MEMÓRIA DE TOMÁS DE AQUINO POR SEUS PARES: A … · tratam da Universidade no final do século...

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1 doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.02006 MEMÓRIA DE TOMÁS DE AQUINO POR SEUS PARES: A IMPORTÂNCIA E O SENTIDO DE SER MESTRE OLIVEIRA, Terezinha (DFE/PPE/UEM) Pesquisa Financiada pelo CNPq/PQII Neste texto analisaremos uma Carta contida no Chartularium Universitatis Parisiensis. Nela é feita uma solicitação às autoridades para que os restos mortais de Tomás de Aquino, bem como seus textos inacabados, fossem remetidos à Paris, mais especificamente para a Universidade, porque o autor do discurso, nela contido, entende que o melhor lugar para se preservar os restos de Tomás de Aquino e os seus escritos é neste local. Para a análise desta Carta consideraremos três aspectos do documento que são necessários para a nossa interpretação: a natureza do documento, o discurso e a sua memória histórica. A Carta de número 447 de 1274, contida no Chartularium Universitatis Parisiensis, faz parte de um conjunto de cartas que tratam da vida universitária desde o princípio de sua organização, ainda quando os locais de ensino eram designados como studium generale. A primeira Carta é de 1163 e registra um documento do papa Alexandre III (1120–1181). Temos analisados dois volumes dentre os quatro compilados por H. Denifle, pois estes tratam da Universidade no final do século XII e ao longo do XIII. A última Carta do volume segundo é de 1286, escrita por um professor e traz uma lista das taxas cobradas aos alunos por empréstimos de livros de filosofia, de teologia e de direito. É preciso registrar que chartularium é a forma como se organizava o registro e a compilação dos documentos na Idade Média, portanto, não é especifico da Universidade. O artigo de Maria Cristina Cunha no apresenta uma definição de Chartularium. A época por excelência de constituição de grandes cartulários foi a Idade Média. A maioria provém de instituições eclesiásticas (dioceses, igrejas, abadias, etc.), mas são também conhecidos cartulários municipais,

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doi: 10.4025/10jeam.ppeuem.02006

MEMÓRIA DE TOMÁS DE AQUINO POR SEUS PARES: A

IMPORTÂNCIA E O SENTIDO DE SER MESTRE

OLIVEIRA, Terezinha (DFE/PPE/UEM)

Pesquisa Financiada pelo CNPq/PQII

Neste texto analisaremos uma Carta contida no Chartularium Universitatis

Parisiensis. Nela é feita uma solicitação às autoridades para que os restos mortais de

Tomás de Aquino, bem como seus textos inacabados, fossem remetidos à Paris, mais

especificamente para a Universidade, porque o autor do discurso, nela contido, entende que

o melhor lugar para se preservar os restos de Tomás de Aquino e os seus escritos é neste

local.

Para a análise desta Carta consideraremos três aspectos do documento que são

necessários para a nossa interpretação: a natureza do documento, o discurso e a sua

memória histórica.

A Carta de número 447 de 1274, contida no Chartularium Universitatis Parisiensis,

faz parte de um conjunto de cartas que tratam da vida universitária desde o princípio de sua

organização, ainda quando os locais de ensino eram designados como studium generale. A

primeira Carta é de 1163 e registra um documento do papa Alexandre III (1120–1181).

Temos analisados dois volumes dentre os quatro compilados por H. Denifle, pois estes

tratam da Universidade no final do século XII e ao longo do XIII. A última Carta do

volume segundo é de 1286, escrita por um professor e traz uma lista das taxas cobradas aos

alunos por empréstimos de livros de filosofia, de teologia e de direito. É preciso registrar

que chartularium é a forma como se organizava o registro e a compilação dos documentos

na Idade Média, portanto, não é especifico da Universidade.

O artigo de Maria Cristina Cunha no apresenta uma definição de Chartularium.

A época por excelência de constituição de grandes cartulários foi a Idade Média. A maioria provém de instituições eclesiásticas (dioceses, igrejas, abadias, etc.), mas são também conhecidos cartulários municipais,

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senhoriais, de universidades, etc. Embora o hábito de compilar documentos remonte a épocas recuadas, os cartulários mais antigos que chegaram até nós datam do século X, aumentando o seu número nas centúrias seguintes. Nesta altura, vulgarizou-se o hábito de as instituições, tendo em vista o constante recurso aos documentos originais com objectivo de organizar a gestão patrimonial e de assegurar a conservação dos seus direitos, privilégios e títulos, os mandarem copiar. Assim se explica que, numa mesma instituição, um mesmo original possa ter sido copiado em vários volumes, destinados a fins diversos. (CUNHA, 2010, p. 277-278).

O texto de Amadeu Torres apresenta conceituação similar ao de Maria Cristina.

