Médicos Portugueses pelo Mundo - 1ª edição - Oslo

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HS! - Quais foram os principais motivos que a levaram a deixar o nosso país e envergar por uma aventura profissional no estrangeiro? Margarida Dantas Brito - As principais motivações foram aumentar a minha qualidade de vida e a satisfação profissional. HS! Porquê a Noruega e porquê Oslo? MDB - A Noruega é um país muito seguro, com uma natureza espetacular e com elevada qualidade de vida. Tenho um contracto sem termo, para trabalhar 40 horas semanais, sem períodos noturnos nem fins de semana. Este horário, sem turnos de 24 horas, tem um impacto muito positivo na minha vida pessoal. Por outro lado, a nível profissional sinto que o meu desempenho também melhorou significativamente. A agenda semanal é muito estruturada e a carga de trabalho por médico é menor. Por exemplo, realizam-se menos consultas externas por período de consulta. Daqui resulta que não há atrasos, não há stress nem frustração, tanto para o médico como para o doente. Isto é particularmente importante nas consultas de hemato-oncologia, onde é preciso tempo e calma para discutir planos terapêuticos complexos ou informar acerca de más notícias. Em relação à cidade foi por mero acaso que vim parar a Oslo. Estaria disposta a trabalhar noutras cidades. No entanto, para quem muda de Portugal para a Noruega é bom começar por viver numa cidade do sul do país, onde o clima não é tão rigoroso e não existe o isolamento social das cidades do norte. HS! - Como foi todo o processo de candidatura e seleção e quais as suas habilitações mais valorizadas nesse processo? MDB - A minha candidatura decorreu em duas fases. Inicialmente enviei documentação por email: curriculum vitae, carta de motivação, certificados de cursos de língua norueguesa (Bokmål) e cartas de recomendação. Numa segunda fase, fui selecionada para uma entrevista presencial onde me foram colocadas diversas questões. Saliento que estas entrevistas nada tem a ver com as que habitualmente ocorrem em Portugal. Aqui pretende-se conhecer o candidato, os seus principais traços de personalidade e a sua motivação. Assim, é comum perguntar-se qual a estrutura familiar, os hobbies, as qualidades/ defeitos e o que poderá constituir um desafio no novo local de trabalho. Penso que no meu caso o mais relevante para o processo de seleção foi a forma como decorreu a entrevista presencial, pelo facto de ter ficado claro quais foram os motivos que me Médicos Portugueses pelo Mundo Entrevista a um médico português a exercer ou especializar-se no estrangeiro Nome: Margarida Dantas Brito Idade: 31 Faculdade em que se licenciou: FMUC Hospital: IPO Porto / Lovisenberg Diakonale Sykehus Cidade atual: Oslo Especialidade: Hematologia Clínica

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HS! - Quais foram os principais motivos que a levaram a deixar o nosso país e envergar p o r u m a a v e n t u r a p r o fi s s i o n a l n o estrangeiro? Margarida Dantas Brito - As principais motivações foram aumentar a minha qualidade de vida e a satisfação profissional.

HS! Porquê a Noruega e porquê Oslo?MDB - A Noruega é um país muito seguro, com uma natureza espetacular e com elevada qualidade de vida. Tenho um contracto sem termo, para trabalhar 40 horas semanais, sem períodos noturnos nem fins de semana. Este horário, sem turnos de 24 horas, tem um impacto muito positivo na minha vida pessoal. Por outro lado, a nível profissional sinto que o m e u d e s e m p e n h o t a m b é m m e l h o ro u significativamente. A agenda semanal é muito estruturada e a carga de trabalho por médico é menor. Por exemplo, realizam-se menos consultas externas por período de consulta. Daqui resulta que não há atrasos, não há stress nem frustração, tanto para o médico como para o doente. Isto é particularmente importante nas consultas de hemato-oncologia, onde é preciso tempo e calma para discutir planos terapêuticos complexos ou informar acerca de más notícias. Em relação à cidade foi por mero acaso que vim parar a Oslo. Estaria disposta a trabalhar

noutras cidades. No entanto, para quem muda de Portugal para a Noruega é bom começar por viver numa cidade do sul do país, onde o clima não é tão rigoroso e não existe o isolamento social das cidades do norte.

HS! - Como foi todo o processo de candidatura e seleção e quais as suas habi l i tações mais valor izadas nesse processo? MDB - A minha candidatura decorreu em duas fases. Inicialmente enviei documentação por email: curriculum vitae, carta de motivação, certificados de cursos de língua norueguesa (Bokmål) e cartas de recomendação. Numa segunda fase, fui selecionada para uma entrevista presencial onde me foram colocadas diversas questões. Sal iento que estas entrevistas nada tem a ver com as que habitualmente ocorrem em Portugal. Aqui pretende-se conhecer o candidato, os seus principais traços de personalidade e a sua motivação. Assim, é comum perguntar-se qual a estrutura familiar, os hobbies, as qualidades/defeitos e o que poderá constituir um desafio no novo local de trabalho. Penso que no meu caso o mais relevante para o processo de seleção foi a forma como decorreu a entrevista presencial, pelo facto de ter ficado claro quais foram os motivos que me

Médicos Portugueses pelo MundoEntrevista a um médico português a exercer ou especializar-se no estrangeiro

Nome: Margarida Dantas Brito Idade: 31Faculdade em que se licenciou: FMUCHospital: IPO Porto / Lovisenberg Diakonale Sykehus Cidade atual: Oslo Especialidade: Hematologia Clínica

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fizeram procurar mudar para este país. Também ajudou o facto de eu estar bem familiarizada com a cultura e modelo de trabalho na Escandinávia, nomeadamente dispunha de uma carta de recomendação do Instituto Karoliska, em Estocolmo, onde tinha estagiado durante o internato da especialidade.

