Medida provisória 664/14, um atentado aos direitos sociais e previdenciários

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Medida provisória 664/14, um atentado aos direitos sociais e previdenciários. (Marilinda Marques Fernandes*) PRELIMINARMENTE O Governo Federal, em manifesta contradição com suas declarações de compromisso em não tocar nos direitos dos trabalhadores, em meio às festividades de fim de ano, enquanto a maioria das atenções estavam afastadas do cenário político surpreendeu a todos com a edição extra do “Diário Oficial da União”, de 30 de dezembro de 2014 com as medidas provisórias (MPs 664/14 e 665/14) que tornarão mais rigoroso o acesso da população a uma série de benefícios previdenciários, entre eles o seguro-desemprego e a pensão por morte. A MP 664 trata de mudanças nas regras de pensão e auxílio-doença; a 665 trata de mudanças nas regras do seguro-desemprego, abono e período de defeso do pescador. Ambas padecem do vício da inconstitucionalidade, sob as modalidades formal e material Primeiramente, padecem de inconstitucionalidade formal por usurpar competência privativa do Congresso Nacional, notadamente ao dispor sobre direito previdenciário e do trabalho, consoante art. 22, I, da CF/1988. Quanto à inconstitucionalidade material, a primeira ofensa reside no princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/1988). Ora, inquestionável que a série de requisitos infundados criados, como aumento do prazo para a obtenção do seguro-desemprego, limitação de benefícios previdenciários como pensão por morte, com redução do valor inclusive, aumento do prazo da fixação do abono salarial e outras medidas puramente obstativas, ferem a olhos vistos a dignidade da pessoa humana, em especial, os aposentados e pensionistas. No mais, o princípio constitucional da vedação do retrocesso social proíbe o retrocesso dos direitos fundamentais sociais, tais quais se trata no presente caso. Esse princípio se baseia nos princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, bem como encontra plena ressonância no texto constitucional, notadamente, no art. 5º, § 2º, da CF/1988. Na verdade ambas as medidas objetivaram a redução de custo da Previdência Social com ônus para os segurados. Sob o fundamento de que com essas medidas irão economizar R$ 18

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Medida provisória 664/14, um atentado aos direitos sociais e previdenciários.

(Marilinda Marques Fernandes*)

PRELIMINARMENTE

O Governo Federal, em manifesta contradição com suas declarações de compromisso em não

tocar nos direitos dos trabalhadores, em meio às festividades de fim de ano, enquanto a

maioria das atenções estavam afastadas do cenário político surpreendeu a todos com a edição

extra do “Diário Oficial da União”, de 30 de dezembro de 2014 com as medidas provisórias

(MPs 664/14 e 665/14) que tornarão mais rigoroso o acesso da população a uma série de

benefícios previdenciários, entre eles o seguro-desemprego e a pensão por morte. A MP 664

trata de mudanças nas regras de pensão e auxílio-doença; a 665 trata de mudanças nas regras

do seguro-desemprego, abono e período de defeso do pescador. Ambas padecem do vício da

inconstitucionalidade, sob as modalidades formal e material

Primeiramente, padecem de inconstitucionalidade formal por usurpar competência privativa

do Congresso Nacional, notadamente ao dispor sobre direito previdenciário e do trabalho,

consoante art. 22, I, da CF/1988.

Quanto à inconstitucionalidade material, a primeira ofensa reside no princípio da dignidade da

pessoa humana (art. 1º, III da CF/1988). Ora, inquestionável que a série de requisitos

infundados criados, como aumento do prazo para a obtenção do seguro-desemprego, limitação

de benefícios previdenciários como pensão por morte, com redução do valor inclusive,

aumento do prazo da fixação do abono salarial e outras medidas puramente obstativas, ferem

a olhos vistos a dignidade da pessoa humana, em especial, os aposentados e pensionistas.

