abandono ou forem indigentes ou
assinalamentos antropométrico, descritivo e dos sinais particulares, apresenta a fotografia do identificado de frente e de perfil e as impressões digitais, introduzidas por Bertillon em 1894. No Brasil, um gabinete antropométrico foi instalado na polícia do Rio de Janeiro em 1894, mas quase não funcionou até 1899, quando foi reorganizado e, em 1900, a identificação de criminosos pelo método foi estabelecida por decreto. Em São Paulo um decreto de 1896 desloca um médico do Serviço Médico Policial da Capital para o atendimento no gabinete. Para informações sobre o Método de Bertillon ver: DE SOUZA, Jamyle Noilthalene Sadoski. Identificação Criminal: reflexões críticas sobre o poder punitivo. Monografia (Monografia em Direito). Universidade Federal do Paraná: Curitiba, 2014. Sobre o método no Brasil consultar: GALEANO, Diego. Identidade cifrada no corpo: o bertillonnage e o Gabinete Antropométrico na Polícia do Rio de Janeiro, 1894-1903. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas. Belém, v.7, n.3, p.721-742, set/dez 2012. Sobre as regras do Gabinete de Identificação de São Paulo, ver Decreto nº 1.414, de 24 de outubro de 1906. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 4 Decreto nº 395, de 7 de Outubro de 1896. Dá regulamento à repartição de polícia do Estado.
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 5 MAGALHÃES, Teresa. Introdução à Medicina Legal. Faculdade de Medicina. Universidade
do Porto/Portugal, 2003/2004, p.1-28. Disponível em < http://medicina.med.up.pt/legal/IntroducaoML.pdf>. Acesso em 15/07/2015. 6 Conferir: Decreto nº 2.215, de 15 de Março de 1912. Dá regulamento para o serviço da
assistência policial. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf.; Informações sobre a história e os usos da Casa n.1 estão disponíveis no Portal do Museu da Cidade em: <http://www.museudacidade.sp.gov.br/casanumeroum.php>.
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incriminados”7. Em 1910 foi criado o Arquivo do órgão, organizando e preservando a
documentação produzida pela instituição8. Em 1924 foi aumentado para oito o número
de médicos do Gabinete e foi criada a Delegacia de Techica Policial (mantida a grafia),
ou Polícia Técnica, hoje denominado Instituto de Criminalística (IC)9.
No Brasil, assim como em vários países do mundo, principalmente na Europa e
Estados Unidos, a origem da criminalística acompanhou o desenvolvimento da
medicina legal, estando ambas vinculadas às atividades policiais.
Em uma definição do 1° Congresso Nacional de Polícia Técnica,
ocorrido em São Paulo no ano de 1947, a Criminalística seria a
“disciplina que tem como objetivo o reconhecimento e a interpretação
dos indícios materiais extrínsecos, relativos ao crime ou à identidade
do criminoso”. [...] Em uma análise atual, a Criminalística é uma
ciência aplicada que utiliza conceitos de outras ciências firmadas nos
princípios da física, da química e da biologia, no bojo de métodos e
leis próprias embasadas nas normas específicas constantes na
legislação, principalmente a processual penal. Não devemos
confundir o campo da Criminalística com o da Medicina Legal.
Embora ambas se responsabilizem pelos exames de corpo de delito
e, assim, apresentem interseção em vários momentos, a Medicina
Legal tem como objetivo os exames de vestígios intrínsecos (na
pessoa), relativos ao crime10.
A medicina legal no Brasil, com forte influência francesa, italiana e alemã, se
originou na Bahia e no Rio de Janeiro, onde em 1832 foram fundadas as primeiras
escolas de medicina do Brasil11. Quanto à criminalística, não se pode datar com
exatidão a sua origem, mas neste trabalho, destaca-se que ambas dão suporte às
atividades policiais desde o seu surgimento. “No Estado do Rio de Janeiro, por
7 Mantida a grafia do original. Decreto nº 1.414, de 24 de Outubro de 1906. Assembleia
Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 8 CREMESP. História do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo. In: COELHO, Carlos
Alberto de S. e JORGE JR, José Jarjura (orgs.). Manual Técnico-Operacional para os Médicos-Legistas do Estado de São Paulo. CREMESP: São Paulo, p.12. 9 Em 1926 a Delegacia de Techica Policial passou a ser chamada de Laboratório de Polícia
Técnica, e em 1951, de Instituto de Polícia Técnica, contando com seções especializadas. Em 1975 mudou de nome novamente, agora para Divisão de Criminalística e, em dezembro de 1988, "Instituto de Criminalística Dr. Octávio Eduardo de Brito Alvarenga" (um importante criminalista que atuou como diretor e perito do órgão em 1929). Com a criação da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) em 1998, o IC e o IML subordinaram-se a ela. Histórico disponível no Portal da Secretaria de Segurança Pública em <http://www.ssp.sp.gov.br/institucional/organograma/organograma_sptc.aspx>. 10
GARRIDO, Rodrigo Grazinoli e GIOVANELLI, Alexandre. Criminalística: origens, evolução e descaminhos. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia: Vitória da Conquista, ano 4, n.6, jul./dez. 2006, p.45-46. 11
Para mais leitura ver: PRESTES JR, Luiz Carlos Leal; MORAES, Talvane M. e RANGEL, Mary. A Importância do Ensino da Medicina Legal na Formação da Carreira Jurídica. Revista da EMERJ. Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 15, n. 59, p. 76-84, jul./set. 2012; e MUAKAD, Irene Batista. A Medicina Legal: evolução e sua importância para os operadores do Direito. Universidade Mackenzie. Faculdade de Direito. São Paulo, 2013. Disponível em < http://goo.gl/27aNlQ>. Acesso em 15/07/2015.
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exemplo, as instituições criminalísticas surgiram no final da primeira metade do século
XX, já vinculadas ao aparato policial”12.
Para os legistas de São Paulo, o ano de 1929 foi uma data bastante
importante, pois neste momento as autoridades começaram a pensar melhorias para o
serviço médico legal no Estado. Neste sentido, o então diretor do Gabinete Médico
Legal, José Líbero, confeccionou um projeto preocupado com a questão, mas a
Revolução de 1930 impediu a concretização do proposto, que seria retomado apenas
em 1933 com o Decreto nº 6.118 de 17 de outubro de 1933 e regulamentado em 28 de
dezembro do mesmo ano.
Pelo decreto de outubro o Gabinete Médico Legal era agora uma parte do
Serviço Médico Legal do Estado de São Paulo, que abarcava também os Postos
Médico Legal Regionais. O Gabinete era composto pela diretoria, instalações de
clínica médico legal; laboratório de anatomia-patologia e microscopia; laboratório de
toxicologia; gabinete de radiologia; arquivo; biblioteca; museu e necrotério. Criava-se
também o Conselho Médico Legal com o intuito de fornecer bases técnicas em
Medicina Legal para o julgamento de causas criminais. O Conselho seria composto
por um professor da Cadeira de Medicina Legal da Faculdade de Medicina e Cirurgia
de São Paulo; um professor de Psiquiatria da referida universidade; o professor de
Medicina Pública da Faculdade de Direito de São Paulo; um professor de Direito da
referida faculdade, o diretor do Gabinete Médico Legal; o diretor do Manicômio
Judiciário; e um membro do Ministério Público. Sua função era auxiliar o Gabinete
Médico Legal em questão de grande relevância e para esclarecimentos da Justiça;
responder às consultas técnicas dos médicos legistas e “organizar, anualmente, uma
lista de trinta pessoas de notória idoneidade profissional e mora especializadas nos
vários ramos de perícia criminal, e dentre as quais os Juízes das varas criminais da
Capital escolherão os peritos que devam designar”13.
