Melodrama Contemporâneo: a atualização do gênero em A Favorita
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8/3/2019 Melodrama Contemporneo: a atualizao do gnero em A Favorita
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Universidade Federal de Minas GeraisFaculdade de Filosofia e Cincias Humanas
Graduao em Comunicao Social
Melodrama ContemporneoA atualizao do gnero emA Favorita
Frederico Ribeiro Lamgo
Belo Horizonte2009
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Frederico Ribeiro Lamgo
Melodrama ContemporneoA atualizao do gnero emA Favorita
Monografia de concluso do curso de Graduaoem Comunicao Social da
Universidade Federal de Minas Gerais
Orientadora: Prof. Dra. Simone Maria RochaUniversidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte
Faculdade de Filosofia e Cincias HumanasUniversidade Federal de Minas Gerais
Julho de 2009
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AGRADECIMENTOS
Agradeo a minha me por ter me apoiado durante este percurso mesmo sem saber o
que se estuda nessa tal de comunicao. Tambm por ter me deixado, ainda criana, assistir
a qualquer programa de televiso que quisesse e acompanhar a todas as novelas mesmo
aquelas que minha idade no me permitia ver. Essa vivncia televisiva se mostrou muito
valiosa. A todos os amigos de todos os crculos que, alm de servirem como divertimento, me
incentivaram a olhar as coisas por um vis diferente. Simone Rocha por revelar, nos
primeiros semestres, que a teoria pode ser agradvel e por ter me ajudado, como orientadora,
a concluir esse trabalho da melhor forma possvel. Por fim, a todos aqueles que, direta ou
indiretamente, estiveram presentes na minha vida acadmica.
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RESUMO
Este trabalho realizou um estudo acerca do melodrama e de suas atualizaes causadas
pela novela das oito A Favorita, de Joo Emanuel Carneiro, exibida de junho de 2008 a
janeiro de 2009, s 21h, pela Rede Globo de Televiso. O objetivo foi verificar a
possibilidade de um gnero se modificar por meio de seus formatos sem com isso perder sua
identidade. Para abordar esse tema foi preciso efetuar a exposio e delimitao de conceitos
como gnero e melodrama. Ambos sendo considerados como uma estratgia de
comunicabilidade, cujas caractersticas definidoras no so unicamente aquelas que se
encontram presentes no texto, mas tambm as que emergem tanto da esfera da produo
quanto do momento de recepo de um produto cultural. Por isso, o objeto de estudo abarcou
no apenas determinados captulos da novela, como tambm material fornecido pela crtica
especializada, opinies emitidas por profissionais envolvidos com a produo de folhetins e o
posicionamento da emissora responsvel pela novela. O resultado mostra que o formato pode,
atravs do emprego de tcnicas caractersticas do melodrama, se reinventar e,
consequentemente, renovar o gnero h muito conhecido, devido a sua vinculao com as
telenovelas brasileiras.
Palavras-chave: Gnero. Melodrama. Televiso. Novela. Vida social.
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SUMRIO
INTRODUO .............................................................................................................. 6
CAPTULO 1: A TELEVISO DE TODOS OS DIAS................................................. 81.1 Televiso e a realidade social ................................................................................. 81.2 Televiso e o domstico ....................................................................................... 12
CAPTULO 2: COMO A TELEVISO CONVERSA COM A GENTE? .................. 172.1 Gnero .................................................................................................................. 172.2 Melodrama............................................................................................................ 192.3 Maniquesmo melodramtico ............................................................................... 222.4 Os personagens melodramticos .......................................................................... 25
CAPTULO 3: A NOVELA DE TODOS OS DIAS .................................................... 293.1 Folhetim, soap-opera, radionovela e outros elementos que compem a histria datelenovela brasileira.................................................................................................... 293.2 Novela e a vida cotidiana...................................................................................... 36
CAPTULO 4: A FAVORITA...................................................................................... 41
4.1 A novela................................................................................................................ 414.2 O autor .................................................................................................................. 424.3 Corpus................................................................................................................... 434.4 Anlise textual ...................................................................................................... 444.5 Aproximao e/ou distanciamento do modelo melodramtico tradicional .......... 45
4.5.1 Modelo tripartido de contar histria............................................................. 454.5.2 Fisionomia ..................................................................................................... 454.5.3 Figuras dramticas ....................................................................................... 45
4.6 O tempo da telenovela .......................................................................................... 46
CAPTULO 5: QUEM A FAVORITA?...................................................................... 475.1 O comeo.............................................................................................................. 475.2 O incio ................................................................................................................. 525.3 O fim..................................................................................................................... 565.4 Comeo, incio e fim ............................................................................................ 595.5 Olha para mim e olhe para ela. Quem est falando a verdade? ........................ 635.6 Sem motivos para rir ............................................................................................ 685.7 O passado te condena ........................................................................................... 69
CONCLUSO............................................................................................................... 72
REFERNCIA BIBLIOGRFICA ............................................................................ 75
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Introduo
Presente na cultura brasileira h mais de cinquenta anos, a telenovela ao longo de sua
trajetria adquiriu formas bastante peculiares de contar as histrias. A princpio, quando aindamantinha forte vnculo com as narrativas dos outros pases latino-americanos, seu enredo se
resumia a embates promovidos pelo amor ou pelo dio. Com o tempo e com sua aclimatao
ao ambiente nacional passou a incorporar temas relacionados ao cotidiano da sociedade, se
distanciando de sua filiao com as obras radiofnicas cubanas.
A novela, principalmente a das oito, transformou-se no produto de maior relevo da
televiso brasileira. Dos programas fixos grade das emissoras, as telenovelas so as que
apresentam a maior audincia e as que ocupam o horrio nobre das empresas de comunicao.As novelas contemporneas brasileiras tm caractersticas que as distinguem das latino-
americanas, contudo as inovaes vivenciadas por elas datam, majoritariamente, da dcada de
1960, perodo em que os autores investiram na insero de fatos da realidade nas tramas e
cujo maior smbolo a novela Beto Rockfeller(1968). Desde ento, poucas novidades tm
sido apresentadas ao espectador.
No se trata, exclusivamente, de falta de interesse dos novelistas em transformarem o
gnero. Como o autor Slvio de Abreu declara, muito difcil inserir variantes nas tramas,
pois o pblico, geralmente, aguarda que seja reproduzido aquilo que esperado por ele. Os
telespectadores, muitas vezes, no querem ser surpreendidos enquanto assistem novela.
Inovar em novela muito difcil. O noveleiro muito conservador. (NOVELISTA..., 2008),
afirma o autor.
Por isso, quando surgiu A Favorita, que provocou fortes questionamentos tanto na
crtica especializada, na prpria emissora em que foi exibida quanto no pblico, houve um
interesse de nos debruarmos sobre essa histria para buscar o que h nela de to diferente a
ponto de tirar o espectador de uma situao confortvel, onde quase tudo previamente
sabido, e inseri-lo em um contexto de incertezas quanto ao andamento da narrativa.
Em que medida a novela A Favorita se aproxima e/ou se distancia do gnero
melodrama? Essa ser a pergunta que permear todo trabalho e nos possibilitar analisar se
estamos diante de uma obra que se utiliza de outro gnero que no o melodrama, ou de uma
trama melodramtica, porm inovadora, ou, em ltimo caso, se uma novela que
simplesmente reitera as estruturas j conhecidas do folhetim.
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Para fundamentar essa abordagem, trataremos, antes da anlise, de conceitos
indispensveis para a compreenso da telenovela e do melodrama. Tendo em vista a melhor
apreenso, nosso trabalho se dividiu em cinco captulos.
No primeiro, ser discutida a presena da televiso no cotidiano das pessoas. As
transformaes que ela causou no tecido social desde sua inveno e as formas de interao
que ela estabelece com seu entorno, influindo na rotina domstica e sendo afetada por essa
organizao familiar. O entendimento do meio essencial, pois as caractersticas de uma
telenovela so atravessadas por ele, visto que se trata de um gnero (melodrama) adaptado
para um dispositivo novo, a televiso.
A seguir, discorreremos sobre a estratgia utilizada pela tev para a interpelao de
seu pblico, o gnero, e tambm caracterizaremos as marcas que definem um produto culturalcomo sendo melodrama. O ambiente televisivo ao dividir seu fluxo em blocos genricos
jornal, reality show, programa de auditrio, novelas, etc. estabeleceu maneiras de se dirigir
ao espectador, porque este de antemo sabe o que esperar do produto e, ao mesmo tempo, se
sente no direito de cobrar quando este no se enquadra nas suas expectativas. A telenovela,
como os demais programas citados, possui essas marcas que a definem. O conhecimento
desses traos de identidade, no caso do folhetim eletrnico, s pode ser feito por meio da
cincia da estrutura melodramtica, gnero no qual ela se baseia.Tendo apresentado a televiso, o gnero e o melodrama, daremos um panorama sobre
a telenovela ao descrever suas filiaes folhetim, soap opera, radionovela e pontuar suas
obras e peculiaridades adquiridas desde sua implantao no Brasil na dcada de 1950. No
quarto captulo, ser oferecido nosso objeto de pesquisa, A Favorita, delineado qual ser o
corpus de pesquisa e propostos os operadores analticos com os quais nos atentaremos para tal
objeto. Por fim, temos a etapa de anlise de todo o material e o levantamento das distines e
similitudes queA Favorita tem em relao ao melodrama e as novelas precedentes.
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Captulo 1
A televiso de todos os dias
1.1 Televiso e a realidade social
Presente no Brasil h mais de 50 anos, a televiso, inaugurada em 18 de setembro de
1950, por Assis Chateaubriand, na cidade de So Paulo, conseguiu, com o tempo,
considervel relevo dentro do tecido social, o que pode ser apresentado de diversas maneiras.
O alcance desse meio de comunicao, por exemplo, alm de espantoso, demonstra a sua
rpida e eficiente insero nos hbitos dos indivduos. Na poca de seu lanamento havia em
So Paulo apenas duzentos receptores, nmero que aumentou para trezentos e setenta e cinco
em janeiro de 1951 (ALMEIDA apud CAMPEDELLI, 1987, p.8). Atualmente, segundo a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD) de 2007, realizada pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o aparelho televisor est presente em 94,8% dos
lares brasileiros, superando, at mesmo, o nmero de geladeiras (91,7%).