No mais, o princípio constitucional da vedação do retrocesso social proíbe o retrocesso dos

direitos fundamentais sociais, tais quais se trata no presente caso. Esse princípio se baseia nos

princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, bem como encontra plena

ressonância no texto constitucional, notadamente, no art. 5º, § 2º, da CF/1988.

Na verdade ambas as medidas objetivaram a redução de custo da Previdência Social com ônus

para os segurados. Sob o fundamento de que com essas medidas irão economizar R$ 18

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bilhões, retiraram direitos e tiraram de foco das medidas e políticas que se impõem no campo

da reforma tributária, no imposto das grandes fortunas, no combate à sonegação, entre outras.

Não há justificativa assim para que o ajuste se inicie exatamente pela parcela mais vulnerável

da população.

Quanto ao argumento do Governo de que as MPs (664 e 665) em questão contribuiriam para

o combate a fraude e distorção na utilização dos benefícios alterados pelas mesmas é

manifesto o equívoco senão a má fé, pois em vez de combaterem as mesmas pelo maior

controle social em sua gestão, optaram por penalizar os trabalhadores sobretudo os de baixa

renda (57,5% das pensões são de um salário mínimo), restringindo ou retirando direitos

conquistados, excluindo assim milhões de pessoas da possibilidade de acessá-los.

Também não cabe a justificação das medidas partindo de comparações internacionais,

desconsiderando que a sociedade brasileira tem um longo caminho de combate à exclusão, à

pobreza e à desigualdade, para se equiparar ao sistema de seguridade social de outros países.

Importante destacar que tais mudanças trazem implicações, muito prováveis para as

estatísticas de acidentes do trabalho nos próximos anos no país. Quando nos anos 70 foi

introduzida a transferência do pagamento dos primeiros 15 dias de afastamento para as

empresas ficou claro o impacto ocorrido na redução do registro de acidentes que se deu

essencialmente às custas do não registro de casos leves, que ficaram sob a responsabilidade da

empresa. Atualmente os casos com afastamentos entre 15 e 30 dias corresponderiam a cerca

de 60 (sessenta)% dos casos nas estatísticas oficiais.

As medidas adotadas não enfrentam as questões de financiamento da Previdência Social.

Ademais, a MP 664 abre o caminho para a terceirização das perícias, eis que foi formalmente

reiterado como opção à escolha dos gestores da previdência de permitirem que empresas

privadas participem da realização das perícias médicas.

ANÁLISE DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA MP 664 AOS BENEFÍCIOS

PREVIDENCIÁRIOS DA LEI 8.213/91

O que mudou:

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PENSÃO POR MORTE E CARÊNCIA

Pensão por morte é um benefício previdenciário pago pelo INSS aos dependentes do segurado

em virtude do falecimento deste. Em suma, quando o segurado morre, seus dependentes

passam a ter direito de receber uma pensão mensal.

Período de carência é o tempo mínimo de contribuição que o trabalhador precisa comprovar

para ter direito a um benefício previdenciário. Assim, por exemplo, a segurada contribuinte

individual não pode se filiar ao RGPS no dia hoje e daqui a 3 meses já obter o salário-

maternidade. Para obter o salário-maternidade, ela precisará de, no mínimo, 10 contribuições

mensais. Essa é a carência do salário-maternidade.

O período de carência irá variar de acordo com o benefício previdenciário.

Vale ressaltar, ainda, que há alguns benefícios que dispensam carência.

Antes da MP 664/2014: NÃO havia APÓS a MP 664/2014: SIM

Uma das principais características da pensão

por morte era a que se tratava de um

benefício que não dependia de carência para

ser concedido.

A MP 664/2014 determinou que a concessão

da pensão por morte depende, agora, em

regra, de um período de carência de 24

contribuições mensais.

Exceção: não será exigida carência se o

segurado estava em gozo de auxílio-doença

ou de aposentadoria por invalidez ou se a

morte decorreu de acidente do trabalho ou

doença profissional.

A pensão por morte será paga aos dependentes do segurado que falecer. A relação dos

dependentes é definida pela legislação previdenciária. Assim, não é o segurado quem indica

quem são. É a própria lei quem já prevê taxativamente quem tem direito de ser considerado

dependente (art. 16 da Lei n.° 8.213/91).