O Regulamento de dezembro de 1933, intitulado “Regulamento do Serviço
Médico Legal do Estado de São Paulo” determinava que o Serviço Médico Legal seria
organizado com um diretor, nomeado em comissão pelo Chefe de Polícia; onze
médicos legistas; doze médicos legistas regionais, sendo que dois deles estariam
lotados obrigatoriamente em Santos; um médico legista anatomopatologista e
microscopista; um médico radiologista; um médico legista toxicologista; um perito
toxicologista; um servente auxiliar de laboratório; dez escriturários, sendo um deles o
chefe; dois serventes; e um auxiliar de necroscopia.
12
GARRIDO, Rodrigo Grazinoli e GIOVANELLI, Alexandre. op. cit., p.45. 13
Decreto nº 6.118, de 17 de outubro de 1933. Reorganiza o Serviço Médico Legal do Estado, cria o conselho Médico Legal, e dá outras providências. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf.
5
Cabia aos médicos da instituição proceder com exames de lesões corporais;
exames de sanidade física; exames de acidente no trabalho; autopsias e exumações;
pesquisas toxicológicas e exames anatomopatológicos, bacteriológicos e
microscópicos. O decreto ainda determinava que as perícias e exames de corpo de
delito deveriam ser realizadas, preferencialmente, nas instalações do Gabinete Médico
Legal, quando ocorressem na capital, ou nos Postos Regionais no interior. As perícias
poderiam ser executadas, eventualmente, no Instituto Oscar Freire da Faculdade de
Medicina. Dentre outras especificações, determinava-se que as autopsias14 seriam
feitas no necrotério do Gabinete Médico Legal da Capital excetuando-se os casos de
necroscopias precedidas de exumação, quando seriam então realizadas no próprio
cemitério; nos casos em que fosse difícil a remoção até o Gabinete, poderia ser
realizada no cemitério mais próximo; ou quando fossem praticadas pela Faculdade de
Medicina, poderiam ocorrer no Instituto Oscar Freire15.
A esta pesquisa não foi possível confirmar com exatidão onde funcionou o
necrotério do Gabinete Médico Legal de São Paulo até o ano de 1958, quando a toda
a instituição foi transferida para um amplo edifício da Rua Teodoro Sampaio, no
número 151, próximo ao Hospital das Clínicas e ao Cemitério do Araçá. No entanto, o
livro produzido pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, no qual é
apresentado um histórico do IML paulista, afirma que:
Inicialmente, no tempo do Gabinete Médico Legal, as atividades
periciais no [indivíduo] vivo eram realizadas na rua do Carmo nº1,
atual Roberto Simonsen, e as no morto nos diversos simulacros de
necrotério da capital. Posteriormente, as perícias no morto passaram
a ser realizadas no Cemitério do Araçá e na década de 1950, no
governo Jânio Quadros, o serviço foi transferido para a rua Teodoro
Sampaio em prédio próprio, que foi ampliado na década de 70 [...]”16.
O regulamento de 1933 permaneceu vigente até o ano de 1959, quando o
Serviço Médico Legal teve seu nome alterado para Instituto Médico Legal. Neste ano,
no dia 30 de setembro, foi aprovado pelo governador de São Paulo o regulamento do
IML, em vigor até os dias de hoje. Por ele, fica estabelecido que o Instituto Médico
Legal é um órgão da Secretaria da Segurança Pública (sendo que anteriormente o IML
era subordinado diretamente à Polícia), tendo por finalidade “a prática de perícias
médico-legais, requisitadas por autoridades policial ou judiciária, ou membro do
Ministério Público, bom como a realização de pesquisas científicas relacionadas com a
14
O termo recorrentemente utilizado pelo Instituto Médico Legal e pelo Instituto de Criminalística é necropsia, e não autópsia, para se referir ao exame realizado no indivíduo após sua morte. Mas mantemos aqui os termos utilizados pelo próprio documento analisado. 15
Informações retiradas do Decreto nº 6.244 de 28 de dezembro de 1933. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 16
CREMESP. História do Instituto Médico Legal do Estado de São Paulo. op. cit, p.13.
6
Medicina Legal”17. A instituição fica organizada da seguinte forma: diretoria; clínica
médico legal; laboratório de toxicologia; laboratório de anatomia-patológica e
microscopia; gabinete de raio x; necrotério; postos médico legais; seção
administrativa; e biblioteca. Conta com núcleos de perícia especializadas para a clínica
médica, tanatologia forense, radiologia, odontologia legal; e núcleos responsáveis por
exames, análises e pesquisas como o de anatomia patológica, toxicologia forense e
antropologia18.
Atualmente o Instituto Médio Legal é responsável não só por realizar exames
necroscópicos e exumações como também por desenvolver pesquisas no campo da
Medicina Legal; constatar embriaguez, intoxicação, lesão corporal, sanidade mental;
realizar pericia em materiais biológicos, odontológicos e radiologias; e documentar por
meio de laudos técnicos e fotografias, os trabalhos realizados nas pericias e exames.
A Polícia Científica da Secretaria de Segurança Pública prevê que a maior parte do
atendimento do IML, cerca de 70%, é dada a indivíduos vivos, pessoas que foram
vítimas de acidentes de trânsito, agressões, acidentes de trabalho etc., sendo que
apenas 30% dos atendimentos se destina à realização de necropsia (exames
cadavéricos), sendo esta, no entanto, a sua atividade popularmente mais conhecida19.
No período da ditadura civil-militar, uma das estratégias bastante utilizadas
pelos agentes da repressão em relação aos presos políticos mortos sob tortura era
apresentar versões distintas para a causa mortis, amenizando ou eximindo os policiais
de qualquer responsabilidade sob o ocorrido. O repertório de versões para essas
mortes não era muito extenso e como destaca a historiadora Mariana Joffily, as
explicações mais utilizadas eram: suicídio, tentativa de fuga – às vezes seguida de
atropelamento –, resistência à prisão e morte em tiroteio com os “agentes da ordem”20.
Associada a esta possibilidade de forjar causas de morte, a ditadura contou com o
aval técnico e científico de médicos legistas para reproduzi as informações oferecidas
pelos militares, elaborando laudos e atestados de óbito falsos. Em São Paulo, por
exemplo, o IML foi um importante aliado do Destacamento de Operações de
Informações do Centro de Operações e Defesa Interna (DOI-Codi) e do Departamento
Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP).
17
Decreto nº 35.566, de 30 de Setembro de 1959. Aprova o Regulamento do Instituto Médico Legal do Estado. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Dep. Doc. e Inf. 18
Portal da Polícia Científica disponível em: <http://www.policiacientifica.sp.gov.br/iml-instituto-medico-legal/>. Acesso em 15/07/2015.Idem. 19
Idem. 20
JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios na Operação Bandeirantes e no DOI de São Paulo (1969-1975). Tese (Doutorado em História Social). FFLCH. Universidade de São Paulo: São Paulo, 2008, p.272.
7
Imagem 01: Sede do
Instituto Médico Legal na
Avenida Dr. Enéas
Carvalho Aguiar, esquina
com Teodoro Sampaio, em
1973. Foto: Jurassaba
Bueno. Fonte: Arquivo
Público do Estado de São
Paulo.
Imagem 02: Veículo do
Instituto Médico Legal nas
dependências da instituição
no ano de 1973. Foto:
Jurassaba Bueno. Fonte:
Arquivo Público do Estado
de São Paulo.
8
Imagem 03: Funcionário
do necrotério do IML nas
novas dependências do
Instituto após as
reformas de 1973. Foto:
Jurassaba Bueno. Fonte:
Arquivo Público do
Estado de São Paulo.