Contudo, a relevncia da televiso ser analisada, neste trabalho, por outro vis, qual
seja, o das profundas transformaes que ela gerou no dia-a-dia de seus telespectadores e da
contnua construo de modos de ver e de agir realizada por ela, que interagem com a vida
daqueles que se atm a sua grade de exibio, mais especificamente, aos seus programas.
Embora uma empreitada por demais complexa, julgamos necessrio nos aproximar de
alguma definio de televiso. Corroborando com a viso de Omar Rincn (2002),
utilizaremos a acepo deste autor, destacando que ela privilegia a parte tcnica do meio e a
composio de seu fluxo audiovisual. Entretanto, assim como ele, no consideramos que a
televiso se limite a esses aspectos. Ao longo do texto, exporemos outras facetas da tev quese somam ao carter tcnico, tais como seu papel de mediao social, instituio cultural, etc.
A televiso, em si mesma, compreendida como um sistema de distribuioaudiovisual, preferivelmente domstico, onde coexistem diversos dialetosaudiovisuais, mensagens heterogneas (noticirios, publicidade, filmes, concursos,esportes, debates, telenovelas, seriados, dramas documentrios, programas deauditrio, entrevistas) e cuja especificidade intrnseca construda pelo seu carterdireto, por essa simultaneidade entre a emisso e a recepo do programa.(RINCN, 2002, p.18)
A tev de hoje , sem dvida alguma, um dos meios de comunicao mais constantes
na vida da maioria dos indivduos. Seus produtos e sua programao condicionam, de certa
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maneira, a rotina de seus usurios. Sempre h aquele que dedica parte do dia para assistir
determinado programa de que gosta, ou ento, a pessoa que no marca nenhuma outra
atividade no dia do captulo final de sua novela favorita.
Alm disso, a televiso extrapola a tela e se faz presente tambm em outros meios.
Jornais, revistas, rdios so alguns dos veculos que tem espaos garantidos para repercutir
assuntos levantados pela tev ou para fazer crticas ao que fora transmitido por ela. A
televiso erigiu um poderoso aparato que consegue alcanar seu telespectador em diversos
momentos de sua vida e este, at certo ponto, faz questo de sua presena.
Ela se insere nos espaos privados, as casas, e concomitantemente, passa a
desempenhar um papel junto s relaes sociais a configuradas. O local onde o aparelho
colocado, a forma como se d seu uso, as conversas travadas em seu entorno e osquestionamentos suscitados pelos significados veiculados pelo meio do a ela seu carter de
elemento de nossa cotidianidade. A televiso desenvolve sua significao na e para a vida
cotidiana (SILVERSTONE, 1994, p.12).
Sua existncia est to vinculada realidade social que tem sido alvo de diversas
correntes tericas (ADORNO; HORKHEIMER, 1991; BOURDIEU, 1992; SARTORI, 2001)
que a abordam de forma demasiadamente instrumental, considerando-a apenas como uma
forma de manipular o receptor de suas mensagens. Porm, como defende Silverstone (1994),a televiso est presente nas aes dirias mais ntimas dos indivduos e seu discurso est
inserido nos diversos discursos da vida cotidiana. Por isso, se faz necessrio conceber este
meio como algo mais que uma mera fonte de influncia, simplesmente benfica ou malfica
(SILVERSTONE, 1994, p.12, traduo nossa) 1. Deve-se olhar para ele, como um sujeito
social complexo, dotado de suas formas polticas, econmicas, sociais e psicolgicas, capaz
de intervir na realidade e ser acionado por ela.
Porque, quer nos encante ou nos d asco, a televiso constitui hoje, ao mesmotempo o mais sofisticado dispositivo de moldagem e deformao da cotidianidade edos gostos dos setores populares, e uma das mediaes histricas mais expressivasde matrizes narrativas, gestuais e cenogrficas do mundo cultural popular entendendo-se por este, no as tradies especficas de um povo, mas sim ahibridizao de certas formas de enunciao, certos saberes narrativos, certosgneros novelescos e dramticos das culturas do Ocidente e das culturas mestiasde nossos pases. (RINCN, 2002, p.68)
Esta importncia da televiso em nossa vida diria faz com que a percebamos como
algo natural que sempre esteve ali, embora saibamos que isso no seja, de todo, verdade. Ela
1 este medio como algo ms que uma mera fuente de influencia, simplemente benfica o malfica.
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nos faz companhia em nossos afazeres dirios, mas importante que a vejamos como uma
construo, onde se encontram diversos atores sociais envolvidos.
A televiso nos acompanha quando levantamos, tomamos o desjejum, bebemos chou vamos ao bar. Reconforta-nos quando estamos ss, ajuda-nos a dormir, nosbrinda prazer, nos aborrece e, s vezes, nos questiona. D-nos a possibilidade desermos sociveis e tambm solitrios. A televiso, hoje, nos parece natural, emborano tenha sido assim desde o incio. Tivemos que aprender a incorporar este meio anossa vida e, atualmente, a televiso parece natural como nos parece a vidacotidiana. (SILVERSTONE, 1994, p.20, traduo nossa) 2
A integrao da TV em nossas vidas fortalecida por suas diversas significaes e por
aquilo que estas nos possibilitam experimentar. Em frente tela nos perturbamos e nos
emocionamos. Obtemos informao e, no obstante, nos vemos desinformados por dadoserrados ou uma excessiva parcialidade. Por esses motivos e tambm por tratar-se de uma
instituio essencial do Estado moderno: essa integrao total e fundamental.
(SILVERSTONE, 1994, p.20, traduo nossa) 3.
Como muito se diz, ela visa, prioritariamente, proporcionar o divertimento, mas seu
objetivo no s esse. A TV brasileira tem se apresentado como uma instncia da cultura
que deseja oferecer mais do que informao, lazer e entretenimento (FISCHER, 2006, p.18).
Ela , enquanto elemento de uma cultura, responsvel por uma rica troca de significados.Existe entre ela e seus telespectadores uma relao de cmbio, onde este recebe, interpreta e
apreende as variadas mensagens expostas pelo meio, utilizando-as na construo de uma
identidade individual e coletiva, e a televiso se faz com base no ordenamento social de quem
a assiste.
Como defende a pesquisadora Rosa Fischer (2006) em seu estudo sobre televiso e
educao, a TV que assistimos tambm nos olha. Em suas narrativas, a tev pe em jogo
acontecimentos e olhares que ora divergem, ora convergem com nossos interesses. Em
qualquer um dos casos, o que se presencia que ns sempre estamos um pouco naquelas
imagens (FISCHER, 2006, p.12), ela sempre diz algo a respeito de nossa vida.
A TV torna visveis para ns uma srie de olhares de pessoas concretas produtores, jornalistas, atores, roteiristas, diretores criadores, enfim, de produtostelevisivos a respeito de um sem-nmero de temas e acontecimentos.
2 La televisin nos acompaa cuando nos levantamos, tomamos el desayuno, bebemos um t o vamos a um bar.Nos reconforta cuando estamos solos. Nos ayuda a dormir. Nos brinda placer, nos aburre y a veces nos
cuestiona. Nos da la oportunidad de ser sociables y tanbien solitrios.Hoy la televisin nos parece natural, aunque desde luego nos sempre haya sido asi y tuvimos que aprender aincorporar este mdio a nuestra vida. La television nos parece hoy natural como no parece la vida cotidiana.3 tratarse de uma institucin esencial del Estado moderno: esa integracion es total y es fundamental.
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Quando assistimos TV, pode-se afirmar que esses olhares dos outros tambm nosolham, mobilizam-nos, justamente porque possvel enxergar ali muito do quesomos (ou do que no somos), do que negamos ou daquilo em que acreditamos, ouainda do que aprendemos a desejar ou a rejeitar ou simplesmente apreciar.(FISCHER, 2006, p.12)
Ainda de acordo com esta autora, a TV hoje uma espcie de processador da realidade
social. Tudo deve estar contido nela, tudo deve ser narrado, mostrado e significado por ela.
(FISCHER, 2006, p.16). Por essa razo, no seria errado dizer que a televiso oferece hoje ao
indivduo um campo privilegiado de aprendizagens. Atravs dela temos a oportunidade de
acesso a formas de olhar e tratar nosso prprio corpo at modo de estabelecer e de
compreender diferenas de gnero, diferenas polticas, econmicas, tnicas, sociais,
geracionais (FISCHER, 2006, p.16), ou seja, encontramos variados modelos de ser, depensar, de agir e conhecer o mundo, os quais auxiliam na composio do sujeito
contemporneo.
A televiso se elevou ao plano das complexas relaes sociais. No a toa que, como
muitos autores defendem, entre eles, Silverstone (1994) e Omar Rincn (2002), ela
constituda e constiduidora da cultura e do social. Os sentidos veiculados por ela dizem
respeito coletividade, penetram o mbito pblico e privado, interpelam as instituies
sociais e colocam a tev como interlocutor direto destas. Dessa forma, a televiso em simesma uma instituio, pois suas aes esto disseminadas nos diversos campos da
realidade, seus produtos so responsveis por gerao de sentidos e ela influi e influenciada
pelo ordenamento do contexto social.
A televiso no deve ser desligada, porque a sua presena social depende de comoas demais instituies sociais fazem seu trabalho, uma vez que a sua ao cultural diluda na medida da presena da famlia, da escola, da religio, da tradiocultural, dos partidos polticos, das formas de governos, dos costumes de ticacotidiana da comunidade. Uma sociedade no um efeito televisivo, o tecidoconstrudo por um todo social; a televiso uma dessas instituies produtoras desentido. Assim, fazer da tev algo de produtivo e propositivo para a sociedade quase impossvel fora das normas ticas e polticas que assume uma coletividade.(RINCN, 2002, p.16).
Devido a todas essas questes, o que se mostra, primeiramente, pela televiso no ,
definitivamente, o seu nico objetivo. A conciliao de imagens e sons para a diverso e a
informao dos espectadores foi um mtodo utilizado para fazer circular no seio da sociedade
significados compartilhados, sejam eles majoritariamente aceitos ou no, que se inseriro nos
discursos da vida cotidiana, podendo alter-la, no de maneira manipulatria, mas por meio
dos debates sugeridos, pelas emoes despertadas, etc. A sociedade por sua vez, atravs desse
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mesmo debate e pela reafirmao de seus valores e costumes, configurar a produo
televisiva. Tem-se com isso o constante dilogo entre atores sociais.