Repositórios de variadíssimas informações, os cartulários, cujo espécime mais antigo é germânico de três séculos antes, tornam-se mais frequentes a partir do undécimo, de tal modo que, duas centúrias volvidas, possuíam tais instrumentos notariais os bispados, cabidos, colegiadas, abadias e mosteiros, casas senhoriais e ordens militares, universidades e outras instituições como igrejas e capelas, confrarias, hospitais e leprosarias, associações de mesteres e corporações municipais (TORRES, 2011, p. 1).

Seguindo as definiçoes apresentada sobre chartularium, podemos observar que a

Carta analisada faz parte de um conjunto de documentos no qual os homens da

universidade registravam suas decisões, interesses, por conseguinte, possibilitaram a sua

preservação até os nossos dias. Um outro aspecto importante a ser destacado sobre a

natureza do documento diz respeito ao seu teor. A maioria das Cartas revela a autoridade

da Igreja na vida e nas decisões da comunidade universitária. Em proporção menor

aparecem Cartas de autoridades laicas. A Carta sobre a morte de Tomás de Aquino é, a

nosso ver, uma exceção, porque é uma missiva que tem um caráter mais de sentimento do

que de decisão, ordem, regra ou lei. É, de fato, um lamento pela morte do mestre. A escrita

e a sua preservação revelam a importância deste mestre para o cotidiano da universidade e

para a memória que a comunidade universitária decidiu conservar, no conjunto de suas

memórias. Essas características do documento, em si, apontam para a relevância desta

Carta no conjunto do Chartularium.

O segundo aspecto que destacamos quanto a análise da Carta vincula-se à sua

narrativa enquanto discurso de um grupo porque o autor dela expressa a vontade da

comunidade de alunos e mestres da faculdade de Teologia da Universidade Parisiense.

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A intenção é mostrar que o discurso, assim como outros produtos humanos, como

os costumes, as leis, as convenções sociais, os mitos, a língua, a linguagem, são forjados

no interior das relações sociais de cada época e, por conseguinte, próprios dela. Logo, o

conceito ou entendimento de discurso da contemporaneidade não pode ser válido para

interpretar discursos de outras épocas históricas. Por isso concordamos com Orlandi

quando afirma que “[...] o estudo da linguagem não pode estar apartado da sociedade que a

produz. [...] A análise de discursos tem uma proposta adequada em relação a estas

colocações, já que no discurso constatamos o modo social de produção da linguagem. Ou

seja, o discurso é um objeto histórico-social [...] (ORLANDI, 1996, p. 17). Prosseguindo, a

autora destaca que o discurso deve ser compreendido na sua especificidade, no seu tempo,

como a expressão de apropriação de um contexto. Mais adiante, salienta as complexas

redes que compõem um discurso. “[...] Na perspectiva da análise de discurso, entretanto,

tomar a palavra é um ato social com todas as suas implicações: conflitos, reconhecimentos,

relações de poder, constituição de identidades, etc” (ORLANDI, 1996, p. 17).

A linguagem não é somente a transmissão de uma idéia. Também é a construção de

uma interpretação do acontecimento e, concomitantemente, a projeção de uma

intencionalidade daquele que faz o discurso. Evidentemente, esta não é uma

particularidade de nossa época. Antes, esteve e está presente na linguagem desde que o

homem se apropriou desta habilidade para se comunicar. Apontaremos três exemplos de

tempos distintos, para exemplificar na história, a preocupação que os homens sempre

tiveram com a linguagem.

Na obra intitulada Sofista, Platão (c.428-347 a. C.) examina, por meio de um

diálogo entre vários personagens, os males que os sofistas traziam à sociedade, pois

ensinavam a arte do discurso (a retórica), sem que as palavras nele usadas tivessem uma

importância real para os homens que as proferiam e para aqueles que as ouviam. Em suma,

se colocavam como mestres, mas nada ensinavam.

ESTRANGEIRO: Há primeiramente, a antiga maneira de nossos pais, a de que preferivelmente se servem para com seus filhos e que ainda hoje muitos deles empregam quando os vêem cair em algum erro: nela se alterna a representação com o tom mais terno da admoestação. TEETETO: É bem assim. ESTRANGEIRO: Quanto ao outro método, parece que alguns chegaram, após amadurecida reflexão, a pensar da seguinte forma: toda ignorância é involuntária, e aquele que se acredita sábio se recusará sempre a

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aprender qualquer coisa de que se imagina esperto; e apesar de toda punição que existe na admoestação, esta forma de punição tem pouca eficácia TEETETO: Eles têm razão. ESTRANGEIRO: E propondo livrar-se de tal ilusão, se armam contra ela, de um novo método. TEETETO: Qual? ESTRANGEIRO: Propõem, ao seu interlocutor, questões às quais acreditando responder algo valioso ele não responde nada de valor (PLATÃO, 1973, 154).

