Memoria_educacao_ Amancio Costa Pinto

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  • MEMRIA, COGNIO E EDUCAO: IMPLICAES MTUAS *

    Amncio da Costa PintoFaculdade de Psicologia e de C. da Educao - Universidade do Porto

    Resumo

    Os conhecimentos adquiridos no sistema escolar e usados ao longo da vida requerem um sistema dememria eficiente sob pena de serem inteis. Este artigo uma reviso de alguns dos principais factoresque afectam as fases de aquisio, reteno e recordao de informao e conhecimento, analisados nombito da memria humana e do sistema cognitivo. As fases de aquisio, reteno e recordao sointerdependentes, porque o conhecimento actual de uma pessoa influencia no s a aquisio de novasinformaes e conhecimentos, mas tambm o modo como a informao adquirida organizada parareteno e recordao futura.

    PALAVRAS-CHAVE: Memria, aprendizagem, educao, factores cognitivos, tipos e provas de memria.

    1. INTRODUO

    Uma das funes primordiais do sistema escolar a transmisso e aquisio de conhecimentos evalores. Tanto os pais como a sociedade em geral esperam que os alunos na escola aprendam alguma coisado que ensinado e que sejam capazes de recordar mais tarde uma parte significativa do que aprenderam.Este conhecimento escolar muitas vezes considerado uma condio para se avaliar quando algum est ouno apto a exercer uma profisso ou a desempenhar certas tarefas, um meio essencial para se tomar decisesesclarecidas no dia a dia e um requisito para se frequentar cursos superiores mais avanados. Neste sentido aescola tem ainda por funo avaliar de forma precisa a extenso e o tipo de conhecimentos adquiridos e queso objecto de recordao.

    As investigaes realizadas no mbito da psicologia cognitiva nas reas da aprendizagem e memriahumanas tm implicaes importantes a nvel escolar.

    Numa perspectiva cognitiva, a aprendizagem concebida em termos de aquisio de novasinformaes e a sua integrao no conjunto de conhecimentos existentes. Aprender porm no se limitaapenas aquisio de novas informaes, mas tem ainda por objectivo corrigir, aprofundar, alargar ereorganizar a nossa base de conhecimentos existentes. Neste contexto, a aprendizagem no independentedos outros processos mentais de ateno, percepo, memria e raciocnio, sendo o conhecimento de quesomos portadores o resultado da mediao mais ou menos coordenada dos vrios processos cognitivos.

    A aprendizagem e a memria tem sido estudadas e apresentadas separadamente em muitos manuaisescolares devido aos diversos tipos que a aprendizagem e o conhecimento implicam. Mas a aprendizagem ememria so interdependentes. Esta interdependncia ocorre porque a estrutura e significado do material-a-ser-aprendido est em grande parte dependente do conhecimento actualmente retido na memria, isto ,daquilo que a pessoa j sabe e capaz de recordar. O actual conhecimento de uma pessoa no s influencia aaprendizagem de novos conhecimentos e informaes pelo aprendiz, mas tambm o modo como o materialser organizado para reteno e recuperao futura.

    * Publicao: [Pinto, A. C. (2001). Memria, cognio e educao: Implicaes mtuas. In B. Detry e F. Simas(Eds.), Educao, cognio e desenvolvimento: Textos de psicologia educacional para a formao deprofessores (pp. 17-54). Lisboa: Edinova]. Faculdade de Psicologia, Universidade do Porto, R. Campo Alegre,1055, 4169-004 Porto, Portugal. Estudo realizado no mbito do Projecto FCT, n 113/94.

  • 2Para melhor se compreender cientificamente a memria humana tm sido adoptadas diferentesperspectivas. As perspectivas mais frequentes podem designar-se por perspectiva estrutural e a perspectivaprocessual. Segundo a perspectiva estrutural, a memria seria constituda por vrios sistemas responsveispelo armazenamento e reteno da informao quer a curto prazo quer a longo prazo. Segundo a perspectivaprocessual, a informao daria entrada na memria (aquisio), permanecia l durante um certo tempo(reteno) e por fim seria usada ou recordada (recordao).

    Numa analogia entre a memria humana e uma grande biblioteca, podem-se detectar as seguintessimilaridades de processos: Os livros do entrada na biblioteca, so catalogados e uma ficha elaborada(aquisio e codificao da informao na memria), depois so colocados na prateleira de uma estante(processo de armazenamento e reteno na memria) e posteriormente so requisitados e usados pelo leitor(processo de recuperao e recordao na memria).

    A perspectiva processual parece-me bastante adequada para se compreender melhor os factores queafectam a aprendizagem e a memria e os processos cognitivos envolvidos. Uma anlise mais desenvolvidados processos de aquisio, reteno e recordao no mbito do processamento da informao e doconhecimento escolar ser apresentada a seguir.

    2. AQUISIO: ENTRADA DA INFORMAO NA MEMRIA

    Os processos de aquisio da informao permitem a criao de uma representao interna daestimulao sensorial de forma a ser armazenada na memria. A natureza desta representao estariadependente dos processos de ateno, repetio e prtica, profundidade de processamento, organizao,formao de imagens e tipo de crenas cognitivas subjacentes. Uma anlise mais detalhada de cada umdestes factores e processos apresentada a seguir.

    2.1. Ateno

    Para se aprender alguma coisa preciso primeiro prestar ateno e prestar ateno significa antes demais seleccionar um ou mais estmulos de entre os muitos que nos rodeiam de modo a poderem serprocessados de forma mais vasta e profunda em momentos posteriores, se tal for considerado conveniente. Acada instante o ser humano bombardeado com inmeras informaes, quer externas provenientes do meioambiente, quer internas provenientes do prprio organismo. O processamento de todas estas informaes manifestamente impossvel, de modo que uma seleco do que mais relevante dever ser efectuada a cadamomento. A ateno implica portanto uma seleco de estmulos entre os muitos que poderiam atrair aateno e por outro um esforo de controlar a informao irrelevante e concorrente de forma a permitir aconcentrao no processamento da informao considerada til.

    No mbito da ateno, h duas questes importantes que podem ser consideradas. Primeiro, o queleva um estmulo ou actividade a ser seleccionada em detrimento de outra? Segundo, possvel realizar maisdo que uma tarefa ao mesmo tempo? H vrios factores que podem atrair a ateno de uma pessoa,nomeadamente o nmero de estmulos, a familiaridade, similaridade, a novidade, o imprevisto e acomplexidade.

    O nmero de estmulos a que num instante se pode prestar ateno bastante limitado, podendoaumentar ou diminuir conforme o grau de familiaridade. Assim, por exemplo, numa discusso ou debateno possvel seguir e compreender os argumentos de quatro pessoas se todas comearem a falar ao mesmotempo. Apenas os argumentos de uma pessoa podem ser processados ou no caso do tema abordado serbastante familiar possvel que os temas abordados por mais do que uma pessoa possam ser atendidos.

    A similaridade das fontes de informao uma dificuldade acrescida na tarefa de prestar ateno,provocando interferncias mtuas e exigindo maiores recursos de processamento. Por exemplo, os estudantesso capazes de estudar um tema para exame numa sala com msica instrumental de fundo, mas tm maioresdificuldades com msica vocal. O tema de estudo e o tema da msica interferem entre si devido similaridade verbal, tornando mais difcil a tarefa de prestar ateno.

    A novidade de um estmulo ou o seu aparecimento imprevisto so factores que levam uma pessoa amudar de ateno, suspendendo a realizao da tarefa que estava a ser efectuada. Assim quando numambiente de uma aula um professor passa de um tom de voz monocrdico para um tom de voz subitamentemais alto, a ateno dos alunos, se nuns casos se apresenta dispersa, direcciona-se naquele instante para oque o professor diz. Do mesmo modo, quando numa aula toca inesperadamente um telemvel, a ateno dosalunos desvia-se do professor para o portador do telemvel.