A MP 664/2014 alterou a Lei n.° 8.213/91 para estabelecer que:

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Não terá direito à pensão por morte o condenado pela prática de crime doloso de que tenha

resultado a morte do segurado (§ 1º do art. 74).

O cônjuge é considerado pela legislação como sendo dependente de 1ª classe do segurado.

Assim, falecendo o segurado, o seu marido/esposa tem direito de receber pensão por morte.

Ocorre que, se esse cônjuge causou, de forma dolosa, a morte do segurado, ele não terá direito

à pensão por morte.

Importante que sejam feitas duas observações quanto à alteração:

1) A morte deverá ter sido causada de forma DOLOSA

Assim se o marido dirigia o veículo, estando acompanhando de sua mulher como passageira,

e, por excesso de velocidade (imprudência) se envolve culposamente em um acidente,

causando a morte de sua esposa, mesmo assim ele continuará tendo direito à pensão por morte

já que esse homicídio foi culposo.

2) A lei fala em “prática de crime doloso de que tenha resultado a morte”.

Isso significa que, além do homicídio, o dependente também perderá o direito à pensão caso

tenha provocado a morte do segurado em um latrocínio (art. 157, § 3º do CP), por exemplo,

considerando que se trata de crime doloso que resulta na morte da vítima.

Em outras palavras, essa previsão do § 1º do art. 74 não se restringe ao homicídio.

PENSÃO POR MORTE E CÔNJUGE/COMPANHEIRO HÁ MENOS DE 2 ANOS

Como vimos acima, o cônjuge e o companheiro(a) têm direito à pensão por morte.

No entanto, a MP 664/2014 trouxe uma regra restringindo esse direito.

Assim, agora, em regra, para que o cônjuge ou companheiro(a) tenha direito à pensão por

morte, é necessário que, no momento do óbito, ele(a) estivesse casado(a) ou convivendo em

união estável com o(a) segurado(a) há mais de 2 anos.

Segundo o próprio Governo o objetivo declarado da mudança foi o de evitar fraudes,

considerando que, muitas vezes, pessoas idosas, prestes a morrer (com doenças graves etc),

simulavam casamentos ou uniões estáveis somente com o objetivo de “deixar” a pensão por

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morte para alguém. Contudo todos nós sabemos que se trata de mero enxugamento dos

benefícios e de mais uma vez penalizar os trabalhadores em benefício do sistema financeiro.

Essa regra, contudo, possui duas exceções.

Vejamos novamente a regra e também as exceções (art. 74, § 2º):

REGRA:

O cônjuge, companheiro ou companheira não terá direito ao benefício da pensão por morte se

o casamento ou o início da união estável tiver ocorrido há menos de dois anos da data do

óbito do instituidor do benefício.

EXCEÇÕES:

O cônjuge, companheiro ou companheira terá direito à pensão por morte mesmo estando há

menos de 2 anos com segurado quando:

I – o óbito do segurado seja decorrente de acidente posterior ao casamento ou ao início da

união estável; ou

II – o cônjuge, o companheiro ou a companheira for considerado incapaz e insuscetível de

reabilitação para o exercício de atividade remunerada que lhe garanta subsistência, mediante

exame médico-pericial a cargo do INSS, por doença ou acidente ocorrido após o casamento

ou início da união estável e anterior ao óbito.

PENSÃO POR MORTE E MUDANÇA NO SEU VALOR

Antes da MP 664/2014, o valor da pensão por morte era o mesmo da aposentadoria que o

segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data

de seu falecimento. Em suma, era 100% do salário-de-benefício.

A MP 664/2014 alterou o art. 75 da Lei n.° 8.213/91 e reduziu consideravelmente esse

valor.

Com a MP, o valor mensal da pensão por morte corresponde agora a 50% do valor da

aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse aposentado

por invalidez na data de seu falecimento, acrescido de tantas cotas individuais de 10% do

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valor da mesma aposentadoria, quantos forem os dependentes do segurado, até o máximo de

cinco.

