MEDIDAS COMPENSATÓRIAS APLICÁVEIS À QUESTÃO DA ...

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Submetido pelos autores à Revista Brasilera de Recursos Hídricos, ABRH - 2001 MEDIDAS COMPENSATÓRIAS APLICÁVEIS À QUESTÃO DA POLUIÇÃO HÍDRICA DE ORIGEM AGRÍCOLA Luiz Carlos Pittol Martini Departamento de Engenharia Rural – CCA – UFSC Caixa Postal 476 – 88034-001 – Florianópolis, SC [email protected] Antonio Eduardo Lanna Instituto de Pesquisas Hidráulicas – UFRGS Caixa Postal 15029 – 91501-970 – Porto Alegre, RS RESUMO As atividades agrícolas caracterizam-se pela pro- dução de poluição hídrica não-pontual ou difusa, com repercussões que ultrapassam os limites dos estabelecimentos rurais e com efeitos adversos aos recursos compartilhados com populações ur- banas. Devido à constatação de que a gestão atual brasileira das águas não contempla integralmente o problema da poluição hídrica não-pontual, nota- velmente no caso daquela de origem agrícola, o objetivo central deste trabalho é apresentar as medidas compensatórias como alternativa para controle do problema e avaliar as possibilidades e limitações para sua utilização. Com o termo com- pensação busca-se designar as medidas que vi- sam a reparação das perdas financeiras do setor agrícola quando são adotados sistemas de produ- ção alternativos que trazem benefícios sociais e ambientais em termos de proteção às águas. Trata- se do que poderia ser denominado de aplicação do "princípio beneficiário-pagador". No trabalho, sus- tenta-se a legitimidade das medidas que procuram compensar os agricultores pela adoção de com- portamento ambientalmente mais favorável, princi- palmente naquelas situações caracterizadas como agricultura familiar. INTRODUÇÃO A lei 9.433 (BRASIL, 1997), de 8-01-97, que estabelece a Política Nacional dos Recursos Hídri- cos, tem como dois dos seus princípios funda- mentais o reconhecimento da água como um bem finito e vulnerável e o reconhecimento do valor econômico da água. Dentre os instrumentos esta- belecidos na lei para que efetivamente se reconhe- çam os princípios acima estão o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água, a outorga dos direitos de uso e a cobrança pelo uso dos recursos hídricos. Esses instrumentos freqüentemente são dis- cutidos em termos de pertinência e eficácia de aplicação, principalmente quando se considera o caso do uso dos recursos hídricos para lançamento de efluentes. Numa posição ainda mais extrema, maiores questionamentos são dirigidos quando da aplicação desses instrumentos às atividades agrí- colas, tanto para as demandas quantitativas como para as emissões de efluentes degradadores do meio hídrico. Reconhecendo-se que a lei deve ser apli- cada, resta encontrar meios eficazes de torná-la capaz de proporcionar aqueles objetivos definidos no 2 o artigo da própria lei. Julgando a lei pertinente, como torná-la eficaz? Do contrário, o que se pode- ria propor em termos de complementação ou alte- ração da lei? Contemplar de alguma forma estas pergun- tas é uma das tarefas da gestão dos recursos hí- dricos, compreendida como aquela atividade que utiliza estruturas legais, econômicas, sociais e ge- renciais como forma de promoção do uso mais adequado das águas. Neste contexto panorâmico, uma das questões que podem ser extraídas diz respeito à interação agricultura vs. recursos hídri- cos, objeto principal a ser enfocado neste trabalho. As atividades agrícolas são reconhecida- mente produtoras de poluição não-pontual ou di- fusa, termos empregados para definir aquela polui- ção proveniente de diversas fontes distribuídas espacialmente. Esta forma de poluição tem ocasio- nado paulatino decréscimo na qualidade da água de mananciais que atendem os mais diversos pro- pósitos, tornando-se mais evidente naqueles que se destinam ao abastecimento urbano, que em geral exigem níveis altos de qualidade e possuem uso preferencial. Devido às peculiaridades das atividades agrícolas, principalmente ao grande número de agentes e sua distribuição espacial, não é tarefa simples associar os poluentes ao seu emissor primário, o que dificulta a aplicação de instrumentos de controle da poluição hídrica que

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Submetido pelos autores à Revista Brasilera de Recursos Hídricos, ABRH - 2001

MEDIDAS COMPENSATÓRIAS APLICÁVEIS À QUESTÃO DAPOLUIÇÃO HÍDRICA DE ORIGEM AGRÍCOLA

Luiz Carlos Pittol MartiniDepartamento de Engenharia Rural – CCA – UFSCCaixa Postal 476 – 88034-001 – Florianópolis, SC

[email protected]

Antonio Eduardo LannaInstituto de Pesquisas Hidráulicas – UFRGS

Caixa Postal 15029 – 91501-970 – Porto Alegre, RS

RESUMO

As atividades agrícolas caracterizam-se pela pro-dução de poluição hídrica não-pontual ou difusa,com repercussões que ultrapassam os limites dosestabelecimentos rurais e com efeitos adversosaos recursos compartilhados com populações ur-banas. Devido à constatação de que a gestão atualbrasileira das águas não contempla integralmente oproblema da poluição hídrica não-pontual, nota-velmente no caso daquela de origem agrícola, oobjetivo central deste trabalho é apresentar asmedidas compensatórias como alternativa paracontrole do problema e avaliar as possibilidades elimitações para sua utilização. Com o termo com-pensação busca-se designar as medidas que vi-sam a reparação das perdas financeiras do setoragrícola quando são adotados sistemas de produ-ção alternativos que trazem benefícios sociais eambientais em termos de proteção às águas. Trata-se do que poderia ser denominado de aplicação do"princípio beneficiário-pagador". No trabalho, sus-tenta-se a legitimidade das medidas que procuramcompensar os agricultores pela adoção de com-portamento ambientalmente mais favorável, princi-palmente naquelas situações caracterizadas comoagricultura familiar.

INTRODUÇÃO

A lei 9.433 (BRASIL, 1997), de 8-01-97, queestabelece a Política Nacional dos Recursos Hídri-cos, tem como dois dos seus princípios funda-mentais o reconhecimento da água como um bemfinito e vulnerável e o reconhecimento do valoreconômico da água. Dentre os instrumentos esta-belecidos na lei para que efetivamente se reconhe-çam os princípios acima estão o enquadramentodos corpos de água em classes, segundo os usospreponderantes da água, a outorga dos direitos deuso e a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.

Esses instrumentos freqüentemente são dis-cutidos em termos de pertinência e eficácia deaplicação, principalmente quando se considera ocaso do uso dos recursos hídricos para lançamentode efluentes. Numa posição ainda mais extrema,maiores questionamentos são dirigidos quando daaplicação desses instrumentos às atividades agrí-colas, tanto para as demandas quantitativas comopara as emissões de efluentes degradadores domeio hídrico.

Reconhecendo-se que a lei deve ser apli-cada, resta encontrar meios eficazes de torná-lacapaz de proporcionar aqueles objetivos definidosno 2o artigo da própria lei. Julgando a lei pertinente,como torná-la eficaz? Do contrário, o que se pode-ria propor em termos de complementação ou alte-ração da lei?

Contemplar de alguma forma estas pergun-tas é uma das tarefas da gestão dos recursos hí-dricos, compreendida como aquela atividade queutiliza estruturas legais, econômicas, sociais e ge-renciais como forma de promoção do uso maisadequado das águas. Neste contexto panorâmico,uma das questões que podem ser extraídas dizrespeito à interação agricultura vs. recursos hídri-cos, objeto principal a ser enfocado neste trabalho.

As atividades agrícolas são reconhecida-mente produtoras de poluição não-pontual ou di-fusa, termos empregados para definir aquela polui-ção proveniente de diversas fontes distribuídasespacialmente. Esta forma de poluição tem ocasio-nado paulatino decréscimo na qualidade da águade mananciais que atendem os mais diversos pro-pósitos, tornando-se mais evidente naqueles quese destinam ao abastecimento urbano, que emgeral exigem níveis altos de qualidade e possuemuso preferencial. Devido às peculiaridades dasatividades agrícolas, principalmente ao grandenúmero de agentes e sua distribuição espacial, nãoé tarefa simples associar os poluentes ao seuemissor primário, o que dificulta a aplicação deinstrumentos de controle da poluição hídrica que

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contemplem mecanismos inibitórios, do tipo limitesou proibição de emissão, ou econômicos, comocobrança pelo lançamento de efluentes ou subsí-dios ao controle.

Além do problema técnico da aplicação dosprincípios regulatórios/econômicos à questão daqualidade da água, sobrepõe-se a controvérsiaexistente quanto às causas e conseqüências dosproblemas ambientais. Para alguns, a problemáticaambiental e a escassez de recursos decorrem daineficiência econômica e do atraso tecnológico naexploração dos bens e serviços ambientais; outroscrêem que as causas localizam-se na visão demundo dominante na sociedade, em que todas asquestões podem ser reduzidas a meras relaçõeseconômicas e que o homem pode e deve subjugara natureza. Para outros, ainda, a questão ambien-tal é uma questão educacional e fora dessa com-preensão não haveria medidas que pudessem seraplicadas com sucesso.

A tela de fundo neste trabalho é a possibili-dade (necessidade) de gestão das águas por meiode instrumentos que visem integrar os diversossegmentos da sociedade em torno da proteção daságuas, e não simplesmente considerar esses seg-mentos como rivais que competem por um mesmorecurso escasso. Admite-se, implicitamente, que oreal problema não é propriamente eliminar/diminuira poluição e sim enfrentar a questão sintetizada nainterrogação “o que fazer com quem polui?”.

Dessa forma, introduz-se a idéia das com-pensações como alternativa para enfrentar aquestão da poluição hídrica de origem agrícola.Com o termo compensação buscar-se-á designaras medidas que visam reparar as perdas financei-ras do setor agrícola quando são adotados siste-mas de produção alternativos (ou mesmo abando-no de certas atividades) que trazem benefícios emtermos de proteção às águas. As situações refe-renciais para aplicação das compensações incluemmicrobacias hidrográficas em que as atividadesagrícolas sejam executadas sob a forma de “agri-cultura familiar”, nas quais ocorram demandas porproteção ambiental de outros setores da sociedade(em geral urbanos) e nos casos em que a rendarural for menor que a urbana e/ou quando a popu-lação rural for menor do que a população urbana.Tais características são típicas e amplamente dis-seminadas no Estado de Santa Catarina.

OBJETIVO E ESTRUTURA DO TEXTO

O objetivo do trabalho é apresentar as medi-das compensatórias como alternativa para controle

da poluição agrícola não pontual e avaliar as pos-sibilidades e limitações para sua utilização.

Para a meta pretendida, em primeiro lugar aagricultura será caracterizada como fonte poluidorae, sucintamente, buscar-se-á estabelecer os modosou processos típicos de como se originam as emis-sões de poluentes do meio agrícola. Em segundolugar, serão discutidos instrumentos capazes decompatibilizar o exercício legítimo da atividadeagrícola com a proteção das águas e dos ecossis-temas a elas ligados, com ênfase nos aspectosoriginados na ótica econômica de tratamento dasquestões ambientais. Na seqüência, e decorrentedo predomínio da visão econômica como forma deenquadrar o problema de poluição agrícola, dis-cute-se a possibilidade do uso de medidas compen-satórias como forma de os usuários dos recursoshídricos e agricultores negociarem a questão daqualidade da água. Finaliza-se com uma discussãoacerca dos obstáculos e possibilidades paraadoção das compensações.

POLUIÇÃO DE ORIGEM AGRÍCOLA

As atividades rurais têm evidentes repercus-sões que ultrapassam os limites arbitrários dosestabelecimentos agrícolas, pois além de afetaremo ambiente circunvizinho elas utilizam recursoscompartilhados com populações bem distantes dolocal onde são realizados os procedimentos ativos.Os efeitos são progressivos, partindo-se desde amenor fração de terra cultivada e chegando-se aomeio rural (bacia hidrográfica) e a toda sociedade.

De um estabelecimento ou unidade de pro-dução obtêm-se produtos agrícolas convertidos embens de consumo e transacionados nos mercadosque interligam o meio rural ao restante da socie-dade. Essas transações criam uma circulação mo-netária entre os agentes econômicos e uma even-tual renda, que em parte flui para o meio rural e emoutra parte distribui-se entre os agentes fora dele,sendo esta última tanto originada da própria co-mercialização direta do bem agrícola (ou por inter-médio de modificações no processo de beneficia-mento/industrialização que agregam valor ao pro-duto), como da produção e comercialização deoutros bens de consumo ou de insumos necessá-rios à agricultura. Em decorrência da atividadeagrícola, são lançados ao ambiente resíduos erejeitos que podem se converter em poluição doscomponentes solo e água, principalmente. Os im-pactos dessa poluição podem não ficar circunscri-tos ao local onde se realiza o processo produtivo,propagando-se do estabelecimento agrícola para omeio adjacente e daí afetando toda a sociedade. À

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poluição gerada na agricultura propriamente ditadevem ser acrescidas outras formas de poluiçãoque são originadas na fase de obtenção dos insu-mos agrícolas (processos industriais ou extrativos).Portanto, a poluição agregada de todo o setor li-gado à produção primária é superior àquela dire-tamente verificada na fase de campo.

No entanto, há evidentes distinções entre asduas fases geradoras de poluição: enquanto nosetor agro-industrial as empresas estão concentra-das em certas regiões e o caráter da poluição ge-rada é pontual, havendo então a possibilidade dese associar o poluente ao poluidor, o setor agrícolana sua fase de campo é amplamente distribuído esua conseqüente poluição é não-pontual ou difusa,com evidentes dificuldades de se ligarem os danosambientais ao seu causador individual.

O processo fundamental que ocasiona a po-luição hídrica originada em fontes distribuídas é amovimentação da água da chuva sobre a superfíciee na sub-superfície do solo, que captura e conduzos poluentes dessas fontes para os lagos, rios,represas e outros mananciais de água, inclusiveaos aqüíferos subterrâneos. Estes poluentes po-dem ser de inúmeros tipos, mas em termos debacia agrícola predominam sedimentos, fertilizan-tes, agrotóxicos e dejetos provenientes da criaçãode animais.

Os impactos ambientais da poluição de ori-gem agrícola são os mais diversos. Menos visíveisque os efeitos locais, as implicações de longo al-cance das atividades agrícolas tem se tornadocada vez mais importantes. Como Matson et al.(1997) alertaram, embora os agroecossistemassejam tipicamente manejados de forma isolada dosoutros ecossistemas pertencentes à mesma região,as mudanças físicas, ecológicas e biogeoquímicasque neles tomam lugar possuem numerosas con-seqüências para os outros ecossistemas adjacen-tes e mesmo para aqueles muito distantes. To-mando-se a questão dos nutrientes como exemplo,verifica-se que maciças aplicações de fertilizantesna agricultura podem ocasionar altas concentra-ções de nitratos nas águas destinadas ao abaste-cimento público. Tem-se aqui um efeito local, dealcance relativamente restrito. Por outro lado, o usode fertilizantes também conduz ao aumento naemissão de gases que exercem papéis críticos naquímica das camadas atmosféricas superiores e napoluição do ar. Como destacam Matson et al.(1997), solos agrícolas de todo mundo emitemóxidos de nitrogênio (conhecidos como NOx) para aatmosfera em quantidades que excedem o equiva-lente a 25% das emissões globais ocasionadaspela queima dos combustíveis fósseis. É sabidoque, uma vez na atmosfera, os NOx são críticos

reguladores do ozônio troposférico, componenteimportante do ar contaminado dos grandes centrosurbanos (“smog”). Este caso é uma amostra de queas implicações ambientais não se restringem ape-nas aos efeitos locais, transcendendo os limitesgeográficos das regiões agrícolas e afetando co-munidades muito distantes.

Entretanto, mesmo ressalvando a importân-cia dos efeitos globais resultantes da poluição deorigem agrícola, de interesse mais imediato são osproblemas que se manifestam em escala maisrestrita, como nos limites geográficos de uma baciahidrográfica. Isso porque as relações de causa eefeito são mais diretas e nelas pode-se intervir paraevitar o descontrole dos aspectos de qualidadeambiental. Assim, ganham destaque aquelasquestões que envolvem impactos nos recursosambientais de uso corrente pela população, comoos sistemas aquáticos. A agricultura pode afetá-losde diversas formas e sob diferentes intensidades,podendo os efeitos resultantes nas águas seremclassificados em três amplas categorias: físicos,estéticos e de composição química/biológica. Es-clareça-se de pronto que tal subdivisão é arbitrária,já que possivelmente as três categorias manifes-tam-se de forma concomitante como agentes mo-dificadores dos ecossistemas aquáticos.

Os efeitos físicos mais pronunciados sãoaqueles resultantes da erosão dos solos agrícolas.O transporte de sedimentos ocasiona o processode assoreamento do leito de rios e da bacia deacumulação de lagos e reservatórios. Este fenô-meno causa impedimentos ao fluxo de escoamentode água nos rios, o que proporciona condiçõespara extravasamentos mais freqüentes e para sur-gimento de prejuízos econômicos e ambientaisdecorrentes das inundações. Além disso, das inun-dações provêm problemas de saúde pública, liga-dos aos surtos ou epidemias de doenças infeccio-sas.