Do ponto de vista de Platão, ao ensinar aos jovens a linguagem da dissimulação, os

sofistas ensinavam uma arte que, na essência, não era verdadeira. Para ele, toda arte

deveria conduzir a uma transformação. Assim, ao ensinarem um discurso destituído de

significação, os sofistas enganavam os jovens e prejudicavam a polis porque os homens

discursavam sobre questões que não eram reais e importantes. Sua crítica residia no fato de

que os sofistas tornavam as palavras vazias. Com isso, instauravam a ignorância e não o

ensino. Retiravam, portanto, da linguagem a sua razão de ser: a educação.

O segundo exemplo significativo do discurso nos é dado por Agostinho (354 d.C. –

430 d.C.) ao tratar, em De Magistro, da função da linguagem falada.

AGOSTINHO: Que te pareces que pretendemos fazer quando falamos? ADEODATO: Pelo que de momento me ocorre, ou ensinar ou aprender. AGOSTINHO: Vejo uma dessas duas coisas e concordo; com efeito, é evidente que quando falamos queremos ensinar; porém como aprender? ADEODATO: Mas, então, de que maneira pensas que se possa aprender, senão perguntando? AGOSTINHO: Ainda neste caso, creio que só uma coisa queremos: ensinar. Pois, dize-me interrogas por outro motivo a não ser para ensinar o queres àquele a quem perguntas? ADEODATO: Dizes a verdade. AGOSTINHO: Vês portanto que com o falar não nos propomos senão ensinar [...] (AGOSTINHO, 1973, p. 323).

Agostinho explicita que existe nos homens uma constante intencionalidade ao

fazerem uso da fala. No seu tempo, quando alguém fazia uso da linguagem tinha a intenção

de ensinar ou de aprender. Temos a clareza que a intenção do discurso agostiniano era

difundir as idéias cristãs. Havia, portanto, no seu discurso o propósito de evangelizar os

povos com os quais convivia. No seu discurso estava contido um projeto social de

construção de relações sociais pautadas no ideal salvacionista cristão. Isso é um fato

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histórico inegável que propiciou a conservação dos escritos antigos, da preservação de um

modo de pensar que estava na eminência de desaparecer.

O terceiro exemplo que expressa a importância da linguagem em outras épocas

históricas é um registro de Alcuino de York (735-804), em fins do século VIII e início do

IX. Trata-se de um diálogo entre o mestre e Carlos Magno.

Em um cenário marcado pelo projeto político de reconstrução de um Império nos

moldes do Império Romano, em um espaço geográfico assolado pela dissolução das

relações romanas e, também, pela ruína da frágil dinastia merovíngia, Carlos Magno, o

dirigente dos carolíngios, acredita que um dos aspectos importantes para a realização de

seu projeto é a educação. Considera Alcuino o maior intelectual de seu tempo e, por isso, o

leva para ser mestre na escola palaciana. O projeto educativo de Carlos Magno passa,

necessariamente, pela aprendizadem da linguagem escrita.

O diálogo entre entre Alcuino e Carlos reflete a preocupação que existe em ambos

pelo aprimoramento do uso da linguagem: o governante quer aprender a arte da retórica

para melhor dirigir-se ao povo.

C. Dizes bem, mestre, também toda a nossa vida progride graças à disciplina e adquire vigor pelo exercício. Expõe-nos, então, as regras dessa disciplina retórica; a necessidade de nossas ocupações cotidianas nos obriga ao exercício dessas regras. Dize-nos primeiramente quantas são as partes desta arte. A. São cinco as partes da retórica: invenção, disposição, elocução, memória, declamação (discurso). […] Em primeiro lugar requer-se, então, encontrar o que se vai dizer, em seguida que dispor o que foi encontrado, depois que explicar com palavras pela ordem do assunto, em quarto lugar que compreender na memória o que foi encontrado, organizado e elaborado em linguagem, por fim, como coroamento, proferir aquilo que a memória retém (ALCUÍNO, Disputatio entre Alcuino e Carlos ... § 3 -4. Grifo nosso).

Carlos Magno tem consciência da importância da retórica para governar e se dispõe

a aprender. Alcuino, por sua vez, mostra que ela é uma arte que precisa ser instruída e

revela quais são os diferentes momentos que compõem esta aprendizagem: invenção, ou

seja, imaginação, criatividade, disposição de espírito, clareza do que se pretende falar;

disposição, capacidade de o indivíduo se dedicar com afinco aos propósitos que se

pretende atingir; elocução, escolher bem as palavras que vai usar para construir seu

pensamento e materializá-lo, saber a quem vai dirigir as palavras; memória, lembrar

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sempre da intenção e propósito do que vai ser dito e, por último, a declamação, o próprio

discurso. Com efeito, Alcuino evidencia a Carlos que a retórica exige um processo de

aprendizagem e, por conseguinte, os homens precisam aprender, praticar e instruir-se para

melhor falar. Assim, fica claro que o discurso pressupõe uma articulação e difusão das

idéias. Assim, a linguagem é elaborada no interior de uma dada relação social.

Os três exemplos de preocupação com a linguagem que mencionamos possuem um

propósito e uma intenção. Estavam imbuídos de um projeto social e a história já nos

explicitou que foram fundamentais à preservação da civilização em suas diferentes épocas.

