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1 FUNDAÇÃO ÉDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ CURSO DE DIREITO MEDIAÇÃO FAMILIAR: UMA ALTERNATIVA EFICAZ PARA A SEGURANÇA PÚBLICA TEMA 5 – PREVENÇÃO SOCIAL DO CRIME E DAS VIOLÊNCIAS E CONSTRUÇÃO DA CULTURA DE PAZ Fábio Araújo de Holanda Souza – Matr.: 0720094-3 Fortaleza - Ceará 2009

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FUNDAÇÃO ÉDSON QUEIROZ UNIVERSIDADE DE FORTALEZA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS – CCJ CURSO DE DIREITO

MEDIAÇÃO FAMILIAR: UMA ALTERNATIVA EFICAZ

PARA A SEGURANÇA PÚBLICA

TEMA 5 – PREVENÇÃO SOCIAL DO CRIME E DAS VIOLÊNCIAS E

CONSTRUÇÃO DA CULTURA DE PAZ

Fábio Araújo de Holanda Souza – Matr.: 0720094-3

Fortaleza - Ceará 2009

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FÁBIO ARAÚJO DE HOLANDA SOUZA

MEDIAÇÃO FAMILIAR: UMA ALTERNATIVA EFICAZ

PARA A SEGURANÇA PÚBLICA

TEMA 5 – PREVENÇÃO SOCIAL DO CRIME E DAS VIOLÊNCIAS E

CONSTRUÇÃO DA CULTURA DE PAZ

Trabalho requisitado pelo Ministério da Justiça, para participar do concurso intitulado “I Prêmio Nacional de Monografias em Segurança com Cidadania Professora Valdemarina Bidone de Azevedo e Souza”, com fundamento nos artigos 22, § 4º e 51, § 5º da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993.

Fortaleza - Ceará 2009

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“O maior problema da comunicação é a

ilusão de que ela foi consumada”.

Georghe Bernard Shaw

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RESUMO

A mediação familiar tem como fundamento e objetivo a comunicação humana, posto que os conflitos familiares decorram de uma inadequada comunicação. A essência do papel do mediador é conduzir os mediandos à percepção e ao exercício consciente dos diversos níveis de comunicação, na conformidade da definição dada pelo sociólogo E. Morin à ação de comunicar: informar e informar-se, conhecer e conhecer-se, explicar e explicar-se, compreender e compreender-se. Ressalte-se, porém, que para a mediação familiar a discriminação das diversas formas de comunicação aperfeiçoa o nível da compreensão e o da intercompreensão, sendo este último o verdadeiro objetivo a ser alcançado na mediação familiar. O principal objetivo da Segurança Pública é o alcance da Paz Social e esta é opção claramente expressa na constituição e está relacionado com o clima de Tranqüilidade Pública envolvendo empenho para redução dos conflitos. A obtenção da Paz Social deve perquerer a pró-atividade, para o envolvimento de todos os órgãos de segurança pública para consecução do objetivo estatal, através de meios para mediação de conflitos e de uma política pública de defesa social. A inovação dos Núcleos de Mediação Comunitária são meios efetivos na persecução da tão sonhada paz.

Palavras chaves: Mediação, família, drogas, segurança pública.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 7

OBJETIVOS..................................................................................................................... 10

METODOLOGIA.................................................................................................................. 11

1 – O CONFLITO: AS FORMAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO............................... 12

1.1 – Considerações Iniciais............................................................................................... 12

1.2 – As Formas Alternativas de Conflito.......................................................................... 13

1.2.1 – A Negociação................................................................................................... 15

1.2.2 – A Conciliação.................................................................................................. 16

1.2.3 – A Arbitragem................................................................................................... 18

1.2.4 – A Mediação...................................................................................................... 27

1.2.5 – Mediação Versus Arbitragem.......................................................................... 34

2 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR.......................................................................................... 36

2.1 – Considerações Iniciais............................................................................................... 36

2.2 – A Mediação Familiar e os Direitos e Deveres Postos............................................... 37

2.3 – Objetivos da Mediação Familiar............................................................................... 46

2.4 – A Aplicação da Mediação Familiar.......................................................................... 47

3 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR E O NOVO CÓDIGO CIVIL......................................... 49

3.1 – Questões Sobre o Processo Mediador Familiar........................................................ 50

3.2 – As Seis Etapas da Mediação Familiar...................................................................... 51

3.3 – Como se Deve Comportar o Mediador?.................................................................. 54

4 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR E O PROCESSO DE SEPARAÇÃO............................. 56

4.1 – Considerações Iniciais.............................................................................................. 56

4.2 – A Mediação Familiar e o Projeto de Lei Nº 4.948/05.............................................. 57

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4.3 – Estudos de Caso (Separação Consensual)................................................................ 59

5 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR E A GUARDA COMPARTILHADA.............................. 60

6 – A INSTABILIDADE FAMILIAR E A SEGURANÇA PÚBLICA............................... 64

CONCLUSÃO...................................................................................................................... 69

ANEXO A – PROJETOS DE LEI PROPOSTOS PELO IBDFAM..................................... 72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 77

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INTRODUÇÃO

O caminho a ser percorrido para atingir o nível da intercompreensão começa pela

qualificada troca de informações, comunicação normalmente deteriorada, já que,

inconscientemente, os mediandos comunicam-se pela linguagem do conflito - inadequada e

destrutiva – em lugar da linguagem adequada e construtiva da intercompreensão, pois se

encontram tão frágeis, que não conseguem despertar outros recursos pessoais mais adequados.

O mediador dá a palavra aos mediandos, organizando a ordem de uso e o tempo a ser

concedido para cada falar, com a regra rígida de um não interromper a fala do outro. Ao

término da fala de cada mediando, o mediador vai repetir, reformular e confirmar a

informação, procurando situar os fatos no tempo e no espaço. Esta primeira organização

comunicacional – que normalmente ocorre nas duas primeiras sessões de mediação - já se

presta a conter a angústia dos sujeitos do conflito, permitindo-lhes acessar logo outro nível

mais sensível da comunicação.

Para atingir a intercompreensão será necessário valer-se de informações, sentimentos,

idéias, valores, explicações, representações, permitindo a circulação de subjetividade e

objetividade. Trata-se, enfim, de uma atitude comunicativa que leva cada mediando a ter o

cuidado de se fazer compreender e de se esforçar para compreender o que o outro diz. Trata-

se de diálogo a partir do registro do “EU”, vindo das experiências vividas, do “TU”, a partir

das relações interpessoais, e do “ELE”, advindo do estado de coisas existentes.

Nesta dinâmica comunicacional há espaço, inclusive, para surgir a incompreensão –

tanto pessoal como no outro - afinal, compreender e compreender-se pressupõe aceitar que

existem o inexplicável e o desconhecido presentes em ambos os mediandos.

Destas considerações iniciais depreendem-se duas conclusões significativas: a primeira

é que não se pode dizer que há ausência de comunicação na família, pois o que se observa é a

presença de uma comunicação inadequada, não cumprindo a circularidade necessária,

movimento indispensável para a sua efetividade; a segunda conclusão é que os

desentendimentos familiares têm raiz na dificuldade de comunicação, que começa pela

dificuldade de identificação dos próprios sentimentos, em decorrência de não conseguirem

identificar os papéis que cada um deve desempenhar no sistema familiar.

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A comunicação inadequada exalta-se, sobremodo, quando os pais separam-se,

principalmente quando a ruptura é litigiosa, pois, enquanto o ex-casal realimenta

inadequadamente o vínculo “conjugal” por meio da comunicação da linguagem do conflito,

os filhos vivem uma situação de abandono diante da dificuldade de diálogo entre os pais.

Muitas vezes o conflito se mantém “em nome” da criança, no entanto, os filhos ficam

sufocados e sem espaço para compreenderem seu efetivo papel na família transformada pela

separação.

Para estas famílias a mediação possibilita o resgate da comunicação fundada na

intercompreensão, permitindo que o ex-casal compreenda que agem e falam em nome próprio

- e não em nome dos filhos - o que lhes permite discriminar as funções da família,

compreendendo que é o casal conjugal que se dissolve, porém, o casal parental deverá se

fortalecer para ter continuidade para sempre. Assim, os pais tornam-se disponíveis para

acompanharem o cotidiano dos filhos, dando o devido significando a questões importantes

como a escolaridade, a sexualidade, a sociabilidade etc. Ressalte-se que a mediação

interdisciplinar é capaz de proteger os filhos do divórcio de comprometimentos psicológicos e

psicossomáticos, tão presentes nas crianças no período pós-separação.

É bastante freqüente ouvir depoimentos dos mediandos, reconhecendo que a mediação

familiar proporciona ao casal a oportunidade de experimentar, pela primeira vez, a plena

comunicação fundada na intercompreensão, exercendo, assim, uma função pedagógica,

preparando estas pessoas para novos relacionamentos sem repetirem o paradigma do casal

dissolvido.

Eis o verdadeiro resultado da mediação interdisciplinar, qual seja, a transformação do

conflito.

A mediação familiar nas varas da família se apresenta como uma interessante alternativa

na ampliação da consciência das partes envolvidas em ações judiciais para suas dificuldades,

ajudando-as extrair das adversidades vividas o próprio caminho da reorganização pessoal,

tendo como resultado mediato a solução dos conflitos jurídico-familiares, evitando a

morosidade dos litígios, reduzindo os custos do processo, tanto para o Estado quanto para as

partes, reduzindo o conflito e fomentando a cooperação familiar, auxiliando, enfim, os seus

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membros a enfrentarem de uma forma mais digna e menos dramática os impasses e os

inevitáveis sofrimentos pessoais decorrentes desses conflitos.

A sua adoção no Brasil, em modelos teóricos e técnicos adequados à nossa realidade

cultural em desenvolvimento pela doutrina, a ser estimulada através de legislação especifica e

da criação de serviços públicos e acessíveis aos mais carentes, representará um notável

avanço para a preservação da dignidade da pessoa humana, enfatizando a responsabilidade

pessoal e o exercício da cidadania, evitando a vitimização freqüentemente presente nas partes

frustradas com a solução judicial, e no cumprimento do preceito constitucional contido no

"caput" do art. 22 da nossa Constituição, segundo o qual a família, como base da sociedade,

tem direito à especial proteção do Estado.

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OBJETIVO GERAL

Nutrir a concepção de que a legalização da mediação familiar pode diminuir a desagregação familiar reduzindo, destarte os índices de violência.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Fortalecer a mediação familiar como meio alternativo para a solução de conflitos geradores de violência; Mostrar que a violência urbana decorre de fatores sociais dentre tantos a desagregação do instituto “família.

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METODOLOGIA

A metodologia deste trabalho – como apêndice do conhecimento do Direito - é centrada

na articulação entre a teoria e a prática, com vistas a desenvolver o raciocínio jurídico e crítico

do leitor.

Essa metodologia abarca o estudo interdisciplinar dos vários ramos do Direito, bem

como de ciências complementares, permitindo o exercício constante da pesquisa, bem como a

análise de conceitos e a discussão de suas aplicações.

Para facilitar sua utilização, apresentamos um material bibliográfico extenso entranhado

nesta obra, bem como dois estudos de casos, os quais contemplam uma série de

questionamentos objetivos e discursivos, assim como casos práticos e interdisciplinares para

desenvolvimento durante a leitura, simulando situações prováveis de ocorrer na vida

individual; pessoal ou profissional.

O objetivo principal desta obra é possibilitar aos leitores o acesso a um material que

propicie a análise acerca do processo de mediação familiar consoante aos Direitos e Garantias

Fundamentais Individuais ou Coletivas, Públicos ou Privados.

Os pontos relevantes para os dois estudos de caso devem ser objeto de pesquisa prévia

pelos leitores, envolvendo a legislação pertinente, a doutrina e a jurisprudência, de forma a

prepará-los para as discussões realizadas em eventos que envolvem a manutenção do instituto

“família” como responsabilidade de todos.

Esperamos, com esta obra, criar condições para a realização de debates mais interativos

e propiciar a melhora constante da qualidade crítica do Direito, sem perder a sensibilidade, a

qual invoca o reconhecimento do operador do Direito como cidadão e ativista dos direitos

humanos.

As querelas envolvendo problemas familiares são de difícil conciliação. Entretanto

existem, e, nesta situação, devem ser dirimidas. Para que esse método seja efetivo, faz-se

necessário uma multidisciplinaridade sistêmica, ou seja, perpassar pelas ciências exatas,

humanas, tecnicistas, religiosas e, principalmente, culturais.

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1 – O CONFLITO: AS FORMAS ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

1.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Conflito é um fenômeno próprio das relações humanas. Eles acontecem por causa de

posições divergentes em relação a algum comportamento, necessidade ou interesse comum.

As incompreensões, as insatisfações de interesses ou necessidades costumam gerar conflitos.

O conflito não é ruim em si mesmo. Ele pode ser aproveitado como oportunidade para a

solução de problemas que estavam sendo “varridos para debaixo da cama”. O problema é que,

quando as pessoas não estão preparadas para lidar com os conflitos, estes podem ser

transformados em confronto, violência.

Todos nós queremos ser tratados com respeito e igualdade. Mas as pessoas estão muito

impacientes e agressivas. Talvez por causa da instabilidade no emprego, ou do desemprego,

ou porque são muitas e muito rápidas as mudanças na vida moderna, ou porque são muitas as

injustiças e necessidades insatisfeitas, ou porque se sentem no direito de exigir, ou por várias

dessas razões e outras mais.

A família é a principal caixa de ressonância desses problemas.

No mundo atual, cheio de tantas novidades e mudanças, a capacidade mais importante

para se dar bem na vida - além da responsabilidade social, da educação e de uma profissão - é

a capacidade de resolver conflitos. O conflito pode ser resolvido com ganhos para todas as

partes envolvidas.

A capacidade de resolver conflitos depende da nossa comunicação, do nosso jeito de

tratar as pessoas. Quando adotamos uma comunicação positiva, as nossas discussões, os

nossos conflitos tendem a ser amigavelmente resolvidos.