Os efeitos estéticos são aqueles que alteramcertas características da água em termos de apelossensoriais para certas destinações, basicamenteconsumo humano e recreação. Duas causas con-correm para decréscimo nas características senso-riais: transporte de materiais suspensos/dissolvidose enriquecimento das águas com nutrientes. Noprimeiro caso, afetam-se as propriedades turbideze cor da água; no segundo, estimula-se a eutrofi-zação acelerada, com significativos efeitos estéti-cos e de composição biológica-química do meiohídrico, como aumento na população de plantasaquáticas, depleção do oxigênio dissolvido naágua, variabilidade no pH, efeitos na cadeia ali-mentar e na qualidade de espécies de plantas. Asconseqüências do aumento da população de fito-

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plâncton podem ser o decréscimo da limpidez daágua, acúmulo de substâncias não-oxidadas, anae-robiose, liberação de substâncias tóxicas aos pei-xes, odores desagradáveis, crescimento expressivode macrófitas, entre outras. As implicações estéti-cas são as alterações de cor, odor e sabor da águae interferências nos usos recreativos dos sistemashídricos, como a pesca, a balneabilidade, navega-ção esportiva e outros usos paisagísticos.

Sem dúvidas, as principais modificações ve-rificadas nos sistemas aquáticos em decorrência dapoluição de origem agrícola situam-se na composi-ção química e biológica das águas. Um dos pro-blemas desencadeados pela poluição agrícola é aeutrofização acelerada, já referida anteriormente.Em si, a eutrofização é um processo desejávelapenas quando ocorrer em situações controladas,já que se constitui literalmente numa melhoria nacapacidade do ambiente em fornecer “alimentos” e,portanto, possibilitando aumento na produtividadebiológica de um meio hídrico destinado à aqüicultu-ra. Mas, além de um limiar, esse processo torna-seindesejável sob o ponto de vista da qualidade daágua para abastecimento e recreação. Ademais,além desse mesmo limiar o processo de eutrofiza-ção passa a ser nocivo à própria diversidade devida aquática, pois certas espécies passam a su-cumbir devido a liberação de substâncias tóxicas eao esgotamento do oxigênio dissolvido na água.

Além das conseqüências negativas devidasà eutrofização, o aporte de nutrientes ou contami-nantes que acompanham os fertilizantes agrícolaspodem afetar diretamente a saúde da populaçãoque se abastece dos recursos hídricos. Por exem-plo, excessiva quantidade de nitratos (NO3) naágua de consumo direto pode ocasionar problemasde saúde em humanos e animais, particularmenteem bebês, nos quais podem causar metahemoglo-binemia.

Os agrotóxicos são substâncias que contri-buem de maneira decisiva para a deterioração daágua para fins de abastecimento, haja vista o graude risco que esses produtos oferecem à saúdepública. Apesar de os maiores problemas de intoxi-cações por agrotóxicos ocorrerem por ingestãoacidental/proposital, por inalação e por contatocutâneo ? ligando-se principalmente aos acidentesocupacionais na zona rural ? , sabe-se que as into-xicações agudas ou crônicas por resíduos contidosna água e nos alimentos não são negligenciáveis.Amaral & Fernandes (1998) relatam que a Organi-zação Mundial de Saúde, em 1985, estimou o qua-dro geral mundial em três milhões de intoxicaçõesagudas por agrotóxicos, com 220 mil mortes ouletalidade de 7,3%; em 725 mil intoxicações crôni-cas de caráter ocupacional; e em 10 mil as não

ocupacionais. Nesse ano, o número calculado decasos de câncer por resíduos em alimentos foi daordem de 200 mil. Não há, contudo, informaçõesacerca das possíveis ocorrências associadas àágua consumida pela população, tal fato devendo-se principalmente às dificuldades de avaliação dassubstâncias químicas contidas na água e suascomplexas relações com os seres vivos.

Num reconhecimento da crescente preocu-pação sobre os efeitos das substâncias químicasaplicadas na agricultura sobre a saúde humana,tem-se incentivado a elaboração de diversas pes-quisas, principalmente nos países desenvolvidos,com a finalidade de aumentar a massa de informa-ções sobre o tema. Uma linha de pesquisa temprocurado detectar os possíveis efeitos mutagêni-cos e carcinogênicos de alguns agrotóxicos, que éuma suspeita muito freqüente ligada a esse tipo desubstância. Num trabalho desse gênero, Biradar &Rayburn (1995) constataram danos cromossômicosem cobaias (hamster chinês) expostas a herbicidaque continha o ingrediente ativo atrazine em suacomposição. As concentrações utilizadas no expe-rimento situaram-se em níveis considerados segu-ros para a água de beber pela agência de proteçãoambiental dos Estados Unidos, ou seja, concentra-ções passíveis de serem encontradas em diversosmananciais de abastecimento público ao longo dosEUA. Os autores recomendam investigações adici-onais sobre os riscos potenciais de consumo deágua contaminada por atrazine, principalmenteporque os herbicidas baseados neste ingredienteativo são bastante empregados e são os mais co-muns de serem detectados nas regiões agrícolasestadunidenses. Estima-se que problemas demesma ordem venham a ser verificados com diver-sos outros ingredientes ativos empregados no meiorural e que contaminam os recursos hídricos.

De importância fundamental à saúde pública,a presença de microorganismos patogênicos naágua tem-se revelado um dos maiores problemascontemporâneos da infectologia. O aumento daconcentração urbana e a disposição/tratamentoinadequado dos efluentes domésticos têm propor-cionado condições propícias para a proliferação dedoenças infecciosas e de seus vetores. Exemplomodelar e atual é a epidemia de cólera na AméricaLatina, doença tipicamente transmitida por meio daágua contaminada e característica das regiões compéssimas condições de saneamento básico. Comocitado em Batalha (1998), entre 1992 e 1995 houveum milhão de casos no continente sul-americano,com cerca de 10 mil mortes. Destacam-se ainda osfreqüentes surtos de doenças gastro-intestinaisligadas à ingestão de água contaminada por bacté-rias (Samonella, Escherichia coli, Shigella, etc),

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protozoários (Giardia) e vírus intestinais, além dediversas outras doenças, como hepatite e leptospi-rose.

INSTRUMENTOS POLÍTICOS PARAATUAÇÃO EM GESTÃO DA QUALIDADEDA ÁGUA

Para enfrentar as questões que envolvem ouso dos recursos naturais e a manutenção de umaqualidade ambiental considerada desejável, inúme-ros instrumentos estão disponíveis aos articulado-res das políticas públicas para que sejam aplicadosnos locais onde se manifestam problemas ou ris-cos ambientais. Esses instrumentos podem serreunidos em pelo menos três grandes grupos: jurí-dicos-administrativos, econômicos e educativos-morais. Cada um desses grupos possui uma óticaprópria, consolidada a partir de um conjunto deregras que compõem sua estrutura formal e siste-matizada a partir de experiências históricas ouanalogias baseadas em outros campos de atuaçãohumana. Os instrumentos jurídicos-administrativose econômicos visam a utilização de meios coerciti-vos ou indutores para que se atinjam determinadosníveis almejados de qualidade ambiental. Os meioscoercitivos atuam por intermédio de regulamentosestabelecidos pela autoridade constituída, en-quanto que os meios indutores atuam via meca-nismos de mercado, tais como cobrança pelo usode recursos ambientais e subsídios a atitudes am-bientalmente adequadas, entre outras possibilida-des. A ótica destes meios é que o agente serábeneficiado caso atue de forma a atender os objeti-vos das políticas públicas ou onerado caso faça aocontrário. Os benefícios e ônus poderão ser pecu-niários (subsídio, cobrança) ou não-pecuniários(por exemplo, ajuda governamental para introduçãode uma gestão ambiental mais efetiva em umaindústria). Em oposição ao uso de meios coerciti-vos e indutores, mas não mutuamente excludentes,os instrumentos educativos-morais utilizam a per-suasão como meio preferencial para o cumpri-mento das metas de melhoria ambiental. A seguir,serão tratadas sucintamente as visões jurídico-administrativa, educativo-moral e econômica comoformas de enfrentar os problemas de qualidade daágua; a separação em grupos não significa queeles sejam independentes entre si, devendo-seressalvar a contínua interface existente entre osinstrumentos.

A visão jurídico-administrativa

Dentre as opções de instrumentos políticospara que sejam atingidas as metas de qualidadeambiental, as medidas legais são as mais ampla-mente utilizadas e difundidas. Estas medidas ba-seiam-se no princípio de alocação de direitos aosindivíduos ou grupos, sendo que estes direitos sãorespaldados por procedimentos coercitivos, esta-belecidos na forma da lei. Como foi resumido porStorey (1980), quando um indivíduo B (o “poluído”)não tem poder para se prevenir de lançamentosprovenientes de A (o “poluidor”), este lançará maispoluentes do que as quantidades que B suporta oudeseja. Os interesses de B, então, seriam protegi-dos por seus direitos alocados pela lei.

O método ou forma de alocação desses di-reitos varia entre as sociedades, mas, em geral,nas questões ambientais os direitos são reguladospor dispositivos legais (leis, decretos, normas) eadministradas por departamentos e agências, go-vernamentais ou não. Storey (1980) identifica qua-tro formas de alocação de direitos para as ques-tões que envolvem recursos hídricos: (a) lei comumou ordinária, baseada em disputas que chegamaos tribunais, evoluiu a partir de precedentes histó-ricos e no costume de certas regiões na alocaçãode direitos e na proteção dos mesmos através dasautoridades constituídas. Frente a um dano ambi-ental atribuído a um indivíduo (ou grupo de indiví-duos), e cessando a alternativa de negociaçãoentre as partes, aqueles que diretamente se sen-tem lesados podem recorrer aos tribunais paradefesa de seus pretensos direitos; (b) processos decidadania, que é uma forma de permitir que umcidadão processe qualquer um que infringir umdireito seu, tal como “o direito a um ambiente lim-po”. Esses direitos são incorporados aos diversosregulamentos do estado; (c) proibição, que é umaforma de exigir o cumprimento de determinadasregras quanto a utilização de bens e serviços am-bientais, regras essas estabelecidas em lei e cujasujeição torna-se obrigatória e compulsória a todos,salvo quaisquer exceções ditadas na própria lei.Normalmente, o objetivo da proibição é eliminar ascausas geradoras do problema ambiental; e (d)regulação, que se constitui de um conjunto de dis-positivos com a finalidade de disciplinar o uso debens e serviços ambientais, considerando que aeliminação total do problema é inviável, seja porrazões técnicas, econômicas ou de qualquer outranatureza.

A alocação de direitos sob as formas de “leicomum” e “processos de cidadania” apenas sãoviáveis quando aplicadas a causas simples e queenvolvem um número pequeno de litigantes, quase

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sempre limitadas a pequenas áreas ou regiões.Diversas são as razões que tornam estas formasinsatisfatórias, mas as principais são: (i) necessi-dade de recursos financeiros que os envolvidosdevem dispor para irem aos tribunais, o que prati-camente exclui as ações individuais, principalmentequando o setor poluente é representado por umagrande indústria, com poder de influência e capaci-dade de representação comparativamente maioresque a parte contrária; (ii) os mecanismos legaisapenas podem ser acionados após a ocorrência dodano, o que os tornam pouco eficazes nas situa-ções em que a respectiva indenização pode sermenos desejável do que a prevenção; (iii) a con-cessão de direitos é distribuída apenas a determi-nados grupos, como muitas vezes acontece quan-do os direitos de propriedade são bem definidos(por exemplo, na doutrina ripariana os direitos so-bre a água são alocados aos proprietários de terrasque margeiam o curso de água). Em termos delegislação brasileira, as medidas processuais maisrelevantes para defesa ambiental sob o ponto devista das formas de alocação de direitos “lei co-mum” e “processos de cidadania” são, segundoMukai (1992), o mandado de injunção, a ação civilpública, a ação popular e o mandado de segurançacoletivo.

Os instrumentos jurídicos anteriores estãodisponíveis ao cidadão ou a grupos de cidadãos,por meio de seus representantes, sem que hajanecessidade da intermediação dos agentes admi-nistrativos públicos. Já as formas “proibição” e“regulação” na alocação de direitos pressupõem aintervenção do estado como agente normatizador,executor e fiscalizador dos dispositivos que com-põem os regulamentos. Para Mukai (1992), a inter-venção do estado pode se dar pelo controle admi-nistrativo preventivo ou pelo controle administrativorepressivo. O controle preventivo das atividades,obras e empreendimentos que possam causardanos ao ambiente deve ser efetuado por meio deautorizações, no geral, e, em casos especiais, taiscomo nos recursos hídricos, os instrumentos apro-priados devem ser a concessão administrativa e apermissão de uso. Para fins de distinção dos ter-mos, pode-se dizer que a concessão é constituídapor um contrato administrativo, enquanto a permis-são é um contrato unilateral, precário e discricioná-rio (para uso de particulares, em geral). No casodos recursos hídricos, a forma de intervenção es-tatal prescrita em alguns regulamentos é a outorgade direitos do uso da água.

O controle repressivo é feito mediante a utili-zação de atos administrativos punitivos. As penali-dades podem ser multas, a perda ou restrição deincentivos e benefícios fiscais concedidos pelo

poder público, a perda ou suspensão de participa-ção em linhas de financiamento em estabeleci-mentos de crédito, a suspensão e a redução deatividade, bem como podem ser medidas maisdrásticas, tais como embargo de obra, interdiçãode atividade e fechamento de estabelecimentos.Em todos os casos, aplica-se o poder de polícia doestado contra os infratores.

Por outro lado, o modelo intervencionista queemprega medidas regulatórias considera o fatoincontestável de que a eliminação total das causasque ocasionam danos ambientais é impraticável,haja vista principalmente a associação direta entrecrescimento demográfico, necessidade de cresci-mento econômico e o uso de bens e serviços am-bientais. Mais apropriadamente, pode-se dizer queé neste trinômio que se situa a problemática ambi-ental e toda a controvérsia a ela associada. Noenfrentamento da questão, a estratégia intervenci-onista regulatória, segundo Klemmer (1996), seriasubmeter as diferentes atividades econômicas(produção e eventualmente também consumo) auma ampla e detalhada avaliação ecológica, para aseguir atuar de forma seletiva e intervencionistasobre os planos privados, corrigindo de forma di-reta e controlada as decisões empresariais, taiscomo consumo de matérias primas, relações defornecimento, programas e processos de produção,localização de plantas industriais, entre outras me-didas. Para atingir determinadas metas ou paraimpedir que a deterioração ambiental alcance ní-veis considerados intoleráveis, estabelecem-seregras na sociedade sob a forma usual de legisla-ção e implantam-se os mecanismos necessáriospara a adoção e cumprimento dessas regras. Sur-gem então os dispositivos legais que dão suporte àimplementação das medidas protetoras julgadasadequadas. Naturalmente, o modo como se dá ageração desses dispositivos legais e sua aplicaçãorefletem os arranjos institucionais e a forma comose distribuem os direitos individuais e coletivos dasociedade.

No Brasil, tradicionalmente se privilegiaminstrumentos legais baseados em procedimentosde regulação como forma de organizar a sociedadepara o uso e proteção das águas. O marco históri-co foi o Código de Águas, estabelecido pelo De-creto 24.643, de 10-07-34, visando disciplinar asatividades que envolviam os recursos hídricos.Inserido numa forma de gestão que alguns autoresdenominam de “modelo burocrático” (Lanna, 1993;Borsoi & Torres, 1997), o Código de Águas originouuma conduta de administração pública com o obje-tivo predominante de fazer cumprir os dispositivoslegais sobre as águas, já que proporcionou o sur-gimento de extensa legislação a ser obedecida.

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Como etapa subseqüente ao modelo “burocrático”,geralmente coloca-se a fase em que se deu o iníciodo uso intensivo de instrumentos financeiros nagestão dos recursos hídricos. Marcado por forteintervenção estatal, esse período caracterizou-sepela criação de agências promotoras do desenvol-vimento, como a Comissão do Vale do São Fran-cisco (CVSF, criada em 1948, precursora da atualCODEVASF – Companhia de Desenvolvimento doVale do São Francisco, criada em 1974) e pelaalocação de recursos financeiros para projetos degrande porte que utilizavam a água como matéria-prima, seja para fins de geração de energia elétricaou para uso na irrigação. Posteriormente, decor-rente da priorização de certos setores, surgiu umalegislação paralela que visava disciplinar o uso dorecurso água em cada atividade. Exemplo emble-mático é a Lei 6662, de 25 de junho de 1979, quedispõe sobre a Política Nacional de Irrigação: pre-tendeu-se, neste caso, organizar esse setor isolan-do-o dos outros, mesmo que na lei estivesseminseridos alguns dispositivos que visavam a articu-lação com outros usuários.