A partir de ento, a tela j no se enche de imagens e sons, mas de formas culturais,dos desejos coletivos, das necessidades sociais, das expectativas educacionais, dosrituais da identidade; a tev converteu-se na instituio social e cultural maisimportante de nossas sociedades. (RINCN, 2002, p.15)
Eis, portanto o pressuposto que orienta este trabalho: a televiso um elemento da
vida social, seja como produtor ou produto cultural (WILLIAMS, 1997; FRANA, 2006).
Interessa-nos neste empreendimento investigar aspectos atravs dos quais podemos
compreender a televiso como uma instituio da cultura.
1.2 Televiso e o domstico
Como fora salientado na definio de tev dada por Rincn, este dispositivo foi
pensado para ser, preferencialmente, de uso domstico. Esta caracterstica relevante, pois
precisamos entender o contexto no qual ela ser recebida e como os sentidos compartilhados
por ela modificaro a rotina do lar e, consequentemente, a vida social.A televiso faz parte da composio da casa. Pensar no domstico j inclui pensar o
lugar onde as pessoas se reuniro para assistir a programao e, um costume mais recente,
tambm planejar a localizao de receptores em locais mais ntimos em que o uso do aparelho
possa ser feito sozinho, como os quartos, por exemplo. Como afirma Silverstone, a tev se
inseriu de tal modo em nossa vida diria que hoje inconcebvel a sua ausncia, pois ela alm
de ser parte da rotina tambm uma expresso da domesticidade (SILVERSTONE, 1994,
p.51). Ela se faz necessria seja como aparelho, rudo, instituio cultural, dispositivo deestrias (RINCN, 2002, p.16).
A televiso no pode ser desligada, porque acompanha a rotina, proporciona ostemas e perspectivas de conversa, age como agente socializador que baliza oscomportamentos, critrios de valor e aprendizados bsicos. A televiso gera asexperincias, os saberes e os sonhos que fazem parte dos referenciais mais comunsque ns temos como nao e sociedade; portanto constitui o espelho social quereflete a cultura que a produz, as identidades frgeis que nos habitam, as estticasdo popular de massa e dos consensos efmeros, com os quais construmos o sentidopara a vida de todos os dias. (RINCN, 2002, p.17)
Outra consequncia de sua insero no meio domstico o confronto entre o pblico e
o privado, entre o interior e o exterior. Se essa diviso poderia ser precisa h tempos, a tev
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dilui esses limites, pois ela permite aos moradores terem acesso a tudo que ocorre alm dos
muros. Pela tela, indivduos tm contato com outras realidades compostas por valores
diversos dos seus ou semelhantes. Essas informaes passaro pelo crivo de cada um,
permitindo a elaborao de novos modos de ver, de agir sem que seja necessrio
deslocamentos. Hoje o que a televiso mais baliza so as formas que assume o sujeito, o que
mostra que no existe um s modelo, ou estilo de ser na vida, mas mltiplas maneiras de
habitar a existncia (RINCN, 2002, p.24). Tanto o igual quanto o diferente so entregues
aos espectadores na sala de estar. essa caracterstica que concede tev o seu carter de
mediao. Como explica Rincn (2002), o dispositivo mediador porque nele se encontram a
cultura, a sociedade e as subjetividades. Em um ambiente domstico, a tev proporciona a
interao de elementos presentes, idealmente, nos espaos pblicos, nas tramas sociais maisamplas.
O que trazido para dentro do lar provoca tambm variaes na forma como os
indivduos lidam com fenmenos que modelam toda a vida cotidiana. O tempo e o espao,
por exemplo, com o surgimento das tecnologias audiovisuais, com destaque para a televiso,
adquiriram outro estatuto. Tanto o ambiente domstico quanto a sociedade assumiram, atravs
do convvio com os meios de comunicao, novas formas de encar-los, aceitando condies
que antes no eram pensadas.No que se refere ao espao, a televiso promove uma nova percepo a respeito das
distncias. No necessariamente o que fica a quilmetros de ns o que se encontra mais
afastado. O distante pode ser aquele que no est em constante contato com o indivduo, o
fato que no recebe a devida ateno da mdia. Consequentemente, essa informao por
muitas vezes ignorada ou, quando pensada, considerada como algo que no faz parte da
realidade do sujeito enquanto cidado ou componente da domesticidade. Nesse processo, o
espao significativo, mas no um empecilho como o era antes dos meios audiovisuais. Adistncia entre continentes pode ser mais curta que entre casas vizinhas medida que os
meios permitem essa interao entre objetos separados territorialmente.
O tempo tambm transformado, pois as prticas televisivas trazem para dentro dos
lares a possibilidade de experincias simultneas. Ao mesmo tempo em que a dona de casa
faz seu almoo, ela pode estar recebendo informaes a respeito de acontecimentos ocorridos
do outro lado da cidade ou do outro lado do mundo. E isso feito na certeza de que o visto
representa o agora. uma transmisso instantnea. Por meio dos veculos audiovisuais o
espectador tem a chance de vivenciar um aqui e um agora que outrora no existiria ou no
seria acompanhado por ele.
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Conforme Jesus Martn-Barbero (2002), a televiso opera essas transformaes no
espao e no tempo como uma nova forma de se relacionar com a realidade.
Do espao, porque aprofunda a desancoragem que a modernidade produz nasrelaes da atividade social, com suas particularidades de presena, des-territorializando as formas de perceber o prximo e o longnquo, tornando at maisprximo o vivido distncia do que aquilo que cruza o nosso espao fsicodiariamente. E a percepo do tempo, no qual se insere/instaura a experinciatelevisiva, est marcada pelas experincias de simultaneidade e do instantneo.Vivemos uma contemporaneidade que confunde os tempos e os esmaga em cima dasimultaneidade do atual, em cima do culto ao presente, alimentado pelos meios decomunicao, especialmente a televiso. (MARTN-BARBERO, 2002, p.66)
Essa experincia com outros mundos, outros modos de agir so vividas em
profundidade e mesmo com certo prazer, porque a televiso proporciona uma imerso semriscos. A aceitao ou a negao de uma realidade est mo do espectador que pode pela
prtica dozapping interromper o fluxo. Ns, telespectadores, vivenciamos todos os dias, do
conforto da nossa cama lugar predileto para assistir televiso uma viagem segura,
porque transitar na tela ter certeza de no se perder. (RINCN, 2002, p.17).
A experincia pode ser encarada como reconfortante. Dentro de uma atmosfera
marcada pelas trocas, pelas negociaes entre os componentes e pelas incertezas comuns a
qualquer ambiente social, desponta um dispositivo que apresenta esses conflitos, os interpela,porm de forma a orden-los, a sustent-los de maneira estvel, promovendo um discurso
quase didtico.
A televiso, como vimos at aqui, oferece ao ambiente domstico modelos de
estruturao, mas vale ressaltar que a composio do lar, da famlia tambm auxiliam o
espectador na recepo das informaes veiculadas pelo meio. A famlia e todas as relaes
travadas nessa instituio social, que abarcam questes sociais, econmicas, culturais e
polticas, servem de exemplo para que os indivduos olhem para a tela e apreendam dela ossignificados.
O ambiente familiar a unidade social mais constante em nossas vidas e tambm o
espao mais propcio para o desempenho de nossas subjetividades. Como Barbero4 aponta, a
cotidianidade familiar a situao primordial de reconhecimento (MARTN-BARBERO,
2008, p.295), pois ela representa o ambiente em que os indivduos pensam e elaboram a
4 Alm da cotidianidade familiar, o autor oferece outras duas mediaes que configuram a relao dos
espectadores com a televiso: a temporalidade social e a competncia cultural. O primeiro trata da forma como ateleviso articula o tempo produtivo, gasto pelos indivduos no trabalho e o tempo do cio, caracterizado pelarepetio e pela fragmentao, em sua programao. O outro diz respeito a capacidade de identificao dosgneros veiculados pela tev.
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respeito de sua individualidade e se permitem manifestar suas aflies e frustraes. Nela as
pessoas precisam se posicionar frente aos conflitos e tambm so obrigadas a enfrentarem os
problemas da vida cotidiana. A famlia onde ocorre mais intensamente o consumo dos meios
de comunicao, alm de ser um espao preferencial de leitura e codificao da televiso. Por
isso, a recepo da tev est condicionada pelos mitos, os rituais e a hierarquia que definem
essa instituio.
Da mesma maneira que a famlia se encontra inserida em relaes sociais mais amplas,
a atividade de ver televiso deve ser tratada como uma das relaes sociais travadas pela
famlia. Desta prtica so tiradas razes tanto para a individualizao, a existncia do
espectador enquanto diferente dos demais, quanto para a socializao, a encarnao de um
grupo coeso. Pela tela, o espectador pode descobrir valores que so seus, mas que no socompartilhados por todos da famlia. Desse modo, ele percebe ou mesmo desenvolve
mecanismos que o torne nico diante daquela organizao. A tev pode servir mesmo como
um ser no mundo diferente dos demais membros. Contudo, no se trata necessariamente, de
uma medida desagregadora, pois, simultaneamente a esse processo de individualizao, o
telespectador pode iniciar a atividade de reafirmao dos seus valores. Ele pode tambm olhar
para a TV tendo por base os costumes que vigoram naquela unidade familiar.
A programao televisiva diz de uma rotina domstica a partir do momento que feitapara ser identificada por aquele que est inserido nessa unidade social. A televiso
condicionada por fatores econmicos, polticos, de gnero, idade, porque todos esses
elementos esto presentes no seio familiar e servem de modos de ver para os componentes.
Embora a TV tenda a reproduzir a organizao comum da famlia, ela introduz as alteraes
ocorridas com o passar dos anos. Exemplo disso a presena e o aumento da difuso de
famlias monoparentais, simbolizando uma nova forma de estruturao dos lares. Essa
adaptao ocorre porque tanto a televiso quanto a famlia so sistemas sociais queapresentam mobilidade e criatividade. A alterao de um influi na adaptao do outro, pois
como j reiterado neste trabalho, ambas interagem e se interpenetram.