Imagem 04: Geladeiras
onde são mantidos os
corpos que aguardam
liberação do necrotério
do IML. Foto: Jurassaba
Bueno. Fonte: Arquivo
Público do Estado de
São Paulo.
9
OS LEGISTAS DA DITADURA
A atuação dos médicos-legistas21 junto à ditadura civil-militar foi um importante
braço técnico e científico para os militares, pois era através do IML que os agentes da
repressão conseguiam validar as falsas versões de morte: “Quando os sinais de
tortura eram muito evidentes, o legista, às vezes, descrevia as marcas deixadas, mas
concluía sempre no final que a morte se dera como descrito pela polícia”22. A relação
entre os órgãos de repressão e o IML era tão importante para a ditadura civil-militar
que o administrador do necrotério do IML/SP, Josué Teixeira dos Santos, durante um
depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) Perus/Desaparecidos em
199223, afirmou existir uma orientação por parte dos militares para a organização da
escala dos legistas, garantindo que eles sempre pudessem contar com os seus
colaboradores24. O Relatório ainda traz a importante revelação do médico legista Isaac
Abramovitch que em depoimento relatou que “havia um compromisso assumido de
colaborar com os órgãos de repressão política sem nenhuma restrição”25.
Os primeiros procedimentos para a falsificação de laudos envolviam o contato
direto dos policiais com o IML. O Instituto encaminhava para o local indicado um carro
próprio e um médico legista, que ia com o objetivo de recolher o corpo e elaborar os
primeiros relatórios sobre a vítima e a cena da morte. Muitas vezes os policiais não
mantinham as cenas do crime intactas para averiguação da perícia, e isso lhes
permitia também, indiretamente, alterar dados da morte e induzir o relatório do perito.
O ex-comandante do DOI-Codi, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, se pronunciou
sobre a razão pela qual seus agentes não seguiam os procedimentos de praxe:
Quando o preso morria num tiroteio ou num acidente desse gênero,
ele era retirado do local e levado para o DOI, onde o corpo
aguardava os trâmites legais para o seu encaminhamento ao IML. As
razões desse procedimento eram necessárias, pois os terroristas,
seguidamente, agiam com uma cobertura armada. Se
permanecêssemos preservando o local, aguardando os
21
O termo médico legista é utilizado em referência ao cargo público ocupado por um médico no Instituto Médico Legal. 22
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. In: Desaparecidos Políticos um capítulo não encerrado da História Brasileira. INSTITUTO MACUCO. São Paulo: Ed. do Autor, 2012, p. 172. 23
No ano de 1992 a Câmara Municipal de São Paulo conduziu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Vala Clandestina de Perus (Cemitério Dom Bosco) onde se descobriram ossadas das quais algumas são de desaparecidos políticos da ditadura. Para consultar o relatório da CPI. Ver: Desaparecidos Políticos um capítulo não encerrado da História Brasileira. INSTITUTO MACUCO. São Paulo: Ed. do Autor, 2012. Outra importante leitura é o relatório da CNV. Volume 1. Parte III. Capítulo 11. Execuções e mortes decorrentes de tortura, 2014. Disponível em < http://www.cnv.gov.br/>. 24
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, op. cit., p.172. 25
Ibidem.
10
procedimentos da Polícia Técnica, estaríamos sujeitos a uma
represália dos terroristas que, em uma ação desse tipo, poderiam
nos atacar e atingir os curiosos. Quando o preso não morria era,
imediatamente, levado para o hospital26.
A documentação produzida pelo IML é bastante simplificada, sendo um recurso
utilizado para qualquer corpo que dê entrada no Instituto: uma solicitação de exame
necroscópico solicitado pela polícia (para a solicitação deste exame a política
apresenta um breve histórico da morte), um laudo cadavérico e fotos correspondentes.
E em caso de identidade duvidosa, é exigido um exame datiloscópico (conferência de
identidade via impressões digitais)27. Para o caso dos militantes de esquerda, o
resultado do exame necroscópico endossava, ao fim do processo médico, a versão
dada pela polícia e era comum, também, que as fotografias presentes nos laudos
cadavéricos fossem tiradas de ângulos específicos para que não ficassem registrados
os traumatismos e escoriações decorrentes das torturas. Segundo Josué Teixeira dos
Santos “esta era uma exigência feita pelo comandante da OBAN/DOI-Codi28, devendo-
se fotografar apenas a cabeça. Em meados de 1971 ele fotografou um “terrorista”,
mostrando também o tórax e foi repreendido severamente pelo major da OBAN”29 – na
época, Carlos Alberto Brilhante Ustra.
Dentro desse sistema de cooperação com a ditadura, é importante ressaltar
que muitos dos opositores do governo acabaram classificados como indigentes pelo
IML após omissão ou alteração, pelos médicos legistas, de informações pessoais
como nome, filiação, estado civil, sexo, idade, peso, estatura e causa da morte. O
destino dado ao corpo (o nome do cemitério) em muitos casos também foi alterado,
dificultando que as famílias descobrissem o destino final de seus entes. Para os
militantes políticos da esquerda, as fichas e laudos médicos do IML eram marcados
com a letra “T” e a inscrição auxiliava os agentes do governo militar a identificar quem
eram e quantos eram os "Terroristas" mortos. Jair Romeu, auxiliar de necropsia e
depois chefe de necrotério do IML/SP, em depoimento à CPI Perus/Desaparecidos
“admitiu [...] ter sido o autor desses registros, por ordens do Del. Alcides Cintra Bueno
26
USTRA, Carlos Alberto Brilhante apud JOFFILY, Mariana. op. cit. p.272. 27
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. In: Desaparecidos Políticos um capítulo não encerrado da História Brasileira. INSTITUTO MACUCO. São Paulo: Ed. do Autor, 2012, p.171. 28
O DOI-Codi era considerado um dos piores destinos para os presos políticos. Em sua sede na rua Tutóia, nº 921, muitos militantes foram torturados, mortos e alguns seguem desaparecidos. Ver o documento produzido pelo Memorial da Resistência: Programa Lugares da Memória. OBAN/DOI-Codi. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível no site da instituição. 29
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. loc. cit, p.172.
11
Filho do DOPS. A letra “T” se destinava a identificar os terroristas”30. Os militantes
também tinham, muitas vezes, entrada sigilosa no IML, como se verifica pela
afirmação de Jair Romeu para a CPI:
No dia 19 de fevereiro de 1973, o Sr. Jair Romeu, oferecendo
denuncia à CGI-SP [Comissão Geral de Investigações] contra o
administrador do necrotério Josué Teixeira dos Santos, dizia que ele
(Jair Romeu) recebia “orientação no sentido de preservar ou
acompanhar pessoalmente os casos ligados a cadáveres de
subversivos, que esses cadáveres encaminhados pela polícia ou
pela OBAN eram mantidos na geladeira e sofriam autopsia mesmo
durante a noite, que era exigida a norma de sigilo, que desse modo o
depoente chegava a passar um arame no trinco da geladeira para
que não fosse facilitado o acesso aos cadáveres [...]31.
Outro tratamento diferenciado e ilegal que geralmente os militantes políticos
recebiam era em relação ao seu rápido encaminhamento para o cemitério. A instrução
de urgência para o caso dos assassinados pelos militares contrariava o próprio
regulamento do IML, cuja norma estipulava que o corpo deveria ser mantido 72 horas
no necrotério, local onde os familiares sempre procuram por um ente falecido ou
desaparecido. No entanto, muitos militantes permaneceram no necrotério do IML por
apenas 24 horas ou menos.