Num estágio mais avançado, e com a cres-cente preocupação com as questões ambientais,surgiu a necessidade de se congregarem os esfor-ços no sentido da gestão conjunta dos recursosnaturais e do ambiente, destacando-se a baciahidrográfica como a unidade básica onde os pro-cessos de gestão deveriam ser desenvolvidos.Nesse período foi criado o Conselho Nacional deMeio Ambiente (Conama), instância deliberativasuperior de gestão ambiental. Com relação aosrecursos hídricos, um destaque especial deve serdado à Resolução Conama No 20, de 18 de junhode 1986, que estabeleceu a classificação daságuas doces, salobras e salinas em nove classes,segundo seus usos preponderantes. Para tanto,foram fixados os valores dos diversos parâmetrosque as águas deveriam atingir para encaixar-se emcada classe e os padrões de emissão para diver-sos poluentes, bem como estabeleceram-se osrespectivos órgãos responsáveis pelo enquadra-mento das águas. As resoluções do Conama mar-caram a ascensão da “política de mandato-e-controle” (do inglês command and control policy),em que o governo determina os padrões e monito-ra a qualidade ambiental. Segundo Cánepa et al.(1998), esta política é definida por duas caracterís-ticas: (i) imposição, pela autoridade ambiental, depadrões de emissão incidentes sobre a produçãofinal (ou sobre o nível de utilização de um insumobásico) do agente poluidor e (ii) determinação damelhor tecnologia disponível para abatimento dapoluição e cumprimento do padrão de emissão. Emoutras palavras, idealmente haveria uma interven-

ção direta do agente ambiental no plano de ativi-dade privado, no sentido de regular o “quanto”pode ser emitido e do “como” atingir o padrão am-biental estipulado. Em face dos escassos resulta-dos observados pelas políticas públicas adotadasaté então, a partir da promulgação da ConstituiçãoFederal de 1988 houve um crescimento da discus-são sobre instrumentos alternativos para gestãodas águas, notavelmente sobre aqueles que incor-poravam a dimensão econômica na sua estrutura.Esse crescimento se deu, em parte, pelo próprioclima de revisão de todo o ordenamento jurídicodos estados federados e dos municípios (retiradado “entulho autoritário”, segundo o jargão da épo-ca), proporcionando inúmeras oportunidades deredefinição do papel do governo na gestão ambi-ental. Também desse período deve-se destacar ocrescimento daquilo que se poderia chamar de“liberdades democráticas” e da (re)inserção docidadão no processo de tomada de decisão políti-ca, condições essas que permitiram que a gestãodos recursos hídricos pudesse iniciar um processode evolução para um modelo que Lanna (1993)chama de “modelo sistêmico de integração partici-pativa”, o qual visa, resumidamente, colocar o indi-víduo como ator do processo de gestão e não maiscomo um mero espectador. Este modelo, ainda emfranco desenvolvimento, foi adotado (ao menos embases gerais) em inúmeros ordenamentos jurídicosdos estados brasileiros, sendo que desencadeou,no plano nacional, a instituição da Lei No 9.433(BRASIL, 1997), de 8 de janeiro de 1997, que tratada Política Nacional dos Recursos Hídricos e cria oSistema Nacional de Recursos Hídricos.

Política Nacional de Recursos Hídricos

No Brasil, o enfoque jurídico-administrativoaplicado à água culminou com a publicação da Lei9.433, de 8 de janeiro de 1997 (BRASIL, 1997),que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídri-cos, além de outras providências. Um dos objetivostácitos da lei é “assegurar à atual e às futuras ge-rações a necessária disponibilidade de água, empadrões de qualidade adequados aos respectivosusos”, atendendo em essência um dos conceitosmais difundidos de desenvolvimento sustentável:satisfazer as necessidades da atual geração semcomprometer a capacidade de as gerações futurassatisfazerem suas próprias necessidades (WECD,1997). Para atingir os seus objetivos, a lei baseia-se em alguns princípios fundamentais, principal-mente os que se referem à água como um bem dedomínio público, dotado de valor econômico e cujagestão deverá sempre proporcionar o uso múltiplo,

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com a bacia hidrográfica como unidade de açãodescentralizada e participativa. Para aplicação nagestão, os legisladores definiram os seguintes ins-trumentos essenciais: os Planos de Recursos Hí-dricos ? planos diretores que visam a fundamentare orientar a implementação da Política Nacionaldos Recursos Hídricos ? ; o enquadramento doscorpos de água em classes, segundo os usos pre-ponderantes da água; a outorga dos direitos de usode recursos hídricos; a cobrança pelo uso de re-cursos hídricos; e o Sistema de Informações sobreRecursos Hídricos.

Sobre os princípios fundamentais que regema lei, percebe-se ao menos dois grandes avançosem relação às disposições legais anteriores: gestãovoltada aos usos múltiplos e estímulo às açõesdescentralizadoras-participativas. No primeiro caso,procurou-se anular os comandos tradicionais quecertos setores exerciam na gestão das águas,como é o caso típico do setor elétrico, e igualartodos os usuários em termos de acesso (Borsoi &Torres, 1997). No segundo, o objetivo é distribuiras responsabilidades entre os integrantes locaise/ou regionais da estrutura decisória e incluir osusuários e outros segmentos sociais no processode negociação dos conflitos de uso da água. Cla-ramente são princípios diretamente derivados dagestão pelo “modelo sistêmico de integração parti-cipativa”, o qual ainda influenciou a formação es-trutural de gerenciamento dos recursos hídricos,que prevê: o estabelecimento de um ConselhoNacional de Recursos Hídricos, instância superiorda hierarquia organizacional e responsável pelasgrandes questões do setor e pela resolução decontendas de maior porte; a formação de equiva-lentes estaduais e distrital; criação dos Comitês deBacias Hidrográficas, em geral englobando as ba-cias dos grandes rios e constituindo-se em local dedecisões sobre as questões relativas à bacia; e asAgências de Água, órgãos destinados a servir deapoio técnico aos Comitês e a efetuar as tarefasadministrativas propriamente ditas.

O princípio fundamental “a água é um recur-so natural limitado, dotado de valor econômico”(Art. 1o, inciso II da lei), que em alguns aspectospode até ser considerado redundante, constitui-seno elo de ligação entre a óticas jurídicas-administrativas e econômicas de controle ambien-tal. Partindo desse princípio, os legisladores insti-tuíram o instrumento da cobrança pelo uso dosrecursos hídricos, que sintetiza a adoção da doutri-na “poluidor-pagador” (“usuário-pagador”) na ges-tão das águas. E essa é a principal novidade da leimaior dos recursos hídricos: a conexão da vertentejurídico-administrativa com a vertente econômicade tratamento das questões ambientais. Tal siste-

ma misto poderia ser chamado de “outorga-cobrança”, para lembrar os dois instrumentos maisdestacados do corpo da lei.

Como se está ainda em fase inicial de apli-cação dos preceitos contidos na Política Nacionaldos Recursos Hídricos, principalmente devido ànecessidade de organizar a estrutura de gerencia-mento, muitas das questões ligadas à aplicabilida-de da lei e de sua avaliação positiva ainda estãoem andamento.

A visão educativo-moral

Os instrumentos educativo-morais utilizam apersuasão como forma de induzir as pessoas a umcomportamento ambientalmente desejável. O pontocentral é colocar a questão ambiental fundamen-talmente como um problema educacional a serenfrentado pela sociedade, incorporando ao con-junto do saber humano o posicionamento ético dohomem frente ao restante da natureza.

A crítica mais freqüente dessa visão refere-se à escala temporal em que ocorrem os processosde poluição e a respectiva educação ambiental:enquanto os primeiros são imediatos, a segundaapenas torna-se eficaz em prazos longos, quandoos danos efetuados no presente seriam irremediá-veis. Portanto, apenas a adesão voluntária aospadrões estabelecidos por negociação social nãoseria suficiente para contemplar uma meta ambi-ental futura, devido aos lapsos existentes entre oato poluidor e a consciência acerca dos efeitosnegativos decorrentes do ato. Além disso, há umainevitável dissociação entre atos individuais e cole-tivos: quando o indivíduo é visto como causador deum dano, torna-se mais direto apelar pelo seu sen-so moral e fazer com que ele reavalie seu com-portamento; entretanto, naqueles problemas ambi-entais de grande envergadura, ou em todos aque-les com características não-pontuais, a noção deresponsabilidade individual se esvazia frente aocomprometimento da coletividade com relação àação lesiva no meio.

Mesmo considerando-se o real alcance dascríticas ao enfoque educativo-moral, surpreende ofato de que a opção pela educação ambiental nãoesteja contemplada nos regulamentos que tratamdos recursos hídricos. Na Lei No 9.433, por exem-plo, não há um dispositivo que estabeleça essaopção como instrumento ou mesmo meta a seratingida. De certa forma, ignora-se a força doaperfeiçoamento educacional como propulsor daproteção às águas.

E mesmo assim, quando os dispositivos le-gais ou econômicos são inoperantes ou insuficien-

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tes para enfrentar os problemas ambientais, à so-ciedade sempre resta o recurso das ações voluntá-rias dos poluidores. Nas palavras de Ramos(1996), a autoridade ambiental pode utilizar a polí-tica de persuasão moral para fazer apelo à boavontade do poluidor e induzi-lo a reduzir sua“quantidade de poluição”, servindo-se para tal fimda opinião pública. Um forte argumento adotadopelos adeptos dessa visão diz que os indivíduosnão são poluidores inatos – aqueles mesmos quepoluem têm potencialidades para atuar de formamais adequada para a manutenção de um ambi-ente mais saudável. A conscientização ou estimu-lação seria o mecanismo capaz de fazer com quefossem incorporados ao processo produtivo proce-dimentos compatíveis com a proteção ambiental,com a típica ênfase de se posicionarem os interes-ses coletivos acima dos interesses individuais.Para contrapor aos duros argumentos daquelesque propõem medidas econômicas, os adeptos dapersuasão por meios educativos-morais vislum-bram novas estruturas sociais capazes de impor aomercado preferências por produtos e processosprodutivos menos degradadores do ambiente. As-sim, por exemplo, se os consumidores alteraremseus gostos em favor de produtos menos poluido-res, o mercado será forçado a mudar o “conteúdode poluição” nos produtos e serviços finais (damesma forma, haverá mudança no processo pro-dutivo se houver conscientização da indústria).

Em termos agrícolas, uma situação ilustrati-va a destacar é o caso das feiras ecológicas, ondese comercializam produtos obtidos em processosque minimizam os danos ambientais (mesmo que ameta primordial do consumidor seja a satisfaçãoindividual de consumir alimentos mais saudáveis).Essas feiras são uma nítida manifestação da influ-ência dos estímulos educacionais-morais em umsistema de produção, já que o movimento “agricul-tura alternativa” (ou “agricultura orgânica”, “natural”,etc) iniciou-se, basicamente, como uma reaçãoestruturada ao modelo agrícola convencional deemprego de insumos industrializados. Em grandeparte, tal reação foi motivada por questões morais(e ideológicas) decorrentes de uma percepçãodiferenciada do sistema de produção agrícola: emoposição ao modelo difundido pela “revolução ver-de”, os “alternativos” propõem uma agricultura combaixa utilização de insumos externos à propriedadee com alto nível de reutilização de materiais-energia, visando, sobretudo, o menor nível de danoambiental e a obtenção de alimentos que se apro-ximem tanto quanto possível das suas formas es-pontâneas.

Aqui não se fará maiores consideraçõesacerca da viabilidade técnica de tais sistemas ou

se eles representam uma utopia ou não. Importa,isso sim, destacar o papel multiplicador da visãoeducativo-moral: de um reduzido grupo de “hippies”dos anos sessenta, passando por uma paulatinaampliação da comunidade de adeptos do modo devida “natural” durante os anos setenta e oitenta,chega-se ao final dos noventa com uma parcela tãosignificativa da população ocupando essa categoriade consumidores/produtores que o mercado já nãopode mais ignorá-la. E, para incorporá-la, essemesmo mercado deverá se adequar às suas novasexigências.

Deve-se reconhecer, no mínimo, que a abor-dagem baseada no enfoque educativo-moral ofere-ce ricas possibilidades de emprego nas questõesambientais. Ainda é um campo a ser mais bemexplorado em termos de proteção das águas.

A visão econômica

Ruff (1970) explicitamente declarou quepouco progresso real poderia ser observado noencaminhamento do problema da poluição até quese reconhecesse o que fundamentalmente ele é:um problema econômico, o qual deve ser entendi-do em termos econômicos. O enfoque padrão des-sa percepção é a caracterização da poluição comoum “mal” público, resultado dos lançamentos deresíduos associados com a produção de bens pri-vados.

Assumindo-se uma posição realista de con-siderar que as atividades antrópicas inevitavel-mente ocasionam efeitos negativos ao ambientenatural, efeitos esses encerrados sob o nome depoluição, uma ausência total de danos ambientaisseria uma idealização incompatível com o estágioatual da humanidade (ao invés de realista, muitosprefeririam chamar tal posição de cínica). Partindodessa posição, determinadas correntes econômi-cas defendem que uma definição de poluição de-pende do efeito físico dos resíduos sobre o ambi-ente e da reação humana a esse efeito, isto é, daperda de bem estar devido à imposição de umcusto externo (Turner et al., 1994). Como conse-qüência, a simples presença física da poluição nãosignifica que exista poluição “econômica”. Alémdisso, mesmo se existir poluição “econômica”, nemsempre é o caso de eliminá-la completamente. Umprincípio de base desta visão estabelece que opoluidor (firma, indivíduo, governo) deve consideraro custo total dos danos ambientais causados porsua atividade, pois isto criará um incentivo para aredução desses danos, ao menos no nível em queo custo marginal da redução da poluição seja igualao benefício marginal do dano evitado pela própria

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redução, situação em que seria atingido o polêmiconível de poluição ótimo.

A idéia central de uma das visões econômi-cas de exame da poluição é propor a imposição decustos aos poluidores como forma de regular aqualidade ambiental. Esta idéia está fundamentadaem preceitos econômicos defendidos pela escolaneoclássica, a qual se baseia sobretudo na teoriado bem estar, que, na definição de Miller (1981),preocupa-se com o conjunto de opções abertas àsociedade que contenha as “melhores” soluçõespossíveis de alocação de recursos e com a escolhado “melhor” ou “ótimo” entre as alternativas desteconjunto reduzido. Ou, nas palavras de Pearce(1985), a economia do bem-estar trata de avaliar oque seria uma configuração ótima de uma econo-mia em termos de preços e quantidades de produ-tos e insumos. É justamente dentro desta definiçãode bem-estar que se encaixa a questão dos danosao meio, desde que se considere o tema como umproblema de determinação inadequada dos preços.Isso porque os bens e serviços ambientais podemter preços ótimos ou não, conforme sua avaliaçãopelos agentes do mercado. Quando esses benspossuírem preço zero devido às falhas do mercadoem não incluí-los nas transações, ocorre uma situ-ação particular de preço não-ótimo. Portanto,quando a oferta e a demanda de um determinadoproduto transacionado num mercado incluir deforma inadequada ou simplesmente desconsideraros preços dos bens e serviços ambientais, nãopoderá ocorrer o bem-estar máximo. Em tal situa-ção ocorre uma divergência entre os custos priva-dos, nos quais se desconsidera ou se subestima ospreços dos bens e serviços ambientais, e os custossociais ou custos econômicos totais, que englobamtodos os custos envolvidos nas transações, inclusi-ve os privados. Na ótica econômica, é nessa diver-gência entre custos privados e custos sociais quereside a causa fundamental de todos os tipos depoluição (Ruff, 1970).

Estratégias para incorporação dos custosambientais às atividades poluidoras

Seja um modelo simplificado de transaçãode um bem com dois agentes: produtores e con-sumidores. Considerando, hipoteticamente, que asociedade seja composta unicamente por essesdois agentes, a condição de economia de mercadoé satisfeita se: (a) os preços formarem-se livre-mente pela ação da oferta e da procura; e (b) qual-quer indivíduo puder comprar, consumir, produzirou vender o bem desde que se sujeite a pagar oureceber o preço de mercado. Destaque-se que

para Simonsen (1994), o funcionamento da eco-nomia de mercado ainda pressupõe, como moldu-ra, o Estado de Direito sem restrições à proprieda-de privada. O efeito auto-regulador da economia demercado faz com que a quantidade produzida dobem seja um reflexo das decisões de produtores econsumidores, sendo que os efeitos ambientaisadversos resultantes da atividade serão tolerados econsiderados inerentes ao processo que resulta naobtenção do bem. Equivale dizer que a presumívelpoluição atingida seja uma poluição ótima, poisincorpora os sistemas de produção vigentes e asnecessidades (desejos) de consumo. Em outraspalavras, o dano ambiental é considerado inevitá-vel em face das possibilidades existentes paraobtenção e consumo de um bem, havendo, por-tanto, a inexorável poluição devido à produçãocombinada de bens e males, como admitiu Boul-ding (1978).

Apesar da excessiva simplificação, esse mo-delo de comportamento econômico encontra-seamplamente disseminado. No entanto, duas ques-tões tornam o modelo inconsistente: (a) os produto-res e consumidores em geral desconhecem osdanos ambientais decorrentes de suas ações e,mesmo quando os danos são evidentes, as pres-sões circunstanciais os mantêm insensíveis aoproblema; e (b) a sociedade é heterogênea quantoàs preferências pelos bens ofertados, e a obtençãodesses bens resulta na ocorrência de externalida-des negativas de produção e consumo.

Na ótica econômica, um mecanismo eco-nômico seria uma prescrição adequada para acorreção do problema. Adotando essa prescrição, aquestão volta-se para o destinatário do encargo, oupara qual dos agentes que transacionam o bem nomercado será atribuído o ônus do dano ambiental.Num modelo mais preciso, além de produtores econsumidores deve-se incluir outros agentes, comoos produtores de insumos, autoridades de direitopúblico e diversos grupos afetados direta e indire-tamente pela ação dos produtores e consumidoresdo bem.

Direitos de propriedade e a estratégia deCoase

A internalização dos custos associados aosdanos ambientais e a partilha dos respectivos ônusinicialmente remetem à questão do direito de pro-priedade. Na definição de Nicholson (1995), osdireitos de propriedade estabelecem o possuidorlegal de um recurso e especificam as formas pelasquais o recurso pode ser utilizado. Dois grandestipos de direitos de propriedade são as proprieda-

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des “comum” e “privada”. Por definição, a proprie-dade comum é possuída pela sociedade em geral:nenhum indivíduo pode apropriar-se do recursocomum unicamente para seu próprio uso. A propri-edade privada, por outro lado, é diretamente pos-suída pelo indivíduo, que tem, dentro de certosconstrangimentos legais, controle sobre sua formade utilização.