At aqui refletimos sobre as implicaes da insero da televiso no tecido social e a
relao mtua que existe entre essa e os espectadores-cidados. Ela faz parte da rotina do lar,
dando e absorvendo informaes deste meio. uma relao diria que se concretiza por
intermdio de uma corrente de imagens e sons contnua. Trata-se do fluxo televisivo. A
maneira com que esse fluxo dialoga com o receptor diversa dependendo de cada programa
televisivo exibido. Essa distino na relao entre produto e espectador acontece, pois o fluxo
composto por gneros que variam de acordo com os horrios da grade e com os produtos
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audiovisuais. A ttulo de exemplo podemos citar alguns gneros presentes na tev, como o
programa de auditrio, o reality show, o sitcom e, o nosso objeto de estudo, a telenovela. Por
esse motivo, para prosseguir necessrio apresentar o conceito de gnero adotado e mais a
frente a acepo de melodrama, gnero do qual a telenovela emergir e se guiar em sua
histria.
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Captulo 2Como a televiso conversa com a gente?
2.1 Gnero
Teatro popular, radionovela, folhetim e telenovela so algumas das configuraes
adquiridas pelo melodrama desde sua gnese. A histria desse gnero bastante antiga e a sua
continuidade at os dias atuais pode ser justificada por constantes transformaes ocasionadas
por sua adaptao a novos meios, perodos histricos e culturas.
Esse caminho percorrido pelo melodrama passando por diferentes mdias e se
desenvolvendo em pases com caractersticas bastante distintas fez com que o gnero sofressealgumas alteraes em sua composio e se moldasse melhor s prticas dos meios e das
variadas configuraes culturais com as quais se deparou. Essas variaes do melodrama s
so aceitveis se olharmos para o gnero da forma sugerida por Jess Martn-Barbero, ou seja,
como uma estratgia de comunicabilidade ou como uma categoria cultural e no como algo
inerente ao texto previamente definido ou categorizado segundo suas caractersticas
intrnsecas.
Para Barbero (2008), o gnero instaura uma negociao entre emissor e receptor. Ele,
a bem da verdade, estabelece mediao entre essas duas instncias, a da lgica do sistema
produtivo e a da lgica dos usos. essa transao que criar as regras para a configurao do
formato e permitir o reconhecimento dele pelas partes. O autor afirma que o gnero se d
no no texto, mas sim pelo texto (2008, p.303). Nele os atores se entrecruzam e,
consequentemente, deixam sinais representativos dessa relao. [...] como marca dessa
comunicabilidade que um gnero se faz presente e analisvel no texto. (MARTN-
BARBERO, 2008, p.303)
O autor no recusa a viso que atribui instncia de produo a tarefa de seguir certos
modelos e de dar ao texto elementos referentes ao gnero pretendido. Contudo, ele acrescenta
a ela o papel da audincia na atribuio de sentido. A definio de gnero deixa de ser algo
tratado como um conjunto de componentes textuais para se transformar em produto de uma
relao social, ou seja, para envolver a criao, a circulao e o consumo de tais textos dentro
de contextos culturais. O produtor, alm de seguir as regras comuns ao gnero, precisa
tambm fazer com que o texto seja reconhecido pelo pblico. Caso contrrio, no haver a
pretensa relao.
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Essa abordagem traz o conceito para dentro da cultura. O modo de olhar o gnero
sugerido por Barbero (2008) e tambm por Mittel (2004) o interpreta como um produto
sujeito as interferncias da esfera cultural. Gnero no encontrado dentro de um texto
isolado. Ele emerge apenas das relaes intertextuais entre mltiplos textos, resultando numa
categoria comum. Ele deixa de ser estanque para dialogar e evidenciar caracterstica do
contexto no qual est imerso. A autora Silvia Oroz (1999), ao falar do melodrama
cinematogrfico, apresenta uma viso de gnero que corrobora com a adotada por Barbero.
Segundo ela,
Todo gnero um sistema coerente de sinais, convencionalmente estabelecidos eaceitos, que funciona como um esteretipo cultural com dinnica prpria, num
determinado contexto histrico. (OROZ, 1999, p.37)
Ela complementa o conceito afirmando que eles
apesar de suas regras prprias, vivem em permanente mutao, j que sendo achave para entender a cultura de massas, esto dinamicamente vinculados aocontexto histrico-cultural. (OROZ, 1999, p.48)
Essa perspectiva acaba por libertar o conceito de uma rigidez limitadora, permitindo
que ele interaja com a dinmica cultural e histrica. possvel, a partir de ento, encar-lo
no apenas como um gnero que perdura, mas tambm como algo que carrega em si
caractersticas dos embates sociais contemporneos a ele.
A considerao dos gneros como fatos puramente literrio no cultural e, poroutro lado, sua reduo de fabricao ou etiqueta de classificao nos tem impedidode compreender sua verdadeira funo e sua pertinncia metodolgica: chave para aanlise dos textos massivos [...] (MARTN-BARBERO, 2008, p.303 e 304)
Muito mais do que arranjos, cumprimento de regras de elaborao e estrutura rigorosa,
o gnero diz respeito a uma competncia comunicacional. A sua efetivao acontecer pela
interligao das duas partes envolvidas emissor e receptor -, e do reconhecimento das regras
por ambos.
Embora o melodrama, assim como tantos outros gneros, tenha passado por inmeras
adaptaes devido aos diferentes contextos em que se inseriu, ele manteve alguns elementos
que permitem, atualmente, que o caracterizemos como tal. Por trs de suas atualizaes h um
arcabouo, presente nos formatos, comum as variadas pocas e meios. Essa unidade domelodrama, que persiste com o passar do tempo, justifica a opo de analis-lo neste trabalho
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com base em consideraes feitas por autores a respeito tambm do folhetim, do cinema
melodramtico, da radionovela, da telenovela, do teatro, entre outros. Encaramos essas
configuraes como variaes de um mesmo gnero. Portanto, no h razes para trat-los
como substancialmente diferentes. Recolher caractersticas comuns a todos possibilita melhor
mapeamento da unidade melodramtica.
2.2 Melodrama
O melodrama esteve, desde seu princpio, vinculado ao popular. Suas manifestaes
sempre foram vistas pelas elites como sinnimo de mau gosto e deturpao artstica. Arelao estabelecida com as classes mais baixas fez com que o gnero se baseasse na
simplicidade e na clareza. Isso porque ele dialogava com um pblico pouco alfabetizado que
dificilmente se interessaria por um texto rebuscado e empolado. Como afirma Gilbert de
Pixerecourt, um dos principais autores melodramticos do sculo XVIII, o gnero era escrito
para os que no sabem ler. (PIXERECOURT apud MARTN-BARBERO, 2008, p.164).
Essa condio do melodrama, de se dirigir aos analfabetos, exigir dele uma
conformao a estruturas bastante claras que possibilitem o entendimento rpido. Suasnarrativas devero eliminar os obstculos a compreenso. Por isso, as histrias
melodramticas apelam, em sua grande maioria, para o modelo tripartido de se contar fbulas,
tendo, claramente demarcados, o incio, o desenvolvimento e o fim.
O intuito do gnero no ser o de gerar reflexo ou o de discutir a exausto temas da
poca. A estrutura montada visa principalmente interpelar o pblico mediante relao direta
com os sentidos. No toa, o melodrama quando adequado ao cinema foi denominado como
filmes para chorar.Essa faceta do gnero j era apontada por Aristteles, quando este afirmava ser o
melodrama responsvel por veicular o pranto inspirando a piedade e o temor necessrios
para atuar como catarse legtima de tais emoes. (OROZ, 1999, p.13). A explorao da
emoo no acontecia gratuitamente. O melodrama, principalmente o desenvolvido no sculo
XVIII, conviveu com diversas revolues - Industrial e Francesa - que mudaram
significativamente as condies do popular, tirando algumas das seguranas das altas classes.
A intensa relao estabelecida com o povo foi percebida por aqueles que o tinham como
produto da degenerescncia artstica e, por isso, o gnero foi visto como uma alternativa para
se difundir conceitos morais das elites.
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Esta afirmao no implica dizer que o melodrama tenha sido criado para satisfazer o
interesse de uma burguesia ameaada, mesmo porque ele j existia antes disso. Muito menos
que cumpria integralmente aos anseios destes. Como destaca Barbero, antes de ser um meio
de propaganda, o melodrama ser o espelho de uma conscincia coletiva (MARTN-
BARBERO, 2008, p.164). Contudo, ele foi utilizado tambm para esses fins, veiculando no
apenas ideologias de classe, como tambm religiosas e diversas outras. Segundo Oroz, o
sentimentalismo conservador e a preocupao moralizante fazem parte da estrutura formal e
ideolgica relativa ao melodrama cinematogrfico. (1999, p.20)
A simplificao da obra e a necessidade de emocionar acarretar mudanas tambm
nos elementos que compem o espetculo. Os formatos anteriores ao melodrama, ou mesmo
os gneros contemporneos a ele e cultuados pela crtica letrada, tinham na retrica verbal aprincipal ferramenta para se alcanar o pblico. Eram textos densos geralmente retirados da
cultura literria.
O melodrama subverter essa lgica tirando a primazia do texto e transportando-a para
a encenao. Efeitos visuais e sonoros tero, mais do que a fala, a tarefa de transmitirem os
significados das aes efetuadas. O que se paga o que se v (apud MARTN-BARBERO,
2008, p.165), aponta um crtico do sculo XVIII. Da a peculiar cumplicidade com o
melodrama de um pblico que no procura palavras na cena, mas aes e emoes.(MARTN-BARBERO, 2008, p.164).
Outro detalhe oriundo da preocupao do gnero em ser inteligvel e emocionante a
tessitura de um enredo pautado por dicotomias. Uma anlise, mesmo que superficial, dos
textos melodramticos pode comprovar isso. Os binmios vcios e virtudes, bem e mal,
correto e errado, etc., do o ritmo da histria e propiciam mais facilmente uma tomada de
partido por parte do pblico. O gnero tem nessa diviso clarividente uma ferramenta para
abolir as ambiguidades e, consequentemente, destacar a diferenciao de um comportamentomoral aceitvel daquele recusado socialmente.
O sistema binrio permite a trama se desenvolver sobre histrias de transgresses e
punies. Os personagens divididos pela lgica maniquesta entre viles e heris representam
o mal que, a todo o momento, nega ou vai de encontro s convenes sociais e o bem, que
sofre durante todo o espetculo com as investidas dos malfeitores. Ao fim de tudo, as
situaes se solucionam cabendo aos heris comemorarem a restituio do status quo que
simboliza o mundo harmonioso outrora desfeito pela apario do mal.