  • 3A ateno um recurso cognitivo limitado e se uma tarefa bastante complexa, os recursosatencionais necessrios para a processar cabalmente ficam mais rapidamente esgotados. A ateno umrecurso limitado, mas no fixo. Atravs da prtica continuada e sistemtica possvel realizar uma tarefade forma cada vez mais automtica. Quando uma pessoa aprende a conduzir um automvel, a tarefa deconduo de tal ordem complexa que torna difcil conduzir e ao mesmo tempo seguir uma conversa ououvir as notcias do rdio. Com a prtica continuada o condutor capaz de conduzir, ouvir as notcias e atpensar no melhor percurso alternativo para chegar ao destino.

    Shiffrin e Schneider (1977) formularam uma distino importante entre processos automticos eprocessos esforados ou controlados. Os processos automticos exigem a atribuio de poucos recursos deateno e so realizados em paralelo com outros processos cognitivos ou actividades. Os processosesforados aplicam-se a tarefas que tm de ser realizadas de forma seriada, uma de cada vez, em virtude dosrecursos de ateno exigidos serem bastante elevados. Nestes casos a realizao da tarefa requer umacompanhamento consciente, sob o controlo directo da ateno da pessoa. A prtica torna progressivamenteautomtico o processamento de vrios estmulos e a realizao de vrias tarefas intermdias que inicialmenterequeriam esforo e controlo da ateno.

    Os limites da ateno so flexveis em funo do grau de prtica atingido na realizao de uma tarefa,mas no so ilimitados. Mesmo uma actividade que tenha sido objecto de uma prtica intensa e continuadae cuja realizao possa ser processada de forma bastante automtica como conduzir um carro, e ao mesmotempo prestar ateno e processar as notcias no rdio, manter uma conversa com a pessoa ao lado e estudaro melhor percurso para se chegar ao destino, verifica-se que estas actividades concorrentes tm de sersubitamente interrompidas se algo de inesperado acontece como a travessia sbita de um animal na via deconduo. Neste caso necessrio toda a ateno para a tarefa de conduo de modo a evitar o acidente,ficando suspensas todas as restantes tarefas que at a eram processadas em paralelo e de forma quaseautomtica.

    Na maior parte dos casos, o conhecimento adquirido numa situao escolar uma tarefa complexaimplicando grande parte dos recursos atencionais disponveis. O estudante tem de focar a ateno no que oprofessor diz e ao mesmo tempo tentar abstrair-se das informaes circundantes produzidas pelos colegas oupor rudos fora da sala. Na ausncia de um manual escolar de apoio, o estudante tem de realizar de formaeficaz duas tarefas simultneas: Compreender o que o professor diz e em seguida escrever o que de maisimportante acabou de ouvir. Se alm destas duas tarefas que realiza, o aluno tem ainda de pensar sobre oassunto de forma a pedir esclarecimentos para dvidas que surgem, evidente que os recursos atencionaisesto a ser usados nos limites da sua capacidade cognitiva de ateno. A tarefa de prestar ateno na aulatorna-se mais fcil quando o estudante est em presena de um manual que o professor acompanha e explica,evitando a tarefa de tirar notas detalhadas, podendo antes concentrar-se em sublinhar os pontos maisimportantes do programa.

    2.2. Espaamento, Repetio e Prtica

    O efeito de espaamento refere-se melhoria na reteno a longo prazo de apresentaes espaadas domesmo material escolar ou de outro tipo de material em relao a apresentaes compactas ou macias. Hmais de 100 anos Ebbinghaus (1885/1964) observou que a reteno de uma lista de materiais verbais,repetida seis vezes no mesmo dia, era inferior condio em que a lista era repetida uma vez por dia duranteseis dias.

    Este efeito tem sido reproduzido em vrias experincias, usando materiais verbais simples comoslabas sem significado, competncias motoras como dactilografia (e.g., Baddeley e Longman, 1978), atmateriais complexos como aulas de estatstica (e.g., Smith e Rothkopf, 1984). Smith e Rothkopf (1984)efectuaram um estudo em que apresentaram vdeos de estatstica a estudantes de acordo com duas condies:numa condio os vdeos de estatstica foram concentrados num dia; noutra condio foram distribudos porquatro dias. Os resultados obtidos indicaram que o nmero mdio de conceitos de estatstica correctamenteevocados foi superior na condio de espaamento (4 dias) em relao condio macia (1 dia).

    Um outro estudo interessante foi realizado por Bahrick e familiares (Bahrick et al., 1993) queefectuaram uma experincia para aprender 300 pares de palavras de lngua francesa e alem. A aprendizagemfoi realizada em 13 ou em 26 sesses, com intervalos entre sesses que variavam entre 14, 28 e 56 dias. Emcada uma das seis condies diferentes de aprendizagem, os participantes aprenderam 50 pares de palavrasinglesas e estrangeiras. O intervalo de reteno foi de um, dois, trs e cinco anos aps a aprendizagem terlugar. Este projecto teve uma durao mxima de nove anos, tendo em conta as condies de aprendizagem eintervalo de reteno de maior durao. Os resultados revelaram, entre outros aspectos, que o desempenhofoi melhor na condio em que o nmero de sesses de aprendizagem e o intervalo entre sesses (26, 56) eramaior e o pior desempenho foi obtido nas condies de grandeza menor (13, 14).

  • 4O resultado mais interessante porm foi o desempenho intermdio em relao aos resultados dascondies anteriores que se revelou equivalente entre a condio de 13 sesses e de 56 dias de intervalo e acondio de 26 sesses e de 14 dias de intervalo. Este estudo revelou no s o benefcio da prticadistribuda em termos de aprendizagem e reteno, mas tambm a existncia de programas de sesses e deintervalos de reteno, uns melhores e mais eficazes do que outros, considerando as perdas e ganhos emtermos de durao global. O conjunto destes estudos so um exemplo significativo do efeito positivo doespaamento da prtica e da repetio da informao no grau de reteno (e.g., Bahrick e Phelps, 1987;Dempster, 1996).

    2.3. Super-aprendizagem

    De acordo com as concluses de vrios investigadores, um dos factores que mais contribui para umamelhor reteno ou memria a longo prazo do conhecimento escolar o nvel de aprendizagem original. Istosignifica que, se a classificao obtida num curso ou numa disciplina for elevada, a memria desteconhecimento permanece em mdia durante muito mais tempo e numa percentagem mais elevada.

    Por exemplo, Bahrick (1984) efectuou um estudo com 753 americanos de vrias idades sobre osconhecimentos que adquiriram no passado sobre a lngua espanhola. Estes conhecimentos foram avaliadosem nove momentos diferentes, que iam desde o final da concluso do curso at passados 50 anos. Entreoutros aspectos, os resultados indicaram claramente que o conhecimento da lngua espanhola, ou seja amemria do espanhol, dependia do nmero de cursos frequentados e da classificao obtida. Se aclassificao obtida no curso de espanhol fosse baixa e o nmero de cursos frequentados reduzido, seriapossvel prever com grande segurana que o esquecimento seria elevado no futuro e o uso e aplicao que osparticipantes do curso de espanhol podiam vir a fazer no futuro do conhecimento adquirido nos cursos erareduzido ou nulo.

    2.4. Profundidade de Processamento

    Quando a prtica repetida no possvel ou os curricula no prevem sistemas peridicos derepetio, os estudantes podem beneficiar, em alternativa ou em acrscimo, do processamento da informaorecebida.

    Segundo o modelo dos nveis de processamento proposto por Craik e Lockhart (1972), a informao adquirida e retida de modo mais permanente quando o processamento da informao mais profundo. Ograu de profundidade maior quando as palavras so analisadas em termos de significado, e menor quandoas palavras so analisadas pelas suas caractersticas fsicas ou fonolgicas.

    Assim numa experincia com listas de palavras, os estudos de processamento de informao verbalrevelaram que o processamento semntico (e.g., a palavra forte significa o mesmo que valente?), produz ummelhor desempenho de memria do que processamentos de tipo fonolgico (e.g., a palavra jornal rima comcartaz?), ou do que o processamento de tipo fsico (e.g., a palavra mido est escrita em maisculas?)conforme foi inicialmente demonstrado pelos estudos de Craik e Tulving (1975).

    Estudos posteriores demonstraram que o processamento em termos de significado poderia ainda serobjecto de diferentes nveis. Assim, mesmo que todas as palavras fossem processadas em termos designificado, aquelas palavras que tivessem sido enquadradas numa estrutura sintctica mais rica e elaboradaeram melhor retidas do que as palavras inseridas numa estrutura sintctica simples.