O valor da pensão por morte não poderá inferior a 1 salário-mínimo, nem superior ao limite

máximo do salário-de-contribuição.

Não reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar, (10%) (§ 1º

do art. 77).

Segurado órfão de pai e mãe

A MP inseriu o § 2º ao art. 75 da Lei n.° 8.213/91 dizendo o seguinte:

§ 2º O valor mensal da pensão por morte será acrescido de parcela equivalente a uma única

cota individual de que trata o caput, rateado entre os dependentes, no caso de haver filho do

segurado ou pessoa a ele equiparada, que seja órfão de pai e mãe na data da concessão da

pensão ou durante o período de manutenção desta, observado:

I – o limite máximo de 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a

que teria direito se estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento; e

II – o disposto no inciso II do § 2º do art. 77.

A redação é bastante confusa, mas a interpretação que faço desse dispositivo é a seguinte:

Trata-se de uma cota “extra” de 10% caso o beneficiário da pensão por morte seja filho do

segurado (ou pessoa equiparada a filho) e este filho seja órfão de pai e mãe (ou se torne órfão

de pai e mãe durante o recebimento da pensão). Essa quota extra não irá incidir se os

dependentes do segurado tiverem direito a mais de uma pensão por morte (§ 3º do art. 75).

Veja o quadro comparativo:

Antes da MP 664/2014 APÓS a MP 664/2014

Art. 75. O valor mensal da pensão por morte

será de cem por cento do valor da

Art. 75. O valor mensal da pensão por morte

corresponde a cinquenta por cento do valor

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aposentadoria que o segurado recebia ou

daquela a que teria direito se estivesse

aposentado por invalidez na data de seu

falecimento, observado o disposto no art. 33

desta lei.

da aposentadoria que o segurado recebia ou

daquela a que teria direito se estivesse

aposentado por invalidez na data de seu

falecimento, acrescido de tantas cotas

individuais de dez por cento do valor da

mesma aposentadoria, quantos forem os

dependentes do segurado, até o máximo de

cinco, observado o disposto no art. 33.

§ 1º A cota individual cessa com a perda da

qualidade de dependente, na forma

estabelecida em regulamento, observado o

disposto no art. 77.

§ 2º O valor mensal da pensão por morte será

acrescido de parcela equivalente a uma única

cota individual de que trata o caput, rateado

entre os dependentes, no caso de haver filho

do segurado ou pessoa a ele equiparada, que

seja órfão de pai e mãe na data da concessão

da pensão ou durante o período de

manutenção desta, observado:

I – o limite máximo de 100% do valor da

aposentadoria que o segurado recebia ou

daquela a que teria direito se estivesse

aposentado por invalidez na data de seu

falecimento; e

II – o disposto no inciso II do § 2º do art. 77.

§ 3º O disposto no § 2º não será aplicado

quando for devida mais de uma pensão aos

dependentes do segurado.

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PENSÃO POR MORTE PARA CÔNJUGE/COMPANHEIRO E TEMPO MÁXIMO

DE DURAÇÃO

Antes da MP 664/2014, a pensão por morte recebida pelo cônjuge ou companheiro(a) era para

sempre, ou seja, até que ele(a) também morresse. Assim, o(a) viúvo(a) recebia a pensão

durante toda a sua vida.

Segundo o governo, isso estava gerando um grave desequilíbrio atuarial porque tem se

tornado mais comum que idosos casem-se com pessoas jovens e, quando o(a) segurado(a)

morre, o(a) viúvo(a) ainda receberá a pensão por décadas. Grave e injustificada ingerência na

esfera privada do cidadão, sem qualquer fundamento legal.