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A comprovao da moral tornou-se no melodrama o caminho para deixar o pblico a
flor da pele. A catarse se dava ao mesmo tempo em que este percebia a manuteno dos
valores com os quais erigiu sua vida.
Certamente, a juno moral-catarse, que estimulava a sensibilidade, era responsvelpelo envolvimento e identificao da platia, que aplaudia e chorava emocionadadiante da derrota ou castigo do vilo e da premiao dos bons e da vitria do bem.(MEIRELLES, 2007, p.5)
A necessidade de repercutir aes moralizantes se faz to presente nos formatos
melodramticos que, como aponta Silvia Oroz (1999), a indstria cinematogrfica latino-
americana elaborou trs preceitos aos quais todas as produes necessitavam se empenhar
para cumprir. Eles so: no se produziro filmes contra os princpios morais do pblico;
sero apresentados corretos modelos morais de vida e a lei no ser ridicularizada nem se
poder despertar simpatia por sua violao. (OROZ, 1999, p.33).
Devido a essas regras do gnero, as personagens tendero ao esvaziamento, ou seja,
eles no devero carregar em si todas as complexidades da vida humana. Pelo contrrio, lhes
ser negado o carter psicolgico para que se tornem objetos planificados de fcil
interpretao. Como dito anteriormente, elas representaro no uma pessoa em todas as suas
dimenses, mas sim, sero o signo de um dos lados conflitantes, o bem ou o mal. Comoassinala a pesquisadora Clara Fernandes Meirelles, os personagens expressam
exageradamente seus julgamentos morais sobre o mundo. (MEIRELLES, 2007, p.7)
Meirelles sintetiza essas caractersticas do gnero da seguinte maneira:
A linguagem clara, que utiliza recursos de fcil compreenso para demonstrar otriunfo da moralidade e da virtude, uma das caractersticas que contribuem paratal popularidade. (MEIRELLES, 2007, p.7)
A conjuno dos elementos conduz a uma construo exagerada das cenas. possvel
perceber por meio da representao, dos sons e das falas a reiterao de um mesmo sentido. O
apelo redundncia uma garantia de que o pblico estar ciente do que se passa em cena,
eliminando, na medida do possvel, leituras divergentes. a tentativa de que nada passe
despercebido ao pblico.
A ela [linguagem simples] alia-se a hiprbole, o desejo de expressar tudo: os
personagens em cena dizem o indizvel, do voz aos sentimentos mais profundos,dramatizam atravs de palavras e gestos a lio completa de sua relao.(MEIRELLES, 2007, p.7)
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Esses elementos presentes no melodrama surgem em conformidade com o gosto
popular. Ao contrrio do que muitos crticos afirmaram e continuam a faz-lo, o gnero no
impe uma forma de ver ao pblico, pelo contrrio,
a retrica do melodrama que tende a assinalar reiteradamente, o mesmo significadoatravs de dilogo, da encenao, da insistncia musical, etc. est estreitamenterelacionada com o gosto popular e sua necessidade de reafirmao conceitual.(OROZ,1999, p.32)
Mesmo sendo um gnero renegado, em todas as pocas, pela crtica e por boa parte da
classe alta, o melodrama um dos poucos que conseguiu reunir em seu pblico um nmero
to grande e to diversificado de pessoas. A simplificao buscada por ele e seu forte apelo
emocional possibilita a identificao de indivduos localizados em contextos sociais
diferentes. As histrias e mundos criados permitem uma agradvel projeo psicolgica nos
leitores de diferentes classes sociais. (OROZ, 1999, p.24). Os mundos criados no melodrama
so pautados pela aceitao social. Arnold Hauser ao discutir a novela de folhetim deixa bem
clara essa questo da juno de diferentes pblicos dentro do melodrama. Trata-se de uma
nivelao do pblico. O gnero consegue, atravs de suas tcnicas, que variadas classes se
reconheam em sua trama. Tanto que nunca uma arte foi to unanimemente reconhecida
pelos mais diferentes estratos sociais e culturais e recebida com sentimentos to similares.(HAUSER apud OROZ, 1999, p.23).
2.3 Maniquesmo melodramtico
A valorizao da virtude e o castigo dos vcios um dos componentes da estrutura do
melodrama. No possvel alegar a existncia do gnero sem que se verifique essa divisofortemente marcada. O embate entre duas foras j se mostra no incio de qualquer obra. O
antagonismo a justificativa da histria. Atravs da estrutura tripartida de incio, meio e fim
tem-se as fases de apresentao do antagonismo, confronto e vitria do bem sobre o mal.
Toda trama pautada pela perseguio. O comeo de tudo acontece com o
aparecimento do vilo. Em muitos casos, ele j existe entre os personagens, mas no
transcorrer da histria ele encontra razes para suas atitudes malvolas. As motivaes
encontradas pelo malfeitor so inmeras, podendo ser conduzido por sentimentos tidos comonegativos, por exemplo, a inveja, ou mesmo sentimentos nobres, porm desmesurados, como
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o amor. Este personagem bastante simblico, pois interfere em um mundo que at ento era
harmonioso. A virtude era a base de tudo e, por meio dela, as pessoas conseguiam viver em
paz. Ele desequilibra um mundo ideal.
Os esforos narrativos, portanto, sero canalizados para a restituio da estabilidade
existente antes das vilanias cometidas. O retorno a harmonia acontece, geralmente, no fim dos
enredos e provoca no pblico grande aceitao. H nesse ponto da trama, uma identificao
com a situao tratada. Os espectadores vem na histria a comprovao de seus padres
morais, deparando-se ao mesmo tempo com a constatao de que a transgresso no
compensa, pois esta sempre ser punida.
atravs do, ou dos reconhecimentos que se encerra a perseguio e que seassinala o clmax pattico do drama e que se assinala, ainda, um retorno ao estadode harmonia inicial, pela derrota do vilo. (BRAGA, 2005, p.5)
Boa parte das crticas gira em torno dessa diviso dos personagens. Alega-se que ela
demasiadamente rasteira e exagerada. Dificilmente comprovada na vida real. No entanto,
essa bipolaridade que d sustentao a histria e fornece ao melodrama suas peculiaridades
em comparao com outros gneros.
A bipolaridade perseguio-reconhecimento, todavia, no prejudica em nada ognero; pelo contrrio, ela que d ao melodrama sua dinmica prpria, criando,no jogo entre os dois temas, o clima propcio obteno do pattico, atravs doprocesso de identificao-catarse provocado e que se d, aqui, de formaespetacular. (BRAGA, 2005, p.5)
Para deixar ainda mais forte essa distino maniquesta, o melodrama utiliza duas
estratgias: a esquematizao e a polarizao. A primeira a responsvel por esvaziar os
personagens, impedindo que eles possuam grande complexidade. Eles tm que ser facilmente
decifrveis por quem acompanha a histria. O trabalho da esquematizao est em torn-los
no-problemticos. Para isso, eles possuem ausncia de psicologia (MARTN-BARBERO,
2008, p.168). Barbero (2008), apoiando-se em Walter Benjamin, acredita que esse
esvaziamento no pode ser tido como uma precariedade do melodrama em comparao com
os personagens de textos literrios. Afinal, o enredo melodramtico apresenta forte parentesco
com a narrao, precisando, em decorrncia disso, de estruturas mais simples para ser
contado. No se pode esperar que o escrito e o falado apresentem mesma forma. A relao
estabelecida por cada um com a experincia e com a memria diferente. O espectador domelodrama tem apenas o momento da fala para compreend-lo enquanto o leitor pode voltar
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ao texto quantas vezes quiser. O intuito da esquematizao, ao construir seus esteretipos,
permitir a relao da experincia com arqutipos (HOGGART apud MARTN-BARBERO,
2008, p.168).
A polarizao, como j fora esboado no texto, essa construo de personagens
arquetpicos pendendo para o bem ou para o mal. Por meio dessa estratgia os padres morais
so percebidos e moldados. A planificao dos personagens pode ser vista como excessiva,
mas mediante esse achatamento da personalidade que se faz a reafirmao dos costumes. A
bipolaridade reduz as interpretaes e facilita ao pblico a verificao da moral e o
reconhecimento na histria de um padro tico semelhante ao seu. As situaes sero sempre
conduzidas de forma clara e muito intensa. Caber ao espectador apenas a decodificao de
aes que ora representam o errado, digno de reprovao, e o certo, identificando-se com ele.
A construo arquetpica dos personagens uma caracterstica da produocultural, pois atravs deles que se imprime, com absoluta clareza, a moral social,articuladora fundamental da produo. (OROZ, 1999, p.38)
Diante disso, tendo-se em vista que no melodrama o importante aquilo que se v, o
gnero determinar uma maneira bastante peculiar de atuao. A encenao em obras
melodramticas transcende o trabalho do ator e os demais elementos de cena, alcanando at
mesmo o nvel da aparncia fsica. No basta um bom desempenho, o ator precisa se
assemelhar a aquilo que ele representa.
A efetividade da encenao se corresponder com um modo peculiar de atuao,baseado na fisionomia: uma correspondncia entre figura corporal e tipo moral.Produz-se a uma estilizao metonmica que traduz a moral em termos de traosfsicos sobrecarregando a aparncia, a parte visvel do personagem, de valores econtra-valores ticos. (MARTN-BARBERO, 2008, p.166)
A moral agregada imagem ser determinada pelo senso comum que atribui a tipos
fsicos valores caractersticos. Silvia Oroz (1999) exemplifica esse caso ao tratar das vils
presentes em filmes norte-americanos e latinos das dcadas de 1950 e 1960. De acordo com a
autora, na Amrica anglo-sax a tonalidade loira dos cabelos mais comum. Alm disso, os
imigrantes latinos so vistos por eles como ameaa. A conjuno desses fatores ajuda a
relacionar a imagem da vil a uma mulher morena. J na Amrica Latina temos o contrrio,
pois o moreno, por ser mais habitual, representa o natural. O tom mais claro simboliza o
diferente, o artificial. Outro exemplo ilustrativo da necessidade de equivalncia entre o tipo
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fsico e moral a recorrncia de mulheres no papel de vtimas/heronas. Tal personagem
precisa aparentar fragilidade, caracterstica mais atribuda s mulheres.