As definições acima são essencialmente cor-retas na simplicidade em que estão formuladas. Osgrandes problemas que as embaraçam são o en-trecruzamento das duas formas de direitos de pro-priedade ? quando o uso da propriedade privadaocasiona prejuízos ao bem comum ? , a falta demeios legais ou de fiscalização do uso adequadoda propriedade privada (no tocante à conservação-preservação dos recursos) e a própria utilização dapropriedade comum para interesse privado. A con-seqüência da falha do regime de propriedade co-mum foi denominada de “tragédia” por Hardin(1968), que concluiu: “o homem racional descobreque sua parte nos custos decorrentes dos dejetosque lança na propriedade comum é menor do queo custo de purificar esses dejetos antes de liberá-los no ambiente. Uma vez que isso é verdadeiropara todos, nós nos fechamos dentro de um siste-ma no qual ‘sujamos a própria cama’, desde quenos comportemos simplesmente como empreen-dedores independentes, racionais e livres”.

Uma formulação devida a Ronald Coase dizque “não há sistema de produção eficiente semque cada bem material ou recurso natural tenha umproprietário” (Simonsen, 1994). O argumento prin-cipal é que na ausência de custos de transação ede comportamento estratégico, as distorções asso-ciadas com as externalidades serão resolvidasatravés de barganhas voluntárias entre as partesinteressadas (Cropper & Oates, 1992). Uma exten-são direta desses argumentos ligados às questõesambientais diz que os problemas de deterioraçãodo meio originam-se da superexploração dos re-cursos naturais devido à ausência ou indefiniçãodos direitos de propriedade. Exemplificando: numrio com proprietário indefinido, seja ele um moradorribeirinho, o próprio Estado ou um terceiro interes-sado nos serviços do rio, não há custos que inci-dem sobre a firma com relação ao lançamento desubstâncias que deterioram a qualidade da água, enada impede que sejam lançadas quantidadesmuito acima do que o rio possa suportar (podemexistir constrangimentos legais, evidentemente). Aineficiência econômica estará caracterizada pelanão incorporação do custo do dano à água do rioaos custos totais de produção e consumo do bem.Ressalte-se aqui que o postulado Coaseano indicaque a eficiência econômica pode ser atingida inde-

pendentemente de quem for detentor dos direitosde propriedade: um dos requisitos é que eles sejambem definidos. O caso corrente do rio pertencer aoEstado cai na situação da impraticabilidade doexercício dos direitos de propriedade, em funçãodos custos para fiscalizar sua utilização seremelevados ou da própria execução da fiscalizaçãoser impossível.

O estabelecimento dos direitos de proprie-dade aos recursos naturais permitiria, segundo aótica coaseana, alocar esses recursos de formaeficiente. O poluidor poderá comprar o direito depoluir ou, ao contrário, a vítima da poluição poderápagar para que não haja poluição. Assim, os ins-trumentos econômicos derivados da estratégia deCoase baseiam-se sobretudo na idéia de barganhaentre “vítima” e “poluidor”, rejeitando a intervençãogovernamental. No caso da poluição hídrica, pode-se caracterizar o poluidor como aquele que lançaelementos nocivos à água pelas suas atividades,aquele que produz os insumos utilizados pela firmae que se constituem em poluentes ou aquele aquem se destina o produto que ocasiona a poluiçãoem seu processo de obtenção. Da mesma forma,as vítimas podem ser os usuários atuais e futurosdos recursos hídricos afetados pela poluição ouseus representantes. Certamente, a questão pas-sa a ser mais intrincada do que no modelo simplifi-cado produtor x consumidor.

Estratégia de Pigou Em contraste à ótica derivada de Coase, a

estratégia Pigouviana, devida a Arthur Pigou,aponta para a internalização dos custos externosdentro de uma dada estrutura legal de direitos depropriedade (Ring, 1997). O caráter de bem públicodos recursos ambientais pede por intervenção go-vernamental para que se impeça a discrepânciaentre custos-benefícios privados e sociais. Essaestratégia prescreve a adoção de taxas para ga-rantir uma alocação ótima dos recursos.

Segundo Ring (1997), a internalização dosefeitos externos representa a estratégia decisivapara integrar os problemas ambientais ao sistemade mercado. Se se fizer uma diferenciação entremeios e fins, a internalização pode ser vista como afinalidade última da economia ambiental. Aceitaessa posição, a questão passa a ser então os mei-os para o alcance da internalização.

A estratégia Pigouviana para internalizar oscustos externos propõe simplesmente que a firmaseja onerada com um imposto equivalente ao customarginal externo decorrente da atividade poluidora.Ou seja, “maximiza-se o benefício social quando se

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estabelece um imposto igual aos custos marginaisdo dano ambiental no nível de produção ótimo,com a empresa suportando os custos externos naforma de um imposto tratado como um custo priva-do” (Pearce, 1985). Como alertado por Cropper &Oates (1992), o imposto ou taxa pigouviana (preçodo efluente lançado e que se constitui em danoambiental) deve estar associado diretamente àatividade poluidora e não àquelas relacionadas aoproduto da firma, nem aos insumos. Em outraspalavras, a taxa pigouviana deve tomar a forma deuma arrecadação por unidade de lançamento depoluentes ao ambiente ? e não uma taxa sobre asunidades dos bens produzidos pela firma, nemsobre um insumo (por exemplo, combustível fóssilassociado com a poluição). A explicação está emque taxas aplicadas nos produtos ou insumos nãosão custo-efetivas, pois as firmas podem diferir emmuito quanto à capacidade de gerir sua produção,tanto na eficiência de utilização dos insumosquanto na emissão de resíduos.

As estratégias e o direito de poluir

Considere-se a seguinte possibilidade deocorrência de poluição: um número definido e está-vel de agricultores cultiva determinada área invari-ável ano a ano e com emprego de certas técnicasde produção consolidadas pelo uso. Os poluentesagrícolas são carreados aos cursos de água quedrenam essas terras cultivadas, mas eles não sãosuficientes para ocasionar problemas à água devi-do à capacidade de assimilação do sistema hídrico.Numa situação desse tipo, certamente não há ra-zões para se falar de poluição hídrica, pois o pro-blema não se manifesta. Mas é possível enumeraralgumas maneiras que, isoladas ou em conjunto,poderiam fazer o problema surgir: (a) aumento daárea cultivada e/ou do número de agricultores; (b)alteração das técnicas de produção para compen-sar o desgaste das terras, com conseqüente aportede insumos potencialmente poluidores; (c) pressãodo mercado consumidor por bens agrícolas esteti-camente diferenciados ou por novos produtos,também induzindo a aplicação de insumos potenci-almente poluidores; (d) aumento nas exigências dequalidade da água, seja pela mudança nos critériosde classificação ou na alteração das destinações;(e) modificações na quantidade de água comporta-da pelo sistema hídrico submetido à ação dos agri-cultores, sejam pelas retiradas não-agrícolas, peloavanço das áreas impermeabilizadas (urbanização)ou devido à construção de obras de porte suficientepara interferir no regime hidrológico da região; (f)ocorrência de catástrofes naturais com grande

tempo de retorno (eventos raros), com ação sobreo regime hidrológico; (g) pressões do mercado defatores para que as técnicas de produção sejammodificadas (novamente levando ao maior consu-mo de insumos potencialmente poluidores). Evi-dentemente, essa listagem é apenas uma de ou-tras tantas que se poderia descrever. Mas ela é útilpara demonstrar os argumentos defensivos toma-dos pelos agricultores e seus representantes quan-do interpelados pela sociedade quanto aos efeitosindesejáveis à água promovidos por suas ativida-des econômicas. De todos os itens enumerados,apenas os dois primeiros parecem ser de direta“responsabilidade” dos agricultores: a expansãodas atividades e o mau uso dos recursos agrícolas.Mas é fácil notar que até mesmos essas vincula-ções são defensáveis.

Posto dessa forma, a questão da poluiçãohídrica originada do meio rural assume um carátermaniqueísta, opondo agricultores vs. usuários daágua1 numa relação de conflito em que o bem e omal mudam de lugar conforme o olhar de cadaoponente. Em outras palavras, o conflito ocorreentre o direito de poluir e o direito à água limpa ? edessa maneira já não restaria dúvida a um obser-vador externo a qual dos antagonistas atribuir aatitude inconveniente. Na prática, no entanto, comoem geral não se pode conceber um observadorcom isenção para julgamento, a questão da atribui-ção de direitos liga-se diretamente à própria distri-buição de poder na sociedade: sem concessões àingenuidade, o lado que irá prevalecer será aqueleque mais contribui para o conforto ou o bem-estardos membros mais poderosos da comunidade.Para Galbraith (1988), são os interesses dessesmembros que atribuem uma “virtude social conve-niente” a uma determinada atividade: “o reconhe-cimento moral do comportamento conveniente eportanto virtuoso pela comunidade serve, então,como substituto de uma recompensa monetária. Ocomportamento inconveniente transforma-se emcomportamento anormal e fica sujeito à reprovaçãoou sanção da comunidade”. As atividades agríco-las, ao deixarem de atender o conforto e bem-estardos membros mais poderosos, podem perder aposição de “comportamento conveniente” mesmosem alterar seus processos de produção. E o di-reito pode “mudar” de lado. Da mesma forma, se abalança pender para o lado dos agricultores, atitu-des reprováveis à luz da ótica ambiental podem serjustificadas pelas inegáveis conquistas econômicasdecorrentes da atividade rural (além do sentimen-talismo evocado por todas as coisas agrárias). 1 No sentido amplo que encerra todas as destinações do meio

hídrico, como abastecimento da população, recreação, recur-sos pesqueiros, paisagismo, ecossistemas, etc.

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Bromley (1996) aborda a questão dos direi-tos aplicáveis ao setor agrícola utilizando a idéia dapromoção de benefícios vs. prevenção de danos.Quando os agricultores lançam substâncias noci-vas à água em função de suas atividades, os de-fensores dos usuários dizem que houve danos aomeio hídrico. Por outro lado, os agricultores, aoevitarem o lançamento dessas substâncias argu-mentam que estão promovendo uma melhoria daqualidade da água e, portanto, proporcionandouma forma de benefício. Sob o cerco de interessesambientais, eles manifestam-se dizendo que aguarda dos recursos rurais por eles efetuada cons-titui-se de uma provisão de benefícios ambientaispara o grande público. Baseados nisso, eles reivin-dicam recompensas financeiras para executarempráticas de uso do solo conservacionistas. Tal rei-vindicação pode parecer desconfortavelmenteanáloga ao caso do “assaltante que apela parasuas vítimas um financiamento para cobrir os cus-tos de sua honestidade”, como ironicamente disse-ram Baumol & Oates (1988). Os contrários à práti-ca desse tipo de “chantagem” dizem que os agri-cultores não devem receber pagamentos para for-necer aquilo que, na ausência de agricultura, seriaobtido pela ordem natural das coisas. A questãoestá em aberto: a autoridade pública deve utilizar o“chicote” ou a “cenoura” para induzir padrões decomportamento socialmente desejáveis?

Instrumentos para implementação deestratégias econômicas aplicadas à gestãode qualidade da água

Como a poluição é uma conseqüência deatividades econômicas executadas no ambiente ouàs custas dele, nada mais coerente do que en-frentá-la por meio de instrumentos econômicos.Esta é a receita encampada pelos apologistas daeconomia como a instância mais adequada para otratamento do problema. Numa síntese extrema,poder-se-ia dizer que num sistema em que os di-reitos de propriedade são explícitos e bem defini-dos, a cobrança (subsídio) pelos lançamentos desubstâncias prejudiciais à qualidade da água é omodo de se atingir determinado padrão de qualida-de ao menor custo em recursos de toda a socieda-de. A consecução dessa sentença requer medidasdelineadas pela teoria econômica ou obtidas pelaexperiência e que sejam aplicáveis às diversassituações encontradas no campo da gestão dosrecursos hídricos.

Tratar economicamente o problema da polui-ção significa, em resumo, dotar o conjunto de bense serviços ambientais com um dispositivo de pre-

ços ? ou seja, incluir esse conjunto no sistema demercado. Na situação idealizada, a principal virtudedo sistema é sinalizar aos consumidores quais sãoos custos de se produzir um determinado bem deconsumo e sinalizar aos produtores quais são asavaliações relativas dos consumidores (baseadasnas suas disposições de pagamento).

O reconhecimento do valor monetário dosrecursos ambientais para indução de comporta-mento positivo dos agentes econômicos pode serefetuado de diversas maneiras. Entre elas, pode-secitar formas de alteração direta no preço ou nocusto de obtenção de um certo bem, como a co-brança efetuada sobre os produtos ou sobre osprocessos que geram esses produtos (cobrançasobre os lançamentos de poluentes, cobrança so-bre insumos); formas indiretas de alteração depreços ou custos, via meios fiscais (impostos, aba-timentos de impostos) ou financeiros (subsídiosdiretos, empréstimos a fundo perdido, reembolso);ou formas de criação de mercados, como as per-missões negociáveis.

As cobranças representam um modo diretode apreciação do uso do ambiente. Segundo ospreceitos econômicos, o tipo mais eficiente de co-brança é aquela efetuada sobre as emissões: apli-ca-se um valor monetário correspondente ao danoambiental presumível de cada unidade de poluentelançado no ar, na água ou no solo e pela geraçãode ruído. O objetivo é internalizar os custos ambi-entais decorrentes da atividade produtiva e esti-mular a redução dos respectivos danos ambientais,pois quando o custo marginal de abatimento dapoluição for inferior ao valor da cobrança haveráum encorajamento das firmas no sentido de toma-rem medidas que resultem em decréscimo da po-luição. Uma outra alternativa, que apresenta avantagem da gradualidade, é cobrar um preço sufi-ciente para estabelecer uma redução da poluição,cujo montante pode ser estabelecido por negocia-ção com a sociedade. Essa alternativa poderá fa-zer parte de uma política de controle que gradual-mente despolua um ambiente, com uma velocidadecompatível com as possibilidades de investimentoda sociedade em obras de controle. Sob esta últi-ma ótica, as cobranças incidentes sobre os usuári-os de um certo bem ou serviço ambiental não estãodiretamente ligadas ao custo do dano ao meio na-tural, relacionando-se principalmente aos custos detratamento, coleta e depósito dos resíduos.

Outras variantes são as cobranças adminis-trativas, que são aplicadas aos que desejam seinstalar num local ou fazer uso de determinadosrecursos ambientais. Porém, estas cobranças vi-sam cobrir custos de controle e avaliação de danose estão associadas aos licenciamentos necessários

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para verificar-se a adequação da firma aos regula-mentos legais (estão mais de acordo, portanto,com a visão jurídico-administrativa). Sob este as-pecto, não podem ser consideradas como instru-mentos econômicos, pois não são suficientementeindutoras de controle de poluição.

A cobrança sobre os produtos adota a idéiade taxar aquelas substâncias prejudiciais ao ambi-ente quando elas forem utilizadas num dado pro-cesso produtivo, ou quando consumidas ou dis-postas no meio. Engloba, dessa forma, a noção deque um bem econômico deve incluir em seu preçoo dano ambiental ocasionado durante sua obten-ção e/ou consumo. As taxas incidentes sobre osprodutos-insumos parecem ser alternativas compotencialidades de aplicação ao problema de po-luição não-pontual ou proveniente de fontes mó-veis.

Os impostos diferenciais são medidas fiscaisque visam gravar (ou desonerar) aquelas ativida-des consideradas de comportamento ambientalindesejável (desejável) pela modificação do regimetributário normal que as empresas estão submeti-das. Por exemplo, seria o caso das sobretaxasincidentes numa indústria cuja unidade de produ-ção fosse estabelecida em local inadequado, comrelação às recomendações técnicas constantes emregulamentos. Ou ainda, de modo oposto, a dife-renciação pode ocorrer de forma positiva para aempresa na forma de isenções ou redução nasalíquotas dos impostos, desde que sejam tomadasmedidas de melhoria ambiental. Ressalte-se quemedidas de diferenciação fiscal não estão necessa-riamente ligadas a uma relação direta produção-poluição, pois muitas vezes a intenção é desesti-mular o ingresso de uma atividade numa região eseus conseqüentes desequilíbrios em termos deurbanização e requerimentos de investimentospúblicos em infra-estrutura. As isenções ou redu-ções de impostos estão associadas à idéia da pos-sível maior eficiência ou aptidão das empresasprivadas na utilização de recursos financeiros emprojetos de proteção ambiental.

As isenções ou reduções nos impostos po-dem ser consideradas também como uma forma desubsídio pelas ações de controle ou melhoria am-biental executadas por uma firma. Estes abati-mentos e ainda os empréstimos com juros favore-cidos ou a fundo perdido constituem-se em subsí-dios indiretos, para diferenciá-los dos que afetamdiretamente o preço de insumos e/ou do produtofinal. Os subsídios agem com tendência oposta àscobranças, deslocando a curva de oferta da indús-tria para a direita, pois as firmas estarão dispostasa oferecer uma quantidade maior do produto devi-do ao crescimento da possibilidade de lucro (além

de aumentar o número de firmas que entram nomercado). Assim, pode-se conceber que a utiliza-ção de subsídios resulte num aumento da quanti-dade total de poluição, mesmo que individualmenteas firmas reduzam seus lançamentos. Neste ponto,deve-se fazer uma diferenciação entre subsídio ecompensação. Enquanto a primeira alternativa temefeitos no sentido de aumento ou manutenção daprodução, a segunda atua como um ressarcimentopara as perdas financeiras decorrentes da altera-ção de métodos que reduzem a produção ou pelopróprio desestímulo à atividade produtiva.