Nem sempre é possível resolver um conflito diretamente negociando com a outra parte.

Há pessoas de “sangue quente”, que rompem relações ou revidam, dificultando ou impedindo

um entendimento direto.

Daí porque, muitas vezes, é necessário contar com o apoio de uma terceira pessoa, um

facilitador ou um mediador, para recuperar o diálogo e o entendimento.

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Quais são os elementos do Conflito?

1 - A pessoa: o ser humano, com seus sentimentos e crenças.

2 - O problema: as necessidades e interesses contrariados.

3 - O processo: as formas e os procedimentos adotados.

Quais são os dois tipos básicos de processo?

Processos não adversariais e processos adversariais. Processos ou procedimentos não

adversariais de solução de conflitos são aqueles em que as partes não atuam como adversárias,

mas como co-responsáveis na busca de uma solução. A facilitação, a mediação e a conciliação

são três procedimentos não adversariais de solução de conflitos. Nos processos adversariais,

que podem ser administrativos, judiciais ou arbitrais, um terceiro resolve o conflito.

1.2 – AS FORMAS ALTERNATIVAS DE CONFLITO

Sendo o ser humano um ser político, capaz de racionalizar suas aspirações e interesses e

de argumentar em favor de si, é certo que reagirá de forma diferente na resolução de cada

conflito, dependendo das circunstâncias em que o mesmo se apresentar. A complexidade ou

não do meio utilizado para a solução do entrave dependerá de inúmeros fatores, a exemplo da

natureza da demanda, do direito envolvido, do acirramento dos ânimos, da capacidade

propositiva das partes, da possibilidade ou não de execução da decisão, etc.

MAURÍCIO GODINHO DELGADO (2006, pags. 1368 e 1369) ensina que os métodos

de solução de conflitos classificam-se em três grandes grupos: autotutela, autocomposição e

heterocomposição. Para ele, “a diferenciação essencial entre tais grupos de métodos

encontram-se nos sujeitos envolvidos e na sistemática operacional do processo de solução do

conflito” . Ocorre autotutela quando uma das partes, por intermédio de coerção ou de

imposição legal, (como exemplo, na legítima defesa), impõe sua própria sistemática de

resolução à controvérsia, a despeito da vontade da outra parte. Cita, no âmbito do Direito do

Trabalho, a greve como importante meio de autotutela sobre a dinâmica de solução dos

conflitos coletivos; por seu turno, explica que há autocomposição quando o conflito é

solucionado sem o auxílio de terceiros, através de renúncia, aceitação (ou resignação ou,

ainda, submissão) e transação (mais comumente conhecida como negociação).

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Aponta como exemplo de autocomposição, outra vez no âmbito do Direito Coletivo do

Trabalho, a negociação coletiva; por fim, aduz que há heterocomposição quando o conflito é

solucionado mediante a intermediação de um agente exterior, um terceiro junto ao conflito.

Enumera como exemplo de heterocomposição, a jurisdição (praticada por um membro do

Judiciário), a arbitragem (realizada por um árbitro), a conciliação e a mediação, apesar de

reconhecer que a doutrina é polêmica quanto à inclusão de conciliação e arbitragem dentre os

meios heterocompositivos.

DENISE ALMEIDA DE ANDRADE e ROBERTA LAENA COSTA JUCÁ,

alicerçadas nas lições de JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA (2005, pags. 94 e 95),

analisam os métodos de resolução de conflitos sob prisma diferente. Para ambas, tudo se

origina das sistemáticas decorrentes da autonomia e heteronomia. A autonomia compreende a

autotutela - segundo o conceito já comentado - e a autocomposição (que inclui a negociação, a

conciliação e a mediação). Por sua vez, a heteronomia compreende a heterotutela (quando

desenvolvida no âmbito judiciário) e a heterocomposição (quando realizada por arbitragem).

As autoras excluem conciliação e mediação do rol de meios heterocompositivos,

optando por incluí-los dentre os instrumentos de autocomposição. Isso se dá muito

provavelmente em razão do pouco relevo assumido pelos agentes exteriores na proposição das

soluções dos conflitos, nas duas hipóteses, se comparado, p. ex., à atuação dos mesmos na

arbitragem ou na jurisdição.

Não se deve deixar de considerar a insubstituível importância do papel dos agentes

exteriores (mediador e conciliador) junto aos conflitos, tarefa que se reputa de enorme

relevância.

Neste tocante, conforme se verá adiante, é importante deixar claro que conciliação e

mediação são institutos completamente distintos.

De modo que se de um lado é indubitável que a participação do mediador no conflito é

tão-somente de facilitador do diálogo entre as partes, ou seja, no que diz respeito à proposição

da solução do conflito sua tarefa é quase nula, por outro lado, o papel do conciliador muitas

vezes é sobejamente indutor e propositivo, de tal sorte que melhor solução para a polêmica

telada acredita-se, seria a abstração da mediação do rol de meios heterocompositivos, com o

resguardo da conciliação no mesmo rol.

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1.2.1 – A NEGOCIAÇÃO

A negociação é a forma mais simples e também mais antiga de resolução de conflitos.

Dá-se pelas vias do diálogo direto entre as partes, sem a interferência de um terceiro. É um

fenômeno tão comum na vida das pessoas que sequer é notado na maioria dos casos em que

acontece.

A negociação não escolhe tempo nem matéria. Acontece sempre que se prenuncia um

conflito de ordem jurídica ou moral. Por isso mesmo, quase sempre antecipa outras formas de

resolução de conflitos.

GEÓRGIA LIMA AZEVEDO, ponderando sobre estudo de RENATA FONKET,

assinala que comumente a negociação se divide em cooperativa e adversarial, sendo

“cooperativa se as partes utilizarem formas semelhantes de manejo de conflitos e procurarem

uma solução justa e satisfatória para todos envolvidos... (...) adversarial se as partes

utilizarem estratégias competitivas e buscarem soluções ganhador/perdedor”(SALES, 2005,

pags. 112 e 113).

Apesar de que fundamentada em bases factíveis, facilmente constatáveis em razão da

competitividade que move as relações sociais e comerciais no cotidiano, percebe-se em citada

assertiva leve parcimônia com a desfiguração do sentido de negociação, numa aparente

confusão entre o instituto oriundo da autocomposição e a autotutela. Afinal de contas,

negociar, por significar transigência de ambos os lados, isto é, procura por um denominador

comum, jamais poderá pressupor perdedores e ganhadores, mas apenas ganhadores. Uma

negociação, na acepção verdadeira da palavra, busca sempre uma solução consensual, nunca

imposta, para a querela.

Vale ressaltar que a lei, em alguns casos, prevê a existência da negociação, como é o

caso da negociação coletiva prevista nos arts. 8º, VI, da Constituição Federal de 1988; “é

obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho”, e 513, b,

da Consolidação das Leis do Trabalho; “são prerrogativas dos Sindicatos: (...) b) celebrar

convenções coletivas de trabalho”. Importante lembrar, no azo de mero informe, que a

negociação coletiva é inerente ao Direito Trabalho, tendo sido anterior, inclusive, à sua

formalização.

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Para efeito da presente Convenção, a expressão “negociação coletiva” compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma ou várias organizações de trabalhadores, com o fim de: fixar as condições de trabalho e emprego; ou regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou regular as relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.

Sobre esta espécie de negociação ALFRED J. RUPRECHT apud JOSÉ CLÁUDIO

MONTEIRO DE BRITO FILHO (2005, p. 174) afirma que tem sido considerada “o melhor

sistema para solucionar os problemas que surgem entre o capital e o trabalho, não só para

fixar salários e estabelecer condições laborais, mas também para regular todas as relações

de trabalho entre empregado e empregador”.

Um dos grandes entusiastas da negociação coletiva no país, MAURÍCIO GODINHO

DELGADO (2006, p. 1370), chega a exultar:

“A importância da negociação coletiva transcende o próprio Direito do Trabalho. A experiência histórica dos principais países ocidentais demonstrou, desde o século XIX, que uma diversificada e atuante dinâmica de negociação coletiva no cenário das relações labutativas sempre influenciou, positivamente, a estruturação mais democrática do conjunto social.”

1.2.2 – A CONCILIAÇÃO

A conciliação exige a presença de um terceiro perante o conflito. Alguém que faça

vezes de conciliador junto às partes, ou seja, que intervenha no mérito do problema e que

proponha uma solução para o entrave.

Citando no tocante a negociação, o objetivo da conciliação também é buscar uma saída

maturada para o problema. Mas neste caso em específico, a presença do conciliador serve

para vários fins, desde facilitar o diálogo entre as partes e conduzir passo-a-passo a discussão

sobre as nuances do conflito, até a sugestão para o deslinde final. Sobre o assunto, ensinam

LÍLIA MAIA DE MORAIS SALES e MÔNICA CARVALHO VASCONCELOS (SALES &

VASCONCELOS, 2006, p.80):

“a conciliação, pela forma como é conduzida, é aplicada de maneira mais eficiente nos conflitos em que não existe relacionamento entre as partes ou que essa relação não seja continuada, mas esporádica (como uma colisão de veículos), haja vista que, em tal procedimento, a discussão dos problemas é superficial... (...) A principal finalidade da conciliação é a consecução do acordo, evitando que este conflito se estenda ao longo do tempo.”

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Observe-se que como diferenciais da conciliação relativamente a outras formas

alternativas de resolução de conflitos estão: a) a necessidade de uma solução rápida, b) a não

existência de continuidade na relação entre as partes e c) a presença de um conciliador. Em

função de tais características, a conciliação tem sido utilizada no âmbito do Poder Judiciário,

Especialmente na Justiça do Trabalho, nos Juizados Especiais, nas varas cíveis, sobretudo de

família, em varas federais, especialmente em conflitos habitacionais, e, extrajudicialmente,

nas Comissões de Conciliação Prévia, nas Defensorias Públicas, em órgãos do Ministério

Público como, p. ex, os de defesa do consumidor, etc.

Como também nos estágios iniciais dos litígios, como tentativa de se evitar cursos de

processos que de antemão já se sabe serão, vias de regra, morosos e angustiantes para ambas

as partes. No âmbito do direito processual trabalhista as tentativas de conciliação são

obrigatórias, tanto que até o advento da Emenda Constitucional n. 24, promulgada em

09/12/1999, as Varas do Trabalho eram denominadas de Juntas de Conciliação e Julgamento.

Destarte, com fulcro no art. 764, da CLT:

“ART. 764. Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação.

§ 1º. Para efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos.

§ 2º. Não havendo acordo, o juízo conciliatório converter-se-á obrigatoriamente em arbitral, proferindo decisão na forma prescrita neste Título.

§ 3º. “É lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, ainda mesmo depois de encerrado o juízo conciliatório”.

Igualmente, é interessante destacar que no âmbito do direito trabalhista também a

conciliação extrajudicial encontra amparo legal, sendo o caso de citar o artigo 625-A da CLT,

- acrescidos à legislação trabalhista pela Lei n. 9.958, de 12/01/2000 - que prevê a

possibilidade de existência das Comissões de Conciliação Prévia para solução de conflitos

individuais, desde que antecipadamente consentidas pelas respectivas empresas e sindicatos.

Verbis:

“CLT. ART. 625-A. As empresas e os sindicatos podem instituir Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho. (...)”

De modo generalizado, também o Código de Processo Civil nacional provisiona a

conciliação no curso dos processos judiciais:

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“CPC. Art. 125. O Juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe: (...) IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes”

A conciliação também está presente, judicialmente, nos procedimentos sumários, CPC.

Art. 277; “O Juiz designará a audiência de conciliação a ser realizada no prazo de trinta

(30) dias....” nos Juizados Especiais, - Lei dos Juizados Especiais (9.099/95). Art. 22: “A

conciliação será conduzida pelo juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação”

- nos ritos próprios de ações de alimentos, - Lei de alimentos (5478/68 ) Art. 9º: “Aberta a

audiência, lida a petição, ou o termo, e a resposta, se houver, ou dispensada a leitura, o juiz

ouvirá as partes litigantes e o representante do Ministério Público, propondo conciliação” -

de ações de separação judicial e divórcio, - Lei do divórcio e separação judicial (6515/77) Art.

2º: “O juiz deverá promover todos os meios para que as partes se reconciliem ou transijam,

ouvindo pessoal e separadamente cada uma delas e, a seguir, reunindo-os em sua presença,

se assim achar necessário” - etc., assim como igualmente está presente, extrajudicialmente,

nos procedimentos arbitrais, Lei de Arbitragem (9.307/96). Art.7º, § 2º.: “Comparecendo as

partes à audiência, o juiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obtendo

sucesso, tentará o juiz conduzir as partes à celebração, de comum acordo, do compromisso

arbitral” .

1.2.3 – A ARBITRAGEM

A palavra arbitragem vem do latim arbiter, que significa juiz, louvado, jurado. Vamos

estudar a arbitragem como procedimento utilizado na resolução de conflitos. Trata-se de um

método adversarial ou heterocompositivo, cuja solução do litígio é fornecida por um terceiro.

Não consiste em uma autocomposição das partes onde um terceiro tem por objetivo

auxiliá-las para que cheguem a um consenso, compatibilizando suas posições divergentes. O

terceiro não ocupa postura de neutralidade, mas define a quem pertence o direito em disputa,

ou seja, ele declara quem está com a razão.

Arbitragem é, portanto, uma instituição pela qual as partes concedem a um terceiro (o

árbitro) o dever de resolver seus litígios com imparcialidade.

Solucionam-se controvérsias pela intervenção de uma ou mais pessoas com poderes

para uma convenção privada, sem que esta seja estatal, gerando decisão que assume eficácia

de sentença judicial.