A importncia dos esteretipos na cultura de massas reside na figura simblica querepresentam. Todo arqutipo remete a valores socialmente aceitos, da seucondicionamento ao contexto histrico. [...] Na tipificao funcionam,simultaneamente, valor moral/tipologia fsica. [...] Da a vinculao do gnero como universo mtico-simblico do espectador. (OROZ, 1999, p.46)
Bem e mal so duas facetas presentes no melodrama que corroboram com o
argumento de que o gnero se faz pelas relaes estabelecidas entre a criao, circulao e o
consumo. A validade da obra melodramtica s se concretiza quando os esteretipos
veiculados podem ser reconhecidos e avalizados pela audincia. Caso contrrio, o que tendia aidentificao ser alvo de repulsa ou simplesmente ter sua veracidade posta a prova. Esse
apelo maniquesta tambm um dos principais responsveis pelo estabelecimento de paixes
entre texto e pblico devido a tenso permanente provocada pela ao do malfeitor e pelo
gozo gerado com a vitria do bem e a restituio da calma.
2.4 Os personagens melodramticos
O melodrama prima pelo esquematismo e por sua diviso maniquesta. Essas
estratgias so as alternativas que o gnero encontrou para tornar-se o mais claro e simples
possvel. Alm do j dito, essas caractersticas das obras melodramticas tambm esto
presentes nos diversos ncleos que compem a narrativa. Os personagens no se limitam a
viles e mocinhos. Ainda h aqueles que ficam na rbita destes e garantem para a trama a
manuteno da gama de sentimentos necessria para emocionar o espectador.
Ao todo, podem-se caracterizar quatro figuras dramticas dentro do melodrama. Cada
uma com suas funes e encarregadas de gerar um tipo de sentimento no pblico. So elas: o
traidor, a vtima, o justiceiro e o bobo.
Tendo como eixo central quatro sentimentos bsicos medo, entusiasmo, dor e riso-, a eles correspondem quatro tipos de situaes que so ao mesmo temposensaes terrveis, excitantes, ternas e burlescas [...] (MARTN-BARBERO,2008, p.168)
A conjuno desses papis d ao melodrama caractersticas de diversos outros gneros
contribuindo para que ele consiga agrupar em um mesmo produto um nmero to vasto e
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diversificado de espectadores. Ao juntarem-se [personagens] realizam a mistura de quatro
gneros: romance de ao [traidor], epopia [justiceiro], tragdia [vtima] e comdia [bobo]
(MARTN-BARBERO, 2008, p.168). Para Barbero (2008), essa estrutura montada d a ver a
necessidade do gnero em ser intenso, de tomar de assalto seu pblico, sendo a
complexificao e o imbricamento de tramas a maneira encontrada para tais fins.
O traidor (perseguidor ou agressor) um dos personagens mais caractersticos. Ele
desencadeia todas as aes da histria com sua conduta errnea. Sua funo personificar o
mal e todos os vcios e desagregar tudo aquilo que, antes dele, permanecia harmnico. O
comportamento do vilo sempre visa o prejuzo de outro personagem, sendo a relao entre
eles a da perseguio. A maldade deste elemento melodramtico dotada de uma astcia que
o permite elaborar suas dissimulaes. Por meio desta inteligncia, ele engana a todos etambm seduz. A princpio o vilo, chamado por Barbero de a secularizao do diabo e
vulgarizao do Fausto (2008, p.169), conquista a vtima com o intuito de encurral-la e
obter com isso a realizao de seus interesses. A atuao do traidor leva para a trama
caracteres das histrias de ao, pois ele que liga o melodrama ao romance de ao e
narrativa de terror. (MARTN-BARBERO, 2008, p.169)
Ao encarnar as paixes agressoras, o Traidor o personagem do terrvel, o queproduz medo, cuja simples presena suspende a respirao dos espectadores mastambm o que fascina: prncipe e serpente que se move na escurido, noscorredores do labirinto secreto. (MARTN-BARBERO, 2008, p.169)
A vtima (ou herona) durante toda a narrativa ser ameaada pelo traidor. Este
personagem entra no enredo como a personificao do bem. Sua trajetria ser marcada por
angstias, sofrimentos e injustias. Somado a sua firmeza de carter estar sua
vulnerabilidade. Sua condio ser colocada a prova enquanto durar a histria. No entanto,
sua pacincia para suportar os encalos jamais cessa. Trata-se de um modelo de boa conduta eseus atos e tambm reaes baseadas na moral. o extremo oposto do vilo.
A fraqueza desta figura dramtica implicou, em grande parte dos casos, que ela fosse
representada pela figura feminina. Essa feminizao da vtima pode ser justificada tambm
pelo fato do personagem necessitar da proteo de outro. A sua volta sempre se encontra
algum que zela por seus interesses e se compromete em impedir que o mal acontea a ela.
Esse papel, em muitos casos, o adotado pelo pblico em relao ao personagem. Percebendo
sua impotncia, os espectadores se comprazem de seu sentimento e esperam com afinco a
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soluo de seus problemas. O desfecho da histria, por devolver a herona a um contexto de
tranquilidade, desperta intensas reaes das platias.
o dispositivo catrtico funciona fazendo recair a desgraa sobre um personagemcuja debilidade reclama o tempo todo por proteo excitando o sentimentoprotetor do pblico -, mas cuja virtude uma fora que causa admirao e de certomodo tranquiliza. (MARTN-BARBERO, 2008, p.169)
O trabalho de cuidar da herona fica a cargo do justiceiro ou protetor. Ao lado da
vtima seja por amor ou parentesco, ele o responsvel por encaminhar a histria para um
desfecho que privilegie o bem. No fim da trama, ele dever ter solucionado os enganos e
restitudo a pureza e tranquilidade a herona. O papel do justiceiro remete ao do tradicional
heri das epopias. Partir dele a punio de tudo aquilo que for divergente e errado, sendo
ele, inclusive, o encarregado de castigar os malfeitores.
, pela generosidade e sensibilidade a contraface do traidor. E portanto o que tempor funo desfazer a trama de mal-entendidos e desvelar a impostura permitindoque a verdade resplandea. Toda, a da vtima e do traidor. (MARTN-BARBERO,2008, p.170)
Por fim, temos o bobo. Representante do cmico, esse elemento do melodrama no faz
parte do ncleo principal das narrativas, constitudo pelo embate dos trs primeiros
personagens. A tarefa dele inserir na trama traos humorsticos que possam estar
intercalados entre as cenas de grande densidade e intensidade. A importncia deste papel est
na manuteno do vis cmico relevante para o melodrama, presente no gnero desde seu
incio. Enquanto a relao estabelecida pelo traidor, vtima e justiceiro demanda constante
ateno, o bobo proporcionar relaxamento emocional. Tal caracterstica permite que o
pblico equilibre as sensaes ao invs de ficar suspenso pelos mistrios e sensaes
impactantes da trama principal.
A figura do bobo no melodrama remete por um lado do palhao no circo, isto ,aquele que produz distenso e relaxamento emocional depois de um forte momentode tenso, to necessrio em um tipo de drama que mantm as sensaes e ossentimentos quase sempre no limite. Mas remete por outro lado ao plebeu, o anti-heri torto e at grotesco, com sua linguagem anti-sublime e grosseira, rindo-se dacorreo e da retrica dos protagonistas, introduzindo a ironia de sua aparentetorpeza fsica, sendo como um equilibrista, e sua fala cheia de refres e jogos depalavras. (MARTN-BARBERO, 2008, p.170)
Tendo tratado do melodrama, se faz necessrio, por hora, ingressar no estudo da
telenovela. No prximo captulo, portanto, nos dedicaremos a histria da telenovela,
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destacando as diversas transformaes pela qual o melodrama atravessou at se conformar em
um de seus representantes mais conhecidos, a novela, e as relaes que ela estabeleceu com o
pblico e com o contexto social desde seu surgimento.
preciso esclarecer de antemo que trataremos o folhetim eletrnico como uma
categoria cultural, ou seja, conformado pelas diversas instncias sociais em constante embate:
corporativismo, decises polticas, prticas da audincia, crtica televisiva, questes estticas
e marcas histricas. Como defende Jason Mittel (2004), enquanto gnero ela opera a fim de
categorizar e relacionar textos, atravs de discursos de definio, interpretao ou avaliao,
uma teoria cultural.
Aliado a essa ideia de gnero, abordaremos tambm a questo do formato, que para
ns representa a maneira como o gnero plasmado (BALOGH, 2002, p.89) em umdeterminado horrio, respeitando a certas regularidades textuais e narrativas. O formato
aponta para uma conformao tcnica do gnero. Por exemplo, Barbero (2008) ao falar do
incio do folhetim, esclarece que este comeou como um formato, pois ele estava limitado a
caractersticas fsicas do meio pelo qual era veiculado. Folhetim seria tudo aquilo que fosse
publicado no rodap da primeira pgina dos jornais. Com o passar do tempo e devido ao
sucesso do formato folhetim, ele foi ganhando autonomia em relao materialidade pela
qual era caracterizado e se transformou em um gnero, porque passou a ser concebido comouma nova maneira de se contar histrias. Ele deixa de ser conhecido como o p de pgina
(formato) para se tornar um gnero identificado por fices publicadas em captulos e que
tinham forte apelo popular.
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Captulo 3
A novela de todos os dias
3.1 Folhetim,soap-opera, radionovela e outros elementos que compem a histria da
telenovela brasileira
A histria da telenovela se mistura, e em muitos pontos se confunde, com o caminho
percorrido pela televiso. Ela teve origem um ano aps o surgimento da primeira emissora de
televiso e permanece como um produto televisivo de extrema importncia at hoje. Porm o
percurso deste gnero no to simples assim. Ele, enquanto estratgia de comunicabilidade,
teve que se adaptar a inmeras exigncias de produo e de pblico antes de ser considerado o
que h de mais rentvel na televiso brasileira. Por esse motivo, se faz necessrio, antes de
analisarmos o papel da telenovela na sociedade brasileira, apresentarmos uma breve histria.