No sistema de incentivo do tipo depósito-reembolso, parte do valor monetário cobrado porum produto potencialmente poluidor é depositadoem um fundo destinado a servir como garantia dosriscos de danos ambientais ocasionados pelo con-sumo desse produto. O reembolso se dá quando oproduto ou parte dele retorna a um ponto de coletaapós ser utilizado, impedindo assim os efeitos pre-judiciais ao meio. Na agricultura, um exemplo de talincentivo é o caso das embalagens de agrotóxicos:ao retorná-las para depósito em local adequado, oagricultor receberia o reembolso de uma certaquantia anteriormente paga quando da aquisiçãodo insumo. Variantes da medida depósito-reembolso são as cauções de garantia ou desem-penho que as firmas devem depositar para se ins-talar num determinado local e executar certas ativi-dades de risco ambiental. Se as firmas mantiveremum comportamento aceitável em termos de de-sempenho ambiental, os valores depositados serãoreembolsados após certo prazo.

As permissões negociáveis para lançamen-tos são medidas equivalentes às cobranças poremissões para se obter a quantidade “ótima” depoluição, como pode ser constatado em Cropper &Oates (1992). Nessa alternativa, a autoridade am-biental coloca no mercado uma certa quantidadede permissões para lançamentos de poluentes,ajustadas à quantidade agregada eficiente, e per-mite que as firmas façam ofertas por elas. As per-missões são quotas ou tetos máximos para lança-mentos, visando, em seu conjunto, atingir determi-nada meta ambiental. Do ponto de vista econômi-co, as negociações de permissões são medidas demercado por excelência e uma correta implemen-tação conduz a um resultado que satisfaz o con-ceito de máxima eficiência econômica (no mundoidealizado de conhecimento perfeito, naturalmen-te).

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MEDIDAS ECONÔMICAS APLICÁVEIS ÀPOLUIÇÃO NÃO-PONTUAL

Medidas que envolvem cobranças

O problema da poluição de origem agrícola não éprontamente assimilável pelos produtores rurais,que não percebem ou não admitem que suas ativi-dades, muitas vezes de pequena escala, possamocasionar decréscimo da qualidade ambiental e aconseqüente degradação da água. Em uma baciahidrográfica cultivada por um grande número deagricultores, possivelmente cada um deles é res-ponsável por uma parcela pequena do total depoluentes lançados ao meio hídrico. Deve-se con-siderar também que na maioria das situações o tipode atividade agrícola e o padrão tecnológico exer-cido na bacia são comuns ao grupo de agricultores,havendo pouca diferenciação em relação aos in-sumos utilizados, apesar de haver variabilidadecom relação ao manejo e às características domeio. Portanto, qualquer quantificação individualdos danos é uma tarefa muito complicada ou atéimpossível de ser realizada em se tratando de fon-tes agrícolas de poluentes. Tome-se, por exemplo,o nitrato como substância a ser controlada no meiohídrico: elevados níveis na água estão diretamenteassociados com adubações realizadas nos cultivosdistribuídos a montante do ponto de medição; noentanto, em se tratando de um grande número deprodutores, a não ser imputações qualitativas pou-co se poderá empreender em termos da associa-ção fonte x teor de nitrato na água, devido princi-palmente a grande mobilidade da substância e asua disseminação ao longo dos aqüíferos queabastecem o local da avaliação. Em termos esta-tísticos, é evidente que uma certa molécula denitrato tem probabilidade não nula de ter sido origi-nada em qualquer ponto da bacia que pode contri-buir com água para o recurso hídrico avaliado.Torna-se claro, então, que em grande parte dosproblemas de poluentes de origem difusa apenasse pode atribuir culpas para a coletividade e todasas tentativas de individualização passam por crité-rios subjetivos e não imunes a erros ou juízos devalor pessoal do avaliador.

Sendo assim, as alternativas de cobrançasobre lançamentos de determinadas substâncias ea própria cobrança pelo uso dos recursos naturais,como solo e água, são possibilidades pouco rea-listas quando indicadas para aplicação no meiorural. Entretanto, os partidários do instrumento“cobrança” alegam que os agricultores podem serjulgados de acordo com as ações e procedimentosefetuados nas suas atividades produtivas, empre-gando-se para tal medidas puramente qualitativas

como formas de avaliação, entre elas a adoção ounão de certas práticas de conservação do solo,técnicas de agricultura “orgânica”, manejo de resí-duos, reflorestamento, rotação de culturas e pou-sio, além de outras. Detectada a inadequação dosprocedimentos em termos ambientais, os produto-res seriam onerados diretamente via cobrança detaxas ou impostos diferenciados na mesma medidado dano presumível causado (considerando a pos-sibilidade de sua quantificação); ou, de modo equi-valente, seriam retirados incentivos ou vantagenseconômicas daqueles produtores que praticassemmétodos agrícolas causadores de danos ao meio.

A principal impropriedade do uso desse tipode cobrança reside na dificuldade de se avaliar ainteração homem-meio e a qualidade das relaçõesresultantes. Procedimentos tidos como altamenteperniciosos podem circunstancialmente ser poucoagressivos ao meio, desde que empregados compreocupações ambientalistas. O uso de agrotóxi-cos, por exemplo, não implica necessariamente empoluentes lançados aos recursos hídricos, situaçãopara a qual concorrem várias causas: superdosa-gem, manejo inadequado dos resíduos e embala-gens, técnicas incorretas de aplicação e desprepa-ro cultural dos agricultores, entre outras. Assim,uma virtual cobrança seria mais pelo risco do quepelo efeito do dano propriamente dito. Aqui, naverdade, substitui-se o enfoque custo-benefíciopelo enfoque “precaucionário”. Uma definição am-pla desse enfoque dada por Turner et al. (1994) dizque, devido às incertezas, devem ser tomadasprecauções quando do ajuste dos padrões deemissão, dando-se mais ênfase na prevenção dapoluição via medidas de redução das fontes do queconfiar nos tratamentos fim-de-linha.

Verifica-se então que a instituição do princí-pio poluidor-pagador e a elaboração do processode cobrança sobre lançamento de poluentes naágua, quando aplicados a um agricultor específico,tem poucas chances de atingir aqueles objetivosdiretamente associados com o instrumento, quaissejam, inclusão dos danos ambientais aos custosde produção da firma ? já que no caso agrícola nãopodem ser determinados os danos ambientais emtermos de unidade de produção ? , e incentivo pararedução dos danos, ao menos no nível em que ocusto marginal da redução da poluição seja igualao benefício marginal do dano evitado. À exceçãoda situação pouco comum de propriedades agrí-colas que ocupam a totalidade de uma bacia hidro-gráfica de porte significativo, a qual sempre seriapossível atribuir os danos verificados no meio hídri-co sob sua influência, nas outras situações as pos-síveis degradações apenas seriam atribuíveis àcoletividade formada pelos integrantes da bacia e,

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neste caso, a cobrança deveria recair sobre a pró-pria coletividade. De imediato pode-se contrapor aessa possibilidade o fato de que tal medida certa-mente não seria custo-efetiva, mesmo que se utili-zassem parâmetros para atribuição de “culpas”individualizadas, do tipo usa-não usa determinadastécnicas; maior área cultivada, maior dano; proxi-midade dos cursos de água; presença de matasciliares; etc. Gravar toda uma comunidade podenão ser garantia de estímulo individual para imple-mentação de medidas que resultem em abatimentoda poluição. Além disso, uma cobrança deste tipopoderia ser pouco eficiente na coibição da polui-ção, já que ao onerar a todos, o pagamento dospequenos poluidores poderá reduzir o que osgrandes poluidores pagariam, não os induzindo aocontrole. Cobrar da microbacia ou da associaçãode usuários teria o mesmo efeito anterior, ao diluirno todo aqueles com comportamento ambiental-mente adequado e aqueles que agem de formaoposta.

Como alternativa à cobrança sobre efluen-tes, a cobrança incidente sobre o usuário de umdeterminado serviço é sempre uma medida atra-ente para a autoridade ambiental. Mas possui oinconveniente de não estar diretamente relaciona-da aos custos dos danos causados, mas sim aoscustos de coleta, disposição e tratamento de certassubstâncias empregadas no sistema de produção.Seria o caso, por exemplo, do recolhimento dedeterminados tipos de resíduos tóxicos, como em-balagens e restos de agrotóxicos, no caso rural, esua disposição/tratamento em locais apropriados.As distribuições das atividades agrícolas em exten-sas áreas e as dificuldades de fiscalização sãoentraves que desencorajam pelo alto custo de im-plantação.

Em substituição às cobranças sobre usuári-os, pode-se optar por cobrança incidente no pro-duto final e/ou nos insumos empregados no pro-cesso de produção e que estejam associados adanos ambientais. Este é um instrumento potenci-almente aplicável ao caso de poluição não-pontuale atua no sentido de redução da quantidade deequilíbrio de mercado de um bem econômico devi-do ao usual deslocamento para a esquerda dacurva de oferta. Aplicadas aos bens agrícolas emparticular, estas medidas visam alterar o sistemade produção por meio de estímulos à substituiçãode cultivos (ou criações) e/ou de insumos que tor-nem a atividade agropecuária menos agressiva aosrecursos ambientais. No entanto, tais medidasesbarram na baixa elasticidade-preço da demandade alguns produtos e insumos agrícolas e, nestecaso, para que haja uma redução significativa naquantidade transacionada os aumentos de preço

devem ser expressivos, o que irá requerer umataxação elevada nos produtos/insumos para que asmedidas proporcionem os efeitos desejados. Natu-ralmente, tal política implica efeitos na renda dosagricultores e consumidores, com conseqüentesurgimento de problemas de aceitação pública eimpopularidade dos agentes políticos, principal-mente quando as possibilidades de substituiçãodos produtos sobretaxados são mínimas.

O método das permissões negociáveis éuma opção que enfrenta os mesmos problemas dacobrança sobre os lançamentos de efluentes, poisa limitação básica é como atribuir os danos aocausador individual. Mesmo que isso fosse possí-vel, como alocar as permissões dentro de um qua-dro de ocupação prévia numa bacia hidrográficasem haver distinções e discriminações? Além dis-so, há um elevado grau de complexidade adminis-trativa envolvida em tais sistemas e os custos detransação são altos devido ao grande número de“poluidores”. Uma adaptação do método poderialevar em conta a possibilidade de se consideraremsub-bacias como unidades poluidoras: a autoridadeadministrativa alocaria direitos de lançamentospara cada uma delas ? utilizando parâmetros comoárea total, relevo ou mesmo a área previamentecultivada, por exemplo, ? de tal forma que a quan-tidade agregada de poluentes permanecesse emum patamar fixado e de acordo com certo padrãoambiental. Para uma sub-bacia, qualquer expansãode atividade (ou mudança no padrão tecnológico)que ocasionasse ampliação dos lançamentos alémdos limites pré-estabelecidos apenas seria permiti-da caso houvesse negociação com outras unida-des e uma eventual comercialização dos direitos delançamento. Numa situação idealizada, esses di-reitos seriam transacionados por mecanismos demercado, com a autoridade ambiental encarregan-do-se das avaliações periódicas, fiscalização earbitragem de eventuais conflitos. Se por um ladonão restam dúvidas quanto à eficiência econômicado método das permissões negociáveis, sua im-plementação no meio rural tem poucas chances deser tecnicamente viável, tanto pelas limitações jádiscutidas como por ser de remota aplicação quan-do se tem mais do que um poluente simultanea-mente lançado no meio hídrico, caso típico na agri-cultura (as negociações deveriam ser realizadas nabase de poluente por poluente).

Por fim, como impedimento ao uso de medi-das que resultem em cobrança financeira restadizer que há, ainda, a suspeita de muitos críticossobre a fúria fiscal do governo. Como já não há oque tributar, dizem eles, impõe-se um valor aosbens ambientais e estipulam-se cobranças monetá-rias para seu uso. Na verdade, as maiores descon-

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fianças acerca do Estado como gestor dos recur-sos originados de cobranças pelo uso do meioreferem-se ao retorno desses recursos sob a formade melhorias ou recuperação ambiental. Em funçãoda tradicional centralização administrativa, taisdúvidas não são infundadas. Porém, deve-se sali-entar que a introdução de um sistema que envolvainstrumentos econômicos requer a implementaçãode uma estrutura descentralizada de gerencia-mento ambiental, com a devida participação comu-nitária e de representantes dos diversos segmentosque competem pelo uso da água. Na realidade,qualquer proposta política de gerenciamento daqualidade da água deve ser antecedida pela im-plantação de uma estrutura organizacional na baciahidrográfica, como previsto inclusive na Lei 9.433(Política Nacional dos Recursos Hídricos), na qualestá estabelecida a necessidade de formação dosComitês de Bacia e das Agências de Água.

Medidas que envolvem subsídios ou compensações

A expressão “utilizar o chicote ou a cenoura”é muito empregada na literatura inglesa como me-táfora para diferenciar os instrumentos que usam acoerção daqueles que usam indução como formade se buscar níveis adequados de qualidade ambi-ental.

Entre os instrumentos de indução, o meca-nismo de compensação estabelece que o produtorrural seja retribuído pela não-utilização de determi-nada técnica ou sistema de produção na sua ativi-dade agrícola, a qual estaria associada com efeitosnegativos à qualidade da água. A compensaçãoseria necessária em função do decréscimo de ren-da ocasionado pela substituição da técnica ou sis-tema de produção “nocivo” por outro menos rentá-vel, mas mais desejável do ponto de vista do usuá-rio da água. De modo análogo, em determinadascircunstâncias o produtor poderia receber subsídiospor ações de controle da qualidade da água, aoinvés de alterar seu sistema de produção. Nestecaso, a idéia seria promover a adoção de medidasmitigadoras pelos produtores, bancadas pela soci-edade. Este tem sido o instrumento mais difundidoem programas de conservação do solo, cujos alvosprimários, evidentemente além do próprio solo, sãojustamente os recursos hídricos, principalmentevisando o problema de assoreamento das estrutu-ras hidráulicas para fins de geração de energiaelétrica. Outra medida similar é a recompensa, oque equivale premiar aqueles produtores que ado-tam sistemas de produção minimizadores de danos

ao ambiente. Os prêmios muitas vezes são distin-ções oferecidas por agentes promotores de quali-dade ambiental como, por exemplo, a concessãoda ISO 14000.

Uma vez que os subsídios tendem a ocasio-nar uma expansão da produção, pode-se esperarque as conseqüências indesejadas da atividadeprodutiva também se ampliem. Portanto, os subsí-dios podem causar efeitos colaterais que resultamem maiores danos ao ambiente, desde que hajacorrelação positiva entre produto e poluição, situa-ção mais freqüente. Em tais casos, diz-se que ossubsídios são “perversos” ao meio (OECD, 1997).Certamente, o debate sobre o nível tolerável deexternalidade ambiental negativa será equilibradoquando houver visíveis benefícios sociais oriundosde uma certa atividade, enquanto que a manuten-ção dos esquemas de subsídios será pouco con-vincente ao público quando não houver objetivossociais claramente definidos.

Enquanto instrumento de promoção de me-lhorias ambientais, os subsídios agrícolas podemser empregados como estímulo à substituição decultivos e/ou para adoção de técnicas diferenciadasde produção. Tome-se, por exemplo, a situação docultivo de plantas de cobertura do solo durante operíodo de inverno no Sul do Brasil: há conveniên-cia sob o ponto de vista do controle da erosão e dadiminuição do carreamento de sedimentos, polu-ente com grande repercussão na qualidade daágua, mas não há atrativos econômicos nos culti-vos comerciais disponíveis ao agricultor. Portanto,um esquema de subsídios ao cultivo de plantas decobertura poderia trazer impactos positivos ao am-biente, não havendo “perversidade” na sua im-plantação. Adicionalmente, os benefícios sociaispoderiam advir da ampliação da renda-consumodos agricultores e de uma maior disponibilidade deum bem agrícola no mercado (trigo, no caso maistradicional).

Em resumo, os subsídios podem ter conse-qüências de agravamento dos problemas ambien-tais devido à ampliação da produção e consumo debens agrícolas estimulados por preços compensa-dores, tanto do lado dos consumidores como dosagricultores. Mas, quando empregados como estí-mulo à adoção de procedimentos mais “amigáveis”em termos ambientais, podem trazer benefíciossociais decorrentes das externalidades positivasdesprendidas do próprio incremento das atividadesque geram renda financeira.

A questão das compensações difere em al-guns pontos dos subsídios. Num deles, pode-seobservar que ao compensar um agricultor peloabandono de um cultivo ou criação, ou ainda pelanão utilização de determinada técnica considerada

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nociva ao meio, aqueles que arcam com o custo damedida não recebem a contrapartida de uma dimi-nuição do preço de um determinado produto agrí-cola e nem haverá ganhos em termos da amplia-ção produção-consumo. Portanto, não há ganhospara a sociedade sob esse sentido. Mas é evidenteque um esquema de compensações só seria im-plantado se houvesse equilíbrio entre os benefíciosadvindos da redução da poluição e o valor dosrecursos financeiros transferidos aos agricultores.Em outro ponto, as compensações diferem dossubsídios na medida que estes tendem a ter seuscustos distribuídos para uma parcela da sociedadeque está muito além dos benefícios diretos resul-tantes de sua aplicação. As compensações tendema ser opções destinadas a contrapor grupos depessoas afetadas por danos ambientais direta-mente com os causadores desses danos. Equivaledizer que a compensação é um efeito direto dabarganha entre “poluidor vs. poluído”.