Foram essenciais, também, porque conservaram a cultura greco-latina e a medieval, das

quais somos legítimos herdeiros. À época de Carlos Magno, por exemplo, havia somente

dois caminhos para os homens: ou a organização da sociedade em bases novas, que era o

projeto de Carlos Magno, ou a contínua dissolução, com a perpetuação dos saques e

invasões.

Há, inegavelmente, uma intencionalidade nesses discursos, como em qualquer

linguagem, pois sempre existe um propósito quando nos comunicamos. Quando um autor

escreve uma obra, faz um discurso sobre um dado acontecimento, sua intenção é que o

leitor interprete e compreenda seu objetivo. Desse modo, existe uma relação intrínseca

entre o autor do discurso escrito e o leitor. Essa relação está imbricada no tempo histórico

de ambos, tanto daquele que discursa como daquele que interpreta o discurso. De acordo

com Orlandi, “O sujeito não se apropria da linguagem num movimento individual. [...] O

sujeito que produz linguagem também está reproduzido nela, acreditando ser a fonte

exclusiva de seu discurso quando, na realidade, retoma sentidos preexistentes”

(ORLANDI, 1996, p. 19). Na passagem, Orlandi exemplifica a interação entre autor e

leitor, na medida em que o sujeito (autor/leitor) insere-se em um dado contexto histórico. É

este contexto e seu lugar neste lócus que faz com que o sujeito discurse ou se o interprete a

partir de uma dada concepção. O sujeito é, antes, uma pessoa que convive socialmente com

o outro e que usa a linguagem para estabelecer as suas teias de relações. Tanto quem

escreve com quem lê faz parte de um processo histórico, que muitas vezes independe da

similitude temporal. Com efeito, quando lemos Platão, Agostinho e Alcuino estamos, na

qualidade de leitores, muito distantes da época vivida por eles. Todavia, em virtude de

tratarem de questões que permanecem na história como a linguagem, os princípios morais

e éticos, a amizade, a felicidade, a retórica, questões presentes nas nossas relações sociais

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cotidianas, esses escritos nos atraem e nos servem de ensinamentos, pois os problemas

analisados por eles são pertinentes ao homem e as suas relações. Fazem parte, pois, do

tempo continum da humanidade - ou do fundo permanente de civilização, onde Marc Bloch

(2001, p. 55) coloca a história.

É nesse continuum no tempo e nesta simbiose histórica entre a obra e o intérprete

que encontramos, segundo Starobinsky, a formação de um novo ser, ou seja, é também por

meio desta aproximação que se constroem novos atores sociais e que o historiador, a obra e

o leitor permanecem.

O objeto a interpretar e o discurso que o interpreta, se são adequados, ligam-se para não mais se deixar. Formam um novo ser, composto por uma dupla substância. [...] O paradoxo que transparece é que, ao mesmo tempo que recebe confirmação de sua existência independente, o objeto devidamente interpretado passa a fazer também parte de nosso discurso interpretativo, torna-se um dos instrumentos com a ajuda dos quais podemos compreender, ao mesmo tempo, outros objetos e a nossa relação com os mesmos (STAROBINSKY, 1976, p. 142. Grifo nosso).

As palavras de Starobinsky são elucidativas a respeito da importância da leitura na

constituição dos sujeitos sociais, porque lemos, falamos, escrevemos, conservamos a

história e com ela a própria sociedade. Desse modo, a linguagem se constitui em elemento

essencial para a conservação das relações sociais. Ela nos forja, mas também espelha

nossos atos e escolhas políticas1. Quando escolhemos um escrito em detrimento de outros;

quando construímos um dado projeto social expresso no discurso; definimos nossos

caminhos e o que pretendemos preservar e descartar, o que pretendemos para a sociedade,

o que pensamos de nós enquanto sujeitos históricos e tudo isso são sempre espelhado pela

e nas nossas escolhas de linguagem2.

O terceiro aspecto que julgamos importante considerar no que diz respeito às nossas

reflexões sobre a Carta, vincula-se ao seu caráter de memória. Para esta análise, nos

pautaremos nas formulações de Halbwachs (1990) e no seu entendimento de memória

individual e coletiva, pois, a nosso ver, a Carta se insere nos dois âmbitos: individual e

coletivo.

1 “Quanto mais nós procuramos atingir as obras na configuração que têm em si”, mais nós desenvolvemos os laços que as fazem existir “para nós” (STAROBINSKY, 1976, p. 138). 2 Essas reflexões acerca da análise do discurso foram apresentadas 1ª Jornada Internacional de Estudos do Discurso realizada entre os dias 27 e 29 de março de 2008 na Universidade Estadual de Maringá.