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Seria, pois, um sistema alternativo de muita importância, já que o Estado lhe confere

algumas faculdades jurisdicionais, como a de outorgar às decisões arbitrais a força de coisa

julgada, não havendo necessidade de homologação pelos tribunais estatais. Assim como no

Direito brasileiro, o Direito português defende que:

“A arbitragem é um processo de resolução de um litígio pelo qual as partes confiam

à resolução do mesmo a um árbitro ou a vários árbitros, organizados em Tribunal

Arbitral. O litígio deve respeitar a direitos disponíveis e a decisão proferida tem o

mesmo valor de uma sentença judicial, podendo ser executada nos Tribunais. As

partes podem escolher - elas mesmas - os árbitros e as regras do processo ou confiar

a uma entidade institucional (Centro de Arbitragem) a organização e o

funcionamento do Tribunal Arbitral. No primeiro caso a arbitragem é designada por

"ad hoc" e, no segundo, por arbitragem institucionalizada. As partes podem,

igualmente, determinar se os árbitros devem julgar segundo a lei (Direito

Constituído) ou de acordo com a equidade (justiça material aplicada ao caso

concreto). A Arbitragem e a criação dos Centros de Arbitragem estão reguladas por

lei (Lei 31/86 de 29 de Agosto e Decreto-Lei nº425/86 de 27 de Dezembro).”

Disponível em: <http://www.oa.pt/genericos/detalheArtigo.asp?idc=9&scid=737>

Acesso em: 12/05/2009, 17:30.

Para ser possível a utilização desse sistema de resolução de conflitos, as pessoas

interessadas devem ser capazes civilmente e o litígio a ser decidido deverá versar sobre

direitos patrimoniais disponíveis. Além disso, é fundamental que ainda exista um mínimo de

possibilidade de autocomposição, ou seja, as partes devem estar dispostas a se submeterem a

um árbitro e a aceitarem sua decisão. Podemos falar nisso, mesmo sendo a arbitragem

instituto de essência heterocompositiva.

Sobre o assunto trata claramente a autora Rozane da Rosa Cachapuz (2000, p. 23)

dizendo que:

“a arbitragem é um foro privilegiado e propício para a composição amigável ou para a convergência dos esforços dos litigantes no sentido de alcançarem rapidamente, sem descurar dos valores maiores que são a segurança e a justiça da decisão, a solução final da lide, tendo em vista que, quase sempre, ambos têm interesse na resolução do conflito, que, não raras vezes, envolve quantias vultosas de dinheiro, com inúmeros efeitos diretos e reflexos”.

Igualmente, a arbitragem é um meio de resolução de conflitos bastante simples e

objetivo. Os julgadores responsáveis são técnicos especializados na área onde está situado o

objeto do litígio.

20

Estes são designados exatamente por sua capacidade técnica, propiciando um

julgamento seguro e rápido, sobretudo em comparação à jurisdição pública, onde existe

acúmulo de serviço, gerando retardamentos.

Percebemos, destarte, que essa rapidez na resolução dos conflitos se dá por conta da

irrecorribilidade das decisões arbitrais e inexistência de homologação da sentença nacional

pelo Poder Judiciário, como já vimos. Há, pois, uma prestação jurisdicional privada da tutela

pretendida pelas partes em conjunto, já que se supõe a aceitação por ambas, no momento que

recorreram ao instituto em análise.

Costuma-se dizer que quando não é possível o acordo direto entre as partes conflitantes,

mas há zona de harmonia, o procedimento mais indicado é a arbitragem, pois um terceiro tem

a possibilidade de interferir num espaço onde as partes podem vir a convergir numa decisão

comum. Essa possibilidade de acordo só ocorre se for uma questão de direito disponível.

O árbitro estaria, então, recebendo autoridade e aval das partes para impor uma solução.

Não há aqui menosprezo à atividade judicial, mas ajuda, pois com a arbitragem, muitos

processos podem ser resolvidos sem piorar ainda a situação judiciária que já é precária. Ao

utilizarmos o juízo arbitral, estamos reduzindo a demanda do juiz, que se restringiria aos

casos em que o tratamento não se revelasse amistoso.

As partes podem escolher entre a arbitragem ou o judiciário, mas, havendo mútuo

consentimento é preferível a primeira devido à maior celeridade. Podem ainda resolver os

litígios entre elas mesmas, sem auxílios, bastando homologar o acordo para que possa valer

como comprovação. A arbitragem foi inserida formalmente no ordenamento nacional através

da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996. Caracteriza-se pela decisão das partes de

transferir para um terceiro não órgão judicial (árbitro) a atribuição de resolver o conflito.

Teoricamente, são vantagens da arbitragem: a rapidez, a segurança, o sigilo, a discrição,

a ambiência adequada, a desburocratização dos procedimentos, a redução dos custos do

processo, a melhor qualidade e melhores possibilidades do provimento decisório - já que um

árbitro pode conhecer com mais profundidade dado assunto técnico do que um magistrado, e,

além disso, pode agir mais flexivelmente a fim de fugir de decisões tipo ganhador/perdedor,

estipulando compensações mútuas, etc. -, além da eficácia.

21

Apesar de todas as vantagens, é importante ressaltar que a inserção da arbitragem na

vida pátria esteve diretamente ligada a dois fatores: o primeiro já comentado anteriormente, a

crise do Judiciário que proporcionou um verdadeiro caos no gerenciamento das demandas

propostas ao Poder Judicante; o segundo, uma tendência política liberalizante - enraizada em

preceitos emanados de países do hemisfério norte, especialmente dos Estados Unidos -,

fortemente em curso à época da promulgação da lei, que sugeria o máximo afastamento do

Estado das relações privadas. Segundo JOSÉ DE ALBUQUERQUE ROCHA (1998, p.20);

“foi o liberalismo, enquanto ideologia, quem induziu o legislador a escolher a arbitragem e

guiou-o quanto ao conteúdo de sua disciplina normativa. Em resumo, a crise provocou a

reação do legislador, mas foi o liberalismo quem o orientou quanto à solução do problema”.

Sendo uma tendência do liberalismo, certo é que a arbitragem no Brasil necessita ser

fiscalizada. Afinal, num Estado com tantas desproporcionalidades de riquezas resta óbvio que

é abissal a existência de desigualdade de forças entre aqueles que detêm o poder econômico e

aqueles que, na outra ponta da pirâmide, são desprivilegiados, carentes de uma tutela estatal

mais efetiva.

Sobre isso, mais uma vez vale transcrever o comentário de JOSÉ DE ALBUQUERQUE

ROCHA (1998, págs. 20 e 21):

“Se perguntarmos aos liberais se a arbitragem é um procedimento justo, é certo que responderão afirmativamente, justificando com o argumento de que a arbitragem é um contrato, o qual é expressão de livre consentimento dos contratantes, portanto, moralmente legítimo. Acontece, porém, que o liberalismo trabalha com uma concepção abstrata de liberdade. Contempla as pessoas não socializadas, o que significa não prever as conseqüências das relações sociais. Esquece que por trás da liberdade teórica estão sempre as relações de poder que desigualam as pessoas socialmente e limitam sua liberdade de escolha. (....) Assim sendo, a liberdade nominal dos liberais só serve para esconder a desigualdade real, legitimar as relações de poder existentes, justificando as imposições dos mais fortes aos mais fracos. (...) Em resumo, a mão invisível de Adam Smith, em um sistema de liberdade entre desiguais, funciona em sentido contrário: ao invés de criar equilíbrio social e econômico, produz concentração de riquezas de um lado, e pobreza e submissão das classes, mas débeis, do outro lado “.

“Deste modo, para que a arbitragem possa ser considerada como o resultado de uma livre escolha das partes e não como uma injunção dos mais poderosos aos mais débeis, é imprescindível haver algum tipo de mecanismo que assegure um mínimo de equilíbrio na relação de poder entre as partes, para que possam gozar de condições concretas que lhes assegurem igual possibilidade de participar na formação dos contratos de que deriva a escolha da arbitragem como forma de solução do conflito”.

22

Apesar de que citadas palavras foram bradadas há quase dez anos, tão logo promulgada

a lei 9.307/06, e que o instituto da arbitragem a cada dia cresce no Brasil, resta imperioso que

as câmaras arbitrais permaneçam sendo monitoradas pelo poder público, a fim de que não se

desliguem de sua finalidade mor, qual seja suprir a carência do Judiciário resolvendo o

conflito com eficácia, rapidez, segurança, custo baixo, de forma sigilosa, etc. Até mesmo

porque, as câmaras arbitrais se proclamam tribunais, árbitros se autodenominando juízes,

excesso de protocolos, formalidades, além de cobranças de honorários em valores

exorbitantes, numa clara evidenciação de quem procura apenas copiar do Judiciário seus

vícios e não suas qualidades.

Não sendo a arbitragem o foco do presente estudo, não se opta por esmiuçar,

integralmente, o conteúdo da Lei 9.307/96.

Entretanto, entendendo-se importante, abrem-se ressalvas para esclarecer que a lei

brasileira estipula que aqueles interessados em submeter seus litígios às câmaras arbitrais

devem formalizar convenção arbitral, art.3º, que, em outras palavras, significa o acordo

através do qual as partes decidem pela arbitragem.

A convenção arbitral, por sua vez, adquire duas formas: de compromisso arbitral, art.9º

- segundo o qual as partes, em contrato, submetem um litígio à câmara arbitral -, e a cláusula

compromissória, art.4º - segundo a qual as partes, no mesmo contrato, afirmam a intenção de

submeter eventuais conflitos ao crivo arbitral. Ou seja, o compromisso arbitral trata do

conflito atual e a cláusula compromissória dos conflitos futuros.

No mais, importa dizer que da sentença arbitral não cabe recurso, a não ser para efeito

de saneamento de erro material e saneamento de obscuridades ou pronunciamento sobre

assunto não abordado, art.30, adquirindo a mesma, ao final, status de título executivo, art.31.

A nulidade de uma sentença arbitral, contudo, poderá ser declarada pelo Judiciário, art.33,

desde que demonstrada decorrência das hipóteses previstas pela lei, art.32.

Um último esclarecimento diz respeito à novel arbitragem estipulada pela Emenda

Constitucional n. 45/2004, para solucionar pontos controversos oriundos da negociação

coletiva. Pela nova redação dada ao art. 114 da Constituição Federal de 1988 (que trata da

nova competência da Justiça do Trabalho), com a inclusão do § 4º, “frustrada a negociação

coletiva as partes poderão eleger árbitros”.

23

O instituto da arbitragem passa a ser de utilidade, também, no âmbito do direito

trabalhista (juízo em que, outrora, a arbitragem era exclusivamente judicial), galgando cada

vez mais espaço no mundo jurídico nacional. Senão vejamos:

“Os dissídios individuais ou coletivos submetidos à apreciação da Justiça do Trabalho serão sempre sujeitos à conciliação. (...) § 1º. Para efeitos deste artigo, os juízes e Tribunais do Trabalho empregarão sempre os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos; § 2º. Não havendo acordo, o juízo conciliatório converter-se-á obrigatoriamente em arbitral, proferindo decisão na forma prescrita neste Título”

Características e Objeto da Arbitragem:

O instituto em destaque possui características peculiares:

a) Ampla liberdade de contratação;

b) Escolha livre, pelas partes, do árbitro;

c) Escolha do procedimento pelo árbitro;

d) Celeridade;

e) Economia processual;

f) Sigilo do procedimento;

g) Sentença arbitral tem valor de título executivo judicial;

h) Aplicação nos litígios de direitos patrimoniais disponíveis;

Iniciamos pela ampla liberdade de contratação, que acontece por ser constituída pelo

acordo das partes, que determinam o objeto litigioso, podendo, ainda, escolher as regras de

direito substantivo e adjetivo a serem aplicadas. Há possibilidade de escolha de lei estrangeira

desde que não fira os bons costumes, a ordem pública, nem as regras internacionais de

comércio.

As partes podem escolher livremente o árbitro, desde que possuam capacidade civil.

Esse árbitro será incumbido de decidir o litígio, por isso à instituição é considerada uma

justiça de técnicos. A ele é permitido disciplinar o procedimento a ser adotado, isso quando

não há convenção entre as partes neste sentido. Este é um meio de adiantar o andamento para

resolução do conflito, pois não havendo entendimento a respeito do procedimento, o próprio

árbitro decide sem consultar as partes.

24

Outra característica é que esse instituto possibilita maior celeridade na solução dos

litígios. A previsão é de, em média, seis meses, sendo facultado às partes estabelecer um

prazo para a sentença arbitral. O descumprimento desse prazo pelo árbitro gera

responsabilidade civil. A arbitragem determina também maior economia processual, já que

não se utiliza dos métodos e da burocracia judicial.

Às partes é facultado exigir o sigilo do procedimento arbitral, uma vez que não vigora o

princípio da publicidade que é exigido, em regra, na justiça comum. Outra especificidade é

que a sentença arbitral será transformada em título executivo judicial, fazendo com que seja

eficaz assim como as sentenças declaratórias ou constitutivas. Dessa forma não há

necessidade de dupla homologação de sentença arbitral estrangeira, cabendo somente ao STJ

esta função.

O último atributo está relacionado ao objeto da arbitragem que versa sobre direito

patrimonial disponível. Essa fórmula alcança todos os direitos ou bens que compõem o

patrimônio das partes, os quais eles têm possibilidade de dispor livremente, de acordo com

suas pretensões. Apenas os bens disponíveis podem ser objeto da arbitragem, devendo, o

litígio, abordar obrigatoriamente direitos patrimoniais disponíveis.

Quando falamos em disponibilidade, percebemos a necessidade de entrar no âmbito da

indisponibilidade. Para sabermos quais os bens disponíveis, temos antes, que saber quais são

os indisponíveis. São eles: os direitos personalíssimos, os direitos de poder e as ações de

estado, assim como as questões de família, de falência, de incapazes e outras que exigem

participação obrigatória do Ministério Público (MP) em seus procedimentos.

Concluímos então, que os direitos indisponíveis não podem ser objeto arbitral dado a

natureza de ordem pública necessária em todos os procedimentos elencados anteriormente.

