Memória da Antropologia no Sul do Brasil

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M EMÓRIA DA A NTROPOLOGIA NO S UL DO BRASIL Sílvio Coelho dos Santos ( ORGANIZADOR ) Cecília Maria Vieira Helm Sérgio Alves Teixeira Editora da UFSC/ABA 2006

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No Sul do Brasil, o desenvolvimento da Antropologia se iniciou com a criação das Faculdades de Filosofia, nos anos 1940 e 1950. Dois médicos, José Loureiro Fernandes e Oswaldo Rodrigues Cabral, e o padre Balduíno Rambo foram os primeiros catedráticos nas Universidades do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Cada um deles, à sua maneira, contribuiu para o surgimento nas décadas seguintes dos departamentos e programas de pós-graduação que conhecemos hoje.

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MEMÓRIA DA ANTROPOLOGIANO SUL DO BRASIL

Sílvio Coelho dos Santos( O R G A N I Z A D O R )

Cecília Maria Vieira HelmSérgio Alves Teixeira

E d i t o r a d a U F S C / A B A

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MEMÓRIA DA ANTROPOLOGIANO SUL DO BRASIL

Sílvio Coelho dos Santos( O R G A N I Z A D O R )

Cecília Maria Vieira HelmSérgio Alves Teixeira

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©2006, by Sílvio Coelho dos Santos et al.

Design e capaRenato Rizzaro

RevisãoRenato Tapado

Universidade Federal de Santa CatarinaLúcio José Botelho – reitor

Ariovaldo Bolzan – vice-reitor

Editora da UFSCAlcides Buss – diretor-executivo

Conselho EditorialEunice Sueli Nodari – presidente

Luiz Henrique de Araújo DutraRegina Carvalho

Cornélio Celso de Brasil CamargoJoão Hernesto Weber

Nilcéia Lemos PelandréSérgio Fernando Torres de Freitas

Associação Brasileira de Antropologia (gestão 2004-06)Miriam Pillar Grossi (UFSC) – presidentePeter Henry Fry (UFRJ) – vice-presidenteEsther Jean Langdon (UFSC) – tesoureira

Cornélia Eckert (UFRGS) – secretária

Memória da Antropologia no Sul do Brasil/Sílvio Coelho dosSantos (Org.). – [Florianópolis]: Editora da UFSC, ABA, 2006.208p.: il.

Inclui Bibliografia

1. História. 2. Antropologia. 3. Região Sul. 4. Brasil. I. SílvioCoelho dos Santos. II. Título.

Editora da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC – Campus Universitário – Trindade

Caixa Postal 476 – CEP 88040-900 Florianópolis – SC

[email protected]

Impresso no Brasil2006

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S U M Á R I O

Apresentação 7

P R I M E I R A P A R T E

A A N T R O P O L O G I A E M S A N T A C A T A R I N A

Primeiros passos 17

A expansão da Cadeira 25

A criação do Instituto de Antropologia 29

O Instituto vira Museu 37

Projetando a Pós-Graduação 50

O mestrado 57

Concluindo 64

S E G U N D A P A R T E

A A N T R O P O L O G I A N O P A R A N Á

Os 50 anos da história da Antropologia no Paraná 81

As fases da história da Antropologia no Paraná 87

O Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas. (CEPA) 94

O Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR 95

O Departamento de Antropologia 98

A Pós-Graduação em Antropologia Social na UFPR 112

Os 50 anos da ABA na UFPR, em Curitiba 118

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T E R C E I R A P A R T E

A A N T R O P O L O G I A N O R I O G R A N D E D O S U L

Precursores e a trajetória da Antropologia na UFRGS 127

Os precursores 130

A história da Antropologia na UFRGS 132

A implantação e seu primeiro professor 132

A primeira grande mudança: novas orientações teóricas e novos temas 142

Retorno às questões acadêmicas 145

Pedro Ignácio Schmitz: referência para a Arqueologia Brasileira 148

A segunda grande mudança: o início da pós-graduação 165

A terceira grande mudança: a implantação do curso de mestrado 168

Uma bela experiência intelectual e humana: a cooperação Capes-Cofecub

1985 - 1993, Porto Alegre - Paris 174

A quarta grande mudança: a implantação do curso de doutorado 182

Linhas de pesquisa 188

Horizontes antropológicos 188

Reuniões de Antropologia do Mercosul - RAM 195

As lideranças e o ethos da Antropologia: tudo pela Antropologia 197

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A P R E S E N T A Ç Ã O

Nos meados dos anos 1930, com o surgimento dasUniversidades de São Paulo (USP, 1934) e do DistritoFederal (1935, depois denominada Universidade do

Brasil e Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), o ensinosistemático de Antropologia tornou-se realidade em diversoscursos que integravam as faculdades de Filosofia.

À época, o então ministro da Educação e Saúde Pública,Gustavo Capanema, procedeu a uma reforma do EnsinoSuperior, instituindo a obrigatoriedade da existência defaculdades de Filosofia nas universidades que estavamconstituídas ou em vias de constituição. A reforma admitiatambém a criação de faculdades de Filosofia comoestabelecimentos isolados. Objetivava o ministro incentivar osestudos humanísticos, tendo como referência o que se praticavanas universidades francesas.

Arthur Ramos, ex-aluno de Nina Rodrigues e que se iniciaraprofissionalmente na Escola de Medicina da Bahia, foi indicadopor Anísio Teixeira, em 1936, para integrar os quadros daUniversidade do Distrito Federal. Com as mudanças havidas na

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organização dessa universidade, em 1939 Arthur Ramos foidesignado para ocupar interinamente a Cátedra de Antropologiae Etnologia na Faculdade Nacional de Filosofia da entãoUniversidade do Brasil 1. Nessa posição, Arthur Ramos liderouo movimento que resultou na fundação da Sociedade Brasileirade Antropologia e Etnologia em 1941. Essa associação foidesativada em 1949.

Em São Paulo, a Antropologia já estava presente noscurrículos da Escola Livre de Sociologia e Política (fundada em1933) e da Faculdade de Filosofia da recém-criada Universidadede São Paulo. Alguns professores estrangeiros haviam sidocontratados para integrar o corpo docente da USP e, emparticular, da sua Faculdade de Filosofia. Entre eles, DonaldPierson, Roger Bastide, Emílio Willems e Claude Lévi-Strausstiveram importante papel para a afirmação da Antropologiacomo campo do saber em nosso país.

No Museu Nacional (RJ), por outro lado, a Antropologia erauma área de interesse de um pequeno grupo de naturalistas eestagiários, entre eles Luiz de Castro Faria e Eduardo Galvão. Aomesmo tempo, Herbert Baldus pontificava no Museu Paulista (SP)e na Escola de Sociologia e Política como pesquisador e professorde Etnologia Brasileira. Curt Nimuendaju, Edgard Roquete-Pinto,Couto de Magalhães, Nina Rodrigues e Arthur Ramos, entreoutros, também se consagraram realizando importantes pesquisassobre índios e negros tendo como suportes diferentes instituições,em particular os museus já referidos, o Museu Emílio Goeldi, emBelém (PA), o Museu Paranaense, em Curitiba (PR), e o Serviçode Proteção aos Índios (RJ).

Organizada sob a forma de cátedra, a Antropologia nessafase inicial de ensino sistemático abrangia a AntropologiaFísica, a Etnologia, a Arqueologia e a Lingüística. Os programasescolares, embora amplos, contemplavam principalmentetemáticas em função das áreas de interesse dos catedráticos.Para o exercício da docência, admitia-se, entre outras, a

1. AZEREDO, Paulo Roberto. Antropólogos e pioneiros: a história da Sociedade Brasileirade Antropologia e Etnologia. São Paulo: FFLCH-USP, 1986.

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formação em Medicina. Isto explica a presença de váriosmédicos como titulares das primeiras cátedras de Antropologiacriadas no País.

Nos finais dos anos 1940, o ministro da Educação, ClementeMariani, atendendo a sugestões dos professores Arthur Ramos,Heloísa Alberto Torres e outros, designou uma Comissão para“[...] estabelecer bases para a organização do Primeiro CongressoBrasileiro de Antropologia” (Portaria n.130, de 20/2/1948)2.Depois de algumas reuniões para a sua organização, estecongresso não se realizou. Entretanto, os esforços que haviamsido feitos serviram de referência para que ocorresse a I ReuniãoBrasileira de Antropologia (RBA), no Museu Nacional (RJ), emnovembro de 1953. O objetivo desse encontro era reunirprofessores e pesquisadores para discutir o estado-da-arte dasciências antropológicas. Liderando o evento, estava aprofessora Heloísa Alberto Torres, então diretora do MuseuNacional. O professor Luiz de Castro Faria, naturalista doMuseu, exerceu a secretaria da Comissão Organizadora. Poucomais de vinte professores e pesquisadores participaram dessehistórico encontro, entre eles Egon Schaden, Thales deAzevedo, Darcy Ribeiro, José Loureiro Fernandes, MarinaVasconcelos e Manuel Diegues Jr.3

Dois anos depois, em 1955, durante a realização da IIReunião em Salvador (BA), foi formalizada a criação daAssociação Brasileira de Antropologia (ABA). O professorThales de Azevedo foi responsável pela organização desseencontro. Nessa ocasião, foi eleita a primeira diretoria da ABA,tendo como presidente: Luiz de Castro Faria; secretário: DarcyRibeiro; tesoureiro: Roberto Cardoso de Oliveira4. A criaçãoda ABA objetivava facilitar a articulação entre os antropólogos

2. AZEREDO, op. cit. p. 2433. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Cinco décadas de reuniões e a consolidação do

campo antropológico. In: Anuário Antropológico, 2002/2003. Rio de Janeiro: TempoBrasileiro, 2004. p. 9-25; CORRÊA, Mariza. As Reuniões Brasileiras de Antropologia:cinqüenta anos. Brasília: ABA, 2003; FERNANDES, Florestan. A Etnologia e aSociologia no Brasil. São Paulo: Anhembi, 1958.

4. TRAJANO FILHO, Wilson; RIBEIRO, Gustavo Lins. (Org.). O campo da Antropologiano Brasil. Rio de Janeiro: ABA; Contra-Capa. 2004.

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do País, através da continuidade das reuniões, estimulando oensino, a realização de pesquisas e a formação de novospesquisadores.

A III RBA aconteceu em Recife, em 1958, sob a liderança deRené Ribeiro. Nessa oportunidade, o professor José LoureiroFernandes (UFPR) foi eleito presidente. Seguiram-se as reuniõesefetivadas em Curitiba (1959), Belo Horizonte (1961), São Paulo(1963) e Belém (1966). Nessa última reunião, que aconteceu comoparte do Simpósio sobre a Biota Amazônica, foi eleito presidente,embora ausente, o professor Manuel Diegues Jr. A ABA viviadificuldades em função da ocorrência do golpe militar de 1964. AUniversidade de Brasília havia sofrido intervenção, razão da nãorealização ali da VII Reunião e da sua transferência para Belém.Em 1971, durante o Encontro Internacional de Estudos Brasileiros,em São Paulo, os professores Egon Schaden e João Baptista BorgesPereira conseguiram reunir alguns antropólogos sob a égide daVIII RBA. Não houve condições, entretanto, para a eleição de umanova diretoria. A regularização dos encontros periódicos dosantropólogos só viria a ocorrer em 1974, quando aconteceu a IXReunião da ABA em Florianópolis.

É necessário considerar que, nos finais dos anos 1940 e iníciodos 1950, surgiram a Academia Brasileira de Ciência, a SociedadeBrasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior(Capes), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),estratégicas instituições para favorecer o desenvolvimentocientífico do País. O debate sobre a importância da preparaçãode recursos humanos para o exercício do ensino e da pesquisatambém foi aberto. Na década seguinte, através do Parecer 977/65, elaborado pelo professor Newton Sucupira, então membrodo Conselho Federal de Educação (CFE), definiram-se as basespara a implantação de cursos de pós-graduação conformeconhecemos hoje. As normas para a organização e ocredenciamento desses cursos foram definidas pelo Parecer 77/69, do mesmo CFE. Seguiram-se as propostas do Grupo de

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Trabalho da Reforma Universitária, que foram formalizadas naLei 5.540/68, conhecida como a Lei da Reforma Universitária.Embora a participação de educadores de renome e o fato de queas mudanças requeridas pelas universidades há muito vinhamsendo exigidas, não se pode desconhecer que nesse momento oPaís estava submetido a um regime de exceção, imposto atravésdo golpe militar de 1964. Isto permitiu que as decisões tomadasfossem impostas sem maiores discussões.

Há que se lembrar também que, em meados dos anos 1950,Darcy Ribeiro organizou um primeiro curso de aperfeiçoamentoem Antropologia Cultural para graduados no Museu do Índio(RJ). A seguir, Roberto Cardoso de Oliveira, que haviatrabalhado com Darcy e Eduardo Galvão, criou no MuseuNacional um Curso de Especialização em Antropologia Social.Foi dessa experiência que se originou o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional, criadosegundo as normas preconizadas pela nova legislação. NaUniversidade de São Paulo, por sua vez, até então havia a práticade aceitar candidatos ao doutorado em Antropologia, que seguiao modelo praticado na França.

Na Região Sul, o ensino de Antropologia começou com acriação das Faculdades de Filosofia em Curitiba, Florianópolise Porto Alegre. Isto também a partir dos finais dos anos 1940 einício dos 1950. Dois médicos, José Loureiro Fernandes eOswaldo Rodrigues Cabral, e o padre Balduíno Rambo foramos primeiros catedráticos da disciplina, respectivamente, nasUniversidades do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.Cada um deles, à sua maneira, criou as condições para osurgimento nas décadas seguintes dos Departamentos e dosProgramas de Pós-Graduação em Antropologia queconhecemos hoje.

A diversidade cultural e étnica, as populações indígenas eos sítios arqueológicos da Região Sul atraíram os interesses dediversos viajantes e pesquisadores, entre eles Auguste de Saint-Hilaire, Fritz Müller, Guilherme Tiburtius, Albert V. Fric,Donald Pierson, Emílio Willems, Claude Lévi-Strauss, CurtNimuendaju, Herbert Baldus e Jules Henry. Outros tantos

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cronistas, navegadores, padres, empreendedores e indigenistasdeixaram preciosos relatos sobre as populações com quemantiveram contato ou deram testemunhos sobre o extermíniodos contingentes indígenas e sobre a destruição dos sítiosarqueológicos denominados sambaqui. Colecionadoresparticulares deram origem a pequenos museus em diferentescidades. Assim, é possível rastrear extensa bibliografia na qualos temas de interesse da Antropologia estiveram presentes. Masneste trabalho nosso foco está voltado para o ensino formal daciência Antropologia, e não exatamente para as pesquisas queforam realizadas por diferentes pesquisadores na região.

Foi no cenário das comemorações dos cinqüenta anos dacriação da ABA que desenhamos o projeto deste livro,focalizando as trajetórias relativas ao ensino da Antropologianos três Estados do Sul. Para tanto, convidamos a professoraCecília Maria Vieira Helm para relatar o desenvolvimento doensino da Antropologia no Paraná, tendo como referência otrabalho pioneiro do professor José Loureiro Fernandes. Porsua vez, o professor Sérgio Alves Teixeira foi instigado adissertar sobre a trajetória da Antropologia no Rio Grande doSul, que se iniciou com o padre jesuíta Balduíno Rambo. Deminha parte, assumi a tarefa de resgatar o caminho seguidopela Antropologia em Santa Catarina. Como estratégiaeditorial, adotamos a apresentação do livro em três partesautônomas, garantindo assim a liberdade para cada um dosautores construírem seus textos com a devida independência.Assim, pequenas repetições foram inevitáveis, razão de nossopedido de compreensão aos leitores.

Cabe agradecer aos colaboradores professores Maria JoséReis, Aneliese Nacke e Neusa Bloemer (UFSC); Pedro IgnácioSchmitz e Sergio Baptista da Silva (UFRGS); Jacques Gutwirthda Universidade Paris V, França; e Maria Fernanda Maranhão(Museu Paranaense), Igor Chmyz, Maria Tarcisa Bega e PatríciaDorfman (UFPR); e aos estudantes Carolina Fernandes Corrêa,Kaio Domingues Hoffmann, Thiago Swoboda e MárciaMedeiros de Lima, bolsistas IC/CNPq; e Cátia Weber e GerusaRosa Oliva, bolsistas AT/CNPq, todos ligados à UFSC; e

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Fabiela Bigossi (UFRGS), pelas colaborações prestadas duranteo desenvolvimento deste projeto. Registre-se também que oCNPq nos concedeu um auxílio de pesquisa para a execuçãoda proposta, além de nos assegurar, a mim e à professoraCecília Helm, bolsas de pesquisa. A ABA, através de suadiretoria, aqui representada pela professora Miriam Grossi,presidente, assegurou parte dos recursos financeirosnecessários à edição, permitindo a parceria com a Editora daUFSC.

Finalmente, aos colegas Cecília Maria Vieira Helm e SérgioAlves Teixeira, nossos agradecimentos pela acolhida daproposta que fizemos no início de 2004 e pela maneiraprestimosa, gentil e cheia de lhaneza com que desenvolveramseus textos.

Ilha de Santa Catarina, março de 2006.

Sílvio Coelho dos SantosO R G A N I Z A D O R

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Página anterior: Oswaldo Rodrigues Cabral, Roque Laraia e jovenspesquisadores do Instituto de Antropologia em 1968.

Acervo: Sílvio Coelho dos Santos

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P R I M E I R O S P A S S O S

Foi com a instalação da Faculdade Catarinense de Filosofia,em 1955, que o ensino de Antropologia começou a serpraticado de maneira regular em Santa Catarina. No

primeiro ano de funcionamento da Faculdade, os bachareladosde História e Geografia formavam um único curso. No anoseguinte, em 1956, o ingresso dos alunos já foi realizado paracursos independentes. À época, os parâmetros estabelecidos peloMinistério da Educação e Cultura determinavam que os alunosmatriculados no curso de História deveriam freqüentar asdisciplinas Antropologia Cultural e Etnografia Geral e do Brasil.Os que se matriculassem no curso de Geografia freqüentariamas disciplinas de Antropologia Cultural e de Antropologia Física.Os alunos que ingressaram na primeira turma,excepcionalmente, freqüentaram as três disciplinas.

Os professores Oswaldo Rodrigues Cabral, Alvino BertoldoBraun e Jaldyr Faustino da Silva foram indicados para responderpor essas disciplinas. Cabral era médico e político, tendoexercido dois mandatos de deputado estadual e assumido aPresidência da Assembléia Legislativa. Há muito se interessava

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por história, cultura popular e pela educação superior. Braun erapadre jesuíta, atuando como professor de História Natural noColégio Catarinense. E Jaldyr Faustino era militar, tendoalcançado na reforma o posto de general. Tinha exercido omagistério em colégios militares e sido diretor do InstitutoEstadual de Educação, em Florianópolis. Sua área preferida eraHistória do Brasil.

A Faculdade Catarinense de Filosofia foi criada em 1951graças aos esforços do desembargador Henrique da SilvaFontes, professor da Faculdade de Direito e prestigiadoeducador, com o apoio de uma plêiade de intelectuais da elitelocal. Desde o início, foi adotada a estratégia de obter acolaboração de universidades já experientes, para apoiar certasdisciplinas que seriam implantadas nos cursos que compunhamo projeto da Faculdade. Alguns professores estrangeiros foramcontatados para futura contratação. Outros foram buscados naUniversidade do Brasil (hoje UFRJ) e na Universidade de SãoPaulo (USP). A maioria dos professores, entretanto, era daprópria cidade, onde exerciam diferentes atividadesprofissionais, inclusive a docência. Alguns eram vinculados aordens religiosas. A organização dos estatutos, a composiçãodo corpo docente e da grade curricular dos cursos iniciais, e aobtenção de uma dotação orçamentária junto ao governoestadual consumiram meses de trabalho do pequeno grupo deentusiastas que auxiliava o professor Fontes. O pedido deautorização para funcionamento da Faculdade foiencaminhado ao Ministério da Educação e Cultura em 16 dejulho de 1952. A autorização para funcionar se efetivou atravésdo Decreto 36.558, de 24 de dezembro de 1954, assinado pelopresidente João Café Filho. Em 25 de março do ano seguinte,se iniciaram as aulas1.

Nos finais dos anos 1940, um grupo de intelectuais lideradopelo professor Fontes havia organizado o Primeiro Congresso deHistória Catarinense, que contou com a presença de um número

1. FONTES, Henrique da Silva. Pensamentos, palavras e obras. Primeiro Caderno. DaFaculdade de Filosofia. Florianópolis: Edição do Autor, 1960.

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expressivo de participantes, entre eles alguns estrangeiros.Oswaldo Rodrigues Cabral era membro da ComissãoOrganizadora, exercendo o papel de secretário-geral. Adiversidade temática das comunicações e das conferênciascontemplava áreas como Lingüística, Geografia, História,Literatura e folclore, dando visibilidade à realidade socioculturale política do Estado, e abrindo perspectivas para intercâmbio entreinstituições e pessoas. Esse evento proporcionou horizontes paraaqueles que acreditavam na importância da ampliação do lequede oportunidades para que parte da juventude catarinensepudesse ter acesso aos cursos superiores. A implantação daFaculdade de Filosofia, em parte, foi uma conseqüência desseCongresso. Mas ela também se inseria num projeto mais amplodo desembargador Fontes, relacionado à criação de umauniversidade estadual.

À época, era governador Irineu Bornhausen (1951–56), eleitopela União Democrática Nacional (UDN), partido do qual faziaparte o desembargador Fontes. Bornhausen não só apoioufinanceiramente o projeto de criação da Faculdade de Filosofia,como, no final de seu governo, através da Lei n. 1.363, de 29 deoutubro de 1955, instituiu a Fundação Universidade de SantaCatarina. Essa instituição deveria aglutinar as diversas faculdadesjá existentes na capital. Anteriormente, pela Lei 1.179, de 26 denovembro de 1954, Bornhausen já havia destinado a área daFazenda Experimental Assis Brasil, localizada na Trindade, paraabrigar o campus da futura universidade.

Uma aliança entre a UDN e outros partidos minoritáriosgarantiu a sua continuidade no poder, através da eleição de JorgeLacerda, vinculado ao Partido de Representação Popular (PRP).Além de político, o novo governador exercia atividades literárias.Lacerda deu suporte ao projeto do professor Fontes, apoiando aFaculdade de Filosofia e oferecendo também incentivos às demaisfaculdades que existiam na cidade. O projeto da universidadeganhava corpo. Através do Decreto 56, de 9 de janeiro de 1957,Lacerda aprovou o Plano da Cidade Universitária, dando inícioàs obras de construção da Faculdade de Filosofia (31/1/1957).Na mesma época, pelo Decreto 296-A, de 25 de janeiro de 1957,

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sancionou os Estatutos da futura instituição2. Com o seuprematuro falecimento num trágico desastre aéreo (1957), o vice-governador eleito, Heriberto Hülse (UDN), assumiu o governo emanteve os compromissos de seu antecessor.

Entre as faculdades existentes na capital, a única que haviasido incorporada pelo governo federal era a de Direito. Seu diretor,professor João David Ferreira Lima, há muito defendia aimplantação de uma universidade federal, através da aglutinaçãodas faculdades existentes. Ferreira Lima era um hábil negociador.Politicamente vinculado ao Partido Social Democrático (PSD),vislumbrou que o presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira,que havia sido eleito pela coligação PSD-PTB (Partido TrabalhistaBrasileiro), tinha motivação política para ampliar o número deuniversidades federais no País. A proposta de Ferreira Limaganhou corpo e se concretizou quando o presidente Juscelinosancionou a Lei 3.849, de 18 de dezembro de 1960, criando aUniversidade de Santa Catarina. Esse processo, depois de muitasnegociações, contou com a adesão de todos os diretores das seisfaculdades existentes (Direito, Filosofia, Ciências Econômicas,Farmácia e Odontologia, Medicina e Serviço Social), e teve o apoiodo governador Heriberto Hülse 3.

A área da antiga Fazenda Experimental Assis Brasil foi, poucodepois, incorporada ao patrimônio da nova universidade e, como tempo, foi reconhecida como estratégica para abrigar o futurocampus. A Faculdade de Filosofia, graças ao denodo do professorFontes, foi a pioneira na ocupação do atual campus daUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Ao ser instalada, em 1955, a Faculdade Catarinense de Filosofiatinha sua sede num casarão pertencente à família Petrelli,localizada nos finais da Rua Esteves Júnior, onde funcionavam asecretaria, o gabinete da direção, a sala da congregação, abiblioteca e algumas disciplinas. Uma pequena área de lazer serviacomo local de congraçamento para alunos e professores, tendo

2. ibidem.3. FERREIRA LIMA, João David. UFSC: sonho e realidade. 2. Florianópolis: Editora da

UFSC, 2000.

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como referências principais para os estudantes o espaço do café euma mesa de pingue-pongue. Outra parte das aulas eraministrada nas instalações do Colégio Catarinense, pertencenteaos jesuítas, vizinho da Faculdade. E os cursos de História eGeografia tinham sua base num outro casarão, situado napracinha localizada nos finais da Rua Esteves Júnior, a menos de200 metros da sede da Faculdade. Nos primeiros anos, os cursosde Letras e de História tinham um número de estudantes maisexpressivo, a maioria já experientes professores de nível médioque haviam esperado por muito tempo a oportunidade para obtero grau de licenciado em suas áreas de interesse. No conjunto, asturmas eram pequenas, contando entre cinco e vinte alunos, razãode se adotar a prática de juntar estudantes de cursos diferentesquando tinham disciplinas comuns. Assim, por exemplo, osalunos de História e Geografia freqüentavam as aulas deAntropologia Cultural, ministradas pelo professor Cabral,formando uma única turma. A disciplina de Antropologia Física,como foi dito, nessa fase inicial, era exclusiva para os alunos deGeografia. E Etnografia Geral e do Brasil era ministrada somentepara os alunos da terceira série do curso de História. O curso deCiências Sociais só viria a ser criado muito mais tarde.

Tendo participado ativamente do grupo que constituiu aFaculdade, Cabral assumiu a disciplina de Antropologia Culturalem função de seu já reconhecido interesse pelas áreas de História,folclore e cultura. Também ficou responsável pela disciplinaHistória de Santa Catarina, ministrada como optativa para alunosdo último ano. Como candidato ao concurso de livre-docente naCátedra de Medicina Legal, na Faculdade de Direito, no iníciodos anos 1950, havia apresentado uma tese intitulada Da Idade –aspectos sociais, jurídicos e médico-legais do problema, na qual discutiaquestões legais e consuetudinárias relacionadas às idadescronológica, psicológica e biológica de pessoas em diferentesculturas. Em 1954, publicou o livro Cultura e folclore, através daImprensa Oficial do Estado, que havia sido premiado no anoanterior no concurso instituído pela Comissão Nacional deFolclore, da qual era membro. Este livro teve o prefácio de RogerBastide, à época professor da Universidade de São Paulo. Ressalte-

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se que a Comissão Nacional de Folclore, criada por Getúlio Vargasno cenário das políticas do Estado Novo voltadas para avalorização das práticas culturais locais, congregava intelectuaiscomo Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Dante Laytano, entreoutros. Em diferentes momentos, essa Comissão organizoucongressos, concursos e publicações, facilitando o intercâmbioentre seus membros e assegurando a difusão de seus trabalhos.

Os alunos dos cursos de História e Geografia iniciavam adisciplina Antropologia Cultural tendo a primeira parte do livroCultura e folclore como referência básica. Depois de uma ligeiraabordagem sobre os objetivos da disciplina e sua abrangência,Cabral adentrava na apresentação do tópico Cultura focalizandoseus conceitos básicos e os principais autores, tais como Linton,Herskovits, Malinowsky e Boas, que haviam trabalhado sobre otema. No segundo semestre, as unidades de ensino focalizavama família, o matrimônio, o parentesco, a religião e a culturamaterial, tendo como referências uma série de apostilas elaboradaspelo mestre com a finalidade de subsidiar a aprendizagem deseus estudantes. Na segunda parte, o livro Cultura e folclorecontinha preciosas informações sobre como efetuar uma pesquisae elaborar o relato final. Cabral recomendava para os alunos quefariam os trabalhos semestrais, às vezes baseados em pesquisasde campo, que lessem os ensinamentos contidos no livro e que,em caso de dúvidas, lhe consultassem. Como raros eram osmanuais sobre metodologia da pesquisa em Antropologia, Cabraldava para seus estudantes a seqüência de passos que deveria serseguida na execução de um projeto de investigação social. Éverdade que não enfatizava a importância dos conceitos e dasteorias, privilegiando as estratégias relacionadas ao contato comos informantes, com a organização dos dados e com o texto final,que deveria ser escrito em linguagem correta e coerente.

À época, as disciplinas eram anuais. A cada semestre, haviaprovas obrigatórias, que podiam ser substituídas pela execuçãode trabalhos bibliográficos ou de campo definidos pelo professor.No meio de cada semestre, o docente tinha liberdade parasubmeter seus estudantes a provas sobre os conteúdosprogramáticos estudados. Outros trabalhos poderiam ser

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exigidos, de acordo com a programação previamente estabelecida.Ao final do ano, quem não obtivesse média sete (7) nas provas(ou trabalhos) semestrais e nas eventuais provas ou trabalhosintermediários era submetido a um exame final. A nota mínimaexigida nesse exame era cinco (5). Duas reprovações sucessivasimplicavam a perda definitiva da matrícula.

A disciplina Antropologia Cultural era ministrada numpequeno anfiteatro. Duas vezes por semana, Cabral dava suasaulas entre 17h30 e 19h10. Os horários eram observados com rigor.Mas a maioria dos alunos tinha entusiasmo pela matéria. O mestrevalia-se de recursos visuais (slides, especialmente), exemplos davida cotidiana, referências a práticas culturais de diferentes povos,e, em particular, histórias hilárias, objetivando motivar edescontrair seus estudantes. Além disso, todos reconheciam suadedicação e competência. Era um autodidata muito beminformado do que acontecia tanto no País como no exterior, emrelação aos conteúdos programáticos de sua disciplina. Suabiblioteca particular abrigava os principais clássicos daAntropologia. Ao mesmo tempo, como leitor dedicado, sempretinha notícias sobre os últimos lançamentos nas áreas da literaturae da História.

Com a mesma sistemática organizacional, os conteúdos deAntropologia Física eram ministrados para os alunos do cursode Geografia pelo pe. Alvino Bertoldo Braun. O foco era a histórianatural do homem, com destaques para temas como “diversidaderacial”, “antropometria” e a “evolução humana”. Essas aulas nãoentusiasmavam a maioria dos estudantes e contrastavam com asministradas por Cabral.

Na terceira série, os alunos do curso de História tinham adisciplina Etnografia Geral e do Brasil. O responsável era oprofessor Jaldyr Bhering Faustino da Silva, que também lecionavaa disciplina História do Brasil. O foco eram os povos indígenasdo País, com ênfase naqueles que mantiveram contato direto comos portugueses nos primeiros séculos da conquista. As referênciaseram os livros de Capistrano de Abreu (Caminhos antigos epovoamento do Brasil e Capítulos da história colonial (1500–1800).

Entre os professores estrangeiros contratados para atuarem

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na Faculdade, dois deles, Eudoro de Souza e George Agostinhoda Silva, ambos portugueses que se auto-exilaram no Brasildurante a ditadura de Salazar, deram especial contribuição aoscursos de História e de Letras. Para o curso de História, Eudoroministrava a disciplina Arqueologia Pré-Histórica, enquantoAgostinho oferecia um curso optativo sobre Cultura Ibérica.Devido à sua formação cultural diversificada e larga experiênciadocente, os dois marcaram profundamente seus alunos. Maistarde, foram atraídos por Darcy Ribeiro para atuarem naUniversidade de Brasília. Outros jovens professores oriundos dasUniversidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, tais como JoãoEvangelista de Andrade Filho, professor de História da Arte,Paulo Araújo Fernando Lago, Armém Mamigonian e CarlosAugusto Monteiro, os três últimos integrantes do corpo docentedo curso de Geografia, também deixaram marcas indeléveis entreos estudantes.

A biblioteca da Faculdade Catarinense de Filosofia erapequena. Não mais que dez a quinze livros tinham conteúdosreferentes à Antropologia Cultural e a áreas correlatas. A maioriados alunos se valia dos acervos dos professores. Empréstimos econsultas diretas em suas bibliotecas eram rotina. Como o númerode estudantes era pequeno, não raro se formavam grupos deestudos que se reuniam na Faculdade nos finais de semana eferiados. Um ou outro estudante assumia a tarefa de traduzirpartes das obras recomendadas e que estavam em francês ouinglês. As anotações de aula, os resumos fornecidos pelosprofessores e as apostilas serviam de referência para o andamentodas discussões e a realização das tarefas. No entremeio dessestrabalhos, disputas de pingue-pongue, piadas, música, discussõespolíticas acirradas e algum namoro.

Com a criação da Universidade de Santa Catarina em 1960, aFaculdade Catarinense de Filosofia foi incorporada à novainstituição universitária. Passou a se denominar Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras. Ao mesmo tempo, diversas mudançasocorreram na grade curricular e na distribuição das disciplinas.Surgiu assim a Cadeira de Antropologia e Etnografia, tendo comocatedrático o professor Oswaldo Rodrigues Cabral.

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A pesquisa antropológica em Santa Catarina, no sentido lato,na verdade, havia tido exemplos marcantes nos trabalhosdesenvolvidos, entre outros, por Jules Henry, entre os Kaingang(Xokleng), no Alto Vale do Itajaí (1932–34); por Francisco Schaden,que, entre 1925–45, realizou vários trabalhos sobre indígenas deSanta Catarina; por Egon Schaden, que no começo dos anos 1940estava iniciando sua carreira docente e de pesquisa naUniversidade de São Paulo; por Luiz de Castro Faria, que escreveuvários trabalhos sobre a realidade sociocultural catarinense; e pelope. João Alfredo Rohr, que na segunda metade dos anos 1950começou um monumental trabalho de pesquisa na área deArqueologia, focalizando principalmente os sambaquis. À mesmaépoca, Franklin Cascaes se dedicava ao registro etnográfico dasmanifestações da cultura popular, de origem luso-açoriana, naIlha de Santa Catarina. A existência de inúmeros sítiosarqueológicos, além da diversidade étnica e cultural do Estadotambém chamaram a atenção em diferentes momentos de outrospesquisadores, entre eles Fritz Müller, Emílio Willems, HerbertBaldus e Guilherme Tirbutius.

A E X P A N S Ã O D A C A D E I R A

Ainda sob a perspectiva da criação de uma universidadeestadual, o professor Fontes deu início à construção de uma partedo prédio que viria a sediar a Faculdade de Filosofia no futurocampus da Trindade. Nos finais de 1960, esta construção foiconcluída, e iniciou-se a transferência para a nova sede. Para aépoca, e diante das instalações anteriores, o prédio era imponente(hoje integra parte do primeiro bloco do Centro de Comunicaçãoe Expressão, defronte à Reitoria). Salas amplas, alguns gabinetespara professores, área para a biblioteca, espaçosos corredores, salade jogos para os estudantes e uma cafeteria, com capacidade deservir pequenas refeições, formavam um conjunto integrado ebastante funcional. À entrada, junto à placa comemorativa dainauguração, um convite à reflexão dos jovens estudantes inscritapelo professor Fontes: primum vivere, deende philosophare. O

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processo de mudança foi relativamente rápido. Cabral foiincansável tanto no assessoramento ao professor Fontes paradistribuir espaços e equipamentos, como para adequar a estruturada Faculdade ao processo que se iniciava em função da suaincorporação à universidade.

No entorno do novo prédio, o vazio era imenso. A paisagemera bucólica, formada por pasto, gado, mato, pássaros e umaampla variedade de insetos. O acesso ao prédio era precário,apenas uma estrada de barro, coberta de tempos em tempos combrita, ligava a pracinha da Trindade às instalações da Faculdade.Poeira e lama eram rotina. O serviço de ônibus entre o centro eo ponto terminal da Trindade era precário, com horáriosescassos. Para resolver o problema de transporte de alunos,professores e funcionários, o desembargador Fontes adquiriuum ônibus Mercedes-Benz com motor traseiro, novidade nacidade. Os horários de ir e vir desse novo transporte eramlimitados ao início e ao término das aulas, e ao final doexpediente dos servidores. Alguns professores se deslocavamde automóvel. Cabral era um deles.

Nesse novo prédio, a Cadeira de Antropologia obteve umasala de aulas mobiliada como anfiteatro, e um gabinete para ocatedrático e seus auxiliares. Por influência direta de Cabral, aolado do gabinete foi instalado um Núcleo de Documentação,destinado à produção e reprodução de fotos e slides a seremutilizados como materiais didáticos ou para ilustração depublicações, para todas as cadeiras.

No segundo semestre de 1961, Cabral assumiu a direção daFaculdade de Filosofia, uma vez que o desembargador Henriqueda Silva Fontes, até então seu diretor, havia ultrapassado os 70anos e não podia ser nomeado, segundo as normas vigentes nalegislação federal. A indicação de Cabral foi feita pelos professoresintegrantes da congregação, órgão superior da Faculdade, que oconsideravam dinâmico e competente administrador. Até então,Cabral tinha como seu auxiliar o professor Walter FernandoPiazza, que colaborava nas aulas de História de Santa Catarina.Com as modificações havidas na Cadeira devido à criação daUniversidade, Piazza passou a responder pela disciplina de

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Etnografia, na condição de assistente. E, ao mesmo tempo, recém-formado no curso de História, fui convidado pelo professor Cabralpara ser seu auxiliar de ensino. Minha designação foi feita aindapelo desembargador Fontes, através da Portaria n. 15, de 6 demarço de 1961. Confesso que, no primeiro momento, relutei emaceitar o convite. Fui, entretanto, convencido pelo mestre, sob oargumento de que minhas tarefas se resumiriam a eventuaisseminários, correções de trabalhos e uma ou outra orientação aosestudantes. Na realidade, minha experiência não foi bem assim,pois não poucas vezes me vi desafiado a assumir a apresentaçãode novos conteúdos devido ao envolvimento crescente doprofessor Cabral em atividades administrativas.

A organização da Faculdade e da própria Universidade, dentrodos padrões exigidos pela legislação federal, ocupou todo o anode 1961 (somente em março de 1962, a Universidade foioficialmente instalada). Eram processos e mais processos relativosà nomeação dos antigos professores e servidores, aquisição denovos equipamentos, apresentação de orçamentos, etc.Experimentado nessas lides, Cabral desdobrava-se para atendera essas novas demandas administrativas. Ao mesmo tempo,lutava pela ampliação do quadro docente e também para acontratação de novos servidores. Durante o ano de 1961, osdocentes que não respondiam por cadeiras (assistentes eauxiliares) continuaram atuando de forma dativa. A expectativaera a de que, no ano seguinte, com a instalação formal daUniversidade, sairiam as nomeações desse grupo decolaboradores.

A experiência a que me submeti foi difícil. Substituir o professorCabral em seus impedimentos não era nada fácil, dados o seudomínio dos conteúdos programáticos e a sua competência emenvolver positivamente os estudantes. Tive de estudar duro paraestar preparado para as eventuais e desafiantes emergências. Nodecorrer do segundo semestre, angustiado com minhas limitações,explicitei para o mestre que pretendia fazer um curso de pós-graduação a fim de aprofundar meus conhecimentos. Cabral nãorelutou em apoiar meu projeto. Foi dessa maneira que, no anoseguinte, fui para o Museu Nacional (MN, da antiga Universidade

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do Brasil) para, após seleção, realizar um curso de especializaçãoem Antropologia Social, sob a coordenação de Roberto Cardosode Oliveira. Nesse projeto, muito colaboraram os professores EgonSchaden (USP) e Luiz de Castro Faria (MN), que naquele ano de1961, em momentos diferentes, haviam visitado a Faculdade. Seusapoios e informações foram decisivos para minha formaçãoprofissional. Nesse mesmo ano de 1962, Walter Piazza freqüentouum curso de aperfeiçoamento em pesquisa arqueológica,ministrado pela professora Annete Laming-Amperaire, do Museudo Homem (Paris), sob os auspícios da Universidade do Paraná.

Com a criação da Cátedra de Antropologia, no contexto agorada Universidade, foi necessária uma revisão dos conteúdosprogramáticos. A disciplina de Antropologia Cultural passou acontemplar uma unidade sobre a origem e a evolução do homem,que antes era integrante da programação de Antropologia Física.Dessa maneira, para as primeiras séries dos cursos de História eGeografia (as turmas continuaram unificadas), o programacontinha conteúdos referentes à Antropologia Cultural e suasáreas de interesse; o conceito de cultura; teorias sobre a origem eevolução do homem; família; parentesco; e cultura material. AEtnografia continuou a ser ministrada para os alunos da terceirasérie de História pelo professor Walter Piazza. Mas, a partir de1964, a disciplina de Antropologia Cultural passou a ser lecionadaem dois anos, divididos e ampliados os conteúdos anteriores.Dessa maneira, Cabral ministrava aulas para os alunos daprimeira série, enquanto eu me responsabilizava pelaprogramação da segunda série, centrada, especialmente, emconteúdos que tinham como referências a organização social(família e parentesco), a economia e a política das sociedadestradicionais e dos povos indígenas do País.

O acervo bibliográfico da Cadeira também cresceu. À época,começavam a circular compêndios didáticos como AntropologiaCultural, de Felix Keesing, editado pela Fundo de Cultura (RJ);Antropologia Social, de Godfrey Lienhard, Zahar Editores (RJ);Iniciação ao estudo da Antropologia, de Pertti Pelto, Zahar Editores;e as traduções dos clássicos Uma teoria científica da cultura, de B.Malinowski, Zahar; O Homem, uma introdução à Antropologia, de

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Ralph Linton, Martins Editora (SP); Padrões de cultura, de RuthBenedict, Editora Livros do Brasil (Lisboa); Cultura e personalidade,de Ralph Linton, Editora Mestre Jou (SP), entre outros. Em funçãodas pesquisas nas áreas de Etnologia e de Arqueologia, dezenasde livros foram adquiridos em suas edições originais (inglês efrancês, principalmente), além de quase tudo que se editava noPaís tendo como foco povos indígenas, populações negras,imigrantes, populações rurais e urbanas, e grupos pré-históricos.As obras de Darcy Ribeiro, Egon Schaden, Herbert Baldus,Eduardo Galvão, Florestan Fernandes e Roberto Cardoso deOliveira eram as mais requisitadas para as aulas de EtnologiaBrasileira. Parte desse acervo ficava depositada na biblioteca daFaculdade, à disposição dos estudantes. Outra parte integrava asdependências da própria Cadeira, para uso dos professores eestudantes que participavam dos projetos de pesquisa.Gradativamente, foi sendo introduzida a prática de seminários ede trabalhos de grupo, a partir de textos previamente selecionadose/ou envolvendo temáticas específicas que eram exploradas pelosestudantes a partir de levantamentos bibliográficos. Os recursosaudiovisuais (slides, filmes e fitas de vídeo) também foram sendoampliados, facilitando a apresentação e discussão dos temasconstantes dos planos de curso das disciplinas.

A C R I A Ç Ã O D O I N S T I T U T O D E A N T R O P O L O G I A

Cioso de suas responsabilidades como diretor da Faculdade ediante dos valores dos novos salários, que passaram a ser pagospelo governo federal, Cabral instituiu ainda no primeiro ano desua administração um relógio de ponto, destinado ao controle dohorário de trabalho de todos os servidores e professores. A medidanão agradou muitos docentes, que estavam acostumados a terpresença apenas durante os horários de aulas e em eventuaisreuniões da Congregação. Os docentes estavam sujeitos aocumprimento de 18 horas semanais, e as aulas aconteciam pelamanhã, entre as 7h30 e 11h30. Os servidores cumpriam expedienteentre as 7 e 13 horas. As reclamações contra o controle não foram

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poucas, e Cabral começou a ser visto como um dirigente autoritário.Em meados de 1963, numa reunião da Congregação, Cabral

apresentou uma proposta que, no seu entender, era estratégicapara a Faculdade. A maioria dos professores integrantes daCongregação, porém, resolveu ser contra a iniciativa, numa clarademonstração de inconformidade com o registro diário de suashoras de trabalho. Numa reação imediata, Cabral declarou queestava renunciando ao cargo de diretor, o que de fato aconteceu,apesar das iniciativas do reitor Ferreira Lima e de alguns colegasda própria Faculdade para demovê-lo do propósito. À época, diga-se, o cargo de diretor de uma Faculdade era importantíssimo,sendo a nomeação de competência do presidente da República.Cabral, porém, não voltou atrás. Na história da Universidade, foio único diretor que renunciou à função.