    A estrutura sintctica foi manipulada numa experincia em que a tarefa dos sujeitos era aprender apalavra RELGIO escrita a maisculas numa das frases seguintes: (1) Ele deixou cair o RELGIO; (2)O velho senhor atravessou a sala a coxear e pelo caminho levantou o lindo RELGIO que estavapousado na artstica mesa de mogno. Os resultados indicaram que a recordao era muito superior parapalavras inseridas numa estrutura sintctica rica e elaborada, expressa pela segunda frase, em comparaocom uma estrutura sintctica simples, expressa na primeira frase. Embora a palavra RELGIO tivesse sidoprocessada em termos de significado em ambos as frases, as diferenas de desempenho de memria forambastante substanciais, entre 40 e 80%. Assim o processamento semntico seguido na aquisio e codificaoda informao pode ser suplementado com um processamento mais extenso, elaborado e distintivo.

    Outros estudos realizados no mbito desta rea, revelaram ainda que o processamento da informao ainda mais profundo e o grau de reteno mais elevado, quando os materiais-a-ser-recordados so analisadose associados em relao personalidade da pessoa que os estuda ou a episdios por ela vivenciados. Emtermos de personalidade, uma pessoa pode processar a palavra relgio, por exemplo, em termos do agrado,prazer e valor do relgio que tem ou que gostaria de possuir; Em termos de episdio pessoal, pode associara palavra relgio com um episdio que ocorreu no passado com este objecto, por ex., o relgio de ouro

  • 5que recebeu em criana quando fez a comunho solene (e.g., Rogers, Kuiper, e Kirker, 1977; Symons eJohnson, 1997; Pinto, 1998a).

    Este tipo de estudos refere-se apenas a materiais simples e no relacionados, como palavras, mas oque se passar com materiais mais complexos, como texto, e em situaes de aprendizagem mais naturais,como a aprendizagem numa sala de aula ou uma reviso para exame? As experincias realizadas provaramtambm que um processamento mais profundo do material escolar tm um efeito marcante na reteno alongo prazo (e.g., Marton, Hounsell e Entwistle, 1984; Schmeck, 1988). Marton e Slj (1976) formularama distino entre uma abordagem superficial e uma abordagem profunda numa situao de aprendizagemescolar.

    Na abordagem superficial de aprendizagem, os estudantes aprendem os materiais ou adquireminformao de forma papagueada a fim de a regurgitar nos exames. Concentram-se nos exemplos dados emvez de prestarem ateno aos temas principais e princpios organizacionais. Quando esta estratgia adoptada, as consequncias so quase sempre uma reteno bastante reduzida a longo prazo e um usoimpraticvel da informao nas situaes quotidianas futuras. Em contraste, numa abordagem profunda osestudantes procuram pesquisar os temas e princpios fundamentais e depois relacion-los com as ideiaspreviamente adquiridas. Dir-se-ia que na abordagem superficial o estudante encara a tarefa de aprendizagemem termos de memorizao repetitiva e de cumprimento dos deveres escolares, enquanto que na abordagemprofunda, o estudante tem por objectivo compreender, relacionar e hierarquizar a informao recebida com ainformao prvia (e.g., Marton, 1988)

    As opes que os estudantes fazem por um processamento mais de tipo superficial ou mais de tipoprofundo raramente aparecem numa situao escolar de uma forma to extremada. Entre os dois polos hvariaes intermdias, patamares ou nveis de processamento: (1) repetio da informao escolar do tipocopiar, sublinhar e rever; (2) organizao, formando agrupamentos, gerando ttulos e fazendo esboos ediagramas; (3) elaborao da informao, formando imagens mentais, criando analogias, relacionando temasnovos com temas previamente conhecidos; (4) integrao da informao, reformulando um texto oudiscurso por palavras prprias, elaborando sumrios, diagramas e ndices integradores.

    As opes dos estudantes em termos de processamento da informao escolar podem ser por vezeslimitadas e at mesmo de uma fixidez confrangedora, mas tambm se verifica alguma variabilidade naabordagem de aprendizagem. As opes tomadas devem-se muitas vezes natureza da disciplina escolar e percepo pessoal ou da turma sobre o grau de exigncia e dificuldade do exame. Se a disciplina fcil e deinteresse reduzido, os estudantes evitam frequentemente o esforo extra que uma abordagem profunda requerem termos de processamento.

    2.5. Organizao

    Ao longo da vida as pessoas adquirem grandes volumes de informao, mas esta informao tempouca utilidade se no puder ser usada. Para facilitar o acesso rpido e uso apropriado, preciso organizar ainformao adquirida. Quando a nossa biblioteca era constituda por uma dezena de livros, no havianecessidade de estabelecer sistemas de organizao sofisticados. Bastava usar uma sistema simples deorganizao pondo todos os livros num canto, em vez de os espalhar pela casa toda. Mas medida que anossa biblioteca passa de uma dezena, para umas centenas ou milhares de publicaes e documentos, oacesso eficaz e rpido a este volume extenso de informao s possvel, se medida que um documentoder entrada na biblioteca for sujeito a um sistema de codificao eficaz, de forma a facilitar a recuperaofutura.

    A organizao da informao-a-ser-adquirida fundamental para uma boa recordao futura. Quantomelhor for a organizao da informao, melhor tende a ser o desempenho de memria. A organizao dainformao pode ser externa ou interna. A organizao externa imposta pelo meio de transmisso dainformao, como o professor que antes de iniciar a aula apresenta o plano da aula, o livro que no incio docaptulo refere os temas que vo ser abordados, ou o conferencista que apresenta um resumo no incio dacomunicao. A organizao interna ou subjectiva elaborada pela pessoa no acto de aprendizagem (Tulving,1962).

    Entre os muitos estudos que poderiam ser apresentados para se demonstrar os efeitos da organizaoexterna, o estudo de Danner (1976) ilustrativo. Danner (1976) apresentou a grupos de crianas dois textos,chamemos-lhe A e B, ambos formados por 12 pequenas frases sobre os hbitos de uma raposa. O texto Bincluiu as mesmas frases que o texto A, mas apresentava-as de forma melhor organizadas. No texto B ainformao foi agrupada em trs temas principais: (1) Qual o aspecto geral de uma raposa? (2) Onde vive araposa? (3) De que que a raposa se alimenta? No texto A, as 12 frases eram apresentadas numa ordem ao

  • 6acaso. Quando esta experincia foi realizada com crianas de 7, 9 e 11 anos, a recordao do texto B foisempre melhor em relao do texto A.

    Uma boa organizao externa facilita a aprendizagem, mas no condio suficiente. Uma boaaprendizagem requer o estabelecimento de uma organizao subjectiva ou interna das informaes oumateriais escolares que se pretende adquirir. A expresso organizao subjectiva foi proposta por Tulving(1962) numa experincia em que apresentou uma lista de 16 palavras no relacionadas a um grupo deestudantes. No final da primeira apresentao solicitou uma primeira evocao do maior nmero de palavrasapresentadas. Houve ainda uma segunda e terceira apresentaes das 16 palavras numa ordem semprediferente seguidas respectivamente de uma segunda e terceira fase de evocao. Tulving verificou que algunssujeitos agrupavam certas palavras em grupos e que estes grupos de palavras se mantinham e expandiam daprimeira evocao para a segunda e depois para a terceira evocao, apesar da ordem de apresentao daspalavras ser diferente de ensaio para ensaio.

    Nesta experincia, a organizao subjectiva manifestou-se porque os participantes evocavam aspalavras numa ordem pessoal, mas diferente da ordem apresentada e por outro evocavam certas palavras emgrupo, mesmo que tais palavras no apresentassem qualquer relao imediata aos olhos do experimentador.A tendncia para agrupar palavras no-relacionadas de uma lista to grande que mesmo palavras designificado bastante diferente e de difcil agrupamento so objecto de agrupamento por parte dosparticipantes em funo da sua experincia prvia. O agrupamento, ou organizao subjectiva, surge assimfortemente relacionado com situaes de aprendizagem e de recordao bem sucedida.