Esses estão excluídos do conteúdo patrimonial, não podendo se submeter aos procedimentos

de jurisdição voluntária.

Não são disponíveis também, as questões relativas à ordem fiscal tributária e todas

aquelas que interessem à Fazenda Pública Estadual, Municipal ou Federal. Existe exceção à

regra, quando a lei determina a possibilidade da arbitragem na falência e concordata, desde

que seja parte a Administração Pública.

25

Ante o exposto, chega-se à conclusão de que não integram o conteúdo da convenção de

arbitragem as relações jurídicas de caráter patrimonial e indisponível, não havendo

possibilidade alguma de solucionar pelo procedimento arbitral, as pendências futuras

derivadas destes objetos.

Como regra, a lei exclui as relações que não versam sobre o direito privado da

possibilidade ser objeto do juízo arbitral. Dessa forma, na medida em que as controvérsias

tratam de direitos não disponíveis pelas partes, a competência è exclusiva da jurisdição

estatal.

Convenção de Arbitragem e Cláusula Arbitral:

A convenção consiste em um acordo feito pelas partes no qual a cláusula

compromissória ou arbitral sujeita os litigantes à obrigação de se submeterem à arbitragem

quando do surgimento de litígios. O art. 1º da Lei nº 9.327/96 diz que “pessoas capazes de

contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais

disponíveis”. Entende-se com isso, que somente as pessoas capazes civilmente serão aptas a

valer-se dessa forma de solução de conflitos.

Essa convenção deixa clara promessa de que futuramente, as partes firmarão

compromisso arbitral, nomeando um árbitro para resolver suas controvérsias. Na recusa de

uma das partes na instauração do juízo arbitral, havendo cláusula compromissória, a outra

parte poderá pleitear a concretização de tal juízo.

Com base no art. 7º da Lei de Arbitragem, requer-se que se chame o outro contratante a

fim de ser lavrado o compromisso. Estando a outra parte ausente, o juiz deverá suprir as

regras para que se possa instaurar o juízo, devendo ater-se ao disposto na cláusula

compromissória. Por esse motivo é importante que tal cláusula contenha o maior número

possível de normas referentes à instituição e instalação da arbitragem, deixando para o

compromisso arbitral a qualificação do objeto litigioso, assim que for necessário.

A legislação brasileira determina que a cláusula arbitral seja por escrito, tanto no

próprio documento ou em outro (carta, telegrama ou fax que faça referência ao contrato).

Essa ressalva possibilita ser feita a contratação no momento da celebração do negócio jurídico

ou em fase ulterior.

26

Há uma importante faculdade às partes que é a de estabelecer regras atinentes à

arbitragem em documento distinto à cláusula arbitral, bem como inseridas nela.

Finalmente, no âmbito da cláusula compromissória, importante se faz a sua autonomia

concedida pelo art. 8º da Lei 9.307/96. Se autonomia não existisse, argüida a nulidade ou

invalidade da cláusula arbitral ou de instrumento na qual estivesse inserida, não mais

produziria efeitos a cláusula compromissória, vedando-se a atuação do árbitro,

encaminhando-se ao judiciário para julgamento. Essa autonomia atribuída pela lei permite que

os árbitros julguem e decidam acerca de existência, validade e eficácia do contrato e da

convenção de arbitragem.

Basta a cláusula compromissória para que nasça o direito, ação, pretensão e constituição

do compromisso arbitral. Nota-se que tal cláusula não necessita de ato posterior ao

compromisso e, sendo apta, independente, a instituir o juízo arbitral, visto que a sentença

judicial substitui o compromisso que perde a característica de contrato, a pedido da parte

interessada.

Os Árbitros:

São eles, pessoas escolhidas pelas partes para resolverem determinados conflitos. Têm

seus poderes determinados pelas partes interessadas, desde que em consonância com as

normas públicas.

Os árbitros, necessariamente capazes para a vida civil, devem ser pessoas naturais,

competentes para decidir algo. Essa decisão implica em emissão de vontade, o que não pode

ser verificado em pessoas jurídicas.

Existem, contudo, instituições especializadas em arbitragem que prestam serviços nesse

sentido, como sindicatos e associações. A decisão, porém, é tomada pelo árbitro, pessoa

física, não sendo ele mero conciliador, mesmo que por vezes aja como tal.

Quem pode ser e a Nomeação do Árbitro:

Há, somente, um único requisito exigido por lei para determinar quem pode ser árbitro,

que é o da capacidade civil. Inexiste outra vindicação para o exercício dessa função.

27

A Lei de Arbitragem assinala em seu art. 13, que o árbitro deverá ter a confiança das

partes, porém isso não chega a ser um requisito, já que a opção é feita pelas partes que irão

escolher uma pessoa que lhes passe confiança.

O árbitro será escolhido entre pessoas detentoras de conhecimento técnico ou científico

específicos para a resolução dos conflitos, sendo ou não bacharéis em direito. Não importa

que formações tenham tudo vai depender da natureza do conflito instaurado. Podem ser

médicos, arquitetos, biólogos, administradores, etc.

A escolha do árbitro pelas partes, geralmente é feita quando surge uma lide referente à

convenção de arbitragem. Isso se deve à impossibilidade de identificar previamente as

possíveis características da lide que ainda vai acontecer. Não há nexo na escolha prévia do

árbitro, já que uma das grandes vantagens da arbitragem é exatamente a possibilidade de

escolher árbitros que tenham capacidade técnica específica para resolver os conflitos de forma

concreta. Não se pode, ademais, saber da disponibilidade do árbitro em integrar o Tribunal

Arbitral, antes do surgimento da lide.

1.2.4 – A MEDIAÇÃO

Aprioristicamente pode-se dizer que a mediação é um meio termo entre a negociação e a

conciliação: difere-se da primeira, pois requer a participação de uma terceira pessoa junto ao

conflito; mas distingue-se da última, pois a atuação desta terceira pessoa não visa conduzir a

sistemática da resolução do problema ou conciliar interesses divergentes, objetiva tão-

somente abrir, facilitar o diálogo para que as partes compreendam o conflito em todas as suas

nuanças, a ponto de decidirem pelo melhor deslinde. Sobre o assunto, pronuncia LÍLIA

MAIA DE MORAIS SALES (2004, p.38):

“Na conciliação o objetivo é o acordo, ou seja, as partes, mesmo adversárias, devem chegar a um acordo para evitar um processo judicial. Na mediação as partes não devem ser entendidas como adversárias e o acordo é conseqüência da real comunicação entre as partes. Na conciliação o mediador sugere, interfere, aconselha. Na mediação, o mediador facilita a comunicação, sem induzir as partes em acordo”.

Outra diferença marcante entre mediação e conciliação é que esta funciona melhor em

conflitos entre partes cujo relacionamento não exija continuidade, ao passo que a mediação

apresenta-se mais adequada quando as partes necessitarem manter um relacionamento, p. ex.

numa discussão sobre separação, pensão alimentícia, briga entre vizinhos, etc.

28

É por isso que, mais uma vez nas palavras de LÍLIA MAIA DE MORAIS SALES

(2004, p.44), “no processo de mediação existe a preocupação em criar vínculos entre as

partes, transformar e prevenir conflitos”.

Fundamentalmente, a mediação possui quatro objetivos: o primeiro e principal objetivo

é a solução imediata do conflito. Para isso, toda uma ambiência deve ser criada a fim de que o

mediador – com habilidade e competência adequada para o entendimento do conflito – possa

iniciar o trabalho de facilitação dialógica entre as partes. Havendo consenso das partes sobre a

dinâmica desenvolvida, conhecendo cada uma as razões reais do conflito, estabelecendo-se

uma relação de confiança mútua, e reconhecendo um ponto de convergência para a solução da

querela, outra porta se abrirá e a mediação alcançará o seu segundo objetivo, qual seja a

prevenção de novos conflitos.

Os terceiro e quarto objetivos são conseqüências naturais dos anteriores: a inclusão

social - pois transferida às partes a responsabilidade da decisão dos próprios conflitos um

novo paradigma de aprendizado passa a valer, o da compreensão sobre seus direitos e deveres

-, e, por fim, a paz social - já que incentivada nova cultura de participação social e de

valorização da cidadania, imensamente útil ao estabelecimento de uma convivência geral

harmoniosa.

Importante destacar que o ofício de mediador não é exclusivo daqueles que possuem

formação jurídica. Pode ser mediador todo aquele que esteja apto a receber uma formação

interdisciplinar, que se proponha a conhecer realmente o conflito, que se mantenha imparcial

perante as partes, que saiba ser discreto e guardar sigilo, que não ouse exacerbar suas funções

por vaidade ou por qualquer natureza.

Pelo ensinamento de LÍLIA MAIA DE MORAIS SALES (2004, p.49): “O mediador

deve possibilitar um diálogo construtivo, que possibilite às partes o encontro de soluções

para as controvérsias. O mediador auxilia, não impõe” .

Considerando a mediação ser (pela própria natureza de atribuir às partes a autonomia e a

liberdade necessárias à condução e resolução do problema) o mais simples, informal,

desburocratizado e barato meio alternativo de solução de conflito, depois da negociação, além

de ser seguro, sigiloso e eficaz, mesmo não havendo, ainda, previsão legal específica sobre o

tema.

29

É certa que a mediação pode e deve ser posta em prática em todos os casos em que se é

possível trabalhar a negociação, a conciliação e a arbitragem, podendo ser praticada, sem

restrição, em quase todos os campos do direito, ressalvadas as hipóteses em que a lei impede

como, p.ex., na maioria das ações penais e no direito do trabalho (quando tratar de direitos

indisponíveis), além de outros casos em que a apreciação compete exclusivamente ao Poder

Judiciário ou a órgãos legalmente pré-definidos, - especialmente nas áreas cível (com

destaque para as pendengas imobiliárias, de consumidor, de família, de sucessões, etc.) e

comercial (sobretudo títulos de crédito, comércio nacional e internacional, etc.).

No direito do trabalho a mediação é comumente praticada no âmbito das Delegacias

Regionais do Trabalho, sobretudo em querelas coletivas. Do mesmo modo, também o

Ministério Público vem aplicando cada vez mais a mediação para o fim de ajustamento de

condutas. Igualmente têm agido as Defensorias Públicas nas questões individuais. Fato é que

pouco a pouco órgãos da sociedade civil vêm massificando o uso da mediação, tudo para o

fim de prevenir eventuais disputas judiciais.

Entretanto, tão importante quanto utilizar a mediação para prevenir litígios é ter a

consciência de que ela facilita não apenas um diálogo entre as partes envolvidas, mas um

diálogo com toda sociedade.

De todas as formas alternativas de resolução de conflitos, a mediação é a única a

estimular e a buscar, de forma objetiva, a formação de uma nova cultura cidadã. A única a

possuir uma visão verdadeiramente revolucionária, indiferente ao senso comum da seara

jurídica que compreende no litígio a única razão de existência do Direito.

LÍLIA MAIA DE MORAIS SALES (2004, p.30) foi feliz ao comentar que “o fato de

dar ganho de causa a uma parte não significa obrigatoriamente que o conflito esteja

resolvido”. Em verdade, na maioria dos casos em litígio o conflito sequer se inicia nas

pessoas, mas nas condições objetivas que a sociedade oferece para que elas vivam ou

sobrevivam.

Num país de imensas desigualdades sociais, de tamanha concentração de renda, como o

Brasil, urge que se estabeleça uma cultura positiva, que entenda que o conflito real não é

aquele que muitas vezes aparenta.

30

Impõem-se mais do que tardia as necessidades de se propor uma formação pedagógica

que permita ao facilitador do diálogo ou dirimidor do conflito uma visão interdisciplinar,

baseado não apenas numa cultura jurídica, mas numa cultura humana. Daí que a discussão

sobre o papel do ensino jurídico sob um novo prisma, devendo ser transformador.

Afinal, conforme ensina JOÃO BAPTISTA HERKENHOFF (1990, p.71):

“Uma visão do Direito, exclusivamente sob o ângulo dogmático-normativo, conduz o jurista ao legalismo. (...) O Direito como ciência dogmático-normativa se afasta da realidade, para habitar um mundo de abstrações, que tantas vezes se choca com a Justiça, levando a sentenças ou outras decisões que afirmam valores dissociados dos valores do grupo a que o procedimento jurídico se dirige”.

Por isso, é tão importante a criação de uma câmara de mediação pela Ordem dos

Advogados do Brasil, Secção do Ceará, conforme se verá adiante.

Trataremos, ab initio, dos conceitos que norteiam a mediação e a arbitragem que são

temas semelhantes, mas, ao mesmo tempo, possuem diferenças consideráveis.

Explicaremos, portanto os dois institutos resumidamente, suas características e

aplicabilidade, de forma que facilitará na distinção. Começaremos pela arbitragem e logo

passaremos para a mediação.

A mediação se aplica a qualquer contexto da relação humana, como às relações

comerciais, mas também às vizinhanças, de comunidade, entre países, etnias etc.

É uma espécie do gênero justiça consensual, sendo definida como meio de solução de

conflitos, pelo qual as partes, graças à intervenção de um terceiro neutro (mediador),

conseguem chegar a uma decisão rápida e eficaz, beneficiando todos os envolvidos.

As partes escolhem o mediador e, juntamente com ele, convencionam a melhor solução

para a querela, podendo este opinar e aconselhar os litigantes.

Por ser mecanismo consensual de resolução de conflitos, a mediação propicia às partes

o poder de gerenciar seus litígios, podendo escolher qual o melhor caminho a seguir.

Já na Jurisdição Estatal a solução dos conflitos está nas mãos dos profissionais de

direito, principalmente os juízes.

Os tipos mais conhecidos de mediação são: a comercial e a mediação familiar.

31

A primeira se assemelha muito à conciliação, algo com que os advogados,

administradores e economistas estão mais acostumados.