A desistência inopinada do cargo de diretor da Faculdadeacabou trazendo novas perspectivas para a Cadeira deAntropologia, da qual ele era titular. Nesse momento, finais de1963, eu e Walter Piazza, auxiliados por alguns estudantes, jáestávamos realizando projetos de pesquisa nas áreas de EtnologiaIndígena e Arqueologia. A lei de proteção aos sítios arqueológicos(Lei 3.924, de 27/7/61) era recente e servia de êmulo tanto paraos trabalhos de Piazza quanto para aqueles que o pe. João AlfredoRohr, do Colégio Catarinense, realizava no litoral de SantaCatarina. A implantação do Programa Nacional de Arqueologia(Pronapa), ainda na primeira metade da década de 1960, criou ascondições para a ampliação das pesquisas que Piazza vinharealizando. De minha parte, o projeto “Os Grupos Jê em SantaCatarina”, que eu havia elaborado como trabalho final do Cursode Especialização, servia de base para o encaminhamento daspesquisas que me levariam ao doutorado. O interesse dos alunospelas atividades de pesquisa era crescente.

A sala que usávamos como apoio para nosso trabalho diáriona Faculdade estava assoberbada com materiais trazidos docampo. Na sua volta para as atividades diárias da Cadeira, omestre Cabral começou a trabalhar com Antropologia Física,dedicando-se especialmente à reconstituição de crâniosprovenientes das escavações realizadas por seu assistente, Walter

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Piazza, que era auxiliado por Anamaria Beck e outros estudantes.Marcílio Dias dos Santos, aluno concluinte do curso de História,havia me acompanhado à primeira etapa de campo entre osXokleng (Ibirama – SC) em julho de 1963. No ano seguinte, com oapoio de Cabral, Marcílio foi realizar um estágio no MuseuNacional (RJ). O mesmo aconteceu com Anamaria Beck, querealizou estágio no setor de Arqueologia daquele museu. Asatividades de ensino e pesquisa haviam crescido bastante. Cursosde extensão e visitas de pesquisadores de outras instituiçõestornaram-se rotina. O corredor que acessava a sala de aula e asala de trabalho dos professores foi aproveitado para abrigardiversas peças etnográficas e arqueológicas, resultantes daspesquisas em andamento.

O pouco espaço disponível, associado à percepção de que asatividades de pesquisa eram essenciais para a jovemUniversidade, levou Cabral a encaminhar, junto comigo e Piazza,ao reitor Ferreira Lima uma detalhada exposição de motivospropondo a criação de um Instituto de Antropologia, em 5 deoutubro de 1964 (ver Anexo 1). Acompanhava o documento umanteprojeto de organização do novo órgão, com destaque parasua subordinação diretamente à Reitoria e a formação de umquadro de docentes-pesquisadores que simultaneamenteexerceria a docência e a pesquisa. Um outro documento se referiaespecificamente aos cursos, ressaltando-se aqueles de pós-graduação. Estágios, cursos de especialização e mestrado eramprevistos para serem implantados gradativamente. Em 30 dedezembro de 1965, através da Resolução 089, aprovada peloConselho Universitário, foi criado o Instituto. A estrebaria daantiga Fazenda Assis Brasil, que havia servido para abrigar umselecionado plantel bovino, e dois outros imóveis próximos, queagora estavam no interior do campus, foram reservados paraabrigar o novo órgão. A Reitoria consignou recursos de seuorçamento para iniciar as necessárias reformas, previstas para oano seguinte.

Ainda em 1965, a Cadeira recebeu a visita dos renomadosantropólogos drs. Betty Meggers e Clifford Evans, do SmithsonianInstitution (EUA). O foco da visita era o incremento das pesquisas

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Etapas da reforma da antiga estrebaria da Fazenda Assis Brasil,que abrigou o Instituto de Antropologia. Acervo: Museu Universitário.

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arqueológicas, através do Pronapa. Mas os visitantes tambémmanifestaram a possibilidade de apoio ao projeto que eu estavaexecutando. No ano seguinte, recebi um grant no valor de doismil e duzentos dólares. Esses recursos permitiram o incrementodas pesquisas de campo e, mais que isso, garantiram oreconhecimento interno da importância da proposta queobjetivava valorizar estudos com os povos indígenas. Nessemesmo ano, Maria José Reis, aluna iniciante e professora decarreira, foi cedida pela Secretaria de Educação e começou a atuarcomo estagiária da Cadeira de Antropologia.

Foram meses de muita labuta para detalhar a proposta doInstituto, ampliar os recursos financeiros iniciais, reformar a antigaestrebaria e as casas, instalar móveis, comprar equipamentos eorganizar a equipe de trabalho. Em meados de 1967, o Institutode Antropologia tornou-se realidade. Cabral havia transformadoas baias da fazenda num ambiente de pesquisa e ensino, queacabaram sendo a base para a expansão da área de Antropologiana UFSC. A inauguração oficial do Instituto aconteceu em 29 demaio de 1968, com a presença do governador Ivo Silveira, do reitorFerreira Lima, outros reitores que participavam na UFSC de umareunião do Conselho de Reitores, diretores, professores,servidores e estudantes. Na oportunidade, Cabral fez um discursoressaltando a importância da nova instituição para assegurar apreservação do patrimônio arqueológico e para garantir a defesados indígenas, além de prover a preparação adequada de novosrecursos humanos4.

As novas instalações contavam com sala de aula, laboratórios,gabinetes para a direção, professores e pesquisadores, secretaria,biblioteca, laboratórios, sala de exposições, depósito de materiais,oficina de manutenção e garagem. Todo o equipamento necessárioà realização de pesquisas de campo nas áreas de Arqueologia eEtnologia foi adquirido, incluindo um veículo com tração (Rural

4. A documentação que fundamenta essas observações pode ser encontrada nos ANAISDO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, Ano I, n. 1. Florianópolis: ImprensaUniversitária, janeiro de 1969. A Exposição de motivos é publicada pela primeiravez neste volume, como anexo.

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Willys). Para o setor de Antropologia Física, foram adquiridos osinstrumentais antropométricos e uma coleção de modelos decrânios referentes à evolução humana. O pequeno anfiteatro queservia como sala de aula estava equipado com projetor de slides,retroprojetor, mapoteca e outros equipamentos essenciais aodesenvolvimento dos cursos regulares e os de extensão. Duranteo período de concretização do projeto, Cabral visitou o Institutode Antropologia da Universidade do Rio Grande do Norte, recém-criado, e o Departamento de Antropologia da Universidade doParaná, cujo titular era seu velho amigo professor José LoureiroFernandes.

No segundo semestre de 1967, as atividades docentes e depesquisa foram iniciadas nas novas instalações. O regime detrabalho continuava o mesmo: 18 horas semanais para osprofessores e pesquisadores, e 6 horas diárias para os servidores.Como docentes, nesse momento, atuavam Oswaldo RodriguesCabral, catedrático, e Sílvio Coelho dos Santos, assistente. Oprofessor Piazza, pouco antes, havia assumido a Cadeira deHistória da América, deixando assim de atuar como assistentede Antropologia. Como pesquisadores, contratados comoauxiliares de ensino, o Instituto contava com Anamaria Beck(arqueóloga); Gerusa Duarte (geógrafa),que havia realizado umestágio na área de Geologia do Quaternário com o professor JoãoJosé Bigarella, na Universidade do Paraná; e com o odontólogoEdison Araújo, que estava sendo iniciado por Cabral nos domíniosda Antropometria. Marcílio Dias dos Santos, também convidadopor Cabral, mas ainda não contratado, havia estagiado por doisanos no Museu Nacional, seguido de uma permanência na EscolaNacional de Antropologia e História, México, sob a orientaçãode Rodolfo Stavenhagem. Sua admissão ocorreu em 1968.

O Instituto contava ainda com uma secretaria, da qual eratitular o licenciado José Antônio da Costa, responsável peloexpediente diário, contando com a colaboração de servidores deapoio administrativo e de manutenção, além de um motorista.

O primeiro número da Revista Anais do Instituto deAntropologia, referente ao ano de 1968, circulou em janeiro de1969. Este exemplar fornece preciosas informações sobre a

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equipe docente e de pesquisa, sobre trabalhos em andamento ecursos de extensão, e sobre a solenidade de inauguração. Integrao volume um amplo documentário fotográfico e o RegimentoInterno, que foi aprovado pelo Conselho Universitário em 2 demaio de 1968. Egon Schaden (USP), Roque Laraia (MuseuNacional) e Paulo Duarte (Instituto de Pré-História, USP)ministraram cursos de extensão em suas especialidades,favorecendo o fortalecimento da programação de trabalho doInstituto. Outros dois cursos de extensão foram ministrados porCabral e por mim. A participação de alunos, professores epúblico externo nessas promoções era significativa, o que

Curso de extensão ministrado por Roque Laraia, do Museu Nacional, em 1968.Acervo: Sílvio Coelho dos Santos.

revelava o interesse pela área de Antropologia como um todo.No ano anterior (1967), outros cursos haviam acontecido,

ministrados por Luiz de Castro Faria (Museu Nacional),Oldemar Blasi (Museu Paranaense) e Maria Conceição Beltrão(Museu Nacional). O professor Wesley Hurt, da Universidadede Indiana (EUA), havia realizado com Anamaria Beck umapesquisa em sítios arqueológicos localizados em Laguna e

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ministrado diversas palestras. Os estágios para alunos jágraduados, incluindo alguns vindos de outras universidades,também já estavam em andamento.

O Instituto de Antropologia representava, sem dúvidas, nosfinais dos anos 1960, a vanguarda em termos de ensino, pesquisae extensão na área de Ciências Humanas e, quiçá, na própriaUniversidade. Era uma organização-modelo e podia rivalizar comoutras organizações congêneres existentes no País.

O professor Luiz de Castro Faria, um dos fundadores da ABA, ministrandoCurso sobre a Evolução do Homem nas instalações da IA/UFSC (1967).

Acervo: Museu Universitário.

No ano de 1969, a equipe foi reforçada com a participação doscolaboradores João José Bigarella, geólogo da Universidade doParaná, e do dr. Carlos Goferjee, médico residente em Blumenau,que se dedicava à Malacologia. A Revista Anais do Instituto deAntropologia n. 2, ano II, registra as atividades do Instituto emtermos de pesquisa e extensão, ressaltando-se amplacorrespondência recebida de instituições do País e do exteriorfocalizando a recepção do número anterior.

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É nesse volume relativo ao ano de 1969, editado em dezembropela Imprensa Universitária, onde aparece uma nota informandoque, devido às normas decorrentes da implantação da reformauniversitária, o Instituto de Antropologia passava a sedenominar Museu de Antropologia. Da mesma maneira, aRevista, a partir do número seguinte, passaria a ser identificadacomo Anais do Museu de Antropologia. A nota dizia ainda que“[...] a nova denominação, todavia, não implica em qualquermudança na direção, corpo do docente e de pesquisa,organização e endereço (grifo no original – SCS) – mas, tãosomente, de posição no organograma da nova estruturaçãouniversitária”. Essas palavras textuais do professor OswaldoCabral, então diretor, que vaticinavam a continuidade do órgãono futuro imediato, lamentavelmente não se concretizaram.

A reforma universitária na UFSC, que tinha suas bases noParecer 977/65, do professor Newton Sucupira, membro do CFE,e na Lei 5.540/68, foi deflagrada com a assinatura do Decreto64.824, de 15/7/1969. Esse decreto extinguiu as antigasfaculdades e eliminou as cátedras, criando centros edepartamentos. Outras mudanças drásticas ocorreram naestruturação da Universidade. Mudanças a que o mestre Cabralnão resistiu.

O I N S T I T U T O V I R A M U S E U

O Instituto de Antropologia não sobreviveu à implantaçãoda reforma universitária de 1970. Disposições da nova estruturaorganizacional da Universidade concentraram as atividadesde ensino e de pesquisa nos departamentos. Não houve espaçonessa estrutura, criada pela comissão local encarregada deplanejar e implantar a reforma, nos idos de 1968/69, paraunidades denominadas institutos. Diga-se que, à época,existiam três institutos: o de Direito do Trabalho, na Faculdadede Direito, organizado pelo professor Henrique Stodieck; o deEstudos Sócio-Econômicos, na Faculdade de CiênciasEconômicas, e que tinha à frente o professor Nereu do Vale

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Pereira; e o de Antropologia. Nenhum deles tinha, entretanto,organização similar ao de Antropologia.

Explicito, para se compreender o contexto em que as decisõesforam tomadas, que havia uma disputa política em relação àorganização da Universidade e, em particular, à Reitoria.Interesses relacionados à sucessão do reitor Ferreira Limaestavam em jogo. O professor Stodieck aparecia como umaliderança emergente, potencialmente capaz de concorrer àseleições que se aproximavam. O professor Cabral também tinhasuas divergências com diversos membros do ConselhoUniversitário e, por extensão, com alguns dos membros dacomissão da reforma. Assim sendo, suponho que os membrosda Comissão de Implantação da Reforma Universitária (CIRU),motivados por estratégias relacionadas à assunção em posiçõesna estrutura da Universidade, por submissão aos jogos de poderque estavam em curso, ou por falta de visão, simplesmenteresolveram eliminar os institutos. De outra parte, a reformaestava acontecendo de maneira acelerada numa universidadeque tinha poucos anos de existência e um reduzido número deprofessores e alunos. No cenário nacional, o Ministério daEducação encontrava-se sob a influência do convênio MEC/Usaid, que havia sido firmado pelos militares que estavam nopoder. As pressões exercidas sobre a comissão da reforma, comcerteza, também não eram pequenas. A falta de experiência,certamente, levou alguns daqueles que tinham que tomardecisões a aderir sem maiores críticas ao novo modelo. A UFSCfoi uma das primeiras universidades do País a implantar areforma. Anos depois, e especialmente considerando as práticasde vestibular único e unificado, a dicotomia entre curso básicoe os cursos profissionalizantes, a inexistência de turmas, etc.,houve necessidade de introduzir várias alterações nesse modelo,aproximando-o da estrutura que temos hoje.

Às vésperas da aprovação da nova estrutura pelo ConselhoUniversitário, numa situação de quase ultimato, Cabral foiavisado de que poderia salvar o Instituto de Antropologia casoaceitasse uma outra denominação. Foi assim que o Instituto, deum momento para outro, se transformou em Museu de

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Antropologia. A nova denominação foi a maneira encontrada pararesguardar as atividades de pesquisa e manter uma certaindependência em relação ao recém-criado Departamento deSociologia, onde Cabral e sua jovem equipe acabaram sendolotados. Os pleitos para que esse departamento fosse denominadode “Sociologia e Antropologia” ou de “Ciências Sociais” tambémnão tiveram sucesso. Muito menos vingaram os pleitos paramanter o Instituto com a denominação de Museu sob a égide deum Departamento de Antropologia.

A reforma aboliu as faculdades, suas congregações e os cursosseriados. Foi instituído um Centro de Estudos Básicos, responsávelpelo ensino das disciplinas consideradas fundamentais em quatrograndes áreas de estudo. Depois, seguiam-se os cursosprofissionalizantes. As instalações da Faculdade de Filosofiaserviram de base para abrigar o novo Centro e os Departamentosa ele vinculados, entre eles o de Sociologia. Paradoxalmente, tantoa Antropologia como a Sociologia foram consideradas comodisciplinas fundamentais e, assim sendo, ofertadas nas primeirasfases do chamado Curso Básico. Alguns conteúdos tambémpassaram a ser ministrados em cursos profissionalizantes. Emconseqüência, os professores e pesquisadores do antigo Institutode Antropologia foram mobilizados para assumir aulas e maisaulas. Este cenário tinha muito a ver com o projeto Brasil Grandee a ideologia desenvolvimentista, protagonizados pelo regimemilitar.

Disciplinas de Sociologia eram ofertadas, até então, emdiferentes faculdades, entre elas a de Direito, a de Serviço Social,a de Ciências Econômicas e a de Filosofia. Conteúdosprogramáticos referentes a Sociologia Geral, Sociologia Jurídica,Sociologia da Educação e Sociologia do Desenvolvimento estavampresentes em vários currículos. A Constituição de 1967 haviaestabilizado como professores titulares aqueles docentes querespondiam por Cadeiras. Uns poucos auxiliares e assistentesapoiavam o trabalho desses titulares. Foi esse grupo de docentes,junto com os professores e pesquisadores do Instituto deAntropologia, que serviram de base para a formação doDepartamento de Sociologia. Para a chefia do Departamento, foi

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designado o professor Nereu do Vale Pereira, titular de Sociologia,até então vinculado à antiga Faculdade de Ciências Econômicas.

Cabral, que havia imaginado uma simples alteração no nomedo Instituto, ficou inconformado com as imposições crescentesda CIRU, acabando por encaminhar ao reitor um pedido dedemissão das funções de diretor do Instituto, agora Museu. Erecolheu-se à sua casa, aguardando os acontecimentos. A Reitorianão deu seguimento a esse pedido de demissão do cargo de diretor– que, ressalte-se, era apenas simbólico, pois Cabral não recebianenhuma gratificação de função. Em sua casa, licenciadoinformalmente, Cabral passou a escrever em tempo integral,produzindo em curto prazo diversos livros.

Até sua aposentadoria compulsória, em 1973, entretanto,Cabral não deixou no dia-a-dia de tomar conhecimento de todasatividades que se realizavam no agora Museu de Antropologia,auxiliando continuamente na solução dos problemas que a jovemequipe de professores, sob minha liderança, enfrentava. Seu nomefoi preservado como o diretor efetivo do Museu até suaaposentadoria, enquanto eu respondia como diretor em exercício.O Museu passou a integrar a nova estrutura da Universidadecomo órgão suplementar vinculado ao gabinete do reitor.

É oportuno esclarecer que, desde 1963, eu vinha participando,no período da tarde, das atividades do Centro de Estudos ePesquisas Educacionais (CEPE), órgão da Faculdade de Educação,integrante da Universidade para o Desenvolvimento do Estadode Santa Catarina (Udesc). Nesse órgão, liderei a realização dediversas pesquisas na área da Educação e fui um dos responsáveispela elaboração e implantação do 1º Plano Estadual de Educação(1968/69). Essas experiências foram fundamentais para dar contados novos desafios que a equipe de Antropologia enfrentava.Consegui também demonstrar para a Reitoria que eu necessitavaatuar no Museu em dois turnos e para tanto precisava me exonerardas funções de diretor do CEPE. Depois de alguns meses, sob ajustificativa de que eu respondia por um Órgão Suplementar, aReitoria me concedeu o regime de 40 horas semanais. Nesse novocenário de trabalho, minhas atividades redobraram e, em poucotempo, logrei também concluir minha tese de doutorado.

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Na área específica de Antropologia, Cabral teve diversascontribuições como professor e autor. Como professor, como foidito, era dotado de forte capacidade de comunicação. Privilegiavaseus alunos com textos por ele organizados para facilitar acompreensão de suas explanações. Suas aulas eram cativantes,sendo célebres suas histórias hilárias relacionadas às temáticasem foco. Ao mesmo tempo, era cioso na cobrança de seusestudantes, a começar pela observância estrita ao horário das aulase aos prazos estabelecidos para a entrega dos trabalhos. Rigorosoao atribuir notas e conceitos, não deixava de tecer comentáriossobre os erros e acertos cometidos. Ao mesmo tempo, era umgrande incentivador de seus alunos e colaboradores para arealização de cursos de pós-graduação e para a formulação deprojetos de pesquisa. Era um competente administrador.Dedicando-se a diferentes atividades e tendo interesses múltiplosnas atividades acadêmicas, deixou importantes contribuições naárea específica da Antropologia. Genioso e polêmico, enfrentoumuitas situações de conflito e não poucas vezes tomou atitudesdrásticas, motivadas por seu temperamento sensível5.

Com o Instituto transformado em Museu, seu corpo depesquisadores teve que assumir funções docentes para atender àinclusão de novas disciplinas de Antropologia. Em conseqüência,ocorreu uma diminuição efetiva das atividades de pesquisa (atéentão concentradas em projetos voltados para temáticas daArqueologia e da Etnologia), pois as cargas letivas eram altas. Alotação e a conseqüente subordinação dos professores aoDepartamento de Sociologia foram motivo permanente de tensão,que se manifestava no dia-a-dia nas relações com os colegasprofessores de Sociologia. Qualquer projeto de pesquisa, para serexecutado, ou afastamentos para congressos ou para a realizaçãode cursos de pós-graduação passaram a ter que ser aprovadospelo Departamento. O mesmo acontecia com a distribuição das

5. Quando do centenário de nascimento de Oswaldo Rodrigues Cabral, ocorreramdiversas homenagens na cidade, entre elas as prestadas pelo Instituto Histórico eGeográfico de Santa Catarina e pela Academia Catarinense de Letras. Ver: SANTOS,Sílvio Coelho dos et al. Oswaldo Rodrigues Cabral na Historiografia Catarinense.Florianópolis: IHGSC, série ensaios 2, 2005.

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O S W A L D O R O D R I G U E S C A B R A L , O F U N D A D O R

Oswaldo Rodrigues Cabral nasceu na cidade de Laguna (SC) noano de 1903. Cursou o Primário em diferentes cidades, devido àstransferências de trabalho de seu pai. Ainda menino, em 1914, ingressouno Ginásio Catarinense, de onde foi expulso por não se adaptar à rigidezpedagógica dos jesuítas. Concluiu, em 1919, na Escola NormalCatarinense, sua instrução secundária. Após atuar como professor nascidades de São Francisco do Sul (SC) e Joinville (SC), ingressou nocurso de Farmácia da Universidade do Paraná em 1923. No ano seguinte,transferiu-se para o curso de Medicina. Mudou-se em 1927 para a cidadedo Rio de Janeiro, dando continuidade ao seu curso na Faculdade deMedicina da Universidade do Brasil. Em 1929, terminou a sua graduaçãoe apresentou a tese de doutorado Problemas educacionais de higiene.Durante todo esse período, para se manter financeiramente, Cabraltrabalhou como serventuário da Justiça, exerceu atividades no magistérioe iniciou-se no jornalismo. Exerceu a profissão de médico em Joinville,entre 1930 e 1935, período em que escreveu seu primeiro livro, SantaCatarina: história e evolução. Pouco depois, transferiu-se paraFlorianópolis (SC), onde deu continuidade às suas atividadesprofissionais, chegando a assumir a direção da Assistência Municipal ea presidência da Seção de Santa Catarina da Cruz Vermelha Brasileira(1942 – 1944). Em 1938, foi eleito membro da Academia Catarinense deLetras e passou a ser sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico.Auxiliou na organização do Primeiro Congresso de História Catarinense,realizado em 1948, e participou da fundação da Faculdade Catarinensede Filosofia, nos anos 1950, assumindo a Cadeira de Antropologia. Coma criação da Universidade (1960), foi escolhido para ser diretor daFaculdade. Ainda na década de 1960, realizou enorme esforço para criaro Instituto de Antropologia, inaugurado em 1968. Com a implantação dareforma universitária em 1970, Cabral sofreu o revés de ver o Institutode Antropologia ser transformado em Museu. Desiludido, afastou-se daUniversidade, e, em 1973, ao completar 70 anos, foi aposentadocompulsoriamente. Pouco depois, o Conselho Universitário concedeu-lhe o título de Professor Emérito. Oswaldo Rodrigues Cabral faleceu em1978 devido a problemas cardíacos. Por ocasião de seu centenário denascimento, em 2003, recebeu diversas homenagens, em particular daAssembléia Legislativa, do Instituto Histórico e Geográfico, e da AcademiaCatarinense de Letras. Na UFSC, durante a realização da V Reuniãodos Antropólogos do Mercosul (RAM), alguns de seus ex-alunos ohomenagearam como pai fundador da Antropologia em Santa Catarina.

Kaio Domingues Hoffmann – bolsista IC/CNPq

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cargas de aulas. Devido à expansão das matrículas, rapidamenteocorreu a ampliação do número de professores. A área deSociologia passou a ter um contingente de professores bem maiorque a de Antropologia. As votações eram sempre difíceis, e nemsempre os argumentos dos antropólogos, valorizando asatividades de pesquisa e a competência, eram aceitos. Como dadopositivo decorrente dessa situação, ocorreu a consolidação, porcontraste, da identidade do jovem grupo de antropólogos. Acoesão interna do grupo passou a ser a sua tônica.

Para manter os espaços conquistados e ter uma relativaindependência em relação ao Departamento, foi necessárioampliar os contatos externos visando à valorização e aoreconhecimento do grupo. A divulgação sistemática dasatividades de pesquisa; a realização de cursos de extensãoproferidos por professores de universidades do País ou doexterior; a dinamização do sistema de estágios para alunos recém-graduados com vistas ao seu encaminhamento para realizaremcursos de pós-graduação; a manutenção da Revista Anais do Museude Antropologia; e a ampliação dos contatos com universidadesestrangeiras tornaram-se os pontos cruciais desse processo deafirmação da área no espaço do então Museu de Antropologia e,por extensão, no Departamento de Sociologia.

Eram professores de Antropologia, em 1971, os seguintesdocentes: Sílvio Coelho dos Santos; Anamaria Beck; Gerusa Duarte;Margarida Davina Andreatta; Luiz Carlos Halfpap; Maria José Reis;e Alroíno Baltazar Eble. Uma detalhada correspondência enviadaao então chefe da Seção de Educação do Banco Interamericano deDesenvolvimento, senhor Ismael Escobar, pleiteava recursos daordem de US$ 90.000, a fundo perdido, para a construção de umprédio para abrigar o Museu de Antropologia. Este documento,intitulado “Um Museu para Santa Catarina”, oferece em detalhes operfil da equipe docente e de pesquisa, e arrola a sua produçãoacadêmica, além de argumentar sobre a importância de incrementaro conhecimento antropológico através de exposições voltadas parao público visitante6.

6. ANAIS DO MUSEU DE ANTROPOLOGIA, Ano IV, n.4. Florianópolis: ImprensaUniversitária, 1971.

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Não era somente às atividades de ensino e de pesquisa que osjovens antropólogos se dedicavam e se sobressaíam entre osestudantes e seus colegas professores da Universidade. Asreuniões festivas, realizadas sempre que havia algum eventoespecial, transformaram-se numa marca da Antropologia. Nãopoucas festas foram realizadas nas dependências do Museu. NaLagoa da Conceição, o restaurante do Leca, no Retiro, passou aser um local de encontro dos antropólogos e de seus convidados.Mais tarde, foi a vez do Bar do Arante, no Pântano do Sul. E nãomenos significativos eram os churrascos, os almoços e os jantaresnas casas dos professores. Esses encontros prosseguem até opresente como forma de estreitamento das relações entreestudantes e docentes.

Em 1972, eu defendi minha tese de doutorado na Universidadede São Paulo7. À época, a colega Anamaria Beck realizava tambémseu doutorado na USP em Arqueologia, que foi concluído em1973. Nesse mesmo ano, Neusa Maria Sens foi aprovada emconcurso e ingressou como docente. Outros membros do grupofreqüentavam cursos de mestrado, complementando asespecializações que haviam realizado. Em 1974, na UFSC, tantoeu como Anamaria Beck fomos aprovados no concurso de Livre-Docência8. O potencial da equipe, tanto na área docente como nade pesquisa, tinha sido preservado e, inclusive, ampliado com acontratação de novos docentes.

Os Anais do Museu de Antropologia referentes ao ano de 1973foram dedicados ao professor Cabral, que no dia 11 de outubrocompletara 70 anos. Além de artigos produzidos pelo grupo deantropólogos do Museu, focalizando diferentes pesquisas, estenúmero contém expressivas homenagens que foram prestadasao mestre jubilado, reconhecido por todos como grandeincentivador do ensino e da pesquisa em Antropologia. Umbalanço da situação da Antropologia em Santa Catarina, elaborado

7. Essa tese foi publicada com o título Índios e brancos no Sul do Brasil - a dramáticaexperiência dos Xokleng. Florianópolis: Edeme, 1973 [1ª], e pela Movimento, 1987 [2ª].

8. A tese que defendi se intitulava Educação e sociedades tribais. Porto Alegre;Movimento, 1975. A de Anamaria Beck intitulava-se O Sambaqui de Enseada I(SCLN71): um estudo sobre tecnologia pré-histórica.

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por mim, dava idéia das pesquisas em andamento; informavatambém sobre a cooperação com o Departamento de Antropologiada Universidade Federal do Paraná e com a Divisão deAntropologia do Departamento de Ciências Sociais daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Registrava, ainda,que disciplinas de Antropologia estavam sendo lecionadas naFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Itajaí; na Faculdadede Filosofia, Ciências e Letras de Joinville; na Faculdade deCiências e Pedagogia de Tubarão; e na Faculdade de Ciências ePedagogia de Lages. A colaboração com essas instituições eragrande. Alguns docentes integrantes do grupo do Museu foramos iniciadores do ensino de Antropologia (casos de Joinville eItajaí); ex-alunos se tornaram docentes; e uma seqüência de cursosde extensão foi realizada visando à afirmação da Antropologiacomo área de conhecimento naquelas instituições.

A crescente presença do público para conhecer as exposições,que eram pequenas e restritas aos materiais coletados em sítiosarqueológicos e em áreas indígenas, motivou o convite paraFranklin Cascaes passar a atuar no Museu. Cascaes era detentorde um enorme acervo sobre a cultura luso-açoriana da Ilha deSanta Catarina. Esse acervo era resultado de sua extraordináriadedicação para registrar, através de esculturas, desenhos,narrativas e textos, diferentes manifestações culturais dapopulação local. Entretanto, as elites da cidade poucaimportância davam ao trabalho desse mestre do folclore. Cascaesnunca havia sido apoiado institucionalmente. O convite paraatuar na Universidade o entusiasmou. Contudo, por ser professoraposentado na Escola Técnica Federal, logo surgiram dificuldadesburocráticas que inviabilizaram nossas tentativas de contratá-lo.A solução foi encontrada junto à Prefeitura Municipal, atravésdo prefeito Nilton Severo da Costa, ex-aluno de Cascaes, quefirmou um convênio com a Universidade, destinando recursosfinanceiros para assegurar a continuidade de seus trabalhos depesquisa e, ao mesmo tempo, garantir-lhe uma complementaçãosalarial.

Foi assim que o acervo em questão, denominado “ColeçãoElisabeth Pavan Cascaes”, foi incorporado ao Museu em 1974.

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JO Ã O AL F R E D O R O H R – O PA D R E A R Q U E Ó L O G O

João Alfredo Rohr nasceu em Lageado (RS) em 1908. Aos dezanos de idade, ingressou no Seminário da Companhia de Jesus,em São Leopoldo (RS), dando início à sua formação religiosa.Obteve sua ordenação sacerdotal em 1939. Ainda no Seminário,começou a lecionar Ciências Naturais. Em 1941, foi designado paraatuar no Colégio Catarinense, em Florianópolis, onde foi professorde Biologia, Química e Ciências Naturais. Entre 1946 e 1952,exerceu também as funções de diretor e reitor desse Colégio. Nosanos 1950, o padre Rohr começou a se interessar pela Arqueologia,em particular pelos sítios denominados sambaquis existentes nolitoral de Santa Catarina. Nessa área, viria a firmar-se comorenomado pesquisador. No início, Rohr enfrentou dificuldades paraa aceitação de suas pesquisas por parte da Ordem dos Jesuítas,que tinha relutância em aceitar estudos sobre a evolução humana.No decorrer dos anos, Rohr notabilizou-se por suas escavações epelo trabalho de preservação de sítios arqueológicos. Enfrentouproblemas com a Justiça, órgãos públicos e empresários,denunciando e defendendo incansavelmente a exploração e adestruição irresponsável desses sítios. Autodidata, publicousistematicamente artigos em revistas nacionais e internacionaissobre suas descobertas. Seu envolvimento com a Arqueologia esua luta pela preservação dos sítios arqueológicos levaram-no aobter enorme reconhecimento da comunidade científica do País edo exterior. Nos anos 1960, assumiu a condição de representantedo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)para a área de Arqueologia em Santa Catarina. Reconhecido comoarqueólogo por profissionais da área, foi contemplado pelo ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) comuma bolsa de pesquisa na categoria de Pesquisador Sênior. NoColégio Catarinense, organizou e dirigiu o Museu do Homem doSambaqui, hoje valioso patrimônio cultural do Estado de SantaCatarina. As coleções ali reunidas sobre as populações queantecederam a chegada dos europeus nesta parte do País têmenorme valor histórico. O padre arqueólogo João Alfredo Rohrfaleceu em 1984, no Colégio Catarinense, aos 75 anos. Morreusolitário como acostumara-se a viver, para que pudesse melhor sededicar aos estudos e ao trabalho arqueológico.

THIAGO SWOBODA – BOLSISTA IC/CNPQ

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Poucos anos depois, com nova administração na Prefeitura,surgiram dificuldades para a renovação do convênio. O reitorCaspar Erich Stemmer, que havia assumido a Reitoria, entretanto,logrou viabilizar a contratação de Cascaes para o exercício defunções técnicas, garantindo a sua permanência na instituição e acontinuidade de seu trabalho.

Mais tarde, nos anos 1980, o Museu também recebeu a doaçãode parte do acervo arqueológico pertencente ao engenheiro TomWildi, que havia realizado diversas escavações no País e noexterior. Anteriormente, tentativas haviam sido feitas, semsucesso, para incorporar o acervo do Museu do Sambaqui,organizado pelo pe. João Alfredo Rohr, em vista das limitaçõesda Ordem dos Jesuítas para mantê-lo.

De outra parte, as publicações asseguravam a circulação daprodução dos jovens professores integrantes do Museu deAntropologia. Em 1970, por exemplo, eu havia publicado o livro Aintegração do índio na sociedade regional: a função dos postos indígenas emSanta Catarina (Imprensa Universitária, UFSC), como uma das etapasdo doutorado na USP9. Em função da circulação desse livro noexterior, recebi um convite para participar, em 1971, da Reunião deBarbados, realizada sob o patrocínio da Universidade de Berna(Suíça) e do Conselho Mundial de Igrejas, tendo como foco a violênciadas relações entre índios e brancos na América Latina. O documentofinal dessa reunião exortou os antropólogos a exercerem suasresponsabilidades em relação às minorias indígenas, ao mesmotempo em que expressou severas críticas às políticas governamentaise aos papéis assumidos pela Igreja em relação à dominação colonialdos índios. Essa experiência permitiu a ampliação do meucomprometimento e de outros colegas brasileiros com as minoriasindígenas do País, que estavam sendo vilipendiadas pelos projetosdesenvolvimentistas impostos pelos governos militares.

9. Devido a denúncias, esse livro, quando estava em fase final de edição (dezembro de1969), foi apreendido na Imprensa Universitária pela Polícia Federal. Sua liberaçãoocorreu graças às relações de minha família e ao apoio do reitor Ferreira Lima. Em19 de fevereiro de 1970, o tenente-coronel Ary Oliveira, delegado regional do DPF-SC, assinou o Certificado 02/70 liberando a obra.

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EGON SCHADEN – O PRIMEIRO ANTROPÓLOGO CATARINENSE

Egon Schaden nasceu em 4 de julho de 1913 em São Bonifácio,uma pequena cidade no interior de Santa Catarina, cujos habitanteseram em maioria descendentes de imigrantes alemães. O pai deEgon, Francisco Schaden, nascido na Alemanha, trabalhava comoprofessor na única escola da cidade. Era um estudioso autodidataque tinha como principal interesse o estudo dos indígenas que aindaviviam nas florestas vizinhas e que estavam ameaçados deextermínio. Egon acompanhou o pai em algumas das excursõesem busca de contato com esses indígenas. Certamente, aí começoua brotar o seu interesse pela Antropologia.

Agraciado pelo governo do Estado com uma bolsa para estudarno Colégio Catarinense, ali completou o seu curso ginasial. A seguir,mudou-se para São Paulo, onde trabalhou como professor em várioscolégios. Mais tarde, ingressou no curso de Filosofia da Universidadede São Paulo (USP) e, ao mesmo tempo, atuou no Museu Paulista,sob a orientação de Herbert Baldus. Nessa época, iniciou seustrabalhos de pesquisa sobre os Guarani no litoral de São Paulo.Obteve na USP os títulos de doutor e livre-docente, tornando-semais tarde catedrático de Antropologia. Entre suas obras, destacam-se A aculturação indígena, Aspectos fundamentais da cultura guaranie a Mitologia heróica das tribos indígenas do Brasil. O professorEgon Schaden dedicou-se tanto à expansão da Cadeira deAntropologia como à organização da Associação Brasileira deAntropologia.

Entre as suas muitas contribuições, destaca-se a criação daRevista de Antropologia, que foi mantida às suas expensas durantemuitos anos. Desiludido com as imposições autoritárias do regimemilitar sobre seus colegas da USP, decidiu se aposentar em 1968.A seguir, ministrou diversos cursos na França, Canadá, Alemanha,Suíça, Japão, Colômbia, Equador e Paraguai. Em meados dadécada de 1970, voltou a atuar na USP, lecionando na Faculdadede Comunicação e Artes (ECA). Trabalhou arduamente paradesenvolver um novo campo da Antropologia: a Antropologia Visual.

Schaden faleceu em 16 de setembro de 1991. Na ECA, a salade defesas de teses recebeu o seu nome, numa homenagem aomestre que deu enorme contribuição, tanto para a EtnologiaBrasileira como para a Antropologia da Comunicação.

CAROLINA FERNANDES CORRÊA – BOLSISTA IC/CNPQ

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Destaque-se, ainda, que, em 1971, aconteceu na Universidadede São Paulo o Encontro Internacional de Estudos Brasileiros eo I Seminário de Estudos Brasileiros, organizado, entre outros,pelos professores João Baptista Borges Pereira e Egon Schaden.Para essa oportunidade, foi programada a realização da VIIIReunião Brasileira de Antropologia (ABA). A reunião chegou acontar com a apresentação de alguns trabalhos por uns poucossócios da ABA que lá estavam, porém, não houve condições deeleger uma nova diretoria. A seqüência numérica das reuniõesda ABA registra, entretanto, esse encontro pouco formal e quaseclandestino, como a VIII Reunião10. O fato relevante a considerar

10. Texto baseado nas intervenções feitas durante as reuniões de Comemoração 50Anos da ABA dias 1 e 2 de junho, Unicamp, Campinas, SP, e na Universidade Federaldo Rio Grande do Sul, dia 17 de junho de 2005. Ver: CORRÊA, Mariza. As ReuniõesBrasileiras de Antropologia: cinqüenta anos. Brasília: ABA, 2003.Ver ainda ANAISDO MUSEU DE ANTROPOLOGIA, Ano 7, n.7. Florianópolis: Imprensa Universitária,UFSC, 1974.

Inauguração de exposição no Museu de Antropologia. Ao fundo, da esquerdapara a direita, Miguel Chasi-Sardi, da Universidade Católica de Assunção, Sílvio

Coelho dos Santos e Alroíno Baltazar Eble. Acervo: Sílvio Coelho dos Santos

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foi que, tanto nos eventos oficiais como nessa pequena reuniãoda ABA, participaram diversos estudantes e jovens antropólogosde nossa universidade.

P R O J E T A N D O A P Ó S - G R A D U A Ç Ã O

Na perspectiva da crescente afirmação da área de Antropologiana UFSC, em 1972 tivemos a oportunidade de organizar e derealizar o Primeiro Encontro de Professores de Antropologia doSul. Esse evento tomou como referência as reuniões que vinhamsendo efetivadas pelo professor pe. Pedro Ignácio Schmitz, titularde Antropologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul,com os professores que trabalhavam no interior daquele Estado.Esse encontro permitiu não só uma discussão sobre questõesrelacionadas ao ensino, como também possibilitou uma avaliaçãodas pesquisas que estavam em andamento11. Resultou desseevento um forte compromisso dos participantes com o destinodas populações indígenas; com a preservação de sítiosarqueológicos; e com a implantação de um programa de pós-graduação para atender aos estudantes da Região Sul.

Especificamente sobre as possibilidades de se iniciar um cursode pós-graduação, ainda em 1972, realizamos consultas a diversasinstituições, objetivando obter apoio para a futura iniciativa.Cartas recebidas de Betty Meggers e Clifford Evans,respectivamente, research associate e chairman do Departamentode Antropologia do Smithsonian Institution (EUA), e de RobertoDa Matta, chefe do Departamento de Antropologia do MuseuNacional (UFRJ), entre outras, manifestavam interesse emcolaborar com nossa futura proposta (ver Anexo 2).

Nesse mesmo ano, a chefia do Departamento, com o apoiomajoritário dos professores de Sociologia, investiu na criação deum curso de graduação em Estudos Sociais, com o objetivo deformar professores num sistema de licenciatura curta para

11. ANAIS DO MUSEU DE ANTROPOLOGIA, Ano 5, n.5., Florianópolis: ImprensaUniversitária, UFSC, 1972.

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disciplinas como Organização Social e Política Brasileira (OSPB),História e Geografia. Depois de muitas discussões e críticas, essainiciativa foi transformada, em 1975, no curso de licenciatura plenaem Ciências Sociais, que conhecemos hoje (o curso foi reconhecidopelo Decreto presidencial n. 81.144/1978). Em conseqüência, oDepartamento de Sociologia passou a se denominarDepartamento de Ciências Sociais.

Transformações também ocorreram na estrutura daUniversidade em relação ao modelo adotado quando da reforma.O Centro de Estudos Básicos foi eliminado, originando outroscentros com identidades com áreas de conhecimento maisespecíficas. Assim, os cursos que se abrigavam na antigaFaculdade de Filosofia, antes da reforma, originaram trêscentros, respectivamente, de Ciências da Educação;Comunicação e Expressão; e Filosofia e Ciências Humanas. Oscursos de graduação voltaram a ser seqüenciais e escolhidos nomomento do vestibular.

As dificuldades para fazer pesquisas de longo prazo,entretanto, continuaram. O grupo de professores envolvido empesquisas arqueológicas foi o mais prejudicado, pois nãoconseguia o tempo necessário para desenvolver projetos quedemandavam, antes de tudo, recursos financeiros e continuidade.Alguns dos integrantes do grupo acabaram reorientando seusinteresses, formulando propostas voltadas principalmente parao estudo das populações rurais e de comunidades pesqueiras.Nesse contexto, as atividades de pesquisa arqueológicaarrefeceram. O ensino de Arqueologia, nos cursos de CiênciasSociais e de História, também perdeu espaço12.

Em 1974, contribuímos decisivamente para a reabertura daAssociação Brasileira de Antropologia (ABA). Uma memorávelreunião aconteceu na UFSC, graças à iniciativa do pequeno grupo

12. O professor Alroíno Eble prosseguiu trabalhando na área de Arqueologia, auxiliadopor diversos estudantes. Suas condições de saúde, porém, foram se agravando,dificultando a realização de trabalhos de campo. Nos finais da década de 1970, aReitoria contratou a professora Marilandi Goulart para atuar nessa mesma área, ealgumas pesquisas de salvamento de sítios em áreas ameaçadas por “projetos dedesenvolvimento” foram realizadas.

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de jovens antropólogos que atuava no Museu. A ComissãoOrganizadora desse evento foi integrada pelos seguintesprofessores: Sílvio Coelho dos Santos, Anamaria Beck, AlroínoBaltazar Eble, Luiz Carlos Halfpap, Gerusa Duarte, Maria JoséReis e Neusa Maria Bloemer.

É de se lembrar que o Parecer Sucupira, de 1965, que orientoua reforma universitária, teve também sua face positiva. Aimplantação dos cursos de pós-graduação mudou efetivamenteo perfil das universidades públicas do País. O regime militar, quehavia imposto vários controles à comunidade universitária, alémde promover cassações e prisões de docentes, de servidores e deestudantes, também criou condições para a expansão dasuniversidades, ampliando as vagas dos cursos de graduação eestruturando o ensino de pós-graduação. O crescimento donúmero de estudantes e de professores criou novas demandasem relação às temáticas socioculturais e, em particular, às políticaspúblicas em relação às minorias étnicas. Assim sendo, a reaberturada ABA era considerada imprescindível pelos jovens profissionaisque adentravam nas lides universitárias e nas atividades depesquisa. A Antropologia, nesse momento, era um espaço maisque estratégico para pensar o Brasil e seus contrastes. E nada maisoportuno do que programar a reabertura da ABA numauniversidade onde havia uma forte pulsação em torno do ensinoe da pesquisa nessa área de estudos.

Em conseqüência de minhas atividades funcionais comodiretor do Museu, eu mantinha contatos com o professor ManuelDiegues Jr., que exercia as funções de diretor de AssuntosCulturais do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Oprofessor Diegues havia sido eleito presidente da ABA, à suarevelia, na reunião que aconteceu em 1966, em Belém, durante arealização da Biota Amazônica. Essa reunião teve váriaslimitações em conseqüência das restrições impostas àcomunidade universitária pelo regime militar, e Diegues nãoconseguiu organizar a reunião seguinte.