    2.6. Formao de Imagens

    Formar imagens de palavras, objectos e acontecimentos uma competncia bastante eficaz em termosde reteno. A habilidade para formar imagens, se for devidamente treinada e apurada, pode permitir aobteno de feitos espantosos no domnio da memria humana. Esta habilidade tem sido cultivada desde otempo dos gregos e romanos (e.g., Yates, 1966) e desde ento sempre se soube da existncia de vriaspessoas que se evidenciaram atravs dos seus dotes de memria. Um dos casos mais famosos o domnemonista S, descrito por Luria (1968), que era capaz de criar rapidamente uma imagem visual especficade nmeros, cores, sons ou qualquer outro fenmeno que experimentasse. Alm de vvidas e expressivas, asimagens formadas por S. eram frequentemente bizarras e especficas e envolviam experincias sinestsicas dedois ou mais sentidos.

    A eficcia das imagens tanto maior quanto mais as imagens forem bizarras, interactivas e cmicas.Formar uma imagem interactiva implica que os itens a recordar estejam intimamente relacionados; no bastauma simples relao, preciso obter-se uma interaco profunda. Assim por exemplo, a associao entre aspalavras livro-fontanrio pode ser feita a diversos nveis em termos de imagens a formar. Pode-se imaginarassim (1) um livro pousado sobre a borda de um fontanrio; (2) O cano do fontanrio em formato de livroaberto; (3) o cano do fontanrio parcialmente entupido com um livro preferido ou detestado por onde saemalgumas gotas de gua tingidas de tinta. Neste exemplo, o grau de interaco das duas palavras provavelmente maior em (3) do que em (2) ou (1).

    O exagero da situao, assim como o aspecto excntrico e bizarro da imagem aumenta bastante o graude singularidade e especificidade de um objecto to frequente e familiar como um livro. s vezes osaspectos bizarros e interactivos da imagem geram o riso pelo ineditismo da situao, outras vezes necessrio distorcer exageradamente a imagem ou acentuar particularmente um dos aspectos para que surja oelemento cmico da situao, maneira do caricaturista que distorce propositadamente elementos do rostode uma personalidade pblica. Formar imagens com estas caractersticas torna o processo de aquisio ecodificao bastante mais elaborado, facilitando a reteno futura do par de itens verbais.

    Os estudos experimentais realizados por diversos investigadores tm revelado sempre umasuperioridade ntida e consistente do grupo de sujeitos instrudos a formar imagens interactivas e bizarrasrelativamente a outros grupos de sujeitos que seguem instrues diferentes destas. Bower (1970), porexemplo, comparou o grau de reteno de trs grupos de sujeitos que foram instrudos a formar imagensinteractivas, imagens independentes ou a repetir vrias vezes o par de palavras apresentado. Os resultadosrevelaram que o grau de evocao do grupo de imagens separadas foi quase metade do grau de retenoobservado no grupo de imagens interactivas e praticamente semelhante ao grupo de repetio de palavras.Estes resultados demonstram que a instruo para formar imagens interactivas, quando usada comcompetncia e habilidade, pode proporcionar um grau de reteno superior em relao a outras estratgiasalternativas.

  • 72.7. Crenas Meta-Cognitivas

    Quando numa conversa se fala de aprendizagem ou inteligncia, ateno ou memria as pessoassabem de um modo geral do que se est a falar. Alm disto, as pessoas tm uma ideia, ou pelo menosimaginam o que significa, se algum inteligente, aprende bem ou tem uma boa memria. Em geral aspessoas tm crenas sobre o modo como funciona a mente humana e os diversos processos cognitivos efazem inferncias e suposies sobre qual o esforo necessrio para se gastar numa tarefa de aprendizagempara se ser bem sucedido.

    Tais suposies so muitas vezes inadequadas a ponto de levar ao abandono de novas tarefas comoacontece com idosos e mesmo com pessoas de meia idade que recusam aprender uma lngua nova oufrequentar um curso sobre computadores, alegando que Burro velho no toma andadura e se a toma poucodura ou Co velho no aprende habilidades novas. Crenas falsas ou inadequadas, como esto implcitasnestes ditados, podem levar ou ao abandono de uma tarefa ou ao planeamento de um esforo inadequadopara a resolver.

    Os conhecimentos de uma pessoa sobre o mbito e limites de funcionamento da mente humana e dosrespectivos processos cognitivos de ateno, aprendizagem, memria e raciocnio, constitui uma rea deinvestigao que conhecida por meta-cognio. Se as crenas pessoais sobre o funcionamento dosprocessos cognitivos forem inadequadas ou mesmo falsas, ento provvel que se verifique uma obstruona aprendizagem escolar.

    Crenas inadequadas entre potencialidades cognitivas de um estudante e as exigncias das tarefas deaprendizagem a realizar geram conflitos sobre os esforos a desenvolver face aos resultados que se espera vira obter. Assim um melhor conhecimento sobre as competncias mentais de cada um permite seleccionar asestratgias mais adequadas para a organizao, integrao e processamento profundo da informao,facilitando a integrao de materiais escolares novos com informaes anteriormente retidas na memria.

    Ser que os estudantes so capazes de prever as diferenas de desempenho numa tarefa escolar, seadoptarem uma estratgia cognitiva em vez de outra? Por exemplo, na tarefa de aprendizagem de listas depares de palavras, qual seria a estratgia mais adequada: A repetio, a categorizao, o processamentoepisdico ou a formao de imagens entre palavras? Shaughnessy (1981) perguntou a um grupo de jovensuniversitrios se a leitura de uma lista de 20 pares de palavras, tipo janela-livro seria melhor recordada, sedurante a leitura os estudantes repetissem vrias vezes cada par, se formassem uma imagem entre as palavrasdo par, ou ainda se estas duas estratgias de recordao eram ou no equivalentes?

    Os universitrios responderam que os resultados seriam semelhantes, quer seguissem um mtodoquer outro. No entanto, quando a experincia foi realizada, verificou-se que os estudantes que usaramimagens para associar os membros de cada par recordaram mais do dobro de palavras em relao ao grupoque leu repetidamente cada par. Esta experincia revelou no s a fixao e prevalncia da repetio por partede muitos universitrios, mas tambm o desconhecimento de estratgias de reteno mais eficazes como aformao de imagens. A superioridade da formao de imagens interactivas no evidente para a maior partedos estudantes que na maioria dos casos desconhecem as suas potencialidades.

    2.8. Aquisio e Integrao

    Em termos de aprendizagem, o processamento activo da informao por parte dos estudantes essencial. Para bem aprender preciso que, acima de tudo, os estudantes se comprometam activamente noprocesso de aprendizagem. Esta tarefa ser melhor sucedida se for guiada por um plano ou estratgia, onde seprocura adequar os recursos cognitivos e afectivos de cada um s exigncias do material a aprender. Asestratgias de aprendizagem so, portanto, planos para realizar com sucesso as tarefas escolares e osobjectivos da aprendizagem, tendo em conta os recursos cognitivos, afectivos e psicomotores de cada um(Pinto, 1998b).

    A opo por uma ou outra estratgia tem consequncias importantes em termos de aprendizagem ereteno a longo prazo. Assim, estratgias ou mtodos de repetio da informao escolar baseados naleitura, cpia e reviso so muito mais limitados do que as estratgias que usam a organizao, elaborao eintegrao da informao. A integrao da informao requer que o estudante seja capaz de reformular umtexto ou discurso por palavras prprias, hierarquizar os temas, elaborar sumrios, formar imagens mentais,criar analogias com conhecimentos prvios ou situaes do dia a dia, pensar, avaliar e criticar a informaode acordo com o conhecimento de que portador.

    As estratgias de aprendizagem profundas, como a elaborao e integrao da informao so mtodosque requerem esforo, mas um esforo que ter de ser feito pelo estudante. O professor j fez o esforo que

  • 8lhe competia: planeou e organizou a aula e provavelmente at recorreu tecnologia educativa maissofisticada para apresentar a informao escolar. Todavia o esforo do professor vale pouco se o estudanteno processar subjectivamente a informao de forma extensa e profunda (Pinto, 1997a).