Já a mediação familiar, que vai ser nosso ponto de estudo no capítulo seguinte, tem suas

especificidades, pois é voltada à condução de conflitos em níveis diversos de complexidade,

onde o intrapsíquico e o intersubjetivo exercem papéis importantes.

Na prática, a mediação utiliza conhecimentos de várias disciplinas, como a psicologia, a

psicanálise, a teoria do conflito, o direito, a sociologia etc.

Por isso, então, entendemos a mediação interdisciplinar.

Características da mediação:

São estas as características relacionadas à mediação:

a) Privacidade

b) Economia financeira e de tempo

c) Oralidade

d) Reaproximação das partes

e) Autonomia das decisões

f) Equilíbrio das relações entre as partes

O processo de mediação tem seu desenrolar em ambiente restrito, este somente tornar-

se-á público se for da vontade das partes.

Deve o mediador trabalhar para que a privacidade seja mantida. Se o litígio for de

interesse público, não há que se considerar tal princípio. Ou seja, pode haver quebra da

privacidade quando esta for determinada por decisão legal, judicial ou por atitude da política

pública. O interesse privado, pois, não se sobrepõe ao da sociedade.

O tempo de resolução dos litígios pela mediação é muito mais breve que os lentos e

custosos litígios levados ao Judiciário. A mediação tende a resolver os conflitos em tempo

muito inferior, com menos custo indireto, já que, quanto mais durar a querela mais gasto

haverá na sua resolução.

32

Percebemos com isso que há certa facilitação e maior viabilidade de acesso à justiça

pelos hipossuficientes, uma vez que estes não possuem condições financeiras satisfatórias

para arcar com ações judiciais.

Quanto à oralidade, ela se dá por ser a mediação um processo informal, no qual as

partes têm a chance de ventilar sobre os problemas que lhes envolvem, pretendendo chegar à

melhor solução para ambos. Muitas vezes, devido à convivência diária, as pessoas têm

desavenças. Configura-se aqui o caso de relações continuadas, onde a disputa a ser debatida

no judiciário é uma, enquanto o real conflito é diverso. Por intermédio da mediação tenta-se

chegar ao núcleo do problema para daí, solucioná-lo. Já o Poder Judiciário tradicional quando

acionado, tende a distanciar ainda mais os litigantes, convencionando o sistema de duas partes

em combate, para que apenas uma possa ser a ganhadora ao final.

O que se quer, na verdade, é chegar a um consenso em que não haja perda e sim

ganhadores, sendo todos beneficiados pela decisão, já que ambos colaboraram para a

resolução do conflito.

Percebe-se, pois, que a mediação tem intenção de aproximar as partes, trabalhando para

que os problemas sejam resolvidos através de debate e consenso.

O objetivo final é, exatamente, a restauração das relações interpessoais entre os

envolvidos. Não há êxito completo em um processo de mediação que não consiga reativar as

relações entre as partes, só chegando a um acordo sobre indenizações a serem pagas.

Quando se chega a uma decisão decorrente de acordo entre os litigantes, esta já vale por

si, não necessitando de homologação judicial.

Compete às partes eleger o melhor para elas. Pode ocorrer, por outro lado, que uma

decisão seja injusta ou imoral, apontando um erro no procedimento de mediação. Alguns

entendem, havendo decisão nesse sentido, deve o mediador intervir alertando para o

acontecimento.

Não é o mediador que fornece a solução para o conflito em debate, mas sim orienta o

processo da melhor forma possível. É de competência de ele alertar para a ocorrência de uma

decisão que se afaste da pacificação, que é objetivo da mediação.

33

De nada adiantaria a mediação se não fosse alcançado o objetivo pacificador e

reaproximador das partes, pois a falta destes geraria futuro questionamento jurisdicional sobre

o mesmo tema.

A relação entre as partes, como já vimos, é uma preocupação constante no instituto da

mediação. Por isso busca-se encontrar um equilíbrio para chegar à resolução almejada.

Todas as partes terão a livre oportunidade de se manifestar, bem como a elas deve ser

esclarecida qualquer dúvida a respeito da disputa.

A finalidade do processo de mediação é restaurar a harmonia antes existente entre os

litigantes, fazendo, pois, o uso da conciliação.

Não basta que sejam ressarcidos os prejuízos sofridos, mas o conflito existente deve

restar terminado, tanto juridicamente, quanto socialmente.

O Mediador:

Esta função é indispensável para a iniciação e continuidade do processo de mediação.

Pode ser qualquer pessoa, desde que indicada pelas partes, ou por órgão estatal ou privado.

Deve ele possuir o conhecimento jurídico e técnico necessário para o exercício da

função que lhe é incumbida, o desenvolvimento do processo. O objetivo dele não é, tão

somente, obter acordos, mas proporcionar às partes menos transtornos e discussões para

restabelecer, ou manter, contato civilizado entre os litigantes.

O mediador é o intermediador das relações entre as partes envolvidas, por isso tem que

ser terceiro neutro, sem ligações prévias com nenhuma das partes. Sua forma de agir é que vai

determinar o êxito ou fracasso do processo, já que tem ele a função de restabelecer a

comunhão entre os conflitantes.

Não é ele que impõe uma solução para o conflito, mas simplesmente facilita, abre

caminho para que as próprias partes cheguem a uma solução. Ele tem o papel de conduzir as

negociações.

34

Não há como individualizar as funções de um mediador, pois a depender do caso

concreto, sua atividade modifica-se, sendo impossível determinar ao certo o que será feito por

ele para ajudar na resolução do conflito.

Cabe a ele supervisionar a conduta das partes envolvidas, direcionando-as da melhor

forma possível perante o curso do processo para alcançarem um acordo final. Às partes só

cabe a preocupação sobre as matérias em discussão.

Deve o mediador garantir que a tentativa de acordo não vá de encontro aos direitos da

comunidade em que vivem, a qual seja moral e justo, na medida em que se relacione aos

princípios gerais do direito. De nada adianta se obtiver um acordo que possa ser destituído

pelo Judiciário local por não estar em harmonia com as normas legais. A depender da matéria

abordada, há necessidade de o mediador possuir conhecimentos específicos, cabendo-lhe

também conhecer o direito material relativo ao mérito da questão a ser discutida.

A capacidade de comunicação do mediador é uma característica indispensável, pois a

ele incumbe zelar pelo bom andamento do processo, tendo que exprimir seus pensamentos de

forma clara e simples.

Por outro lado, recebe os pensamentos provenientes das partes, cabendo-lhe interpretá-

los de acordo com a intenção de quem os exprimiu. Afinal, a partir dessas informações é que

o mediador será capaz de atingir as possíveis soluções do conflito. As partes devem, portanto,

estar certas de que o profissional está apto a compreendê-las quando da prestação de

informações relevantes ao caso, devendo ele assegurar tal certeza.

1.2.5 – A MEDIAÇÃO VERSUS A ARBITRAGEM

A mediação proporciona às partes a possibilidade de, por vontade própria, chegar a uma

decisão benéfica para ambos, já que o mediador não decide nada, somente ajuda nessa etapa,

proporcionando os meios para que eles cheguem a um fim desejado. O resultado não gera

vencedores ou vencidos, no balanço entre as necessidades das partes, mesmo quando há

concessões no acordo.

Todo o processo mediatório visa exatamente manter diálogos amistosos entre os

litigantes para que não haja precipitação em qualquer que seja a decisão alcançada.

35

Já na arbitragem o árbitro tem poder total de decidir, sem intervenção das partes, pois

em um momento anterior elas acordaram em escolher um terceiro para resolver um litígio que

porventura acontecesse. Dessa forma percebemos que por vontade das partes é que o árbitro

trabalha, mas elas não auxiliam ou interferem na sua decisão que deverá ser aceita por ambas.

Os dois institutos examinados são muito recomendados já que os litigantes têm

autonomia de escolha, tanto de quem vai decidir, quanto de intervenção da decisão (na

mediação). O juiz prolata a sentença de acordo com as provas examinadas, sem levar em

consideração o que as partes realmente querem e o que á melhor para elas.

Com a adoção da mediação, o Judiciário ficaria bem mais desafogado, podendo melhor

atender às diversas demandas.

Bastaria promulgar-se uma lei que desse a autonomia necessária para tais acordos. Não

é tão simples assim, pois para que serve então o Judiciário. Necessária se faz, então, a

homologação judicial dos acordos realizados por intermédio dos mediadores para que estes

sejam validos; não há necessidade de apreciação de provas ou de estudo do caso pelo Juiz, já

que afinal foram as próprias partes que decidiram qual a melhor solução e a menos prejudicial

para seus conflitos, tendo o auxílio do mediador, advogado, psicólogo etc.

36

2 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR

2.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Mediação Familiar é um processo voluntário e confidencial, no qual um terceiro

neutral, o Mediador, vos poderá ajudar na discussão e negociação de todas as questões que

envolvem a separação ou o divórcio. Está comprovado que a Mediação melhora a

comunicação e ajuda a construir um futuro face às circunstâncias presentes de ruptura. Em

especial, pode ajudar os vossos filhos a manter as relações familiares, tão importantes para o

seu desenvolvimento.

A Mediação se origina da palavra latina "mediatio" - "meditationis" no seu genitivo, que

significa, "intervenção com que se busca produzir um acordo" ou ainda "processo pacífico de

acerto de conflitos, cuja solução é sugerida, não imposta às partes".

Assim definida, a Mediação é uma forma de tentativa de resolução de conflitos através

de um terceiro, estranho ao conflito, que atuará como uma espécie de "facilitador", sem,

entretanto interferir na decisão final das partes que o escolheram. Sua função é a de tentar

estabelecer um ponto de equilíbrio na controvérsia, aproximando as partes e captando os

interesses que ambas têm em comum, com a finalidade de objetivar uma solução que seja a

mais justa possível para as mesmas. É uma tentativa de um acordo possível entre as partes,

sob a supervisão e auxílio de um mediador. Uma das grandes vantagens da Mediação é que

ela pode evitar um longo e desgastante processo judicial, pois a mesma se dá antes que as

partes se definam por uma briga nos tribunais, resolvendo suas diferenças de forma

extrajudicial, levando ao Judiciário apenas aquelas questões que não podem ser resolvidas de

outra forma.

Exemplos práticos: Conflitos de vizinhança, separação, divórcio, conflitos trabalhistas,

etc.

Existe um relato bíblico famoso que explicita um processo de mediação familiar, no

qual Salomão era mediador. Este buscava resolver o problema de duas mães que brigavam

pela guarda do filho, ambas se diziam com direitos de maternidade sobre menino. Salomão

então decidiu cortar a criança ao meio, para que cada uma ficasse com uma parte. Mas a mãe

biológica, para evitar tal fato, abdicou de seu direito e entregou o filho para a outra mãe.

37

Percebe-se com isso que a mediação é um processo tão antigo como a história da

civilização humana. É fácil chegar essa conclusão, partindo do ponto em que onde há o ser

humano, há conflitos, isso é fato que o estudo da história da humanidade vem provando com o

decorrer do tempo.

Conclui-se, então, que os conflitos surgem anteriormente ao direito e não com ele, e

pela falta da opção pela via judicial, a melhor maneira de se resolver um litígio, na

antiguidade, era através de uma terceira pessoa, que ajudasse a esclarecer as idéias que se

tornavam obscuras por causa do sentimento de raiva ou de rancor presentes, na maioria das

vezes, naqueles que estão passando por um processo de separação. Antigamente a figura do

mediador era representada pela figura do líder familiar ou comunitário mais idoso ou

religioso. Não se sabe ao certo qual é o marco inicial desse processo, de acordo com a

concepção atual. Não há meios concretos que comprovem sua primeira aplicação. Mas há

notícias que afirmam que na década de 50, na China, já se utilizava uma terceira pessoa

imparcial para ajudar na solução dos conflitos surgidos no meio familiar.

Relata-se que os chineses eram adeptos da filosofia de Confúcio, que se baseava na paz

e na compreensão. Esse filósofo afirmava que a solução da discórdia está no acordo e na

persuasão moral, e não no uso da força. Essa idéia continua em vigor na China até hoje.

No Brasil a história da mediação familiar começa apenas a partir da década de 90, sendo

restrita a pequenos grupos da sociedade e pouco difundida, além de não ter o reconhecimento

legal para a sua prática.

Pela falta de estudos nacionais sobre o assunto, os primeiros estudiosos brasileiros do

caso buscaram suas bases nas doutrinas defendidas no exterior.

2.2 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR E OS DIREITOS E DEVERES P OSTOS

O impulso dos seres vivos – não só dos seres humanos – de viver em pares sempre

existiu, seja em decorrência do instinto de perpetuação da espécie, seja pela verdadeira

aversão à solidão, a ponto de ter-se por natural a idéia de que a felicidade só pode ser

encontrada a dois, como se existisse um setor da felicidade ao qual o sujeito sozinho não tem

acesso. (TURKENICZ, 1995, p.06).

38

A vida aos pares, mesmo sendo um fato natural, tem uma forte conotação social e

cultural. Ainda que decorra de uma relação biológica, tem uma estruturação psíquica,

atendendo à incompletude inerente ao ser. A família existe antes e acima do Direito como

lugar ideal e real.

Como ensina a Psicanálise, ela é constitutiva do ser humano, responsável pelo

desenvolvimento da possibilidade de pensar e de sentir; é lugar de desejos e de sonhos,

conscientes e inconscientes.

A Igreja e o Estado, organizações que deveriam atender às necessidades e aos desejos

humanos, muitas vezes invertem e pervertem suas finalidades, utilizando-se da dose de

fragilidade e insatisfação que sempre acompanha o desejo, sobretudo os desejos

inconscientes. Nessas situações, observa-se a tentativa de apropriação de um sistema pelo

outro. Ao invés de atender às necessidades dos indivíduos, apropria-se de seus desejos e

afetos, criando o que se acredita serem suas necessidades.

A Igreja, diante desse fenômeno, transformou o casamento em um sacramento perpétuo

e voltado exclusivamente à função reprodutiva.