Nesse contexto a MP 664/2014 acrescentou o § 5º ao art. 77 da Lei n.° 8.213/91 prevendo

uma tabela com o tempo máximo de duração da pensão por morte devida ao cônjuge ou

companheiro(a) do segurado falecido, o que irá variar de acordo com a expectativa de

sobrevida do(a) viúvo(a) no momento do óbito do instituidor. Veja:

§ 5º O tempo de duração da pensão por morte devida ao cônjuge, companheiro ou

companheira, inclusive na hipótese de que trata o § 2º do art. 76, será calculado de acordo

com sua expectativa de sobrevida no momento do óbito do instituidor segurado, conforme

tabela abaixo:

Expectativa de sobrevida à idade x do

cônjuge, companheiro ou companheira, em

anos (E(x))

Duração do benefício de pensão por morte

(em anos)

55 < E(x) 3

50 < E(x) ≤ 55 6

45 < E(x) ≤ 50 9

40 < E(x) ≤ 45 12

35 < E(x) ≤ 40 15

E(x) ≤ 35 vitalícia

Assim, por exemplo, se a expectativa de sobrevida do dependente for maior que 55 anos, ele

somente irá receber a pensão por morte durante 3 anos!

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No outro extremo, se a expectativa de sobrevida do dependente for menor ou igual a 35 anos,

a pensão continuará sendo vitalícia.

A expectativa de sobrevida será obtida a partir da Tábua Completa de Mortalidade construída

pelo IBGE, vigente no momento do óbito do segurado instituidor (§ 6º do art. 76).

Em suma, será uma espécie de tabela feita pelo IBGE dizendo o quanto ainda se espera que

uma pessoa do sexo masculino / feminino, com XX anos, irá viver.

Se o cônjuge ou companheiro(a) tiver se tornado inválido após o casamento/união

Art. 77 (...) § 7º O cônjuge, o companheiro ou a companheira considerado incapaz e

insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade remunerada que lhe garanta

subsistência, mediante exame médico-pericial a cargo do INSS, por acidente ou doença

ocorrido entre o casamento ou início da união estável e a cessação do pagamento do

benefício, terá direito à pensão por morte vitalícia, observado o disposto no art. 101.

Observações quanto a esse § 7º:

• A invalidez deve ter ocorrido após o início do casamento ou da união estável e antes de ter

cessado o pagamento da pensão por morte;

• Se a invalidez já existia antes do casamento, o cônjuge/companheiro não terá direito à

pensão por morte vitalícia (receberá a pensão por morte, mas estará sujeito à tabela do § 5º).

• Se o cônjuge/companheiro recebia a pensão por morte e ela se encerrou devido ao fim do

prazo da tabela do § 5º, esse cônjuge/companheiro não terá direito de voltar a receber a

pensão caso fique inválido.

AUXÍLIO-RECLUSÃO

Passa-se a exigir, da mesma maneira que na pensão por morte, ao menos dois anos de

casamento (ou união estável) para o cônjuge do preso ter acesso ao auxílio.

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AUXÍLIO-DOENÇA E TEMPO DE AFASTAMENTO

Principal mudança feita pela MP 664/2014: 15 dias.

Com a MP 664/2014: 30 dias.

Com a mudança os primeiros 30 dias de afastamento serão pagos pela empresa. Se o segurado

não for empregado terá direito de receber o auxílio doença desde a data da incapacidade.

Vejamos o quadro comparativo:

Antes da MP 664/2014: 15 dias ATUALMENTE: 30 dias

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao

segurado que, havendo cumprido, quando for

o caso, o período de carência exigido nesta

Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou

para a sua atividade habitual por mais de 15

(quinze) dias consecutivos.

Art. 60. O auxílio-doença será devido ao

segurado empregado a contar do décimo

sexto dia do afastamento da atividade, e, no

caso dos demais segurados, a contar da data

do início da incapacidade e enquanto ele

permanecer incapaz.