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Exatamente porque o Frei, autor da Carta quer preservar a memória e os escritos da

pessoa de Tomás de Aquino que esta preservação se insere no universo do indivíduo. É,

pois, porque conviveu com as aulas e os escritos do mestre que o Frei quer conservá-los,

ou seja, é na condição de ‘primeira testemunha’, aquele que viveu o presente do indivíduo

Tomás, que ele preserva a lembrança. Todavia, ao reivindicar isso, em nível da

individualidade, o Frei constrói a possibilidade de a mesma se tornar coletiva.

É a análise de Halbwachs que nos permite estabelecer a relação entre indivíduo e

coletivo na Carta.

Mas nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É porque na realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem. (HALBWACHS, 1990, p. 25).

De acordo com o autor, nenhuma lembrança é individual porque os homens existem

sob a forma de coletivo. Por mais que um episódio possa lhe parecer ‘seu particular’, como

o sujeito não existe sozinho, mas está sempre em companhia de outros personagens, eles

também estão presentes no acontecimento preservado na memória singular. Assim, ainda

que o Frei, autor da missiva, seja uma pessoa única, o seu discurso e intenção evidenciam a

presença de outros personagens da Universidade que apóiam o seu pedido. É o grupo de

mestres e professores que acompanham a narrativa do Frei e pedem pelo retorno da

memória de Tomás de Aquino

No primeiro plano da memória de um grupo se destacam as lembranças dos acontecimentos e das experiências que concernem ao maior número de seus membros e que resultam quer de sua própria vida, quer de suas relações com os grupos mais próximos, mais frequentemente em contato com ele. (HALBWACHS, 1990, p. 45).

É o grupo que conviveu com o mestre dominicano e sabe da importância dele para

a manutenção da religiosidade e do conhecimento no seio da universidade. Já que nada

pode ser feito em relação a sua vida, ao menos eles tentam manter perto de si, os restos

mortais e os escritos que ainda não possuíam. Nesse sentido, é porque se lembram das suas

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aulas, do seu comportamento e de seus escritos que querem mantê-lo junto deles, pois ele

faz parte da Universidade.

A passagem seguinte de Halbwachs também elucida o sentido e importância da

Carta como documento-memória.

Se essas duas memórias [individual e coletiva] se penetram frequentemente: em particular se a memória individual pode, para confirmar algumas de suas lembranças, para precisá-las, e mesmo para cobrir algumas de suas lacunas, apoiar-se sobre a memória coletiva, deslocar-se nela, confundir-se momentaneamente com ela; nem por isso deixa de seguir seu próprio caminho, e todo esse aporte exterior é assimilado e incorporado por outro, envolve as memórias individuais, mas não se confunde com elas. Ela evolui segundo suas leis, e se algumas lembranças individuais penetram algumas vezes nela, mudam de figura assim que sejam recolocadas num conjunto que não é mais que uma consciência pessoal (HALBWACHS, 1990, p. 54-55).

Como Tomás de Aquino é um mestre brilhante, segundo a narrativa do Frei, e o

tempo nos mostrou isso pela relevância e importância de seus escritos até o presente, é

preciso salientar que a Carta evidencia, ao mesmo tempo, a memória individual e coletiva.

A memória individual porque estamos nos referindo a um personagem em específico:

Tomás de Aquino. Todavia, por ser mestre em uma das Universidades mais importantes do

século XIII, por ser considerado, por seus alunos e confrades, a ‘luz’ da universidade, a

preservação dele é coletiva porque representa a comunidade desta Universidade.

Se entendemos que conhecemos nossa memória pessoal somente do interior, e a memória coletiva do exterior, haverá com efeito entre uma e outra um vivo contraste. Eu me lembro de Reims porque ali vivi todo um ano. Lembro-me também que Joana D’Arc foi a Reims e que ali sagrou Carlos VII, porque ouvi dizer ou porque li. Joana D’Arc foi representada tantas vezes no teatro, no cinema etc., que não deveras nenhuma dificuldade em imaginar Joana D’Arc em Reims. Ao mesmo tempo, sei bem que não me foi possível ser testemunha do próprio acontecimento; atenho-me aqui às palavras que ouvi ou li, sinais reproduzidos através do tempo, que são tudo o que me chega desse passado. É o mesmo com todos os fatos históricos que conhecemos. Nomes próprios, datas fórmulas que resumem uma longa sequência de detalhes, algumas vezes uma anedota ou uma citação: é o epitáfio dos acontecimentos de outrora, tão curto, geral e pobre de sentido como a maioria das inscrições que lemos sobre os túmulos. É que a história, com efeito, assemelha-se a um cemitério onde o espaço é medido e onde é preciso, a cada instante, achar lugar para novas sepulturas. (HALBWACHS, 1990, p. 55. Grifo nosso).

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Mais uma vez, a passagem do autor oportuniza nossa compreensão da Carta que ora

estamos analisando. Tomás de Aquino, enquanto mestre da Universidade e seguidor da

Ordem Dominicana, é uma pessoa cuja memória poderia ser interpretada como sendo do

interior porque o lamento e desejo de preservação da sua memória parte do interior da

Universidade.