Jair Romeu mostrou conhecer essa norma ao afirmar que “a lei
determina, que os corpos, com exceção de calamidades, terão que
permanecer 72 horas em câmara frigorífica, antes de serem
enterrados”. Durante a década de 70, Jair Romeu enviava os corpos
dos presos políticos para os cemitérios com uma média de 24 horas
após a morte32.
[...] O corpo de José Maria Ferreira de Araujo passou menos de 22
horas no necrotério. O corpo de Joaquim Alencar de Seixas, morto
oficialmente às 13 horas do dia 16 de abril de 1971, passou pelo IML
e foi levado para o cemitério de Perus às 9 horas do dia seguinte.
Teria sido enterrado após 20 horas de sua morte. O militante
Francisco José de Oliveira, enterrado sob nome de Dario Marcondes,
teria sido morto no dia 05/11/71, às 16 horas e segundo o IML seu
corpo deu entrada no dia anterior (dia 04/11/71), saindo para o
cemitério de Perus dia 06/11/71 às 10 horas. Deixando de lado o fato
de que o registro do IML indica entrada de corpo antes da ocorrência
da morte, o certo é que houve menos de 18 horas entre a morte e o
enterro do corpo33.
30
Ibidem, p.171. 31
Idem. 32
Ibidem, p.173. 33
Idem.
12
Dentro do apresentado até o momento, compartilhamos da conclusão desse
relatório ao afirmar que os depoimentos mostram que o envio, necropsia e liberação
de corpos obedecia um ritual próprio, envolvendo geralmente as mesmas pessoas34.
Os médicos legistas e funcionários do IML, comprometidos em auxiliar a ditadura civil-
militar, colaboraram com a repressão na produção da documentação que omitia as
responsabilidades nos casos de torturas, mortes e até mesmo desaparecimento dos
militantes de esquerda.
O Volume III – Mortos e Desaparecidos Políticos do Relatório da Comissão
Nacional da Verdade (CNV)35 reconhece oficialmente 434 mortos e desaparecidos
políticos brasileiros no Brasil e no exterior entre o período de 18 de setembro de 1946
a 05 de outubro de 1988. Neste Volume, a CNV busca esclarecer as circunstâncias
das graves violações de direitos humanos praticadas em cada um desses casos e,
sempre que possível, apresenta as falsas versões oficiais divulgadas à época,
destacando suas incongruências. Em cumprimento à Lei nº 12.528 de 18 de novembro
de 2011 (que cria a CNV) os pesquisadores determinaram, quando identificadas pela
documentação consultada, as estruturas do comando repressor envolvido no caso, os
locais por onde a vítima passou, as instituições e autoria envolvidas na tortura, morte
e/ou desaparecimento. A partir dessa minuciosa pesquisa da CNV, sistematizamos
abaixo os médicos legistas citados pelo Volume III do Relatório da CNV identificados
por essa Comissão como autores de graves violações de direitos humanos por
emissão de laudos fraudulentos, ocultação de cadáveres, omissão ou alteração de
causa mortis.
MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE
Abeylard de Queiroz
Orsini (IML-SP)
Falsificação de laudo de Carlos Marighella; Alceri Maria Gomes da Silva;
Antônio dos Três Reis de Oliveira; Devanir José de Carvalho; Luiz Eduardo
da Rocha Merlino; Antônio Sérgio de Mattos; José Roberto Arantes de
Almeida; Ana Maria Nacinovic Corrêa; Iuri Xavier Pereira. Ocultação de
cadáver e Falsificação de laudo de Dimas Antônio Casemiro. Atesta laudo
falso de Luiz Hirata. Ocultação de informação das causas da morte de
Hiroaki Torigoe. Falsificação de laudo e Falsificação do atestado de óbito de
Alex de Paula Xavier Pereira; Gelson Reicher.
Almir Fagundes de
Souza (IML-RJ)
Alteração da causa mortis de Catarina Helena Abi Eçab.
Aloysio Fernandes
(IML-SP)
Falsificação de laudo de Eduardo Collen Leite.
34
Ibidem, p.172. 35
BRASIL. Relatório da CNV. Volume 3. Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília, 2014. 2014. Disponível em < http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf> Acesso em 20/07/2015.
13
MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE
Amadeu da Silva
Lopes (IML-RJ)
Alteração da causa mortis de Lourenço Camelo de Mesquita.
Antônio Dácio Franco
e Moraes (IML-SP)
Ocultação de cadáver, Ocultação de informação das causas da morte de
José Milton Barbosa.
Antonio Fernandes de
Oliveira (IML-CE)
Falsificação de laudo de Pedro Jerônimo de Souza.
Antônio Valentini
(IML-SP)
Falsificação de laudo de Fernando Borges de Paula Ferreira; Dorival
Ferreira; Antônio Sérgio de Mattos; Eduardo Antônio da Fonseca; Manoel
José Mendes Nunes de Abreu; Rui Osvaldo Aguiar Pfútzenreuter. Ocultação
de informação das causas da morte de Luiz Fogaça Balboni; Gerardo
Magela Fernandes Torres da Costa. Atesta laudo falso de Sônia Maria de
Moraes Angel Jones.
Ari Louzada Dias
(IML-DF)
Falsificação de laudo de Henrique Cintra Ferreira de Ornellas.
Arildo Toledo Viana
(IML-SP)
Falsificação de laudo de Vladimir Herzog.
Armando Cânger
Rodrigues (IML-SP)
Falsificação de laudo de Emmanuel Bezerra dos Santos; Vladimir Herzog.
Ocultação de cadáver e Alteração da causa mortis de Manoel Lisbôa de
Moura.
Arnaldo Siqueira
(Diretor do IML-SP)
Atesta laudo falso de Luiz Eduardo da Rocha Merlino; José Roberto Arantes
de Almeida; Francisco José de Oliveira; Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão;
Alexander José Ibsen Voerões; Lauriberto José Reyes; Luiz Eurico Tejera
Lisbôa. Ocultação de cadáver de Flávio Carvalho Molina.
Carmindo Moreira
Granja (Enfermeiro da
Cadeia Pública de
Natividade - TO)
Alteração da causa mortis de Ruy Carlos Vieira Berbert.
Cypriano Oswaldo
Mônaco (IML-SP)
Ocultação de informação das causas da morte de José Idesio Brianezi.
Décio Brandão
Camargo (IML-SP)
Falsificação de laudo de Eduardo Collen Leite.
Elias Freitas (IML-RJ)
Falsificação de laudo de Roberto Cietto; Eremias Delizoicov; Carlos Eduardo
Pires Fleury. Alteração da causa mortis de Aurora Maria Nascimento
Furtado.
Erasmo de Castro de
Tolosa (IML-SP)
Ocultação de informação das causas da morte de Marco Antônio Braz de
Carvalho.
Ernesto Eleutério
(IML-SP)
Ocultação de informações do laudo preliminar induzindo à alteração da
causa mortis de Gastone Lúcia de Carvalho Beltrão; Manoel Fiel Filho.
14
MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE
Frederico Idelfonso
Marri Amaral (IML-SP)
Ocultação de informação das causas da morte de Antônio Raymundo de
Lucena.
Geraldo Rebello
(IML-SP)
Alteração da causa mortis de Norberto Nehring.
Harry Shibata (IML-SP) Falsificação de laudo de Carlos Marighella; Luiz Hirata; Helber José Gomes
Goulart; Emmanuel Bezerra dos Santos; Vladimir Herzog. Falsificação de
laudo e Falsificação do atestado de óbito de Luiz José da Cunha.