Art. 59 (revogado)

Art. 60. O auxílio-doença será devido ao

segurado que ficar incapacitado para seu

trabalho ou sua atividade habitual, desde que

cumprido, quando for o caso, o período de

carência exigido nesta Lei:

I – ao segurado EMPREGADO, a partir do

trigésimo primeiro dia do afastamento da

atividade ou a partir da data de entrada do

requerimento, se entre o afastamento e a data

de entrada do requerimento decorrerem mais

de quarenta e cinco dias; e

II – aos demais segurados, a partir do início

da incapacidade ou da data de entrada do

requerimento, se entre essas datas decorrerem

mais de trinta dias.

§ 1º Quando requerido por segurado afastado

da atividade por mais de 30 (trinta) dias, o

auxílio-doença será devido a contar da data

da entrada do requerimento.

§ 1º (revogado)

Esse tema passou a ser tratado no inciso II do

art. 60 (veja acima).

§ 3º Durante os primeiros quinze dias

consecutivos ao do afastamento da atividade

§ 3º Durante os primeiros trinta dias

consecutivos ao do afastamento da atividade

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por motivo de doença, incumbirá à empresa

pagar ao segurado empregado o seu salário

integral.

por motivo de doença ou de acidente de

trabalho ou de qualquer natureza, caberá à

empresa pagar ao segurado empregado o seu

salário integral.

§ 4º A empresa que dispuser de serviço

médico, próprio ou em convênio, terá a seu

cargo o exame médico e o abono das faltas

correspondentes ao período referido no § 3º,

somente devendo encaminhar o segurado à

perícia médica da Previdência Social quando

a incapacidade ultrapassar 15 (quinze) dias.

§ 4º A empresa que dispuser de serviço

médico, próprio ou em convênio, terá a seu

cargo o exame médico e o abono das faltas

correspondentes ao período referido no § 3º e

somente deverá encaminhar o segurado à

perícia médica da Previdência Social quando

a incapacidade ultrapassar trinta dias.

Não havia. § 5º O INSS a seu critério e sob sua

supervisão, poderá, na forma do regulamento,

realizar perícias médicas:

I – por convênio ou acordo de cooperação

técnica com empresas; e

II – por termo de cooperação técnica firmado

com órgãos e entidades públicos,

especialmente onde não houver serviço de

perícia médica do INSS.

Não havia § 6º no art. 60.

No entanto, essa idêntica redação era prevista

pelo parágrafo único do art. 59, que foi

revogado. Logo, não houve novidade.

§ 6º Não será devido auxílio-doença ao

segurado que se filiar ao Regime Geral de

Previdência Social já portador da doença ou

da lesão invocada como causa para o

benefício, salvo quando a incapacidade

sobrevier por motivo de progressão ou

agravamento dessa doença ou lesão.

O segurado irá receber o valor a partir do 31º (trigésimo primeiro) dia do afastamento da

atividade.

Principal mudança feita pela MP 664/2014 nesse ponto:

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Tempo que o segurado EMPREGADO precisa ficar afastado para começar a receber o

auxílio-doença:

• Antes da MP 664/2014: 15 dias

• Com a MP 664/2014: 30 dias

Uma das características da previdência social é a seletividade, segundo a qual o legislador tem

a discricionariedade para escolher quais contingências sociais que serão cobertas pelo sistema

de proteção social em face de suas possibilidades financeiras. O legislador decidiu que os 30

primeiros dias de afastamento não seriam cobertos pelo sistema de previdência.

Nos primeiros 30 dias de afastamento, a empresa é quem deverá pagar o salário integral do

segurado.

Se o segurado não for empregado (ex: autônomo): ele terá direito de receber o auxílio-doença

desde a data da incapacidade, conforme veremos no tópico abaixo.

AUXÍLIO-DOENÇA E CÁLCULO DA RENDA MENSAL

Salário-de-benefício

Salário-de-benefício (SB) é um valor utilizado como base para se calcular a renda mensal dos

benefícios. Em outras palavras, o SB é a base de cálculo utilizada para se estimar o valor do

benefício que será pago. Sobre o valor do SB incidirá uma alíquota prevista em lei e, assim,

calcula-se o valor da renda mensal do benefício (RMB).