A configurao adotada pela telenovela, erigida sobre estruturas melodramticas, nos
dias atuais recebe influncia de outros gneros surgidos anteriormente e desenvolvidos em
outras mdias, alm de questes postas pelas indstrias, pelas audincias, patrocinadores e
anunciantes, pelas mudanas sociais. No se trata simplesmente de uma transposio. Na
verdade, mistura de diversas caractersticas presentes nesses variados gneros e que
permitiram a constituio de um produto distinto.
Alguns autores defendem que a primeira relao que se pode fazer entre novela e
romance-folhetim (MEYER, 1996; ORTIZ, BORELI E RAMOS,1989), pois neste j se
percebe a serialidade como forma de angariar um nmero vasto de leitores. Segundo Ortiz;
Borelli e Ramos, alguns estudos vo denomin-lo de o arqutipo da telenovela (1989: 11).
O termo folhetim deriva do francs feuilleton surgido no sculo XIX. Ele era utilizado paradesignar o espao vazio presente no rodap da primeira pgina dos jornais destinado ao
entretenimento, a receitas culinrias, crticas literrias, etc. Era um local a ser preenchido com
o que conviesse ao peridico. Aps algum tempo, este espao do jornal passa a ser utilizado,
preferencialmente, para a publicao de histrias seriadas. A circulao diria dessas
narrativas comea a ser feita em 1836 e em 1840 ela j alcana grande sucesso. Essa forma de
contar histrias passa a ser o filet-mignon do jornal, grande isca para atrair e segurar os
indispensveis assinantes. (MEYER, 1996, p.58). A nova maneira de utilizar o espao
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folhetim d a ele uma nova significao, pois ele se especializa em narrativas ficcionais
seriadas, que utilizam de cortes na histria com o intuito de gerar suspense.
Desde seu incio, o folhetim vai mostrar forte vinculao ao gnero melodrama. Suas
tramas sero calcadas no duelo entre bem e mal, tratando sempre de histrias de amores
proibidos, conflitos de classe, etc. Esse apelo fez com que o folhetim alcanasse as diversas
classes francesas e se tornasse um fenmeno popular.
Esse gnero surgir no Brasil quase simultaneamente ao seu advento na Frana.
Contudo, em solo tupiniquim seu desenvolvimento ser significativamente distinto. Em
outubro de 1838 publicada, pelo Jornal do Comrcio (RJ), a srie Capito Paulo, de
Alexandre Dumas. A circulao da histria acontece um ms aps seu lanamento no pas
europeu. Diversos autores renomados tiveram suas obras partidas e expostas serialmente em jornais, como o caso de Machado de Assis e Jos de Alencar. Entretanto, no se pode
considerar a separao de uma obra fechada em partes como folhetim. Para ser folhetim
preciso ter sido pensada no formato no prximo captulo.
Alm disso, devido condio scio-cultural brasileira, o folhetim em nada se
assemelhou ao seu descendente francs. Ele no alcanou o status de gnero popular, sendo
absorvido por uma elite que se contentava em reproduzir costumes vindos da Europa (Ortiz;
Borelli e Ramos, 1989). Afinal, tirando a classe dominante, grande parte da populaonacional era formada por analfabetos.
Nos Estados Unidos, em 1930, surge outro formato que tambm influenciar a
telenovela latino-americana e brasileira, a soap-opera. Esse produto veiculado pelo rdio,
meio de comunicao lanado na dcada de 1920, que adquiriu em pouco tempo uma
capacidade de alcanar milhares de ouvintes em todo territrio nacional. Ao perceber o
sucesso do meio, as indstrias de sabo e detergente (Colgate-Palmolive, Protecter e Gamble
e Lever Brothers) decidiram utiliz-lo para difundir sua marca e seus produtos. Paraalcanarem este fim, elas preferiram, ao invs de comerciais tradicionais, produzir histrias
radiofnicas destinadas ao pblico feminino. Da o nome soap-opera (pera de sabo).
Este produto cultural possui, de acordo com Ortiz; Borelli e Ramos (1989), algumas
semelhanas com o folhetim. Tanto quanto este, as soap-operas utilizam histrias
sentimentais para atrair o espectador-leitor. Entretanto, os autores salientam que existem
diferenas significativas entre os formatos. A primeira diz respeito estrutura dos captulos.
Ao contrrio do folhetim, as soap-operas tem seus episdios fechados em si mesmo, ou seja,
a histria narrada possui incio, meio e fim. No h uma trama que extrapole os captulos e s
se resolva ao fim de toda a obra.
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A outra distino se refere ao apelo comercial do produto radiofnico, que
caracterizar bastante as telenovelas latino-americanas. Elas so atravessadas por comerciais,
pois a sua finalidade primeira divulgar a marca de seus produtores, as grandes empresas de
sabo e detergentes. Soap-opera representa uma forma de produo cultural que foi
completamente penetrada pelo capital desde o momento de sua concepo, uma forma
dirigida e sustentada por imperativos corporativos. (ALLEN apud ORTIZ; BORELLI;
RAMOS, 1989, p.20).
Contudo, ambas contribuiro para o surgimento das novelas latino-americanas. [...]
do contraste entre essas duas formas possvel formarmos um quadro mais claro sobre o
desenvolvimento da novela do continente latino-americano. (ORTIZ; BORELLI; RAMOS,
1989, p.19).A introduo das radionovelas na Amrica Latina se d na dcada de 1930 aos moldes
das soap-operas. As primeiras histrias foram feitas em Cuba e tambm eram patrocinadas
por fbricas de sabo (Crusellas e Savats) que, logo em seguida, foram incorporadas pela
Colgate-Palmolive e Protecter and Gamble. Todavia, diferentemente das soap-operas, as
radionovelas cubanas seguiam a tradio folhetinesca de construrem tramas que perpassam
os inmeros episdios, chegando a uma concluso apenas no fim da histria. A tradio
latino-americana se formar sobre o forte apelo melodramtico. O esquematismo desse gneroser levado s ltimas consequncias, sendo as obras concebidas para representarem conflitos
maniquestas intensos e tendo como finalidade o transbordar das emoes. Sero as famosas
histrias para chorar.
Em 1941 a vez de o Brasil conhecer esse formato. veiculada, pela Rdio So
Paulo, a primeira histria radiofnica, A Predestinada. A implantao da radionovela foi
responsabilidade de Oduvaldo Viana, diretor artstico da Rdio So Paulo, que durante uma
viagem a Argentina teve acesso a esse tipo de narrativa e foi seduzido por ele, trazendo-o aoBrasil com toda a carga melodramtica com que era produzido nos demais pases latino-
americanos. Segundo Ortiz, Borelli e Ramos (1991), a radionovela conseguiu alcanar, o que
o folhetim no foi capaz no sculo XIX, o status de cultura popular. O sucesso das tramas e
do novo veculo de comunicao, o rdio, na dcada de 1940 gerou uma mudana na
produo destes programas. Antes eles eram basicamente adaptaes de textos estrangeiros, a
partir de ento se comea a produzir histrias de autores nacionais.
Uma dcada depois, em 1950, devido inaugurao da televiso no Brasil, as histrias
folhetinescas sofrem uma adaptao para as telas. Comea-se assim a telenovela brasileira. A
primeira obra exibida foi Sua Vida Me Pertence, escrita por Walter Foster. Neste perodo, as
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novelas eram transmitidas ao vivo apenas duas vezes por semana, com durao de 20 minutos
por captulo. Essa periodicidade se justifica pelo pequeno nmero de pessoas possuidoras de
receptores televisivos e pela dificuldade que os profissionais do rdio tiveram em se
enquadrar no novo meio. Acostumados apenas com a utilizao da voz, eles no sabiam bem
como trabalhar a encenao diante das cmeras.
Ao mesmo tempo em que a transferncia de pessoal do rdio para a tev gerava
problemas, era ela quem fornecia as bases do desenvolvimento televisivo brasileiro. Como
Ortiz; Borelli e Ramos (1989) afirmam, os textos utilizados no primeiro perodo da telenovela
traziam em si forte apelo melodramtico, pois eles foram tomados da obra de grandes autores
de radionovelas. Alm disso, eles afirmam que no se trata propriamente da feitura de uma
telenovela, porque o que se verifica a produo de uma radionovela na TV. Isso pode serpercebido pelo predomnio do texto sobre as imagens. O enredo era esclarecido mais pela
narrao do que pela atuao dos personagens.
Os anos de 1960 sero definitivos para a telenovela. A televiso, que na dcada
anterior popularizou-se e aumentou sua produo, vivencia nos anos sessenta a sedimentao
de duas emissoras a Record (1953) e a Excelsior (1959) -, a expanso da rede televisiva pelo
Brasil, o surgimento do videoteipe e a primeira novela diria
A TV Excelsior dar uma guinada na televiso brasileira. Ela entrar no mercado comuma nova forma de gerir a empresa televisiva. Ela abandona o improviso caracterstico da
fase anterior para se assentar em bases mercadolgicas modernas. Ela inova ao racionalizar as
diversas reas de atuao da tev. Traz para as telas um tipo de produo mais industrial. Sua
programao passa a obedecer determinados horrios, no se atrasa mais, ela horizontal,
programas dirios como as telenovelas, e vertical, sequncia de programas, buscando fixar o
telespectador num nico canal. (ORTIZ; BORELLI; RAMOS, 1989, p.57).
Em 1962, temos o lanamento de um aparelho que ajudar intensamente na produode novelas. Trata-se do videoteipe. Com ele, as tevs podero fazer novelas gravadas, o que
possibilitar a transmisso diria deste produto. O advento do videoteipe propiciou um ritmo
maior de produo; agilizou a utilizao de vrios cenrios e de tomadas externas; alm da
possibilidade infinita de corrigir erros, repetir e selecionar cenas, com a tcnica de edio
cinematogrfica (FERNANDES apud GONALVES, 2002, p.25).
Diante dessas transformaes, a TV Excelsior passa a transmitir, em 1963, a primeira
telenovela diria, 2-5499 ocupado, do argentino Alberto Migr. Vale ressaltar que, a
princpio, a novela era exibida trs vezes por semana. Passado um tempo, ela comea a ser
diria.
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Ainda nesse perodo, a maioria das novelas eram adaptaes de textos de pases latino-
americanos e se calcavam em um melodrama tradicional baseado em dicotomias bem
marcadas entre bem e mal, amor e dio, etc.. Exemplo disso O Direito de Nascer (TV
TUPI), de 1964, escrita por Felix Caignet, adaptada para a TV por Talma de Oliveira e
Teixeira Filho. Essa obra atingiu enorme repercusso e tida como um marco das telenovelas.