Entretanto, dois aspectos devem ser levados em consideração. O primeiro é o fato

de ele ser, à sua época, uma pessoa reconhecida na ambiência acadêmica e na sociedade.

Nesse sentido, ele já representa, no século XIII, uma memória exterior à da Universidade.

Em segundo lugar, a permanência de seus escritos, até os dias atuais, evidencia, no sentido

histórico, a construção de uma memória exterior a ele e ao seu tempo. Esta condição de

conservação de Tomás de Aquino, no século XXI, é o que Halbwachs define como um

acontecimento histórico. A cada tempo histórico em que o mestre é retomado, ele

conquista um novo túmulo no ‘cemitério da história’, porque ele sempre conquista uma

‘nova sepultura’ quando é lembrado, quando seus escritos são revisitados.

Apresentados os caminhos que norteiam nossas reflexões (o entendimento de

chartularium, a análise do discurso e a memória) sobre a Carta, passemos agora a tecer

considerações sobre ela3.

[2 de maio de 1274 – Paris] Aos Veneráveis pais em Cristo, ao mestre e aos provinciais da Ordem dos Pregadores como a todos os irmãos (frades) congregados em Capítulo geral Lugduno reitor da Universidade de Paris e procuradores e os demais mestres de Paris regentes em ação nas artes saúde naquele que dispôs tudo salutarmente e sabiamente provê a todo o universo. (DENIFLE, 1964, p. 504).

É preciso observar que a primeira frase da Carta é similar a todas as demais. O

autor dirige-se aos religiosos, ao reitor e a todos às demais autoridades da Universidade.

Todas elas, invariavelmente, nominam Deus e a sua magnitude. “Com lamento e clamor de

toda a igreja deploramos lacrimosamente a enorme perda e também a manifesta desolação do

estudo de Paris, e nestes dias escolhemos antes de tudo deplorar em comunidade com muita razão”.

(DENIFLE, 1964, p. 504).

Diante da notícia da morte de Tomás de Aquino, segundo o Frei, a comunidade

pára tudo para lamentar a morte do mestre. É importante destacar que ele salienta que tanto

3 Analisaremos o documento seguindo as ideias que foram registradas pelo Frei e informamos que a tradução é livre

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a Igreja como a Universidade estão em lágrimas, mas não é a Universidade, em si, é o

estudo como todo. A dor que cada um sente por esta perda deve ser sentida em comum.

Ai, quem nos diria, que pudéssemos representar o lamento de Jeremias, que acima do modo habitual causando sucessivamente nas mentes de cada um indescritível êxtase (transtorno) e trazendo um estupor imenso (inestimável), enfim transpassou os interiores de nossas vísceras e com que penetrou mortalmente o íntimo dos corações? (DENIFLE, 1964, p. 504).

A tristeza que sentem pela perda de Tomás de Aquino é tão intensa que o autor a

compara ao lamento de Jeremias, uma das passagens mais representativas da dor na Bíblia.

É preciso observar que a dor atingiu o espírito, mas o Freio menciona a sua intensidade no

estômago e no coração. Sabidamente, são os órgãos considerados os mais importantes do

corpo humano, na antiguidade, no medievo e na modernidade. A alusão a estes dois órgãos

está muito presente na literatura. Um exemplo é a importância que Shakespeare dá ao

estômago na peça Coriolano. Estes dois órgãos são vitais para a boa conservação corpórea.

Tornemos claro, que dificilmente podemos exprimir isso; na verdade o amor se retraiu, mas a dor e a veemente angústia nos constrange a dizer, que soubemos por relato comum e por certo rumor de muitos que o venerável doutor o irmão Thomas de Aquino foi chamado deste mundo. (DENIFLE, 1964, p. 504).

Observamos que somente após a apresentação do lamento é que o Frei informa a

causa da dor, ou seja, relata a morte do venerável doutor. Destaque-se que, ao fazer

menção à morte, explicita-se a importância do mestre porque o designa pelo título mais

honrável na universidade: venerável doutor.

Quem poderia avaliar que a divina providência permitiria que a estrela matutina muito ilustre no mundo, a estrela d’alva para a luz do século, e muito mais, como digamos mais verdadeiramente, o luminar maior, que presidia ao dia, tenha retraído (retirado) os seus raios? Plenamente, julgamos não sem razão que o sol chamasse novamente o seu fulgor e na medida acontecesse um tenebroso e repentino eclipse, quando foi tirado um raio (luz) de tanto esplendor de toda a igreja. (DENIFLE, 1964, p. 504).

A Carta devota uma verdadeira admiração a Tomás de Aquino. Esta admiração é

evidenciada quando ele menciona que a morte do mestre leva com ela a ‘luz do século’, ou

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seja, a morte ceifou da Terra a luz maior. Assim, não só a igreja perde seu venerável doutor

como o mundo laico perdeu o seu brilho. É interessante destacar nesta passagem que a luz

de Tomás é tão intensa que com a sua morte ele brilhará ao lado do sol. A igreja e o

conhecimento sofreram um eclipse, ou seja, ficou sem luz.