Numa feliz coincidência, durante uma visita do professor CastroFaria ao Museu de Antropologia, onde ministrou um curso deextensão, surgiu a oportunidade de referir ao reitor Roberto Lacerda

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a importância de a Universidade sediar um encontro deantropólogos que propiciasse a reabertura da associação. O reitorfoi receptivo à idéia. Meses depois, em visita ao professor Diegues,no Rio de Janeiro, pude manifestar o interesse da Universidade edo grupo de antropólogos que eu liderava em organizar um eventoque permitisse a reabertura da associação. O mestre Diegues aceitoua sugestão e acenou com a possibilidade de assegurar uma partedos recursos financeiros que eram necessários para custear asdespesas de passagens e hospedagem dos membros da diretoria edo conselho. Formalizada a proposta através de projeto enviadoao professor Diegues, em dezembro de 1974, no auditório daReitoria, concretizamos a reabertura da ABA.

A IX Reunião de nossa Associação contou com a participaçãode 28 sócios e 179 não sócios, e teve como agenda a realização detrês mesas-redondas, que focalizaram os seguintes temas: “Ensinoe pesquisa em Antropologia no Brasil”; “A Antropologia em ação:o problema das minorias”; e “Contribuição da Antropologia aoprocesso de desenvolvimento brasileiro”13.

A adesão de jovens antropólogos, de estudantes de pós-graduação e de outros interessados ao encontro surpreendeusobremaneira os sócios efetivos. Em verdade, o pequeno grupoque organizara o evento e a maioria dos não sócios que forampreviamente contatados e convidados imaginavam que haveriauma Assembléia Geral para definir os novos rumos da Associação,oportunidade em que seriam eleitos uma nova diretoria e umnovo conselho. Isto, porém, não aconteceu. Embora sem ter havidoeleições por um período de oito anos, os membros da diretoriae do conselho consideraram que prevalecia o Estatuto pelo qualeram os participantes do conselho que indicavam a novadiretoria e preenchiam as vagas abertas nesse colegiado. Foiassim eleito para a Presidência da ABA o respeitado professorThales de Azevedo, da Universidade Federal da Bahia. YonneLeite (MN-UFRJ) e Wagner Neves da Rocha (UFF) foram eleitossecretário e tesoureiro, respectivamente. Salvador foi indicadapara sediar a X Reunião.

13. ANAIS DO MUSEU DE ANTROPOLOGIA (1974).

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Flagrantes da IX Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, noauditório da UFSC, em 1974. Acervo: Sílvio Coelho dos Santos.

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A ata final dessa reunião registrou, ainda, que o professorRoberto Cardoso de Oliveira sugeriu que fosse proposta à novadiretoria a efetivação de alterações no Estatuto da organizaçãovisando a adaptá-lo à “[...] situação atual, por exemplo para tornarmais rápido o processo de aprovação de propostas de admissãode novos membros”, o que foi aprovado pelos conselheiros e peladiretoria.

Foi assim que, na reunião realizada na Bahia, em 1976, sob apresidência do professor Thales de Azevedo, ocorreu a aprovaçãode um número expressivo de novos sócios, e as temáticas relativasàs questões sociais e políticas, especialmente aquelas pertinentesàs populações indígenas, tiveram seus espaços bastanteampliados.

Certamente, a efetivação da IX Reunião da ABA emFlorianópolis contribuiu decisivamente para a afirmação da áreade Antropologia no cenário da UFSC. Ainda no início do ano de1974, havíamos tentado criar, sem êxito, um Curso deEspecialização em Antropologia. Entre as dificuldades, estavampresentes as resistências dos colegas da área de Sociologia. Apesardo reconhecimento da competência do grupo de antropólogos,foram necessárias longas negociações para que pudéssemosfinalmente implantar o Curso de Especialização em CiênciasSociais, com concentrações em Antropologia e em Sociologia, em1976 (criado através da Portaria 095, de 18/3/1976, do reitorRoberto Mündell de Lacerda). A área de Sociologia contava comalguns professores titulares e mestres. Entre os docentes maisjovens, alguns sentiam necessidade de fazer cursos de pós-graduação, porém não tinham condições pessoais para ir paraoutras universidades. Esses docentes, potencialmente, eramfavoráveis à proposta. Embora qualitativamente mais bemsituada, havia necessidade de contratar um professor visitantepara a área de Antropologia para ampliar o número de doutores.Aprovada pelo colegiado do Departamento, esta reivindicaçãofoi aceita pela Reitoria. Nessas condições, a proposta que há muitovinha sendo acalentada se materializou. Minha designação comointegrador (coordenador) do curso se deu através da Portaria 061/76 de 27 de fevereiro de 1976.

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O corpo docente do Curso de Especialização, em 1976, eraformado pelos seguintes professores: na área de Antropologia:Sílvio Coelho dos Santos, Anamaria Beck e Tom Muller, nacondição de professor visitante; na área de Sociologia: Osni deMedeiros Régis, Nereu do Vale Pereira, Victorino Secco e ZuleikaMussi Lenzi. Maria José Reis, Alroíno B. Eble e Neusa Bloemer,todos mestrandos em Antropologia e já experientespesquisadores, estavam arrolados como docentes colaboradores.A disciplina “Nivelamento em Matemática e Estatística”,considerada obrigatória para todos os alunos, era ministrada peloprofessor Roberto Mündell de Lacerda, ex-reitor, professor titularde Estatística. Algumas disciplinas optativas poderiam sercursadas em outros programas de pós-graduação existentes naUFSC. As linhas de pesquisa eram as seguintes: Antropologia daEducação, Antropologia das Sociedades Tribais e AntropologiaAplicada, para a área de Antropologia; Sociologia da SociedadeRural e Sociologia da Modernização, para a área de Sociologia.Inscreveram-se 30 candidatos para as 20 vagas previstas (dez paracada área), sendo selecionados 19 alunos, nove para Antropologiae dez para Sociologia.

No primeiro semestre, as aulas foram ministradas no espaçodo Museu de Antropologia. Depois, foi designada pela Reitoriauma área no prédio recém-inaugurado da Biblioteca Central paraabrigar as aulas, secretaria, coordenação e sala de estudos paraos estudantes. Essas instalações foram usadas até a inauguraçãodo prédio do Centro de Ciências Humanas, onde o Departamentode Ciências Sociais foi contemplado com uma área razoavelmenteadequada. Nessa área, foi reservado um espaço para gabinetesdos professores, e para a coordenação e a secretaria da pós-graduação.

Em 1977, o corpo docente passou a contar com a participaçãoda professora Neide Almeida Fiori, socióloga. Nesse mesmo ano,iniciaram-se os estudos para a sua transformação em mestrado.A prática de cursos de extensão, conferências e palestras eraconstante. Da mesma maneira, a iniciação em trabalhos de campo.Inscreveram-se nesse segundo ano de funcionamento 47candidatos, sendo selecionados 18. Pouco depois, em janeiro de

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1979, a área de Antropologia do curso foi credenciada pelo entãoConselho Nacional de Pós-Graduação (ofício 001/79-SE/CNPG/BSB de 24/1/79). Compreende-se, pois, que os padrões decompetitividade e de seriedade desde o início estavam fixados.

Desde o primeiro momento de funcionamento do Curso deEspecialização, começamos a editar um Boletim de Ciências Sociaise um Caderno de Ciências Sociais, que durante vários anos serviramcomo veículos para divulgar os trabalhos de docentes e deestudantes. Mais tarde, já com o mestrado instalado, surgiu a sérieAntropologia em Primeira Mão, destinada à divulgação de trabalhosem versão preliminar, e o noticiário denominado Antropodicas.

O M E S T R A D O

Na segunda metade da década de 1970, a UFSC começou aimplementar os cursos de pós-graduação com mais intensidade.Um maior número de docentes estava concluindo cursos dedoutorado, e havia condições internas para a contratação deprofessores visitantes. A então Coordenação de Pós-Graduaçãooriginou, em 1979, a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa.A Universidade também passava pela expansão e diversificaçãode seus cursos de graduação. As construções no campus seampliaram rapidamente. Uma nova dinâmica estava se impondona instituição, centrada na pesquisa e na pós-graduação.

Os processos para a criação do curso de Especialização emCiências Sociais e para a sua transformação em mestrado foramcomplexos e demorados. As imposições da legislação federal eda própria Universidade não eram pequenas. A Comissãodesignada pela Portaria 311, de 12/4/1977, do sub-reitor deEnsino e Pesquisa, integrada pelos professores Nereu do ValePereira, Sílvio Coelho dos Santos, Victorino A. Secco, Zuleika M.Lenzi e Anamaria Beck, com o objetivo de viabilizar atransformação, trabalhou durante meses para materializar aproposta. Foi condição fundamental estabelecer que era necessáriocontratar três professores visitantes, sendo um para Antropologia,a fim de reforçar a massa crítica disponível no curso. Imaginou-

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se, também, utilizar a possibilidade de os mestrandos efetivaremcréditos complementares, em disciplinas optativas, em outroscursos da Universidade. Apoiada pelo Colegiado doDepartamento, a proposta foi aprovada pelo Conselho de Ensinoe Pesquisa em 6/12/1977. A seguir, através da Portaria 002/78, oreitor Caspar Erich Stemmer criou o Curso de Mestrado emCiências Sociais, com as opções em Sociologia e em Antropologia.Desde o início, denominamos o curso como integrante doPrograma de Pós-Graduação em Ciências Sociais. A seleção foiaberta no segundo semestre de 1978, e as aulas se iniciaram noano seguinte. Fui novamente designado coordenador.

Através da Portaria 011/79, o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, professor Paulino Vandresen, designou os professoresAnamaria Beck, Neide Almeida Fiori, Nereu do Vale Pereira, Osnide Medeiros Regis, Paul Aspelin, Roberto Henry Srour, SílvioCoelho dos Santos e Victorino Antônio Secco para constituírem oColegiado do Curso. Simultaneamente, esses professores estavamsendo credenciados como orientadores de dissertação.

Ainda no ano de 1979, pela primeira vez a UFSC abriu vagaspara o concurso de professor titular. Para a área de Antropologia,foram atribuídas duas vagas, sendo aprovados os professoresSílvio Coelho dos Santos e Anamaria Beck14.

O processo de implantação do Programa de Pós-Graduaçãoaos poucos reorientou as relações dos professores de Antropologiacom seus colegas do Departamento de Sociologia.Gradativamente, a importância da pesquisa foi sendo assumidapor quase todos. Os docentes contratados como visitantesreafirmaram os padrões que vinham sendo há muito perseguidospelo grupo da Antropologia. E a própria convivência, tanto deprofessores como de estudantes de pós-graduação, contribuiufortemente para os antropólogos assumirem uma perspectivamais interdisciplinar em suas propostas de trabalho. Isto se

14. O trabalho que apresentei nesse concurso se intitulava Indigenismo e expansãocapitalista. Faces da agonia Kaingang. In: Caderno de Ciências Sociais, Florianópolis:UFSC, v. 2, n.2, 1981. A Professora Anamaria Beck, por sua vez, apresentou otrabalho “Lavradores e pescadores: um estudo sobre trabalho familiar e trabalhoacessório”.

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ampliou com a mudança para as novas instalações doDepartamento de Ciências Sociais, no prédio do Centro deCiências Humanas, que foi inaugurado em 1979. As coordenaçõesdos cursos de graduação e de pós-graduação estavam lado a ladocom a chefia do Departamento e da secretaria administrativa.Nesse mesmo ambiente, gabinetes abrigavam os professores demodo razoavelmente condigno.

De outra parte, a implantação da pós-graduação tambémprovocou conseqüências que não haviam sido previstas e querepercutiram na manutenção da unidade do grupo deantropólogos. Primeiro, ocorreu um certo afastamento de partedos docentes do espaço físico do Museu de Antropologia. Depois,apareceram seqüelas decorrentes de alguns docentes atuarem napós e outros não. Vieram a seguir as funções assumidas naadministração superior. Pessoalmente, fui pró-reitor entre 1980 e1986. E a professora Anamaria Beck foi diretora do Centro deFilosofia e Ciências Humanas na segunda metade dos anos 1980.No conjunto, o grupo perdeu parte de sua antiga coesão.

No Museu, após minha designação, em 1976, para coordenaro Curso de Especialização, foram diretores, sucessivamente, oscolegas professores Alroino Baltazar Eble, Anamaria Beck, NeusaBloemer e Luiz Carlos Halfpap. A partir de 1992, o Museu passoua ser dirigido por integrantes de seu próprio quadro técnico,respectivamente, Tereza D. Fossari, arqueóloga (1992–96) e GelcyJosé Coelho, museólogo (1996 até o presente). A Revista Anais doMuseu de Antropologia teve seu último número, XIX, referente aosanos 1987 e 1988, lançado em março de 1992, ainda sob a direçãode Luiz Carlos Halfpap. Pouco depois, o Museu passou a sedenominar Museu Universitário Oswaldo Rodrigues Cabral15.

Implantado o mestrado em 1979, foram selecionados apenasnove alunos para ambas as áreas. A preocupação era com aqualidade. Os professores visitantes prometidos foramcontratados. Na área de Antropologia, em 1978, Paul LeslieAspelin, PhD pela Cornell University (1975), substituiu Tom

15. SEU MUSEU UNIVERSITÁRIO. Florianópolis: Edufsc, 1998. – Revista comemorativa30 anos. Edição Especial.

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Muller. Depois, foi contratada a professora Alcida Rita Ramos,que atuou nos anos de 1979 e 1980. Seguiram-se Dennis Werner eEsther Jean Langdon, que mais adiante se tornaram professorespermanentes. As linhas de pesquisa eram as seguintes:Antropologia das Sociedades Tribais; Antropologia Aplicada eAntropologia das Sociedades Rurais. A primeira dissertação foidefendida por Regina Erdmann, em 1981, com o título Reis erainhas no Desterro: um estudo de caso. A temática dessa dissertaçãonão estava diretamente ligada as linhas de pesquisa. Contudo, aproposta, quando foi apresentada ao colegiado, foi consideradarelevante. Como não tínhamos docente que trabalhasse com otema, obtivemos a colaboração de Gilberto Velho, do Programade Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional(UFRJ), que efetivou a orientação.

Vinculados à linha de pesquisa Antropologia Aplicada,começaram, nesse momento, os primeiros estudos relacionadosaos problemas decorrentes da implantação de grandes projetosde desenvolvimento. Em particular, mereceram atenção oconjunto de hidrelétricas que estavam sendo projetadas pelasCentrais Elétricas da Região Sul S.A. (Eletrosul), para

Reunião da Diretoria da ABA, Gestão 1992/1994. Acervo: Sílvio Coelho dos Santos.

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I N M E M O R I A M

A L R O Í N O B A LTA Z A R E B L E . Natural de Rio do Sul (SC –1945), viveuparte de sua infância e juventude em Blumenau (SC). Portador de umaboa formação escolar, ingressou no curso de História da UFSC na segundametade da década de 1960, com a firme vontade de se tornar arqueólogo.Foi um dos raros alunos, à época, que tinha bom domínio de inglês, francêse alemão. Como estudante, aproveitou todas as oportunidades paraparticipar de trabalhos de campo, tanto de Arqueologia como de Etnologia.Ao concluir seu curso de graduação, em 1969, com o apoio do casal CliffordEvans e Betty Meggers, do Smithsonian Institution, iniciou um curso depós-graduação na Pennsylvania State University. Em 1971, ingressou comoprofessor de Antropologia na UFSC e começou a desenvolver projetos naárea de Arqueologia. Em 1973, ingressou na USP para realizar o curso demestrado. Entre 1975 e 1976, dirigiu o Museu de Antropologia. Depois delonga doença, veio a falecer em 1990.

L U I Z C A R L O S H A L F PA P . Nascido em Brusque (SC –1945), iniciouo curso de História da UFSC em 1963. Teve oportunidade de participar dediferentes etapas de pesquisa de campo entre os Xokleng nos anos de1964 e 1965. Desses índios, recebeu o apelido de Zugn Cupli, isto é,“cabelo loiro”. Ao concluir a licenciatura, foi aceito na USP para realizarum estágio na Cadeira de Antropologia, seguido de um curso deEspecialização, sob a orientação do professor Egon Schaden. Depois, seiniciou como professor de Antropologia na Faculdade de Filosofia emMaringá (PR). Em 1970, foi admitido na UFSC. Dominava comdesenvoltura a bibliografia antropológica, tendo adquirido prestígio entreseus colegas por sua capacidade crítica e consciência política. Tinhainteresse em temas relacionados à cultura brasileira, às minorias indígenase aos processos migratórios. Autor de vários artigos, exerceu as funçõesde diretor do Museu de Antropologia entre 1982 e 86. Doente edesencantado com os rumos da redemocratização do País, requereu suaaposentadoria em 1994. Faleceu em 1999.

M A R I L A N D I G O U L A R T . Natural de Florianópolis (1947), ingressouno curso de História da UFSC tendo especial interesse pela área deArqueologia. Colaborou em diferentes projetos orientados pelosprofessores Anamaria Beck e Alroino Eble. Concluído o curso, estagiouno Museu de Antropologia. Ingressou na USP para realizar o curso demestrado, e, depois, concluiu o doutorado, ambos sob a orientação daprofessora Luciana Palestrini. Em 1979, foi contratada pela UFSC paradesenvolver pesquisa de interesse da Prefeitura Municipal de Joinville,que objetivava a liberação do sambaqui do Morro do Ouro localizado nascabeceiras da atual Ponte do Trabalhador. Depois, iniciou vários trabalhosde Arqueologia de salvamento na bacia do Rio Uruguai, sob o patrocínioda Eletrosul. Aposentou-se na UFSC em 1992, passando a atuar na Univali.Faleceu em 1998.

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implantação na bacia do Rio Uruguai (RS/SC). No caso, asprimeiras preocupações desses estudos estavam dirigidas pararesguardar os interesses das populações indígenas ameaçadaspor tais empreendimentos.

Nessa mesma época, logramos também realizar duasimportantes reuniões focalizando a temática do direito deminorias, respectivamente denominadas “O índio perante oDireito” (1980) e “Sociedades indígenas e o Direito – uma questãode direitos humanos” (1983)16. Em ambos os encontros, foiexpressiva a presença de advogados. As discussões em relaçãoaos direitos dos povos indígenas que deveriam ser consignadosna futura Constituição já estavam em marcha e se ampliaramnesses encontros.

Em 1990, os professores de Antropologia da UFSC foramresponsáveis pela organização da XIX Reunião da ABA. A farrado boi foi motivo do cartaz que convocava para o encontro, alémde ter sido o tema mais polêmico da reunião. Durante esseevento, foi criada a Associação Latino-Americana deAntropologia (ALA), com o objetivo de melhor integrar osantropólogos da América Latina e do Caribe. Foram eleitos, naoportunidade, Guillermo Bonfil Batalla, presidente (México), eAntônio Augusto Arantes, secretário (Brasil), para dirigirem anova entidade. Dois anos depois, em Belo Horizonte, durante arealização da XVIII Reunião, Sílvio Coelho dos Santos foi eleitopresidente da ABA. Fizeram parte desta diretoria, numaproposta de continuidade da integração dos profissionais daAntropologia da Região Sul, Cláudia Fonseca, da UFRGS,exercendo a secretaria, e Cecília Helm, da UFPR, na função detesoureira17.

Nesse processo de crescimento permanente da área deAntropologia, a partir dos anos 1980 o corpo docente foi se

16. SANTOS, Sílvio Coelho dos (Org). O Índio Perante o Direito. Florianópolis: Editorada UFSC, 1983; ______ (et al.). Sociedades indígenas e o Direito: uma questão dedireitos humanos. Florianópolis: Editora da UFSC, 1985.

17. Para maiores informações sobre a gestão 1992/94, liderada por Sílvio Coelho dosSantos, ver BOLETIM DA ABA, n.12/22, que foram editados por nossaadministração.

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modificando em relação às áreas de formação e de interesse paraa pesquisa. A realização de pós-doutorado foi se tornando rotina.Da mesma maneira, as poucas vagas que foram abertas emfunção das aposentadorias dos professores mais antigospassaram a ser disputadíssimas, demonstrando mais uma vez oprestígio do grupo. Na seqüência dos eventos, o PPGAS-UFSCfoi responsável, mais uma vez, pela organização da IV ReuniãoRegional da ABA em 1993.

É de se explicitar que, desde os meados dos anos 1980, foificando claro que as duas áreas que integravam o Programade Pós-Graduação em Ciências Sociais caminhavam para aseparação. No País, raros eram os cursos denominados deCiências Sociais. As Comissões Verificadoras da Capes, queanteriormente haviam dado estratégico apoio para a ampliaçãodo corpo docente, nunca deixaram de explicitar que o modeloadotado não era o mais adequado. A lógica dominante no Paíseram cursos de pós-graduação por áreas específicas. Assim,em 1985, o processo de seleção para os cursos de mestrado emSociologia e em Antropologia foi realizado em separado pelaprimeira vez. Em seguida, ocorreu a criação do Programa dePós-Graduação em Antropologia Social – PPGAS, através daPortaria 0875/GR/85 de 4/9/1985. Em 1987, a separação seconsolidou com o registro dessa alteração na Capes (ofício de22/5/1987). À mesma época, foi criado o Departamento deAntropologia através da Resolução 04/CUn/96 de 27 defevereiro de 1996. O antigo Departamento de Ciências Sociaistomou o nome de Departamento de Sociologia e CiênciaPolítica, que continuou a manter o Programa de Pós-Graduaçãoem Sociologia Política18.

Uma longa trajetória havia sido percorrida, desde 1970,quando o tão bem-sucedido projeto do Instituto de Antropologiafoi abortado pelo açodamento e a falta de visão do pequenogrupo que controlou o processo de implantação da reforma

18. O Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política mantém os cursos deMestrado e Doutorado, detendo também uma posição de destaque entre seuscongêneres do País.

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universitária. Como complemento dessa busca crescente deindependência e de afirmação da competência, o doutorado emAntropologia Social foi implantado em 1998 (Resolução 62/CPG/98 de 27/8/1998).

C O N C L U I N D O

Até dezembro de 2005, no Programa de Pós-Graduação emAntropologia Social (PPGAS) foram defendidas 165 dissertaçõesde mestrado e 14 de doutorado, incluídas as dissertaçõesapresentadas sob a égide do Programa de Ciências Sociais. O

PPGAS é membro da Associação Nacional dePós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais(Anpocs) e mantém intercâmbio com diversasuniversidades do País e do exterior. Suas linhasde pesquisa focalizam as temáticas pertinentesa Cultura e Comunicação; Etnologia,Etnopolítica e Projetos de Desenvolvimento;Convívio Social, Micropolítica e Afetividade19.O quadro permanente do PPGAS conta com 16professores, além de quatro colaboradores. Essesprofessores estão lotados no Departamento de

Antropologia e atuam regularmente também em diferentes cursosde graduação da UFSC, onde há oferta de disciplinas deAntropologia, e, em particular, no Curso de Graduação em CiênciasSociais. Dois professores substitutos oferecem sua contribuição aoDepartamento, enquanto não se abrem novas vagas destinadas aampliar o quadro docente. Desde 1999, o Programa publica a RevistaIlha e mantém o periódico Antropologia em Primeira Mão, além deter participação contínua em outras publicações que focalizamtemáticas interdisciplinares, tais como a Revista Estudos Feministas.O PPGAS estruturou um Laboratório de Antropologia Social, dezNúcleos de Pesquisa e dois laboratórios de apoio para dar condiçõesde desenvolvimento aos projetos de pesquisa dos professores e às

19. Outras informações sobre o PPGAS podem ser obtidas em www.antropologia.ufsc.br

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dissertações e teses de seus estudantes. Um número expressivo debolsas oferece oportunidades de participação e de iniciação paraalunos da graduação. A presença dos professores em congressosnacionais e internacionais é constante.

Nesses últimos anos, outras reuniões continuaram sendoorganizadas e realizadas na UFSC, entre elas a V Reunião deAntropólogos do Mercosul, em 2003, numa inequívocademonstração da competência e da dedicação do grupo deprofessores que integra o Departamento de Antropologia e seuPrograma de Pós-Graduação.

Desde o início da instalação da Universidade, a área deAntropologia teve um desenvolvimento comprometido com a defesados interesses dos grupos humanos que estuda. Em 1963, logo apósminha primeira etapa de pesquisa junto aos Xokleng (Ibirama –SC),cerca de vinte índios vieram à Universidade para reivindicar a expulsãode colonos que haviam invadido suas terras. Essa visita teve momentosde tensão em relação ao que eu poderia fazer naquela emergência.Felizmente, com o apoio do mestre Cabral e do reitor Ferreira Lima, ogovernador Celso Ramos abriu espaço em sua agenda para receberos índios e tomou medidas imediatas para coibir o esbulho que estavaem vias de se concretizar. A partir daí, a UFSC passou a ser confiávelpara os Xokleng. Depois, também os Kaingang e os Guarani passarama freqüentar com regularidade nossa instituição em busca de apoio ede visibilidade. Em 1985, por exemplo, Aneliese Nacke e Neusa MariaSens realizaram, no Toldo Chimbangue (Chapecó – SC), o primeirolaudo para o reconhecimento de terras dos Kaingang no Sul do País.

Na continuidade desse processo, iniciado ainda nos anos 1960,as referências sempre foram os professores e estudantes de An-tropologia. Esse comprometimento se ampliou com aincorporação de outras áreas de pesquisa e com a defesa dosdireitos de outras minorias, entre elas o resgate das terras dosquilombolas20. Um número crescente de estudantes, técnicos e

20. A profa. Ilka Boaventura Leite desenvolveu um trabalho extraordinário tanto pararesgatar as terras dos quilombolas, como no sentido de capacitar antropólogos pararealizarem Laudos de Identificação dessas terras. Veja-se, por exemplo, LEITE,Ilka Boaventura (Org.). Laudos Periciais Antropológicos em debate. Florianópolis:ABA/NUER, 2005.

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professores da Universidade, e também de outras instituições,têm se motivado a trabalhar com essas e outras temáticas, e osprofessores de Antropologia são continuamente procurados paraapoiar tais iniciativas.

Finalmente, cabe registrar que a Presidência da ABA se encontranovamente na UFSC, através da gestão da professora Miriam Grossi,que foi eleita em 2004. Da sua diretoria, que tem representantes detodo o País, participam ativamente colegas do Departamento. O dia-a-dia da Associação é vivenciado também pelos alunos, numprocesso que contribui tanto para o fortalecimento da organizaçãocomo para a crescente visibilidade da área da Antropologia. Essa

Índio Xokleng recebe livro de autoria de Sílvio Coelho dos Santos.Foto: Renato Rizzaro.

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visibilidade é demonstrada também pela presença de muitos pós-graduados, e por docentes formados em outras instituições, nasdiversas universidades, nos estabelecimentos isolados, nos museuse em ONGs que existem no Estado de Santa Catarina. Nesses espaços,esses profissionais da Antropologia exercem atividades de ensino,de pesquisa e de extensão, sempre atentos para a defesa dasminorias étnicas e de outros segmentos de excluídos sociais.

Reunião da Diretoria da ABA, liderada pela professora Miriam Grossi,em Caxambu (MG), em 2004. Acervo: ABA.

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL

CORPO DOCENTE EM 2005.

Alberto Groisman. Religião e saúde. Ritual e uso de substânciaspsicoativas. Antropologia simbólica. Antropologia urbana.

Alícia Norma González de Castells. Antropologia Urbana.Antropologia do espaço. Habitação popular. Patrimônio cultural.

Antonella Maria Imperatriz Tassinari. Etnologia indígena.Ritual. Construção de identidades. Temática indígena e educaçãoescolar. Antropologia da criança.

Carmen Sílvia Moraes Rial. Antropologia urbana. Antropologiaaudiovisual. Globalização cultural e estudos da mídia. Antropologiaalimentar. Estudos neo açorianos.

Esther Jean Langdon. Antropologia simbólica. Literatura oral.Xamanismo. Papéis sexuais. Religião. Antropologia da saúde. Teoriaantropológica.

Flávio Braune Wiik. Etnologia indígena. Antropologia da saúde.Sexualidade. Mediação cultural.

Ilka Boaventura Leite. Antropologia das populações afro-brasileiras. Identidade e relações interétnicas. Teoria antropológica.Arte e etnicidade.

Maria Amélia Schmidt Dickie. Movimentos sócio-religiosos.Imigração. Etnia. Religião.

Márnio Teixeira-Pinto. Etnologia indígena. Organização sociale parentesco. Ritual e xamanismo.

Miriam Furtado Hartung. Populações afro-brasileiras. Família.Organização social e parentesco.

Miriam Pillar Grossi. Antropologia urbana. História daAntropologia. Relações de gênero. Parentesco em famílias GLBTT.Violências contra mulheres e homossexuais. Métodos e teoriasantropológicas. Gênero e ciência.

Oscar Calávia Sáez. Etnologia indígena. Religião.Rafael José de Menezes Bastos. Etnologia indígena.

Antropologia da música e da dança. Antropologia política e teoriaantropológica.

Sílvio Coelho dos Santos. Etnologia indígena. Índios e Direito.Impactos sociais de grandes obras de engenharia. Educação ecultura. Antropologia da ação.

Sônia Weidner Maluf. Antropologia urbana. Antropologia dasviolências. Dinâmica dos grupos etários e envelhecimento. Cultura,sociabilidade e internet.

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C O L A B O R A D O R E S E M 2 0 0 5

Ana Luiza Carvalho da Rocha. Antropologia visual e sonora, eestudos de imagem. Antropologia das sociedades complexas.Memórias coletivas, estética urbana e trajetórias no mundocontemporâneo.

Deise Lucy Oliveira Montardo. Etnologia indígena. Arte, músicae arqueologia das terras baixas da América do Sul.

Maria José Reis. Antropologia rural. Campesinato. Projetos dedesenvolvimento e populações locais.

Neusa Bloemer. Antropologia rural. Campesinato. Projetos dedesenvolvimento e populações locais.

L I N H A S D E P E S Q U I S A

Cultura e Comunicação.Sistemas simbólicos, artísticos, estéticos e de comunicação,

culturas brasileiras e seus nexos históricos e estruturais, culturaspopular, de grupos minoritários e de elites. Indústria cultural. Teoriasda cultura, da linguagem, da arte e da comunicação. Simbolismo ecampo religiosos.

Etnologia, Etnopolítica e Projetos de Desenvolvimento.Etnologia das sociedades indígenas das terras baixas da América

do sul e das populações de origem africana. Relações interétnicas.Etnopolítica. Implicações sociais, econômicas, políticas, culturais eambientais da implantação de projetos de desenvolvimento emterritórios de grupos minoritários.

Convívio Social, Micropolítica e Afetividade.Convívio doméstico e social. Relações micropolíticas. Sexualidade.

Identidades e representações de gênero e idade. Organização socialem instituição totais. Violência interpessoal e grupal.

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R E F E R Ê N C I A S

ANAIS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA. Florianópolis:Imprensa Universitária, UFSC, Ano 1, n.1, 1968.

____ Florianópolis: Imprensa Universitária, UFSC, Ano 4, n.4, 1971.____ Florianópolis: Imprensa Universitária, UFSC, Ano 5, n.5, 1972.____ Florianópolis: Imprensa Universitária, UFSC, Ano 7, n.7, 1972.CORRÊA, Mariza. As Reuniões Brasileiras de Antropologia:

cinqüenta anos. In: Brasília: ABA, 2003.FONTES, Henrique da Silva. Pensamentos, palavras e obras.

Primeiro Caderno. Florianópolis: Ed. do Autor, 1960.LIMA, João David Ferreira. UFSC: sonho e realidade. 2. ed.

Florianópolis: UFSC, 2000.SANTOS, Sílvio Coelho dos et al. Oswaldo Rodrigues Cabral na

Historiografia Catarinense. Florianópolis: IHGSC, 2005. Ensaios 2.____. Índios e brancos no Sul do Brasil: a dramática experiência

dos Xokleng. Florianópolis: Edeme, 1973. 313p. [1ª]; Movimento, 1987.313 p. [2ª].

____. Educação e sociedades tribais. Porto Alegre: Movimento, 1975.____. (Org.). O índio perante o Direito. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1983.____. et al. Sociedades indígenas e o Direito: uma questão de

direitos humanos. Florianópolis: Ed. da UFSC, 1985.SEU MUSEU UNIVERSITÁRIO. Florianópolis: Edufsc, 1998. Revista

comemorativa, 30 anos. Edição Especial.

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ANEXO 1 — PROPOSTA DE CRIAÇÃO DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA

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ANEXO 2 - CARTAS DE APOIO À INSTALAÇÃO DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO

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Página anterior: Fachada do prédio da Universidade Federal do Paraná.Foto: Édison Helm.

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OS 50 ANOS DA HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA NO PARANÁ

As comemorações dos 50 anos da Associação Brasileirade Antropologia (ABA), iniciativa louvável de sua diretoria1, suscitaram o desejo de registrar os nomes, as

ações e os méritos dos personagens que contribuíram para odesenvolvimento da Antropologia no Estado do Paraná, e de tecerconsiderações sobre os fatos ocorridos que permitiram a criaçãoe a consolidação do Departamento de Antropologia e doPrograma de Pós-Graduação em Antropologia Social daUniversidade Federal do Paraná.

No Paraná, a história da Antropologia está ligada a seupersonagem fundador, o professor doutor José LoureiroFernandes, catedrático de Antropologia, especialista emAntropologia Física, que ministrou aulas e elaborou pesquisasnas diversas áreas do conhecimento antropológico introduzidona Universidade do Paraná, na década de 1950, nos cursos deHistória/Geografia e Ciências Sociais.

1. HELM, C, Os 50 anos/ABA no Paraná, depoimento prestado em 16/6/05 em eventorealizado na UFPR, Curitiba.

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O antropólogo Loureiro Fernandes integrava a equipe depesquisadores que atuava no Museu Paranaense. Chefiou a seçãode Antropologia e Etnografia. Foi diretor desse órgão de 1936 a1943 e de 1945 a 1946. No Museu Paranaense, foram realizadas aspesquisas pioneiras sobre os povos indígenas no Paraná.

O prof. dr. José Loureiro Fernandes pode ser considerado oantropólogo ancestral que mais se destacou entre os estudiosos dadisciplina que atuaram em museus de Etnologia e Arqueologia eem faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no Sul do Brasil. Eraum cientista devido à sua formação acadêmica, às pesquisas querealizou e à sua participação no grupo de antropólogos que criou aABA na década de 1950.

Na direção do Museu, apoiou a publicação dos Arquivos doMuseu Paranaense e desenvolveu pesquisas sobre os povosindígenas, notadamente sobre os Kaingang de Palmas. Mais tarde,organizou expedições à Serra de Dourados, junto com indigenistas2

do Serviço de Proteção aos Índios, para investigar os Xetá e fazercontato com esse povo caçador-coletor, atingido pela frente deexpansão cafeeira, na década de 1950, no noroeste do Paraná, nasproximidades do Rio Ivaí.

Na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras3, LoureiroFernandes era o responsável pela Cátedra de Antropologia e setornou professor-pesquisador respeitado pelos seus colegas noParaná e no Brasil. Era médico, fez cursos na França em Urologia eAntropologia. Entrou em contato com especialistas emAntropologia na Europa e nos Estados Unidos. Alguns aceitaramo convite de Loureiro Fernandes para ministrar cursos, proferirpalestras e realizar pesquisas no Paraná, com o apoio doDepartamento de Antropologia da Universidade do Paraná.

2. O indigenista Dival José de Souza chefiava a inspetoria do Serviço de Proteção aosÍndios, SPI, localizada na cidade de Curitiba, e organizou, junto com Loureiro Fernandes,expedições à Serra de Dourados para localizar os Xetá e fazer contato com esse povo.

3. A Universidade do Paraná foi criada em 19 de dezembro de 1912. As áreas de Filosofia,Ciências e Letras funcionavam no prédio localizado na Rua XV de Novembro. AFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras era mantida pela União Brasileira deEducação dos Irmãos Maristas. Mais tarde, foi implantada no Edifício D. Pedro I, àRua General Carneiro, e transformada em Setores distribuídos na Universidade. ODepartamento de Antropologia que integrava a FFCL, foi incorporado ao Setor deCiências Humanas, Letras e Artes, SCHLA, da UFPR.

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No curso de Geografia e História da antiga Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras, o prof. Loureiro Fernandesministrava as disciplinas Antropologia Física, Etnografia Gerale Etnografia do Brasil.

O curso de Ciências Sociais tinha como disciplinas básicas aSociologia, a Política e a Antropologia. A Antropologia Física, aAntropologia Cultural e a Etnografia do Brasil faziam parte do elencode disciplinas do curso, ministradas pelo prof. Loureiro Fernandesem 1956. A Arqueologia Pré-Histórica era ministrada no curso deHistória. Somente na década de 1960, a Antropologia Social foiincorporada como disciplina do curso de Ciências Sociais.

A profa. Cecília Maria Vieira Helm, instrutora de ensino,contratada no mês de abril de 1963, a pedido do catedráticoLoureiro Fernandes, assumiu a disciplina, depois de realizar oCurso de Especialização em Antropologia Social, dirigido peloantropólogo dr. Roberto Cardoso de Oliveira, no Museu Nacionalda Universidade do Brasil. A Etnologia Indígena também passoua ser ministrada, e as pesquisas nesse campo do saber foramrealizadas com inspiração na teoria das relações interétnicas, comênfase no conceito de Fricção Interétnica formulado pelo dr.Roberto Cardoso de Oliveira4. A profa. Cecília Helm participouda pesquisa realizada entre os índios Tukuna, no Alto Solimões(AM), em 1962, como auxiliar de pesquisa de campo do trabalhodesenvolvido pelo antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira,responsável pelo estudo sobre os Tukuna e pelo desenvolvimentodo Projeto de Estudo de Áreas de Fricção Interétnica do Brasil.

Nas décadas de 1930, 1940 e 1950, a Antropologia era ensinadaem universidades brasileiras, na Escola Livre de Sociologia e Políticade São Paulo e praticada por um pequeno grupo de especialistasque atuavam em cursos de graduação e em instituições de pesquisa,como o Museu Paulista; o Museu Nacional, com sua importanteDivisão de Antropologia, no Rio de Janeiro; o Museu ParaenseEmílio Goeldi, em Belém; o Museu Paranaense da Secretaria deCultura do Estado do Paraná, que foram os centros pioneiros dacriação e do desenvolvimento da Antropologia no Brasil.

4. CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. O índio e o mundo dos brancos: a situação dosTukuna do Alto Solimões. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1964.

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Os antropólogos que atuavam nessas instituições se reuniram,em 1953, no Museu Nacional, na cidade do Rio de Janeiro. Areunião foi realizada por iniciativa de d. Heloisa Alberto Torres.A Presidência de honra foi atribuída a Edgar Roquete-Pinto. NoMuseu Nacional, aconteceu a I Reunião Brasileira deAntropologia, da qual participaram os antropólogos HerbertBaldus, Thales de Azevedo, René Ribeiro, Egon Schaden, JoséLoureiro Fernandes, Luiz de Castro Faria, Eduardo Galvão, DarcyRibeiro, Oracy Nogueira, que deliberaram pela criação daAssociação Brasileira de Antropologia, como bem informa a dra.Mariza Corrêa no livro que organizou sobre As Reuniões Brasileirasde Antropologia, cinqüenta anos (1953 —2003), com o apoio da ABA.Nessa reunião, o professor Loureiro Fernandes participou dogrupo que discutiu o tema “Possibilidades de pesquisa e deexercício de atividades técno-científicas” e apresentou o primeirorelato sobre a Antropologia no Paraná.

A II Reunião Brasileira de Antropologia foi organizada pelosaudoso antropólogo Thales de Azevedo, em Salvador, em 1955.Nessa reunião, foi fundada a Associação Brasileira deAntropologia e constituídos a sua primeira diretoria e seuconselho científico. O professor Luiz de Castro Faria foi eleitopresidente, o prof. Darcy Ribeiro, secretário geral, o prof. RobertoCardoso de Oliveira, tesoureiro, e o dr. José Loureiro Fernandesintegrou o conselho científico. De acordo com a dra. MarizaCorrêa, nessa reunião, da qual participaram 47 antropólogos eestudantes, foi forte a presença de etnólogos e de pesquisadoresque tratavam das relações raciais no Brasil.

A III Reunião Brasileira de Antropologia, organizada pelo dr.René Ribeiro, ocorreu no Recife em 1958. Nesse evento, foi eleitoo dr. José Loureiro Fernandes, da Universidade do Paraná, comopresidente da ABA.

A IV Reunião da ABA ocorreu em 1959, em Curitiba, e nacidade histórica de Paranaguá, em visita dos participantes doMuseu de Arqueologia e Artes Populares da UFPR5, antigoColégio dos Jesuítas, edifício tombado pelo DPHAN, ondefunciona o MAE6, inaugurado e dirigido pelo dr. LoureiroFernandes.

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O prof. dr. Roberto Cardoso de Oliveira, em seu discurso“Elogio da ABA”, como presidente de nossa Associação, proferidoem Curitiba, quando da abertura da XV Reunião, recordou [...]“o entusiasmo de Loureiro Fernandes com as novas instalaçõesda Faculdade de Filosofia e Departamento de Antropologia, tantoquanto das renovadas instalações do Museu de Antropologia, emParanaguá, onde estivemos em uma memorável visita”7, durantea programação da IV Reunião (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1986).

Como se percebe, a história da Antropologia no Brasil está

Desenho feito à pena do prédio do MAE/UFPR, em Paranaguá.Acervo: MAE.

5. Para a instalação do MAAP, foi realizado um convênio entre a Universidade do Paranáe o Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1958. PelaResolução nº 01/62 do Conselho de Pesquisas da UPR, foi criado o Museu que, em1964, foi incorporado ao Departamento de Antropologia.

6. O Museu passou a ser denominado Museu de Arqueologia e Etnologia, MAE, naadministração da profa Anamaria Bonin (1999).

7. CARDOSO DE OLIVEIRA, R. Elogio da ABA. REUNIÃO BRASILEIRA DEANTROPOLOGIA XV, 23 a 26 de março de 1986 Anais... Curitiba: UFPR,1986.

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vinculada ao desenvolvimento da Antropologia nos museus deEtnologia e Arqueologia, nas diversas seções dedicadas àscoleções etnográficas e arqueológicas, às pesquisas praticadas poreminentes antropólogos sobre os povos indígenas e às questõesraciais, à criação das antigas Faculdades de Filosofia, àimplantação dos Departamentos de Antropologia, ao ensino e àpesquisa realizados com o apoio de instituições científicas.

A criação e a consolidação da Associação Brasileira deAntropologia, que passou a reunir os seus associados em eventosbianuais, projetaram a Antropologia em nível nacional einternacional. Os trabalhos apresentados e discutidos nessasreuniões, e publicados nos seus Anais, divulgaram o saberantropológico entre os primeiros estudiosos da disciplina.

A contratação de especialistas nacionais e estrangeiros, nasprimeiras décadas da História da Antropologia foi importantepara a formação de uma geração que passou a ministrar adisciplina nas antigas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras,elaborar conceitos, criar paradigmas, realizar pesquisas e produzirteses, livros e artigos, fortalecendo a Antropologia produzida noBrasil.

A implantação dos Cursos de Pós-Graduação em AntropologiaSocial, inicialmente de Aperfeiçoamento, no Museu do Índio, noRio de Janeiro, coordenados pelo prof. Darcy Ribeiro, contribuiupara a formação dos antropólogos. Em 1960, foi criado o curso deEspecialização em Antropologia Social no Museu Nacional,organizado e dirigido pelo prof. Roberto Cardoso de Oliveira,que foi importante para a boa formação da segunda geração deantropólogos. Mais tarde, foram criados os programas deMestrado e Doutorado, no Rio de Janeiro, na UFRJ; em São Paulo,na USP; em Brasília, na UnB; em Campinas, na Unicamp, e naPUC de São Paulo, que, junto com a atuação da ABA, foramresponsáveis pela consolidação do campo antropológico noBrasil.8

8. FERNANDES, Florestan. A Etnologia e a Sociologia no Brasil: ensaios sobre aspectosda formação e do desenvolvimento das Ciências Sociais na Sociedade Brasileira.São Paulo: Anhambi, 1958.

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AS F A S E S D A HI S T Ó R I A D A A N T R O P O L O G I A N O P A R A N Á

A história da Antropologia tem sido tratada pelos cientistassociais compreendendo duas fases: uma fase ideológica e outrafase denominada científica, sendo a década de 1930 caracterizadacomo a linha divisória entre as duas fases (PEIRANO, 1981).

A fase ideológica tem como característica as contribuições dosrelatórios de cronistas, dos viajantes, das expedições realizadaspelo litoral e interior do Brasil, dos relatórios dos missionários ede agentes do governo.