    3. RETENO: PERMANNCIA DA INFORMAO NA MEMRIA

    Os processos de reteno ou processos de armazenamento so responsveis pela conservao dainformao na memria. No entanto a memria no um sistema nico, antes um sistema formado porvrias subsistemas ou componentes que armazenam conhecimentos de natureza diferente e durante perodosde tempo tambm diferentes. Os principais sistemas de memria so a memria a curto prazo (MCP) e amemria a longo prazo (MLP).

    3.1. Memria a Curto Prazo

    A MCP o sistema responsvel pelo processamento e permanncia temporria da informao paraefeitos de concluso das tarefas em curso. Este sistema tambm designado por memria primria, noseguimento da distino efectuada por William James (1890) e retomada por Waugh e Norman (1965).Devido dupla funo de reteno e processamento da informao, a MCP mais frequentemente designadapor memria operatria (Baddeley, 1986).

    A MCP um sistema limitado de reteno e armazenamento temporrio de informao. Os limitestemporais situam-se volta de alguns segundos e os limites de capacidade de informao, que se pode reterde modo integral e por ordem aps a respectiva apresentao, esto circunscritos em torno dos 5 a 9 itens(e.g., Miller, 1956; Baddeley, 1994). Esta capacidade varia com as pessoas e com as estratgias usadas e ainformao pode permanecer neste sistema durante mais tempo se for repetida. Este sistema com capacidadelimitada pode ser medido e avaliado atravs das provas de amplitude de memria de dgitos ou palavras(digit span, word span), a grandeza do efeito de recncia na curva de posio serial, a amplitude retroactivade nmeros (backward span), a tarefa de reconhecimento contnuo e a tarefa de busca de memria (scan task)de Sternberg (1966). De um modo geral, a capacidade de MCP aumenta progressivamente com a idade desdea infncia at adolescncia, estabiliza durante a vida adulta e diminui progressivamente nos idosos (Pinto,1985).

    A memria operatria (working memory) uma sistema de memria a curto prazo que vem sendodesenvolvido por Baddeley e colaboradores desde 1974 (Baddeley e Hitch, 1974; Baddeley, 1986).Baddeley (1986) definiu a memria operatria como "um sistema de armazenamento e manipulaotemporria da informao durante a realizao de um conjunto de tarefas cognitivas como a compreenso,aprendizagem e raciocnio" (p. 34).

    Por definio, as tarefas de memria operatria devem conter componentes de armazenamento,processamento activo e actualizao do material registado. Uma tarefa tpica de memria operatria requerque a pessoa armazene na memria uma poro limitada de informao e ao mesmo tempo execute outrasoperaes cognitivas, quer no material retido quer no material que est a ser processado. A tarefa deamplitude da memria operatria de Daneman e Carpenter (1980) uma das tarefas de memria operatriamais usadas tendo-se revelado um bom ndice de medida da capacidade da memria operatria em termos dereteno e processamento.

    A tarefa de Daneman e Carpenter consiste na apresentao sucessiva de pequenas frases que osparticipantes devem ler e depois reter a palavra final de cada frase. No fim da apresentao da srie depalavras, os participantes devem evocar por ordem a ltima palavra de todas as frases. Nesta tarefa comea-senormalmente por duas frases e depois vai-se aumentando gradualmente o nmero de frases at sete, um valorlimite em termos de desempenho mdio. Os resultados mdios so mais baixos do que na prova deamplitude de nmeros e situam-se em torno das 4 a 5 palavras.

    A capacidade da MCP limitada mas no fixa, e os limites mdios podem ser ultrapassados atravsda aplicao de estratgias adequadas e uma prtica continuada. Ericsson, Chase e Faloon (1980)descreveram o caso de Steve, um estudante universitrio dos EUA que foi capaz de aumentar o valor deamplitude de memria de 7 at quase 80 dgitos ao fim de 2 anos. No fim deste perodo de treino, Steve foicapaz de ouvir um nmero com 80 dgitos, formado ao acaso, e aps os 80 segundos que demorou aapresentao, recordar correctamente os 80 dgitos na ordem em que tinham sido apresentados. Uma anlisedos progressos verificados nesta prova revelou o uso e aplicao de quatro estratgias ou processos que sofundamentais no desempenho de uma tarefa: Codificao significativa, apelo crescente MLP, estruturao erapidez de processamento (e.g., Pinto, 1997b).

  • 93.2. Memria a Longo Prazo

    A memria a longo prazo (MLP) o sistema que armazena a informao e conhecimento durantelongos perodos de tempo. Devido diversidade de conhecimentos retidos na MLP, houve investigadores(e.g., Tulving, 1985) que propuseram sistemas especficos de MLP a fim de representar diferentes tipos deconhecimento: o conhecimento procedimental, o conhecimento semntico e o conhecimento episdico.Veja-se ainda Squire (1992).

    Segundo o modelo mono-hierrquico e piramidal de memria de Tulving (1985), a memriaepisdica situa-se no topo da hierarquia, a memria semntica numa posio intermdia, enquanto que amemria procedimental situa-se na base da pirmide. Um dos pressupostos deste modelo defende que umsistema superior no pode estar inclume com um sistema inferior deteriorado. Por outras palavras, nopode haver um sistema episdico inclume em pessoas com um sistema semntico danificado. Estespostulados no existem no modelo classificativo bi-hierrquico de provas de memria de Squire (1992) paraquem a memria episdica e memria semntica seriam avaliadas segundo provas de memria explcita, e amemria procedimental segundo provas de memria implcita.

    Tulving (1985, p. 387) definiu a memria episdica como a recordao consciente deacontecimentos pessoalmente vividos enquadrados nas suas relaes temporais. o sistema de memriamais especializado, o ltimo a desenvolver-se na infncia e o primeiro a deteriorar-se na velhice. As provastpicas de memria episdica so a evocao livre, a evocao seriada, a evocao auxiliada e oreconhecimento. De um modo geral o desempenho de memria mais baixo nas provas de evocao livre eseriada, mais alto nas provas de reconhecimento e intermdio nas provas de evocao auxiliada (e.g., Pinto,1998c).

    Tulving (1972, p. 386) definiu a memria semntica como uma enciclopdia mental doconhecimento organizado que uma pessoa mantm sobre palavras e outros smbolos mentais, tendo maistarde alargado o seu mbito para incluir o conhecimento do mundo de que um organismo seria portador(Tulving, 1985, p. 388). O conhecimento retido na memria semntica seria o conhecimento da lnguamaterna, o conhecimento de factos gerais, sabedoria e inteligncia prtica e o conhecimento geral do mundo,que na concepo da teoria psicomtrica de inteligncia de Cattell (1963) representaria a intelignciacristalizada. Conhecimento geral ou inteligncia cristalizada tm tendncia a aumentar at cerca dos 40 anos,estabilizar at aos 60 e diminuir a partir de ento (Schaie, 1994).

    As provas tpicas de memria semntica incluem provas de vocabulrio, tempo de latncia nanomeao de palavras e gravuras e o fenmeno da palavra debaixo da lngua. maneira da memriaepisdica, estas provas fazem apelo informao consciente, mas esta informao no est ligada a umcontexto autobiogrfico de natureza temporal e espacial.

    A memria procedimental constitui a base da pirmide dos sistemas de memria de Tulving (1985) ede acordo com um dos postulados deste modelo seria o sistema onde as deficincias de funcionamentoseriam mais difceis de detectar. A memria procedimental seria constituda por capacidades perceptivas emotoras que no decurso do tempo e com a prtica se transformaram em rotinas e hbitos e que de pouco ounada se tem conscincia. As componentes de hbitos e habilidades motoras da memria procedimentalrevelam um processo aquisitivo gradual e progressivo ao longo de vrios ensaios, enquanto que a activaoperceptiva (perceptual priming) revela-se num nico ensaio, sugerindo a possibilidade da memriaprocedimental ser constituda por componentes diferentes (Tulving e Schacter, 1990).

    A memria procedimental avaliada por meio de um conjunto de provas designadas por Graf eSchacter (1985) como provas de memria implcita, por Richardson-Klavehn e Bjork (1988) como provasindirectas e por Squire (1992) como provas de memria implcitas ou no-declarativas.