A ideia de a luz ser sinônimo de conhecimento é muito recorrente na Idade Média e

ela está associada tanto à concepção de que Deus ilumina o homem para o conhecimento,

por meio do seu intelecto, como à percepção de que o conhecimento também traz a luz.

Tomas de Aquino faz muitas menções à ideia de luz nestes dois sentidos. Todavia, o que é

importante ressaltar é que a luz que brilha deve sempre ser virtuosa. Ao citar Aristóteles na

questão 103 ( IIa IIae) da Suma de Teologia, ressalta que: “É um dever manifestar o bem e o

belo como está escrito: <<Não se acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de um

móvel qualquer, mas sobre um candelabro para que ela brilhe e ilumine todos os que estão

na casa>>. (TOMÁS DE AQUINO, ST. IIa IIae, q. 103, a. 1. sol. 2).

E nos é permitido não ignoremos que o Criador da natureza o concedesse como um privilégio a todo mundo, não menos se queremos nos apoiar na autoridade dos antigos filósofos, via-se que a natureza o (Thomas) colocasse para elucidar os mistérios da mesma. (DENIFLE, 1964, p. 504).

A vida do mestre Tomás expressaria um privilégio, um presente de Deus para o

mundo. Essa ideia expressa, com muita clareza, a sua importância para o conhecimento.

De acordo com o Frei, o Criador o deu aos homens para que ele elucidasse os ‘mistérios da

natureza’, por meio do conhecimento dos antigos.

E por que frustradamente agora morremos com tais palavras? A ele que foi celebrado por vosso colégio no vosso Capítulo geral de Florença, permita-se que o requisitemos com insistência, que dor!, contudo não pudemos obter para memória de tão grande clérigo, de tão grande pai, de tão grande doutor, não existindo ingratos, tendo devoto afeto, não pudemos retomá-lo vivo, pedimos-vos com insistência humildemente como um favor de um grande cargo os ossos do mesmo já defunto, porque é inteiramente inconveniente e indigno que outra nação ou outro lugar , que não a nobilíssima cidade a Paris de todos os estudos, que o mesmo antes de tudo educou, nutriu e sustentou (favoreceu), e depois recebeu do mesmo alimentação e inefáveis meios de obter luzes, tenha e detenha esses ossos sepultados. (DENIFLE, 1964, p. 504).

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O Frei justifica a razão do seu pedido. Para ele, não há nenhum outro lugar que

mais mereça preservar a memória de Tomás de Aquino do que a Universidade de Paris,

porque foi nela que a luz do mestre brilhou com intensidade. Aliás, o Frei é bem enfático

na sua solicitação e insiste na ideia de que qualquer outro lugar que preservar os restos

corpóreos dele será ‘inconveniente e indigno’. Essa parte do discurso é bem interessante

porque o autor lembra o fato de que Tomás de Aquino foi, primeiro, aluno e, depois,

professor dela.

Na verdade, se com razão a igreja honra os ossos e as relíquias dos santos, a nós não sem razão parece-nos honesto e santo que o corpo de tão grande doutor tenha honra perpétua, cuja fama perpetuam junto de nós os seus escritos, permanecendo a que a memória do mesmo, pela sepultura, se firme nos corações de todos os nossos sucessores. (DENIFLE, 1964, p. 504).

Nesta passagem da Carta o Frei já considera os ossos de Tomás de Aquino como

relíquias sagradas, o que já aponta para a possibilidade de sua canonização. Contudo, não

são apenas os ossos do mestre que a comunidade universitária quer preservar como

memória, mas também seus escritos.

Ademais, esperando que nos atendais efetivamente neste nosso devoto pedido, humildemente suplicamos que com alguns escritos pertinentes a filosofia, começada por ele em Paris, que ele deixou incompleta com seu afastamento (morte), e acreditamos que o mesmo, onde foi levado a tenha completado, que a vossa benevolência procure nos transmitir, especialmente sobre o livro SIMPLICII, sobre o livro DE CELO ET MUNDO; e EXPOSITIONE TYMEI Platonis; e o livro DE AQUARUM CONDUCTIBUS e INGENIIS ERIGENDIS; a respeito dos quais fizera menção com especial promessa de nos remeter. Se tais livros ele compôs semelhantemente como pertinentes à lógica, como pedimos humildemente do mesmo modo quando ele se afastou de nós, digne-se aquela vossa benignidade comunicar ao nosso colégio. E assim como vossa discrição melhor tomou conhecimento, estamos expostos a muitos perigos neste mau século, reclamamos fraternalmente, com devotas preces, a fim de que no vosso capítulo nos ampareis com especial afeto com sufrágio de vossas orações. (DENIFLE, 1964, p. 505).

O Frei solicita que fossem enviadas à comunidade as obras inacabadas do mestre e

que eles tinham conhecimento de já terem sido iniciadas. Essa parte da Carta revela que

existiam no interior da comunidade acadêmica diálogos sobre o que se estava investigando,

em que nível estavam os estudos.