Salário-de-benefício Salário-de-contribuição

É um valor utilizado como base para se

calcular a renda mensal dos BENEFÍCIOS.

É um valor utilizado como base para se

calcular o valor da CONTRIBUIÇÃO

previdenciária que será paga pelos segurados

da previdência social.

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Renda mensal do benefício (RMB) / Renda mensal inicial (RMI)

Renda mensal do benefício (também chamada de renda mensal inicial) é o valor que

efetivamente será pago ao segurado.

Renda mensal do auxílio-doença

Como vimos acima, a renda mensal do auxílio-doença é igual a 91% do salário-de-benefício.

A MP 664/2014 acrescentou um parágrafo ao art. 29 da Lei n.° 8.213/91 criando um novo

limitador para o valor do auxílio-doença:

§ 10. O auxílio-doença não poderá exceder a média aritmética simples dos últimos doze

salários-de-contribuição, inclusive no caso de remuneração variável, ou, se não alcançado o

número de doze, a média aritmética simples dos salários-de-contribuição existentes.

Enfim, nesse ponto não há grande inovação sobre o ponto de vista jurídico. O objetivo da

alteração foi o de limitar realmente o valor do benefício pago.

CARÊNCIA NO AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ

Em regra, o segurado só poderá receber auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez se

antes tiver cumprido um período de carência de 12 contribuições mensais para o regime (art.

25, I, da Lei n° 8.213/91).

Existe, no entanto, uma exceção: essa carência será dispensada se o segurado, após filiar-se ao

RGPS, for acometido de alguma das doenças e afecções especificadas em lista elaborada

pelos Ministérios da Saúde e da Previdência Social, de acordo com os critérios de estigma,

deformação, mutilação, deficiência ou outro fator que lhe confira especificidade e gravidade

que mereçam tratamento particularizado.

Contudo a MP promoveu duas mudanças:

Antes da MP 664/2014 APÓS A MP 664/2014

1) Essa lista de doenças era elaborada pelos

Ministérios da Saúde, do Trabalho e da

1) Essa lista de doenças deve ser elaborada

apenas pelos Ministérios da Saúde e da

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Previdência Social. Previdência Social (Ministério do Trabalho

não participa desse debate).

2) A lista era elaborada de 3 em 3 anos. 2) Não existe mais essa periodicidade,

podendo ser elaborada a qualquer tempo.

PERÍCIA MÉDICA

A grande maioria dos benefícios previdenciários e assistenciais concedidos pelo INSS

depende de perícia médica para avaliar situações de incapacidade.

Até antes da MP 664/2014, em regra, os médicos que realizavam a perícia para instruir os

processos administrativos do INSS eram apenas os médicos-peritos concursados, cuja carreira

é disciplinada pela Lei n.° 10.876/2004. Em outras palavras, em regra, não eram admitidos

que médicos “terceirizados” (não concursados) fizessem a perícia para os processos

administrativos.

Nesse sentido, o art. 2º da Lei n.° 10.876/2004 afirmava expressamente que o exercício das

atividades médico-periciais relacionados com o RGPS era de competência privativa dos

ocupantes do cargo de Perito Médico da Previdência Social.

Pelo art. 2º da Lei n.° 10.876/2004, até então em vigor, não eram admitidos que médicos

“terceirizados” (não concursados do INSS) fizessem a perícia para concessão de benefícios

previdenciários e assistenciais. Essa era a legislação, em sentido estrito, que vigorava.

A MP 664/2014 flexibilizou a regra do art. 2º acima exposta e permitiu expressamente que o

INSS faça:

– convênios ou acordos de cooperação técnica

– com órgãos e entidades públicas

– ou com empresas privadas

– para que as perícias relacionados com auxílio-doença

– sejam realizadas por médicos de fora da carreira de Perícia Médica do INSS,

– ou seja, por médicos ligados a outros órgãos ou entidades públicas ou empresas privadas.