Os relatos de viagens de naturalistas, geógrafos, cartógrafos edesenhistas a Curitiba e ao interior do Paraná, realizados pelosprimeiros observadores, como Saint-Hilaire e Bigg-Wither, naProvíncia do Paraná, foram publicados9; os relatórios dosmissionários que dirigiram aldeamentos no Tibagi, como frei Luizde Cimitille, frei Timotheo de Castelnovo e dos indigenistas queatuaram como diretores de colônias indígenas ao norte do Paraná,como Telêmaco Borba, também constituem importante fonte deconsulta para os estudiosos; de militares que chefiaram expedições,como Diogo Pinto de Azevedo Portugal, que narrou com detalhesa sua viagem que teve como objetivo a conquista dos Campos deGuarapuava, habitados pelos Kaingang; e as memórias do padreFrancisco das Chagas Lima sobre o contato estabelecido com osgrupos Kaingang em Atalaia, seus costumes e as dificuldades deexercer a catequese, devido à reação dos indígenas, são exemplosde narrativas dos pioneiros que registraram suas impressões sobreos diferentes povos com os quais entraram em contato, sobre assuas maneiras distintas de se organizar social e culturalmente, ede explorar a natureza em que viviam10.

9. Trata-se dos livros: Viagem à Curitiba e Província de Santa Catarina, de Auguste deSaint-Hilaire (1978), e Novo Caminho no Brasil Meridional: a Província do Paraná,três anos em suas florestas e campos, 1872-1875, 2 v., de Thomas P. Bigg-Wither,1974. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974.

10. Sobre este período, consultar: BORBA, T. Actualidade indígena, Curitiba: Imprensa paranaense,1908; CHAGAS LIMA, F. Memória sobre o Descobrimento e Colonia de Guarapuava. Revistado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 4, 1842; FRANCO, A.M., Diogo Pinto e aConquista de Guarapuava, Museu Paranaense, Curitiba: 1943; FERNANDES, L. Frei Luiz deCimitille. Revista do Círculo de Estudos Bandeirantes, tomo III, n. 1, Curitiba: 1956.

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Na fase ideológica, se podem incluir as pesquisas emAntropologia realizadas nos museus criados no século XIX, comoo Museu Nacional, o Museu Paraense Emílio Goeldi, o MuseuParanaense, em 1876, e o Museu Paulista.

Nos museus, as pesquisas estavam fundamentadas nascontribuições dos evolucionistas europeus, com inspiração nostrabalhos de Darwin, Lineu e Lamarck. A temática racial estavapresente nos museus nacionais, nos institutos históricos egeográficos, nas faculdades de Direito e de Medicina, e era umargumento científico para a construção de um projeto de nação.De acordo com Schwarcz, os museus nacionais foram instituiçõespioneiras da pesquisa no País, desenvolvendo estudos, no séculoXIX, nas áreas de História Natural (Zoologia, Botânica,Paleontologia, Geologia) e Antropologia (Antropologia Física,Arqueologia, Lingüística e Etnologia) (SCHWARCZ, 1993).

A antropóloga Peirano, em The anthropology of anthropology: thebrazilian case, trata sobre a relação entre a teoria antropológica e ocontexto social no qual ela se desenvolve. Parte da ideologia deconstrução dos Estados nacionais e analisa a forma particular comque a Antropologia se desenvolve no Brasil (PEIRANO, 1981).

Os museus nacionais, dirigidos por personagens empenhadasem realizar estudos e organizar coleções etnográficas earqueológicas, são instituições que contribuíram para odesenvolvimento da Antropologia. O Museu Paranaenseadministrado por Romário Martins, pioneiro nos estudos sobre ahistória do Paraná11, se tornou um centro de pesquisas que reuniugrandes nomes, como José Loureiro Fernandes, padre JesusMoure, Rosário Mansur Guérios, Oldemar Blasi e tantos outrosque foram os fundadores e incentivadores das pesquisasantropológicas, lingüísticas, arqueológicas e de História Naturalno Paraná.

Para ilustrar, se pode citar a obra do historiador RomárioMartins, História do Paraná, como o primeiro trabalho que contéma distribuição geográfica das tribos indígenas no Estado.

11. MARTINS, Romário. História do Paraná. Paraná: Guairá, 1937. Sua obra é umaimportante fonte de referência para os que estudam a formação do Paraná. Contémum capítulo sobre as tribos indígenas no Estado.

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Classificou os indígenas em: “Tupis, Crens e Gês”. Entre os Tupis,incluiu uma lista de nomes que designam “[...] as várias naçõesindígenas”(MARTINS, 1937).

Sobre os Guarani, escreveu que as “[...] primeiras expediçõespara a exploração do sertão compreendido entre os riosParanapanema, Paraná, Tibagi e Iguaçu acusaram numerosapresença de índios da nação Guarani” (MARTINS, 1973).Registrou que

“os Guaranis estiveram submetidos às determinações dos padresespanhóis da Companhia de Jesus, que dirigiram 13 reduções fundadasnos vales dos Rios Pirapó, Tibagi, Ivaí e Piquiri e, seu extenso territóriofoi invadido por índios de outras etnias, quando as missões foramdestruídas pela ação dos bandeirantes paulistas” (MARTINS, 1973).

Na sua classificação, “[...] os Carijó são citados como os nativosque dominavam toda a costa marítima e foram utilizados pelosbandeirantes paulistas como cativos”. Arrolou “[...] os Carijó comodistintos dos Guaranis,”quando, na realidade, os Guarani eramconhecidos como Carijó ou Cario” (HELM, 1995).

Os Aré são incluídos como um grupo Tupi-Guarani porfalarem uma língua Tupi e estarem localizados nos Rios Ivaí ePiquiri. Os Aré são os Xetá, povo Tupi-Guarani em extinção noParaná12 (HELM, 1995).

Sobre os Guaianás, Romário Martins consulta cronistas,geógrafos, historiadores, etnógrafos para relatar quem eram essesíndios, conhecidos como Coroados. Informa que os mapascoloniais assinalam a região do baixo Tibagi com a indicação:Sertão do Gentio Guanhanás.

Na classificação de Romário Martins, foram incluídos os Crens,que traduziu por parentes, família, tribo. As denominações dasmetades clânicas Kamé e Kaíru e dos grupos de pintura Kaingang

12. HELM, M. Los Xetá, la trayectoria de un grupo Tupí-Guaraní en extinción en el Surde Brasil (Paraná). In: BARTOLOMÉ, (Coord.) Ya no hay lugar para cazadores:procesos de extinción y transfiguración étnica en América Latina, Ecuador, BibliotecaAbya- Yala, 1995; Os xetá: a trajetória de um grupo Tupi-Guarani em extinção.Anuário Antropológico Editora Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1994.

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foram tratadas como se fossem povos distintos. No seu ideário,os Kaingang, que registrou como Caingang, possuíam váriasdenominações tribais, conforme a região de suas concentrações(HELM, 1995). Seus registros foram impregnados pelo caráter desua classificação geográfica. Os Kamé, descreve como osprimitivos habitantes dos Rios Iguaçu e Uruguai, depois dossertões de Guarapuava (MARTINS, 1937, p. 50).

Entre os Jê, Romário Martins classifica os Botucudos, quehabitavam o sul do Rio Negro e o sertão do Tibagi. Suaclassificação, se comparada aos estudos lingüísticos eantropológicos atuais, traz contribuições para a reconstituição dahistória indígena13, em termos da localização desses povos epercepção de suas migrações pelo Sul do Brasil (HELM, 1995).

A década de 1930 foi marcada pela crítica ao evolucionismo edecadência dos museus etnográficos no Brasil, os estudiososregistram que a decadência dos museus nacionais coincide com acriação das universidades brasileiras. Os pesquisadores sãotransferidos para as novas instituições de ensino e pesquisacientífica, e também os recursos financeiros.

A fase denominada científica trata sobre a institucionalizaçãoda Antropologia no Brasil e caracteriza-se pela criação daFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e da Faculdadede Filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Com aimplantação das Faculdades, foram criadas as disciplinas deAntropologia e contratados especialistas estrangeiros.

Na interpretação criteriosa do ilustre professor FlorestanFernandes, “[...] a Etnologia se desenvolveu no Brasil, até oprimeiro quartel do século XX, principalmente através das obrase das realizações de investigadores estrangeiros” (1956, p. 17).Para este pensador, o ensino e a pesquisa em Antropologia, nocampo da Etnologia, ocorreram devido à criação do ensinouniversitário em Ciências Sociais, ao contrato e à permanênciade mestres, para ministrar essas disciplinas nas universidades.Foram sendo criadas possibilidades, para que a pesquisa em

13. HELM, C. Kaingang, Guarani e Xetá na Historiografia Paranaense. Trabalhoapresentado no GT História Indígena e do Indigenismo. Reunião Anual da Anpocs,Caxambu 1995, Anais...Curitiba: By Design Estúdio Gráfico, 1997.

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Etnologia no Brasil fosse realizada com bons resultados obtidospelos próprios especialistas brasileiros. Na sua análise, olevantamento dos dados e a sua elaboração descritiva ouinterpretativa, na Etnologia, como em outra disciplina, devemsubmeter-se a fins teóricos precisos (FERNANDES, 1956, p. 20).

Dá valor ao treinamento sistemático do pesquisador, queconsidera a condição mais importante para a constituição, e aocontínuo aperfeiçoamento de padrões intelectuais definidos deinvestigação científica. O treinamento deve ser feito cursando auniversidade, mas se completa nas experiências concretas depesquisa. Apesar de ponderar que o ensino universitário erarecente no Brasil, escreve que o [...] “etnólogo tem oportunidadede receber um ensino sistemático graças à criação dos cursos deespecialização, de iniciar suas pesquisas sob a orientação de algumprofessor mais experimentado”. Para ele, as condições do trabalhodo etnólogo tornaram favorável a produção mais fecunda,combinando pesquisa e elaboração teórica (FERNANDES, 1956).

A Antropologia que se produzia no Paraná também passoupelas transformações que ocorriam no Brasil. Em Curitiba, foi

Visita do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira ao Departamento deAntropologia, por ocasião da inauguração do prédio da Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras da UFPR, 1958. Em destaque: o presidenteKubitschek, o dr. Loureiro Fernandes e o governador Moysés Lupion.

Acervo: CEPA/UFPR.

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criada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras em 1938. Oprofessor dr. Loureiro Fernandes iniciou suas atividadesministrando as disciplinas Etnografia do Brasil e AntropologiaFísica. Estimulou a contratação de professores estrangeiros,notadamente franceses e norte-americanos, para ministraremAntropologia em cursos de atualização, de extensão universitáriae de especialização em Arqueologia na antiga Faculdade deFilosofia, Ciências e Letras14.

O dr. Loureiro Fernandes dirigiu o Instituto de Pesquisas daFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade doParaná e incentivou as pesquisas em Antropologia Física, CulturaPopular e Arqueologia. Realizou investigações científicas entreos Kaingang de Palmas e de Mangueirinha (aldeia Palmeirinha),divulgando os seus conhecimentos nos Arquivos do Museu

Prof. Loureiro Fernandes e o velho índio Kaingang Pedro Mendes,P. I. Palmas, década de 1940. Acervo: Museu Paranaense.

14. Os pesquisadores Jorge Dias e Emílio Willens realizaram trabalhos no Paraná econtribuíram para a formação de jovens antropólogos. A arqueóloga Annette Lamingministrou curso na área de Arqueologia Pré-Histórica. O sociólogo Octavio Ianni fezpesquisas em Curitiba para reunir material sobre a situação social do negro e contoucom o apoio do prof. dr. Loureiro Fernandes. Publicou As metamorfoses do escravo.São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962.

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Paranaense15.Também realizou pesquisas entre os Kaingang dePalmas o etnólogo Herbert Baldus, que escreveu sobre O culto aosmortos entre os Kaingang de Palmas16 (BALDUS, 1937).

Na década de 1950, como foi descrito, contribuiu para a criaçãoda Associação Brasileira de Antropologia, e suas pesquisas entreos Xetá foram divulgadas em reuniões de associações científicasno Brasil e no exterior17.

O Museu do Homem de Paris se interessou pelas pesquisasrealizadas entre os índios Xetá e financiou a edição dodocumenário sobre os Xetá realizado pelo antropólogo LoureiroFernandes e pelo cinegrafista Vladimir Kozák. Os Xetásobreviventes foram transferidos, na década de 1960, da regiãodo Rio Ivaí para a terra indígena José Maria de Paula, emGuarapuava (PR). Em 1967, quando a profa. Cecília Helm realizava

16. O etnólogo do Museu Paulista Herbert Baldus estudou os Kaingang de Palmas epublicou trabalhos sobre esse povo Jê, notadamente em seu livro Ensaios de EtnologiaBrasileira. Rio de Janeiro; Companhia Editora Nacional, 1937 (Col Brasiliana).

17. Consultar FERNANDES, José Loureiro. Os índios da Serra dos Dourados: os Xetá.REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA III. Anais…, Recife, 1959; The Xetá: adying people in Brazil. Separata de Bulletin of the International Committee on UrgentAnthropological and Ethnological Research, n. 2, 1959; Lê Xetá et les palmiers de laforêt de Dourados: contribution à l’ethnobotanique du Paraná. Separata de CongressInternational des Sciences Antrhropologiques et Ethnologiques, Paris, Actes Paris,1960.

A antropóloga Cecília Helm entrevista índia Guarani no P. I. Santa Amélia,Laranjinha, PR, 1973. Foto: Sílvio Coelho dos Santos.

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a sua pesquisa entre os Kaingang dessa região acompanhada poralunos do curso de Ciências Sociais pôde observar uma família deíndios Xetá que habitava o Posto Indígena José Maria de Paula.Também estavam hospedados nas instalações do Posto, realizandotrabalho de campo, o lingüista dr. Aryon Rodrigues e o cinegrafistaVladimir Kozák, que estudavam os Xetá.

O CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS ARQUEOLÓGICAS (CEPA)

A Arqueologia foi outra área apoiada pelo professor LoureiroFernandes. Criou o Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas,CEPA, em 1956. Havia interesse em ser instituída a Cátedra deArqueologia Pré-Histórica, projeto originário da Cátedra deAntropologia da Universidade do Paraná. Foram consultados osórgãos superiores, o Conselho Nacional de Pesquisa, a Divisãodo Ensino Superior e a Campanha Nacional de Aperfeiçoamentodo Pessoal de Nível Superior, e foi recomendada a criação doCEPA em 1956. O Conselho Superior do Instituto de Pesquisasformalizou a proposta. De acordo com o seu fundador, foi graçasao auxílio do CNP (atual CNPq) e à valiosa colaboração da Capesque foram contratados especialistas e concedidas bolsas aosinteressados em se especializar em Arqueologia. O CEPA pôdepreencher, em 1957, a sua finalidade de ensino e pesquisa(CHMYZ, 2000, apud FERNANDES, 1958).

Na direção do CEPA, o prof. Loureiro convidou especialistasnacionais e estrangeiros para ministrarem cursos deaperfeiçoamento e de especialização em Arqueologia Pré-Histórica, que contribuíram para a formação de jovenspesquisadores.

O CEPA funciona até os dias de hoje em amplas instalações,no Edifício D. Pedro I, dirigido pelo dr. Igor Chmyz, quedesenvolve pesquisas e ministra a disciplina Arqueologia Pré-Histórica a estudantes de graduação e do PPGAS da UFPR18.Também foi criada a Revista do Centro de Estudos e PesquisasArqueológicas. Seu último número trata sobre os Anais do SeminárioComemorativo do Centenário de Nascimento do prof. dr. José LoureiroAscenção Fernandes (1903—2003), coordenado pelo prof. Chmyz e

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publicado em 2005, com o apoio da Funpar e SCHLA/UFPR. OCEPA mantém um termo de cooperação com o Departamento deAntropologia para intercâmbio de professores, pesquisadores epara a realização de cursos e pesquisas.

O M U S E U D E A R Q U E O L O G I A E E T N O L O G I A D A U F P R

18. Em abril de 2006, foram inauguradas as novas instalações do CEPA, em solenidadeprestigiada pelo magnífico reitor, dr. Carlos Augusto Moreira Júnior, Direção doSCHLA, Chefia do Departamento de Antropologia, Coordenação do PPGAS/UFPR,autoridades, professores, pesquisadores, funcionários e alunos dos cursos da UFPR.

19. O acervo do Museu ocupava o 3º andar do Edifício do Instituto Brasileiro do Café,localizado na cidade de Paranaguá. No início da gestão do atual reitor da UFPR, todaa reserva técnica foi transferida e acomodada em Curitiba, em novas instalaçõesadaptadas para abrigar as coleções e facilitar o acesso de pesquisadores e estudantes.

Vista do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR em Paranaguá, 2000.Acervo: Cecília Helm.

O antropólogo Loureiro Fernandes teve o mérito de criar e dirigiro Museu de Arqueologia e Artes Populares da UFPR, localizadona cidade de Paranaguá, monumento tombado pelo Instituto doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional, que reúne notável acervode peças de coleções etnográficas, arqueológicas e da culturapopular. Há preciosa coleção de fotografias e vídeos que fazemparte do acervo do setor de Antropologia Visual do Museu19.

O pesquisador Vladimir Kozák atuou como cinegrafista,documentou os Xetá e produziu filmes, inúmeras fotos e painéis

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que se encontram arquivados no Museu de Etnologia eArqueologia da UFPR e no Museu Paranaense da Secretaria daCultura do Estado do Paraná. Acompanhou o prof. LoureiroFernandes em suas pesquisas sobre os Xetá, produzindo filmesde inestimável valor. Seus documentários arquivados nessesMuseus constituem fonte preciosa de estudo para a AntropologiaVisual e para os etnólogos que têm se dedicado a desvendar acultura, a língua e a organização social desse povo.

O antropólogo Loureiro Fernandes20 dedicou grande partede seu tempo ao Museu e à organização de sua biblioteca, comorelatou Rocha em Seminário realizado na UFPR, paracomemorar o centenário de nascimento do saudosoantropólogo (ROCHA, 2005).

Por iniciativa de Loureiro Fernandes, foram realizadasexposições etnográficas, arqueológicas, cursos e palestras noauditório do Museu. Em 1973, foi realizado um curso deespecialização sobre Técnicas de Pesquisa Arqueológica Aplicadasa Sítios Pré-Cerâmicos.

Em 1973, informa Rocha21, os pesquisadores Júlio e Janine Alvardesenvolveram pesquisas em Guaraqueçaba, no litoral do Paraná,e se instalaram no Museu, em Paranaguá, para realizar consultasna sua biblioteca.

O Museu de Arqueologia e Etnologia pertencia aoDepartamento de Antropologia, com a Reforma Universitária setransformou em órgão suplementar da UFPR. O MAE estásubordinado à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura. A verbadestinada às atividades do Museu é pequena. Há falta defuncionários, antropólogos, arqueólogos, especialistas em culturapopular e museólogo.

20. O professor José Loureiro Fernandes aposentou-se de suas funções acadêmicas em1968, tendo se dedicado durante a década de 1970 à preservação do Monumento esuas coleções, e às atividades científicas, culturais e de pesquisa realizadas no Museu.Foi incansável na sua luta por recursos financeiros, contratação de pessoal, para queo Museu cumprisse o seu papel de órgão de ensino, pesquisa, de intercâmbio epreservação do patrimônio cultural, artístico, etnográfico e arqueológico da UFPR.

21. ROCHA, Regina. Prof. Loureiro Fernandes: os últimos tempos. Depoimento prestadono Seminário Comemorativo do Centenário do prof. José Loureiro Fernandes,Número Especial da Revista do CEPA, v.3, 2005. Curitiba.

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Os seus diretores22 e funcionários23 têm se dedicado àpreservação do Monumento, à divulgação de seus acervos e aorganizar exposições temporárias e permanentes. Têm procuradomanter viva a biblioteca24 e fazer intercâmbio com outrasinstituições. São realizados convênios com outros órgãos e comsetores da Universidade para o desenvolvimento de pesquisasno litoral paranaense.

A administração do MAE tem promovido cursos de extensãouniversitária nos diversos campos da Antropologia, que sãorealizados por estudantes da UFPR, membros da comunidade,professores e alunos da Faculdade de Filosofia de Paranaguá.

O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social e oDepartamento de Antropologia mantêm um termo de cooperação

22. Consultar os Relatórios anuais das ex-diretoras Anamaria Bonin (1998—1999) eCecília Maria Vieira Helm (2002—2002), arquivados na Secretaria do MAE.

23. Consultar o Relatório Geral da Supervisão do MAEP no período de junho a dezembrode 1998 sobre “Problemas de Risco no Monumento” produzido pelo supervisortécnico Luiz Carlos Alves, por solicitação da então diretora do MAE, profa. AnamariaBonin.

24. A Biblioteca do MAE, organizada pelo prof. Loureiro Fernandes, tem no seu acervoobras raras doadas pelo seu fundador. Na atual administração da UFPR, foitransferida para Curitiba, para ser atualizada a catalogação dos livros, das coleçõesde revistas, e está acomodada na Biblioteca Geral da UFPR, uma vez que o MAEse encontra fechado para reformas.

Vista do pátio interno do Museu de Antropologia e Etnologia/UFPR, 2000.Acervo: Cecília Helm.

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com o MAE para intercâmbio de especialistas e realização depesquisas e cursos no litoral.

O Edifício do Museu necessita de uma revitalização, encontra-se fechado à visitação pública desde 2005, devido a problemas nasua cobertura e infiltrações em suas paredes. Não têm sidorealizados cursos, palestras, exposições dentro da programaçãoanual. No Museu, realizaram pesquisas vários estudiososnacionais e estrangeiros. Também a convite do mestre LoureiroFernandes, em 1962, o imortal Poty Lazzarotto, artista plástico,desenhou um belíssimo painel que retrata os índios Xetá25 da Serrade Dourados, que está em exposição e faz parte do notável acervodo MAE/UFPR.

O D E P A R T A M E N T O D E A N T R O P O L O G I A

O Departamento de Antropologia foi criado e dirigido, durantevários anos, pelo professor dr. José Loureiro Fernandes e pertenciaà antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidadedo Paraná. Em 1958, foi instalado no Edifício da FFCL, construídona administração do prof. dr. Flávio Suplicy de Lacerda, entãoreitor da UFPR. O professor Loureiro Fernandes dirigiu o

25. O painel foi cortado em quatro pedaços em administração anterior, em 1995, sendorestaurado em 2002, devido ao empenho da profa dra. Cecília Helm, então diretorado MAE, que obteve o necessário apoio financeiro da Funpar/ UFPR, dirigida peloprof. Mário Pederneiras, para ser restaurado o magnífico trabalho de Poty, que pertenceao acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia, MAE/ UFPR. O painel foi restauradoe depositado no MAE em 23 de abril de 2002, em evento realizado no auditório doMAE, organizado pela profa. Cecília Helm, e que contou com a presença de autoridadesuniversitárias, como a pró-reitora de Extensão e Cultura, dra. Maria José Justino, oirmão do imortal Poty, pessoas ilustres da comunidade de Paranaguá, como o dr.Mauro Maranhão, o antropólogo dr. Sílvio Coelho dos Santos, da UFSC, o dr. IgorChmyz, diretor do CEPA, que fez uso da palavra, para enaltecer a contribuição doprof. Loureiro Fernandes e dizer da importância e da beleza da obra de Poty para oMAE, a antropóloga Maria Fernanda Maranhão, do Museu Paranaense, funcionáriosdo MAE que se empenharam para que o painel fosse recuperado e voltasse para oacervo do Museu. Durante o período em que a profa. Anamaria Bonin dirigiu o MAE,foi produzido, em 1999, um documento pela profa. Márcia de Andrade Kersten, emcolaboração com Márcia Rosatto e Patrícia Souza, com a finalidade de “Recuperaçãodo acervo do MAE/UFPR”, que tratou especificamente sobre os “Retratos dos Xetá”,por Poty Lazzarotto. O estudo e o laudo técnico elaborados para a recuperação daobra foram acompanhados por uma proposta orçamentária aprovada na administraçãoda então diretora do MAE, dra. Cecília Maria Vieira Helm.

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Formatura dos bacharéis de Ciências Sociais/UFPR, 1959.Ao centro, prof. dr. José Loureiro Fernandes, paraninfo da turma de 1959.

A seu lado, Cecília Helm. Acervo: Cecília Helm.

Departamento de Antropologia de 1958 a 1968, quando solicitousua aposentadoria da condição de professor fundador da Cátedrade Antropologia na Universidade do Paraná. Também dirigiu oInstituto de Pesquisas da então Faculdade de Filosofia, desde 1952(HELM et al., 1988).

O prof. Loureiro Fernandes acompanhou o desenvolvimentoda Antropologia no País e no exterior, participou ativamente dainstitucionalização da Associação Brasileira de Antropologia,manteve intercâmbio com outras universidades e órgãos depesquisa, e elaborou os programas das disciplinas, de acordo comas teorias antropológicas em moda nas décadas de 1950 e 1960.

O antropólogo Loureiro Fernandes, com dedicação, organizouo Departamento de Antropologia, no 6º andar do Edifício D. PedroI, dividiu os espaços, desenhou móveis, painéis, distribuiu as salasde aula e os gabinetes dos professores, da direção, os laboratórios,o anfiteatro para palestras e seminários, com equipamento paraprojeções de filmes, slides, o salão de exposições temporárias,que exibia ao público temas da cultura popular, artefatos etradições das sociedades e culturas indígenas, bibliotecaespecializada, depósito para as peças dos acervos, sala climatizadapara conservação das fitas gravadas, fotografias e filmes

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produzidos sobre os povos indígenas no Paraná, temas de culturapopular e tantos outros investigados pelos pesquisadores doDepartamento de Antropologia (HELM, 2005).

Os professores Máximo Pinheiro Lima e Eny de CamargoMaranhão foram assistentes do prof. Loureiro Fernandes ecolaboravam no ensino da disciplina Antropologia Física. AEtnografia do Brasil era ministrada por Loureiro Fernandes eValderez de Souza Mueler. O prof. Loureiro Fernandes introduziua disciplina Arqueologia Pré-Histórica, até que este campo doconhecimento passou a ser de responsabilidade do prof. dr. IgorChmyz. A professora Maria José Menezes, secretária doDepartamento, fez cursos de Arqueologia e participou de pesquisasde campo, sendo contratada para auxiliar no ensino dessa matéria.A profa. Maria de Lourdes Muniz também colaborou com o prof.Loureiro Fernandes, ministrando a Antropologia Cultural. O prof.José Wilson Rauth realizou pesquisas em Arqueologia no litoraldo Paraná, estimulado pelo dr. Loureiro, e ministrou aulas deAspectos Antropológicos da Realidade Brasileira no Curso deGeografia, após a reforma universitária.

A professora Cecília Maria Vieira Helm foi instrutora deensino voluntária do Departamento de Antropologia, auxiliandoo professor Loureiro Fernandes a dirigir seminários e colaborouem suas aulas práticas. Em abril de 1963, depois de realizar oCurso de Especialização em Antropologia Social, no MuseuNacional, de responsabilidade do ilustre antropólogo dr.Roberto Cardoso de Oliveira, durante doze meses, e de participarde pesquisa de campo entre os Tukuna, no Alto Solimões (AM),foi contratada como auxiliar de ensino da Cadeira deAntropologia. Até a aposentadoria do professor LoureiroFernandes, atuou como auxiliar de ensino, sendo responsávelpelas disciplinas Antropologia Social e Etnologia Indígena26.

Com a aposentadoria do professor Loureiro Fernandes, foiindicado o prof. Pinheiro Lima para dirigir o Departamento de

26. No Museu Nacional, em 1963, sob a orientação do dr. Roberto Cardoso de Oliveira,Helm elaborou o Projeto Kaingang, apresentado como trabalho final do Curso deEspecialização em Antropologia Social, desenvolvido entre os Kaingang localizadosno interior do Estado do Paraná.

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Antropologia. Durante o período em que o prof. dr. BrasilPinheiro Machado dirigiu a então Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras, a profa. Cecília Helm foi nomeada, em 1970,para reger a disciplina Antropologia e chefiou o Departamentode Antropologia.

Com a reforma universitária, após 1970, a Cátedra foi abolida.Foi criado o cargo de professor titular, sendo necessária acontratação de novos auxiliares de ensino no Departamento deAntropologia: o prof. Ruben César Keinert, a profa. Marília deCarvalho, a profa. Veraluz Cravo, a profa. Jungla MariaPimentel, a profa. Maria Lígia Pires, a profa. Maria Cecília Costae a profa. Zulmara Clara Posse, que colaboraram em atividadesde ensino, devido à incorporação das disciplinas deAntropologia em vários cursos da UFPR e à pesquisa, que seexpandiu em novas linhas temáticas. Mais tarde, contribuíramcom a chefia na organização e implantação do Curso deEspecialização em Antropologia Social da UFPR em 197227.

Os professores do Departamento de Antropologia passarama realizar e pôr em prática todas as exigências da reformauniversitária na década de 1970. Foram criadas novasdisciplinas, e as diversas áreas e subáreas de Antropologiaatenderam às solicitações dos cursos do Setor de CiênciasHumanas, Letras e Artes. Ocorreu uma significativa expansãodo ensino de Antropologia e das linhas de pesquisa. Passarama ser ministradas as disciplinas: Sociedades Complexas,Antropologia Urbana, Sociedades Camponesas, MinoriasÉtnicas e Identidade, Cultura Brasileira, AntropologiaEconômica, Metodologia da Pesquisa Antropológica, Históriada Antropologia Brasileira, Teoria Antropológica I e Teoria II,além das disciplinas Etnologia Indígena, Antropologia Social,com ênfase nos estudos sobre Organização Social e Parentesco,e Arqueologia Pré-Histórica.

27. A profa. Cecília Helm era a chefe do DEAN. Junto com a equipe de professoras deAntropologia Social, criou o projeto do Curso de Especialização em Antropologia Social,que foi aprovado no Conselho de Ensino e Pesquisa. Cecília Helm acumulou acoordenação do CEAS com a chefia departamental, até que os auxiliares de ensinorealizaram o Curso e obtiveram a qualificação de especialistas em Antropologia Social.

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Os cursos que introduziram as disciplinas ofertadas peloDepartamento de Antropologia foram: Comunicação Social;Filosofia, Psicologia, Letras, Pedagogia, Enfermagem, DesenhoIndustrial, Educação Artística, Nutrição, Odontologia,Agronomia, Engenharia Florestal, Medicina, Arquitetura eUrbanismo, além dos cursos de Ciências Sociais, Geografia eHistória, que tradicionalmente incluíram a Antropologia em seucurrículo.

Em 1973, foram abertos concursos na Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras para o preenchimento dos cargos de professorassistente. No Departamento de Antropologia, prestaramconcurso de títulos, prova escrita e prova didática os auxiliaresde ensino que faziam parte do corpo docente. A profa. CecíliaMaria Vieira Helm, regente da disciplina Antropologia, optoupela realização do concurso a continuar como ocupante de cargode professor titular, “sem a devida titulação”. As professorasCecília Maria Vieira Helm, Jungla Pimentel Daniel, Marília deCarvalho e o professor Igor Chmyz foram aprovados no concursoe passaram a ocupar os cargos de professores assistentes doDepartamento de Antropologia.

Ainda foram contratados para os cargos de auxiliares deensino: Mary Helena Allegretti, Carmem Broli, Carlos AlbertoBalhana, Márcia de Andrade Kersten, Rosângela Digiovanni eAnamaria Aimoré Bonin. A profa. Maria Regina Furtado foitransferida do Museu Cascudo (RN) para a UFPR/DEAN, nadécada de 1980.

Em 1974, foi aberto concurso público para a obtenção do títulode livre-docente em Antropologia na Universidade Federal doParaná. As professoras Maria José Menezes e Cecília MariaVieira Helm28 realizaram as provas de títulos, escrita, didática edefesa de tese, e obtiveram o título de professor livre-docentede Antropologia.

O cargo de professor titular do Departamento de Antropologiaestava vago desde a aposentadoria do prof. Loureiro Fernandes.

28. A tese de concurso público para a obtenção do título de livre-docente em Antropologiada profa. Cecília Maria Vieira Helm tratou sobre A integração do índio na estruturaagrária do Paraná: o caso Kaingang, apresentada e defendida em 1977 na UFPR.

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Somente em 1977, foi aberto o concurso, na área de AntropologiaBrasileira. O concurso para professor titular determinava arealização das provas de títulos, de defesa de tese, escrita edidática. Inscreveu-se e realizou o concurso a profa. dra. CecíliaMaria Vieira Helm29, que ocupava a chefia do Departamento.Participaram da banca examinadora os saudosos professores Luizde Castro Faria, Brasil Pinheiro Machado, Herley Mehl e os ilustresantropólogos prof. dr. Roberto Cardoso de Oliveira e prof. dr.Roque de Barros Laraia.

No Departamento de Antropologia, predominavam aspesquisas sobre as relações entre índios e não índios, comênfase na situação de contato engendrada pelas relaçõesinterétnicas. Os conflitos gerados foram interpretados comfundamento nos conceitos de fricção interétnica e de identidade

Em solenidade na Reitoria da UFPR, a profa. Cecília Helm recebe o diplomade professora titular, Departamento de Antropologia/UFPR, Curitiba, 2004.

Acervo: Cecília Helm.

29. A tese de concurso para professor titular do SCHLA/UFPR elaborada e defendidapela profa. dra. Cecília Maria Vieira Helm tratou sobre O índio camponês assalariadoem Londrina: relações de trabalho e identidade étnica. Curitiba; UFPR, 1977.

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étnica30 formulados pelo dr. Roberto Cardoso de Oliveira(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1964; 1978).

A profa. Cecília Helm elaborou, na década de 1960, o seu projetode pesquisa sobre os Kaingang, desenvolvido nas aldeias indígenaslocalizadas no interior do Paraná, sendo auxiliada por estagiáriosdo Departamento e alunos do Curso de Ciências Sociais.

30. Em 1977, foi realizada uma pesquisa na Terra Indígena Apucarana para estudar aidentidade étnica entre os Kaingang, que tratou sobre as representações dessesíndios sobre a sociedade nacional, sobre os Guarani e a situação dos Kainganginseridos no mercado de trabalho. A tese elaborada para o concurso de professortitular de Antropologia na UFPR abordou as relações de trabalho e identidade étnicaentre os Kaingang do norte do Paraná. Na Revista Estudos Brasileiros, daUniversidade Federal do Paraná, foi publicado o artigo de Helm: Identidade étnicaentre os índios Kaingang, volume 4, nº 7, 1979; e na Revista História: Questões eDebates da APAH, em 1984, foi publicado o artigo de Helm: Depoimentos de índiosKaingang sobre o trabalho volante que realizam no Paraná agrário.

Recebeu o apoio do Conselho de Ensino e Pesquisa para fazeras viagens às terras indígenas. O primeiro censo sobre a populaçãoKaingang distribuída nas aldeias e fazendas no Paraná foi levantadopela pesquisadora e seus colaboradores, sendo divulgado, em seutrabalho A integração do índio na estrutura agrária do Paraná: o casoKaingang (HELM, 1974). Os trabalhos escritos e publicados foraminspirados nos conceitos de fricção interétnica e de identidade étnicade Cardoso de Oliveira, como foi registrado acima.

A antropóloga Cecília Helm entrevista o líder Kaingang João Morais,P. I. Manoel Ribas, PR. Acervo: Cecília Helm.

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Para realizar as suas pesquisas entre os Kaingang e os Guarani,Helm precisou solicitar autorização dos dirigentes do Serviço deProteção aos Índios na sede da delegacia, em Curitiba. No períodoem que o indigenista Dival José de Souza chefiava a Inspetoria,não encontrou problemas para ingressar nos Postos Indígenas,hoje denominados Terras Indígenas. Um veículo da frota da UFPRera cedido para as viagens a campo.

No governo militar, os antropólogos eram vistos comdesconfiança pelos dirigentes do SPI/Funai. Foram criadas normasdentro da estrutura burocrática para dificultar a entrada depesquisadores nas áreas indígenas. Apesar dos entraves, foi possívelrealizar pesquisas em todos os Postos Indígenas localizados noParaná. Em cada terra indígena, com o auxílio de líderes indígenas,de professores e pessoas da comunidade empenhadas em colaborarcom a pesquisadora, foram levantados dados etnográficos,elaboradas genealogias e aplicado um formulário com a finalidadede ser realizado o censo populacional. Fora das aldeias, eramentrevistadas pessoas da comunidade local, autoridades municipaisque discorriam sobre a situação dos índios dentro da ótica do nãoíndio. A preocupação com o destino dos povos indígenas, com aexpropriação das terras ocupadas tradicionalmente pelos Kaingang

O indigenista Dival José de Souza sendo entrevistado em 2004 pelaantropóloga Cecília Helm, Curitiba. Acervo: Cecília Helm.

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e Guarani, conduziram a investigação, no sentido de privilegiaro estudo das relações de conflito entre índios e não índios,inseridos na situação histórica do contato.

No CEPA, dirigido pelo prof. Igor Chmyz, têm sido realizadaspesquisas nos sítios arqueológicos localizados no litoral e nointerior do Paraná. No laboratório e em pesquisas de campo,foram treinados inúmeros pesquisadores que passaram acolaborar com o prof. Igor Chmyz. Muitos especialistas foramconvidados a ministrar cursos e realizar pesquisas no Paraná. Aárea de Salvamento Arqueológico se tornou uma especialidadeque envolve os membros do CEPA em consultorias contratadas,devido à implantação de projetos hidrelétricos. Convênios foramassinados, inclusive com instituições estrangeiras. Váriaspublicações fazem parte do acervo do CEPA.

O conjunto de professores do Departamento de Antropologiaorganizou, na década de 1970, os Textos de Antropologia, para usodos estudantes e foram reproduzidos trabalhos de alguns clássicosque se encontravam esgotados.

Depois da reforma universitária, foram elaborados projetosde pesquisa nas linhas de Antropologia Urbana, Antropologiadas Sociedades Camponesas, Movimentos Sociais no Campo,Movimentos Políticos Indígenas, Relações Intertribais eInterétnicas, Memória Indígena, Projetos Hidrelétricos e PovosIndígenas.

Foram estudados grupos de colonos e pescadores, sob a óticade sua inserção na economia capitalista, e desenvolvidas pesquisasentre grupos de imigrantes poloneses e sírio-libaneses. De acordocom Marília Carvalho31, grupos urbanos também foram objetode pesquisas antropológicas no DEAN. Projeto de pesquisadesenvolvido pela profa. Jungla Daniel sobre as condiçõesmateriais de vida de operários aposentados revelou a difícilsituação econômica em que passam a viver após 35 anos detrabalho. São obrigados a retornar ao mercado paracomplementação da renda da família.

31. CARVALHO, Marília. Duas décadas e meia de Antropologia na UFPR. Depoimentoprestado na Universidade Federal do Paraná por ocasião da Comemoração dos 50Anos/ABA, em 16/6/05, Curitiba, 2005.

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Outra investigação tratou sobre os catadores de papel na cidadede Curitiba e como percebem a si e aos outros. Grupos popularesde baixa renda foram pesquisados pelas professoras MaríliaCarvalho e Veraluz Cravo, inclusive o extinto Beco do Diabo,situado em área urbana de Curitiba. A pesquisa revelou ascondições de vida de famílias matrilocais que constroem relaçõesde reciprocidade e solidariedade específicas na cidade edesenvolvem valores familiares próprios de mulheres que criamos filhos sem a presença do pai. O relato da profa. Marília Carvalhoinforma sobre a pesquisa realizada sobre relações familiares decamadas médias de Curitiba. A investigadora RosângelaDigiovanni procurou compreender as transformações pelas quaisvem passando a família, como instituição, a partir da ótica depessoas descasadas e recasadas. A pesquisa resultou em umaetnografia do casamento (CARVALHO, 2005).

A profa. Maria Lígia Pires estudou as relações intratribais einterétnicas entre os Kaingang e Guarani da Terra IndígenaMangueirinha, PR e elaborou projeto de pesquisa sobre a memóriaindígena, em parceria com pesquisadores do Museu Paranaense,na década de 1980.

Outra modalidade de pesquisa desenvolvida pela profa. MariaCecília Costa tratou sobre o Congresso Nacional. O trabalho decampo foi realizado em Brasília, onde os parlamentares constroemsua carreira política. A pesquisa de Costa revelou os rituais doCongresso e os caminhos que devem ser seguidos para a aceitaçãode novos parlamentares, e a manutenção das posições de prestígiodos antigos deputados.

Foram realizadas pesquisas sobre os movimentos sociais ruraisno Paraná, movimentos e ritos do MST, e estudo etnográfico doacampamento Vitória da União.

Sobre os hábitos alimentares, realizaram–se trabalhos deinvestigação desenvolvidos pela profa. Anamaria Bonin. Opatrimônio cultural no Brasil e no Paraná foi o tema de pesquisarealizada pela profa. Márcia de Andrade Kersten32.

É importante registrar que, em 1988, foi lançado o Boletim de

32. KERSTEN, M. Os rituais de tombamento e a escrita da história. Curitiba: Ed. UFPR, 2000.

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Antropologia, que publicou os resultados das pesquisasdesenvolvidas pelo corpo docente do Departamento deAntropologia.

No final da década de 1970, a profa. Cecília Helm recebeu umacarta-convite do saudoso dr. Guillermo Bonfil Batalla, Diretor deCIS-INAH, para realizar um estágio pós-doutoral no Centro deInvestigaciones Superiores del Instituto Nacional de Antropología eHistoria/INAH, na Cidade do México, D.F., durante doze meses.No CIS-INAH, hoje Ciesas, participou de Seminários Avançadosem Antropologia Política e Minorias Étnicas na América Latina.Desenvolveu novo projeto de pesquisa33 sobre movimentospolíticos indígenas no Paraná34, que teve o apoio do CNPq. Desseprojeto, resultaram artigos, comunicações apresentadas emReuniões da ABA e um capítulo do livro Movimentos sociais nocampo35, que tratou sobre Movimentos indígenas: o caso paranaense(HELM, 1987).

A partir da década de 1980, foram desenvolvidos estudos sobreas conseqüências sociais dos grandes projetos para os povosindígenas no Sul do Brasil, na Universidade Federal de SantaCatarina, sob a coordenação do dr. Sílvio Coelho dos Santos. Aprofa. Cecília M. V. Helm foi convidada a fazer parte da equipedo Projeto apoiado pela UFSC e Eletrosul. Através de um termode colaboração entre a UFPR e a UFSC, Helm participou do Projetoe ministrou aulas na Pós-Graduação em Antropologia Socialcriada na UFSC, sem prejuízo de suas atividades no Departamentode Antropologia da UFPR.

Devido à sua aposentadoria, solicitada em 1990, Helm aceitouparticipar das atividades do PPGAS/UFSC, dirigido pelo dr.

33. O Projeto de Pesquisa sobre os Movimentos políticos indígenas no Paraná foiinspirado no trabalho de BONFIL BATALLA. El pensamiento político de los indios enAmérica Latina, Anuário Antropológico/, 79. Direção: R.C. de Oliveira, TempoBrasileiro, Rio de Janeiro.

34. O Projeto sobre os Movimentos Políticos Indígenas foi desenvolvido junto com oslíderes indígenas localizados no Paraná. Ocorreram várias reuniões nas aldeias e emcidades como Curitiba, Londrina, Guarapuava e Florianópolis. O ensaio “MovimientoIndígena en el Sur de Brasil” de Helm, publicado pela Revista Con-textos UniversidadNacional de Misiones, Misiones, Argentina, 1993, resultou desse projeto.

35. ONIN et al. (Org.) Movimentos Sociais no campo. Curitiba: Criar; Editora da UFPR,1987.

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Sílvio Coelho dos Santos, na condição de professor visitante edar continuidade às pesquisas desenvolvidas sobre hidrelétricase povos indígenas no Sul do Brasil, da qual resultaram váriaspublicações36.

As pesquisas realizadas pela equipe do IPARJ, no Rio deJaneiro, os relatórios elaborados e divulgados, e o conceito deimpactos globais desenvolvido pelos estudiosos foram utilizadospara fundamentar os textos produzidos na UFSC. A contribuiçãode Gustavo Lins Ribeiro, que formulou o conceito sobre projetosde grande escala37, serviu para aprimorar as reflexões sobre asconseqüências sociais e ambientais dos grandes projetos dedesenvolvimento.

Na Universidad Nacional de La Plata, Argentina, para atenderao convite dos antropólogos Maria Rosa Catullo (UNLP), AlejandroBalazot (UBA) e Juan Radovich (UBA), que trabalham com a linhade pesquisa dos Projetos de Grande Escala, foram realizadosseminários em 2000, apresentados pelas profas. Cecília Helm e MariaJosé Reis, através de cooperação estabelecida entre a UFSC e a UNLP.