Falsificação do atestado de óbito de José Ferreira de Almeida. Ocultação de
cadáver e Alteração da causa mortis de Manoel Lisbôa de Moura; Sônia
Maria de Moraes Angel Jones. Atesta a falsificação de laudo de Neide Alves
dos Santos.
Hélder Machado
Paupério (IML-RJ)
Falsificação de laudo de Merival Araújo.
Helena Fumie Okaijima
(IML-SP)
Alteração da causa mortis de Grenaldo de Jesus da Silva.
Hermes Rodrigues de
Alcântara (IML-DF)
Falsificação de laudo de Henrique Cintra Ferreira de Ornellas.
Hygino de Carvalho
Hércules (IML-RJ)
Falsificação de laudo de Eremias Delizoicov. Falsificação do atestado de
óbito de José Raimundo da Costa.
Irany Novah Morais
(IML-SP)
Ocultação de informação das causas da morte de Luiz Fogaça Balboni.
Isaac Abramovitch
(IML-SP)
Falsificação de laudo de Luiz Eduardo da Rocha Merlino; Eduardo Antônio
da Fonseca; Manoel José Mendes Nunes de Abreu; Hélcio Pereira Fortes;
Frederico Eduardo Mayr; Alexander José Ibsen Voerões; Lauriberto José
Reyes; Rui Osvaldo Aguiar Pfútzenreuter; Ana Maria Nacinovic Corrêa; Iuri
Xavier Pereira; João Carlos Cavalcanti Reis; Carlos Nicolau Danielli; Arnaldo
Cardoso Rocha; Francisco Emanuel Penteado; Francisco Seiko Okama;
Alexandre Vannucchi Leme; Ronaldo Mouth Queiroz. Ocultação de
informação das causas da morte de Hiroaki Torigoe; Gastone Lúcia de
Carvalho Beltrão; José Júlio de Araújo. Falsificação de laudo e Falsificação
do atestado de óbito de Alex de Paula Xavier Pereira; Gelson Reicher.
Alteração da causa mortis de Antônio Benetazzo.
Ivan Nogueira Bastos
(IML-RJ)
Falsificação do atestado de óbito de José Raimundo da Costa.
Jair Romeu (Chefe do
Necrotério do IML-SP)
Ocultação de cadáver. Encaminhou o corpo para sepultamento sem
comunicar a família de Dênis Casemiro; Francisco José de Oliveira; José
Milton Barbosa; Alex de Paula Xavier Pereira; Gelson Reicher; Iuri Xavier
Pereira; José Júlio de Araújo. Atesta a alteração da causa mortis de Luiz
Hirata.
15
MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE
João Grigorian
(IML-SP)
Ocultação de informação das causas da morte de Raimundo Eduardo da
Silva.
João Pagenotto
(IML-SP)
Falsificação de laudo de Alceri Maria Gomes da Silva; Antônio dos Três Reis
de Oliveira; Devanir José de Carvalho; Ocultação de cadáver e Falsificação
de laudo de Dimas Antônio Casemiro.
Jorge Nunes
Amorim (IML-RJ)
Falsificação de laudo de Antônio Carlos Nogueira Cabral.
José Antônio de Mello
(IML-SP)
Ocultação de informação das causas da morte de Manoel Fiel Filho.
José Carlos da
Costa Ribeiro (IML-CE)
Falsificação de laudo de Pedro Jerônimo de Souza.
José Guilherme
Figueiredo (IML-RJ)
Falsificação de laudo de Roberto Cietto. Ocultação de cadáver e Falsificação
do atestado de óbito de Mário de Souza Prata.
José Henrique da
Fonseca (IML-SP)
Ocultação de cadáver, Ocultação de informação das causas da morte e
Falsificação de laudo de Francisco José de Oliveira; Flávio Carvalho Molina;
José Milton Barbosa; José Júlio de Araújo. Ocultação de informação das
causas da morte de Manoel Fiel Filho.
José Manella Netto
(IML-SP)
Falsificação de laudo de Carlos Roberto Zanirato.
Manoel Fabiano
Cardoso da Costa
(Médico da Delegacia
de Xambioá – TO)
Falsificação de laudo de Lourival Moura Paulino.
Lenildo Tabosa
Pessoa (IML-SP)
Falsificação de laudo de Hélcio Pereira Fortes.
Luiz Alves Ferreira
(IML-SP)
Falsificação de laudo de José Roberto Arantes de Almeida.
Marcos de Almeida
(IML-SP)
Falsificação do atestado de óbito de José Ferreira de Almeida.
Maria Lima Lopes
(Enfermeira da Cadeia
Pública de Natividade -
TO)
Alteração da causa mortis de Ruy Carlos Vieira Berbert.
Mario Nelson Mattos
(IML-SP)
Ocultação de informações do laudo preliminar induzindo à alteração da
causa mortis de José Roberto Arantes de Almeida. Ocultação de cadáver,
Ocultação de informação das causas da morte e Falsificação de laudo de
Francisco José de Oliveira.
16
MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE
Mário Santalúcia
(IML-SP)
Ocultação de informação das causas da morte de Joaquim Câmara Ferreira.
Neyde Teixeira
(Departamento de
Medicina Legal-MG)
Falsificação de laudo e Ocultação de informação das causas da morte de
Aldo de Sá Brito Souza Neto.
Olympio Pereira da
Silva (IML-RJ)
Falsificação de laudo de Antônio Carlos Nogueira Cabral.
Onildo B. Rogeno
(IML-SP)
Atesta laudo falso de Luiz Hirata.
Orlando José Bastos
Brandão
(IML-SP)
Ocultação de informação das causas da morte de Marco Antônio Braz de
Carvalho; Antônio Raymundo de Lucena; Raimundo Eduardo da Silva.
Falsificação de laudo de Carlos Roberto Zanirato; João Carlos Cavalcanti
Reis; Arnaldo Cardoso Rocha; Francisco Emanuel Penteado; Francisco
Seiko Okama; Alexandre Vannucchi Leme; Ronaldo Mouth Queiroz; Luiz
José da Cunha; Helber José Gomes Goulart. Ocultação de cadáver e
Falsificação de laudo de Luiz Eurico Tejera Lisbôa. Alteração da causa
mortis de Antônio Benetazzo.
Otávio D’Andrea
(IML-SP)
Falsificação de laudo de Dorival Ferreira. Ocultação de cadáver e
Falsificação de laudo de Luiz Eurico Tejera Lisbôa. Ocultação de informação
das causas da morte Gerardo Magela Fernandes Torres da Costa.
Paulino de Paula
Almeida (IML-SP)
Falsificação do atestado de óbito de José Maria Ferreira de Araújo.
Paulo Augusto de
Queiroz Rocha
(IML-SP)
Ocultação de informação das causas da morte de José Idesio Brianezi;
Joaquim Câmara Ferreira. Ocultação de cadáver e Falsificação de laudo de
Joelson Crispim; Alteração da causa mortis de José Maria Ferreira de
Araújo; Falsificação de laudo de Dênis Casemiro; Carlos Nicolau Danielli.
Pedro Sarillo (IML-RJ)
Alteração da causa mortis de João Antonio Santos Abi Eçab e Catarina
Helena Abi Eçab.
Pérsio José Ribeiro
(IML-SP)
Falsificação de laudo de Hamilton Fernando Cunha.
Renato Cappellano
(IML-SP)
Falsificação de laudo de Dênis Casemiro. Ocultação de cadáver e Ocultação
de informação das causas da morte de Flávio Carvalho Molina.
Roberto Blanco dos
Santos (IML-RJ)
Falsificação de laudo de Merival Araújo. Alteração da causa mortis de
Lourenço Camelo de Mesquita.