HS! Quais são os documentos necessários e como é concedido o reconhecimento do diploma na Noruega? MDB - O organismo norueguês que reconhece o diploma dos profissionais de saúde chama-se SAK – Norwegian Registration Authority for Health Personnel (https://helsedirektoratet.no). I n i c i a l m e n t e é n e c e s s á r i o e n v i a r a documentação relativa à licenciatura/mestrado traduzida em inglês, com especificação da carga horária, ECT´s e declaração da faculdade em como o curso é homologado pela União Europeia. É também necessário pagamento de uma taxa administrativa relativa a este processo de cerca de 300 euros. Esta transferência bancária deve ser feita em coroa norueguesa e com as despesas a cargo do candidato. O comprovativo de transferência tem que ter obrigatoriamente umas especificações um pouco diferentes do habitual, nomeadamente data de nascimento do candidato, que servirá como parte do número de referencia do processo. Em Portugal há bancos que cobram um preço fixo por este tipo de transação ( t ransferência internacional em moeda estrangeira) enquanto que outros cobram uma percentagem do valor transferido. Convém obter estas informações previamente para evitar surpresas desagradáveis. A Ordem dos Médicos deverá enviar dois documentos adicionais – “Certificate of current professional status”  (http://www.hpcb.eu/activities/portugal_agreement.aspx) e “Letter of good standing”. Saliento que estes documentos são obrigatoriamente emitidos e enviados pela OM para o SAK, sem passarem pelo candidato.Todo este processo pode demorar cerca de 3-4 meses. Não há pagamento de quotas ou taxas

adicionais depois do reconhecimento do diploma. Sei que em alguns países da Europa há algumas dificuldades no reconhecimento das habilitações dos hematologistas / imuno hemoterapeutas porque em Portugal estas são duas especialidades distintas e noutros país são uma única. Eu não tive qualquer problema, todo o processo decorreu sem intercorrências. À data da entrevista referi que estava mais familiarizada a trabalhar com onco-hematologia do que com coagulação, o que correspondia bem ao posto de trabalho a concurso.

HS! – Foi necessário tirar, previamente, um curso de Norueguês? MDB - É quase impossível encontrar um emprego na área da saúde sem ter pelo menos iniciado a aprendizagem da língua à data da candidatura. Eu estudei cerca de um ano e meio antes de me candidatar. Não é fácil ter aulas de norueguês em Portugal. Apesar de existirem cursos no instituto de línguas Folium Forlag (http://folium.pt) , muitas vezes não se realizam por falta de número mínimo de alunos. Eu fiz uma parte da minha aprendizagem no instituto e outra com aulas privadas. Neste momento encontro-me a trabalhar e continuo a frequentar a escola de línguas para adultos duas vezes por semana.

HS! – É necessário realizar um exame de acesso à especialidade, tal como existe em Portugal? MDB - Após conclusão da licenciatura os jovens médicos iniciam uma série de estágios em serviços do seu interesse. Para isto basta solicitarem uma entrevista com o diretor de serviço. São lhes atribuídas tarefas médicas sob supervisão de internos de especialidade e especialistas. É muito comum um médico e x p e r i m e n t a r v á r i a s e s p e c i a l i d a d e s completamente diferentes até por fim iniciar um contracto equivalente ao do ano comum. Nesta segunda etapa da formação dos médicos também existem vários estágios, mas nesta

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fase, à semelhança do que acontece em Portugal, os estágios estão previamente definidos. Numa terceira fase segue-se o equivalente ao internato de especialidade. O critério de admissão tem por base um estágio no serviço e a qualidade do desempenho profissional nesse período. De forma global há um enfoque muito grande na capacidade de desempenhar tarefas médicas adequadamente e uma desvalorização de qualquer tipo de avaliação quantitativa.

HS! - Quais os desafios e dificuldades que encontrou neste processo de mudança? MDB - A Noruega é um país de pessoas tolerantes e muito habituadas a imigrantes. Desde o inicio que me senti bem-vinda, apoiada e integrada. Há algumas diferenças culturais que convém conhecer antes de vir para o país, caso contrário podem surgir mal entendidos. “The social Guidebook to Norway, an illustrated introduction” de Julien S. Bourrelle é um livro agradável, divertido e cheio de pequenas dicas úteis para quem não está familiarizado com as principais diferenças culturais.