    As tarefas de memria implcita so constitudas por um grupo de tarefas que medem o desempenhode memria em situaes em que no h instrues directas para aprender ou recordar, mas que mesmoassim reflectem uma melhoria no desempenho observado. Em geral estas tarefas so constitudas poraprendizagens repetidas segundo o procedimento de Ebbinghaus, activao repetida e activao semntica,tarefas de aprendizagem motora, resoluo do problemas do tipo torre de Hani, tarefas de completao depalavras a partir de radicais ou fragmentos depois de terem sido previamente estudadas (e.g., Graf e Masson,1993).

    Muitas das capacidades, competncias e habilidades da memria procedimental so essenciais no diaa dia e em geral permanecem intactas medida que uma pessoa envelhece, mesmo quando a memriasemntica comea a dar sinais de enfraquecimento.

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    A referncia a trs subsistemas na MLP memria episdica, memria semntica e memriaprocedimental , apoiada a nvel neurolgico e at em estudos com idosos. Estudos realizados comtarefas de memria explcita e implcita revelaram a presena de dissociaes entre sistemas de memriarelacionados quer com desordens de memria quer com a idade, verificando-se que os amnsicos e os idososso afectados principalmente nas tarefas de memria explcita, e bastante menos nas tarefas de memriaimplcita.

    H casos de pacientes com a doena de Korsakoff que so incapazes de reconhecer a mulher e osfilhos na altura da visita ao hospital, mas conseguem dizer que esto perante uma mulher e crianas. Domesmo modo, no so capazes de reconhecer no incio da tarde o mdico ou a enfermeira com quempassaram a manh, mas so capazes de os identificar como homem e mulher. So doentes que revelam umtipo de conhecimento semntico, mas carecem do conhecimento episdico de que tal mulher num caso aesposa e no outro caso a enfermeira que o tratou durante a manh.

    Noutros casos graves de amnsia, o nico conhecimento recordado, embora de forma inconsciente, o conhecimento procedimental. H pacientes que no conseguem recordar de forma explcita qualquerinformao sobre uma pea musical, como o compositor, tema ou melodia ou mesmo execut-la, mas socapazes de toc-la correctamente aps ouvirem os primeiros compassos (Baddeley, 1989). Este tipo depacientes com desordens de memria a nvel episdico e semntico conseguem mesmo assim beneficiar dotreino e da repetio na aprendizagem de uma habilidade motora ou noutras tarefas de memria implcita,apesar de no terem qualquer conscincia da aprendizagem realizada.

    4. RECORDAO: BUSCA E USO DA INFORMAO

    Os processos de recuperao ou de recordao so responsveis pelo acesso informao adquirida eretida. Este acesso nuns casos imediato e automtico como a recordao do nosso nome e data denascimento, outras vezes mais difcil e demorado como a recordao dos nomes dos colegas da escolaprimria ou do nome da professora.

    opinio corrente, mesmo entre alguns estudiosos, que o que se recorda no dia a dia ou num examedepende do modo como a informao foi codificada, retida ou armazenada. Assim se a informao forcodificada ou processada de uma forma profunda, elaborada e extensa, ento a recordao ser mais fcil epossvel e o esquecimento ser menos provvel. (Este pressuposto esteve alis subjacente ao longo da secoanterior deste artigo intitulada Aquisio: Entrada da informao na memria que refere estudos que focamprincipalmente factores ao nvel da aquisio da informao).

    Tulving e colaboradores (e.g. Tulving, 1967; Tulving e Thomson, 1973; Tulving, 1983), emboragenericamente de acordo com esta hiptese, defenderam que a codificao por mais extensa e elaborada quefosse no era suficiente, se no se tivesse em conta os problemas relacionados com o processo de recuperaoou recordao. Sabe-se, por experincia prpria, que a reteno de certa informao no garantia da suarecordao em todas as circunstncias posteriores. Este facto traduz a distino importante proposta porTulving (1968) entre disponibilidade de informao (informao retida) e acessibilidade (possibilidade dainformao ser ou no recordada).

    De facto, h em cada momento mais informao retida do que aquela que possvel recordar. bempossvel at que a maior limitao da memria humana no seja tanto em termos de capacidade de reteno,mas antes em termos de capacidade de recordao. Por exemplo, acontece que os estudantes no conseguems vezes recordar-se da resposta a uma pergunta durante o tempo de exame, mas ao sarem da sala, ou poucotempo depois, a resposta ocorre sbita e inesperadamente. Isto indica que a informao estava disponvel namemria, mas por razes vrias no pde ser acedida ou recordada em devido tempo.

    Numa experincia realizada, Tulving (1967) apresentou uma lista de palavras (A) e depois requereutrs ensaios de evocao (E) seguidos (AEEE). O nmero de palavras recordadas em cada uma das provas deevocao permaneceu constante, mas as palavras recordadas no eram sempre as mesmas. Apenas metade daspalavras da lista foram recordadas em todos os trs ensaios, enquanto que a outra metade s vezes erarecordada, outras vezes no. Houve assim palavras que no foram recordadas no primeiro ensaio e passaram as-lo no segundo ou terceiro ensaios, enquanto que palavras recordadas no primeiro ensaio deixaram de s-lonos ensaios posteriores. Houve ainda palavras novas que foram evocadas pela primeira vez em cada um dostrs ensaios.

    O portugus Slvio Lima (1928) j tinha observado este fenmeno que designou por instabilidade doesquecido (vide Slvio Lima, 1928, p. 130). Para melhor caracterizar a "instabilidade do esquecido" Slvio

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    Lima usou at uma quadra popular: O que agora me lembra/ pode daqui a instantes esquecer-me/ como oque agora me esquece/ pode daqui a instantes lembrar-me. O esquecimento um processo instvel e ocorreprincipalmente ao nvel da recuperao.

    Os processos de recordao so responsveis pelo acesso informao retida na memria e incluem,entre outros, processos explcitos ou directos como a evocao e reconhecimento e processos implcitos ouindirectos como a reaprendizagem, completao de palavras e activao (priming). A reteno umacondio necessria para a recuperao (no se recorda o que no se sabe), mas no uma condiosuficiente.

    4.1. Tipos de provas e suas dificuldades

    O acesso informao ou conhecimento retido nos vrios sistemas de memria pode ser feito a partirde uma variedade de provas. Segundo Richardson-Klavehn e Bjork (1988) as provas de memria seriamclassificadas em provas directas e indirectas. Segundo Graf e Schacter (1985) a classificao seria entreprovas explcitas e implcitas e segundo Squire (1992) em provas declarativas (explcitas) e provas no-declarativas (implcitas). Actualmente os conceitos mais frequentemente usados em termos classificativosso provas explcitas e provas implcitas.

    As provas explcitas de acesso informao retida na memria seriam constitudas por procedimentosconscientes, deliberados e esforados de busca da informao, como se verifica nas provas de evocao livre,evocao seriada, evocao auxiliada (free, serial, cued recall) e nas provas de reconhecimento (recognition).As provas implcitas de acesso informao na memria seriam constitudas pela reaprendizagem,completao de radicais e fragmentos, por activao repetida, aprendizagens motoras, condicionamentoassociativo, e avaliao afectiva repetida.

    4.1.1.Provas explcitas de memria

    As provas de evocao requerem a recordao de uma lista de itens (palavras, sons, imagens, etc.)segundo condies, quer de total liberdade em termos de ordem de recordao (evocao livre), quer emcondies de recordao na ordem em que foram apresentadas (evocao seriada), quer ainda a partir de umelemento auxiliar (evocao auxiliada), como a primeira slaba da palavra, ou o primeiro membro de um parde palavras previamente apresentadas (e.g., o membro vento do par vento-casa).

    A prova de reconhecimento consiste na apresentao inicial de uma lista de cerca de 20 ou maispalavras (ou frases, sons, imagens, rostos, etc.) seguida por uma nova apresentao das palavras anterioresmisturadas com um nmero idntico de palavras novas. O reconhecimento, que habitualmente se apresentasob o formato de resposta sim ou no, a capacidade para identificar os itens iniciais ou antigos quandose fornece uma lista com itens alternativos misturados. Nestas experincias os itens podem ser palavras,gravuras ou imagens.