Rubens Pedro Macuco
Janine (IML-RJ)
Falsificação do atestado de óbito de Marilena Villas Boas Pinto. Alteração da
causa mortis de Raul Amaro Nin Ferreira.
17
MÉDICO LEGISTA RESPONSABILIDADE
Salim Raphael
Balassiano (IML-RJ)
Alteração da causa mortis de Aurora Maria Nascimento Furtado.
Samuel Haberkorn
(IML-SP)
Alteração da causa mortis de Norberto Nehring.
Sandoval de Sá
(IML- GO, hoje TO)
Ocultação de informação das causas da morte de Arno Preis Paraíso do
Norte.
Sérgio Belmiro
Acquesta (IML-SP)
Alteração da causa mortis de José Maria Ferreira de Araújo; Grenaldo de
Jesus da Silva.
Sérgio de Oliveira
(IML-SP)
Ocultação de cadáver e Falsificação de laudo de Joelson Crispim.
Vasco Elias Rossi
(IML-SP)
Atesta laudo falso de José Roberto Arantes de Almeida.
Vera Lúcia Junqueira
(Departamento de
Medicina Legal-MG)
Falsificação de laudo e Ocultação de informação das causas da morte de
Aldo de Sá Brito Souza Neto.
Walter Sayeg (IML-SP) Ocultação de informação das causas da morte de Gastone Lúcia de
Carvalho Beltrão. Falsificação de laudo de Frederico Eduardo Mayr;
Alexander José Ibsen Voerões; Lauriberto José Reyes.
LOCALIZAR OS DESAPARECIDOS POLÍTICOS: UM DEVER DO ESTADO
DEMOCRÁTICO
Conforme Relatório da Comissão Nacional da Verdade, resultado de dois anos
de intensas pesquisas no país inteiro, o regime civil-militar instaurado em 1964 levou à
morte de 434 pessoas36. Destas, 210 ainda seguem desaparecidas (o que significa
que os corpos jamais foram entregues às famílias) e 33 tiveram seu paradeiro
posteriormente localizado, permitindo serem enterrados conforme os desejos de seus
familiares, que, finalmente, puderam viver o luto dessa perda. O compromisso do
36
Destacamos que esse dado oficial, no entanto, não esgota o total de mortes causadas pela ditadura civil-militar, assim como não abarca a enorme quantidade de exilados e banidos que tiveram que abandonar o país sob o risco de vida. E somando-se às responsabilidades do Estado há ainda uma incalculável cifra de torturados. Também como não se pode deixar de dizer, esse número tampouco abarca as graves violações perpetradas contra camponeses e povos indígenas, o que resulta, portanto, em um quadro de violência generalizado no Brasil durante os 21 anos de governo militar que produziu um expressivo número de vítimas.
Tabela 01: Relação de médicos legistas e outros funcionários da área médica envolvidos em violações
de direitos humanos durante a ditadura civil-militar no Brasil. Todas as informações foram retiradas do
Relatório da CNV, Volume III - Mortos e Desaparecidos Políticos. Fonte: Governo Federal - Comissão
Nacional da Verdade, 2014.
18
Estado brasileiro na questão dos desaparecidos é de suma importância para garantir a
reparação às vítimas e à sociedade, uma vez que o Estado foi o responsável pelas
ocultações de cadáveres de opositores políticos e deve agora reconhecer sua
obrigação em localizar e identificar esses corpos, devolvendo-os às famílias. Esse é
um ponto fundamental do nosso processo democrático, sendo também, enfatizado
pela CNV:
[...] em alguns casos, familiares, por esforços próprios, conseguiram
encontrar o suposto local onde seus entes queridos encontravam-se
enterrados. Tal localização, contudo, não foi acompanhada de uma
plena identificação dos restos mortais que, destaca-se, é sempre um
ônus do Estado. Alguns casos em que familiares desenterraram
corpos que não correspondiam aos de seus entes queridos servem
para comprovação da importância de que o Estado realize a
identificação plena dos restos mortais dos desaparecidos políticos,
devendo-se supor que o enterro dos corpos em local diverso daquele
registrado nos documentos tenha integrado as estratégias de
ocultação de corpos pela ditadura militar. No caso brasileiro, a
maioria das pessoas desaparecidas foram enterradas como
indigentes, com nomes falsos ou em valas clandestinas e coletivas, o
que impõe ainda maiores obstáculos para a plena identificação dos
seus restos mortais37.
O Brasil, desde o seu processo de redemocratização iniciado em 1985, ratificou
os principais instrumentos internacionais de direitos humanos que proíbem, direta ou
indiretamente, a prática da tortura. A manutenção dos desaparecidos políticos no
Brasil democrático é uma situação que contraria esse compromisso assumido
internacionalmente, pois, como destaca a Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH), “os desaparecimentos forçados se constituem como uma forma múltipla e
continuada de violação de direitos humanos”38. Isso porque um desaparecimento não
se concretiza nem como vida nem como morte à família, o que a leva a uma busca
contínua por informações. “O empenho das famílias no sentido de localizá-los e dar-
lhes um túmulo é a tentativa de materializar um lugar para a ausência, é o combate
37
Relatório da CNV. Volume 1. Parte III. Capítulo 7. Quadro conceitual das graves violações, 2014, p.292. 38
Para mais informações ver: RODRÍGUEZ-PINZÓN, Diego e MARTIN, Claudia. A Proibição de Tortura e Maus-tratos pelo Sistema Interamericano. Um Manual para vítimas e seus defensores. Trad. Regina Vargas. Genebra/Suiça: World Organization Against Torture (OMCT), 2006. Disponível em < http://www.dhnet.org.br/dados/manuais/a_pdf/manual_omct_tortura_oea.pdf>; Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil. Sentença de 24 de novembro de 2010. Disponível em http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf. Acessos em 17/07/2015.
19
contra o esquecimento e pela possibilidade de, enfim, elaborar o luto”39. A situação
dos desaparecidos ainda cria, dentro de sua família, uma situação continuada de
trauma e dor. A psiquiatra Paz Rojas Baeza, que desenvolve seu trabalho junto aos
familiares que buscam o corpo de um ente desaparecido, ressalta exatamente que a
ausência de informações sobre o destino dos corpos tem provocado traumas agudos e
síndromes crônicas na família, sintomas que se agravam pela ausência de justiça e
impunidade40.
No contexto desse dever do Estado democrático de localizar os corpos dos
desaparecidos políticos da ditadura ainda há bastante a ser feito, mas também é
verdade que avançamos em alguns casos. Uma situação de grande repercussão
nacional sobre os desaparecidos ocorreu em São Paulo com a abertura, no ano de
1990, da vala clandestina no Cemitério Dom Bosco em Perus. Essa vala foi criada em
1976 e nela foram depositadas cerca de 1.049 ossadas, que permaneceram ocultadas
até a década de 199041. O relatório da CPI Perus/Desaparecidos da Câmara Municipal
de São Paulo destaca que a própria vala se manteve clandestina por vários motivos:
por não existir registro de sua criação; por ela ter sido aberta em uma área destinada a
construção de uma capela; por não ter sido demarcada como local de sepultamento;
por não ter sido incluída na planta do cemitério; por ter sido construída de forma
irregular (sem alvenaria); e por não registrar os corpos depositados na vala42. Em
depoimento à CPI, funcionários do Cemitério garantiram que “a vala foi aberta por
ordem transmitida pelo então administrador do cemitério, hoje falecido, e pelos fiscais
do SFM [Serviço Funerário Municipal] sem procedimento formal”43.