Recentemente, devido aos problemas decorrentes da invasãodas terras indígenas no Sul do Brasil, notadamente no Estado doParaná, nova modalidade de pesquisa/perícia antropológica temsido realizada pelos antropólogos, com o apoio da ABA e daProcuradoria Geral da República, e do Ministério Público Federal(MPF)38. Nas terras indígenas de Mangueirinha e Boa Vista, PR,por solicitação da Funai, com o apoio do MPF, foram realizadas

36. SANTOS, (Coord.); RAMOS; HELM; HALFPAP; NACKE. Projeto Uruguai:conseqüências da construção da Barragem Machadinho para os índios do P.I.Ligeiro (RS). Florianópolis, UFSC, 1980; HELM. A terra, a usina e os índios do P.I.Mangueirinha. In: SANTOS (Org.) O índio perante o Direito. Florianópolis; Editorada UFSC, 2001; HELM, C. Povos indígenas e projetos hidrelétricos no Estado doParaná, Análise ambiental e usinas hidrelétricas: uma visão multidisciplinar.Londrina: Editora da UEL; HELM. Kaingang e Guarani da terra indígenaMangueirinha e a Usina Hidrelétrica de Salto Santiago no Rio Iguaçu, PR. In:SANTOS (Org.) Hidrelétricas e Populações Locais. Florianópolis: Editora da UFSC,2001; HELM. Povos Indígenas e Projetos Hidrelétricos no Rio Tibagi. Antropologíay Grandes Proyectos en el Mercosur. In: BALAZOTE y CATULLO (Orgs.) Argentina:Minerva, 2001.

37. LINS RIBEIRO. Empresas transnacionais: um grande projeto por dentro. São Paulo:Marco Zero e Anpocs, 1991.

38. SILVA, LUZ e HELM. (Orgs.) A Perícia Antropológica em Processos Judiciais, SãoPaulo: Editora da UFSC/ABA, Comissão Pró-Índio, 1994.

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perícias antropológicas de responsabilidade da profa. CecíliaHelm. Em 1995, foi nomeada perita pelo dr. Juiz Federal da 2ªVara Federal de Curitiba para apresentar laudo antropológicosobre a acirrada disputa de terras em que estavam envolvidos ospovos indígenas Guarani e Kaingang da T.I. Mangueirinha e F.Slaviero e Filhos S.A. Indústria e Comércio de Madeiras e Outros.O grupo empresarial de madeireiros que invadiu a parte centralda T.I. Mangueirinha, devido à “compra” dessas terras, que foramadquiridas pelo grupo Forte Neto no governo do Senhor MoysésLupion, em 1949, disputava na Justiça as terras da União,ocupadas tradicionalmente pelos indígenas. Ocorreu um acordoentre o governo estadual, a Fundação de Terras e Colonização doEstado do Paraná e o governo federal, através do antigo Serviçode Proteção aos Índios, com a finalidade de reduzir as terrasindígenas.

O laudo antropológico elaborado por Helm39 e o laudoantropológico complementar realizados em 1995 e 1996, fazemparte do processo que se encontra na Justiça Federal, na 7ª VaraFederal de Curitiba/PR. Em 16 de dezembro de 2006, o brilhantejuiz federal dr. Mauro Spalding redigiu e publicou a sentençajudicial favorável aos oponentes no processo: os índios da terraindígena Mangueirinha, representados pela Funai e contra osopostos, F. Slaviero e Outros40.

O Departamento de Antropologia se envolveu na organizaçãoda XV Reunião Brasileira de Antropologia, realizada em Curitiba,nas instalações do Edifício D. Pedro I, em 1986. Por solicitação doprof. dr. Roberto Cardoso de Oliveira, então presidente da ABA,a profa. Cecília Maria Vieira Helm coordenou a organização doevento. A equipe de professores e estagiários do Departamentode Antropologia não mediu esforços para que a reunião fosserealizada com sucesso. A profa. Veraluz Cravo, chefe do DEAN41,

39. Trata-se dos documentos, “Laudo antropológico” e “Laudo antropológicocomplementar”, elaborados pela perita dra. Cecília Maria Vieira Helm, em 1995 e1996, por determinação da Justiça Federal, 2ª Vara Federal, Curitiba.

40. A sentença foi lavrada em 16 de dezembro de 2005 pelo dr. Mauro Spalding, juizfederal da 7ª Vara Federal, Curitiba.

41. De acordo com o relato da profa. Veraluz Cravo, que organizou os Anais da XV Reuniãoda ABA, ocorreram 615 inscrições, seis mesas-redondas e 22 grupos de trabalho.

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reuniu o material apresentado e discutido na referida reunião epublicou os Anais da XV Reunião.

Também o Departamento de Antropologia, através de seucorpo docente, e de seus alunos de graduação e do Curso deEspecialização em Antropologia Social, participou das Reuniõesde Antropologia do Sul do Brasil, realizadas nos três Estados doSul. As reuniões passaram a integrar os países do Mercosul, euma das reuniões foi realizada em Curitiba, em 2001, com o apoiodos membros do Programa de Pós-Graduação em AntropologiaSocial e Departamento de Antropologia da UFPR. O corpo docentedo Departamento de Antropologia participou ativamente daprogramação cultural e científica do evento. Foram apresentadas,nos grupos de trabalho, várias comunicações sobre temas queestão sendo tratados na Antropologia que se produz no Brasil eno exterior. Antropólogos de universidades vizinhas participaramdando suas contribuições, notadamente da Universidad Nacionalde La Plata, Argentina.

A professora Cecília M. V. Helm foi homenageada em SessãoMagna do Conselho Universitário com a entrega do diploma deProfessora titular da UFPR, outorgado pelo magnífico reitordoutor Carlos Augusto Moreira Júnior, em 17 de dezembro de2004, no Teatro da Reitoria, em solenidade comemorativa dos 92anos de Fundação da UFPR.

No final da década de 1980, foi criado o Curso de Mestradoem Antropologia Social, que se transformou no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Apesar das dificuldadesiniciais, principalmente devido às aposentadorias dos professoresque tinham a necessária titulação para fazer parte do corpodocente do Programa, foram realizadas novas contratações dejovens doutores que prestaram concurso no Departamento deAntropologia, na década de 1990 e a partir do ano 2000.

Os membros do PPGAS/UFPR se empenharam para aconsolidação do Programa, com suas distintas formaçõesrealizadas em centros de Antropologia localizados no Brasil e emuniversidades estrangeiras. Permanecem colaborando com asatividades do Programa a profa. aposentada Cecília Helm,apoiada pelo CNPq, através de uma bolsa de Produtividade em

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Pesquisa, e o prof. Igor Chmyz, que integra o DEAN e o CEPA. Ahistória do Programa, a partir de 1990, e a contribuição para aAntropologia produzida no Brasil ainda devem ser registradas einterpretadas pelos antropólogos que fazem parte hoje doDepartamento de Antropologia. A avaliação do Programa temsido realizada por comissões da Capes que visitaram o PPGASnos últimos quinze anos.

A PÓS–GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL NA UFPR

O Curso de Especialização em Antropologia Social foi criadoem 1972, para atender às exigências da reforma universitária, nosentido de formar um corpo de especialistas em Antropologiaque atendesse a todas as exigências da reforma que se implantouna UFPR.

A profa. Cecília Maria Vieira Helm, que havia realizado, em1962—1963, o Curso de Especialização em Antropologia Socialno Museu Nacional da Universidade do Brasil, elaborou o Projetodo Curso aprovado pelo CEP, passando a coordenar as atividadesdo CEAS/UFPR. Os auxiliares de ensino do Departamento deAntropologia se inscreveram e realizaram todas as etapas doCurso, e alcançaram a qualificação de especialistas emAntropologia Social.

O Curso de Especialização em Antropologia Social do DEANfoi ministrado durante 17 anos, de 1972 a 1989, na UFPR, e cadaprograma teve a duração de 450 hs. A implantação do CEAS/UFPR permitiu que fosse dada continuidade ao intercâmbiocientífico e cultural que o Departamento manteve durante operíodo em que foi dirigido pelo dr. Loureiro Fernandes. Foidescrito anteriormente que vários especialistas nacionais eestrangeiros visitaram o DEAN, ministraram cursos e realizarampesquisas no Paraná, a convite do prof. Loureiro Fernandes. Emtrabalho elaborado em 198842, ficou registrado que os especialistasJuan Comas, da área de Antropologia Física; Renato Almeida,

42. HELM, KERSTEN e BONIN. O Ensino de Graduação, Pesquisa e Especializaçãoem Antropologia Social. Recife: ABA/CNPq,1988.In: Reunião Nacional sobreAntropologia no Brasil, Ensino, Pesquisa e Mercado de Trabalho, Recife, 1988.

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João Cabral e Valderez Mueler que realizaram estudos sobre oFolclore; Oldemar Blasi, sr. e sra. Emperaire, Altenfelder Silva,de Arqueologia Pré-Histórica; Emílio Willens, Octavio Ianni, deAntropologia Social e Sociologia; Aryon D. Rodrigues e RosárioMansur Guérios, de Lingüística; Reinaldo Maack, de GeografiaFísica, e ainda Eduardo Galvão e Herbert Baldus, de EtnologiaIndígena ministraram cursos de aperfeiçoamento e realizarampesquisas que contribuíram para o desenvolvimento daAntropologia no Paraná (HELM et al. 1988).

O Curso de Especialização em Antropologia Social (pós-graduação lato sensu), em um primeiro momento, foi defundamental importância para a formação dos auxiliares deensino do Departamento de Antropologia. Nesta etapa, a massacrítica que ministrou as disciplinas do Curso era composta deprofessores convidados que pertenciam aos centros deAntropologia localizados em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília,que deram contribuições significativas para a consolidação docampo antropológico na UFPR. Somente os professores CecíliaMaria Vieira Helm, Maria José Menezes e Igor Chmyz tinham atitulação necessária para ministrarem disciplinas no programado curso. A profa. Helm ministrou Antropologia Brasileira, e aprofa. Maria José Menezes, Antropologia Biológica. O prof.Chmyz, em programa instituído mais tarde, colaborou com oensino de Arqueologia Pré-Histórica no CEAS.

Nos primeiros anos do Curso, colaboraram com seusensinamentos os competentes professores: Júlio Cezar Melatti(UnB), Francisca Vieira Keller (Museu Nacional), Sílvio Coelho dosSantos (UFSC), Margarida Andreatta (USP), Maurício Tragtemberg(FGV), Roberto Cardoso de Oliveira (Unb), Roque de Barros Laraia(UnB), Giralda Seyfert (MN) e Lia Machado (UnB).

Na fase inicial, foram selecionados 16 candidatos, sendo amaioria do corpo docente da UFPR. De faculdades localizadas emcidades no interior do Paraná, participaram alguns docentes. DoMuseu de Antropologia da UFSC, pesquisadores tambémrealizaram o Curso na UFPR. O projeto do Curso, aprovado peloConselho Ensino e Pesquisa (CEP/UFPR), definiu prioridadese estratégias, que acompanharam a programação do CEAS:

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— atendimento à formação especializada e treinamentouniversitário de professores de outras faculdades da capital e dointerior do Estado do Paraná;

— atualização de conhecimentos e divulgação de teorias,resultados de pesquisas, promoção de debates, seminários e cursosde extensão sobre as mais diversas tendências e correntes daAntropologia;

— contato com outras instituições e centros de ensino epesquisa em Antropologia Social do País, através de profissionaisconvidados para ministrar as disciplinas do Curso.

Para as professoras Maria Cecília Costa e RosângelaDigiovanni, que foram coordenadoras, em artigo publicado43 parauma avaliação da trajetória do Curso, o resultado mais concretodessa primeira fase foi que o Curso constituiu etapa obrigatóriapara os professores do Departamento de Antropologia,antecedendo à inscrição em cursos de pós-graduação stricto sensue à titulação como mestres (COSTA e DIGIOVANNI, 1988).

Em 1978, a coordenação do Curso de Especialização emAntropologia Social enfrentou dificuldades financeiras para darcontinuidade à sua programação, que necessitou ser aprovadapelo CEP/UFPR. O intercâmbio de professores ficou bemreduzido, e os docentes do Departamento de Antropologiapassaram a assumir as disciplinas do CEAS.

Na década de 1980, ocorreu uma reestruturação do Curso,descrita por Costa e Digiovanni, em que a Capes passou asubsidiar a programação do CEAS.

Na terceira fase, são apontadas três etapas:— uma área de concentração em Teoria Antropológica e

História da Antropologia;— uma segunda que compreende quatro grandes módulos:

Arqueologia, Antropologia das Sociedades Tribais, Antropologiadas Sociedades Rurais e Antropologia das Sociedades Complexas;

— um módulo sobre técnicas e metodologia da pesquisa. Na interpretação de Costa e Digiovanni, a reestruturação do

43. COSTA, Maria Cecília; DIGIOVANNI, Rosângela. Curso de Especialização emAntropologia Social: notas para uma avaliação de sua trajetória. In: Boletim deAntropologia,n.8, Curitiba: Nova Série, 1988.

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Curso de Especialização em Antropologia Social/UFPR ocorreujunto com a reformulação das disciplinas do Departamento deAntropologia ofertadas para os cursos de graduação. A nova fasefoi marcada por uma sensível modificação no perfil de suaclientela.

Anteriormente, o recrutamento de alunos ocorreu entreprofessores universitários e graduados em Ciências Sociais. Apartir da terceira fase, os candidatos que se apresentaram foramprofissionais experientes: médicos, psicólogos, assistentes sociais,enfermeiros, engenheiros, arquitetos, pesquisadores ou recém-graduados nos mais diversos cursos da Universidade, comoGeografia, Comunicação Social e Filosofia.

O Curso de Especialização em Antropologia Social/UFPRcumpriu o seu papel de contribuir para a formação de seu corpodocente, de estimular a pesquisa nas áreas do conhecimentoantropológico e de realizar o intercâmbio entre professores epesquisadores dos cursos de pós-graduação em Antropologiainstalados no País.

A implantação dos cursos de pós-graduação em Antropologiano Brasil, especialmente na Região Sul, serviu para incentivar asatividades de pesquisa dentro de critérios rígidos, e os resultadostêm sido apresentados em reuniões da ABA, que congregamgrande número de especialistas e de estudantes que participamde seus encontros bianuais. Todos estes fatos contribuíram paraa consolidação do campo da Antropologia no Brasil.

A avaliação que a ilustre antropóloga Eunice Durham fez, em1980, sobre a pesquisa no Brasil no campo da Antropologia seconstitui em importante fonte de consulta para os antropólogosque têm realizado comparações e tratado sobre o desenvolvimentoda Antropologia.

A dra. Paula Monteiro, em bem fundamentada reflexão sobrea “Antropologia no Brasil: tendências e debates”44, recorre à profa.Eunice para informar que, “[...] na década de 1970, a Antropologiaconquistava expressivo prestígio acadêmico no âmbito das

44. MONTEIRO, Paula. Antropologia no Brasil: tendências e debates. In: TRAJANOFILHO e RIBEIRO (Orgs.). O Campo da Antropologia no Brasil. Rio de Janeiro:Contra-Capa/ABA, 2004.

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Ciências Sociais e experimentava, como todo o ensino superior,fase de grande expansão”. Tece comentários sobre a consolidaçãoinstitucional da Antropologia no eixo São Paulo-Rio de Janeiroe sua expansão para Brasília e alguns Estados do Sul: Paraná eSanta Catarina. Na sua criteriosa análise, a expansão da pesquisapara os Estados do Sul, a partir de 1980, se consolida com afundação de programas em Santa Catarina, no Rio Grande doSul e, posteriormente, no Paraná. Informa que, dos dezprogramas de pós-graduação em Antropologia credenciadospela Capes, sete estão nessa região (MONTEIRO, 2005).

De acordo com o prof. Roberto Cardoso de Oliveira, em seuensaio O que é isso que chamamos Antropologia Brasileira?, “[...]na história da Antropologia no Brasil é impossível deixarmosde nos defrontar com uma evidência: de que a disciplinaconhecida por Etnologia sempre primou por definir-se emfunção de seu objeto, concretamente definido como índios,negros e brancos”. Explica que em razão da preponderânciado objeto real sobre objetos teóricamente construídos, surgiramduas tradições no campo da Antropologia Brasileira. Aprimeira tradição que, segundo Cardoso de Oliveira, aparececom mais vigor é a da Etnologia indígena, sendo a segunda ada Antropologia da Sociedade Nacional (CARDOSO DEOLIVEIRA, 1988).

É importante registrar que as áreas de investigação nãopodem mais ser tratadas em termos de Etnologia Indígena eAntropologia das Sociedades Complexas, recentemente seexpandiram. Têm ocorrido significativas mudanças naAntropologia produzida no Brasil, e em universidadesestrangeiras. A Antropologia desenvolvida no Paraná emuniversidades públicas, privadas e em instituições de pesquisase diversificou.

Ainda que a linha Etnologia Indígena apareça nos Programasde Pós-Graduação, há forte presença da Antropologia daSociedade Nacional com variadas denominações e tendências.Há uma ênfase nos temas como Antropologia Urbana, do Poder,da Religião e do Simbólico (MONTEIRO, 2005, apudSCHWARCZ, 2002).

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De acordo com a profa. Eunice Durham, as pesquisas sobre asociedade nacional tinham uma nítida preferência por temaspolíticos, com a preocupação de estudar os grupos socialmentedesprivilegiados, econômica e politicamente oprimidos, assimcomo os movimentos sociais de protesto dessa população.

As pesquisas realizadas por antropólogos da UFPR, até 1990,estiveram envolvidas com os problemas dos conflitos entresociedades indígenas e não indígenas, entre camponeses sem terrae fazendeiros, a luta pela terra se constituiu em tema de váriaspesquisas, as desigualdades sociais foram focalizadas.

Se for realizada uma análise dos temas tratados pela Revista deAntropologia Social Campos, publicação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal doParaná, se pode constatar a atualidade das contribuições teóricas,sejam nacionais, sejam de pesquisadores estrangeiros. Se apesquisa for feita nas programações e nos Anais de Reuniões daABA, nos últimos vinte anos, se percebem a diversidade de temastratados pelos antropólogos e as diferentes linhas de pesquisaque estão sendo desenvolvidas nos Programas de Pós-Graduação.

O Curso de Especialização em Antropologia Social/UFPR, quefoi criado em 1972 para atender à necessidade dos professores doDepartamento de Antropologia de realizarem a sua pós-graduação, se transformou, em 1999, no Programa de Pós-Graduação, em nível de Mestrado, que, apesar de suasdificuldades iniciais, tem boa qualificação, o seu corpo docente éformado de especialistas de várias linhas de pesquisa, os núcleosde pesquisa têm se destacado por uma atuação dinâmica, asmonografias produzidas revelam o interesse pelos problemaslocais, regionais, e são raras as que tratam de temas queatravessam as fronteiras. Há um diálogo com outras áreas doconhecimento científico que enriquece a produção de professorese alunos do Programa.

A história do Programa de Pós-Graduação em AntropologiaSocial/UFPR está a exigir um esforço de avaliação que leve emconta a história do Departamento de Antropologia, suaespecificidade, sua articulação com outras instituições, suacontribuição para o campo da Antropologia no Paraná e no Brasil.

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Este capítulo sobre a “História da Antropologia no Paraná: osseus personagens e os fatos ocorridos” deve ser entendido comouma primeira contribuição para o resgate dessa história.

O S 5 0 A N O S D A A B A N A U F P R , E M C U R I T I B A

Para atender ao honroso convite da diretoria da ABA, osprofessores do Programa de Pós-Graduação em AntropologiaSocial da UFPR se empenharam em 2005 em bem organizar umevento sobre os 50 anos da ABA em Curitiba. As comemoraçõesforam realizadas em 16/abr./2006, na parte da manhã, no edifícioD. Pedro I, no salão nobre da Faculdade de Educação da UFPR, àtarde, na sala dr. José Loureiro Fernandes, no prédio do MuseuParanaense, da Secretaria de Estado da Cultura. A presidente,profa. Miriam Pilar Grossi, e o vice-presidente, prof. Peter Fry,prestigiaram a solenidade. A profa. Maria Tarcisa Bega, vice-reitora, abriu o evento, cumprimentando os antropólogospresentes pela organização das comemorações relativas aos 50anos da ABA em Curitiba. A profa. Vera Maria Mussi, secretária

Solenidade de abertura dos 50 anos da ABA no Paraná. Ao centro: profa.dra. Maria Tarcisa Bega, vice-reitora da UFPR; profa. Vera Mussi, secretária

de cultura do Estado do Paraná e antropológos do Departamento deAntropologia, UFPR. Acervo: Cecília Helm.

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de Estado da Cultura, também fez uso da palavra para enaltecera contribuição do prof. Loureiro Fernandes. Professores doDepartamento de Antropologia fizeram uso da palavra paranarrar como se deu a criação do DEAN e as notáveis contribuiçõesdo prof. dr. Loureiro Fernandes para a história da disciplina noParaná. Vários oradores discorreram sobre o papel de LoureiroFernandes, o trabalho que realizou junto com um grupo deantropólogos ilustres que criaram a Associação Brasileira deAntropologia na década de 1950. No Museu Paranaense, foirealizada uma parte da programação, com o apoio da direção, einaugurada uma belíssima exposição em comemoração aos 50anos da ABA, sobre o personagem Loureiro Fernandes e a suacontribuição à Antropologia no Paraná, organizada pelaantropóloga Maria Fernanda Maranhão. Também ocorreu umrecital de música, oferecido à diretoria da ABA e aos convidadospela sra. profa. Vera Mussi. São cinco décadas de ensino e pesquisaem Antropologia produzidos por discípulos do antropólogoancestral. Novas gerações foram sendo formadas na UFPR, eantropólogos que realizaram seus doutorados em outrasinstituições nacionais e estrangeiras fazem parte, nos dias atuaisdo corpo docente do PPGAS/UFPR. A Antropologia passou porsignificativas transformações, desde o período inicial, na décadade 1950. O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Socialtem formado antropólogos que contribuem para odesenvolvimento da ciência no País. As reuniões bianuais da ABA,da Anpocs e os encontros de Antropologia do Mercosulcongregam professores, pesquisadores e estudantes queapresentam e discutem os seus trabalhos, divulgando aAntropologia que é produzida em cada programa, em cadainstituição de Ensino Superior. A ABA, nos 50 anos de suaexistência, teve um papel decisivo para o desenvolvimento daAntropologia como campo do saber e de divulgação da produçãode seus associados, professores, pesquisadores e estudantes.Reúne estudiosos brasileiros e estrangeiros que trocamexperiências. As conferências, palestras, comunicações e os cursosque são ministrados contribuem para a consolidação do campoda Antropologia no Brasil.

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D A D O S S O B R E O P P G A S / U F P R

O Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social/ UFPR – emnível de mestrado45 – conta com um corpo docente constituído por 14doutores e uma doutoranda. Os professores doutores que ministramdisciplinas, orientam alunos, desenvolvem projetos dentro das seis linhasde pesquisa que fazem parte da programação do curso e participam detrês núcleos de pesquisa são: Cecília Maria Vieira Helm, livre-docente emAntropologia Social/UFPR e pós-doutorada em Ciesas, INAH, Cidade doMéxico, D.F.; Christine de Alencar Chaves, doutora em Antropologia Social,Universidade de Brasília, (UnB); Ciméa Beviláqua, doutora em AntropologiaSocial, Universidade de São Paulo, (USP); Edilene Coffaci de Lima,doutora em Antropologia Social, Universidade de São Paulo, (USP); IgorChmyz, doutor em Arqueologia, Universidade de São Paulo, (USP); Lilianade Mendonça Porto, doutora em Antropologia Social pela UniversidadeFederal de Brasília, (UnB); Lorenzo Macagno, doutor em Antropologia pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro; Marcos Silva da Silveira, doutorem Antropologia Social pela Universidade Federal de Brasília; MarcosDuarte Lanna, doutor em Antropologia Social pela Universidade de Chicago;Maria Inês Smiljanic, doutora em Antropologia Social pela UnB; RicardoCid Fernandes, doutor em Antropologia Social pela Universidade de SãoPaulo (USP); Rosângela Digiovanni, doutora em Antropologia Social pelaUniversidade Estadual de Campinas; Sandra Jaqueline Stoll, doutora emAntropologia Social pela Universidade de São Paulo, (USP); SelmaBaptista, doutora em Antropologia Social pela Universidade Estadual deCampinas; Andréa Mendes de Oliveira Castro, doutoranda emAntropologia Social pela Universidade de St. Andrews/Escócia. O PPGAS/UFPR possui seis linhas de pesquisa que se articulam em núcleos formadospor docentes, pesquisadores e alunos. As linhas de pesquisa são: TeoriaAntropológica e História da Antropologia. Trata sobre a análise críticade obras e da trajetória intelectual de antropólogos e cientistas sociais, edas diferentes correntes teóricas e tendências da Antropologia Social; ahistória da disciplina, as diversas tradições de pensamento em áreas centraise/ou periféricas da produção do conhecimento antropológico; a produçãoantropológica no Brasil e sua inserção no contexto internacional.Organização Social, Família e Parentesco. As diferentes abordagens noestudo do parentesco e da organização social em sociedades indígenas;parentesco e relações familiares em “sociedades complexas”; estratégiasmatrimoniais, casamento e divórcio em análises monográficas oucomparativas; estudos de gênero. Sistemas de Crenças, Rituais eSimbolismo. Sistemas simbólicos e práticas rituais de diferentes grupossociais; sistemas de classificação, cosmologia e modelos cognitivos emestudos monográficos ou comparativos. Etnicidade, Fronteiras Culturais

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e Problemas de Análise Intercultural. A construção de identidades étnicas;etnicidade e relações interétnicas em diferentes contextos sociais enacionais; contato e situações interculturais; formulações teóricas emanálises comparativas de contextos de relações interculturais; Cultura eMeio Ambiente. Relações entre práticas culturais, sociais e meio ambiente;representações de práticas produtivas e uso social de recursos naturais;formas de expressão simbólica da natureza; o mundo natural comoconstrução cultural; reflexão sobre projetos de desenvolvimento e elaboraçãode laudos e estudos de impacto ambiental, contemplando a relação entreAntropologia e legislações indígena e ambiental. Antropologia e História.Visões de história na teoria antropológica e historicidade dos fenômenosculturais; a diversidade das concepções de tempo e história como recursosanalíticos. O Departamento de Antropologia e o Programa de Pós-Graduaçãoem Antropologia Social/UFPR dispõem de dois importantes laboratórios parauso de seus pesquisadores e alunos que participam dos projetos e de núcleosde pesquisa do PPGAS: Museu de Arqueologia e Etnologia, MAE/UFPR,localizado na cidade histórica de Paranaguá; Centro de Estudos e PesquisasArqueológicas, CEPA, localizado em Curitiba.

45. Consultar o site do Programa de Pós-Graduação — Mestrado 2005/UFPRwww.antropologiasocial.ufpr.br.

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Página anterior: ficha funcional do padre Balduino Rambo, na UFRGS.Acervo: Sérgio Teixeira.

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PRECURSORES E A TRAJETÓRIA DA ANTROPOLOGIA NA UFRGS

Se bem me lembro, foi há cerca de cinco anos que Sílvio Coelho dos Santos me falou pela primeira vez do seu projetopara a elaboração de um livro sobre a história da

Antropologia nos Estados que formam a Região Sul do Brasil, aser feito por ele, Cecília Helm e por mim, cabendo a cada um denós a responsabilidade pela história da Antropologia em seurespectivo Estado. Apesar do firme interesse pelo projetodemonstrado por todos nós, tanto na sua cogitação inicial comoem oportunidades subseqüentes, só no início de 2005 foramdefinidos seus parâmetros, neles incluída a sua conclusão atempo para lançá-lo na XXV Reunião da ABA em Goiânia emjunho de 2006.

Uma vez que o objetivo do projeto se explica pela sua próprianatureza, cabe dizer o porquê da definição de seus executores,segundo seu proponente: interesse e larga vivência deles com otema. No meu caso, de modo central, de 1962 a 1992 e, desdeentão, por motivo de minha aposentadoria, de modo periférico.Por isto, embora aqui aborde toda a trajetória da Antropologiana UFRGS, minha atenção será mais centrada naquele período

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de trinta anos. No período que se segue à minha aposentadoria, aatenção será centrada em temas mais particulares, com os quaistive/tenho envolvimento mais direto.

Antes de abordar meu tema, cabe um registro, de cunho maispessoal: um misto de satisfação, e de certos temores e desconfortosem fazê-lo. A satisfação, como bem se pode antever, é por poder,em tão boa companhia, contribuir para o registro de dados e defatos expressivos, a um só tempo, da história da Antropologia noRio Grande Sul e no Brasil.

Os temores vão por conta de omissões e imprecisões de certosdados e avaliações, independente de suas razões – entre as quaisnão se inclui a má-fé –, que não satisfaçam a seus possíveis leitores.

Os desconfortos remetem diretamente à minha condição deautor e, em larga medida, também de ator, como se verá. Porconta dessa combinação, e para me ater à realidade de fatos quejulgo importantes para a recuperação desta história, sereicompelido, por vezes, a aparecer com relativo destaque e arecorrer a uma profusão de referências a mim. Esta mesmarealidade impõe que não me descuide do compromisso, tãopróprio da Antropologia, com os modos de agir e de compreenderdos outros. Já aqui ressalto que os outros, nesta história, como severá, são numerosos e com contribuições maiúsculas para ela.

Pelo meu planejamento inicial, cogitei de fazer um trabalhoque, de alguma maneira, contemplasse com maior abrangência atrajetória da Antropologia no Rio Grande do Sul. Assim, soliciteia colaboração de antropólogos de dez universidades do Estadopara a obtenção de dados a respeito de suas respectivasinstituições. Agradeço a colaboração de todos os que atenderamàs minhas solicitações1. Não obstante a geral boa vontade destescolaboradores e o razoável sucesso na obtenção daqueles dados,eles não me permitem dar a abrangência inicialmente pretendidapara esta história. Mesmo assim, a busca de tais dados foi

1. Mais precisamente, Fernanda Ribeiro, da PUCRGS, de Porto Alegre; Flávia Rieth, daUFPEL, de Pelotas; Josiane Abrunhosa da Silva Ulrich, da Unisc, de Santa Cruz doSul; Maria Catarina Zanini e Zulmira Newlands, da UFSM, de Santa Maria; NaraMagalhães, da Unijuí, de Ijuí; Norah de Toledo Boor, da UPF, de Passo Fundo, ePedro Ignácio Schmitz, da Unisinos, de São Leopoldo.

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duplamente positiva: 1) por despertar um vivo interesse namaioria daquelas universidades em recuperar suas histórias daAntropologia; 2) por mostrar, também na maioria delas, fortesesforços para a consolidação da Antropologia como área de ensinoe de pesquisa de qualidade. A incorporação, ainda que maisrecentemente, de pessoal pós-graduado, a maioria comdoutorado, apoio institucional a seus docentes para cursarem pós-graduação e a criação de publicações regulares são indicadoresseguros de tais esforços. Sem demérito de outras publicações, quesei existirem, mas tão-somente para dar um exemplo pontual (epor ter sido a única que recebi), cito Cadernos do Lepaarq, daUniversidade Federal de Pelotas2.

Assim, pela insuficiência de dados para a abrangência antespensada, o estudo será centrado na história da Antropologia naUniversidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Talprioridade se apresenta para mim como natural, por duas razões.Primeiro, porque o estudo da Antropologia na UFRGS, além deser o pioneiro na área acadêmica no Estado, desde sempre é o demaior vitalidade e visibilidade. Assim, seu estudo é substantivopara o conhecimento da história da Antropologia nesta parte doBrasil. Segundo, pela minha efetiva participação nesta história eo meu longo e privilegiado acompanhamento de sua trajetória.

Todavia, como sei que na vida sociocultural só se pode falarcom propriedade em marco zero quando se trata da marcação dedistâncias em caminhos, antes de abordar a trajetória daAntropologia da UFRGS, entendo oportuno considerar, ainda quede modo sucinto, outros estudiosos e seus trabalhos, precursoresna trajetória da Antropologia no Rio Grande do Sul.

Concluindo esta parte, é com satisfação que agradeço, não porser de praxe, mas por ser devido, a todas as pessoas quecontribuíram para este trabalho. Dentre elas, destaco: FabielaBigossi3, pelo preparo das ilustrações; professor Jacques Gutwirth,

2. Trata-se de revista indexada, semestral, com textos originais de qualidade, de autoresbrasileiros e estrangeiros, nas áreas de Antropologia, Arqueologia e Patrimônio.Futuramente, pensam em desdobrá-la para cada uma de suas áreas.

3. Aluna do curso de Ciências Sociais e bolsista do Núcleo de Estudos em AntropologiaVisual – Navisual –, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS.

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pelas considerações sobre o projeto da Antropologia da UFRGS,no Acordo Capes/Cofecub; Rosemeri Nunes Feijó, pela coleta dedados; professor Sérgio Baptista da Silva, pela síntese da trajetóriaacadêmica do professor Pedro Ignácio Schmitz; professora eminha esposa, Carmem Maria Ulrich Teixeira, pela tradução dotexto do professor Jacques Gutwirth e pela revisão redacionaldeste trabalho.

O S P R E C U R S O R E S

Considerando que o artigo de Maria Eunice de Souza Maciel,“Primeiros caminhos, primeiros olhares”4 (1997, p. 215-231), éabrangente na abordagem do tema dos precursores da história daAntropologia no Rio Grande do Sul, recorro a ele para o conhecimentodeste período da história em questão, destacando alguns de seusconteúdos, mais afinados com os interesses deste estudo.

Começo pela reprodução de seu resumo:

Este texto procura sistematizar dados sobre os primeiros relatos etrabalhos de natureza etnográfica e antropológica envolvendopopulações do Estado do Rio Grande do Sul5, compreendendo operíodo anterior ao da criação da disciplina na U.F.R.G.S. Iniciandocom as primeiras informações de europeus sobre as populaçõesindígenas encontradas, segue com os relatos de estrangeiros e ascontribuições dos chamados “eruditos locais” (p. 215).

Os demais conteúdos que entendo oportuno destacar sereferem aos “chamados eruditos locais.” Os quais:

Já no século XIX iniciaram estudos sobre a população local. Eram estudosembrionários, porém, já mostravam uma preocupação de certo cunhoetnológico e lingüístico procurando detectar particularidades dasociedade aqui formada, ou seja, entram em jogo as diferenças (p. 221).

4. Publicado no n. 7 de Horizontes Antropológicos, organizado por ela e dedicado aHistórias da Antropologia. Sua capa reproduz com destaque a folha de rosto deBosquejos ethnológicos, 1884, de Carlos von Kozeritz, destacado “erudito local.”

5. Que ela situa no século XVII.6. Com funcionamento ininterrupto desde então, possui um grande e precioso acervo

bibliográfico, documental e cartográfico.

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Em 1921, a fundação do Instituto Histórico e Geográfico doRio Grande do Sul6 – IHGRGS –, que reuniu uma parte doseruditos locais, representou “[...] um importante marco na produçãointelectual da região” (p. 225), e desde sua criação, por disposiçãoestatutária, se preocupou, entre outros, pelos estudos da Etnologia,do folclore e de línguas indígenas do Estado (p. 226).

Referindo-se mais diretamente aos “eruditos locais”congregados pelo IHGRGS, a autora apresenta-os como:

Militares, religiosos, professores, advogados, médicos, em suma,profissionais de áreas diversas que, salvo exceções, não tinham napesquisa sua ocupação principal. Eruditos no sentido de possuíremum conhecimento diversificado, formavam uma camadaintelectualizada local. Em grande parte (senão na maioria), eramautodidatas no que se refere aos seus objetos de pesquisa – inclusivedevido ao fato de não existir formação específica (pelo menoslocalmente) (p. 227).

Ela lista 17 destes eruditos e apresenta suas áreas de trabalhomais relevantes.

Dentre eles, sem desmerecer os demais, destaco o padre jesuítaBalduíno Rambo, o major do Exército Cezimbra Jacques e osprofessores Carlos Galvão Krebs e Dante de Laytano. Rambo, porter sido o primeiro professor de Antropologia da UFRGS, seráconsiderado na próxima parte deste estudo. Chamo a atençãosobre os outros por, entre outros trabalhos, terem sido pioneirosno Rio Grande do Sul no estudo de temas que hoje merecemgrande atenção na Antropologia.

Jacques estudou as tradições gaúchas e foi pioneiro empropugnar por seu culto. Inclusive fundou a primeira associaçãopara cultuá-las.

Krebs e Laytano estudaram os negros, com ênfase no camporeligioso. Em comum, os três também estudaram o que depoisveio a ser o que se chama folclore.

Krebs, que ficou mais conhecido como folclorista, se tornoureferência para estudiosos do tema e, já reconhecido como tal,integrou a primeira turma de alunos do Programa de Pós-Graduaçãoem Antropologia Social da UFRGS, em 1979, sem concluí-lo.

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Laytano, que posteriormente veio a ter uma brilhante e longacarreira acadêmica como professor de História do Brasil e Históriado Rio Grande Sul, esta criada por ele, na UFRGS, e também comodiretor de seu Instituto de Filosofia e Ciências Humanas7, mereceuum amplo estudo de Daisy Macedo de Barcellos, sob o título de“Dante de Laytano e o folcore no Rio Grande do Sul”8, no qual édestacado o seu pioneirismo no estudo do negro e sua cultura noRS. Ondina Fachel Leal, em seu artigo “Do etnografado aoetnografável: ‘o sul’ como área cultural”, registra que Herskovitse Bastide, que estudaram religiões afro-brasileiras em PortoAlegre, respectivamente nas décadas de 1940 e 50, agradecem acolaboração de Laytano em suas pesquisas e destacam-no comoestudioso local que com eles colaborou e com o qual conversaramsobre suas observações (1997, p. 212)9.

A H I S T Ó R I A D A A N T R O P O L O G I A N A U F R G S

A I M P L A N T A Ç Ã O E S E U P R I M E I R O P R O F E S S O R

O marco inicial da Antropologia na UFRGS se deu no quadro dasegunda etapa da implantação da Faculdade de Filosofia da entãoUniversidade de Porto Alegre. Esta universidade foi criada em 1934pela administração estadual e por ela mantida até sua federalizaçãoem 1950, com o nome Universidade do Rio Grande do Sul, ao qualfoi acrescentado o termo Federal, ainda na década de 1950.

Criada em 1936 com o nome Faculdade de Educação, Ciênciase Letras, seu nome foi mudado para Faculdade de Filosofia em1942, quando se deu sua instalação efetiva, ainda que parcial, coma implantação de sua primeira etapa, com o funcionamento dosseus primeiros cursos científicos: Física, História Natural,Matemática e Química. Já a segunda etapa de sua implantação

7. No final da década de 1970, época em que se implantava o mestrado em AntropologiaSocial e que contou com seu apoio.

8. Horizontes Antropológicos, n. 7, Porto Alegre, PPGAS-UFRGS, 1997.9. Horizontes Antropológicos op.cit, 1997.10. Em sentido lato.

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seu deu em 1943, com o funcionamento de seus primeiros cursoshumanísticos10: Filosofia, Geografia e História, Letras Anglo-Germânicas, Letras Clássicas, Letras Neolatinas e Pedagogia11.

A precedência temporal na implantação dos cursos científicosse deu por questões de ordem operacional e tem certa relevânciapara a história da Antropologia na UFRGS, bem como para asdemais disciplinas de todos os cursos humanísticos, quando desua implantação. Explico.

A criação da Universidade de Porto Alegre ocorreu com aincorporação das diversas escolas superiores/faculdades isoladasexistentes na cidade, todas na área científica, com exceção daFaculdade de Direito. Por conta disto, já havia, como se diz hoje,uma considerável massa crítica na área científica, que pôde sermobilizada para atender aos primeiros cursos da nascentefaculdade, mesmo antes de sua implantação. Pois, “[...] comomedida preparatória, vários assistentes da Escola de Engenhariaforam enviados à Faculdade de Filosofia da Universidade de SãoPaulo, onde receberam formação adequada sob a orientação deeminentes mestres” (HESSEL e MOREIRA, 1973, p. 13).

Já os cursos da área humanística, em seu conjunto, nãocontaram com reserva especializada semelhante para suaimplantação. Daí o início do funcionamento destes ter se dadoum ano após o início daqueles e com um corpo docente compostopor pessoal com formação acadêmica, mas em geral, compostopor pessoal sem formação específica para seus magistérios. Noconjunto, ele foi integrado por pessoas com formação autodidatapara tais atividades e com reconhecido prestígio social no universopolítico e intelectual da cidade. Alguns, justificadamente, eramreconhecidos como eruditos. Em síntese, eram reconhecidos comopessoas notáveis.

Ainda assim, ou, por isto mesmo e, compreensivelmente,injunções de ordem política, religiosa, filosófica e idiossincráticapermearam em larga medida a indicação das pessoas para comporo corpo docente. Isto porque a formação deste quadro abria

11. Estes dados têm por fonte o trabalho organizado por Lothar Francisco Hessel eEarle Diniz Macarthy Moreira, com o título de Faculdade de Filosofia – 25 anos deatividade (1942–1967).

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espaços privilegiados para afirmações/disputas individuais, degrupos e de correntes de pensamento. Também, compre-ensivelmente, em tal quadro, os dados mobilizados para aformação do corpo docente para a área humanística comportavammaior elasticidade e subjetividade do que se dava em relação àárea científica. Nesta, a formação acadêmica específica tinhagrande peso.

Não obstante o padre jesuíta Balduíno Rambo ter formaçãoacadêmica específica em Botânica, obtida na Alemanha, e ser umnaturalista consagrado, o processo de seu aproveitamento para adocência em sua especialidade na nova Faculdade não ficouimune àquelas injunções. Ele perdeu a indicação para a Cátedrade Botânica, de sua absoluta preferência, para o professor AlarichRodolf Holger Schultz12, também figura respeitada comotaxinomista, porém, ao que dizem, com qualificação inferior à deRambo para aquela Cátedra. Assim, fala-se até que foi comoprêmio de consolação que ele foi indicado para a Cátedra deAntropologia e Etnografia, no curso de Geografia e História, em1943 (LEWGOY e PRADO, 1997, p. 242), tornando-se assim oprimeiro professor e único catedrático efetivo da disciplina noque viria a ser a UFRGS. Em ambas as situações, ele também foi opioneiro no Estado.

Ainda vinculado a questões de sua indicação para o corpodocente daquela faculdade, julgo oportuno destacar um dado arespeito, quase ignorado, e que aparece em nota de rodapé emHessel e Moreira (op. cit., p. 125). Ao transcreverem umdocumento que relaciona o corpo docente dos cursoshumanísticos, em 1943, que apresenta Balduíno Rambovinculado à Cadeira de Antropologia e Etnografia, eles tambémregistram o nome de Amadeu13, acrescentado a lápis na referidarelação: “[...] substituindo o do Pe. Balduíno Rambo, riscado”, evinculado à Geografia do Brasil. Isto mostra, simultaneamente,sua polivalência e o interesse em aproveitá-lo.

12. Como curiosidade, registro serem ele e o etnólogo Harald Schultz irmãos.13. Certamente, Amadeu F. de O. Freitas, que aparece em relação aprovada de novos

professores, em 1944, vinculado à Geografia Física (p.127).

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Balduíno Rambo, primogênito de 11 irmãos, de famíliacatólica de agricultores descendentes de imigrantes alemães,nasceu no atual Município de Tupandi, RS, em 11 de agosto de1905. Fez todos os seus estudos em ambiente católico: quandocriança, em colégio de freiras; depois, em instituições jesuítas, noBrasil e em Munique, na Alemanha, onde cursou Filosofia durantetrês anos. Na oportunidade, firmou seu interesse pela Botânica edominou o modelo de trabalho científico. Ordenou-se sacerdoteem 1936. Com sólida cultura clássica e humanística, ele trabalhouem escolas jesuítas (de 2º e 3º Graus, pelos critérios atuais). Semjamais se descuidar de seus compromissos religiosos, seu maiorinteresse eram as Ciências Naturais, com destaque para a Botânica,o que se mostra com clareza na listagem de seus 68 escritoscientíficos no livro Jesuítas cientistas no sul do Brasil, dos quais 45são escritos botânicos; seis são escritos geográficos e geológicos;dois são escritos zoológicos, e 15 são escritos históricos eantropológicos (LEITE, 2005, p. 62-65).

De todos os seus trabalhos científicos, talvez o mais destacadoseja A fisionomia do Rio Grande do Sul, publicado originalmenteem 1942. O trabalho apresenta estudos acurados sobre ageografia, a geologia, a flora e a fauna do Rio Grande do Sul, edelineia um quadro da interação homem-natureza no Estado.Seus trabalhos de campo para este estudo, além das previsíveise numerosas expedições terrestres por todo o Estado, incluíramnumerosos vôos em pequenos aviões, especialmente paraobservar relevos e paisagens.