O Estado viu a família como uma verdadeira instituição, acabando por pontificar no art.

226 da Constituição Federal: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

A tentativa de apropriação das relações de afeto agrava-se na medida em que o Direito

atenta mais no interesse estatal do que no de seus cidadãos, buscando controlar as suas

relações de ordem pessoal.

A organização da sociedade dá-se em torno da estrutura familiar, à qual é transmitido o

encargo da formação dos cidadãos de amanhã – tarefa que acaba quase sempre onerando

exclusivamente a mulher – face ao histórico descomprometimento tanto do homem como das

entidades públicas e entes governamentais com o futuro da sociedade, que são as crianças e os

jovens de hoje.

A paternidade, por definição avalizada pela mãe, é transformada, ou melhor, deformada,

em fenômeno objetivo, buscando expurgar seu caráter afetivo-relacional.

39

É na família que os infans (sem fala) encontram a segurança necessária a seu

desenvolvimento e os adultos procuram espaço privilegiado de viver seus afetos e também

esconder suas fragilidades, dentro da fronteira do privado. É lugar de busca de felicidade e

proteção.

Assim, a família é estruturante do indivíduo e das relações entre estes, para o que é

fundamental a diferenciação das funções e da hierarquia entre pais e filhos. A confrontação

entre gerações, a competição, o amor e a agressividade fazem, necessariamente, parte do

universo familiar.

A família representa de certa forma, um espaço de proteção do privado frente ao

público. Apesar de sempre sofrer a influência do meio social mais amplo, os sistemas

utilizam-se das características da família e dos indivíduos para sua constituição e o

atendimento de seus interesses.

O próprio Direito tem por fim procurar enquadrar tudo na moldura legal. O interesse na

manutenção do casamento, sua exaustiva regulamentação pela via legislativa, levou, em um

primeiro momento, à consagração de sua indissolubilidade, ao regime da comunhão universal

de bens e à identificação da unidade familiar pelo nome do varão. Daí a obrigatória adoção do

nome do marido, a relativização da capacidade da mulher por ocasião do casamento,

relativização inclusive no que tange à sua sexualidade, mulher e mãe eram tidos como

sinônimos.

Reproduziu o legislador civil de 1916 o perfil da família do início do século: patriarcal,

hierarquizada, patrimonial e heterossexual.

Tal o interesse na mantença do casamento, que, mesmo após o advento da Lei do

Divórcio, impede a lei sua dissolução.

Em não havendo consenso entre as partes, imperiosa a identificação de um culpado,

sendo assegurada exclusivamente ao “cônjuge inocente” legitimidade para buscar o

desfazimento do vínculo.

Essa ao certo é a razão de, no âmbito jurídico, serem estabelecidos deveres e

assegurados direitos aos cônjuges, que talvez sejam estranhos e até contrários à realidade da

relação afetiva vivenciada.

40

Não é outorgado soerguer a liberdade de estipular os encargos que queiram assumir nem

prever direitos sobre que entendam poder dispor.

Se houvesse a possibilidade de flexibilizações na previsão de direitos e na imposição de

deveres, mais de acordo com a realidade dos nubentes, provavelmente profundas seriam as

diferenças entre o que seria convencionado entre as partes e as regras que lhes são impostas.

O descompasso entre as leis objetivas que regem o casamento e as regras que norteiam

as relações de afeto decorre da tentativa do Direito de englobar em um único e uniforme

sistema legal mais do que suas ferramentas de conhecimento permitem. Faltam instrumentos

para a tradução dos desejos e dos sentimentos.

A definição dos lugares e a atribuição das funções que são estabelecidas em uma família

fazem parte da esfera de privacidade do vínculo. São os pactos que dão sentido ao

relacionamento, inexistindo qualquer possibilidade de interferência externa que as possam

delinear de antemão.

Embora a família tenha passado por grandes transformações, deixando de ser

primordialmente núcleo econômico e de reprodução, sua função básica é a de propiciar a

segurança para que seus membros possam estruturar a personalidade, desenvolver suas

identidades, inclusive a sexual, prover seus recursos pessoais, afetivos e relacionais,

intelectuais, pautados no respeito às suas diferenças.

As formas sob as quais os vínculos se estabelecem são várias, podendo ter um caráter

mais ou menos consciente e de trocas mais ou menos saudáveis, enriquecedoras ou

empobrecedoras.

Não se pode selecionar, expurgar possibilidades afetivas, sob o risco de ter-se uma visão

repressora ou mesmo um mero modelo para satisfação imediata, ou ainda gerar um ideal de

amor incondicional.

Há uma constante interação entre o sistema familiar e o social, havendo um processo de

retroalimentação, de influências recíprocas que obedece a leis que se modificam com o correr

da história.

41

Todas as estruturas que evoluem no tempo sofrem modificações quanto ao seu

funcionamento. Por conseqüência, as relações precisam ser constantemente reajustadas,

repensadas. Não é a imposição legal de normas de conduta que consolida ou estrutura o

vínculo conjugal.

Além de seus aspectos inconscientes, é simplesmente a sinceridade de sentimentos e a

consciência dos papéis desempenhados pelos seus membros que garantem a sobrevivência do

relacionamento, como sede de desenvolvimento e realização pessoal.

Deveres e direitos são intrínsecos a qualquer relação humana, como derivados culturais

e sociais das leis primeiras – as da constituição da família que fundam o humano e o

simbólico. São os interditos da proibição do incesto, do canibalismo e do parricídio que se

traduzem nas diferenças quanto ao exercício da sexualidade, quanto à hierarquia e quanto à

proibição da violência. Leis que fundam e protegem a família e impelem seus membros nos

sentido da formação de novas famílias, da poligamia e da convivência em sociedade.

Cabe ao Direito proteger as relações de modo a assegurar a vida. Vida em sentido

amplo, de todas as suas formas de organização. No que diz respeito às relações entre as

instituições e a família, é fundamental reconhecer que há momentos em que tais estruturas,

por vezes, seguem caminhos diversos ao objetivo que estava presente quando de sua

constituição. É nesses momentos que as relações precisam ser repensadas.

Sem qualquer atenção à realidade ou questionamento sobre a aceitação de encargos,

ônus ou obrigações, o art. 231 do Código Civil elenca direitos e deveres e os submete aos

cônjuges a partir da celebração do casamento. Até quando se trata de uma união estável –

nome instituído pela Constituição Federal para os vínculos que se formam sem a chancela

legal – o art. 2º da Lei nº 9.278/96 estabelece regras que devem vigorar entre os conviventes,

sem atentar no fato de terem eles optado por viver sem a interferência estatal.

Mesmo que estejam estabelecidos amplos direitos e rígidos deveres, não há como exigir

o adimplemento de tais obrigações em juízo.

Cabe trazer como exemplo a fidelidade recíproca. É o direito/dever primeiro previsto

para os cônjuges, talvez face ao princípio da monogamia, que rege as relações familiares –

ainda que exista tal imposição aos conviventes que entretêm uma união estável.

42

Tão impositivo é esse dever, que a própria lei penal consagra o adultério como delito

(art. 240 do Código Penal). Porém, mesmo sendo a fidelidade um requisito de ordem

essencial e primordial, se eventualmente não cumprem um ou ambos os cônjuges dito dever,

não resta afetada a existência, a validade ou a eficácia do vínculo matrimonial.

Não há notícia de alguém ter buscado o seu cumprimento durante a constância do

casamento, ou que tenha sido proposta alguma ação buscando exercitar tal direito.

Tratar-se-ia de execução de obrigação de não - fazer?

E, em caso de procedência, de que forma poderia ser executada a sentença que

impusesse a abstinência sexual extra matrimonial ao vencido?

Mas não é só. Cabe figurar a hipótese de não ser consagrado dito dever em norma legal.

Seria de admitir-se que deixou de existir o dever de fidelidade ou o direito de exigir, o que se

tem como o mais sagrado compromisso entre os cônjuges?

Por outro lado, deixaria de haver a possibilidade de buscar-se a separação se não

estabelecido em lei esse direito-dever ou dever-direito dos consortes?

Se a imputação da culpa pelo descumprimento de algum dever não permite buscar seu

adimplemento durante a constância do vínculo matrimonial, servindo tão-só de fundamento

para pedir a separação, imperativo é concluir-se que os direitos e deveres estabelecidos para

vigorarem durante o casamento servem somente como justificativa para fundamentar o pedido

de separação.

Mas cada vez mais vêm a doutrina e a jurisprudência – atentando na realidade social e

muito à frente da estática legislação – desprezando a perquirição da culpa para chancelar o

pedido de separação.

A matéria já vem sendo reiteradamente sustentada em sede doutrinária (DIAS, 1998,

p.103) e em vários julgamentos - Tribunal de Justiça do RS, Apelações Cíveis 597 161 744,

598 056 455, 598 479 921, 70000591941 - no sentido de que basta um dos cônjuges terem por

insuportável a vida em comum para dar ensejo ao rompimento do casamento, sendo

dispensável a comprovação da culpa de qualquer deles pelo fim do vínculo afetivo - Tribunal

de Justiça do RS, Apelação Cível 70000507434.

43

Essa postura acabou prevalecendo ao menos no Tribunal gaúcho, que abandonou a vã

tentativa de punir alguém, passando a considerar dispensável a perquirição da culpa, sempre

de difícil comprovação, uma vez que a separação de fato já revela a falência da arquitetura

conjugal, não sendo preciso avançar em outra motivação, pois traduz a ruptura do afeto e do

amor - Apelação Cível 70000257998, Relator Desembargador José Carlos Teixeira Giorgis

TJRS.

Como assevera Luiz Edson Fachin (1999, p. 179), não tem mais sentido averiguar a

culpa como motivação de ordem íntima, psíquica.

Segundo tal postura, que se vem solidificando, basta à simples manifestação de vontade

de um para ensejar o término do casamento, sem a necessidade de imputar ao outro a

responsabilidade pelo fim do amor. Vincular a separação ao rígido pressuposto da

identificação de um responsável justificava-se no sistema originário do Código Civil, que

consagrava a insolubilidade do vínculo matrimonial, que sequer o desquite desfazia.

No entanto, mesmo após a consagração do divórcio, que autorizou o rompimento do

vínculo matrimonial, permaneceram hígidos direitos e deveres a serem adimplidos pelos ex-

cônjuges, e isso até depois da cessação do casamento.

Cabe lembrar o dever de mútua assistência. A obrigação alimentar não cessa se houver a

impossibilidade de um de prover a própria subsistência e a possibilidade do outro de alcançar-

lhe auxílio. Aos partícipes dos vínculos desfeitos são estabelecidos direitos e impostos

obrigações também em relação à prole comum. Ao cônjuge que não detém a guarda, em geral

o pai, são reconhecidos direitos estranhamente nomeados como de visita e impostas

obrigações exclusivamente de ordem material, acabando por ocorrer, freqüentemente, o

abandono aos filhos.

Nesses casos, é como se o homem ficasse com seu capital afetivo livre para constituir

novas relações e formar nova família. Já a maternidade, fato objetivo, tende a ser

transformada em amor incondicional, aliado à idéia do sacrifício da sexualidade em benefício

da disponibilidade em criar os filhos. Como ocorre um descompasso conceitual e temporal na

legislação, como as relações sempre se encontram à frente do que é legislado, difícil se torna a

tarefa do magistrado para cumprir seu papel de prestar a jurisdição – juris dictio –, isto é,

dizer o direito.

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Faltam instrumentos ao Judiciário para lidar com a esfera afetiva e psíquica dos afetos e

desejos e com a esfera psicossocial (papéis e funções) dos vínculos desfeitos. Nesta sede é

que a mediação pode dar sua melhor contribuição, pois vem resgatar o indivíduo e suas

responsabilidades. Ajuda a entender o sentido dos direitos e deveres em nível legal e sua

tradução para a esfera das relações familiares. À medida que estas ficam mais claras para as

partes, também se clarificam para o Estado, assim como as responsabilidades deste para com

os indivíduos.

As pessoas, por meio da mediação, têm a oportunidade de distinguir o lado emocional e

o lado econômico da situação. A mediação serve para diminuir o descompasso entre o nível

jurídico da distribuição de direitos e deveres, o nível sócio-psicológico dos papéis e funções,

bem como o desequilíbrio econômico e psicológico dos afetos. Contribuindo para a

conscientização do par, resta facilitada a execução dos acertos feitos, diminuindo a distância

entre a sentença e o que é negociado entre as partes.

Mesmo os direitos e deveres sendo uma imposição legal das leis da organização

familiar, quando o conflito chega ao Judiciário não mais há a possibilidade de levar-se em

conta o contrato inicial, de base afetiva, da constituição da família. A mediação, ao confrontar

as modificações do passado e ensejar sua transposição para o presente, oportuniza que a

composição seja encontrada por ambos. Permite a reorganização das relações de modo a

contemplar o futuro.

Ao ser discriminado o conflito familiar, as partes conseguem compreender o verdadeiro

sentido de seus sentimentos, podendo ocorrer à revalorização da esperança.

Resgatado o interesse pessoal, ficam ambos menos centrados e mais livres para ganhar a

consciência não só das responsabilidades que lhes competem como das que competem às

outras instituições.

Senão vejamos (RICOEUR, 1977, p.63)

“O problema, atualmente, é o de fazer compreender, de conscientizar, como dizem muito bem nossos amigos sul-americanos. A essa tarefa não convêm ações por demais teatralizadas, porém verdadeiras campanhas de explicação. Temos necessidade de mediadores sociais que não procure conciliar a todo preço, nem tampouco polarizar a todo preço, mas que ajudem cada indivíduo a reconhecer seu adversário. (...) Mas o mediador social também é aquele explica ao anarquista a necessidade e o sentido do ingresso na instituição.”

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A mediação é um complemento ideal de auxílio à Justiça, principalmente na área de

Direito de Família, em que se busca a transformação dos conflitos de forma pacífica para que

o casal resolva os problemas decorrentes da ruptura com menor custo emocional, econômico e

social. Ao auxiliar na reorganização da vida, na retomada da auto-estima, propicia o trânsito

entre o objetivo e o subjetivo.