O relatório da CPI também conclui que o IML/SP teve participação na
conversão desse cemitério, inicialmente destinado a indigentes da região de Perus44,
39
REIS, Daniel Aarão e ROLLEMBERG, Denise. Desaparecidos Políticos. Portal Memórias Reveladas. Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil. Arquivo Nacional. Brasília. Em: < http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br/campanha/desaparecidos/>. Acesso em 17/07/2015. 40
BAEZA, Paz Rojas. La interminable ausencia. Estudio médico, psicológico y político de la desaparición forzada de personas. Santiago/Chile: LOM Ediciones, 2009, p.187. 41
Para uma leitura sobre o Cemitério Dom Bosco e a Vala ver o material produzido pelo Memorial da Resistência de São Paulo: Programa Lugares da Memória. Cemitério Dom Bosco. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível na página da instituição. 42
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, op.cit.; p.168. 43
Ibidem. 44
O sepultamento de um indigente pode estar relacionado tanto ao corpo de uma pessoa que não foi identificada ou não foi reclamada por ninguém, sendo o corpo encaminhado pelo IML ou pela Faculdade de Medicina; como pode estar relacionado a um serviço de auxílio social, geralmente designado a uma família que não possui recursos para sepultar o seu ente. Assim, a família procura por um cemitério público e a pessoa é enterrada como indigente, mas isso não significa dizer que a pessoa não será identificada no cemitério. Ver esclarecimento da CPI Perus/Desaparecidos. CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO, op.cit, p.157.
20
em um espaço de uso exclusivo dos corpos encaminhados pelo IML ou pela
Faculdade de Medicina.
A razão para a mudança encontra uma única explicação nos dois
depoimentos do Sr. Fabio Pereira Bueno, ex-diretor do CEMIT –
Departamento de Cemitérios. Houve entendimentos diretos com o
IML, na pessoa de Harry Shibata, então integrante da diretoria,
cumprindo solicitação do instituto de uso do cemitério para esse fim.
O motivo alegado seria maior facilidade de acesso45.
Quando o carro do IML chegava ao Cemitério os sepultadores perguntavam ao
policial Miguel Fernandes Zaninello, condutor do veículo, “tem alguém especial aí?”,
referindo-se aos corpos saídos do Deops e do DOI-Codi46. Sobre esses corpos, como
já mencionado por esta pesquisa, havia a intencionalidade de se manter sigilo e
muitos foram enterrados como indigentes mesmo chegando ao IML com identificação.
Como afirma a CPI Perus/Desaparecidos, sabia-se que neste cemitério estavam
enterrados pelo menos 13 corpos de presos políticos, 7 com nomes falsos e 6 que
possivelmente se encontravam na Vala Clandestina de Perus.
As ossadas encontradas na vala em 1990 foram encaminhadas ao
Departamento de Medicina Legal da Unicamp e as primeiras identificações
aconteceram após o fim da catalogação desse material. No dia 08 de julho de 1991
foram identificados os restos mortais de Sônia Maria Moraes Angel Jones e Antônio
Carlos Bicalho Lana (encontrados no cemitério Dom Bosco, fora da vala) e Denis
Antônio Casemiro (cujos restos mortais estavam na vala comum). No ano seguinte,
em 25 de junho de 1992, foram identificados: Frederico Eduardo Mayr (seus restos
mortais foram depositados na vala comum), Helber José Gomes Goulart (sepultado no
cemitério Dom Bosco, encontrado fora da vala)47. Alguns outros corpos foram
identificados posteriormente, mas esse número segue sendo, até o momento, irrisório
diante da quantidade de pessoas sepultadas como indigentes no cemitério Dom Bosco
e que estavam entre as 1.049 ossadas. Atualmente os trabalhos de identificação das
ossadas seguem sendo realizados pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Outro importante fator em relação aos desaparecidos políticos da ditadura é a
promoção da verdade a partir da abertura dos arquivos da repressão. O direito à
verdade é o direito fundamental a ser exercido por todo e qualquer cidadão de receber
e ter acesso às informações de interesse público que estejam em poder do Estado.
Este é um dever do Estado, que “deve revelar e esclarecer às vítimas, aos familiares e
45
Idem, p.166-167. 46
Idem, p.167. 47
Edição Especial 2001: Projeto Perus: passando a limpo. A história corrigida. Jornal Unicamp. Em: <www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/mar2001/ossopag4e5.html>. Acesso em 17/07/2015.
21
à sociedade as informações de interesse coletivo sobre os fatos históricos e as
circunstâncias relativas às graves violações de direitos humanos praticadas nos
regimes de exceção”48.
Os arquivos do IML são importantes fontes documentais para os familiares de
desaparecidos que podem acessar informações que os ajudem a localizar os corpos
de seus entes e rever as falsas versões de morte legitimadas pelos médicos legistas
colaboradores da ditadura. Mas os documentos produzidos por essa instituição
também são fundamentais para a sociedade como um todo, pois se constituem como
fontes de pesquisa para investigações sobre a colaboração de distintos setores sociais
com os órgãos envolvidos na repressão política, ampliando ainda mais o debate sobre
os alcances da ditadura civil-militar no país.
Em relação a esta sensível questão dos arquivos, destacamos os documentos
produzidos pelo Instituto Médico Legal de São Paulo. O relatório da CPI
Perus/Desaparecidos aponta que a Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos teve dificuldade de encontrar os documentos produzidos pelos
médicos legistas e que o arquivo referente à década de 70 está desaparecido ou em
partes destruído, provavelmente com a intenção de prejudicar a pesquisa sobre os
fatos ocorridos durante a repressão política. A Comissão de Familiares afirmou à CPI
que o acervo de fotos e negativos está quase todo destruído: “O álbum de fotos dos
cadáveres teve vários exemplares arrancados, justamente no lugar em que deveriam
estar presos políticos”49. Mas, mais recentemente (ao menos em relação ao arquivo do
IML/SP), a CNV conseguiu mapear e requisitar documentos da ditadura. Como afirma
o jornal O Globo, “os membros da comissão fecharam um acordo com o governador
Geraldo Alckmin para ter acesso a todos os documentos do período da ditadura e não
só aos arquivos públicos”50, o que demonstra alguns passos conquistados pela
sociedade brasileira em direção à conquista da memória e da verdade no país.
Nesta pesquisa o Instituto Médico Legal de São Paulo é considerado um lugar
de memória por sua vinculação a atos de repressão durante a ditadura civil-militar. As
ações dos médicos legistas, colaboradores da ditadura, resultaram em diversas
violações de direitos humanos e produziram instrumentos que ajudaram os agentes da
repressão a eximir suas responsabilidades em torturas, mortes e desaparecimentos de
muitas pessoas. O IML, sob a ação desses médicos, emitiu laudos fraudulentos,
48
DOS SANTOS, Claiz Maria Pereira Gunça e SOARES, Ricardo Maurício Freire. As Funções do Direito à Verdade e à Memória. Revista Brasileira de Direito Constitucional, n.19, jan./jun. 2012, p.273. 49
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. loc. cit, p.173. 50
FARAH, Tatiana. São Paulo abre arquivos à Comissão da Verdade. O Globo. 18 de julho de 2012. Disponível em: < http://oglobo.globo.com/brasil/sao-paulo-abre-arquivos-comissao-da-verdade-5518136>. Acesso em 17/07/2015.
22
ocultou cadáveres e falsificou a causa mortis de diversos jovens que lutavam por
acreditar na liberdade e na democracia para o país. A partir dessas violações, o IML
atuou no sentido de aumentar ainda mais as angústias dos familiares dos mortos e
desaparecidos políticos, que tiveram o seu direito essencial ao luto negado pela
ausência permanente do corpo. Aos familiares coube a luta pela abertura desses
arquivos e a revelação da verdade sobre a cooperação entre médicos do IML e a
repressão militar entre 1964-1985.
ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES: Uma apuração sobre as atividades do Instituto Médico Legal de São Paulo foi
realizada durante a investigação da CPI Desaparecidos que investigou os
responsáveis e a origem das 1.049 ossadas encontradas em uma vala comum no
Cemitério Dom Bosco do bairro de Perus, em 1990; os documentos dos arquivos do
IML acessados e depoimentos colhidos para a CPI resultaram, em um primeiro
momento, na transferência dos trabalhos de identificação para a equipe de legistas da
Universidade de Campinas (Unicamp) e agora segue aos cuidados da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
Em relação ao funcionamento do IML, o que se observa é a precarização das
condições de trabalho. O pesquisador Lorenzo Aldé associa essa precarização a um
“processo histórico e estrutural, que compromete, em maior ou menor grau, o
rendimento de todos os setores da instituição”, ou seja, vai desde a estrutura física
como mobiliário, instrumentos de trabalho (materiais de necropsia, produtos químicos,
uniformes e equipamentos de segurança em especial nos laboratórios e na necropsia)
até a “má conservação, o improviso e a inadequação das condições de trabalho em
relação às funções sociais e jurídicas exigidas da instituição”51. Aldé, afirma que o
órgão foi relegado à sombra do aparato principal do Governo, “que centralizou na
hierarquia militar as principais responsabilidades estatais, incluindo a Justiça e a
Polícia. O endurecimento do regime, a partir de 1968 [...] tirou de cena parte dos
recursos humanos que davam vida intelectual ao IML”52. Essa política do governo
militar de valorização dos meios de repressão acabou por gerar na instituição um
gradativo sucateamento em seu corpo de funcionários e em sua estrutura física de
trabalho.
51
Idem, p.145. 52
ALDÉ, Lorenzo. Ossos do ofício. Processo de trabalho e saúde sob a ótica dos funcionários do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública). Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2003, p.22.
23
ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA
O Memorial da Resistência possui um programa especialmente dedicado a registrar,
por meio de entrevistas, os testemunhos de ex-presos e perseguidos políticos,
familiares de mortos e desaparecidos e de outros cidadãos que
trabalharam/frequentaram o antigo Deops/SP. O Programa Coleta Regular de
Testemunhos tem a finalidade de formar um acervo, cujo objetivo principal é ampliar o
conhecimento sobre o Deops/SP e outros lugares de memória do Estado de São
Paulo, divulgando, desta forma, o tema da resistência e repressão política no período
da ditadura civil-militar.
- Produzidas pelo Programa Coleta Regular de Testemunhos do Memorial da
Resistência
SEIXAS, Ivan Akselrud de. Entrevista sobre militância, resistência e repressão
durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista
concedida a Karina Alves Teixeira e Ana Paula Brito em 19/11/2014.
SILVA, Ilda Martins da. Entrevista sobre militância, resistência e repressão
durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista
concedida a Karina Alves Teixeira e Paula Salles em 18/03/2014.
Outras entrevistas
SHIBATA, Harry. O jornalista José Nêumanne Pinto conversa com o legista Harry
Shibata, diretor do Instituto Médico Legal de São Paulo entre 1976 e 1983. Dossiê
Shibata. Jornal do Brasil. São Paulo, 09 de novembro de 1980.
FILMES E/OU DOCUMENTÁRIOS
Documentário: Vala Comum. Direção de João Godoy. 1994. Sinopse: O
documentário discorre sobre o processo de descoberta das ossadas de militantes
políticos que combateram a ditadura e que foram enterradas na vala comum do
cemitério de Perus, em São Paulo. Apresenta ao telespectador entrevistas com
familiares e imagens históricas do processo de resgate e análise das ossadas.
Documentário: Mártires Anônimos: Vala de Perus – 20 Anos em Busca de
Respostas. Direção de Mainary Moura do Nascimento, Janaina Martins de Oliveira e
Maria Aparecida Alves da Silva. Sem ano. Sinopse: Apresenta o processo de
descoberta e identificação das ossadas dos mortos e desaparecidos políticos
encontrados na Vala Clandestina de Perus.
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Filme: Corpo. Direção de Rossana Foglia e Rubens Rewald. 2007. Sinopse: O
cenário do filme é um necrotério e o protagonista da história é Artur, médico legista
que tem como passatempo analisar as pessoas e teorizar sobre as causas de suas
mortes. Um dia, ao analisar o corpo de uma mulher, encontrado junto com ossadas de
desaparecidos políticos, Artur conclui que ela tinha sido morta na mesma época que
os outros, mas que estranhamente seu corpo ficou conservado por mais de 30 anos. O
problema é que ele não consegue descobrir nenhuma pista sobre quem é a mulher
misteriosa e acaba recebendo um ultimato de sua chefe: caso ela não seja identificada
em 24 horas, será enterrada como indigente.
REMISSIVAS: Deops/SP; DOI-Codi; Cemitério Dom Bosco - Vala de Perus;
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP).
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REFERÊNCIAS
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funcionários do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado
em Saúde Pública). Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro, 2003.
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decorrentes de tortura. Brasília, 2014. Disponível em < http://www.cnv.gov.br/>.
Acesso em 20/07/2015.
BRASIL. Relatório da CNV. Volume 3. Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília,
2014. 2014. Disponível em <
http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_3_digital.pdf> Acesso em
20/07/2015.
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. CPI Perus/Desaparecidos. Relatório da
Comissão Parlamentar de Inquérito. In: Desaparecidos Políticos um capítulo não
encerrado da História Brasileira. INSTITUTO MACUCO. São Paulo: Ed. do Autor,
2012, p. 172.
COELHO, Carlos Alberto de S. e JORGE JR, José Jarjura (orgs.). Manual Técnico-
Operacional para os Médicos-Legistas do Estado de São Paulo. CREMESP: São
Paulo.
GARRIDO, Rodrigo Grazinoli e GIOVANELLI, Alexandre. Criminalística: origens,
evolução e descaminhos. Cadernos de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia: Vitória da Conquista, ano 4, n.6, jul./dez. 2006.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Legislação. Assembleia Legislativa do
Estado de São Paulo. Departamento de Documentação e Informação. Disponível em
< http://www.al.sp.gov.br/leis/>. Acesso em 14/07/2015.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Instituto Médico Legal. Polícia Científica.
Disponível em: <http://www.policiacientifica.sp.gov.br/iml-instituto-medico-legal/>.
Acesso em 15/07/2015.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Organograma. Secretaria de Segurança
Pública. Disponível em
<http://www.ssp.sp.gov.br/institucional/organograma/organograma_sptc.aspx>.
Acesso em 15/07/2015.
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JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios na Operação
Bandeirantes e no DOI de São Paulo (1969-1975). Tese (Doutorado em História
Social). FFLCH. Universidade de São Paulo: São Paulo, 2008, p.272.
MAGALHÃES, Teresa. Introdução à Medicina Legal. Faculdade de Medicina.
Universidade do Porto/Portugal, 2003/2004, p.1-28. Disponível em <
http://medicina.med.up.pt/legal/IntroducaoML.pdf>. Acesso em 15/07/2015.
MUAKAD, Irene Batista. A Medicina Legal: evolução e sua importância para os
operadores do Direito. Universidade Mackenzie. Faculdade de Direito. São Paulo,
2013. Disponível em < http://goo.gl/27aNlQ>. Acesso em 15/07/2015.
COMO CITAR ESTE DOCUMENTO: Programa Lugares da Memória. Instituto
Médico Legal (IML/SP). Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2015.