MEDIDAS ECONÔMICASCOMPENSATÓRIAS E PROTEÇÃO DASÁGUAS

A negociação corrente do objeto qualidadeda água, quando existe, envolve ao menos quatroagentes: concessionária, usuários da água, poderpúblico e poluidores. Sob influência do agente po-luidor, a água sofre alterações indesejáveis para osinteresses da concessionária do serviço de abaste-cimento público, que deve fornecer um certo pa-drão de qualidade aos usuários desse serviço. Aconcessionária não tem ingerência sobre o poluidore, quando o problema torna-se mais grave e ultra-passa sua capacidade de tornar a água novamenteaceitável para consumo, ela repassa aos usuáriosou diretamente aos seus representantes (poderpúblico) a tarefa de enfrentar a questão. E é o po-der público, de posse de instrumentos legitimadospela sociedade, que fará a arbitragem do conflito ebuscará as alternativas políticas de resolução.

Deve ser enfatizado que a qualidade daágua observada num local é o resultado de todoum processo que envolve motivações sociais eeconômicas. Ou seja, pressupõe-se que umaeventual poluição de origem agrícola não é umaresponsabilidade que deve ser atribuída unica-mente ao agricultor: em tais casos, há razões deordem econômica ou mesmo culturais que estãosubjacentes ao problema da poluição e devem serencampadas pela sociedade em sua integridade.Não que uma permissividade ecológica possa ser-vir como justificativa para necessidades ligadas àinsaciabilidade humana, que por si já é injustificá-

vel, mas sim que se trata de distribuir as responsa-bilidades a todos que se envolvem direta ou indi-retamente no processo de poluir, mesmo que re-motamente. No entanto, as reivindicações sociaisquanto a execução de medidas de proteção ambi-ental no meio rural são maiores do que aquelasque um agricultor em particular estaria disposto amanter. Como compatibilizar as distintas posições?

Sob uma ótica puramente jurídica, os ajustesseriam promovidos pela aplicação de medidaslegais e submissos a elas os agricultores seriamcompelidos a executar procedimentos de proteçãoambiental. A falha dos instrumentos regulatórios sedeve principalmente aos benefícios decrescentesdas práticas conservacionistas: o nível que convémconservar é muito maior para a sociedade do quepara o agricultor, e ele sempre seria tentado a in-vestir contra as normas de controle estabelecidaspela política ambiental. De uma forma mais prag-mática, alguns instrumentos econômicos visampromover um comportamento ambiental mais ade-quado por meio de mecanismos de preços: o agri-cultor, frente a um estímulo monetário, estaria maispropenso a adotar técnicas ambientalmente maisfavoráveis do que quando deixado ao seu própriointeresse. E para a sociedade seria mais vantajosaa opção de retribuir financeiramente os agricultorespelos benefícios de manutenção ou melhoria ambi-ental do que despender recursos na fiscalização eno julgamento de questões relativas ao uso e con-servação de recursos naturais.

Em outros termos, a declaração final acimapoderia ser estabelecida como: a sociedade possuiuma disposição de pagamento pela proteção ambi-ental, enquanto que os agricultores estão dispostosa aceitar um pagamento pela correspondente ado-ção das medidas de proteção.

Reconhecendo-se a legitimidade da imple-mentação de medidas que compensem os agricul-tores pela adoção de comportamento ambiental-mente favorável, o próximo passo é a estruturaçãodo “mercado” onde se dará o processo de negocia-ção do objeto “qualidade da água”. Esse mercadodeve proporcionar as seguintes condições ideais:(a) atender a demanda dos usuários da água esatisfazer os padrões de qualidade fixados porconsenso técnico ou por necessidades de saúdepública; (b) situar o valor das compensações aosagricultores em torno da disposição de pagamentodos consumidores por água de maior qualidade; (c)as compensações devem equilibrar as perdas re-sultantes das modificações do processo agrícola;(d) os valores transacionados entre usuários daágua e agricultores devem ser inferiores aos refe-rentes às possibilidades de tratamento da água porparte da empresa concessionária do serviço de

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abastecimento público; (e) os custos de intermedi-ação, avaliação e controle do sistema devem serbaixos o suficiente para não inviabilizar as transa-ções.

Portanto, pode-se apontar pelo menos trêsconjuntos de informações necessários para que sedesenvolva o processo de negociação: (i) avaliaçãodo estado atual da água e estabelecimento do pa-drão desejado; (ii) disposição de pagamento dosconsumidores pela garantia de obtenção de águano padrão desejado; (iii) disposição dos agriculto-res em aceitar um pagamento pela modificação dastécnicas de cultivo, pela redução da atividade agrí-cola ou até mesmo pelo seu abandono. Em outrostermos, há necessidade de se quantificar as com-pensações e para isso deve-se estimar o quantoperdem os agricultores e quanto ganham os usuá-rios da água.

Experiências em medidas compensatórias

No formato geral que se propõe neste tra-balho, não há muitas experiências que possam serapresentadas sobre medidas compensatórias.Pode-se considerar que tal ausência se deve, emparte, ao uso preferencial das medidas jurídico-administrativas na gestão dos recursos hídricos. Deoutra parte, o nível de organização da sociedadeem geral é baixo, principalmente no meio rural,havendo claras deficiências em termos de habilida-des e motivações para as negociações sociais. Emregra, atribui-se sempre aos agentes do poderpúblico a escolha e condução das políticas degestão, fato que pode gerar mais impasses do quesoluções, haja vista a tendência de esses agentesservirem mais à estrutura de poder vigente do queaos próprios interesses sociais. Um outro motivo,ainda, senão o principal, reside nas dificuldadesoperacionais para implementação do esquema decompensações. Há tarefas de arrecadação, parti-ção dos recursos, assistência técnica para introdu-ção e instrução dos métodos agrícolas alternativos,controle e avaliação dos procedimentos, entre ou-tras necessidades. No entanto, neste trabalho con-sidera-se que tais complicações são comuns aquaisquer alternativas destinadas à promoção daqualidade ambiental em sistemas reais.

Embora alguns autores incluam as compen-sações como uma forma de subsídio, assume-seaqui a seguinte distinção: subsídios são incentivosà produção ou ao uso de um determinado insumojulgado mais conveniente para a sociedade (quepode inclusive ter efeitos benéficos ao ambiente) eque visam sobretudo aumentar ou manter a ofertade certo bem econômico; as compensações, por

outro lado, têm como objetivo manter (aumentar) arenda do produtor quando ele for restringido nassuas possibilidades de produção. São pagamentosque visam contrabalançar as perdas relativas aos“custos de adesão” decorrentes do ingresso doprodutor em sistemas de produção ambientalmentemais adequados, considerando-se que a ofertaagregada do bem afetado não se altera (o mercadonão contrabalança o decréscimo de produção comaumentos de preços nos bens) ou até porque oprodutor fica impedido de permanecer na atividadeoriginal.

No âmbito dos países da Organização paraCooperação Econômica e Desenvolvimento(OECD, 1997), pode-se destacar algumas experi-ências de uso dos instrumentos compensatórios esimilares. Na República Tcheca, costuma-se esta-belecer compensações financeiras aos agricultoresque obtêm perdas devido às limitações de cultivoem zonas de proteção aos mananciais de água. NaIrlanda, há um “Programa de Proteção ao AmbienteRural” que, entre outras coisas, estabelece sub-venções (auxílios pecuniários) para os agricultoresque adotam planos de manejo de nutrientes com opropósito de proteger a qualidade da água. NaSuécia, desde 1988 há uma ampla variedade deprogramas que instituem compensações aos agri-cultores. Em 1989 e 1990, por exemplo, em algu-mas regiões foram concedidos pagamentos com-pensatórios de forma a promover cultivos que fixamnitrogênio diretamente da atmosfera (leguminosasem geral), pretendendo-se reduzir a utilização defertilizantes nitrogenados comerciais, os quais sãopotencialmente poluidores da água. De forma areduzir o uso de pesticidas, seja por meio de ingre-dientes ativos mais eficientes ou pelo uso de dosesmais baixas, os agricultores suecos foram encora-jados por essas compensações a testar novosprodutos e técnicas de aplicação. Além disso, em1989, introduziu-se um esquema de compensaçõestemporárias para os agricultores que convertessemtoda ou parte de suas áreas de cultivos em produ-ção orgânica. No Reino Unido, aplica-se um con-junto de esquemas compensatórios que visa prote-ger ou melhorar a qualidade do ambiente rural.Dentre aqueles voltados aos recursos hídricos, osmais importantes são os ligados ao programa “Áre-as Sensíveis ao Nitrato - ASN” e a um outro pro-grama que proporciona consultoria ou assistênciaaos agricultores em termos de avaliação dos riscosde poluição e sua capacitação no manejo de resí-duos. O ASN, que visa reduzir a perda de nutrien-tes do solo por intermédio de práticas agrícolas,compensa os agricultores que voluntariamentealteram suas técnicas de cultivo com o objetivo dereduzir significativamente a lixiviação de nitratos.

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Para acordos com duração de 5 anos, foi pago umtotal de 3,6 milhões de libras no biênio 1995/96(cerca de 5,8 milhões de dólares), com pagamen-tos que variaram desde 55 libras por hectare (88dólares) para situações em que se restringe o usode fertilizantes nitrogenados, até 590 libras (950dólares) por hectare para aqueles que optarampela conversão das terras aráveis em pastagensnativas.

A noção de pagamentos compensatórios nãoé nova nos Estados Unidos. Russel & Fraser(1995) lembram que já nos anos 30 havia nessepaís uma estrutura de pagamentos destinada aosagricultores que eventualmente executassem de-terminadas atividades. Nessa época, a eventuali-dade relacionava-se à participação do agricultor emprogramas de controle da oferta. A compensaçãose daria por eventuais razões de mercado: o ex-cesso de oferta ocasiona abaixamento dos preçosdos produtos agrícolas, com conseqüente amplia-ção dos gastos do governo para satisfazer a políti-ca dos preços mínimos. Mais recentemente, nosanos 80, foram propostas alterações nessa estrutu-ra, de forma a penalizar os agricultores que nãodemonstrassem haver introduzido práticas de con-servação do solo em seus estabelecimentos. Aspenalidades consistiriam de exclusão ou sensívelredução nos valores das compensações destina-das aos mecanismos de controle da oferta oumesmo condicionar o pagamento do preço mínimoà execução de certas medidas de proteção ambi-ental (originalmente, práticas de conservação dosolo). Naturalmente, a compensação não está liga-da diretamente à execução de uma determinadaprática ambientalmente mais favorável, já que oobjetivo principal seria o controle da oferta, mas osefeitos são os mesmos em termos de indução a umcomportamento mais adequado.

Talvez o caso da Suécia seja a experiênciamais emblemática em termos de uso de medidascompensatórias como forma de estimular mudan-ças na agricultura, visando sobretudo torná-la am-bientalmente mais adequada. Como relataram Lohr& Salomonsson (1998), a política na Suécia temfavorecido as alterações agrícolas no sentido daredução ou abandono do uso de substâncias quí-micas. Duas principais justificativas são apontadaspelos autores: proteção ambiental e redução nosexcedentes agrícolas. Em 1985, a política agrícolasueca pela primeira vez estabeleceu como metapromover uma agricultura que “respeitasse a quali-dade ambiental e reconhecesse a necessidade douso sustentável dos recursos naturais”. Anterior-mente, em 1982, já havia sido implantado um im-posto sobre os fertilizantes para regular seus pre-ços (em 1986 adotou-se também para os pestici-

das), com o objetivo de inibir sua utilização, reduzira produção agrícola e, conseqüentemente, reduziros gastos em subsídios para exportação dos exce-dentes. Adicionalmente, em 1984 aplicou-se umataxa de 5% sobre os preços dos fertilizantes e pes-ticidas. Para os fertilizantes, o conjunto de impos-tos e taxas representa hoje cerca de 20% do preçofinal. Os fundos provenientes das taxas são desti-nados às pesquisas voltadas à redução ou elimina-ção das substâncias químicas na agricultura e aosesforços de extensão e educação. Um dos resulta-dos mais evidentes foi a redução pela metade douso de pesticidas entre 1990 e 1995. Além dessasmedidas, para impulsionar o uso de práticas deprodução orgânica, em 1989 foi estabelecida umacompensação temporária àqueles agricultores queaderissem aos regulamentos das agências nacio-nais de certificação por pelo menos seis anos. Acompensação cobriria as eventuais perdas queocorressem na fase de transição entre um sistemade cultivo e outro, uma vez que o período necessá-rio para obtenção do certificado “orgânico” naquelepaís requer três anos de adesão às normas, perío-do em que o agricultor fica impedido de rotularseus produtos e não recebe os preços-prêmio típi-cos pagos por eles. Na primeira etapa do progra-ma, 1.781 agricultores foram contemplados, o querepresenta cerca de 4% dos 45.000 agricultores emtempo integral e parcial da Suécia. Um levanta-mento realizado com esses agricultores revelouque a maioria teve uma adequada assistência paraa adoção de métodos orgânicos, confia no sistemade inspeção e tem razões primárias não econômi-cas para aderir aos métodos orgânicos, apesar deas compensações terem desempenhado papelimportante na hora de aderir ao programa. O valordas compensações foi estabelecido entre 700 e2.900 coroas suecas por hectare/ano (entre 85 e300 dólares por hectare/ano), dependendo do tipode uso e da qualidade das terras. O tamanho mé-dio dos estabelecimentos agrícolas incluídos noprograma foi de 35 hectares, variando na faixa de 5a 200 hectares.

Em termos de eficácia, Lohr & Salomonsson(1998) consideram que as compensações são ele-mentos atrativos aos agricultores, dado seu caráterde contrabalançar as perdas decorrentes dos cus-tos de transição para os métodos orgânicos. Maseste não é único motivador. A própria existênciadas compensações demonstra que o governo e asociedade reconhecem as externalidades positivasassociadas com a agricultura orgânica e que háuma disposição de pagamento por esses benefíci-os. Políticas nacionais que favoreçam a agriculturaorgânica sinalizam aos agricultores convencionaissobre as preferências sociais, induzindo-os a práti-

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cas agrícolas ambiental e socialmente mais ade-quadas.

No Brasil, ignoram-se experiências reais deaplicação das medidas compensatórias como for-ma de induzir os agricultores a um comportamentoambiental mais desejável. Historicamente, tem seprivilegiado mais a produção agrícola do que aproteção ambiental, apenas voltando-se à conser-vação dos recursos naturais quando sua depaupe-ração torna-se uma ameaça à própria continuidadedas atividades deles dependentes (o solo é umexemplo ilustrativo dessas atitudes que vinculam amanutenção de um sistema de produção à neces-sidade de proteção do recurso que o suporta). As-sim, a tendência é de se cuidar somente aquelesrecursos imediatamente associados à atividadeagrícola, desprezando-se aspectos relevantes liga-dos à qualidade da água, aos ecossistemas emesmo às paisagens rurais. Numa ótica puramente“produtivista”, instituiu-se uma série de subsídiospara aquisição de máquinas e insumos agrícolas,além de uma assistência técnica em geral destina-da mais a instrução dos agricultores para uso ade-quado dessas máquinas e insumos, de forma a setirar o maior proveito em termos de acréscimo dasprodutividades, do que ao próprio desenvolvimentodo meio rural.

Exemplos de estímulos às práticas agrícolasambientalmente mais adequadas podem ser en-contrados em alguns programas de conservaçãodo solo. É o caso dos subsídios (ou parcerias) paraconstrução de estruturas físicas para controle daerosão em microbacias hidrográficas, muitas vezesde interesse para as empresas que administramhidrelétricas. Aqui, o objetivo direto sempre foi re-duzir o aporte de sedimentos às bacias de acumu-lação de água e manter a capacidade geradora deenergia por mais tempo, ou conservar sua vida útilprogramada no projeto. A adesão dos agricultores,nesse caso, em geral foi obtida por instrumentos decrédito: condicionava-se a liberação do custeioagrícola à adesão ao programa. Naturalmente, acontrapartida seria a manutenção ou melhoria dacapacidade produtiva do solo, com evidentes ga-nhos futuros para os agricultores (mais adequada-mente, para a sociedade). Portanto, mesmo comas empresas absorvendo parte dos custos de im-plantação do programa, e considerando os condici-onantes para os agricultores, tais “estímulos” de-vem ser categorizados como instrumentos puniti-vos (uma vez que impõem penalidades), ao invésde serem incluídos dentre os que aplicam medidascompensatórias.

Não obstante a ausência de estímulos positi-vos diretos, uma parcela de agricultores passou aintegrar grupos que praticam a chamada agricultura

alternativa (ou orgânica, biológica, etc). Uma sériede razões pode ser apontada, entre outras: motiva-ções ideológicas, filosófico-culturais ou religiosas;preocupações com a saúde familiar em função damanipulação de substâncias químicas, em geraldecorrentes de casos de intoxicações na família oucomunidade; garantia de mercado consumidor paraos produtos “orgânicos”; e preços-prêmio pagospor esses produtos. Embora a presença de produ-tos orgânicos seja visível e venha crescendo emimportância econômica, as quantidades transacio-nadas ainda se constituem numa fração pequenado mercado agrícola total.

ESTRUTURA DE GESTÃO DOS RECURSOSHÍDRICOS E POSSIBILIDADES PARAADOÇÃO DAS MEDIDASCOMPENSATÓRIAS

Uma síntese da estrutura legal e instituci-onal em implantação

No Brasil, atualmente a gestão dos recursoshídricos está principalmente ordenada pela Lei9.433, de 8 de janeiro de 1997 (BRASIL, 1997), eque foi apresentada em seção anterior deste tra-balho. Mencionou-se, naquela seção, que a Lei9.433 continha uma conexão entre a vertente jurí-dico-administrativa e a vertente econômica de tra-tamento das questões ambientais. Tal conexão foichamada de “outorga-cobrança” para destacar osdois instrumentos mais emblemáticos de gestãodos recursos hídricos.