Page 15: Medida provisória 664/14, um atentado aos direitos sociais e previdenciários

Assim o INSS pode agora fazer um termo de cooperação técnica com determinado Município

do interior (onde não haja serviço de perícia médica do INSS) para que as perícias de auxílio-

doença sejam realizadas pelo médico que atende no hospital da cidade.

O INSS pode agora fazer um convênio com uma grande indústria para que as perícias de

auxílio-doença dos funcionários dessa empresa sejam realizadas pelos médicos que atendem

na própria fábrica.

Caso seja realizado esse convênio ou termo de cooperação técnica, o médico perito do INSS

ficará responsável apenas pela supervisão da perícia médica feita pelo médico “terceirizado”,

na forma estabelecida pelo Ministério da Previdência Social (art. 2º, V, da Lei n.°

10.876/2004).

Essa flexibilização será certamente objeto de ADI porque, em certa medida, burla a regra do

concurso público e enfraquece a carreira de Perícia Médica da Previdência Social.

Quadro comparativo das mudanças:

Lei 8.213/91

Antes da MP 664/2014: APÓS A MP 664/2014:

Art. 60 (...)

Não havia previsão de § 5º no art. 60.

Art. 60 (...)

§ 5º O INSS a seu critério e sob sua

supervisão, poderá, na forma do regulamento,

realizar perícias médicas:

I – por convênio ou acordo de cooperação

técnica com empresas; e

II – por termo de cooperação técnica firmado

com órgãos e entidades públicos,

especialmente onde não houver serviço de

perícia médica do INSS.

Art. 2º Compete privativamente aos

ocupantes do cargo de Perito Médico da

Previdência Social e, supletivamente, aos

ocupantes do cargo de Supervisor Médico-

Art. 2º Compete aos ocupantes do cargo de

Perito Médico da Previdência Social e,

supletivamente, aos ocupantes do cargo de

Supervisor Médico-Pericial da carreira de que

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Pericial da carreira de que trata a Lei no

9.620, de 2 de abril de 1998, no âmbito do

Instituto Nacional do Seguro Social – INSS e

do Ministério da Previdência Social – MPS, o

exercício das atividades médico-periciais

inerentes ao Regime Geral da Previdência

Social (...) e, em especial:

trata a Lei nº 9.620, de 2 de abril de 1998, no

âmbito do Instituto Nacional do Seguro

Social – INSS e do Ministério da Previdência

Social – MPS, o exercício das atividades

médico-periciais inerentes ao Regime Geral

da Previdência Social (...) e, em especial:

Inciso V: não havia. V – supervisão da perícia médica de que

trata o § 5º do art. 60 da Lei nº 8.213, de

1991, na forma estabelecida pelo Ministério

da Previdência Social.

DA ENTRADA EM VIGOR DA MP 664/14

1) A maior parte dos dispositivos da MP 664/2014 somente entrará em vigor em 01/03/2015.

2) Entra em vigor em 14/01/2015: a nova regra que exige 2 anos de casamento ou união

estável para o cônjuge ou companheiro(a) ter direito à pensão por morte (art. 74, § 2º).

03) Já entraram em vigor na data da publicação (30/12/2014) as seguintes regras:

• Possibilidade de o INSS fazer convênios ou termos de cooperação técnica para que as

perícias relacionados com auxílio-doença sejam realizadas por médicos de fora da carreira de

Perícia Médica do INSS (§§ 5º e 6º do art. 60);

• Proibição de que o condenado pela prática de crime doloso de que tenha resultado a morte

do segurado tenha direito à pensão por morte (§ 1º do art. 74).

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Por derradeiro, apontadas as graves inconstitucionalidades e sinalizadas as perdas de direitos e

garantias do trabalhador, deve a sociedade civil combater e lutar contra o retrocesso dos

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direitos sociais no Brasil e o Judiciário rechaçar o entendimento prejudicial aos trabalhadores

e pensionistas, em nome de equilibrar as contas.

Porto Alegre, 23 de janeiro de 2015.

Marilinda Marques Fernandes

*(Advogada especializada em Direito Previdenciário e Acidentário)