Conforme Águida Arruda Barbosa (1999, p. 352), a Mediação Familiar é uma inovação

sobre o “como”. “Como” evitar a escalada do conflito, “como” restabelecer uma comunicação

interrompida, “como” apoiar a procura de uma reestruturação. E “como” os operadores do

Direito podem se preparar para atuar nos conflitos de família com mais dignidade e respeito

pelo sofrimento e pela angústia humana.

No atual estágio das relações afetivas, em que fundamental é a absoluta lealdade

recíproca – viés que deve pautar todos os relacionamentos –, lealdade que também deve estar

presente no exercício da responsabilidade parental conjunta, função necessariamente

complementar, que deve continuar após a ruptura do casal conjugal. Função fundamental

tanto para os filhos quanto para os pais, que, carregando o ônus da culpa, podem perder, sem

o saber, importante fonte de auto-estima e de realização.

Mas quando ainda pode existir um projeto de comunhão de vidas, uma identidade de

propósitos, a mediação pode representar a possibilidade do questionamento do exercício dos

papéis, da identificação dos direitos e da reformulação dos deveres.

Quem sabe a mediação consiga levar à reestruturação da relação por meio do

desmantelamento do conflito crônico, discriminando as questões emocionais das jurídicas e

permitir que uma nova relação seja construída. (NAZARETH, 2006, p. 253)

Se os direitos e deveres fossem flexibilizados de acordo com o convencionado entre o

par, ou se – e é isto que a mediação se propõe – fossem asseguradas a ambos as condições

para se considerarem como autoras de suas próprias vidas, profundas seriam as diferenças.

Talvez esteja na hora de abandonar-se a expressão “cônjuge”, que tem origem na

palavra jugum, nome dado pelos romanos à canga que prendia as bestas à carruagem, daí o

verbo conjugere designar a união de duas pessoas sob o mesmo jugo, a mesma canga.

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Talvez seja o caso de resgatar-se a palavra “amante”, que significa tanto a pessoa que

ama como quem é o objeto do amor de alguém, expressão que melhor identifica a razão de as

pessoas ficarem juntas, ou seja, porque se amam.

Em lugar de direitos e deveres previstos inocuamente na lei, melhor se os

relacionamentos nada mais fossem do que um ninho, em que se estabelecem laços e nós de

afeto, servindo de refúgio, proteção e abrigo, pois, como diz Michele Perrot (1993, p. 81), o

que se gostaria de conservar da família, no terceiro milênio, são seus aspectos positivos: a

solidariedade, a fraternidade, a ajuda mútua, os laços de afeto e de amor.

2.3 – OBJETIVOS DA MEDIAÇÃO FAMILIAR

O processo de mediação tem por objetivo a resolução de conflitos sem precisar recorrer

à via judicial. Sua finalidade não é reconciliar um casal, mas sim estabelecer uma via de

comunicação de forma a reduzir o custo emocional e econômico da separação ou divórcio,

para evitar uma batalha judicial.

A escolha por esse processo resulta da busca por uma maior rapidez e eficácia nos

resultados, pois, geralmente, o que é estabelecido na sessão será cumprido pelas partes já que

suas vontades se harmonizaram.

Vantagens da Mediação Familiar

A mediação trata-se de um processo confidencial e voluntário, no qual a

responsabilidade pela tomada de decisões cabe as partes envolvidas, na há uma imposição por

parte do mediador, pelo contrário, este, como já foi dito, exerce um papel imparcial de

facilitar o desenvolvimento de uma comunicação civilizada entre os envolvidos.

Além disso, a rapidez e a efetividade dos resultados, a redução do desgaste emocional, a

transformação e a melhoria das relações, também são benefícios trazidos pela escolha do

processo de mediação.

Essas vantagens acabam por tornar o processo de divorcio ou de separação menos

doloroso do que naturalmente já é, e ainda evita qualquer tentativa de usar os filhos, que não

têm nenhum tipo de responsabilidade na história, como meio de agredir a outra parte.

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É importante lembrar que o processo é sigiloso, o que mantém preservada a privacidade

dos indivíduos.

Existe também o fator econômico, por não ser preciso a presença de um advogado, fica

dispensada a contratação de um no processo de mediação, o que o torna um meio com um

custo financeiro ainda menor para os dois lados do conflito.

Desvantagens da Mediação Familiar

Uma das poucas desvantagens encontradas é o perigo que os indivíduos correm de se

depararem, durante o processo, com um mediador que não seja totalmente neutro e que venha

a influir na tomada de decisão, que é de exclusiva responsabilidade das partes envolvidas e

não do terceiro, ou figura do mediador. O que pode resultar num conflito muito mais grave.

Por vivermos em uma sociedade muito preconceituosa, ainda, a mulher corre o risco de

sofrer discriminação durante o processo, e por isso ser prejudicada na resolução do conflito.

Apesar de a Constituição atual proibir e, inclusive, punir qualquer tipo de preconceito,

ele ainda existe, principalmente num estado como o Ceará, que continua alimentando uma

culta machista.

Outra desvantagem apontada por alguns estudiosos do assunto é o fato de a criança, nos

casos em que ela também é peça da discussão, não ser ouvida e não poder opinar quando se

trata de assunto que diz respeito a sua guarda, como por exemplo.

2.4 – A APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO FAMILIAR

A mediação pode ser aplicada em situações de divórcio e de separação, que são as mais

comuns, e que envolvem a questão da guarda dos filhos, da pensão alimentícia e a partilha de

bens.

Todavia podem ser aplicadas também em casos de:

� Término de união estável;

� Herança;

� Custódia e administração de bens;

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� Relação entre pais e filhos;

� Relações fraternas;

� Relações entre os filhos de casamentos anteriores com as madrastas ou

padrastos;

� Reconhecimento de paternidade até decisões como mudança de cidade de casais.

O processo de mediação consiste em sessões privadas em que estarão presentes as

partes e o mediador, ou mediadores.

Quem vai determinar a quantidade de mediadores são as parte, de acordo com a

complexidade e a importância que envolve a questão a ser discutida?

Caso não se chegue a um acordo em apenas uma sessão, as partes têm a liberdade de

marcar outras sessões, ou de recorrerem a outros meios, como por exemplo, a via judicial, que

como já foi dito, se torna muito mais caro, financeiramente, além de mais burocrático.

O processo de mediação rege-se por meio de princípios éticos universais e algumas

características peculiares, relacionados tanto as partes quanto a figura do mediador, são eles:

� Voluntariedade ou liberdade das partes;

� Confidencialidade ou privacidade;

� Participação de terceiro, imparcial ou imparcialidade, neutralidade,

informalidade ou oralidade, dentre outros.

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3 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR E O NOVO CÓDIGO CIVIL

A Mediação Familiar encontra-se recepcionada pelos princípios norteadores do Novo

Código Civil Brasileiro:

a) Eticidade - visa à recuperação do equilíbrio entre os valores éticos e a técnica jurídica,

pois a nova codificação contém normas mais genéricas e cláusulas gerais, modelos jurídicos,

hermenêuticos que permitem aos operadores do Direito uma interpretação mais equânime;

b) Sociabilidade - supera o caráter individualista contido no Código Civil de 1916, já que

o novo diploma dá ênfase ao social;

c) Operabilidade - pressupõe uma linguagem clara para a realização do Direito em sua

concretude.

Ademais, a codificação de 2002 traz inovação, ao destacar que no Título I, inserem-se

as disposições de Direito Pessoal, e no Título II, as de Direito Patrimonial.

Destarte, a nova Lei privilegia, nessa discriminação, os efeitos pessoais e patrimoniais

da família, reconhecendo seus diferentes níveis, abrindo espaço para reflexões de ordem

objetiva e subjetiva, pois há o reconhecimento legal de que a família comporta uma gama

inesgotável de relações. Neste diapasão, merecem uma breve análise os artigos 1.511 e 1.513

do NCC. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos

e deveres dos cônjuges e é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir

na comunhão de vida instituída pela família, para preservá-la.

Depreende-se dos dois artigos supra-referidos que o conceito de família no novo Código

pode ser extraído da expressão comum a ambos os dispositivos: comunhão de vida.

Destaque-se que a referência a casamento não está limitada à definição legal do

instituto, devendo ter interpretação mais abrangente, na conformidade do conceito de família

previsto na Carta Magna, que inclui a união estável e as famílias monoparentais. Ao

conceituar a família como comunhão plena de vida, o legislador adotou a moderna concepção

tendente a valorizar as relações intrínsecas, relativas aos papéis de estado de filho, de pai, de

mãe etc., e não apenas as relações extrínsecas da família, esta vista apenas sob o enfoque de

seu papel social de célula mater da sociedade.

50

Comunhão plena de vida terá sempre conteúdo subjetivo, portanto, tangente ao

princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, qual seja o reconhecimento de que

para cada pessoa há um caminho personalíssimo para atingir este ideal contido na norma da

novel codificação, seja por meio de relações homoafetivas, pelo casamento, pela união estável

e tantas outras formas que possam vir a se desenhar nas relações humanas.

Como bem enfatiza João Baptista Villela, o amor está para o Direito de Família, assim

como a vontade está para o Direito das Obrigações. Deste modo, a Mediação Familiar é o

instrumento para a compreensão dos litígios de família, inserindo-se, definitivamente, no

novo código, como expressão da principiologia norteadora das relações jurídicas privadas,

com ênfase no Direito de Família.

O operador do direito, consciente da responsabilidade que lhe é outorgada, deverá atuar

junto às partes de modo a exaltar os recursos pessoais das mesmas, para que possam enfrentar

o conflito explícito que as vincula. Assim, poderão compreender a comunhão plena de vida,

para que façam suas escolhas. Separar-se ou dar continuidade à relação, transformando o

conflito em uma solução.

Assim, juiz e advogado estarão legitimados para encorajar as partes a uma mediação,

cuja função é dar voz à pessoa para que possa dispensar a tradução de seu sofrimento pela

palavra do advogado ou da sentença.

3.1 – QUESTÕES SOBRE O PROCESSO DE MEDIAÇÃO FAMILIAR

A mediação familiar é feita em etapas?

Sim. Nós costumamos dividir a mediação em seis etapas. Antes da primeira etapa da

mediação é feita a pré-mediação.

Como se faz a pré-mediação?

Pré-mediação: Alguém procura pela mediação e é recebido por um facilitador (ou por

um mediador).

Estão sendo criados Núcleos de Mediação Comunitária nas comunidades, onde os

facilitadores atendem as pessoas que necessitam de apoio.

51

Ao receber a parte solicitante, o facilitador deve criar um clima de confiança. Atende

gentilmente e faz a entrevista de pré-mediação, verificando se o caso comporta mediação.

Na entrevista de pré-mediação o facilitador deve, antes de tudo, ouvir, atentamente, o

que a parte solicitante tem a narrar, formulando as perguntas necessárias a esclarecer detalhes

do conflito. Muitas vezes a narrativa abre caminho para uma solução mais simples, sem

necessidade de mediação. Caso caiba mediação, o facilitador explica o que é e como se faz.

Em seguida combina como será efetuado o convite à parte solicitada (contato pessoal,

telefonema, carta-convite ou etc.).

Caso a parte solicitada compareça o facilitador a recebe com a mesma gentileza e

imparcialidade, escuta ativamente, realiza a entrevista de pré-mediação e explica o que é

mediação. Ninguém está obrigado a aceitar a mediação. Caso as partes aceitem, cabe ao

facilitador ajudá-las na escolha do mediador.

3.2 - AS SEIS ETAPAS DA MEDIAÇÃO FAMILIAR

Primeira etapa: apresentação e recomendações.

Nesta primeira etapa o mediador acolhe as partes e se apresenta de modo descontraído;

Agradece a presença das partes e destaca o acerto da opção;

Declara a sua independência e imparcialidade;

Explica as regras da mediação;

Esclarece a importância do sigilo;

Solicita o mútuo respeito;

Esclarece sobre a possibilidade de entrevistas a sós (caucus);

Deixa claro que o acordo vai depender das próprias partes;

Colhe as assinaturas no Compromisso de Mediação e Sigilo;

Assina a Declaração de Independência.

52

Segunda etapa: as partes expõem o problema:

Esta segunda etapa se inicia com a solicitação do mediador para que cada uma das

partes narre o problema trazido à mediação.

Geralmente a parte solicitante narra primeiro, mas elas estão livres para combinar quem

inicia.

Iniciada a narração o mediador deve relaxar e prestar atenção.

Convém estar na posse de algum caderno de anotações.

Deve anotar apenas o essencial.

O mediador também deve estar atento aos seus sentimentos, tendo o cuidado de não

estabelecer julgamentos precipitados.

Não se recomenda interromper a parte em suas primeiras intervenções.

Quando a parte tiver dificuldades, deve o mediador estimulá-la com perguntas;

Caso a parte que está na vez de escutar interfira prejudicando a continuidade da fala do

outro, o mediador deve interrompê-la e esclarecer.

O mediador pergunta se há, ainda, alguma coisa a acrescentar.

Em não havendo mais o que expor, conclui-se esta etapa.

Terceira Etapa: resumo do acontecido:

A terceira etapa se inicia no momento em que o mediador expõe um resumo do que

escutou.

Então pedirá às partes que corrijam, prontamente, alguma inexatidão ou omissão.

O objetivo do resumo é juntar as duas exposições numa só.

A partir do resumo elas podem despertar para outras particularidades do conflito.

Neste momento a etapa está concluída.

53

Quarta Etapa: Identificação dos reais interesses:

Concluído o resumo o solicitante e o solicitado estão mais receptivos ao problema da

outra parte.

Começam a se desapegar das posições rígidas do início da mediação.

Neste momento o mediador fará perguntas que levem as partes a identificarem os seus

reais interesses.

Sempre que houver a possibilidade de acordos parciais o mediador deverá incentivá-los.