    A evocao e o reconhecimento so consideradas provas directas de memria, porque requerem umarecordao intencional e deliberada dos itens ou acontecimentos previamente verificados. A evocao livre a prova de memria em que o sujeito tem menos ndices de ajuda no acesso informao, e a prova dereconhecimento aquela em que o auxlio maior atravs da reposio da informao original. Na prova dereconhecimento, a informao original reposta juntamente com informaes novas, sendo a tarefa principala recordao da informao mais antiga. No entanto, a evocao pode ser facilitada atravs de ndices deajuda, como membros de um par, radicais de uma palavra ou apresentao de um item da mesma categoriaou significado parecido, designando-se neste caso por evocao auxiliada (cued recall).

    A evocao considerada uma prova que exige mais ateno e recursos cognitivos do que a prova dereconhecimento, porque a evocao envolve um menor apoio na busca e recuperao da informao. Asprovas que envolvem uma comparao entre evocao e reconhecimento revelam que o desempenho na provade reconhecimento situa-se normalmente por volta dos 80%, enquanto que o desempenho na prova deevocao situa-se na ordem dos 40%. O desempenho na prova de evocao auxiliada apresenta uma valorintermdio entre o reconhecimento e a evocao livre (e.g., Tulving e Watkins, 1973; Brown, 1976; Pinto,1998c). Os estudos seguintes so ilustrativos do desempenho geralmente obtido em provas deste tipo.

    Tulving e Watkins (1973) apresentaram a um grupo de sujeitos uma lista de palavras formada cadauma por cinco letras, tipo barco. O grau de reteno foi medido apresentando um nmero de letras variveldas palavras apresentadas durante a prova de memria, que ia de zero a cinco (por ex., -, b, ba, bar, barc,barco) a diferentes grupos de sujeitos. As seis condies tipificavam num dos extremos uma prova deevocao livre (-) e no outro extremo uma prova de reconhecimento (barco), com as quatro restantescondies intermdias a representar condies de evocao auxiliada. A percentagem de recordao variou

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    entre 25 e 85%. Como o grau de aquisio foi idntico em todas as condies, as diferenas de memriaobservadas resultaram do auxlio crescente no nmero de pistas fornecidas.

    Num experincia com alunos do ensino secundrio sobre reteno de material escolar relacionado comliteratura portuguesa e geografia, Pinto (1998c) comparou o desempenho de memria atravs das provas deevocao, evocao auxiliada e reconhecimento. Os resultados das provas de memria sobre conhecimento degeografia indicaram percentagens de evocao na ordem dos 25%, evocao auxiliada na ordem dos 50% e dereconhecimento na ordem dos 75%. Os resultados de portugus revelaram o mesmo padro de desempenho,embora um pouco melhores em termos percentuais.

    4.1.2. Provas implcitas de memria

    Nas provas implcitas, a memria avaliada indirectamente atravs dos efeitos no desempenho detarefas especficas, como a aprendizagem repetida, a activao repetida e a completao de palavras, entreoutras.

    A tarefa de aprendizagem repetida foi usada sistematicamente por Ebbinghaus (1885/1964) econsistiu, numa primeira fase, na aprendizagem de uma lista de slabas sem significado at um critrio derecordao de 100%. Numa segunda fase, normalmente passadas 24 horas, Ebbinghaus voltou a reaprender alista inicial e mediu o tempo que precisava para reaprender a lista at um critrio de 100%. O desempenhode memria, expresso atravs de uma frmula que tinha em conta o tempo inicial e o tempo dereaprendizagem, indicou que havia uma memria da aprendizagem efectuada na primeira fase, porque otempo necessrio para a reaprendizagem na segunda fase era sistematicamente inferior. Isto ocorria, mesmoquando no havia uma recordao consciente das slabas sem significado previamente retidas. Ebbinghausobservou ainda que o tempo necessrio de reaprendizagem estava inversamente dependente do nmero derepeties iniciais.

    A tarefa de reaprendizagem de Ebbinghaus pode considerar-se uma boa simulao experimental dasituao de reteno de contedos escolares a longo prazo. Quando um estudante aprende uma grandequantidade de contedos escolares nas diversas disciplinas que frequenta ao longo do sistema escolar,verifica-se que uma parte significativa desses contedos apenas esto acessveis na altura do exame dadisciplina, normalmente avaliada de acordo com uma prova de memria por evocao. Passados pormalgumas semanas, meses ou anos, a maior parte daquilo que foi aprendido numa disciplina escolar inacessvel memria em termos de recordao consciente atravs da prova de evocao, a menos que osrespectivos contedos tenham sido integrados em disciplinas posteriores. No entanto, se o desempenho forexpresso atravs do tempo de reaprendizagem da informao antiga, verifica-se com alguma surpresa umaaquisio rpida dos contedos que se julgavam esquecidos, revelando desta forma que a informao estavainicialmente inacessvel, mas com a reaprendizagem efectuada tornou-se acessvel em pouco tempo.

    Um outra tarefa de memria implcita muito usada nos tempos mais recentes a tarefa decompletao de palavras a partir de radicais ou fragmentos. Nesta prova os participantes inspeccionam, numaprimeira fase, uma lista de palavras na ausncia de instrues especficas para as memorizar (e.g., grade) edepois so confrontados, numa segunda fase, com uma lista de radicais das palavras (e.g., gra), queinclui a lista antiga mais uma lista nova, para indicarem a primeira palavra que lhes vem cabea (e.g.,graa, grande, grade, gralha?). De um modo geral, os estudos indicam que o desempenho de completaode palavras inicialmente inspeccionadas por um lado superior ao que seria de esperar pelo acaso, revelandoassim que h uma memria de uma situao passada, e por outro que as diferenas de memria entre jovens,idosos e pessoas que sofrem de amnsia so bastante reduzidas, uma descoberta considerada bastanteimportante (Graf e Schacter, 1985; Graf e Masson, 1993).

    4.2. Pistas de recuperao

    No contexto em que a aprendizagem tem lugar, os ndices e os elementos contextuais servem depistas e de indicadores para facilitar o acesso informao adquirida e retida. O contexto, como veremosadiante, pode ter componentes de natureza verbal, ambiental, corporal e emocional e o modo como ocontexto percebido determina o tipo de pistas e indicadores considerados eficazes na fase de recordao.

    Tulving e colaboradores (e.g., Tulving e Thomson, 1973) defenderam a posio que nenhumindicador, pista ou contexto, independentemente do maior ou menor grau de associao com o item-a-ser-recordado, poderia facilitar maximamente a evocao desse item, a menos que tivesse estado presente na faseda codificao. Assim na evocao da palavra FRIO no contexto FRIO-terra, a pista mais indicada paraaceder palavra frio ser terra e no a palavra quente apesar de ser uma palavra com um grau deassociao elevada porque na altura da codificao, a palavra FRIO foi codificada e percebida emassociao com terra e no com a palavra quente.

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    No seguimento de uma srie de experincias realizadas por Tulving e colaboradores, Tulving eThomson (1973) formularam o princpio da codificao especfica, que teria por base os seguintespostulados:

    1. O modo como os itens so percebidos afecta o modo como so retidos ou armazenados.

    2. Os indicadores seleccionados na altura da codificao determinam o tipo de indicadores quefacilitaro o acesso informao retida.

    3. Quanto maior for a concordncia entre os indicadores usados na fase de codificao e na fase derecuperao, melhores sero os resultados obtidos.

    O princpio ou hiptese de codificao especfica defende que uma pista ou indicador s maximamente eficaz na recuperao da informao, se tiver sido usado na altura da apresentao nacodificao dos itens. Por outras palavras, uma pista s eficaz em termos de recordao se tiver sidopercebida no contexto de aquisio. A representao da informao na memria assim o resultado dainteraco entre aquisio e recuperao. Deste modo, a maior parte do esquecimento a que estamoshabitualmente sujeitos um esquecimento dependente do indicador, devido ao uso de indicadoresinapropriados.