Pouco antes dela, a telenovela era um produto desprivilegiado. O programa mais importante
da televiso brasileira era, at ento, os teleteatros. A partir de meados da dcada de 1960, a
novela passa a frente e instaura a era das telenovelas (GONALVES, 2002, p.25).
Durante os anos de 1963 e 1969 o sucesso alcanado por esse novo gnero ficcionalda televiso, cuja audincia pula de 2% para 18%, fora uma reformulao na grade
da programao televisiva, fazendo com que os programas de variedade e aprogramao estrangeira cedessem lugar nova mania nacional a telenovela.(GONALVES, 2002, p.25)
Com todo esse desenvolvimento a televiso ir se firmar como uma indstria e sua
produo de bens simblicos ser ampliada nas dcadas de 1970 e 1980. O emblema maior
dessa institucionalizao da TV ser a Rede Globo de Televiso, inaugurada em 1965, aps a
assinatura do contrato feito, em 1962, entre o grupo Roberto Marinho e a empresa norte-
americana Time-Life.
A Globo se insere no mercado de telenovelas com O brio (1965), de Gilda de Abreu,
e Eu Compro Essa Mulher(1966), adaptao de Glria Magadan para o romance O Conde de
Monte Cristo, de Alexandre Dumas. No fim dessa dcada, a forma como feita a novela
mudar. At aqui elas continuavam sendo encomendadas pelas empresas de sabo (Gessy
Lever e Colgate-Palmolive). Aps os anos sessenta, elas se tornam responsabilidade da
prpria emissora que substitui os autores de radionovelas por profissionais mais ligados ao
teatro e com maior grau de erudio. A inteno era modificar a linguagem do folhetim
eletrnico.
Essa alterao ser importante, pois ocasionar uma aclimatao do melodrama
utilizado nas novelas a cultura nacional. Os elementos da histria passam a ser pensados de
maneira a corresponderem mais diretamente com as situaes reais do cotidiano do
espectador. Como afirma Ortiz; Borelli e Ramos (1989), o melodrama brasileiro se distinguir
do praticado no restante da Amrica Latina, porque, mesmo mantendo o apego por eixos do
gnero, ele se preocupar em enquadrar a novela dentro do panorama urbano existente.
Como pilar dessa transio entre o melodrama dramalho e o melodrama mais
realista temosBeto Rockfeller(TV TUPI/1968), de Brulio Pedroso. Nessa novela percebe-se
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a quebra de diversos padres da tradio das telenovelas. Os dilogos se tornam mais
coloquiais, com utilizao de grias e expresses populares, so inseridos na trama fatos
ocorridos no cotidiano, o ritmo da histria buscava assemelhar-se a cadncia dos
acontecimentos vivenciados pelos telespectadores. A ideia era transpor o real para o vdeo.
Essas obras mais realistas, importante frisar, em momento algum apontam para o
abandono da estrutura melodramtica. Na verdade, elas indicam uma atualizao. Como
salienta Jess Martn-Barbero (2001), telenovelas como Beto Rockfellerserviram para
conformar um novo modelo que sem romper de todo o esquema melodramtico, ir
incorporar um realismo que possibilita a cotidianizao da narrativa e o encontro do gnero
com a histria e com algumas matrizes culturais do Brasil (Barbero, 2001, p.120, grifo do
autor).O autor, devido a essas adaptaes da novela brasileira, define dois modelos de
folhetins eletrnicos: um relacionado produo latino-americana e aos primrdios da
telenovela brasileira, a qual ele chama de tradicional e outro referente as obras mais realistas
produzidas em solo tupiniquim, modelo moderno.
Entendemos por tradicional aquele tipo de telenovela que, a partir da radionovelacubana, d forma a um gnero srio, no qual predomina a inclinao trgica.
Gnero moldado por um formato que pe em imagens unicamente paixes esentimentos primordiais, elementares, excluindo do espao dramtico todaambiguidade ou complexidade histrica e neutralizando, com frequncia, asreferncias de lugar e tempo. (MARTN-BARBERO, 2001, p.120)
No segundo modelo, a rigidez dos esquemas e as ritualizaes so penetradas porimaginrios de classe e territrio, de gnero e de gerao, ao mesmo tempo que seexploram possibilidades expressivas abertas pelo cinema, pela publicidade e pelovideoclipe. Os personagens se libertam, em alguma medida, do peso do destino,afastando-se dos grandes smbolos, se aproximam das rotinas cotidianas e dasambiguidades histricas, da diversidade das falas e dos costumes. (MARTN-BARBERO, 2001, p.121)
Na dcada de 1970, a Globo racionalizar ainda mais a produo de novelas
estabelecendo horrios fixos de transmisso. No comeo, ela mantinha os horrios das 19h,
20h e 22h. Em 1972, ela inaugura a telenovela das 18h o que se efetiva em 1975, mantendo
dessa forma quatro folhetins em sua programao, at eliminar o espao das 22h em 1979. O
motivo da extino do horrio foi a baixa audincia.
Essa diviso e manuteno da grade fixa foi de extrema importncia para o sucesso da
emissora e o condicionamento dos hbitos de seu pblico. Como defende Anna Maria Balogh,
esses diferentes horrios contriburam para a formao de um pblico cativo enorme para a
empresa. A essa estratgia, a Globo somou a prtica de reiterar modelos de dramaturgia para
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cada horrio, ou seja, cada espao tem suas peculiaridades, cada um constitui um formato
diferente.
s 18h h o predomnio de dramas histricos. De acordo com Balogh, esse o modelo
que apresenta uma aproximao maior ao melodrama tradicional. O tema amoroso,
geralmente, se relaciona com as questes sociais e isso pode ser percebido por meio de
antagonismos claros. O confronto entre bem e mal feito de forma bastante maniquesta,
sendo que ao fim da trama todos os empecilhos ao amor do casal principal e a harmonia da
ordem social se dissolvem e enfatizam a vitria do bem. Exemplo desse padro de novela
Fora de um Desejo (1999), de Gilberto Braga.
O horrio seguinte possui uma estrutura mais flexvel. A linguagem utilizada mais
livre. O produto das 19h utilizado para experimentaes do gnero. Foi atravs dessehorrio que a comdia se consolidou como uma possibilidade folhetinesca. A histria mantm
oposies, mas no seguem to fortemente o modelo maniquesta. Verifica-se, na transio
entre o modelo das 18h e das 19h, uma alterao dos temas. Samos do rural para chegar ao
urbano, do drama ao humor. Em outras novelas das sete, os autores fizeram experimentaes
com linguagens novas ou com rupturas de algumas das bases estruturais mais sedimentadas
das novelas. (BALOGH, 2002, p.162). As principais quebras dizem respeito utilizao de
tcnicas cinematogrficas, ou de outras artes visuais, como aconteceu com Beb a Bordo(1988) e Uga Uga (2000), ambas de Carlos Lombardi, a primeira por utilizar a linguagem dos
videoclipes e a outra por se apoderar do estilo dos gibis.
A grande estrela da programao, a novela das 20h, destina-se a tratar temas adultos
mais fortes e polmicos. Ela tende a ser mais realista.
De certo modo, a novela das oito e meia passou a incorporar alguns temasmalditos ou polmicos, reservados no passado s novelas experimentais do
horrio das dez, na Globo. Os conflitos dramticos tendem a ser exacerbados,sobretudo nos tringulos amorosos como Ftima-Afonso-Solange ou Raquel-Iv-Helena em Vale Tudo. O amor e o sexo so abordados de forma mais frontal edeclarada do que nos horrios anteriores do trip de novelas da Globo. (BALOGH,2002, p.162)
Rompendo com a tradio de se dirigir exclusivamente s mulheres, a Rede Globo
passar a produzir histrias com o intuito de se aproximar mais do pblico masculino. Obras
comoIrmos Coragem (1970), de Janete Clair,Roda de Fogo (1986), de Lauro Csar Muniz,
entre outras, traro em suas tramas assuntos tidos como de homem. De acordo com Ortiz;
Borelli e Ramos (1989), o objetivo dessas telenovelas ser alcanado, havendo inclusive
paridade entre o nmero de mulheres e de homens que as acompanham.
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Por fim, aps o perodo militar, a telenovela brasileira intensifica seu cunho poltico e
trata, de forma mais incisiva, fatos referentes ao contexto social. Que Rei Sou Eu (1989), de
Cassiano Gabus Mendes, por exemplo, foi uma crtica ferrenha a realidade poltica pela qual o
Brasil atravessava. Verifica-se nesse perodo a intensificao da imerso da novela na
realidade.
Por esse breve histrico da telenovela possvel perceber que ela se desenvolveu
absorvendo as estruturas do melodrama e, com o passar do tempo, produziu sobre esse gnero
alteraes significativas. Mudanas estas que aconteceram devido s marcas deixadas por
todos os interlocutores envolvidos na produo e recepo deste produto. Iniciado como um
gnero importado dos demais pases latino-americanos em pouco tempo ele foi aclimatado a
nossa cultura e permanece em constante atualizao por conta dos processos de negociaoque estabelece entre emissores e receptores, estando aqui subentendidas as questes sociais,
econmicas e polticas que esse texto cultural implica. A essa relao entre telenovela e
interlocutores, s transformaes ocorridas no seio social com o surgimento deste produto e s
alteraes sofridas pela apreenso do contexto social que se refere o prximo item deste
trabalho.
3.2 Novela e a vida cotidiana
Como j fora dito, telenovela e televiso so termos que em muitos casos se
confundem. As histrias de ambos se influenciam e muitas vezes as definies de um se
assemelha ao que dito a respeito do outro. Isso no acontece por acaso, pois h muito a
novela o produto mais nobre da televiso e foi o predomnio desse produto televisivo a
principal razo para o incremento da audincia das emissoras. Portanto, partiremos de umaacepo de telenovela, mas no pretendemos com isso desvincul-la do conceito de televiso.
Afinal, cremos que ela se desenvolve nesse imbricamento.
Segundo Maria Carmem Souza, o folhetim eletrnico , de forma ampla:
romances sentimentais produzidos para a televiso que podem ser adaptaes deobras literrias, tea