HS! - Acha que a sua formação médica a preparou adequadamente para este desafio ou sente algum tipo de lacunas perante os colegas formados na Noruega? MDB - Penso que a minha formação médica me preparou adequadamente para exercer a minha profissão. Tendo trabalhado muitas vezes sob pressão noto que lido melhor com imprevistos do que os colegas daqui. Por outro lado, também verifico que aqui a maioria das pessoas inicia a especialização com mais de 30 anos, tendo estagiado em muitos serviços antes. Isto contribui para que tenham um grande conhecimento de diferentes áreas médicas para além da área em que se estão a especializar. Neste aspeto sinto que a minha formação foi mais direcionada para a Hematologia Clínica e tenho uma visão menos abrangente em determinadas circunstâncias.

HS! - Que diferenças encontra entre a sua especialidade na Noruega e a praticada no nosso país? MDB - Como já referi valorizo muito o facto de dispor de mais tempo para cada doente, melhorando de forma significativa a qualidade do meu trabalho. Por outro lado, sendo um país com uma situação financeira robusta, torna-se mais fácil oferecer determinadas terapêuticas a o s d o e n t e s . A n í v e l d a p re s c r i ç ã o medicamentosa é muito satisfatório dispor de inúmeros medicamentos novos e ensaios clínicos direcionados para os doentes onco-hemato lóg icos. Há também uma rede estruturada de apoio domiciliário, cuidados paliativos, ergoterapeutas e fisioterapeutas que permitem uma abordagem global do doente oncológico significativamente melhor do que em Portugal.MDB - Outro aspeto importante é o enorme investimento que o sistema de saúde faz para promover a educação médica contínua. Há inúmeras reuniões interdisciplinares, apoios independentes da indústria farmacêutica para deslocações a cursos e congressos. Mesmo depois de se ser especialista numa dada área pode-se usufruir de tempos de estudo ou de estágio num local de referência para sub-especialização numa dada patologia. Há também um esforço grande por homogeneizar a prática médica no país, e nesse sentido, existem guidelines nacionais disponíveis na internet. Tudo isto fomenta a prática de cuidados médicos de excelência.

HS! - Qual a impressão que os profissionais e os doentes noruegueses têm sobre os médicos formados em Portugal? MDB - Não sei responder de forma acurada a esta pergunta porque a Noruega não é um destino de emigração comum para portugueses. Eu senti-me muito bem recebida.

HS! - Quais as principais diferenças que salienta entre o nosso serviço nacional de saúde e o Norueguês?

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MDB - Na Noruega o serviço de saúde é maioritariamente público e gratuito. É muito organizado e responde atempadamente às necessidades dos utentes. Oferece, como referi, um leque de apoios mais amplo do que o serviço nacional de saúde em Portugal. A geriatria e a oncologia são, a meu ver, as áreas da medicina que mais beneficiam com isto, porque como referi é fácil dispor de uma abordagem integrada e multidisciplinar dos doentes. Há inúmeras modalidades de unidades de reabilitação/convalescença ou apoio domiciliário e estão envolvidos inúmeros profissionais de saúde.

HS! - Tem algum conselho para dar aos colegas que pensem emigrar para a Noruega, nomeadamente para Oslo? MDB - O clima e a cultura deste país são significativamente diferentes de Portugal e convém estar seguro de que se é feliz ao conviver com estas diferenças. Nem toda a gente se adapta ao rigor do inverno aqui.

HS! - Qual o ordenado médio, carga horária mínima semanal e qual o período de férias de um médico na Noruega? MDB - O ordenado médio bruto de um especialista contratado a tempo inteiro para trabalho diurno ronda os 8000 euros. Os impostos são muito elevados mas os benefícios sociais também o justificam. Trabalho noturno ou fim de semana é muito bem compensado, tanto monetariamente como com folgas. Há cinco semanas de férias por ano.

HS! - Como classificaria o nível de vida em Oslo e na Noruega em geral? Por exemplo quanto custa alugar e manter uma casa? E que outras despesas poderia citar a título de exemplo? MDB - O custo de vida é muito alto, um dos mais altos da Europa. A renda de um apartamento T1/T2 dificilmente será inferior a 1500 euros, no entanto, neste montante estão

incluídas as despesas de luz, água, internet e condomínio. A restauração e as bebidas alcoólicas são extremamente caras, sendo comum pagar por um jantar a dois de qualidade regular 150 euros. Uma refeição na cantina do hospital custa cerca de 8 euros.

HS! - Quais as suas perspetivas no futuro? Pensa voltar a Portugal? E porquê? MDB - Nunca se pode prever o futuro com exatidão. Quando estava a fazer o curso não pensei que a emigração estivesse no meu futuro. No entanto, de momento o que sinto é que estou cada vez mais integrada e feliz aqui. Desempenho melhor a minha profissão e tenho uma vida com mas satisfação, portanto penso ficar por aqui.Há algo muito especial e mágico nas populações mais isoladas do norte da Noruega e a natureza é absolutamente deslumbrante. Gostaria de lá trabalhar no futuro, pelo menos durante um ano ou dois.

Exma. Dra. Margarida Brito, em nome da equipa do HajaSaúde!, agradecemos imenso o tempo dispêndio e desejamos-lhe os maiores sucessos pessoais e profissionais nesta sua etapa