O primeiro instrumento da conexão refere-seà outorga dos direitos de uso da água, que é umcontrole administrativo preventivo que o estadolança mão para disciplinar os usos da água. Oinstrumento “cobrança”, por sua vez, é uma formade controle que emprega meios econômicos comoforma de indução ao uso adequado dos recursoshídricos e sintetiza a doutrina “poluidor-pagador”.

A idéia da “outorga-cobrança” apoia-se naconstatação de que a água é um recurso naturallimitado e dotado de valor econômico (um dos fun-damentos da Lei 9.433). Enquanto limitado, seuuso deve ser parcimonioso e deve ser de tal formaorganizado que se evitem tanto quanto possível osconflitos entre usuários e se promovam os usosmúltiplos; dotada de valor econômico, ao fim e aocabo a água deve ser incluída no sistema de mer-cado que rege a maioria das transações entre osdiferentes agentes sociais.

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Naturalmente, para que os princípios acimasejam adotados exige-se que os recursos hídricosestejam inseridos em uma estrutura institucional degestão. Para tal fim, a Lei 9.433 estabeleceu acriação do Sistema Nacional de Gerenciamentodos Recursos Hídricos, contendo os seguintesníveis hierárquicos:

? Conselho Nacional dos Recursos Hídricos:

instância superior da hierarquia organizacionale a qual compete promover a articulação dosplanejamentos nacional, regionais, estaduais edos setores que integram o Sistema Nacionalde Gerenciamento de Recursos Hídricos eformular a Política Nacional de Recursos Hídri-cos. Espera-se do Conselho a responsabilida-de pelas grandes questões do setor e pela re-solução de contendas envolvendo unidades dafederação;

? Conselhos Estaduais e Distrital dos RecursosHídricos: equivalentes estaduais e distrital doconselho nacional;

? Comitês de Bacia: fórum de decisão no âmbitode cada bacia hidrográfica (tomada como uni-dade básica de gestão), sendo constituídos porrepresentantes dos usuários de recursos hídri-cos, da sociedade civil organizada e dos trêsníveis de governo;

? Órgãos dos poderes públicos federal, estadu-ais e municipais, cujas competências se relaci-onem com a gestão de recursos hídricos;

? Agências de Água: instâncias administrativas etécnicas destinadas a apoiar um ou mais co-mitês de bacia, tendo como responsabilidades,entre outras: realização de estudos necessári-os para a gestão dos recursos hídricos em suaárea de atuação; cobrança pelo uso dos recur-sos hídricos e respectiva administração dos re-cursos advindos dessa cobrança; elaboraçãodo plano de recursos hídricos da bacia e sub-missão à apreciação do comitê; e organizar egerir o sistema de informação sobre recursoshídricos em sua área de atuação.

Essa estrutura de gestão originou-se no

“modelo sistêmico de integração participativa”. Nodizer de Luchini (1999), esse modelo baseia-se noenfoque de “organização sistêmica”, que estabele-ce que as organizações são capazes de influenciare serem influenciadas por seus ambientes, nota-velmente quando agem em conjunto. Este enfoqueabre a possibilidade de novos padrões de relacio-namentos interorganizacionais, na medida que seafasta do padrão de gestão unidirecional típico dosmodelos tradicionais, que em geral visam a adap-tação das organizações às mudanças ambientais.

Ainda segundo Luchini (1999), a Lei 9.433 parte doprincípio de que a colaboração é fundamental parao delineamento de um futuro mais adequado emtermos de disponibilidade hídrica. Pode-se acres-centar que o significado de colaboração é incorpo-rado à idéia de integração participativa, em que oindivíduo é colocado como ator no processo degestão (afeta e é afetado pelo processo decisório).

A lei que estabelece a Política Nacional deRecursos Hídricos já está em vigor desde 8 dejaneiro de 1997. Não obstante, muitos dispositivosainda não estão regulamentados, como é o casoda gestão administrativa e da organização instituci-onal do Sistema Nacional de Recursos Hídricos.Carecem de regulamentação a previsão dos critéri-os de classificação das bacias hidrográficas exis-tentes no país, a definição da sistemática de outor-ga do direito de uso dos recursos hídricos, o esta-belecimento da política a ser observada para acobrança do uso dos recursos hídricos e a fixaçãode normas gerais para a criação e a operação dasAgências de Bacia. Tais itens são objeto de projetode lei ainda em tramitação (em outubro de 2000).Por outro lado, a Câmara Federal aprovou o Pro-jeto de Lei 1.617, de 1999, que dispõe sobre acriação da Agência Nacional de Águas – ANA,entidade federal de implementação da PolíticaNacional de Recursos Hídricos e de coordenaçãodo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recur-sos Hídricos, vinculada ao Ministério do Meio Am-biente, mas com autonomia administrativa e finan-ceira. Salienta-se que essa agência possui, entrediversas outras, as atribuições de outorgar, porintermédio de autorização, o direito de uso de re-cursos hídricos em corpos de água de domínio daUnião e arrecadar, distribuir e aplicar receitas aufe-ridas por intermédio da cobrança pelo uso de re-cursos hídricos de domínio da União. Sob o pontode vista federal, portanto, nota-se um razoávelavanço na implementação da conexão “outorga-cobrança”, instrumentos centrais e polêmicos domodelo de gestão em implantação.

Meio rural e os desafios à outorga-cobrança e a outros instrumentos

A legislação que pretende disciplinar o uso

das águas é imprecisa quando se trata de enqua-drar os usos agrícolas. Na Lei 9.433, o item I doartigo 12, principalmente, estabelece que estãosujeitas a outorga pelo Poder Público “a derivaçãoou captação de parcela da água existente em umcorpo de água para consumo final, inclusive abas-tecimento público, ou insumo de processo produti-vo” e, no item III do mesmo artigo, estabelece que

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também estão sujeitos a outorga o “lançamento emcorpo de água de esgotos e demais resíduos líqui-dos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de suadiluição, transporte ou disposição final”. No item Iprocura-se satisfazer os aspectos quantitativos dagestão das águas e, no item III, os qualitativos.

Embora se possa enquadrar o caso agrícolanesses dois itens, percebe-se que os legisladoresacabaram praticamente excluindo o meio ruralquando estabeleceram que independem de outor-ga “o uso de recursos hídricos para a satisfaçãodas necessidades de pequenos núcleos habitacio-nais, distribuídos no meio rural” e “as derivações,captações e lançamentos considerados insignifi-cantes”. Ora, ressalvando os casos de empreendi-mentos que flagrantemente possuam dimensõestais que os usos da água não podem de nenhumamaneira ser considerados como “insignificantes”,na maioria das situações os usos agrícolas daágua estariam livres do regime de outorga. Adicio-nalmente, exclui-se a possibilidade de cobrançapelo uso dos recursos hídricos, pois o artigo 20 daLei 9.433 diz que “serão cobrados os usos de re-cursos hídricos sujeitos a outorga, nos termos doartigo 12 desta Lei”. Portanto, o eixo outorga-cobrança, em que se sustenta a Política Nacionalde Recursos Hídricos, é pouco aplicável às situa-ções de agricultura praticada em pequenas pro-priedades rurais e que predominam em muitasregiões brasileiras, notavelmente em Santa Catari-na. Por extensão, pode-se afirmar que a questãoda poluição não pontual de origem agrícola nãoestá sendo adequadamente tratada na proposta degestão das águas formulada na Lei 9.433.

Mas a que se deve o fato de o setor agrícolaestar sendo aparentemente privilegiado na legisla-ção? Esse setor está sendo protegido por pressõescorporativas? As questões rurais suscitam reaçõespaternalistas e demagógicas? Há razões técnicasque tornam tais questões intratáveis do ponto devista dos modelos atuais de gestão?

Embora as duas primeiras perguntas sejampertinentes, ao que parece elas se aplicariam maisàquela classe de estabelecimentos rurais caracteri-zada por reunir “empresas agrícolas”, que pelopadrão tecnológico, dimensões, escala de produ-ção e perfil de gerenciamento configuram-se se-melhantes às empresas essencialmente urbanas.Não é incorreto argumentar que tais estabeleci-mentos possuem poder político e de representaçãocapazes de influir nas instâncias que decidem asmedidas de gerenciamento das águas. Entretanto,para uma grande maioria de estabelecimentosrurais que se caracterizam por pequena extensãoterritorial, mão-de-obra familiar e produção relati-vamente baixa, a aplicação de medidas de gestão

das águas que contenham o pressuposto outorga-cobrança é essencialmente um problema de faltade adequação à realidade.

Tome-se como exemplo o caso do lança-mento de resíduos aos corpos de água. Mesmoantes da Lei 9.433 havia a Resolução Conama no

20 (1986), que classificava as águas doces, salo-bras e salinas do território nacional. Nessa resolu-ção, são estabelecidos requisitos para enquadra-mento das águas em classes. Assim, por exemplo,corpos de água da Classe 1 são destinados aoabastecimento doméstico sem tratamento prévio oucom simples desinfecção. Nessas águas, não setoleram lançamentos de efluentes, mesmo trata-dos. Portanto, em termos ideais, em bacias hidro-gráficas que suportam sistemas hídricos enquadra-dos na Classe 1 apenas poderiam existir destina-ções de uso que implicassem na inexistência deefluentes. Evidentemente, as destinações plausí-veis seriam preservação ambiental e, para finseconômicos, exploração turística (com restrições).No entanto, em termos reais, o simples enquadra-mento de uma bacia não impede que ela sofra umapressão de ocupação agrícola por seus moradores,pois há uma importante divergência entre usos daágua e uso do solo.

Na concepção usual de compartimentar oambiente, uso agrícola do solo não implica neces-sariamente em retirar água dos corpos hídricos ouem lançar efluentes. Em geral, quando não se tra-tar de agricultura irrigada, os vínculos entre produ-ção agrícola e mananciais hídricos são subestima-dos, seja pela desconsideração das eventuais co-nexões de longo alcance ocasionadas pelas ativi-dades de cultivo ou simplesmente por que se jul-gam os efeitos como negligenciáveis, principal-mente quando as atividades exercidas em peque-nas propriedades rurais parecerem ínfimas quandocomparadas a todo o sistema.

E, no entanto, usos agrícolas do solo sãofontes não-pontuais de diversos poluentes daágua, que a comprometem em maior ou menorgrau. Portanto, qualquer programa destinado amelhorar ou manter a qualidade da água em umabacia deve necessariamente passar pelo controledas emissões de descargas poluentes no âmbitodo estabelecimento agrícola. Esse controle nãodeve ser exercido apenas nas descargas queeventualmente são lançadas diretamente aos cor-pos de água, situação limite e muitas vezes tipifi-cada como crime ambiental. Deve-se, de outromodo, enfatizar as medidas preventivas, tais comocontrole da erosão e redução/eliminação do uso desubstâncias potencialmente tóxicas.

E como se procurou discutir ao longo destetexto, as medidas preventivas podem ser difundi-

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das no meio rural utilizando-se o instrumento eco-nômico “compensação financeira” como forma deinduzir os agricultores a adotar formas alternativasde produção. Numa conjuntura rural em que hácarência de perspectivas econômicas, ganhosagrícolas insuficientes e decrescentes e recrudes-cimento do problema do êxodo, as perspectivas dese gerar rendas não-agrícolas oriundas da prote-ção ambiental devem ser cuidadosamente conside-radas em qualquer estratégia de gestão das águas.

Setores urbano e rural: o papel dascompensações

A urbanização acelerada contemporânea

ampliou a separação entre os setores urbano erural da sociedade. Evidentemente, essa separa-ção existe apenas entre pessoas ? e suas estrutu-ras físicas ? que habitam nos centros urbanos enas comunidades rural, realçada pelo notável fatodas concentrações demográfica, de bens e de ser-viços. No entanto, e talvez inconscientemente, opequeno convívio entre as pessoas dos dois seto-res transforma-se em uma descontinuidade doespaço geográfico e ambiental. Em termos de pen-samento coletivo, significa dizer que se concebe aexistência de um “mundo urbano” e um “mundorural”, interligados em alguns pontos, mas quepossuem existência e desenvolvimento paralelos.

Adotando-se a analogia da teoria dos conjun-tos, a separação é exemplificada pela pequenasuperfície ocupada pela interseção dos “conjuntos”urbano e rural da sociedade (Figura 1a). Em sendopequena a interseção, justifica-se uma gestão daságuas que compreenda ações urbanas ou rurais,em que ela seria realizada efetuando-se procedi-mentos isolados e com caráter aditivo. Em outraspalavras, somando-se as ações urbanas e ruraisatingir-se-iam as metas estabelecidas na gestãodas águas.

Por outro lado, tomando-se o caso em que osubconjunto originado da interseção entre os seto-res urbano e rural aproxima-se da dimensão decada conjunto isolado (Figura 1b), a interdepen-dência torna-se de tal magnitude que já não podeser negligenciada. Essa parece ser a situação damaioria das questões ambientais e assume desta-cada importância no caso da água. Assim, nessassituações, a gestão das águas deveria preferenci-almente compreender ações que envolvessem osetor urbano e o setor rural.

ruralurbano

(a)

ruralurbano

(b)

urbano ? rural urbano ? rural

Figura 1. Relações setor urbano ? setor rural:(a) poucas relações em comum e (b) setoresinterdependentes.

Neste texto, ao se enfocar principalmente adimensão econômica como eventual propulsora deum comportamento ambiental mais desejável,destacou-se o papel integrador das compensações.A principal vantagem de tal instrumento é o esta-belecimento de uma relação entre dois tipos deusuários da água: consumidores urbanos, para osquais a água de qualidade é principalmente umbem de consumo, e agricultores, para os quais aágua é principalmente um insumo e/ou um meiodisponível para lançamento de rejeitos/resíduos daatividade de produção. Enquanto que as açõestradicionais de gestão tendem a ser unidirecionais,no sentido cidade? campo e visando impor restri-ções de uso e sanções legais aos agricultores, asmedidas compensatórias reconhecem o direito defacto de os agricultores exercerem ocupações dosolo que resultem em eventuais danos ou riscos dedanos à qualidade da água. Implicitamente, admite-se que a proteção ambiental é uma preocupaçãosecundária dos agricultores, mas também se ad-mite a possibilidade de que a proteção venha aocupar o primeiro plano, desde que os agricultoressejam adequadamente estimulados por meio deganhos não-agrícolas.

Naturalmente, as compensações não sãouma panacéia. Elas apenas compõem um tipo demedida econômica que se julga adequada paraenfrentamento imediato da questão qualidade daságuas. Neste momento, deve-se deixar claro quetais medidas podem mesmo ser consideradas res-tritas e restritivas, pois enfocam apenas a dimen-são econômica e utilitarista da água. Neste aspec-to, pode-se até considerar que o pragmatismo dascompensações é a própria aceitação do fracassode tantos outros instrumentos de gestão. Entre-tanto, deve-se deixar claro que o realce da dimen-são econômica é um recuo estratégico e, espera-se, temporário, pois a verdadeira solução do pro-blema das águas e demais componentes ambien-tais só ocorrerá quando os homens encontrarem

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formas mais adequadas de relacionamento com osoutros componentes da natureza (as falhas daspropostas de gestão ambiental parecem concen-trar-se justamente no fato de que o homem empre-ende uma fuga dessa verdade).

INCLUSÃO DAS COMPENSAÇÕES EM UMAESTRUTURA DE GESTÃO DAS ÁGUAS

Os obstáculos

A dificuldade central para emprego das me-

didas compensatórias situa-se na resistência queeventuais usuários do serviço de abastecimentopúblico poderiam manifestar quando confrontadoscom acréscimos nos valores das tarifas, forma dese implementar as medidas. Entretanto, tal dificul-dade pode ser contornada por campanhas de es-clarecimento público e pela própria negociaçãousuários? agricultores. De qualquer forma, as com-pensações devem atender o requisito capacida-de/disposição de pagamento dos usuários, pois taismedidas pressupõem a negociação como etapaprévia. Uma resistência tenaz às compensaçõescertamente comprometeria sua aplicação no curtoprazo, mas, mesmo assim, não se pode descartaressa possibilidade em prazos mais longos, sejapela possibilidade de agravamento das condiçõesqualitativas da água ou pelos efeitos positivos dascampanhas de esclarecimento público.

Superada a resistência acima, pode-se aindaenumerar alguns outros entraves à proposta demedidas compensatórias: (i) ausência de organiza-ção dos produtores rurais e usuários da água doserviço de abastecimento público; (ii) ocorrência decustos elevados para operacionalizar o sistema,tais como os de cadastramento, fornecimento deassistência técnica e monitoramento-fiscalização;(iii) ausência de alternativas tecnológicas parasubstituição dos sistemas de produção vigentes, oque pode inviabilizar a própria existência da ativi-dade agrícola local (em geral indesejável por ra-zões de ordem social e comunitária); (iv) ausênciade amparo legal para atribuição dos direitos depropriedade das águas aos agricultores, fato quepode embaraçar juridicamente a adoção de medi-das compensatórias.

O item (i) não pode surpreender, pois essa éa situação corrente na sociedade brasileira e queimpede ou trava a adoção de estruturas em que aparticipação é um requisito básico. A proposta dascompensações depende sobremaneira de os agri-cultores e os usuários da água estarem habilitadosa negociar e, para tal, uma estrutura de gestão daságuas ideal deveria proporcionar uma instância que

contemplasse esse ponto. O Sistema Nacional deGerenciamento dos Recursos Hídricos, estabeleci-do pela Lei 9.433, instituiu os Comitês de Baciacomo fórum de discussão no âmbito de cada baciahidrográfica, num reconhecimento da necessidadede uma instância privilegiada para estudo, discus-são e eventuais decisões acerca das águas. Noentanto, para que todos os setores estejam de fatorepresentados, eles devem estar mobilizados eadequadamente informados, o que reconhecida-mente é um problema a ser superado por intermé-dio de um processo continuado de educa-ção/conscientização das pessoas sobre o papeldas águas na sociedade. Destaque-se, novamente,que essa é uma lacuna existente na Política Nacio-nal dos Recursos Hídricos.