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O autor faz menção a uma das questões mais importantes que estava ocorrendo na

Universidade de Paris na década de 1270, que era o debate entre as três tendências teóricas

presentes nas faculdades de Teologia e Artes. O ensino estava divido entre os seguidores

do pensamento agostiniano, do qual Boaventura de Bagnoregio era o principal líder; os

seguidores do pensamento aristotélico-averroísta, defendido por Siger de Brabante; e a

tendência que buscava o equilíbrio entre o pensamento aristotélico e a conservação do

escritos sagrados. Esta última tendência tinha em Tomás de Aquino o seu principal

expoente. Desse modo, a comunidade universitária, como não poderia mais contar com as

palavras do mestre, solicitava que, ao menos os seus escritos inacabados fossem

preservados na universidade, que suas ideias fossem disseminadas. Neste caso não se

tratava somente da preservação da memória do mestre, mas de sua ‘luz’ para ajudar no

debate. “E quisemos que esta carta fosse autenticada com o selo do reitor e dos

procuradores”. (DENIFLE, 1964, p. 505).

Observamos, por fim, que o Frei solicita, por escrito, que o selo das autoridades que

o representam esteja na Carta para que isso assegure que ela será respeitada e terá a força

de uma ordem. “Dado em Paris no ano do Senhor de mil duzentos e setenta e quatro, no dia

de mercúrio, véspera de Santa Cruz”. (DENIFLE, 1964, p. 505). Esta forma de finalização

está presente em todas as Cartas; é como se existisse um modelo protocolar.

A Carta, ainda que no seu formato siga o modelo de todas as outras, o seu

conteúdo, como já observamos, é bastante singular. A comunidade lamenta a perda do

aluno, do mestre, do ‘venerável doutor’ e do defensor de uma concepção teórica que,

implicitamente, é de muitos outros integrantes da universidade. Não se perdeu um

professor, morreu um líder e isso é evidenciado em cada uma as linhas da missiva. Não é

uma pessoa que morre é um representante do saber teológico e filosófico. Portanto, pela

Carta observamos que é a memória do interior e do exterior que precisa ser salvaguardada

na comunidade universitária.

Considerações finais

Ao analisarmos a Carta, considerando-a como documento, como discurso e como

memória, em última instância, que patenteiam a importância de Tomás de Aquino para a

comunidade universitária parisiense, buscamos recuperar algumas características que se

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fizeram presente na figura do mestre. Em primeiro lugar, o fato de o autor desvelar a

influência que ele exerceu junto aos seus alunos e colegas. Nesse sentido, grande mestre é

aquele que infundiu luz na sua comunidade; aquele que soube escrever temas relevantes

para os seus alunos, que, no caso dele, investigou questões concernentes à natureza e à

religiosidade, dois temas candentes de seu tempo. O mestre que soube enfrentar os debates

teóricos, muitos deles dogmáticos, e não se posicionou sem antes conhecer com

profundidade o que eles apresentavam e quando tomou posição procurou evidenciar a

relevância de ambos e explicitar que ambos tinham razão se vistos em conjunto e não

separado. Dito de outro modo, era preciso considerar o saber proveniente do conhecimento

dos escritos sagrados (permanência agostiniana), mas também era preciso saber e conhecer

aquele oriundo da filosofia antiga, especialmente a aristotélica (averrroístas). Ambos os

saberes eram importantes e faziam parte da essência do homem (escolástica), logo eles

formavam um todo único.

A nosso ver, essas características foram as que tornaram Tomás de Aquino o

venerável doutor. Exatamente elas que fizeram com o autor da missiva buscasse, por meio

do seu discurso, preservar a memória do frei dominicano e dar a ele o lugar de

‘verdadeiramente’ mestre. Findamos este texto, com uma mensagem do próprio Tomás de

Aquino enviada a um aluno que lhe pediu conselhos sobre qual o melhor caminho para se

chegar à sabedoria.

1. Exorto-te a ser tardo para falar e lento para ir ao locutório. [...] 5. Mostra-te amável com todos, ou, pelo menos, esforça-te nesse sentido; [...]. 7. Evita, sobretudo, a dispersão intelectual. [...] 9. Não atentes a quem disse, mas ao que é dito com razão e isto, confio-o à memória. 10 Faz por entender o que lês e por certificar-te do que for duvidoso. 11. Esforça-te por abastecer o depósito de tua mente, como quem anseia por encher o máximo possível um cântaro [...] (TOMÁS DE AQUINO, 1998, p. 304-305).

REFERÊNCIAS

‘A Universidade dos artistas de Paris, o Capítulo geral dos frades Pregadores escrevem

sobre a morte de Thomas de Aquino e pedem alguns livros filosóficos do mesmo’ (Carta

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447 - 1274). DENIFLE, H. (Org.). Chartularium Universitas Parisiensis. Bruxelles:

Culture et Civilisation, 1899, v.2, pp. 504-505.

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