Confirmando a importância desta obra, Leite registra que,em enquete feita em 1955 pelo jornalista Carlos Reverbel comintelectuais gaúchos, ela ficou em quinto lugar entre as dez obrasapontadas como as mais representativas da cultura sul rio-grandense (op. cit., p. 56).

Sendo escritor prolífero, Balduíno Rambo deixou muitas obras,além das publicações científicas. Como poeta e escritor fantasioso,deixou poemas e histórias fantásticas, como uma viagem à Lua eaventuras de um antropólogo em Marte, escritas para a juventudena Alemanha e no Rio Grande do Sul. Aqui, mais precisamente,para colonos descendentes de imigrantes alemães (SCHMITZ,

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1997, p. 234). Como memorialista, deixou 18 textosautobiográficos ou cartas14, como ele diz, e um imenso diário.

Os primeiros, publicados em três volumes pela Unisinos, sãocomentados por Leite (op. cit., p. 58-61). Já o diário, que se iniciaquando ele tinha 14 anos e termina com sua morte aos 56 anos,compreende mais de dez mil páginas, que formam uma “[...] pilhade uns dois metros de altura de pequenos volumes, uniformes,escritos em estenografia ou em caracteres góticos, em letra muitoregular e páginas densas” (SCHMITZ, 2002, p. 296). Talvez a parteem estenografia, que vai de 1919 a 1945, nunca venha a serconhecida, porque ela inclui abreviaturas que só seriamconhecidas por um outro jesuíta que, encarregado de suatradução, pouco tempo dedicou ao trabalho e faleceu. Em 4 demarço de 1946, Rambo escreveu: “[...] é o meu diário a principalobra literária e científica de minha vida” (LEITE, op. cit., p. 55).

Ainda a respeito da atuação de Balduíno Rambo comonaturalista, cabem alguns registros.

Ele foi o mentor principal da criação do Instituto Anchietano dePesquisas, em 1956, hoje vinculado à Unisinos. O herbário comcerca de 90.000 espécies, que é a parte principal do acervo destainstituição, tem por base o herbário pessoal de Rambo, formadopor ele com cerca de 60.000 espécies.

Quando diretor da Divisão de Cultura da Secretaria da Educaçãodo Rio Grande do Sul, desenvolveu o Museu Rio-Grandense deHistória Natural e empreendeu esforços, mais tarde bem-sucedidos,para criar um Jardim Botânico em Porto Alegre e transformar aárea do cânion do Taimbezinho, no Rio Grande do Sul, em ParqueNacional. Sua fotografia e uma placa alusiva ao fato, existentes naentrada do Parque, se constituem em merecida homenagem.

Quando o tema da conservação ambiental praticamente nãoera objeto de consideração, antecipando o assunto, ele escreveuem A fisionomia do Rio Grande do Sul: “A proteção à natureza baseia-se sobre o princípio da ética natural, que considera imoral adestruição desnecessária ou inconsiderada dos tesouros da belezanativa” (apud LEITE, op. cit., p. 57).

14. Uma por ano, de 1944 a 1961.

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Por fim, apresento o cotejo que ele faz entre suas atividadesdocentes e científicas, em uma de suas cartas, transcrita por Leite.

Entre os meus trabalhos secundários, se acha, em primeira plana,como coisa principal e mais incômoda a aula “[...] Desde a hora emque se experimentou acorrentar-me à escola, as aulas se me tornaramem objeto de horror e nojo. Apenas faço atualmente minhas aspreleções por sentimento estrito do dever, do qual me afasto, aliás,sempre que possível [...] Vou lutar contra a sobrecarga horária deaula enquanto de alguma for possível, sem violação da obediência.É, evidentemente, a ciência pura meu campo específico e a minhamissão sagrada (op. cit., p. 52).

Como as cartas são posteriores ao início das aulas de Antropologiana Faculdade de Filosofia, seus juízos se estendem a elas.

Feitas estas considerações, vejamos como eram a Antropologiae a Etnografia sob a responsabilidade de Balduíno Rambo.

Eram oferecidas três disciplinas: Etnologia Geral, Etnografiado Brasil e Antropologia Física/Biológica. As primeiras eramatendidas pelo catedrático, e a última, pelo professor SalvadorPetrucci15, médico e positivista. Ambos tinham em comum o fatode não terem as aulas de Antropologia como atividade principalnem treinamento específico nas suas respectivas áreas. Eramautodidatas em suas disciplinas.

Balduíno Rambo seguia a escola histórico-cultural, tambémconhecida como Escola de Viena, a qual tinha como mentor e suaprincipal referência o também sacerdote católico Wilhelm Schmidt.Sua adesão a tal escola se apresentava como natural. A teoria que aorientava, na época, ainda apresentava vitalidade e era oposta àdo evolucionismo cultural clássico de Tylor e Morgan, que, além

15. As informações de que disponho sobre ele são precárias. O único registro a seurespeito, no trabalho de Hessel e Moreira, é a de que, em 1967, era catedráticointerino das disciplinas de Fundamentos Biológicos da Educação e EstatísticaEducacional. Não disponho de informações a respeito de sua indicação para adisciplina. Buscando mais dados a seu respeito, me informou um seu amigo e colegade magistério na UFRGS que, por volta de 1950, ele foi nomeado professor assistentepara as cadeiras de Fundamentos Biológicos da Educação e de EstatísticaEducacional, continuando responsável pelas aulas de Antropologia Física. Agora,porém, sem remuneração. E, concluído o ano letivo de 1957, foi dispensado porBalduíno Rambo, sem maiores explicações, fato que lhe causou grande dissabor.

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de ter perdido vitalidade, foi incorporada à ideologia oficial daUnião Soviética, em processo de expansão. O catedrático de Históriada América na UFRGS também era adepto da Escola de Viena.

As aulas de Rambo eram expositivas, de tipo magistral, emque ele fazia leitura de textos, entremeada por poucas pausas,para possíveis manifestações dos alunos, comedidamenteestimuladas por ele. As manifestações dos alunos eram raras epontuais. A mostra de algum material etnográfico (em boa parterecolhido por ele), projeção eventual de diapositivos e relatos maissoltos de experiências e vivências pessoais16 atenuavam o feitioburocrático de suas aulas.

Pela quase indisponibilidade e/ou dificuldade de leitura daliteratura em que se apoiavam suas aulas, quase toda em alemão, eleorganizava textos que, mimeografados, eram fornecidos aos alunosno início de cada ano letivo. A duração das disciplinas era anual.

Acostumado à pesquisa, coisa rara na universidade em suaépoca, Balduíno Rambo, ainda que em pequena escala, realizouuma para uso em suas aulas de Etnografia do Brasil. Com umapermanência de duas semanas com os Kaingang e Guarani deNonoai, no RS, produziu sobre eles um texto etnográfico, dentroda mentalidade do tempo e da metodologia da Escola de Viena(Os índios rio-grandenses modernos. Província de São Pedro 10, p.81-88, Porto Alegre, 1947).

Como que clamando pela realização de pesquisas em Etnografiae Etnologia no Brasil, ele finaliza seu artigo dizendo que:

No Rio Grande do Sul existem restos de primitivos, com muitoselementos antigos. Mas até hoje ainda não se fizeram entre nósestudos etnológicos de conjunto. Há apenas no Estado uma vastaliteratura dispersa, contendo elementos preciosos, sobre o assunto.Segue-se, pois, que qualquer pesquisa ou trabalho, por mais modestoque seja, representa ainda uma contribuição valiosa para a Etnografiae a Etnologia, ciências que pertencem ao patrimônio cultural de todanação civilizada. (p. 88).

16. Lembro de uma vez em que ele falou sobre o tratamento que sua mãe dispensavaaos filhos gripados. Disse que lhes dava um chá quente, punha-os na cama, cobertosaté o pescoço e, no dia seguinte, ao despertarem, lhes dava um banho frio, e “oguri tava bom.”

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Ainda assim, o relatório desta pesquisa e uma conferência como título de “Arqueologia Rio-Grandense17”, na qual, dos trabalhosjá existentes, analisa os que julga terem credibilidade científica,são seus únicos escritos originais na área da Antropologia.Certamente que a modéstia em sua produção intelectual nestecampo está afinada com considerações que escreve para umcompanheiro em 1950: “A matéria, em que me adentrei comimenso esforço, agrada-me bastante. Algum tempo tive de lutarcom a tentação de sacrificar a Botânica a esse estudo, que aquitambém é novo. Entretanto, acabei ficando com o meu primeiroamor” (SCHMITZ, 2005, p. 3), ou seja, a Botânica.

Como já indica aquela conferência, Balduíno Ramboigualmente se interessou pela Arqueologia, por entender que elatambém fazia parte do estudo das populações indígenas domundo. Dentre suas iniciativas na área, merece destaque especialo encaminhamento do professor Pedro Ignácio Schmitz para nelase especializar, logo que ele assumiu o posto de colaborador18 naAntropologia em 1958.

A incorporação de Schmitz, bacharel em História e Geografia,formado no ano anterior pela UFRGS, padre jesuíta, aluno esecretário de Rambo, que também o considerava seu filho, se deupor simples indicação do catedrático, seguindo práticainstitucionalizada nas universidades brasileiras na época. Oscatedráticos, além de terem liberdade para indicar seus assistentes,costumavam indicar pessoas que lhes eram próximas. Era comumterem filhos e sobrinhos como assistentes.

Vale a pena reproduzir as palavras de Rambo, ao sugerir aSchmitz que ele tomasse o rumo da Arqueologia:

Eu estou fazendo alguma pesquisa etnográfica com os índiosKaingang e Guarani, mas não posso me dedicar simultaneamente àarqueologia, que aliás ninguém está fazendo no Brasil. Tu poderiasfazer um trabalho pioneiro neste campo. Eu te ajudo em todas ascoisas a meu alcance (SCHMITZ, 2005, p. 3).

17. Publicada na segunda série de Fundamentos da cultura rio-grandense. Porto Alegre,Faculdade de Filosofia da URGS, 1957.

18. Era este o nome do cargo.

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Schmitz conclui dizendo que:

[...] assim foi concebido um arqueólogo, sem mestre, nembibliografia, que muito lutou, juntando fragmentos de conhecimentose de experiências, no país e no exterior, para se tornar, com estavaprofetizado, um pioneiro da arqueologia brasileira (Ibidem).

No ano seguinte, Balduíno Rambo, usando das mesmasprerrogativas, também indicou como seu colaborador ArthurBlásio Rambo, bacharel em História Natural, como ele padrejesuíta e seu irmão. Em situações informais, para distingui-los, era usual serem referidos, respectivamente, como Rambãoe Rambinho, como se dá até hoje. Tais termos remetem às suasdiferenças de idade e compleição física.

De início, seus colaboradores passaram a trabalhar comAntropologia Física, já se afastando da programação seguidapelo professor Petrucci, centrada na Antropometria, maisafinada com questões de Medicina legal. Com eles, são trazidosà discussão temas diversos como o processo evolutivo,fortemente apoiado na Paleontologia, e que conduziu aohomem moderno e às características humanas na perspectivabiológica. Ainda que modernizada, a Antropologia Física perdeespaço para a Antropologia Cultural/Social, sendo seu estudosuprimido na metade da década de 1960.

Nestes primeiros tempos, Schmitz também viveu umaexperiência única na Antropologia da UFRGS: tornou-seprofessor de Língua Tupi, então disciplina obrigatória noscursos de Geografia e História. Ele substituiu o professorparaguaio Alejandro Ortigoza, que teve de regressar a seupaís. Schmitz havia estudado a língua com ele, por dois anos,na PUCRGS. Balduíno Rambo também lhe proporcionouestágio de um mês no Paraguai, para lá estudá-la entrefalantes nativos. Segundo Schmitz, “[. . .] a disciplinadestinava-se a mostrar a cultura, ensinar regras básicas degramática, ler pequenos textos, mostrar a influência da línguano vocabulário e na nomenclatura geográfica do Brasil” (2002,p. 283). Com o fim de sua obrigatoriedade, ela foi retirada docurrículo em 1962.

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Como era de se esperar de um estudioso, Balduíno Rambomanteve contatos com nomes expressivos da Antropologia eda Arqueologia, no geral também autodidatas.

Entre os primeiros, se incluem os professores Oswaldo Cabral,da Universidade de Santa Catarina; José Loureiro Fernandes, daUniversidade do Paraná; Egon Schaden, da Universidade de SãoPaulo; Thales de Azevedo, da Universidade da Bahia; HerbertBaldus, do Museu Paulista e da Escola de Sociologia e Política.Eram seguidores de uma Antropologia Histórica, mas não nosmoldes da Escola de Viena.

Entre os segundos, se incluem professores e amadores,pioneiros na Arqueologia, como a equipe do Paraná, formadapor Guilherme Tiburtius (um marceneiro colecionador), JoãoJosé Bigarella (geólogo) e Iris Koehler Bigarella (com algumtreinamento em Arqueologia), que buscavam resgatarelementos básicos da cultura dos sambaquis; em Florianópolis,o pe. João Alfredo Rohr, professor de Química e que começavaa carreira como o maior escavador do País. Entre osarqueólogos estrangeiros, é preciso citar o dr. Osvaldo F.Menghin, ex-reitor da Universidade de Viena e diretor doMuseu Etnográfico de Buenos Aires, que, a pedido de Rambo,chegou a dar cursos em Porto Alegre. Rambo também foivisitado por Allan L. Bryan, do Canadá, e por Josef Emperaire,da França, que começavam pesquisas em sambaquis de SãoPaulo e do Paraná, a pedido do prof. José Loureiro Fernandes,da Universidade do Paraná19.

Ainda que no geral suas aulas não despertassem maioresinteresses, Balduíno Rambo, pelo zelo e competência com que sehavia em tudo que lhe cabia fazer, era respeitado pelos alunos eseus pares. Entre estes, por sua reconhecida erudição, tambémdesfrutava de generalizada admiração.

O professor Pedro Ignácio Schmitz, que lhe era muito próximo,como vimos, e que o substituiu na regência da Cátedra deAntropologia quando de sua morte em 1961, despido de qualquerformalismo, mostrou a um só tempo sua afeição pessoal a

19. Esta parte dos contatos de Rambo com antropólogos e arqueólogos foi fortementesubsidiada por Pedro Ignácio Schmitz (2002).

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Balduíno Rambo e fez uma apreciação sintética, porémsignificativa, de seu modo de ser20 e de pensar, quando disse que:

Pouca gente conheceu sua verdadeira personalidade. Parecia ter umacasca grossa, como um coco, mas por dentro era mole, sentimentalcomo só ele. E tinha uma perspicácia incrível. Ele olhava para umapessoa, sentava e a descrevia da ponta do cabelo até a planta do pé.(SILVA, 2002, p. 295)

A P R I M E I R A G R A N D E M U D A N Ç A :N O V A S O R I E N T A Ç Õ E S T E Ó R I C A S E N O V O S T E M A S

Como já indicado, com a morte do professor catedrático deAntropologia e Etnografia, em 1961, e seguindo a praxe, comoassistente mais antigo, o professor Pedro Ignácio Schmitz passoua responder interinamente pela Cátedra.

Foi nesta situação que ele desencadeou a primeira grandemudança na Antropologia da UFRGS, transcorridos dezoito anosde sua implantação. O que ocorreu já na abertura do primeiroano letivo, 1962, em que ele respondia pela Cátedra deAntropologia e Etnografia. É possível objetivar o ponto de partida:foram as mudanças implementadas por ele, na orientação teórica,nos conteúdos estudados e no tipo das aulas até então vigentesna disciplina.

Assim, ele substituiu os círculos culturais da Escola de Vienapelo culturalismo/funcionalismo norte-americano; os estudosmonográficos de grupos primitivos ou de regiões culturais pelosdos grandes segmentos da vida sociocultural: parentesco,economia, religião, arte, sistemas de classificação, num quadro

20. Sobre uma dimensão mais peculiar de seu modo de ser, em trabalho de campo, ozoólogo e professor titular na UFRGS Luduwig Buckup, que foi assistente de pesquisade Balduíno Rambo por cinco anos, quando ambos trabalhavam na Secretaria deEducação do RS, ouvido por mim para este estudo, além de destacar a satisfaçãode Rambo pelo trabalho de campo, no caso, mais de mato, às vezes por vários dias,e a imensa disposição para realizá-lo, ressaltou, para mostrar algo de seu modomais pessoal de ser nestas oportunidades, que a primeira atividade que fazia aolevantar, sempre muito cedo, era se afastar para ler seu breviário, que gostava dese banhar em qualquer fonte d’água disponível, mesmo no inverno, e que costumavatomar cachaça e comer rapadura. Arrematou dizendo que isto não representavaqualquer tendência para o alcoolismo e que ele era um homem de hábitos rústicos.

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amplamente comparativo; as aulas magistrais, por aulasexpositivo-participativas.

Também é possível objetivar o instrumento básico para suaimplantação: um livro manual, com o título de AntropologiaCultural, em dois volumes, de Felix Keesing, professor daUniversidade de Stanford. Sua edição original é de 1958. O fatode ter duas edições brasileiras, em 1961 e 1972, ambas pela EditoraFundo de Cultura, Rio de Janeiro, aponta para seu uso intensoem outros pontos do País. Na UFRGS, sua utilização era de talmonta que a biblioteca da Faculdade de Filosofia, que usualmentedispunha de apenas um exemplar de cada obra, desta não teriamenos de dez exemplares.

Mexer com tudo isto representou uma ousadia. Vale comocontraponto o caso de um outro professor que, na mesma época,assumindo uma cátedra, também por morte do catedrático, aindaque instado por todo o seu Departamento para mudar programas,orientações teóricas e procedimentos pedagógicos, consideradossuperados, manteve todo o quadro anterior.

Se antes eu já acompanhava a marcha da Antropologia naUFRGS como aluno, desde 1958, com meu ingresso no seu corpodocente coincidindo com a implantação de tais mudanças, e tendoministrado minha primeira aula em 13 de abril de 1962,acompanhei todo o processo, com alguma participação nele.

Não obstante todas aquelas mudanças estruturais, persistiuum resquício de práticas anteriores: o de textos preparados pelosprofessores para uso em suas aulas. Prepará-los foi, talvez, a únicaorientação imperativa que recebi do professor Schmitz. No meucaso, não devem ter passado de quatro os textos que elaborei,ainda no meu primeiro ano docente, e com alguma contrariedade.

Por questões de exposição e manutenção de um certoordenamento cronológico, agora é oportuno falar de meu ingressoe atuação na Antropologia da UFRGS, que também guarda relaçãocom o falecimento do professor Baduíno Rambo, pois abriu espaçopara a admissão de um novo docente. Como, na oportunidade, aAntropologia integrava o Departamento de História (odesdobramento do curso de Geografia e História em cursosseparados ocorreu em 1955), a apreciação do nome indicado para

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novo docente seria definida por ele. Já a indicação do meu nomepara ser o novo docente, como instrutor de ensino21, sendo feitatambém por iniciativa do Departamento, rompeu com a normade ela ser prerrogativa do catedrático. Isto se deu em março de1962, sendo eu bacharel(1960) e licenciado (1961) em História pelaUFRGS.

Tratando-se aqui de reconstrução histórica, devo referir um fatoque não me agrada, mas que faz parte desta história.

Conforme as normas, o candidato a instrutor de ensino assumiaem estágio probatório por um ano, ao final do qual, se tivesse seudesempenho aprovado pelo respectivo catedrático (em casocontrário, o desligamento era automático), deveria prestar provasescrita e oral de suficiência, em dias consecutivos, contemplandoprograma definido por aquele com antecedência de um mês.Aprovado meu desempenho e tendo disto dado ciência aoDepartamento e a mim, a uma semana da primeira prova, ocatedrático, sem justificar, informou ao Departamento quereformulara sua decisão, cancelando as provas. Como oDepartamento estranhou a decisão e o catedrático se mostravairredutível em reconsiderar ou justificar sua decisão, oDepartamento, que não tinha competência para revogá-la, entendeuque eu deveria recorrer à Congregação da Faculdade, o que foifeito com sucesso. Na solidariedade dos integrantes doDepartamento, é imperioso destacar o catedrático de HistóriaAntiga e Medieval, professor Othelo Sanchez Laurent, e seuassistente, professor Earle Diniz Macarthy Moreira. Este foi aprincipal força propulsora de todo o processo, e aquele assumiuminha causa junto à Congregação.

Independente de qualquer outra consideração, é fora de dúvidaque os processos de minha indicação para instrutor de ensino e oque culminou com a reversão do cancelamento das provas desuficiência só se desenvolveram do modo como se deu por nelesnão estar diretamente envolvido um catedrático efetivo.

Realizei as provas cerca de três semanas após as datasoriginalmente previstas. Algumas semanas depois, em companhia

21. Na nomenclatura da época.

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de cerca de trinta outros instrutores de ensino, em muitas áreas daUniversidade, e sujeitos ao mesmo processo de admissão, recebi,como os demais, do próprio reitor, professor Elyseu Paglioli, aportaria de nomeação como efetivo. A cerimônia foi realizada emsala anexa ao seu gabinete, tendo eu, pelo fato de minha portariase encontrar colocada por acaso sobre as demais, prestadojuramento por todos. O reitor, tido como o mais empreendedor econsolidador da Universidade, disse que, com o ato, recepcionavaos novos docentes e prestigiava a forma de ingresso. Pelo que meconsta, foi esta a única vez em que se realizou ato desta natureza.

Enfatizo que, ao me reportar ao episódio do cancelamentodaquelas provas, só o fiz para efeito de registro histórico. Comsinceridade, posso dizer que toda a minha preocupação com talcancelamento se encerrou no exato momento em que tomei ciênciade sua reversão.

R E T O R N O À S Q U E S T Õ E S A C A D Ê M I C A S

Atento à consolidação das mudanças por ele iniciadas, oprofessor Schmitz tratou, bem cedo, de não só ampliar e atualizaro acervo da biblioteca da Faculdade na área de Antropologia,como o da sua própria.

Como a época era favorável ao uso de manuais, muitos outrosforam adquiridos pela biblioteca e/ou pelos professores, em boaparte indicados por ele. Lembro de alguns, todos tambémadquiridos por mim: O homem: uma introdução à Antropologia,de Ralph Linton; 22 El hombre en el mundo primitivo, de E. Hoebel;Introducción a la Antropología, Ralph Beals e Harry Hoijer;Antropologia, de C. Kluckhonh; Antropologia Cultural, de MelvilleHerskovits,23 Vida e historia de las culturas, de Kaj Birket-Smith.

22. A demonstração que ele faz, no capítulo dedicado à difusão cultural, da contribuiçãode muitos povos de épocas e de lugares distintos, presentes no cotidiano de qualquergrupo, que ele ilustra com o início do dia de um americano, que “desperta num leitoconstruído segundo padrão originário do Oriente Próximo” e termina com a leiturado jornal após o café da manhã, “agradecendo a uma divindade hebraica, numalíngua indo-européia, o fato de ser cem por cento americano”, continua emblemáticoe exemplar para uma época de globalização marcada pelo etnocentrismo. Nesteano, transcorrem os 70 anos de seu lançamento.

23. As considerações que faz sobre o relativismo cultural ajudaram a abrir muitas cabeças.

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Entre outros autores estudados nos primeiros tempos, lembrode Merton H. Fried; Raymond Firth; Ward H. Goodenough;Godfrey Lienhardt; Margaret Mead; Ruth Benedict; BronislawMalinowski; Radcliffe-Brown; George Foster; Marvin Harris.Como se vê, a literatura era eclética, e os autores franceses aindanão se faziam presentes.

O professor Schmitz acompanhava os novos lançamentos.Teoria e crítica lhe despertavam a atenção, e ele recomendavasuas leituras. Lembro bem que o primeiro trabalho específicosobre os temas a ter ampla circulação entre professores e alunosfoi Teoria da cultura, de David Kaplan e Robert A. Manners,publicado em 1975 por Zahar Editores.

Era usual, quando eu procurava por livros de Antropologianas livrarias de Porto Alegre, ouvir de algum funcionário queum padre também procurava por tais livros. Sempre tive certezade quem era ele.

Seus esforços em prol do desenvolvimento da Antropologiano Rio Grande do Sul não ficaram restritos à UFRGS e à Unisinos,à qual sempre esteve ligado, pois era mantida pela sua ordemreligiosa e junto à qual também residia.

Pela liderança que conquistou, ele foi bem-sucedido em suainiciativa de reunir professores de Antropologia e Arqueologiaque atuavam no Rio Grande do Sul, inclusive com boa presençaem universidades do interior do Estado, em encontros anuais,com o nome de Encontro de Professores de Antropologia do RioGrande do Sul. Com duração de dois ou três dias e em clima decompanheirismo, propiciavam a discussão de programas, aapresentação de pesquisas e a atualização na literaturaantropológica.

Foi em um deles, em 1967 ou 68, que fiz a minha primeiracomunicação em um fórum acadêmico: um artigo como o nomede “Antropologia Aplicada”. Nele, eu abordava não oantropólogo atuando de modo mais ou menos direto na aplicaçãode seus conhecimentos, mas a utilização destes por outros agentes.No caso, o uso do poder de persuasão de certas pessoas comcarisma/prestígio em publicidade. Tenho certeza de que Peléentrava na história, em publicidade de café. O artigo acabou sendo

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a minha primeira publicação e, ao que me consta, também aprimeira de um trabalho original de Antropologia propriamentedita por alguém de UFRGS.24 Publicado, perdi-o de vista. Talvezseja ousadia maior lembrá-lo agora do que a de tê-lo feito. Osencontros também serviam para quebrar inibições.

O professor Schmitz era a estrela maior de todos eles. Só peloslivros que levava para expor, ele já despertava admiração. Taisobras, em geral não disponíveis no Estado e mesmo no País, amaior parte em espanhol e em inglês, e pertencentes a uma sópessoa, despertavam admiração. Ouvinte interessado, era tambémouvido com respeito e interesse, especialmente pelos arqueólogos,em número não desprezível. Esperavam por ele para apresentarseus trabalhos. Os encontros ocorreram nos anos 1960/70 emCaxias do Sul, Ijuí, Passo Fundo, Porto Alegre (na UFRGS), SantaMaria e São Leopoldo, por duas vezes. Aí também ocorreu oprimeiro encontro.

A fotografia a seguir mostra um grupo de participantes do VEncontro de Antropologia e Arqueologia, realizado em Caxiasdo Sul, em abril de 1972.

Da esquerda para a direita, sentados: Fernando La Salvia e Ervino Barth; JoãoAlfredo Rohr, Pedro Ignácio Schmitz, Guilherme Naue, Danilo Lazarotto, MariaNoemi Brito, Sérgio Teixeira e Carmem Maria Teixeira. Acervo: Sérgio Teixeira.

24. In: Organon, n. 13, revista da Faculdade de Filosofia, em 1968.

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Experiências bem-sucedidas, elas estimularam a realização deum encontro dos professores de Antropologia dos três Estadosdo Sul, em 1970, na Universidade Federal de Santa Catarina. Osurgimento de outros fóruns mais abrangentes, ainda na décadade 70: Reuniões da ABA, reativada em 1974, SBPC, Anpocs, queofereciam novos espaços para se tratar daquelas questões, levouà sua suspensão.

Por conta de seu trabalho, o professor Pedro Ignácio Schmitzse constitui em marco destacado na história da Antropologia naUFRGS e no Estado do Rio Grande do Sul, e em referênciainternacional em Arqueologia Indígena.

PEDRO IGNÁCIO SCHMITZ:REFERÊNCIA PARA A ARQUEOLOGIA BRASILEIRA

Pioneiro no seu campo de pesquisa e um dos docentesuniversitários que na década de 1970 colaborou para ainstalação da pós-graduação em universidades brasileiras,nasceu em Bom Princípio, RS, em 1929. Filho de pequenosagricultores, cresceu em meio extremamente religioso, tantono âmbito familiar como comunitário, juntamente com mais dezirmãos, dois dos quais, além dele próprio, tornaram-sereligiosos, como era habitual naquela época entre muitas dasfamílias de descendentes de imigrantes alemães.

Como professor no Colégio Anchieta e na UFRGS, a partirde 1958, Schmitz passou a freqüentar, influenciado por seuprimeiro tutor, pe. Luis Gonzaga Jaeger, o Instituto Histórico eGeográfico do Rio Grande do Sul. Pelas mãos do pe. BalduínoRambo, seu professor na UFRGS, passou a circular porinstituições museológicas e de pesquisa no Sul do Brasil,conhecendo pesquisadores dos mais diversos ramos,especialmente botânicos e arqueólogos.

Em 26 de abril de 1956, sob a inspiração tanto do pe. Rambocomo do pe. Jaeger, foi fundado o Instituto Anchietano dePesquisas, que nos planos do primeiro citado deveria ser umainstituição que juntasse todas as ciências e que pudessecompetir com os grandes museus do Brasil e do mundo.

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Schmitz, sócio-fundador da instituição e secretário da suareunião de fundação, é seu atual diretor. Ali, até hoje, vemparticipando ativamente no processo de formação de váriasgerações de pesquisadores — arqueólogos, antropólogos,historiadores, biólogos, geólogos, etc.— e exercendo inúmerasatividades de pesquisa sobre o povoamento indígena no Brasil.

Em 21 de setembro de 1961, com a morte do pe. BalduínoRambo, coube a Schmitz assumir as cátedras de que ele eratitular. Continou na UFRGS até o final da década de 1980,participando ativamente da formação de cientistas sociais,especialmente antropólogos e arqueólogos, e historiadores,tanto na graduação como na pós-graduação.

No ano de 1963, também começou a lecionar Antropologiana Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Leopoldo,futura Universidade do Vale do Rio dos Sinos — Unisinos, naqual até hoje exerce o magistério e tem orientado inúmerostrabalhos de graduação e de pós-graduação.

No início de sua carreira, o jovem Schmitz realizou váriosestágios. Com o apoio do pe. Balduíno Rambo, nas férias deverão de 1960, faz seu primeiro estágio de Arqueologia, sob aorientação do dr. Alberto Rex Gonzalez, em companhia dosestudantes da Universidad Nacional de Córdoba, Argentina,em Tafí del Valle, província de Tucumán. Em setembro de 1963,esteve no Ethnographisches Museum e no NaturhistorischesMuseum, em Viena. Com Annette Laming-Emperaire, emParanaguá, realizou escavações no Sambaqui do Toral e, emAntonina, no Sambaqui da Ilha das Rosas. Com o prof. IgorChmyz, na Universidade Federal do Paraná, fez um estágiode cerâmica. No Museo y Facultad de Ciencias Naturales deLa Plata, Argentina, permaneceu estagiando durante um ano,entre 1970 e 1971, o que lhe proporcionou intenso contato eintercâmbio com arqueólogos da Argentina, do Chile, do Peru,do México e da Guatemala. Realizou, ainda, um curso deTecnologia Lítica, com o dr. Stanford, da Smithsonian Institutione, em duas oportunidades, em Washington, com a dra. BettyJ. Meggers formou uma pequena equipe, que se reunia noInstituto Anchietano de Pesquisas, em São Leopoldo, com o

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objetivo de cadastrar os sítios arqueológicos e caracterizar assuas culturas.

Durante sua carreira, Schmitz vem contribuindo através desua obra para uma melhor compreensão do povoamentoindígena no Brasil. Seus principais projetos de pesquisa nessesentido podem ser muito sumariamente resumidos em quatrograndes projetos. São eles:

UMA PRÉ-HISTÓRIA PARA O RIO GRANDE DO SUL

Desde 1965, sob a coordenação de Schmitz, um grupo dearqueólogos desenvolve um amplo programa de pesquisas noRio Grande do Sul para levantamento nas áreas e paisagensdo Estado. Assim, ao lado do Pronapa, que também começounesse ano e tinha como seu representante inicial no Estado oprof. Eurico Th. Milleriam, as culturas do Estado começaram aser definidas. Com o programa, formaram-se arqueólogos,chegando o Estado a ter um bom número deles trabalhandoem diversas universidades e museus. Numerosas dissertaçõesde mestrado e teses de doutorado já foram defendidasutilizando resultados de pesquisas que têm sua origem nesteprograma inicial. Inúmeros trabalhos foram publicados porinstituições que surgiram nesta época.

O DESAFIO DOS CERRADOS DO BRASIL CENTRAL

O trabalho nos cerrados do Brasil Central nasceu do convitedo reitor da Universidade Católica de Goiás e foi executado,basicamente de 1972 a 1985, numa estreita colaboração entreesta instituição e o Instituto Anchietano de Pesquisas. Oencerramento se deu efetivamente apenas em 2003 com apublicação do último volume dos resultados. O programaabrangia o território de Goiás, o Estado de Tocantins e osudoeste da Bahia. Como no Rio Grande do Sul, era umterritório ainda sem pesquisa efetiva, mas com um grupo dejovens entusiastas em busca de realização, que se tornou abase de um instituto estável e produtivo, o Instituto Goiano dePesquisa Antropológica (IGPA). O programa proporcionou aoportunidade de estudar a implantação de populaçõescaçadoras e coletoras nos cerrados e caatingas do Brasil

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Central desde o começo do Holoceno, a caracterização de seusistema de assentamento, e de suas numerosas e variadasrepresentações rupestres. Também permitiu considerávelavanço no conhecimento de como se estruturaram edesenvolveram as populações indígenas cuja subsistência sebaseava no cultivo de plantas tropicais, que antecederam osíndios do grupo lingüístico Jê, antigamente chamados“Tapuias”.

DAS SAVANAS DO PLANALTO AO PANTANAL DO ALTO RIO PARAGUAI

Quando, em 1985, terminou o Programa Arqueológico deGoiás, Schmitz começou programa semelhante no Estado doMato Grosso do Sul. A pesquisa no Pantanal, feita em convêniocom a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, não sóproduziu um razoável arcabouço da Arqueologia da área, comoformou pesquisadores locais, que prometem continuar otrabalho nesta área ecológica importante e muito ameaçadade destruição.

O POVOAMENTO DO LITORAL ATLÂNTICO MERIDIONAL

A pesquisa em concheiros surgiu com a morte, em 1984,do padre João Alfredo Rohr, S.J., que durante anos tinhainvestigado o litoral de Santa Catarina. Com seudesaparecimento, Schmitz foi declarado seu herdeiro científico,com responsabilidade sobre o acervo, o Museu do Homem doSambaqui e a documentação. Padre Rohr tinha feito numerosaspublicações populares sobre suas pesquisas, mas não tiveratempo e, finalmente, nem mais condições de transformá-lasem textos científicos. Havia especialmente seis grandesescavações, cujo material precisava ser analisado, e o projetointeiro, publicado. Três desses sítios eram sambaquis pré-cerâmicos pouco espessos, e três eram ocupações litorâneasdas populações cujo hábitat original era o planalto, onde secaracterizavam por “casas subterrâneas” e cerâmica datradição Taquara-Itararé. Dois desses sítios tinham recebidouma publicação mais abrangente, mas era interessantereanalisar todo o material e fazer novas publicações, junto comas das escavações inéditas. Com isto, ficou demonstrado que

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o litoral não teve um só tipo de ocupação, o chamado sambaqui,mas foi explorado ou ocupado de variadas formas, por distintaspopulações residentes ou transitórias.

Todos esses projetos contribuíram efetivamente para umamelhor compreensão do povoamento indígena no Brasil, sendoseus resultados minuciosamente publicados. Além disso, nasvárias regiões em que foram executados projetos, foi treinadopessoal para continuar as atividades, e no Instituto Anchietanode Pesquisas se formou e se mantém uma equipeinterdisciplinar que se encarrega de continuar a pesquisaarqueológica acadêmica, trabalhando problemas da Pré-História do Brasil, levantados nas pesquisas anteriores.

SÉRGIO BAPTISTA DA SILVA: PROF. DO PPGAS-UFRGS

Considero agora minha participação neste processo demudança iniciado em 1962, e do qual, como já disse, fuitestemunha/agente desde seu começo.

Desde o início, trabalhei nos três cursos para os quais aAntropologia era oferecida, Ciências Sociais, Geografia eHistória, como se dava com os demais colegas da disciplina,todos atuando com integral responsabilidade pela regência desuas classes. Definidas as turmas, na prática, o catedrático só semanifestava em questões formais.

Possivelmente, o fato de o curso de Ciências Sociais funcionarà tarde, o que representava certa dificuldade para os dois outroscolegas nele trabalharem, pois residiam em São Leopoldo (acerca de 30 km da Universidade), fez com que suas aulas deAntropologia, em pouco tempo, fossem atendidasexclusivamente por mim. Também concorreu para isto o fatode o professor José Joaquim Justiniano Proença Brochado,indicado pelo catedrático e admitido em 1963, e inteiramentededicado à Arqueologia Indígena, não ter se interessado emtrabalhar naquele curso.

Determinado a fazer carreira na Antropologia, sempre fuizeloso em minhas atividades. Residindo até 1968 a menos de 1km da Universidade, tinha facilitado o meu interesse em

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participar das reuniões departamentais25 e da vida acadêmicaem geral. Assim, mesmo admitido em regime parcial, de 12 horas,tinha grande presença na Universidade, o que não se dava comos outros colegas. Tais fatos, associados à administraçãodemocrática da disciplina por parte do catedrático, propiciaramque eu adquirisse quase completa autonomia acadêmica epassasse a exercer uma relativa liderança política na Antropologia.Para tal, também contribuiu o afastamento do professor Schmitz,por um ano, em 1963/64, para realizar estudos em Viena. Naoportunidade, cheguei a ser responsável por cinco turmas.

Por conta de tal autonomia, fiz uma certa ruptura com osestudos mais presentes até então: Antropologia Física,Arqueologia Indígena e Sociedades Simples. Centrei meu trabalhonas sociedades complexas, incluindo aí o Brasil contemporâneo eurbano. Foi com agrado que os alunos viram a Antropologiatrazendo à cena a discussão de temas como Carnaval, futebol,padrões de namoro, moda, letras de canções populares, festas,preconceitos e discriminações de toda a ordem. Assim, meio semsaber, me aventurava pelos estudos simbólicos.

Fruto da época, também incursionei pelos estudos decomunidades semi-rurais/semi-urbanas no Brasil, com CharlesWagley, Emílio Willems e Úrsula Albershein.

Minha preocupação com as sociedades complexas e tambémcom fazer “alguma coisa diferente” me levou, em 1963/64, amontar um programa sobre a África, centrado nos processos decolonização/descolonização que o continente vivenciava naépoca. Como se deu com os estudos de Antropologia simbólica,também meio sem saber, enveredava pelos caminhos daAntropologia Social inglesa e passava a tomar contato com autoresfranceses. Implementado em 1964/65, o curso só deixou de seroferecido a partir de 1973, quando me afastei para fazer omestrado na Unicamp.

Com toda a propriedade, posso dizer que, na época, o estudode questões africanas contemporâneas na UFRGS era uma

25. Até a reforma universitária de 1968, a lotação departamental estava vinculada àparticipação nos cursos em que se atuava. Assim, simultaneamente, participavados Departamentos de Ciências Sociais, Geografia e História.

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autêntica África. O material bibliográfico disponível na bibliotecaera escasso e desatualizado. Por isto, saí a campo para adquirirlivros para a ela e para mim.

Também saí à cata de pessoas com alguma experiência africana,com condições de contribuir para amenizar minhas dificuldades.E elas apareceram, todas residindo ou de passagem por PortoAlegre. Lembro de diplomatas de países europeus (alguns comcolônias na África) servindo na cidade26, militares brasileiros quecumpriram missão no Congo integrando forças da ONU, queintervieram nos conflitos que se seguiram à sua independência;professores franceses e ingleses (um destes era sobrinho de Evans-Pritchard), que atuavam em cursos de Letras da UFRGS; exiladospolíticos de Angola e Moçambique; missionários católicos eprotestantes, empresários e simples turistas. Na busca depalestrantes, a contribuição dos próprios alunos foi maiúscula.Certamente, alunos e eu pudemos conversar com não menos devinte destes abnegados. Todos deram alguma contribuição. Juntocom considerações sobre a implantação dos processos coloniais ede novas nações, afloraram elementos importantes da socioculturaautóctone. Dentre eles, lembro-me bem, da forte vinculação dosindivíduos com seus grupos originais e o importante papel dosritos de passagem para criar/reafirmar a vinculação a seus grupose subgrupos.

Como a maior parte da literatura que consegui reunir era eminglês, cuja leitura raríssimos alunos dominavam, me vi forçadoa fazer diversas traduções mais ou menos resumidas, para usodeles. Além de me exigir um grande esforço, isto tambémrepresentou uma certa temeridade, porém, com resultado bastantesatisfatório. Temeridade porque, sendo medíocre meuconhecimento de inglês, de modo quase autodidata, me vi forçadoa desenvolver sua leitura. Minha aprendizagem se deu com aleitura de Profiles in Ethnology, de Elman Service. Aliás, ele foi oprimeiro dos diversos antropólogos norte-americanos a quemescrevi, solicitando indicações de temas para estudo ebibliografias. Obtive bom retorno, em número de respostas e de

26. Na ocasião, ela contava com vários consulados.

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contribuições. Sempre contei com a boa vontade de colegas eamigos para verterem minhas cartas para o inglês.

Meu empenho no curso, ou melhor dizendo, nos cursos sobrea África foi duplamente recompensado. Primeiro, pela muito boareceptividade por parte dos alunos e pelo que aprendi; segundo,pela viagem à África, que pude realizar. Penso que vale a penaregistrar como as coisas se passaram.

Lá por abril de 1969, me deparei, em revista de divulgação,com uma ampla matéria sobre Angola, na época sobadministração portuguesa, como Província Ultramarina. Areferida matéria destacava o entusiasmo de seu governador como que lá se passava. Ocorreu-me, então, escrever para ele, majorRebocho Vaz, do Exército Português. Minha verdadeira intençãoao escrever-lhe era obter o que de fato sucedeu: o convite paravisitar Angola, sem que eu pedisse. Minha estratégia consistiuem apresentar meu curso sobre a África e falar de minhadificuldade em tratar de Angola e dos outros territóriosportugueses no continente, pela maneira conflitante como eramconsiderados na bibliografia. Em função do que, ele fazia trêsperguntas bem fundamentadas. Lembro que uma delas se referiaao sentimento nacional português, que, dizia ele naquela matéria,animava o conjunto da população angolana. Concluía minha cartadizendo que procedia assim por não ter uma experiência africanae não saber quando ou se tal viria a ocorrer.

Uns dois meses depois, recebi o convite, por conta doMinistério do Exterior de Portugal. Viajei em setembro, via Lisboa,permanecendo duas semanas em Portugal à espera de lugar emvôo para Angola. Por isto, a viagem programada para um mêsprolongou-se por quase dois27. Em Luanda, fui recebido porRebocho Vaz, que me causou excelente impressão e a quem oferecio livro O caráter nacional brasileiro, de Dante Moreira Leite. DeAngola, fui para Moçambique, com uma estadia de duas semanasem cada um dos territórios.

Pelos contatos que pude fazer e pelas numerosas viagens emPortugal e na África, realizei proveitosas observações. Deveras,

27. A questão desta alteração foi bem resolvida pelo Departamento de Ciências Sociais.

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aprendi bastante. Um outro fruto desta viagem, agora na área dosimbólico, foi que ela representou para mim, para meus alunos e,também, para colegas da Universidade mais chegados a mim umaespécie de rito de passagem, que me legitimava a tratar de África.Afinal, tinha ido lá.

Registrei minhas observações em um artigo intitulado “Acontinuidade da presença portuguesa na África”, publicado porOrganon, n. 14, 1970. O mesmo texto também foi publicado, emduas partes, em edições dominicais sucessivas, pelo Correio doPovo, na época o principal jornal do Rio Grande do Sul.

Como já indiquei, esta relativa liderança na Antropologia, queteve origem na minha maior presença na Universidade, em relaçãoà dos colegas, também se fortaleceu pelo desinteresse, por vezes,apatia, daqueles para tratar de questões de cunho maisadministrativo. E tais questões eram numerosas e relevantes. Entreas mais corriqueiras e formais, estavam: vestibular, matrículas,transferências, reconhecimento de créditos de alunos, horáriosdas aulas. As eventuais e mais informais incluíam coisas comoindicar livros e revistas para aquisição pela biblioteca, muitasvezes por sua solicitação, a toque de caixa, para aproveitar umadada verba, antes que ela fosse recolhida por falta de uso; postularconserto ou disponibilidade de material de aulas ou pesquisa:projetor de diapositivo, retroprojetor (que exigiam sala escura),gravador, papéis para provas, mimeógrafo (não havia ainda oxerox); acompanhar fichamento de livros na biblioteca;providenciar sociabilidade com visitantes, comparecer a eventos;representar a Faculdade, o Departamento ou a disciplina emsituações diversas. Tais coisas só deixam de ter importância paraaqueles que sabem que alguém as assumirá em seu lugar.