    As demonstraes experimentais do princpio da codificao especfica envolvem um plano factorial 2x 2, em que so usadas duas condies de codificao AB que covariam com duas condies de evocaoab. O princpio da codificao especfica prev que o desempenho ser melhor nas condies Aa e Bbem que h uma concordncia de ndices e pistas contextuais, do que nas condies Ab e Ba em que aconcordncia est ausente ou menor.

    Esta previso foi verificada num contexto verbal por Tulving e Osler (1968) quando observaram queo desempenho era superior nas condies em que os indicadores estavam presentes na fase de codificao ena fase de evocao (por ex. o indicador perna para aceder palavra a evocar PORCO) do que nascondies em que o indicador estava apenas presente numa das fases.

    Num contexto ambiental, Godden e Baddeley (1975) verificaram que a evocao de listas de palavraspor parte de mergulhadores era melhor sempre que se verificava uma concordncia de contexto fsico entre asfases de apresentao e de evocao (e.g., terra-terra ou mar-mar) relativamente s condies em quehavia discordncia (terra-mar ou mar-terra).

    Num contexto orgnico, Eich et al. (1975) verificaram que a evocao de uma lista de palavras eramelhor evocada quando o estado orgnico era similar na fase de codificao e evocao (e.g., sbrio-sbrioou txico-txico) em relao s condies incongruentes.

    Verificou-se ainda que a memria afectada pelo contexto ou estado emocional. Bower, Monteiro eGilligan (1978) usaram a hipnose para induzir nos sujeitos estados e disposies tristes ou alegres. Obtido oestado emocional pretendido, apresentou-se aos sujeitos duas listas de palavras que mais tarde evocaramnum contexto emocionalmente congruente com o contexto inicial ou num contexto divergente. Osresultados indicaram um grau de evocao maior quando houve concordncia entre o estado emocional nafase de aquisio e na fase de evocao do que nas fases de contexto emocional divergente.

    No conjunto, estes e outros resultados similares revelam um apoio significativo para o princpio decodificao especfica e para o papel dos factores de recuperao na memria, mudando progressivamente anfase posta apenas na fase de codificao e nos diversos tipos de processamento envolvidos, para passar aressaltar a interaco entre as fases de codificao e de recuperao.

    A teoria da recuperao, formulada por Tulving e Thomson (1973), explica melhor o efeito dasuperioridade do reconhecimento sobre a evocao e a vantagem dos mecanismos mnemnicos em termos dedesempenho.

    No que se refere superioridade do reconhecimento sobre a evocao, em que uma pessoa capaz dereconhecer mais palavras do que aquelas que capaz de evocar, a explicao proposta defende que oreconhecimento fornece um maior nmero de indicadores contextuais da fase de aquisio do que osfornecidos pela evocao. Enquanto o reconhecimento apresenta os itens iniciais misturados com novositens, repondo a totalidade do contexto inicial, a prova de evocao limita-se apenas a solicitar a recordaodas palavras aprendidas anteriormente.

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    A vantagem de mecanismos mnemnicos como a mnemnica dos lugares, por exemplo, tem a vercom o facto de que esta tcnica utiliza durante a fase de evocao o mesmo contexto ou indicadores queforam usados na fase de aquisio, estabelecendo desta forma uma correspondncia elevada entre as fases deaquisio e recuperao. O contexto ou indicadores de codificao e recuperao so naturalmente os locaisseleccionados ao longo de percurso, que so mentalmente percorridos no momento da evocao (e.g., Pinto,1991, cap. 10).

    Por ltimo, o processo de recuperao e recordao pode ser melhorado com a prtica. J vimos antesque a prtica distribuda na aquisio de material verbal produzia um desempenho melhor do que a prticaconcentrada ou macia, sendo um erro em termos educacionais concentrar o perodo de estudo apenas nassemanas antes do exame. Mas a prtica tem, em certas condies, efeitos bastante positivos na recordao ourecuperao repetida.

    Certos professores e educadores sabem que a avaliao e os exames podem fazer avanar aaprendizagem dos conhecimentos. Os investigadores provaram que tal pode ainda acontecer mesmo quandono fornecido feed-back sobre os resultados obtidos, provavelmente porque os estudantes tomamconscincia daquilo que so ou no capazes de recordar.

    Landauer e Bjork (1978) desenvolveram uma tcnica de recordao que designaram por repetiopluri-diferida e alargada da recuperao (expanding rehearsal technique) e que se revelou bastante eficaz emtermos de reteno de conhecimentos. Neste procedimento, as pessoas evocam os itens verbais pouco depoisde terem sido apresentados de forma a garantir que so capazes de os recordar correctamente. No incio osintervalos entre a apresentao e recuperao so curtos, mas depois tornam-se cada vez mais alargados.Landauer e Bjork usaram uma tarefa de pares associados, em que os pares eram formados pelo primeiro eltimo nome de pessoas e um programa de apresentao e recuperao dos itens, quer num formatoexpansivo com 1, 4 e 10 itens de permeio, quer num formato contractivo respectivamente de 10, 4 e 1 itens.O desempenho de evocao foi bastante melhor no programa expansivo de intervalos de repetio darecuperao do que no programa de intervalos contractivo.

    Segundo Landauer e Bjork (1978) o programa expansivo permitiu a reactivao do trao de memriaantes de atingir o grau de declnio irrecupervel tornando-se deste modo mais resistente ao esquecimento.Assim um programa de repeties espaadas de recuperao revelou-se bastante eficaz e com implicaesclaras a nvel educacional para efeitos de aquisio de vocabulrio da lngua materna ou de lnguasestrangeiras, termos tcnicos no mbito de uma disciplina ou mesmo nomes de alunos ou colegas deemprego de um grupo a que se comea a fazer parte (Payne e Wenger, 1996; Dempster, 1996).

    O benefcio da recordao repetida tem sido explicado em termos do reforo das vias de acesso informao existente ou da criao de novas vias de acesso que em conjunto com as vias existentesaumentam as possibilidades de acesso global representao da informao retida. A recordao repetida uma forma de avaliao recorrente e quando usada de modo eficaz com a prtica repetida um dosprocedimentos melhor testados experimentalmente para promover a aprendizagem (Dempster, 1996).

    5. CONCLUSO

    A aquisio de conhecimentos um dos principais objectivos da educao escolar. Uma pessoa educada academicamente falando aquela que adquiriu conhecimentos gerais e especficos numa dada ocasio,e que alm disto os usa de modo adequado e especfico em circunstncias posteriores da vida. Adisponibilidade e acesso do conhecimento escolar retido na memria assim um aspecto importante daeducao acadmica que mostram possuir. Como uma das experincias mais marcantes da nossa vida, aescola indissocivel da nossa memria de forma que ao promover a memria a escola promove-se a siprpria.

    A memria humana, apesar de limitada e deficiente, capaz de grandes proezas, retendo e tornandodisponvel enormes quantidades de conhecimento e informao (e.g., Wilding e Valentine, 1997). Mas paraque tal acontea, preciso que o aprendiz seja capaz de aplicar tcnicas de codificao, reteno e recordaoeficazes e produtivas e desenvolver o esforo necessrio para atingir objectivos elevados. Por sua vez necessrio que os agentes de ensino estabeleam critrios elevados de aprendizagem e de realizao escolarpara a disciplina ou curso que ministram. A prtica e o treino frequentes de uma matria, disciplina oucurso, aliado a critrios de realizao elevados e ao uso peridico de momentos de avaliao deconhecimentos produz aquilo a que se chama uma super-aprendizagem. Os conhecimentos escolaresadquiridos nestas condies so mais resistentes ao efeito inexorvel do esquecimento.

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    MEMORY, COGNITION AND EDUCATION: SOME IMPLICATIONS

    Amncio da Costa Pinto

    Faculty of Psychology and E. Sciences - University of Porto

    Abstract

    Knowledge acquired in the school system and used in everyday life requires an efficient memorysystem, otherwise it will be useless. This review paper addresses some of the main factors that influencethe stages of acquisition, retention and retrieval of information and knowledge in memory and in thecognitive system. Each of theses levels or stages of human information processing interact and areinterdependent, since the existent knowledge affects both the acquisition of new information and knowledgeand the way the acquired information is organized for retention and retrieval in future.

    KEY WORDS: Memory, learning, instruction, cognitive factors, memory tasks.