O item (ii) é fundamentalmente um problemaoperacional, não secundário, mas posterior à etapade aceitação da proposta das compensações. Emtermos operacionais, a principal questão suscitadarefere-se à aplicabilidade das medidas no âmbitode uma bacia hidrográfica: há como viabilizar tecni-camente uma estrutura de arrecadação, distribui-ção adequada dos recursos arrecadados, controledo fluxo financeiro e fiscalização dos procedimen-tos agrícolas acordados? A primeira coisa que sepode dizer em favor das compensações é que aestrutura requerida é similar a qualquer outra usu-almente proposta nos modelos de gestão, sejameles baseados em instrumentos jurídico-administrativos ou econômicos. Pode-se observarque a cobrança pelo uso da água, alternativa ime-diatamente simétrica às compensações, tambémrequer uma estrutura similar de arrecadação, con-trole e fiscalização. Em todas as situações, umproblema importante refere-se ao custo para intro-dução e manutenção da estrutura que suportará asoperações de gerenciamento das águas. Para asmedidas compensatórias, deve-se cobrir os custosdas ações que antecedem a implantação do méto-do, tais como campanhas de esclarecimento públi-co e mobilização das comunidades rurais; os cus-tos administrativos, tipicamente aqueles ligados àarrecadação, cadastramento de agriculto-res/estabelecimentos agrícolas, distribuição dascompensações e controle financeiro; custos demonitoramento/fiscalização e divulgação dos re-sultados à sociedade; e custos necessários paraque os agricultores alterem seus métodos de pro-dução, se for o caso (podem ser custos de assis-tência técnica, por exemplo).

Em um primeiro momento, o volume apa-rentemente grande de recursos necessários podetornar as medidas compensatórias pouco atraen-tes. No entanto, deve-se observar que muitas des-sas ações são básicas a qualquer tipo de alternati-

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va de gerenciamento das águas e de qualquermaneira deverão ser cobertas por financiamentopúblico ou privado. Além do mais, certas tarefasque compõem os custos operacionais já são exe-cutadas em muitos locais ou podem vir a ser exe-cutadas utilizando-se de estruturas já existentes. Aalternativa das medidas compensatórias pressupõea utilização das estruturas já consolidadas dasempresas de abastecimento público de água e dasempresas de assistência técnica e extensão ruralpara execução de algumas tarefas. Assim, porexemplo, a empresa concessionária do serviço deabastecimento de água pode encarregar-se pelogerenciamento do volume de recursos necessárioàs compensações (arrecadação, distribuição, con-trole), enquanto que a empresa de extensão ruralatuaria nas tarefas de mobilização rural e promo-ção de técnicas de produção alternativas (tarefatípica do serviço de extensão rural). De maneirageral, as tarefas que causariam “novos” custosseriam aquelas necessárias ao cadastramento dosagricultores e a fiscalização do cumprimento dosacordos negociados com os usuários da água, bemcomo daquelas ligadas ao monitoramento da quali-dade das águas (em muitos casos, monitoramentose confunde com fiscalização, pois não há comodetectar os poluentes no meio hídrico). No Siste-ma Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hí-dricos, previu-se a introdução das Agências deÁgua para atender as típicas tarefas administrati-vas e técnicas envolvendo as águas em uma baciahidrográfica. Quando implantadas, tais agênciasserviriam como suporte operacional a todos oseventuais instrumentos de gestão.

O terceiro entrave à consecução das medi-das compensatórias diz respeito à ausência dealternativas tecnológicas para substituição dossistemas de produção empregados pelos agriculto-res. Essa é uma situação limite, mas não incomum.Certos cultivos baseiam-se em sistemas de produ-ção que fazem uso de certos insumos/técnicasinsubstituíveis do ponto de vista econômico e quedeterminam poluição hídrica. Tal é o caso da horti-cultura intensiva praticada em pequenos estabele-cimentos rurais, geralmente situados em “cinturõesverdes” próximos aos grandes centros urbanos emuitas vezes distribuídos justamente nas baciashidrográficas que são mananciais de água para apopulação urbana. Nesses casos, a atitude quepareceria mais adequada corresponde a maisdrástica: proibição da atividade. No entanto, a proi-bição traz efeitos indesejáveis, como queda derenda no campo, redução da oferta de bens agrí-colas para a população urbana e migração campo-cidade. Em tais situações, compensar a eliminaçãode toda a atividade nem sempre é custo-efetiva, a

não ser que o custo de tratamento da água ou dosuprimento por fontes substitutas seja muito alto.Uma alternativa é promover-se uma redução pro-gramada no uso de insumos poluidores nas ativi-dades agrícolas e o estabelecimento de prazospara compatibilização de sistemas de produção, naexpectativa de gradualmente aproximar-se do pa-drão de qualidade da água almejado.

Sem dúvidas, um problema a ser superadopara aplicar as medidas compensatórias é aquelesintetizado pelo entrave (iv). Compensar os agri-cultores pelas perdas decorrentes do não uso desubstâncias/técnicas potencialmente poluidoras domeio hídrico implica em atribuir-lhes o “direito depoluir” as águas. Ou, o que é equivalente, atribuir-lhes o domínio sobre as águas oriundas ou quepassam pelas suas propriedades. De alguma for-ma, significa adotar os princípios do direito riparia-no, que confere os direitos de uso da água aosproprietários das terras situadas nas margens deum corpo hídrico. Isso também significa tornar bemdefinidos os direitos de propriedade, como estabe-lece a estratégia de Coase.

No entanto, a legislação brasileira categori-camente afirma que a água é um bem de domíniopúblico. O uso privado não se constitui em apropri-ação. Ou seja, o uso dos serviços de um rio ? ca-pacidade de assimilação, por exemplo, ? não con-cede ao usuário a posse do rio ou fração dele.Além disso, não há indicativos de que o uso prefe-rencial seja dos ribeirinhos, desconsiderando osprincípios do “direito ripariano”. Em conseqüência,a legislação brasileira impede que se atribuamdireitos de propriedade às águas, o que, em princí-pio, parece inviabilizar a adoção das medidas com-pensatórias.

Embora os preceitos legais brasileiros sejamadequados a parte dos problemas ligados àságuas, notavelmente quando se consideram corposhídricos de médio ou grande porte, ainda persistemfalhas ou lacunas na legislação quanto às águasde pequenos cursos de água sob influência diretados também pequenos usuários. De certa forma,negligenciam-se os efeitos da poluição distribuídaque tipicamente ocorre no meio rural e que, nosimples somatório das quantidades lançadas oumesmo nos efeitos sinérgicos, ocasiona danos ouriscos de danos às águas subsidiárias de sistemashídricos de médio/grande porte. Cabem as inda-gações: micros mananciais de água inseridos naspropriedades rurais são de domínio público? Taiságuas não se constituem em uso exclusivo de seusserviços (depois de utilizadas, elas não estarãomais disponíveis qualitativa ou quantitativamente)por parte dos agricultores? Pode-se desvincularuso do solo e as águas? É possível legislar sobre

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os corpos de água de médio/grande porte ignoran-do as ações realizadas nas terras que compõem abacia de contribuição?

Cabe salientar, neste momento, que a pro-posta de medidas compensatórias é uma alternati-va à impossibilidade de haver um controle ubíquosobre as águas. Pequenos corpos hídricos sobinfluência direta dos agricultores podem ser prote-gidos por medidas tipicamente econômicas, em umreconhecimento do predomínio da dimensão eco-nômica na sociedade atual. É uma forma de alteraro processo produtivo, invertendo-se a lógica: deganhos a partir da produção às custas do ambientepara ganhos decorrentes da “produção” de benefí-cios ambientais (proteção). As possibilidades

Há pelo menos duas formas de se incluírem

as compensações em uma estrutura de gestão daságuas: estabelecê-las em um dispositivo específicono corpo da lei que trata da política das águas ouimplantá-las via medidas circunstanciais, no âmbitode cada unidade de gestão e para cada situaçãoespecífica.

Talvez a forma mais indicada seja o segundocaso, em que as compensações seriam incluídasna política de gestão existente por um procedi-mento ad hoc, isto é, desenvolvido especialmentepara cada situação. Significa dizer que não é ne-cessário sustentar as medidas compensatórias pordispositivos estabelecidos no ordenamento jurídicodas águas, pois elas simplesmente decorreriam deacordos firmados entre os grupos de usuários daágua e centrados em seus interesses comuns,evidentemente sem ferir preceitos legais vigentesou atingir interesses de terceiros. É importanteconsiderar que, nas situações possíveis de ocorrerentre agricultores e usuários do serviço de abaste-cimento, eventuais acordos não tendem a ocasio-nar prejuízos a terceiros, pois a melhoria da quali-dade da água para abastecimento resulta em me-lhor situação para todos os outros usuários. Ouseja, ao satisfazer-se o uso mais exigente – abas-tecimento - atende-se todos os outros, que se be-neficiam das “externalidades positivas” decorren-tes.

Portanto, ao que parece não há impedimen-tos legais ou éticos para que se executem acordoscomo os destinados às compensações. Resta,contudo, estabelecer os procedimentos para en-caminhar tais acordos. Pode-se enquadrar taisprocedimentos em quatro tipos, conforme os gru-pos que constituem as partes: (i) acordos entreconcessionária-agricultores, (ii) entre usuários-

(concessionária)-agricultores, (iii) entre poder pú-blico-(concessionária)-agricultores e (iv) entre usu-ários-(comitês de bacias)-agricultores.

O tipo (i) representa algumas situações par-ticulares e independe de qualquer estrutura organi-zacional prévia para ser implementado. A possibili-dade de se firmar um acordo entre a concessioná-ria do serviço de abastecimento público e os agri-cultores prende-se ao fato de que a mudança emum determinado sistema agrícola de produção ouabandono/redução da atividade agrícola diminui oscustos de tratamento da água (ou quaisquer outroscustos de obtenção de água com qualidade ade-quada). A concessionária, nesse caso, repassariaaos agricultores que aderissem ao acordo valoresmonetários proporcionais à diminuição nos seuscustos. Os acordos poderiam ser regidos por con-tratos comerciais comuns, tanto individuais comocoletivos.

No tipo (ii), os usuários da água, principal-mente os consumidores urbanos residenciais, ne-gociariam com os agricultores alterações no pro-cesso de produção agrícola tendo em vista umamelhor qualidade da água (ou menores riscos decontaminações). Os acordos, para serem efetiva-dos, dependeriam de um canal de negociação en-tre usuários da água e agricultores. Os recursosnecessários às compensações originar-se-iam depagamentos extras efetuados pelos consumidoresda água fornecida pelo serviço de abastecimentopúblico. Esses pagamentos seriam adicionados àscontas de cada consumidor segundo o métodoescolhido, percentual incidente sobre o consumo($/m3) ou valor fixo ($/conta). Sob esta forma, aempresa concessionária do serviço de abasteci-mento de água atuaria como mera intermediária.Naturalmente, para o caso do setor doméstico deconsumo, caracterizado pelo número relativamentegrande de usuários e pequeno consumo individual,deveria haver uma entidade que o representassena etapa de negociação com os agricultores oucom sua entidade representativa. Os serviços dedefesa do consumidor poderiam atender essa la-cuna, ao menos até que se estabelecessem asso-ciações de usuários residenciais de água, aindainexistentes.

Como o setor de usuários é de difícil organi-zação, no tipo (iii) ele é substituído pelo poder pú-blico, que o representaria. À semelhança da formaanterior, as compensações seriam cobertas poracréscimos nas tarifas de água pagas pelos con-sumidores. No entanto, tais acréscimos seriamarbitrados pelo poder público, que em geral aindadetém o controle sobre as empresas responsáveispelo abastecimento de água e possui atribuiçõeslegais para alterar o valor das tarifas. Naturalmen-

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te, pelo que foi amplamente discutido neste traba-lho, a população abastecida deve concordar comtais acréscimos, já que o uso das compensaçõespressupõe que quem paga deve estar ciente dasrazões do pagamento. Sem a concordância dapopulação, que deve ser averiguada por consultasdiretas (plebiscito, pesquisas de opinião) ou pormeio das suas instituições representativas, as co-branças a mais podem ser contestadas em proces-sos acionados por indivíduos, entidades ou mesmopela defensoria pública.

Nos procedimentos tipos (ii) e (iii) surge oentrave de como sustentar jurídica e administrati-vamente os acordos. Embora seja plausível que aspartes atuem sob o regime de um contrato “comer-cial”, à margem do sistema de gerenciamento ofici-al, deve-se reconhecer que a instância adequadapara suportar qualquer tipo de acordo sobre aságuas é proporcionada pelos comitês de bacia,fóruns privilegiados instituídos pela Política Nacio-nal de Recursos Hídricos (Lei 9.433). Os eventuaisacordos entre usuários poderiam ser homologadosnesses comitês, que tem a competência para legi-timá-los perante a lei. Portanto, o tipo (iv) seria aforma ideal de proceder, ou seja, os acordos usuá-rios-agricultores seriam engendrados no âmbitodos comitês de bacia, que respaldaria as decisõese estabeleceria os modos de arrecadação, rateio econtrole dos recursos necessários às compensa-ções. O problema, aqui, é a evidente necessidadede o comitê de bacia estar estruturado e em opera-ção, situação que ainda é exceção. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A validação empírica de certas hipóteses, emgestão das águas, depende de decisões políticas enegociação social para implementar no mundo realas medidas a serem avaliadas. Portanto, uma ava-liação positiva das medidas compensatórias discu-tidas neste trabalho apenas poderia ser executadaestudando-se pelo menos uma situação de aplica-ção real. Compreende-se que isso não seja pron-tamente realizável devido às complexas relaçõeseconômicas e sociais envolvidas no processo denegociação-decisão. No entanto, para sustentar aestratégia das compensações como alternativa deproteção ambiental no meio rural deve-se reforçara base de apoio entre os formadores de opinião,base essa em geral constituída pelos próprios re-presentantes daquelas entidades sociais que pos-suem capacidade de influir no processo decisório.Pode-se assumir que, em grande parte, as opiniõessão formadas com base em recomendações quese originam em argumentos técnicos e/ou políticos

emitidos por especialistas. Portanto, uma etapaprévia à introdução das medidas compensatóriasno cenário de negociação seria justamente avaliaressa alternativa no âmbito de um grupo técni-co/político existente ou criado especialmente paraesse fim. Neste último caso, sugere-se a formaçãode um painel de especialistas composto por repre-sentantes dos diferentes segmentos sociais. Aoque tudo indica, os Comitês de Bacia constituirãoas instâncias mais adequadas para a avaliação demedidas alternativas de gestão das águas.

Ao longo deste trabalho apresentou-se umcaminho, uma modesta alternativa para que inter-namente se encaminhe a solução de algumasquestões ambientais, principalmente envolvendo aságuas, que atualmente são objeto de intenso ata-que da vertente neoliberal de ver o mundo econô-mico. Como pretende essa vertente, as águas nãocompõem um conjunto mecânico que pode seradequadamente representado em modelos centra-dos na ótica de mercado e inspirados na sua su-posta capacidade auto-reguladora, mas, ao contrá-rio, compõem sistemas em que atuam múltiplasmotivações, inúmeras variáveis, muitos conflitos. Oponto de vista materialista, água vista como umrecurso, sempre destaca a motivação econômicaentre todas as outras, embora algumas vezes re-conheça que as ligações subjetivas que os indiví-duos mantêm com a água sejam as mais impor-tantes. Ao prevalecerem aspectos econômicos,admite-se uma natureza a serviço do homem e,portanto, sustentam-se posições de confrontocomo as implicadas em agricultura vs. águas ouagricultura vs. ambiente. Por outro lado, neste tra-balho pretendeu-se apresentar outro enfoque: agri-cultura e águas, agricultura e ambiente. A conjun-ção aditiva e, ao invés da preposição versus. Amaneira de tornar esse outro enfoque possível nãoprescindiu da economia, e nem poderia, pois osignificado último do termo economia é justamentetraduzido por “manejo ou gestão da casa”.

AGRADECIMENTOS

Esse trabalho é produto da tese de doutora-do do primeiro autor, realizada sob a orientação dosegundo autor, no Programa de Pós-Graduaçãoem Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental daUFRGS. Os autores agradecem aos professoresOscar Cordeiro Neto (UnB), Albano Schwarzbold(UFRGS) e Antônio Benetti (UFRGS), membros dacomissão examinadora, pelas sugestões apresen-tadas.

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COMPENSATORY INSTRUMENTS TOREGULATE WATER POLLUTION FROMAGRICULTURAL SOURCES

ABSTRACT

Agricultural activities are characterized as non-pointor diffuse source of pollution, with effects that ex-ceed the boundaries of the farms, affecting otherresources shared with urban populations. Since theBrazilian current water resources managementdoes not take integrally into consideration the non-point source water pollution problem, especially thatoriginating in agriculture, the central objective ofthis work is to present compensatory instrumentsas alternative to regulate water quality, and toevaluate the possibilities and limitations of theiruse. With “compensatory” are denominated instru-ments designed to repair financial losses of theagricultural sector when alternative productionsystems that bring benefits in terms of water pro-tection are adopted. It could be called by "benefici-ary-payer principle". In this work, is sustained thelegitimacy of the instruments that aim to compen-sate the farmers for the adoption of practices envi-ronmentally more sound, mainly in those situationscharacterized as familiar farming.