A intensidade de meu envolvimento com tudo isto fez comque, afora as questões de ordem formal do catedrático, naprática eu respondesse pela disciplina na maioria de seusassuntos. Às minhas atividades extraclasses, acrescentei aindaa de secretário do Colegiado do Departamento de CiênciasSociais no período 1968—1972. De tudo isto, resultarambenefícios para mim e para a disciplina.

Como bem cedo passei a conhecer a máquina administrativa e

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seus macetes, pude operá-la com razoável sucesso. No querespeita às listas para aquisição de livros pela biblioteca, descobrique a massa dos professores da área das Ciências Humanas eracompletamente desinteressada, por acreditar que o propósito nãoseria atingido. Assim, os poucos que faziam solicitações, eu entreeles, tinham suas chances de sucesso redobradas. Evidente queas minhas listas continham também sugestões dos colegas dadisciplina.

Como a biblioteca também podia encaminhar pedidos para aimportação de livros, contávamos com tal possibilidade. Por contada importação, para a biblioteca e para mim, tornei-me o principalcliente da Livraria Kosmos, que existia na Rua da Praia. Ágil eespecializada em importação, em pouco tempo não só entregavaos livros solicitados como oferecia catálogos com novaspublicações.

Em complementação à compra de livros pela biblioteca,também acompanhava de perto a sua catalogação, para poderutilizá-los logo que necessário. Contando com a extremada boavontade das bibliotecárias, não só conseguia que livros de meuimediato interesse fossem catalogados com extrema rapidez, comoobtinha permissão para retirá-los mesmo antes que isso ocorresse.

Ainda no que respeita à catalogação, também obtive sucessona superação de um problema de relativa importância prática esimbólica: fazer com que todas as novas aquisições deAntropologia fossem nela catalogadas e, assim, colocadas em suasrespectivas estantes. Até então, era comum que grande parte delasfossem catalogadas em Sociologia.

Falei em importância simbólica porque, no quadro desocialismo triunfante e de revoluções mundo afora, a hegemoniada Sociologia e Política na área das Ciências Sociais aparecia comocoisa natural, pois os conflitos pela manutenção/conquista dopoder econômico/político eram os temas de seu maior interesse.Basicamente com abordagem marxista/leninista ortodoxa. Assim,pouco preocupada em estudar aqueles temas, sobrava espaçoreduzido para a Antropologia. Abrindo espaço para tais temas, ocurso sobre a África timidamente atenuava a questão. Tal timidezse dava pela não utilização daquela abordagem.

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No caso específico da UFRGS, apesar das relações amistosase, mesmo, de intensa camaradagem entre os professores das trêsáreas, era perceptível a desconsideração acadêmica dispensada àAntropologia por sociólogos e cientistas políticos. Por extensão,a mesma coisa se passava entre os alunos, em especial no cursode Ciências Sociais. Lembro-me que, bem compreendendo asituação, o professor Schmitz dizia algo muito próximo de “épreciso dar duro, vamos trabalhar bem para nos descobrirem enos respeitarem.” Como veremos, foi o que aconteceu.

Exemplo emblemático de tal desconsideração foi um episódioocorrido próximo a 1970, em reunião do grupo de trabalhodesignado pelo Colegiado do Departamento de Ciências Sociais,para apresentar propostas para uma profunda alteração nocurrículo daquele curso.

Na ocasião, os representantes da Sociologia e da CiênciaPolítica se manifestaram contrários ao oferecimento, ainda quecomo opcionais, de disciplinas de Antropologia, com articulaçãocurricular equivalente à de disciplinas a serem oferecidas poraquelas áreas como obrigatórias. A situação foi revertida com oapoio do professor José Carlos Grijó, representante da Estatística.Sua forte manifestação foi fundamental para que se estabelecessea plena simetria curricular entre as três áreas.

A reforma curricular em questão ocorreu no quadro da amplareforma universitária que extinguiu o sistema de cátedra einstituiu o sistema departamental. Em decorrência, todos osdocentes passaram a ter uma só vinculação departamental. Nocaso da Antropologia, juntamente com Ciência Política eSociologia, a vinculação se deu com o Departamento de CiênciasSociais.

Pelo novo sistema, os Departamentos passaram a terimportantes responsabilidades administrativas e pedagógicas,exercidas através de seus colegiados.

Numa segunda etapa, em 1970, a mesma reforma, extinguindoa Faculdade de Filosofia, substituiu-a por vários institutos. Entreeles, o de Filosofia e Ciências Humanas, integrado pelosDepartamentos de Ciências Sociais, Filosofia, História e Psicologia.Este, no final dos anos 70, deu origem ao Instituto de Psicologia.

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No mesmo ano, as responsabilidades pedagógicas dosDepartamentos foram assumidas pelas Comissões de Carreiras.Pela minha relativa liderança e, agora também, peloreconhecimento do trabalho da Antropologia, integrei, já na suainstalação e, por dois anos, a de Filosofia e Ciências Humanas.

No primeiro semestre de 1970, como parte do processo geralde expansão universitária no País, o Departamento de CiênciasSociais foi contemplado com quatro vagas para professor. Pelaredistribuição interna, foram atribuídas duas vagas à Sociologia,uma à Antropologia e uma à Ciência Política. Feita a divisão dasvagas, cada área, posteriormente, deveria indicar seus candidatos.

Pelo lado da Antropologia, pensei em dois nomes, que submetià apreciação dos três outros colegas da disciplina. Todos, alémde concordarem com os nomes apresentados, me delegaram atarefa de encontrar substitutos, em caso de impedimento dosindicados.

Logo no início da reunião para a indicação dos nomes, ficoudecidido que a Antropologia se manifestaria por último. Fiqueipreocupadíssimo com a decisão. Minha preocupação era legítimae de ordem prática. Isto porque, além de estar de fato fixado numsó nome, na minha avaliação, havia grande chance que ele viessea ser indicado por outra área. Como tal não se deu, pude fazê-lo,nervoso, porém contente: apresentei o nome de Ruben GeorgeOliven. Feita a apresentação, o responsável pela indicação dosnomes para a Sociologia, recordo bem, lamentou-se por não tê-loconsiderado entre suas alternativas.

Ao informá-lo da aceitação de seu nome, também lhe disse,brincando, que para não ficar me devendo favor, ele deveria medar uma garrafa de uísque. Ganhei uma de Chivas. Indiquei-opor entender ser ele o melhor, em todo o horizonte depossibilidades. Meus juízos sobre ele resultaram de ponderaçõessobre seu desempenho acadêmico e modos de ser, como meualuno no curso de Ciências Sociais. Com tais considerações,também estou dizendo das preocupações da Antropologia emincorporar os melhores.

Admitido no segundo semestre do mesmo ano, Ruben, que jáera formado em Economia, foi o primeiro professor da

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Antropologia proveniente de um curso de Ciências Sociais etambém o mais jovem, com 24 anos. Como se deu também comJosé Brochado, sua admissão/efetivação não implicou a realizaçãode qualquer tipo de prova.

No semestre de sua admissão, ele foi professor no curso deJornalismo, assumindo as aulas de uma disciplina chamada deProblemas Sociais e Econômicos. Isto se deu a partir do exame deseu currículo pelo chefe do Departamento de Ciências Sociais,pelo qual, julgando-o habilitado, solicitou a sua colaboração paraassumir aquela disciplina e assim resolver um problemaemergencial da área de Sociologia, responsável por ela. No anoseguinte, ele assumiu responsabilidades docentes naAntropologia, contemplando em seus programas o estudo dequestões urbanas. Assim, de início, já imprimiu sua marca pessoal.Tal temática já era tratada por ele no curso de mestrado querealizava no Programa de Pós-Graduação em PlanejamentoUrbano e Regional da UFRGS. Tornou-se mestre em 1973, com adissertação A cidade como local de integração sociocultural: a integraçãodos moradores da Vila Farrapos na cidade de Porto Alegre. Assim, elese tornou o primeiro pós-graduado em stricto sensu naAntropologia da UFRGS.

Afável, dedicado ao trabalho e competente, desde o princípioele se integrou com facilidade ao grupo da Antropologia,relacionando-se harmoniosamente com todos os professores doDepartamento. Comigo, todavia, se estabeleceu umrelacionamento mais intenso, consolidado a cada dia, por termos,como causa e efeito, compartilhado as mesmas salas de trabalhodesde 1972. Ao longo deste tempo, construímos umrelacionamento fraterno, marcado pela cooperação, respeito,amizade e afetividade. Com sua admissão, pela primeira vez aAntropologia pôde contar com mais de uma pessoa a tratar demodo institucionalizado de seus assuntos, afora os compromissosmais diretamente vinculados à docência.

Nossa primeira sala, muito apropriadamente chamada por nósde cubículo, não teria mais do que 6 m² e uma porta como únicaabertura, dando para um corredor. Ela resultou da divisão, emquatro partes, de uma outra sala e nos foi concedida pelo

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Departamento em 1972. Em espaço igual e contíguo, funcionavama Chefia e a Secretaria do Departamento. Isto serve como indicadorpreciso de nossas carências.

Ainda que exíguo, nosso cubículo representou uma conquista,pessoal e institucional. Para quem só dispunha de uma pequenagaveta, na sala de professores, para guardar algum material, foigrande salto passar a dispor de uma sala. Ela também se constituiuem conquista institucional, porque, desde a década de 1950, estefoi também o primeiro espaço atribuído à Antropologia. Até então,seu único espaço era uma sala contígua ao cubículo, usada paraguardar e/ou expor materiais indígenas e aparelhos para o estudode Antropologia Física. Os outros três colegas da área tambémcostumavam utilizar o local, especialmente o professor Brochado,que aí tinha seu gabinete.

No cubículo, não sei como, conseguimos colocar trêsescrivaninhas, três cadeiras, um armário metálico e, grandeconquista, uma máquina de escrever de carro grande. O espaçopara a circulação girava em torno de 1 m². Aí, por vezes, e tambémnão sei como, chegávamos a ter cinco pessoas, nós dois e alunosbolsistas. O armário, ainda em uso, e a máquina, aposentada, sãopeças importantes do acervo do, digamos assim, museu funcionalda Antropologia.

Quando da implantação, em 1972, de um Primeiro Ciclo,comum a todos os alunos que ingressassem na UFRGS, o relativoprestígio da Antropologia, que já se manifestava na época, setornou mais explícito. Os conteúdos humanísticos deste PrimeiroCiclo seriam desenvolvidos sob sua égide, através de umadisciplina chamada Introdução ao Estudo do Homem ecoordenada por mim. Sei de boa fonte que tais decisões, tomadasno âmbito da Reitoria, sem ouvir o Departamento de CiênciasSociais, provocaram mal-estar na área de Sociologia, que se sentiudesprestigiada.

A implantação do Primeiro Ciclo se deu de forma muitotumultuada, entre janeiro e princípios de abril, com o início dasaulas. A tais dificuldades, somava-se mais um complicador,intrínseco à própria concepção do Primeiro Ciclo: representavauma espécie de novo vestibular para metade dos alunos. Enquanto

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50% dos alunos bem classificados no exame vestibular tinhamsuas vagas asseguradas nos cursos escolhidos, as vagas para osdemais, nos cursos anteriormente escolhidos, dependiam dodesempenho no Primeiro Ciclo. Pela permanente tensãoprovocada por tal norma, ela foi suprimida quando datransformação do Primeiro Ciclo em Ciclo Básico em 1974. Comoparte da transformação e numa reação da Sociologia, aqueladisciplina foi substituída por Introdução à Sociologia. Maisadiante, o Ciclo Básico também foi extinto.

Apesar de tudo, a Introdução ao Estudo do Homem, diga-sede passagem, bem trabalhada, resultou em benefícios para mim,para Ruben, que também integrou sua comissão coordenadora,montada por mim, e para a Antropologia. Para nós, por umamelhoria salarial muito significativa. Nosso regime de trabalho,que havia passado de doze horas semanais para vinte e quatrohoras em 1971, agora passava para quarenta horas. Isto ganhamaior relevância, porque, até então, tal regime de trabalho e o dededicação exclusiva eram raridades na UFRGS.

Para a Antropologia, o benefício foi duplo: tornou-se maisrespeitada e conhecida, além de poder contar com nosso trabalho,na prática, em tempo integral.

No que se refere a mim, também registro que, para poderatender às atribuições inerentes àquela coordenação, professorque era do magistério estadual, fui cedido pelo governo do Estadopara a Universidade, situação que perdurou até minhaaposentadoria naquele cargo, facilitando enormemente minhavida universitária, inclusive na realização do mestrado.

Por circunstâncias muito especiais, em 1971 ocorreu um fatode primeira importância para todo o Departamento de CiênciasSociais. O relacionamento acadêmico entre o chefe doDepartamento, professor Luiz Alberto Cibils, e o sociólogo AchimSchrader, da Universidade de Münster, Alemanha, que realizavapesquisas no Brasil, evoluiu para um relacionamento bem pessoal:tornaram-se compadres. Cibils batizou um filho de Schrader. Apartir daí, criaram-se as condições que conduziram a um convênioentre o Departamento e a Ôkumenis Studienwerkches, instituiçãovinculada à Igreja Evangélica de Confissão Luterana, que fornecia

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bolsas de estudos para alunos do chamado Terceiro Mundo.Se bem me lembro, foram atendidas todas as solicitações do

Departamento, em torno de dez, contemplando as suas três áreas.Como na Antropologia só Ruben e eu manifestamos interesse,como representante da Antropologia no Conselho Departamentalapresentei nossas demandas, que foram atendidas.

O resultado foi altamente positivo para o Departamento, que,até então, só contava com três pós-graduados stricto sensu, e pôdepelo convênio incorporar em cerca de cinco anos dois mestres ecinco doutores.

Com bolsa da Ôkumenis Studienwerkches, fiz o mestrado emAntropologia Social — na Universidade Estadual de Campinas –Unicamp, no período 1973 – 1976. Em tal período, fiquei afastadoda UFRGS somente em 1973, dedicado à obtenção dos créditos eno primeiro semestre de 1974, dedicado à pesquisa de campo.Orientado pelo professor Luiz Mott, que realmente desempenhouo papel esperado de um orientador, apresentei uma dissertaçãointitulada O bordão do pobre: um estudo sobre o gado como estratégiaeconômica para uma população minifundiária do Rio Grande do Sul.

Com a obtenção do título de mestre, tornei-me o primeiro pós-graduado em Antropologia, stricto sensu, da UFRGS. Por isto e,sobretudo, porque na época o título de mestre ainda tinhaconsiderável expressão, fui objeto de homenagem do Instituto deFilosofia e Ciências Humanas, promovida por seu diretor,professor Dante de Laytano, em seu gabinete. A foto a seguirapresenta um registro do evento.

Também em 1976, os professores Pedro Ignácio Schmitz, coma tese Sítios de pesca lacustre em Rio Grande, no Rio Grande do Sul,Brasil e Arthur Blásio Rambo, com a tese A evolução do homem:aspectos científicos, filosóficos e teológicos, obtiveram o título de livre-docente, com exame de Livre-Docência na Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio Grande do Sul – PUCRGS.

Uma outra conquista de título para a Antropologia foi odoutorado do professor Ruben George Oliven, com a teseUrbanization and social change in Brazil: a case study of Porto Alegre,na Universidade de Londres, realizado no período 1974–1977,também com bolsa da Ôkumenis Studienwerkches. Com seu

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Da esquerda para a direita: Raphael Copstein, Plínio Russomano, RobertoFachin, Francisco Ferraz, Luiz Carlos Hotmann, Hotelo Laurent, Dante de

Laytano, Sérgio Alves Teixeira, Earle Macarthy Moreira e Tulskon Dick.Acervo: Sérgio Teixeira.

retorno em 1978, ele tornou-se o primeiro doutor stricto sensu daAntropologia na UFRGS.

Esclareço que, lá pelo início dos anos 1970, como parte daestratégia para marcar uma identidade própria da área deAntropologia, nós, seus integrantes, passamos a referi-la comoSetor de Antropologia. Como em pouco tempo a mesma formade identificação foi adotada pelas áreas de Ciência Política e deSociologia, o termo setor institucionalizou-se. Isto refletia umasituação de fato, com cada uma das áreas, a partir de um dadomomento, sendo setores atuando com crescente autonomia ereivindicando espaços próprios. O grau de institucionalização desetor pode ser avaliado pela extensão de seu uso nas instânciassuperiores da Universidade e mesmo fora dela.

Em 1972, o professor Francisco Ferraz, mestre pelaUniversidade de Princeton e integrante do Setor de CiênciaPolítica, liderou um movimento para a implantação de um cursode mestrado, com a participação dos três setores que compunhamo Departamento de Ciências Sociais. Assim esperava-se reunir

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recursos para compensar nossa fragilidade generalizada.Coube ao professor Schmitz apresentar a proposta da

Antropologia para nossa eventual participação no curso emquestão. Por estar muito centrada na Arqueologia Indígena, suaproposta foi julgada incompatível com as proposições dos doisoutros setores, por uma comissão de consultores da Capes. Comotais setores entenderam que a apresentação de uma nova propostapor parte da Antropologia, ainda tentada por Ruben e por mim,complicaria o processo, nosso setor ficou de fora.

O fato, logo se viu, foi benéfico para a Antropologia: ao mostrarcom crueza toda a nossa fragilidade, estimulou esforços para suasuperação.

Em 1973, somando forças e compensando deficiências, osoutros setores instalaram um curso de Mestrado em Política eSociologia. Ainda que a Antropologia, como área, tenha ficadode fora, Ruben, por ser mestre, participou daquele curso, já emseu primeiro ao ano.

A SEGUNDA GRANDE MUDANÇA: O INÍCIO DA PÓS-GRADUAÇÃO

Pela sua relevância e para balizar de modo mais preciso, élegítimo dizer que o marco inicial desta segunda grande mudançafoi o primeiro passo formal na implantação da pós-graduaçãoem Antropologia na UFRGS: seu primeiro curso de Especializaçãoem Antropologia Social, em 1974. Organizado e coordenado porRuben Oliven, o corpo docente deste foi integrado por AnamariaBeck, da Universidade Federal de Santa Catarina; Peter Fry, daUnicamp; Patrícia Kluck, doutoranda da Universidade Cornell,Estados Unidos, que realizava pesquisas no Brasil; Pedro IgnácioSchmitz e Ruben Oliven, representantes da UFRGS.

No ano seguinte, dando continuidade àquele projeto, organizeie coordenei nosso II Curso de Especialização em AntropologiaSocial. Este curso, como se deu com seu antecessor, tambémcontou com a colaboração de professores externos à UFRGS.

A intensidade do comprometimento dos integrantes do Setorde Antropologia com tal projeto se evidenciou na obtenção poreles, no período de quatro anos, de um título de mestre, dois de

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livres-docentes e um de doutor, e no esforço para incorporar novosdocentes que oferecessem bons indicadores de, sem muitademora, obterem a qualificação exigida por ele.

Foi neste quadro que foram incorporadas ao Setor deAntropologia, já em 1975, Aimara Stefani Célia e Maria Noemide Castilhos Brito, ambas com especialização em AntropologiaSocial, obtida em nosso primeiro curso. Aquela foi a primeiramulher e também o primeiro docente a ser incorporado àAntropologia por seleção pública. Frustrando nossas expectativas,no ano seguinte ela se demitiu para casar, sendo também oprimeiro docente a deixar a Antropologia por pedido de demissão.

Maria Noemi, técnica em assuntos educacionais da UFRGS,foi liberada parcialmente de suas funções técnicas, naquele ano,para exercer funções docentes com carga reduzida. Em 1978, foiliberada integralmente daquelas funções para ser incorporadaao Setor de Antropologia, com lotação no Departamento deCiências Sociais. Após concluir o mestrado na Unicamp, em 1985,com a dissertação Sindicato no feminino: uma luta de formiga, elafazia doutorado na Universidade de São Paulo, quando faleceuem 1996.

Homenageando-a, a revista Horizontes Antropológicos n.4publicou, como tributo de seus colegas à sua memória, um registrode sua trajetória acadêmica, elaborado por Claudia Fonseca.

Já cedo, como era de se esperar, as novas qualificações docentestambém tiveram seus efeitos nos cursos de graduação em que aAntropologia era oferecida. Possivelmente, seu primeiro resultadomais expressivo tenha sido a abertura para a chamadaAntropologia Social inglesa, tendo como ponto de partida umseminário sobre ritos, oferecido por mim em 1975, para uma turmaavançada do curso de Ciências Sociais. Coisa que se apresentavacomo natural, pois seus fundamentos tinham forte presença napós-graduação que eu cursara na Unicamp. Entre as suas figurasmais exponenciais, estavam Peter Fry, Antonio Augusto Arantese Verena Stolcke, que lá foram meus professores e estudaram naInglaterra.

Lembro que, no tratamento do tema, trabalhei com Les rites depassage, de Arnold Van Gennep, com O processo ritual, de Victor

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Turner, e com Purity and danger, de Mary Douglas, que seria editadono Brasil no ano seguinte.

Em 1978, o Setor de Antropologia incorporou a norte-americana Claudia Williams Lee Fonseca, que passou a ser seuprimeiro professor visitante, estrangeiro, com pós-graduação emAntropologia, stricto sensu, quando do ingresso: mestrado emEstudos Orientais, com a dissertação Taiwan: an developing nation-statement – an extended essay in political anthropology, pelaUniversidade de Kansas, Estados Unidos, em 1977. Ela foiefetivada em 1981, por norma de legislação federal.

O processo de admissão de Claudia merece registro, por suapeculiaridade. Em 1977, casada com um brasileiro e com aintenção de se radicar no Brasil, ela enviou seu currículo para oDepartamento de Ciências Sociais, com vistas a uma possívelcontratação. Lembro bem que suas vivências antropológicas noAlto Volta (atual Burkina Fasso) e em Taiwan despertaram atençãoespecial. O chefe do Departamento, professor Roberto Fachin, doSetor de Ciência Política, ouvido o Setor de Antropologia,empenhou-se intensamente em conseguir sua contratação. Tudose passou rápido e bem. Em maio de 1978, recebi seu telefonema,já de Porto Alegre, e num português (sem jogo de palavras) aindaclaudicante, dando conta de sua chegada.

Nossas necessidades, sua competência e disposição para otrabalho, a par de seu informalismo espontâneo e sedutor, fizeramcom que sua incorporação à rotina do Setor fosse imediata e fácil.Suas tarefas docentes, já em seu primeiro ano entre nós, incluíramaulas na graduação e no III Curso de Especialização emAntropologia, também organizado e coordenado por mim. Comeste curso, encerra-se a etapa da segunda grande mudança naAntropologia da UFRGS.

Antes de considerar a próxima etapa neste quadro de grandesmudanças acadêmicas, é oportuno registrar uma significativamudança na área espacial ocupada pelo Setor de Antropologia.

Em 1977, com a transferência do Instituto de Filosofia e CiênciasHumanas do Campus Central para o Campus do Vale e suainstalação, na seqüência, em dois novos e amplos prédios, o Setorde Antropologia passou não só a dispor, desde então, de salas

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para acomodar adequadamente os seus agora sete docentes, comoa contar com espaços físicos para sua futura expansão.

A T E R C E I R A G R A N D E M U D A N Ç A :A I M P L A N T A Ç Ã O D O C U R S O D E M E S T R A D O

O marco que baliza o início desta terceira grande mudança foio atendimento das duas condições básicas que faltavam para aconcretização da pós-graduação stricto sensu, com a implantaçãodo projetado curso de Mestrado em Antropologia Social. Taiscondições eram: experiência em pós-graduação e corpo docentequalificado. As outras condições, já satisfeitas, diziam respeito acoisas de infra-estrutura, como biblioteca, espaço físico,equipamentos, e de oportunidade, como demanda potencial.

A experiência em pós-graduação foi obtida com os três cursosde especialização.

A qualificação do corpo docente se deu através da titulaçãoobtida por seus futuros integrantes. Não obstante, é imperiosodizer que todos os que detinham alguma responsabilidade noprocesso – ou seja, todos nós – reconheciam que ela se situava nolimite inferior da escala. E não poderia ser outro o entendimento,pois éramos: dois livres-docentes, Pedro Ignácio Schmitz e ArthurBlásio Rambo; um doutor, Ruben George Oliven; dois mestres,Claudia Williams Lee Fonseca e Sérgio Alves Teixeira; e umdoutorando, José Joaquim Justiniano Proença Brochado28. Naocasião, só o último não foi proposto como orientador, o queocorreu em 1984 quando se doutorou, com a tese An ecologicalmodel of the spread of pottery and agriculture into Eastern SouthAmérica, na Universidade de Illinois/Urbana, Estados Unidos.

Portanto, a disposição de implantar o curso de mestradocontando com massa crítica tão modesta continha lá seuscomponentes de temeridade.

28. Sobre sua tese, registro manifestação de seu orientador em apoio ao pedido deuma pequena prorrogação de prazo para a conclusão de seu doutorado, requeridapelo orientando ao Departamento de Ciências Sociais. Disse ele que, partir da tesedesenvolvida por este, os estudos de populações indígenas da América do Sul, nosaspectos por ele abordados, teriam um novo divisor: antes e depois do trabalho deBrochado.

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O projeto de nosso mestrado, voltado para o estudo dassociedades complexas, apresentava um sistema curricular queprocurava compatibilizar a preocupação com a abordagem deum amplo espectro da vida sociocultural com os interesses dosprofessores e dos futuros alunos. Tal se dava, para os primeiros,pela indicação das disciplinas pelas quais se responsabilizavam;para os segundos, pela possibilidade de opção entre as disciplinasoferecidas. Apesar do reduzido número de professores, desde oprincípio os alunos dispunham de efetiva possibilidade de opção.O que ocorria não só pela oferta de créditos acima do mínimoexigido, a cada semestre, como também porque o exercício daopção era institucionalmente estimulado, pois só duas disciplinastinham créditos obrigatórios: Teorias Antropológicas e Métodose Técnicas de Pesquisa. Por conta de nosso reduzido número,todos tínhamos a responsabilidade por, no mínimo, duasdisciplinas.

Apesar de nossas carências, o projeto foi levado adiante eaprovado. Encaminhado à apreciação da Câmara de Pós-Graduação e Pesquisa da Universidade no primeiro semestre de1979, foi por ela aprovado ainda no seu transcurso.

Sua aprovação por aquela Câmara veio acompanhada dadeterminação de sua inclusão, como uma nova área, no curso deMestrado em Política e Sociologia, em funcionamento desde 1973,que passou a se chamar Curso de Pós-Graduação em Antropologia,Política e Sociologia. Em decorrência, Ruben e eu fomos eleitospara integrar sua Comissão Coordenadora, que contava tambémcom dois representantes de cada uma das outras áreas.

Iniciou-se, assim, a segunda fase da pós-graduação emAntropologia na UFRGS, agora em stricto sensu.

Registro que, na mesma época, inseridos no contexto favorávelao desenvolvimento da pós-graduação no Brasil, outros gruposdesenvolviam esforços semelhantes para implantar novos cursosde pós-graduação em Antropologia no País. Refiro-meespecialmente à Universidade Federal de Santa Catarina e àUniversidade Federal de Pernambuco, que lograram sucesso. Osnovos cursos vieram se somar aos cursos mais antigos localizadosno clássico eixo Rio de Janeiro-São Paulo-Brasília.

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Com base na mesma resolução que também estabelecia que acoordenação do novo curso caberia a cada área, em sistema derodízio, ela foi exercida por Ruben no período 1981/83.

A aula inaugural do mestrado, em agosto de 1979, foi proferidapelo professor Otávio Guilherme Velho, do Museu Nacional –UFRJ, com a conferência “A universidade e a Antropologia noBrasil”29. Após a conferência, seguiu-se um agradável coquetel,tudo no pátio coberto do prédio atualmente ocupado pelo Institutode Letras. Na época, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanasocupava o andar superior.

O convite ao professor Otávio Velho para proferir a aulainaugural, além da garantia de destaque para evento tão relevante,também indicava nossa disposição de buscar o diálogo intensocom outros centros avançados de investigação antropológica, oque vem acontecendo ao longo do tempo.

Com tal preocupação, já de início, intensificamos nossaparticipação em reuniões científicas de cunho nacional einternacional. Dentre as primeiras, por sua regularidade, destacoas do Centro de Estudos Rurais e Urbanos — CERU; da AssociaçãoBrasileira de Antropologia — ABA; da Associação Nacional dePós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais — Anpocs; e daSociedade Brasileira para o Progresso da Ciência — SBPC; criandocondições para que nossos alunos também se fizessem presentes.

A propósito das reuniões do CERU, me permito referir umfato que me deu grande satisfação e que deve ter ocorrido nareunião de 1982 ou 83, a que compareci acompanhado de trêsorientandos meus. Entusiasmada pelas consistentes comunicaçõesque eles fizeram, centradas em suas respectivas dissertações aindaem andamento, a professora Maria Isaura de Queiroz, fundadorae expressão maior do CERU, declarou algo muito próximo de “ajulgar pela amostra, a Antropologia da UFRGS está muito bem”.

A inclusão de um examinador de fora da UFRGS nas comissõesexaminadoras de dissertação, sistematicamente posta em prática,se mostrou instrumento de grande valia para aquele diálogo.Tanto mais que, como regra, o visitante também era solicitado a

29. Publicada na Revista do IFCH/UFRGS, v. 8, 1979/1980, p. 289-296, Porto Alegre.

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dar uma palestra e, eventualmente, discutir projetos de alunos.Renomados antropólogos brasileiros e estrangeiros integraramtais comissões. Tudo isto em conformidade com a orientação postaem prática, desde o início de, sem desprezo pelo regional,voltarmo-nos para o mais geral. As linhas de pesquisadesenvolvidas pelo Programa estavam afinadas com estaorientação.

Embora todos nós já trabalhássemos com pesquisas, é possíveldizer que foi com a criação do mestrado que verdadeiramente acultura da pesquisa se institucionalizou, fazendo com que estapassasse a ser considerada, individual e coletivamente, comoinerente às nossas atividades acadêmicas. Os compromissos coma pós-graduação – entre eles as satisfações devidas a alunosamadurecidos, ávidos por novidades e conhecimentos sólidos, eàs agências financiadoras e reguladoras – atuaram comocatalizadores para tal. Assim, quase que de imediato, nós, osintegrantes de seu núcleo formador, nos atiramos às pesquisas,em áreas de nossos interesses mais diretos: Arthur Rambo, noassociativismo dos imigrantes alemães e descendentes; ClaudiaFonseca, na família; Pedro Ignácio Schmitz, na ArqueologiaIndígena e nas teorias antropológicas; Ruben Oliven, na culturabrasileira; Sérgio Teixeira, nos rituais seculares.

A plena ciência da precariedade do corpo docente com que seiniciou o curso não nos abateu, pelo contrário, serviu de estímulopara superá-la, imperativamente, pela sua ampliação/qualificação. Por todos os meios que se oferecessem.

De imediato, passou-se a buscar pessoas já qualificadas paraatuar no mestrado e a estimular/apoiar todos os integrantes doSetor de Antropologia a ampliar/adquirir tal qualificação. Nossosesforços para tanto tiveram muito boa resposta em tempo bemcurto.

Em 1980, conseguimos nosso segundo professor visitante:Robert Shirley, norte-americano, doutor em Antropologia,professor titular da Universidade de Toronto, Canadá.Permaneceu na UFRGS por cerca de cinco anos, em doisperíodos30. Pela metade dos anos 1980, também contamos com acolaboração de mais dois professores visitantes e também

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estrangeiros: a belga Rita Cordonier e a argentina Vera Areco.Ambas com doutorado.

Em 1982, Maria Noemi saiu para fazer mestrado na Unicamp,sendo substituída por Daisy Macedo de Barcellos, comespecialização em Antropologia Social/UFRGS. Esta, que eraprofessora de Introdução à Sociologia no Ciclo Básico e quecolaborava com a Antropologia como horista desde 1979, jálotada no Departamento de Ciências Sociais, foi incorporada emdefinitivo ao Setor de Antropologia. Ambas foram incorporadasao Setor de Antropologia a partir de gestões feitas por mim. E,com Daisy, encerraram-se as admissões por indicação. A partirdaí, exceto pelos professores visitantes, todas as admissões sederam por concurso público.

Daisy obteve o título de mestre em 1989, com a dissertaçãoPolíticas de saúde mental e a organização do hospital público no RioGrande do Sul, apresentada no Programa de Pós-Graduação emPlanejamento Urbano e Regional da UFRGS – Propur31.Doutorou-se em 1994 com a tese Família e ascensão social de negrosem Porto Alegre, apresentada no Museu Nacional/UFRJ.

Em 1981 e em 1993, Claudia Fonseca concluiu doisdoutorados, respectivamente, de Terceiro Ciclo e de Estado,ambos na França. O primeiro com a tese L’adaptation de l’écoleprimarie en milieu rural brésilien: contribution à une anthropolgieappliquée dans une étude de cas (Alto Ribeirão, Minas Gerais), naUniversidade de Paris V. O segundo com a tese Crime, corps,drame et humour: famille et quotidien dans la culture populaire auBrésil, Universidade de Nanterre.

A primeira dissertação desenvolvida em nosso mestrado, em1983, foi a de Ondina Fachel Leal, intitulada A leitura social danovela das oito, orientada por Ruben Oliven. Juntamente com ele,

30. Como se deu com Claudia Fonseca, ele também foi efetivado por norma de legislaçãofederal. Embora tivesse disposição de permanecer, finda sua licença da Universidadede Toronto, ele se demitiu aqui e retornou para lá, onde as condições funcionais lheeram mais favoráveis.

31. É oportuno registrar que, quando de sua incorporação ao Setor de Antropologia,ela, que dava andamento a uma dissertação de mestrado em Sociologia no Propur,conseguiu, através de um processo bastante complicado, reorientá-la para a áreada Antropologia.

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Renato Ortiz32 e eu compusemos a comissão que fez suaavaliação, por parecer, visto que na ocasião a autora já realizavadoutorado na Universidade da Califórnia/Berkeley. Estadissertação, com o mesmo título, foi publicada pela Editora Vozesem 1986. Ela foi também a primeira de nossas muitas dissertaçõespublicadas.

Até fevereiro de 2006, o Programa titulou 154 mestres.Em 1982, iniciou-se o processo que, a partir de 1985,

institucionalizaria o mais importante mecanismo de intercâmbiodo nosso mestrado com outras instituições. Refiro-me à nossaparticipação, através do Projeto 63/82 Antropologia Social–UFRGS, no Acordo Capes–Cofecub, de Cooperação Franco-Brasileira, cujos efeitos diretos deverão perdurar por muitotempo ainda.

Naquele ano, quando da visita do professor Claude Lefort,para avaliar os projetos dos mestrados da Filosofia e da Políticano referido acordo, o professor Ricardo Seitenfus, da CiênciaPolítica, recente na Universidade e alheio a certas mesquinhariasde ordem paroquial que por vezes inibiam a cooperação maisfraterna nas Ciências Sociais, me instigou a também buscar aparticipação da Antropologia no mesmo acordo.

Para facilitar as coisas, além de me convidar para um churrascoem sua residência, oferecido a Lefort, me apresentou a ele e lhefalou de modo muito favorável do trabalho desenvolvido pelaAntropologia. Sem perda de tempo, Ruben e eu elaboramos umdocumento preliminar, sobre a Antropologia e suas pretensõesno acordo em questão, e que lhe apresentamos em reuniãorealizada dois ou três dias após aquele churrasco. Sua boaimpressão, transmitida ao professor Seitenfus, nos garantiu oprimeiro ponto: seu relatório seria favorável.

Embora não possa precisar como se deu, a verdade é que passeia ser o coordenador deste projeto embrionário. Quando veio aprimeira manifestação da França, favorável e já com o projetoformalmente registrado, sob o número 63/82, exultante, enviei aresposta, que assinei como coordenador. Atendia, assim, a uma

32. Na ocasião, vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais.

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de suas solicitações, que era a indicação do coordenador brasileirodo projeto. A outra era a indicação do coordenador francês. Paratanto, foi acionada Claudia Fonseca, que se encontrava em Parisfazendo doutorado, pelo que tinha condições favoráveis paraencontrar alguém que assumisse aquele encargo. A resposta nãodemorou, e sua escolha não poderia ter sido mais feliz.

Tratava-se de Jacques Gutwirth, professor da Universidadede Paris V e Coordenador do Laboratório de Antropologia Urbanado Centre National de la Recherche Scientifique. Fugindo donazismo, residiu seis anos no Rio de Janeiro, quando adolescente.Fluente em português, simpático, competente, prestigiado nomeio universitário, trabalhador e verdadeiramente interessadono projeto, sua contribuição para seu sucesso foi maiúscula.

Quando disse há pouco que os efeitos diretos do projeto paraa Antropologia na UFRGS deverão perdurar por muito tempoainda, não cometi qualquer exagero. Como se verá, pela utilizaçãoplena e competente de todos os mecanismos previstos no projetopara materializar o intercâmbio, os resultados para nós foramsubstantivos, entre os quais assinalo a incorporação à nossabiblioteca de um amplo e qualificado acervo de publicaçõesfrancesas em Antropologia.

A seguir, transcrevo a abrangente e objetiva avaliação dacooperação, atendendo à minha solicitação, feita pelo professorJacques Gutwirth. A afetividade também presente em seu texto,por si só, comprova sua capacidade de reconhecer atençõesrecebidas e de retribuí-las.

UMA BELA EXPERIÊNCIA INTELECTUAL E HUMANA:A COOPERAÇÃO CAPES-COFECUB 1985–1993, PORTO ALEGRE – PARIS

No final de 1984 ou início de 1985, Claudia Fonseca,professora do Departamento de Antropologia e do Programade Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federaldo Rio Grande do Sul, que estava em Paris, me perguntou,por sugestão de minha colega Colette Pétonnet (nós éramosco-diretores do Laboratoire d’Anthropologie Urbaine do CNRS),

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se eu estava disposto a assumir a coordenação francesa deum programa de intercâmbio entre um departamento francêsde Etnologia e o de seu próprio programa de pós-graduação.

Aceitei imediatamente com prazer por várias razões: 1) eutinha tido a oportunidade de morar de 1939 a 1947, durante aII Guerra Mundial, portanto, no Rio de Janeiro. Ter sobrevividoassim em excelentes condições às perseguições hitleristasimpôs-me o imperativo de manifestar minha gratidão para como país que me tinha acolhido tão bem; 2) eu havia acompanhadoapaixonadamente a evolução política do Brasil ao sair daditadura de Getúlio Vargas e continuava a me interessar peloassunto; 3) eu amava a língua portuguesa e a cultura brasileira;obtive até mesmo, nos anos 1960, na Sorbonne, um certificadode estudos superiores em Filologia Portuguesa e um outro emCivilização Brasileira, equivalente à metade de uma licenciaturaem Letras!

Em setembro de 1985, eu fui então a Porto Alegre para umamissão de identificação. Fui acolhido muito cordialmente pelocoordenador brasileiro do Acordo Capes-Cofecub, o professorSérgio Alves Teixeira. Nesta oportunidade, eu tive um encontrocom alguns estudantes avançados, participei de uma bancade mestrado e fiz duas palestras. Sérgio promoveu encontrocom colegas, mostrou-me os entornos próximos e os maisafastados de Porto Alegre, Claudia Fonseca me acompanhouem uma visita à cidade, e rapidamente eu me situei, graçasaos simpáticos jantares de todo um grupo de hospitaleiroscolegas.

Durante os oito anos em que fui coordenador pelo ladofrancês do acordo de cooperação, efetivaram-se dez missõesde ensino por professores franceses, com uma duração médiade quatro semanas. Oficialmente, era a UER, unidade depesquisa e ensino de Ciências Sociais da Universidade RenéDescartes (Paris V), onde eu dirigia um seminário de 1º anode doutorado (o DEA), quem patrocinava o intercâmbio, mas,na verdade, minha ligação institucional maior, o Laboratoired’Anthropologie Urbaine do Centre National de la RechercheScientifique (CNRS), predominou grandemente nas opções que

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marcaram o desenrolar do programa. Esta situação tambémcombinava com as preocupações dos professores e estudantesavançados de Porto Alegre, na sua maioria dedicados apesquisas sobre o mundo urbano e as sociedades complexas.Muitos professores que foram à UFRGS, eu entre eles, mastambém Jean-Marie Gibbal e José Garcia Ruiz, como eupesquisadores do CNRS, cumpriram até duas missões, o quepermitia aprofundar os contatos e também desenvolver, emcooperação com colegas brasileiros, pesquisas no Brasil, queresultaram em diversas publicações. Carmen Bernand, ClaudeRivière, Colette Pétonnet, Jean-Luc Jamard e MargaritaXanthakou foram os outros professores que lecionaram emPorto Alegre. Eram diversas as especialidades representadas:africanismo, americanismo, tecnologia e epistemologia,Antropologia européia e urbana. Do lado brasileiro, dezprofessores cumpriram missões de um a dois meses na França.Foram os professores Arabela Campos Oliven, Ari Pedro Oro,Arthur Rambo, Claudia Fonseca, Maria Noemi Castilhos Brito(seis meses), Ondina Fachel Leal, Ruben Oliven e Sérgio AlvesTeixeira. Seus relatórios de missões mostram o quanto afreqüência em seminários e cursos na École des Hautes Étudesen Sciences Sociales e em diversas universidades, em meupróprio Laboratório no CNRS, bem como contatos individuaisde todo tipo, foram úteis para os participantes brasileiros.

Três bolsistas brasileiros ficaram muitos anos na França.Suas estadias e viagens foram financiadas pela Capes e peloCofecub. Cornélia Ekcert, Jorge Pozzobon e Maria Eunice deSouza Maciel defenderam excelentes teses de doutorado emuniversidades parisienses (Paris VII e Paris V). Por sua vez,Claudia Fonseca, sob a orientação de Colette Pétonnet, obtevebrilhantemente o título de Docteur d’ Etat ès lettres, naUniversidade Paris–Nanterre (Paris X).

Seria fastidioso enumerar a produção científica, tanto dolado francês como do lado brasileiro, devida às estadias dosparticipantes na França e no Brasil. Lembramos que um livro,Brasil e França. Ensaios de Antropologia Social, sob a direçãode Sérgio Alves Teixeira e de Ari Pedro Oro, editado em 1992,

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reuniu contribuições de onze participantes do intercâmbio.Meus colegas franceses, todos, destacaram em seus

relatórios de missão que seus alunos brasileiros em pós-graduação – cerca de uma quinzena a cada vez – mostraram-se muito motivados, muito interessados em aproveitar seusensinamentos.

Os diversos participantes desta cooperação, em sua maioria,continuam excelentes amigos até hoje. Enfim, eu diria que meuscolegas franceses e eu mesmo sempre sentimos queconstruímos conjuntamente uma relação igualitária que foiproveitosa para todos, e isso num clima de grande cordialidade,de respeito e de estima recíprocos.

Os efeitos desta cooperação contribuíram, parece-me,alguns anos mais tarde para a criação em 1991 de umdoutorado em Antropologia Social na UFRGS. O Acordo Capes-Cofecub também concorreu para que o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da mesma universidadealcançasse um lugar de primeiro plano entre os programas depós-graduação em Antropologia do País.

Enfim, não quero deixar de registrar que, infelizmente, trêsparticipantes do intercâmbio, Jean-Marie Gibbal, JorgePozzobon e Maria Noemi Castilhos Brito, faleceramprematuramente, mas eu não esqueço suas contribuições àcooperação que juntos todos nós construímos com êxito.

Jacques Gutwirth: diretor honorário de pesquisa,

Centro Nacional da Pesquisa Científica (Laboratório de Antropologia Urbana)

Assim como se deu com o professor Jacques Gutwirth, queexerceu a coordenação pelo lado francês durante toda a vigênciado projeto, na prática, o mesmo se deu comigo, pelo ladobrasileiro. Logo que passei a coordenação para o professor AriPedro Oro, em função de minha aposentadoria, o projeto não tevesua continuidade renovada. O motivo apresentado para tanto foide que já não necessitávamos de tal apoio. O que, sem dúvida, foiuma avaliação correta.

Em decorrência de um processo natural de amadurecimento,

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Jacques Gutwirth com professores do Programa, em Porto Alegre, em 1991.Da esquerda para a direita, Cornélia Eckert, Ruben Oliven, Bernardo

Lewgoy, Daisy Barcellos, Claudia Fonseca, Maria Noemi Brito, JacquesGutwirth, Ondina Fachel Leal e Ari Pedro Oro. Acervo: Sérgio Teixeira.

em 1986 o Curso de Pós-Graduação em Antropologia, Política eSociologia cedeu lugar a cursos independentes por área. Assimnasceu o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social.Sua primeira Comissão Coordenadora, definida pelo seu corpodocente, foi integrada por Claudia Fonseca, Ruben Oliven e pormim. Por sua vez, os dois me indicaram para coordenador, todosnós com mandato de dois anos, referendado pelo reitor.Terminado o mandato, fomos todos reconduzidos para um novoperíodo. Tenho bem presente que declarei, quando destarecondução, que, como coordenador, assumia o compromisso deme empenhar para a implantação do doutorado, se de fato estefosse o interesse do grupo.

Implantado o novo Programa, a preocupação da ComissãoCoordenadora foi de envidar esforços para seu fortalecimento.Para tanto, buscou-se reforçar a infra-estrutura, com destaque paraa aquisição de material bibliográfico e equipamentos para aSecretaria; estimular o desenvolvimento de projetos de pesquisas,

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o que compreendia também a publicação de resultados;intensificar a participação/organização de fóruns científicos;incorporar novos doutores e mestres com potencialidade para sedoutorarem em curto prazo. Como uma espécie de coroamentode tais esforços, se buscaria obter o reconhecimento da Capes.Com o respaldo financeiro da Finep, Capes, CNPq e Fapergs(Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande doSul), o apoio do Acordo Capes–Cofecub, e com o trabalho de todoo pessoal da Antropologia, pertencente ao Programa e/ou aoSetor, tudo foi conseguido. O relatório da comissão de avaliaçãoda Capes para o reconhecimento, integrada pela professora GuitaDebert, da Unicamp, e pelo professor Luiz Fernando Dias Duarte,do Museu Nacional/UFRJ, foi motivo de justa satisfação para nós.Além de integralmente favorável, ele consagrava nossos esforçosse perguntando como um grupo tão pequeno pôde realizar obratão avultada. O Programa de Pós-Graduação em AntropologiaSocial, mesmo tendo origem mais recente do que seus dois co-irmãos, foi o primeiro a ser reconhecido pela Capes, o que ocorreuem 1987. Obtido o reconhecimento, ficou pairando no ar, comocoisa natural, que nossa próxima meta seria a implantação dodoutorado.

No que respeita à incorporação de novos docentes, nossosesforços foram plenamente bem-sucedidos: no espaço de três anos,conseguimos junto à Reitoria cinco vagas, que foram preenchidaspor pessoal com formação plena ou em andamento. CornéliaEckert, Maria Eunice de Souza Maciel e Ondina Fachel Leal foramincorporadas em 1986. Tais admissões representam dois marcosnesta história: as primeiras admissões por concurso público e asprimeiras de mestres formados por nosso mestrado.

Como já informei o título da dissertação da última, informo ostítulos das outras, respectivamente: Os homens da mina: um estudodas condições de vida e representações dos mineiros de carvão emCharqueda, no Rio Grande do Sul e Bailões, é disto que o povo gosta:análise de uma prática cultural de classes populares no Rio Grande doSul, ambas de 1984. Na oportunidade, como já indicado, Ondinacursava doutorado na Universidade da Califórnia/ Berkeley, queconcluiu em 1989, com a tese The Gaúchos: male culture and identity

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in the Pampas. Cornélia e Maria Eunice, como já disse Gutwirth,concluíram seus doutorados na Universidade de Paris V, naFrança. A primeira com a tese Une ville autrefois miniére: étudeanthropologique, la Grand-Combe, France, em 1992. A segunda coma tese Le gaúcho brésilien – identité culturelle dans le sud de Brésil,em 1994.

A abordagem do ingresso de Cornélia e Ondina comoprofessoras da Antropologia na UFRGS, em trabalho sobre suahistória, por parte de quem as conhece por dentro, torna da maiorconveniência abordar um dado da atuação de ambas, em conjuntocom outras colegas, da segunda turma de nosso mestrado, comingresso em 1981.

Refiro-me ao Grupo de Estudos de Antropologia Simbólica ouGEAS, como era comumente referido. O GEAS, criado eimpulsionado por elas, em conjunto com Ana Luiza Carvalho daRocha e Léa Peres, e que mais tarde incorporou Carmen Sílvia Rial,Flávia Rieth e Bernardo Lewgoy, foi responsável pela realizaçãode importantes painéis para o estudo de Antropologia Simbólica.Mostrando a competência e o dinamismo de seus responsáveis, osPainéis do GEAS, a um só tempo, contavam com a participaçãocomo painelistas de renomados antropólogos brasileiros e atraíama atenção de numerosos estudiosos do tema.

A reprodução a seguir dos cartazes que divulgam os painéismostra de modo adequado suas preocupações e qualificação dospainelistas. Em seu gênero, o GEAS foi uma experiência única.

Em 1989, também por concurso público, foram admitidos AriPedro Oro e Luis Ricardo Michaelsen Centurião. O primeiro, jánosso professor com bolsa de recém-doutor, titulado em 1985 pelaUniversidade de Paris III, França, com a tese Un mouvementmessianique en Amazonie Brésilienne: le mouviment de la Sainte Croix.Como ele, têm início as pesquisas na área de religião. O segundo,com mestrado pela UFRGS, em 1986, com a dissertação Relaçõessociais em estabelecimentos penitenciários. Em 1997, concluiu odoutorado na PUCRGS, em Porto Alegre, com a tese A cidadecolonial no Brasil.

Recuando um pouco no tempo, na mesma época em que sedeu a separação dos cursos de pós-graduação, e com a mesma

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motivação, em reunião do colegiado do Departamento de CiênciasSociais, apresentei, com registro em ata, e em nome do Setor deAntropologia, sua determinação de realizar as gestões necessáriaspara se transformar em Departamento de Antropologia. Poucodepois, os setores de Política e Sociologia também manifestarama mesma disposição. Após muitas marchas e contramarchas, em1993 foram criados os três departamentos.

O primeiro chefe do Departamento de Antropologia foi aprofessora Maria Noemi Castilhos Brito, eleita por unanimidade.Aposentada por motivo de doença, foi substituída pela professoraDaisy Barcellos, que, ao ser eleita chefe do Departamento deCiências Sociais em 1986, foi a única mulher e o únicorepresentante da Antropologia a ocupar tal cargo. Ela foireconduzida para um novo mandato.

Com a criação do Departamento, entre outras

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responsabilidades, coube a ele o gerenciamento das aulas noscursos de graduação, na qual, desde sempre, atuam todos os seusintegrantes. Tal gerenciamento se dava em termos bastanteteóricos, porque, na prática, os professores continuaram atuandocom quase total autonomia, como sempre ocorreu. Na graduação,a Antropologia é oferecida para os cursos de Ciências Sociais,Filosofia, Geografia, História, Nutrição e Odontologia.

O reconhecimento do Programa de Pós-Graduação emAntropologia Social pela Capes e a criação do Departamento deAntropologia são os marcos que assinalam o encerramento destaterceira fase de grandes mudanças.

A QUARTA GRANDE MUDANÇA: A IMPLANTAÇÃO DO CURSO DE DOUTORADO

Esta, que é também a última etapa das grandes mudanças naAntropologia da UFRGS centradas nas atividades de ensino epesquisa consideradas neste trabalho, tem como ponto departida a implantação de seu curso de doutorado.

No final de meu segundo mandato como coordenador doPrograma de Pós-Graduação em Antropologia Social, em 1990,e fiel ao compromisso que me impus em seu início, reuni todosos professores do Programa para que avaliássemos a disposiçãoe conveniência da implantação do doutorado.

Como, para todos nós, trabalhando com a dedicação desempre e com publicações crescentes, embora quase não sefalasse no doutorado, o tema estava muito presente, as respostasàquelas questões, como esperado, foram positivas. Em razão doque, na mesma reunião, foi formada uma comissão integradapor Ari Pedro Oro, Claudia Fonseca e Ondina Leal paraapresentarem uma proposta de currículo, a ser apreciada portodo o grupo, em reunião já marcada para dali a três semanas.Confirmando o amadurecimento da idéia e a disposição de darandamento acelerado ao projeto para sua implantação, já nasemana seguinte a comissão apresentou sua proposta, a qual,devidamente apreciada, foi aprovada numa terceira reunião, namesma semana.

Bem historiando os fatos, me imponho uma confidência.

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Como entendi que a proposta poderia ser prejudicada pelotempo tão curto em que, de fato, tudo foi definido, com a plenaaprovação dos colegas e, para os efeitos da montagem doprocesso, tal prazo foi ampliado. Para tanto, foram alteradas asdatas das atas das reuniões em que a questão foi levantada,discutida e aprovada. Tais atas integrariam o processo para acriação do curso de doutorado a ser submetido à apreciação daCâmara de Pós-Graduação e Pesquisa.

O interesse e a colaboração da professora Victoria Herskovits,da área da Física, e presidente daquela Câmara, contribuírampara sua rápida e favorável manifestação. Em reuniões comnosso grupo, ela nos deu preciosa orientação a respeito damontagem final do projeto. Empenhei-me denodadamente paravê-lo aprovado ainda em minha gestão, o que se deu no âmbitoda Universidade.

Todavia, mesmo que, sob o ponto de vista legal, fossesuficiente a aprovação da Universidade para sua implantação,resolveu-se, inclusive com a recomendação daquela Câmara,submeter o processo à apreciação da Capes. Sua aprovaçãotornaria viável a obtenção de bolsas para nossos futuros alunos.

Transcorrido quase um ano, como a Capes não semanifestasse, não obstante nossa insistência, o curso foiimplantado em 1991. Iniciou-se, assim, formalmente, a terceirafase da pós-graduação em Antropologia Social na UFRGS. Naépoca, a comissão coordenadora do Programa era composta porClaudia Fonseca, Ari Pedro Oro e Ruben Oliven, sob acoordenação da primeira.

Bem depois, recebemos, por fim, a manifestação da Capes,através dos relatórios de dois consultores. Os relatórios eramconflitantes. Enquanto um, no conjunto, era favorável e sugeriamedidas para superar problemas menores, o outro eratotalmente negativo, expresso em redação desrespeitosa,agressiva e mesmo raivosa.

Em face da situação, buscou-se junto à Capes o envio de umacomissão de consultores para, in loco, discutir a questão. Vierama professora Marisa Peirano, da UnB, e o professor OctávioGuilherme Velho, do Museu Nacional/UFRJ. Avaliadas todas

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as questões e incorporadas as sugestões dos consultores, o cursoobteve a recomendação da Capes em 1993. As principaissugestões daqueles consultores foram a inclusão de estudoscamponeses e de sociedades indígenas no currículo do curso.

Como se deu quando da criação do mestrado, o professorOctávio Guilherme Velho também proferiu a aula inaugural queimplantava o doutorado, já recomendado pela Capes. Na páginaseguinte, é reproduzida a folha de abertura de um álbumcomemorativo aos 25 anos do Programa de Pós-Graduação emAntropologia Social. A composição com a máscara33 nela presente éa logomarca do Programa, criada na Faculdade de Arquitetura daUFRGS, nos anos 1980, por solicitação de Claudia Fonseca e minha.

A primeira tese defendida no Programa foi a de Maria CristinaGonçalves Giacomazzi, em 1997, com o título de O cotidiano daVila Jardim: um estudo de trajetórias, narrativas biográficas esociabilidades, sob o prisma do medo na cidade (Porto Alegre, RS). Suabanca examinadora foi composta pela orientadora, professoraCornélia Eckert, e pelos professores Hélio Raymundo Silva, daUFSC, Claudia Fonseca, José Vicente Tavares dos Santos e MariaElizabeth Lucas, todos da UFRGS.

Até fevereiro de 2006, foram titulados 26 doutores.Embora, em termos de corpo docente, a implantação do

doutorado tenha se dado em condições mais favoráveis do quese deu com o mestrado, todos tinham presente a necessidade defortalecê-lo. O que foi feito desde logo, seguindo os mesmosprocedimentos básicos mobilizados para fortalecer o corpodocente do mestrado: incorporação de novos doutores, efetivosou como visitantes. No caso dos primeiros, por via de concursopúblico e pelo apoio e estímulo a todos os integrantes doPrograma/Departamento de Antropologia a se doutorarem. Aisto se somam também o apoio e o estímulo a todos os seusdocentes na realização de pesquisas/divulgação de seusresultados, estágios de aperfeiçoamento e de ensino em outroscentros avançados, como Califórnia/Bekerley, Sorbonne e Oxford,

33. Reproduzida da ilustração de capa do livro Las formas elementales de la vida religiosa,de Émile Durkheim, da Editora Shapire, Buenos Aires, 1967.

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bem como à participação em eventos e fóruns acadêmicos noBrasil e no exterior.

Assim, em curto tempo, foi institucionalizado um amplosistema de intercâmbio com múltiplos centros. Num sistema decausa e efeito, a estes fatos se agregou uma produção acadêmicaexpressiva pelo conjunto de seu pessoal, publicada no Brasil e noexterior, além de publicações institucionais do Programa. Estasserão consideradas adiante.

O resultado dos trabalhos desenvolvidos pelo Programa dePós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS tem plenaexpressão na sua classificação pela Capes como de nívelinternacional, com conceito 6, por sua última avaliação, divulgadaem 2005.

Com a apresentação a seguir da composição do Departamentode Antropologia e do corpo docente do PPGAS, suas linhas depesquisa e dos órgãos que o compõem, concluo a parte da Históriada Antropologia na UFRGS mais diretamente voltada para suaimplantação, composição, organização e práticas acadêmicas.

INTEGRANTES DO DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA E DO CORPO DOCENTE DO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL DA UFRGS

Ari Pedro Oro. Doutor, Université de Paris III, França, 1985. Áreade atuação: religião e minorias étnicas.

Bernardo Lewgoy. Doutor, Universidade de São Paulo, 2000.Área de atuação: religião e modernidade, cultura escrita e práticasde leitura, sociedade e cultura no Brasil.

Caleb Farias Alves. Doutor, Universidade de São Paulo, 2001.Área de atuação: cultura, arte e direitos humanos.

Carlos Alberto Steil. Doutor, Universidade Federal do Rio deJaneiro, 1995. Área de atuação: religião, turismo, movimentos sociaise modernidade.

Ceres Gomes Víctora. Doutora, Brunel University, Inglaterra,1996. Área de atuação: Antropologia do corpo e da saúde.

Claudia Lee Williams Fonseca. Doutora, Université de Paris V,1981, e Université Paris X, 1993, ambas na França. Área de atuação:

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família e parentesco, relações de gênero, Antropologia do Direito.Cornélia Eckert. Doutora, Université de Paris V, França, 1992.

Área de atuação: Antropologia e envelhecimento, memória e espaçosocial, cultura operária, sociedade e meio ambiente, métodos etécnicas de pesquisa etnográfica.

Daisy Macedo de Barcellos. Doutora, Universidade Federaldo Rio de Janeiro, 1996. Área de atuação: minorias étnicas eAntropologia Rural.

Daniela Riva Knauth. Doutora, École des Hautes Études enSciences Sociales, Paris, 1996. Área de atuação: Antropologia doCorpo e da Saúde.

Denise Fagundes Jardim. Doutora, Universidade Federal doRio de Janeiro, 2001. Área de atuação: etnicidade, migrações,família e parentesco.

José Otávio Catafesto de Souza. Doutor, Universidade Federaldo Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1999. Área de atuação:Antropologia Indígena.

Luis Ricardo Michaelsen Centurião. Doutor, PUCRS, Brasil,1993. Área de atuação: por decisão própria, só atua na graduação.

Maria Elizabeth Lucas. Doutora, University of Texas, Austin.Estados Unidos, 1990. Área de atuação: Etnomusicologia,Antropologia da Música e performance.

Maria Eunice de Souza Maciel. Doutora, Université de Paris V,França, 1994. Área de atuação: cultura e identidade no Brasil,Antropologia da Alimentação.

Marilda Batista. Doutora, Université de Paris X, França. Áreade atuação: Antropologia Visual e Fílmica, rituais e religião;

Ondina Fachel Leal. Doutora, University of Califórnia, Berkeley,Estados Unidos, 1989. Área de atuação: Antropologia do Corpo eda Saúde, comunicação de massa, cultura popular, gênero eidentidade masculina, métodos e técnicas de pesquisa etnográfica.

Ruben George Oliven. Doutor, University of London, Inglaterra,1977. Área de atuação: cultura brasileira, identidade nacional eregional, globalização e cultura.

Sérgio Baptista da Silva. Doutor, Universidade de São Paulo,2001. Área de atuação: Etnologia Indígena, Etnoarqueologia,patrimônio material, Antropologia Estética.

Veriano de Souza Terto Júnior. Doutor, Instituto de MedicinaSocial da UERJ, 1997. Área de atuação: Antropologia do Corpo eSaúde, sexualidade e movimentos sociais.

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L I N H A S D E P E S Q U I S A

Antropologia da Religião; Antropologia Visual e da Imagem;Direitos humanos, cidadania e política; Etnicidade e identidade;Etnomusicologia, arte e performance; Gênero, corpo e saúde; Meioambiente e territorialidade; Patrimônio cultural, alimentação eturismo; Sociedades indígenas e tradicionais; Urbanização,sociedade e cultura no Brasil.

Órgãos que compõem o PPGAS:Laboratório de Antropologia SocialNúcleo de Antropologia e Cidadania — NACINúcleo de Estudos em Antropologia Visual — NavisualNúcleo de Estudo da Religião — NERNúcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e

Tradicionais — NIT.Núcleo de Antropologia do Corpo e da Saúde — NupacsNúcleo de Pesquisa sobre Culturas Contemporâneas — Nupecs

Para dar a esta história a abrangência a que me propus,pensando em oferecer aos leitores um conjunto de dados parasuas informações e análises, abordo ainda outros três temas: arevista Horizontes Antropológicos; as Reuniões de Antropologia doMercosul – RAM – e as lideranças e o ethos da Antropologia daUFRGS.

H O R I Z O N T E S A N T R O P O L Ó G I C O S

Horizontes Antropológicos, cujo primeiro número foi publicadoem 1995, assinala a concretização de um projeto de longo prazodo Programa: a edição regular de uma revista.

A concretização de tal projeto foi estimulada pelo desafioapresentado pelo professor José Vicente Tavares dos Santos,quando pró-reitor adjunto de Pesquisa e Pós-Graduação daUFRGS, para a criação de uma revista, com suporte do Programade apoio à editoração de periódicos do CNPq.

Horizontes Antropológicos tem raízes em duas outras publicações

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Reunião de trabalho na sala da coordenação do Programa.Da esquerda para a direita: Ruben George Oliven, Maria de Souza EuniceMaciel, Denise Fagundes Jardim, Ari Pedro Oro, Oscar Aguero, Bernardo

Lewgoy e Ceres Gomes Víctora. Acervo: PPGAS-UFRGS.

do Programa. Uma é o Cadernos de Estudos, vindo do tempo doCurso de Pós-Graduação em Antropologia, Política e Sociologia,e encerrado em 1989. Mimeografado, de aparência modesta e comtiragem reduzida, chegou a 14 números. A outra é Cadernos deAntropologia, surgida em 1990 e encerrada em 1994. Com boaqualidade gráfica, inclusive com capa em cores, e com tiragemem torno de 200 exemplares, teve 12 números publicados. Suascapas estão reproduzidas na página seguinte.

A disposição para a criação de uma revista estava de tal modoamadurecida, que o desafio foi aceito de imediato. Decidiu-seencerrar a publicação de Cadernos de Antropologia e lançarHorizontes Antropológicos. Afim com esta disposição, todo oprocesso que levou à definição do formato, normas, etc. da revistafoi definido com presteza. Sem incorrer em exagero, pode-se dizerque as questões eram resolvidas na hora em que se punham, semperda de tempo com vaidades pessoais ou com discussõesbizantinas. Assim, como eu já era o editor de Cadernos de

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Antropologia, pareceu natural que assumisse a responsabilidadede editor da nova publicação.

A mesma presteza também se deu com a escolha do nome darevista: ao preencher o formulário com informações básicas sobreo novo periódico, formalizando a aceitação daquele desafio, meocorreu que Horizontes Antropológicos seria melhor do que o nomeantes escolhido (o qual não lembro) pela Comissão Editorial,composta por Cornélia Eckert, Ondina Fachel Leal, Ruben GeorgeOliven e Sérgio Alves Teixeira. Consultados na hora eindividualmente seus integrantes, concordaram com a sugestãoapresentada, e de imediato o novo nome foi adotado.

Como se vê na apresentação de sua linha editorial, HorizontesAntropológicos é um periódico semestral, com números temáticosabertos à pluralidade de interpretações e de temas que possaminteressar à Antropologia para a compreensão dos fenômenossocioculturais. Ele também apresenta uma seção denominadaEspaço Aberto, voltada para temas que não estejam diretamenterelacionados com o do respectivo número.

A partir de 2001, o professor Carlos Alberto Steil, incorporadoà Antropologia da UFRGS em 1996 (por transferência daUniversidade Federal Fluminense, onde foi admitido porconcurso público), passou à condição de editor, juntamentecomigo. Como tal, sua contribuição foi importante para disciplinara montagem/impressão da revista e adequá-la às exigências dosórgãos de fomento à pesquisa no País e dos bancos de indexaçãode periódicos científicos, tanto no País como no exterior,favorecendo a expansão de sua rede de colaboradores em nívelnacional e internacional.

Seu trabalho para o aprimoramento de HorizontesAntropológicos e seu conseqüente reconhecimento, por parte dacomunidade de antropólogos, cientistas sociais e acadêmicos deáreas afins foram da maior importância para levá-lo ao patamarde “Periódico Internacional A”, pelo último julgamento do Qualisde Periódicos Científicos da área de Antropologia da Capes, noperíodo de 2001–2003.

A partir de 2003, Horizontes Antropológicos conta com umapágina na internet, onde são publicadas as referências dos seus

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artigos, com seus respectivos resumos, abstract e palavras-chave,ao lado de outras informações de orientação para possíveiscolaboradores. No mesmo ano, Horizontes Antropológicos passoua integrar, com a publicação do v. 9, n. 20, o SciELO–ScientificElectronic Library Online (Biblioteca Científica Eletrônica emLinha), apresentando, assim, ao lado da versão impressa em papel,sua versão eletrônica, como parte da cooperativa de periódicoscientíficos na internet, especialmente desenvolvida pararesponder às necessidades da comunicação científica nos paísesem desenvolvimento e particularmente na América Latina e noCaribe. Desde então, a cada ano, além das publicações dos novosvolumes, os volumes anteriores a 2003 vêm sendo paulatinamentepublicados on-line.

Em 2005, Horizontes Antropológicos foi selecionado para integrara edição em inglês da Biblioteca Virtual dos Periódicos CientíficosLatino-Americanos de Ciências Sociais – a SciELO Latin AmericanSocial Sciences Journals English Edition, tendo, assim, parte de seuconteúdo, originalmente em português, traduzido para o inglês. Oobjetivo dessa biblioteca é aumentar a visibilidade, acessibilidade,uso e impacto das revistas brasileiras de Ciências Sociais.

Desde a publicação de seu primeiro número, em 1995, sobre atemática de gênero, organizado por Claudia Fonseca e MariaNoemi Castilhos Brito, até o número 24, jul./dez. de 2005,Horizontes Antropológicos foi publicado sem solução decontinuidade. O número 25, jan./jun. de 2006, com o temaAntropologia e meio ambiente, organizado por Cornélia Eckert,Ana Luiza Carvalho da Rocha e Isabel C. M. Carvalho, em fasefinal de montagem, deverá ser lançado na mesma reunião da ABApara a qual também está programado o lançamento deste livrosobre a história da Antropologia na Região Sul do Brasil, em junhopróximo, na cidade de Goiânia.

Sem desconsideração por qualquer das normas seguidas porHorizontes Antropológicos, com tão bons resultados, dentre elasdestaco duas. Uma é a divulgação, na quarta capa, dos temas erespectivos organizadores dos próximos três números, comoregra, definidos com antecedência mínima de dois anos. A outraé a ilustração de suas capas com motivos afins com o tema dos

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respectivos números. A primeira compromete desde cedo osorganizadores com seus respectivos números, faz boa divulgaçãode seus temas e favorece a ampliação do universo de possíveiscolaboradores. A segunda faz com que as capas sejamindividualizadas e bonitas. Ambas concorrem para uma saudávelcompetição, em benefício da revista. Na página seguinte, tem-seuma amostra de suas capas.

Mesmo que a RAM e as Reuniões da ABA e da Anpocs, pelosseus numerosos e especializados participantes, por si só, seconstituam em espaços privilegiados para a comercialização edivulgação de Horizontes Antropológicos, tal situação se torna aindamais favorável pela atuação, marcada pela competência, pelointeresse e bom humor de seus vendedores e promotores em taiseventos. Refiro-me a Rosemeri Nunes Feijó e a Alexandre Aguiar,os quais, como já apresentados, são, respectivamente, secretária/secretário do Programa e do Departamento de Antropologia.

Numa espécie de redundância necessária, nunca será demaisressaltar que os sucessos de Horizontes Antropológicos, até aqui eno futuro, tiveram e terão por base o trabalho de seusorganizadores e colaboradores.

A foto a seguir mostra Rosemeri e Alexandre junto à estantede Horizontes Antropológicos na VI RAM, em 2005, Montevidéu,no Uruguai.

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R E U N I Õ E S D E A N T R O P O L O G I A D O M E R C O S U L – RAM

A I Reunião de Antropologia do Mercosul – I RAM – foipromovida pelo Programa de Pós-Graduação em AntropologiaSocial /Departamento de Antropologia da UFRGS, e coordenadapor mim. O evento foi realizado em setembro de 1995, emTramandaí, cidade balneária no litoral norte do Rio Grande doSul, a cerca de 120 km de Porto Alegre. Foi determinante para aescolha do local e do mês de sua realização a disponibilidade, ali,de adequada rede hoteleira e da Colônia de Férias da UFRGS, emépoca de baixa temporada. Os antecedentes desta I RAMrecuam à Reunião da Anpocs de 1986. Na oportunidade, instigadopor nosso Programa, o Programa homônimo da UniversidadeFederal de Santa Catarina promoveu, em 1987, a I Reunião deAntropologia do Sul do Brasil, chamada de ABA-SUL ou, emlinguagem mais coloquial, de Abinha-SUL.

Para não coincidir com as reuniões da Associação Brasileirade Antropologia – ABA –, realizadas nos anos pares, as reuniõesda Abinha-SUL foram programadas para os anos ímpares. Elasdeveriam se realizar em sistema de rodízio e nesta ordem, entreos Programas/Departamentos de Antropologia da UniversidadeFederal de Santa Catarina, Universidade Federal do Rio Grandedo Sul e Universidade Federal do Paraná. Assim, no seguimento,a reunião de 1989 foi realizada na UFRGS, a de 1991, na UFPR, ea de 1993, na UFSC, novamente. Registro que em todas elas haviacrescente participação de professores e alunos dos outros paísesque, junto com o Brasil, integram o Mercosul.

De tal modo que, quando chegou a nossa vez de realizar areunião de 1995, nosso grupo entendeu natural transformá-la deregional em internacional, com o nome de Reunião deAntropologia do Mercosul. Não só aquela reunião foi bem-sucedida, como tal fórum se consolidou, como se verá.

A programação acadêmica da I Reunião, que teve por temaCultura e Globalização, foi composta por duas conferências, seismesas-redondas, 18 grupos de trabalho, uma oficina, 12exposições fotográficas e 14 mostras de vídeos. Ao todo, foramapresentadas 272 comunicações.

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A reunião contou com a presença de aproximadamente 500pessoas, de 14 Estados do Brasil e de mais 12 países, sendo 375 oscongressistas inscritos, com 55 filiações institucionais.

A conferência de abertura, proferida pelo professor Marc Augé,professor e na oportunidade também diretor da École des HautesÉtudes en Sciences Sociales, França, e intitulada “L’Anthropologieaujourd’hui”, está publicada em Horizontes Antropológicos n.3. Afoto a seguir é um registro da conferência. Da esquerda para adireita, Sérgio Alves Teixeira, Marc Augé e Claudia Fonseca.

As reuniões que se seguiram, sempre bem-sucedidas, tiverama seguinte seqüência: a de 1997, em Piriápolis, no Uruguai; a de1999, em Posadas, na Argentina; a de 2001, em Curitiba, no Brasil;a de 2003, em Florianópolis, no Brasil; a de 2005, em Montevidéu,no Uruguai. A de 2007, coordenada por Cornélia Eckert, estáprogramada para o mês de julho, em Porto Alegre, no Brasil. Asreuniões de 2009, 2011 e 2013 estão cogitadas para seremrealizadas, respectivamente, em Santiago, no Chile; Assunção,no Paraguai, e Buenos Aires, na Argentina.

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A S L I D E R A N Ç A S E O E T H O S D A A N T R O P O L O G I A :T U D O P E L A A N T R O P O L O G I A

Fruto de minha longa vivência na Antropologia da UFRGS, firmeia convicção de que, se for possível falar da presença de um certoethos a animar o conjunto dos antropólogos que ao longo do tempotêm escrito esta trajetória, o “tudo pela Antropologia,” presente notítulo acima, serve para tal. Não só por esta expressão de fato fazerparte de seu léxico corporativo, como também porque ela se efetivanão só nas tarefas básicas do dia-a-dia das atividades acadêmicas –aulas, palestras, conferências, orientações, pesquisas, publicações –conduzidas com zelo e competência, como também em momentosem que se torna indispensável, mesmo com ônus consideráveis paraseus agentes, dar “tudo pela Antropologia”. Ou também, pelo seuléxico, “carregar o piano” da Antropologia. O qual, como digo, aindaque pesado como todos os pianos, tem as alças estofadas.

Deixando o campo das metáforas, apresento quatro casosemblemáticos da materialização de tal ethos, por atuaçãoindividual ou coletiva, para enfrentar situações de maioresdificuldades.

O primeiro é Pedro Ignácio Schmitz, aposentado em 1984,continuar ministrando, sem remuneração, as aulas de teoriasantropológicas no mestrado até 1990.

O segundo é o das circunstâncias da ida de Cornélia Eckertpara Paris, para fazer doutorado, pelo nosso Projeto no AcordoCapes/Cofecub.

Concedida a primeira bolsa de doutorado para nós em 1986,era imperativo que apresentássemos um candidato, sob pena depôr o Projeto em risco. Cornélia, que havia sido admitida emmarço do mesmo ano, era nosso único candidato disponível.Mesmo pega de surpresa e sem nenhum conhecimento de francês,ela foi sensível a meu apelo, assumiu a missão, viajando emsetembro para lá, corajosamente imbuída do espírito de “tudopela Antropologia”. O modo como as coisas se passaram justificafalar em missão. Mesmo que integralmente bem-sucedida edecorrido tanto tempo, não é excessivo, novamente, agradecer ecumprimentá-la por tudo.

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Também não é demais destacar que, rompendo uma normamuito arraigada de estudantes brasileiros no exterior, de fazerempesquisas de campo para suas teses no Brasil, ela também fezpesquisas de campo na França. Elaborou uma ampla e excelentetese, comparando o universo simbólico de mineiros de carvão noBrasil e na França.

O terceiro também remete a certas circunstâncias de dificuldadesa serem superadas: as da revisão final do primeiro número deHorizontes Antropológicos. Organizadora deste número junto comClaudia Fonseca, Maria Noemi Castilhos Brito, já aposentada emdecorrência do câncer que a vitimaria em poucos meses, por sentir-se compromissada com a revista, insistiu em participar de suarevisão, na própria gráfica que fazia o trabalho de sua formataçãoe impressão. Minha esposa e eu participamos do trabalho eacompanhamos seus esforços na tarefa que se impôs.

O quarto é o oferecimento de integrantes do Programa, poriniciativa própria, para abraçarem a responsabilidade pelaorganização de números de Horizontes Antropológicos, no passadoe para o futuro, sobrecarregando-se com mais este encargo. Emmuitos casos, não cogitando de retornos práticos para suas carreiras,já consolidadas.

É imperioso registrar também, para o bem da verdade, que o“tudo pela Antropologia”, igualmente, sempre encontrou respaldoentre os alunos bolsistas e os seus poucos funcionários. Os atuaissecretários do Programa e do Departamento, que também são osde maior permanência em seus cargos, respectivamente, RosemeriNunes Feijó e Alexandre Aguiar, são, em grau maior, competentese dedicados carregadores do nosso piano metafórico.

Emendando uma coisa com a outra, também é oportuno dizerque o apoio de outros funcionários da Faculdade de Filosofia/IFCHe da Reitoria também foi e é relevante para variadas realizações daAntropologia. Especialmente nesta época em que eles e os serviçospúblicos como um todo são objetos de ataques generalizados, comoineficazes, desnecessários, onerosos e coisas no gênero, preciso dizerque minha experiência na UFRGS não corrobora tal visão. No casodos funcionários, os desinteressados e incompetentes representama exceção, e não a regra.

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Apresento agora considerações a respeito do exercício daliderança positiva na Antropologia.

Começo por uma questão que sempre me intrigou naUniversidade: a modéstia dos desafios institucionais apresentadospor ela a seus vários segmentos.

Em toda a minha vivência na Universidade, quase não vi aproposição de tais desafios. No que se refere à Antropologia,exceto pelas solicitações de gastar uma certa verba em curto espaçode tempo para evitar sua devolução por falta de uso, o únicodesafio que lhe foi apresentado foi o da criação de uma revista.

Em compensação, quase todos os desafios, individuais ougrupais que nos impusemos, quando levados às suas devidasinstâncias, obtiveram, como regra, seu apoio pronto eindispensável.

Organização de eventos internos, participação em eventosexternos, assinatura de convênios, afastamento para cursar pós-graduação, criação de cursos de pós-graduação e saídas parapesquisa de campo se incluem na lista de nossos múltiplos pleitos.Muitos foram diretamente apresentados por mim.

As modalidades de apoio também foram múltiplas, comorecursos financeiros (os menos solicitados), veículos, espaçosfísicos, facilidades administrativas. Não poucas vezes, osgabinetes de pró-reitores e do próprio reitor agiram para superarentraves administrativos, em especial fora da Universidade, comono Ministério da Educação e na Capes.

O apoio generalizado às solicitações apresentadas àUniversidade como compensação para a modéstia dos desafiospor ela propostos mostra que ela convive bem com as liderançasespalhadas por todos os seus segmentos. Digo mais, conta comelas para seu próprio crescimento.

Porque a Antropologia bem cedo compreendeu a questão, suaslideranças não se intimidaram. Ao contrário, souberam aproveitara situação para obter benefícios para a área e para elas próprias.Agora, como o quadro de desafios não se modificou e a área temmais lideranças positivas, os benefícios aumentaram. É a produçãode benefícios, mais ou menos diretos, para entidades/pessoasrepresentadas que caracteriza a liderança positiva.

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Vou me ocupar especificamente da liderança na Antropologiano período de l978 a 1992. Duas razões me levam a fazer esterecorte no tempo: porque o conheço bem e porque foi nesteperíodo que a Antropologia da UFRGS lançou bases para seconsolidar como centro avançado de investigação, comreconhecimento nacional e internacional.

Os fatos, se, por um lado, me obrigam, constrangido, a falarde mim como um de seus líderes neste período tão importante,por outro lado, também me obrigam, agora à vontade e comsatisfação, a falar de Ruben George Oliven, como seu outro líder.Em conjunto, ou separadamente, mas sempre com harmonia,lideramos a Antropologia no período. Aliás, ele continua a fazê-lo, só que agora, felizmente, com mais e competente companhia.

A percepção comum de que nossas realizações profissionaisse confundiam com o crescimento da Antropologia na UFRGS,nossa disposição para o trabalho, nossa afinidade pessoal e mútuorespeito fizeram com que nos empenhássemos harmoniosamentepor tal crescimento.

Basicamente, porque nosso trabalho beneficiava aAntropologia como um todo e porque dominávamos o trato dasquestões político-administrativas, o reconhecimento de nossaliderança, por todos os demais colegas, se deu como coisa muitonatural. A credencial de pais fundadores, que Claudia Fonsecanos atribui, espelha bem a situação.

Compartilhando afinidades e salas de trabalho, desde o tempodo cubículo, Ruben e eu aprendemos a trabalhar juntos, nostornando uma dupla muito afinada. Com extrema facilidade,tomávamos decisões e reformulávamos pontos de vista. Oentendimento comum permitia que certas decisões individuaisfossem comunicadas ao outro com a certeza de acolhimento pronto.

Precisando bem as coisas, é preciso dizer que a minha atuaçãose deu mais em nível da própria Universidade, ao passo queRuben atuou aí e também fora dela. O fato de eu não ter doutoradolimitava meu raio de ação. Ainda assim, tive alguma presençaexterna, como no Acordo Capes—Cofecub, covênios com a Finep,diretoria da ABA, quando presidida por Roque Laraia, no período1990/1992.

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Em nível interno, é de justiça dizer que a implantação domestrado, mais do que liderada por Ruben, foi uma conquistadele. Em nível externo, em instâncias como ABA, que presidiuno período de 200/2002, Finep, Anpocs, Capes, CNPq, cujoConselho Deliberativo integrou, e fóruns internacionais, suacontribuição foi maiúscula.

Como presidente da ABA, ele assumiu a responsabilidade pelaorganização de sua XXIII Reunião34, que também foi a única a serrealizada no Rio Grande do Sul. Foi total e eficiente o apoiooferecido ao evento pelo Departamento de Antropologia e peloPrograma de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS.A seguir, é reproduzida cópia do cartaz que divulga o evento.

34. A conferência de abertura foi feita pelo professor Adam Kuper, da Brunel University,Inglaterra, com o título “O retorno do nativo”, e está publicada na Revista HorizontesAntropológicos, n. 17.

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Ambicioso, habilidoso e competente, ele soube, sem jamaisdescurar de seus interesses pessoais, compatibilizá-los com os doPrograma. A construção de sua carreira, sem sombra de dúvida,a mais destacada na Antropologia da UFRGS, sempre somou parasua base institucional.

As razões indicadas para centrar considerações a respeito daslideranças no período em questão já sinalizavam que, com taldestaque, como não poderia deixar de ser, não se minimizava aatuação de outras lideranças da Antropologia da UFRGS, aliás,como já se viu. Felizmente, elas foram/são numerosas eexpressivas. Para não ficar em generalidades, basta lembrar opapel desempenhado pelo prof. Pedro Ignácio Schmitz para aprimeira grande mudança na história em questão e seu papelmaior na Arqueologia no Brasil, como foi mostrado. Acrescente-se, ainda, sobre ele o fato de ter representado, em váriosmomentos, a Arqueologia no Comitê Assessor de Ciências Sociaisdo CNPq.

Dentre outros casos pontuais de lideranças, apresento, tão-somente como ilustração: Claudia Fonseca, como presidente doComitê de Antropologia da Capes; Ondina Fachel Leal, comoresponsável pelo Programa de Sexualidade e Saúde Reprodutivada Fundação Ford, do Escritório do Brasil, assessora de Programada Fundação Ford; Maria Eunice Maciel, organizadorarepresentante no Brasil da Comissão Internacional deAlimentação; Cornélia Eckert, como secretária da ABA; todos oscoordenadores dos Núcleos de Estudos do Programa, a seremem breve apresentados.

Ainda assim, não fosse a atuação conjunta em prol de suamatriz institucional por parte de todo o pessoal da Antropologiada UFRGS, simplesmente muito pouco haveria o que neladestacar. O que importa é que, no exercício ou não de atividadesmais ou menos formais de liderança, todos sempre souberamcontribuir para sua matriz institucional comum, sem secomprometer com o corporativismo primário. Refiro-me,especialmente, à divulgação de seus trabalhos, aoacompanhamento de seus pleitos, às informações oportunas e aointeresse por consolidar/estabelecer intercâmbios.

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Penso que nestas considerações se encontra a resposta para aquestão formulada pelos consultores da Capes, a que já me referi,de como tão poucos puderam realizar tanto. Pelo que observo,felizmente, os mais numerosos de agora, também em proporção,não realizam menos.

Com a plena noção de que a continuidade de meu vínculocom a Antropologia, mesmo depois de minha aposentadoria em1992, tem raízes em seu ethos, peço que me seja permitida aafetividade e uma não disfarçada imodéstia ao considerá-lo. Estevínculo se dá por conta de afetos recíprocos entre mim e meusantigos colegas. Sentimentos que, em larga medida, sereproduzem com seus novos integrantes. Fomos unidos, afora oafeto, pela disposição de – eu perifericamente e em mínima escala– continuarmos contribuindo para seu fortalecimento, para oatendimento de legítimos interesses de seus membros e dasociedade que o sustenta e à qual serve. Por conta deste afeto,possivelmente por ter sido professor na graduação e/ou na pós-graduação da maioria deles, também sou honrado, com exageradagenerosidade, ao ser chamado de patriarca.

Para encerrar, me reporto a um episódio ocorrido na reuniãoda Anpocs de 1990.

Uma colega da UFRGS, de outra área e com boas amizadescom o pessoal da Antropologia, acercando-se ao nosso grupo,quando em amena tertúlia, disse que tinha certa raiva e inveja daturma da Antropologia, porque não nos conflitávamos, aocontrário do que ocorria em seu próprio grupo acadêmico. Apósuma pausa, disse que ainda esperava ter a satisfação de, com nossocrescimento, nos ver enfrentando conflitos semelhantes aos deseu grupo.

Como ela vaticinou, crescemos, porém sem maiorescontribuições para a segunda parte de seu vaticínio.

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R E F E R Ê N C I A S

HESSEL, Lothar Francisco e MOREIRA, Earle Diniz Macarthy.Faculdade de Filosofia: 25 anos de atividade (1942–1967). Porto Alegre:Faculdade de Filosofia, 1967.

LEITE, Luiz Osvaldo. Jesuítas cientistas no sul do Brasil. SãoLeopoldo: Editora Unisinos, 2005.

SILVA, Sérgio Baptista da et alli. Entrevista com Pedro IgnácioSchmitz. Horizontes Antropológicos, n.18, 2002.

SCHMITZ, Pedro Ignácio. O começo da Antropologia na UFRGS.Comunicação apresentada no Programa de Pós-Graduação da UFRGSem junho de 2005, em evento que assinalava o cinqüentenário dafundação da Associação Brasileira de Antropologia –ABA.

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A U T O R E S

Sílvio Coelho dos Santos é antropólogo, professor emérito (UFSC)e pesquisador sênior do CNPq, sócio emérito do IHGSC e membro daAcademia Catarinense de Letras. Foi presidente da AssociaçãoBrasileira de Antropologia e secretário regional da Sociedade Brasileirapara o Progresso da Ciência (SBPC). Publicou dezenas de artigos elivros, destacando-se Índios e brancos no Sul do Brasil (2. ed.,Movimento, 1986); Nova História de Santa Catarina (5. ed., Editora daUFSC, 2004); Os índios Xokleng: memória visual (Editora da UFSC/Univali, 1997); São Francisco do Sul: muito além da viagem deGonneville (Org.) (Editora da UFSC, 2004). Coordena o Núcleo deEstudos dos Povos Indígenas (NEPI/UFSC) e desenvolve o projeto“Hidrelétricas, Privatizações e os Povos Indígenas no Contexto doMercosul II”, com o patrocínio do CNPq.

Cecília Maria Vieira Helm é professora titular aposentada/UFPR;professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação emAntropologia Social/UFPR, com o apoio do CNPq, através de uma bolsade produtividade em pesquisa, Pp. Realizou pós-doutorado no Ciesasna cidade do México, 1979–1980. Desenvolve pesquisas sobre“Hidrelétricas e Povos Indígenas no Paraná”, notadamente na regiãodo Rio Tibagi; elaborou laudo antropológico sobre a parte em litígio daárea indígena Mangueirinha, PR, cujas terras, sub judice, vinham sendodisputadas na Justiça. Publicou livro, capítulos de livros, e vários artigossobre as relações de contato entre Kaingang, Guarani e brancos noParaná.

Sérgio Alves Teixeira é natural de Rio Pardo (RS), mestre emAntropologia Social, 1976, pela Unicamp, e membro do InstitutoHistórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Foi um dos criadores doPrograma de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFRGS eintegrante da diretoria da ABA. Dentre seus trabalhos, se destacam:Os recados das festas: representações e poder no Brasil. Rio deJaneiro: Funarte/Instituto Nacional do Folclore, 1988. Este trabalho foicontemplado com o Prêmio Sílvio Romero 1987, promovido pelaFunarte/Instituto Nacional do Folclore. Artigos: “Vestibular: ritual depassagem ou barreira ritualizada?”. Ciência e Cultura, 1981, 33, 12,1574-1580. “O simbolismo essencial das brigas de galo. HorizontesAntropológicos, n.6. Porto Alegre, PPG Antropologia Social/ UFRGS,1997. “A camisola do dia e o seu divino conteúdo.” HorizontesAntropológicos, n. 22. Porto Alegre, PPG Antropologia Social/UFRGS,2004. Áreas de interesse: rituais seculares e acusação de desvio social.

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Este livro foi finalizado em São Leonardo,Alfredo Wagner, Santa Catarina, em maio de 2006.

www.riodasfurnas.org.br

Impressão e acabamento Gráfica PallottiSanta Maria/RS, em junho de 2006.