Os acordos parciais podem aumentar a confiança no procedimento.

Se o mediador constatar que o processo não está avançando, pode sugerir entrevistas em

separado (caucus);

Quinta Etapa: opções com critérios objetivos:

Nesta quinta etapa são procuradas as opções, as alternativas para a solução do problema.

O mediador pode até utilizar cartazes para que sejam anotadas alternativas (brain storm).

Às vezes as partes tendem a retornar à terceira ou à quarta etapa.

O mediador deve estar atento para observar se este retorno é realmente necessário ou se

é insegurança ou manipulação.

Exemplo de opções: uma casa pertencente em comum aos dois pode ser vendida,

alugada a terceiros, alugada a uma delas, convertida em ponto comercial, permutada por

outras, demolida para fazer estacionamento, ficar com uma das partes, etc.

As opções válidas devem estar baseadas em dados de realidade.

Os dados de realidade ou critérios objetivos devem ser devidamente examinados.

Dados de realidade (ou critérios objetivos) permitem saber quais são os valores

econômicos, morais e jurídicos a serem considerados para solucionar o impasse.

Ao se chegar a um consenso sobre a solução do conflito conclui-se mais uma etapa.

54

Sexta etapa: acordo:

Nesta etapa final redige-se e assina-se o acordo.

O acordo é assinado pelas partes, assessores presentes e, em determinados países, a

exemplo do Brasil, também por duas testemunhas, para que tenha força de título executivo

extrajudicial. Nada impede que os advogados, em combinação com as partes, aditem ou

mesmo redijam com palavras mais técnicas o acordo obtido. Ao final, o mediador deve

agradecer e parabenizar as partes pelo resultado alcançado.

3.3 - COMO DEVE SE COMPORTAR O MEDIADOR?

O mediador deve colocar em prática os seus conhecimentos sobre comunicação positiva

e relação construtiva (relacionamento).

Deve estar vestido decentemente e optar por uma mesa redonda ou ambiente onde não

fique em posição de superioridade. Deve ter senso de humor e conhecer as suas próprias

fragilidades.

Caso possível e ao gosto das partes, pode utilizar fundo musical relaxante.

O mediador não precisa ter nível superior. Precisa, sim, ser de confiança, competente,

independente e imparcial. Profissionais de psicologia, serviço social e direito costumam ser os

mais solicitados.

Os quatro perfis do mediador familiar:

Perfil competitivo: quando a preocupação com os interesses e necessidades do outro é

baixa e é alta a preocupação com os seus próprios interesses e necessidades;

Perfil acomodado: quando a preocupação com os interesses e necessidades do outro é

alta e é baixa a preocupação com seus próprios interesses e necessidades;

Perfil evitativo: quando é baixa a preocupação com os interesses e necessidades em

geral;

Perfil cooperativo: quando tanto a preocupação com os seus interesses e necessidades

quanto à preocupação com os interesses e necessidades do outro é alta.

55

Qual é a ética que norteia a mediação?

A ética em mediação de conflitos é baseada em princípios (valores universais), com

respeito às diferenças. Honestidade e altruísmo são princípios universais a serem praticados

no plano interpessoal. Estabilidade democrática, existência digna, igual liberdade e igualdade

de oportunidade são princípios universais no plano social, a serem promovidos. Com

fundamento nesses princípios o facilitador e o mediador assumem os seus papéis de

protagonistas da cultura da paz.

Princípios específicos da mediação familiar:

Independência (o facilitador ou o mediador não devem ser parentes, dependentes,

empregadores ou amigos íntimos de alguma das partes);

Imparcialidade (as partes devem ser tratadas com igualdade);

Credibilidade (o facilitador e o mediador devem dar o bom exemplo para merecerem a

confiança);

Competência (o facilitador e o mediador devem ter a capacitação necessária para atuar

naquele tipo de conflito);

Confidencialidade (o facilitador, o mediador e as partes devem guardar sigilo a

respeito do que for revelado durante a mediação);

Diligência (o facilitador e o mediador devem realizar as suas tarefas com o máximo de

dedicação).

A Mediação baseia-se em duas culturas complementares. A cultura da paz e a cultura da

cidadania responsável. A cultura da paz baseia-se no amor, no altruísmo, no sentimento de

pertencer e celebrar a comunidade dos homens e da vida. Funda-se no vigor e na ternura

generosa do cuidador. A cultura da cidadania responsável pressupõe compromisso com a

estabilidade democrática, a existência digna, a igual liberdade e a igualdade de oportunidades.

Os mediadores comunitários estão vinculados ao Código de Ética recomendado pelo

Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – CONIMA

(www.conima.org.br).

56

4 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR E O PROCESSO DE SEPARAÇÃO

4.1 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A mediação na separação é uma tentativa de evitar o litígio. Embora não se possa evitar

o ingresso no judiciário, pode-se tentar evitar uma “guerra” desnecessária.

As pessoas podem escolher entre entrar numa disputa que se sabe no que vai dar ou

sentar-se com um mediador e procurar soluções pontuais para suas divergências.

Um mediador experiente pode ajudar o casal a chegar a um acordo justo, com o mínimo

de impasses possíveis.

A mediação tem várias vantagens, em relação ao litígio.

A mediação é menos dispendiosa e menos desgastante, emocionalmente. Na família, as

pessoas tomam as decisões sobre seu futuro e o dos dependentes. Elas estabelecem as normas

que regerão a vida dos filhos, dividem o patrimônio e resolvem o que é mais justo a respeito

das próprias necessidades.

Na mediação, as pessoas são levadas a agir cooperativamente, diante de opções

realistas, e não a fazer acusações desmedidas ou pleitos baseados unicamente em seu

posicionamento pessoal.

A mediação favorece a flexibilidade e a criatividade.

Além disso, é efetivamente privada, de modo que o casal não precisa levar aos autos do

processo os problemas do casamento. Só leva as soluções.

A mediação, desta forma, não é a panacéia dos tempos modernos, mas é um meio

eficiente e eficaz para tentar evitar um confronto interminável. Cabe ao casal decidir se essa é

a melhor forma para a dissolução e a solução de seus conflitos.

E será, se os oponentes realmente estiverem em busca de paz, na relação,

principalmente no que concerne aos filhos. Estatísticas de países que utilizam a mediação com

regularidade apontam para um percentual superior a oitenta por cento de casos bem

sucedidos.

57

O melhor mediador familiar

A mediação é interdisciplinar e a profissão de mediador é nova, sendo exercida por

profissionais advindos das mais diversas áreas. Advogados, psicólogos e assistentes sociais

são os mais aptos para o exercício da mediação familiar. Não existe um melhor mediador, em

termos de formação profissional, mas é fato que um bom mediador familiar tem que ser

capacitado para mediar questões de família, o que implica levar em consideração os aspectos

emocionais da relação e saber, minimamente, como lidar com elas.

Em casos de separação, espera-se que o mediador tenha o seguinte perfil profissional:

� Nível superior

� Capacitação básica em mediação

� Noções de direito de família

� Experiência no emprego de técnicas de resolução de conflitos relacionados

� Credibilidade das partes

� Imparcialidade

� Favorecedor de cooperação

� Facilitador da comunicação entre os pais

� Facilitador de entendimento dos pais em prol dos filhos

� Facilitador do contato entre pais e filhos

� Equilibrador na disputa de poder

� Facilitador de trocas de informações necessárias ao acordo.

4.2 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR E O PROJETO DE LEI Nº 4.9 48/05

O presente Projeto de Lei foi sugerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família,

entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça, psicólogos,

psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito das relações de família e

na resolução de seus conflitos.

58

Os institutos da mediação são conhecimentos teóricos que já se organizaram

suficientemente para serem reconhecidas pela comunidade jurídica brasileira, depois de uma

criteriosa discriminação entre os equivalentes jurisdicionais - mediação, conciliação e

arbitragem – para conceituar a mediação como uma linguagem.

A mediação fundamenta-se teoricamente na linguagem ternária, regida pela conjunção e

em lugar de ou (esta de linguagem binária), comportando infinitas alternativas para uma

determinada situação, de acordo com os recursos pessoais dos litigantes e do mediador. Trata-

se da dinâmica da intersubjetividade, visando ao exercício da humanização do acesso à

justiça. A linguagem ternária representa a concretude da filosofia da discussão (Habermas),

em que tudo se constrói pela comunicação, diálogo, humanidade, enfim, ética da discussão.

A mediação familiar fundamenta-se na cultura de paz – e não pela mera pacificação dos

conflitos como o é a conciliação – constituindo o ideal fundante do movimento da Association

pour la Promotion de la Médiation - APPM, legitimada e reconhecida pela Comunidade

Européia, cujo critério de natureza universal adotado para recomendar a inserção do instituto

no Código Civil dos países integrantes daquele bloco pode ser acolhido para fundamentar a

inclusão da mediação no Código Civil de 2002.

“A entrada explícita da mediação familiar no Código Civil permitirá uma reflexão

diferente sobre as funções da justiça, que deve garantir uma resposta, seja ela institucional

ou não” (SASSIER, 2001, pags. 137 e 138). Eis o fundamento que autoriza a inserção do

instituto da mediação no Código Civil, outorgando-lhe o status necessário para a humanização

do Direito de Família. Eis a íntegra:

PROJETO DE LEI Nº 4.948/05 (Do Sr. Antonio Carlos Biscaia)

Altera dispositivo do Código Civil para inserir a mediação familiar como recomendação na regulação dos efeitos da separação e divórcio.

O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º. Esta lei insere no Código Civil a recomendação de incentivo à mediação familiar na regulação dos efeitos da separação e divórcio. Art. 2º. O art. 1.571 da Lei 10.406 – Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1.571............................................................................................................................................................................................................................................................ § “3.º Na separação e no divórcio deverá o juiz incentivar a prática de mediação familiar”. ( NR) . Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

59

4.3 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR E A SEPARAÇÃO CONSENSUAL

A medição é um processo que prima pela informalidade na interação, e que deve

manter-se assim, ainda que integrada a lei, uma vez que um clima informal propicia a

formação de vínculos mais rapidamente.

Ser informal não significa que o mediador e mediados se tratem com uma familiaridade

que não existe. E conveniente, por exemplo, perguntar como as pessoas gostam de ser

chamadas, e respeitar sua vontade.

A informalidade refere-se à relação, na qual, porem, os lugares de cada participante

devem ser preservados mediador e mediador e mediados são mediados.

A procura pela medição pode ser livre iniciativa dos interessados, embora, ate o

momento, o mais comum seja a recomendação por uma pessoa de sua confiança. Da

entrevista inicial pode participar a pessoa que fez o contato ou podem estar presentes todos os

interessados.

No primeiro caso, a pessoa participara da entrevista inicial e, posteriormente os demais

serão convidados a fazer o mesmo, pois e importante que, deste o inicio, se estabeleça uma

relação de igualdade entre os futuros mediados.

Nos casos de separação, os interessados são os membros do casal. Nesse caso, ao ser

procurado uma das partes, o mediador perguntara se a outra esta de acordo e fará o contato

com ela para receber ambos, desde a primeira vez.

Esse primeiro contato e na verdade, uma consulta, em que os clientes costumam dizer

que receberam a indicação e querem saber do que se trata. Esse momento do processo, a pré-

mediação, já estudado anteriormente, é o objeto de nosso estudo de caso.

O interesse maior dos cônjuges é um acordo que dispense nos autos as individualidades

das querelas conjugais, preservando, deste modo, a imagem e a honra dos mesmos.

Dois processos de separação consensual foram estudados em profundidade.

O dispositivo supracitado foi eficaz para evitar o desgaste familiar de um litígio.

60

5 – A MEDIAÇÃO FAMILIAR E A GUARDA COMPARTILHADA

Com as mudanças na nossa sociedade há um reflexo direto no nosso Direito de Família,

onde as separações deixam de ser raras e consideradas um problema no que tange à guarda

dos filhos do casal. O modelo arcaico de família foi se modificando, abrindo espaço para

novas possibilidades em relação à maneira de se criar os filhos. Aquele conhecido pátrio

poder antes exercido exclusivamente pelo pai deixou de ser um poder/dever para ser um

direito que visa à melhor condição para se preservar os interesses da criança.

As guardas alternada, dividida e chamada nidação, antes muito comuns para se dividir

responsabilidades após a separação do casal, acabavam por representar um transtorno para as

crianças, que se tornavam vítimas de instabilidades emocionais e tinham seu desenvolvimento

prejudicado com um tipo confuso e conturbado dos pais se revezarem, quando se revezavam

e, sem estarem necessariamente dispostos a isso.

O conceito antigo de uma guarda única foi, aos poucos, cedendo lugar para a

necessidade dos pais se alternarem, se dividirem de maneira prazerosa, surgindo a figura da

Guarda Compartilhada, que vem justamente no sentido de abraçar o desejo desses pais de

participarem ativa e simultaneamente da vida de seus filhos.

Na nossa Constituição Federal, observamos que os direitos e deveres da sociedade

conjugal devem ser exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

Também se verifica tal posição na Declaração Universal dos Direitos da Criança que

traz a obrigação comum dos pais em relação à criação dos filhos e ainda afirma o direito de

convivência entre eles no caso de separação.

O Estatuto da Criança e do Adolescente também faz alusão ao tema, colocando que o já

citado pátrio poder será exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, na forma

que dispuser a lei civil, facultando-lhes em caso de discordância, o poder judiciário para

apreciar a questão.

Já no nosso Código Civil podemos perceber a evolução no dispositivo que se refere ao

deferimento da guarda ao cônjuge que apresentar melhores condições de assumi-la, ficando

com isso, afastada a antiga imposição de que será sempre da mãe tal responsabilidade.

61

Antes de tudo, porém, temos que distinguir hoje claramente a idéia da separação

conjugal dos pais, seja judicial ou de fato, do vínculo parental com os filhos.

É importante ressaltar que para o sucesso da guarda compartilhada, o casal deve

priorizar o bem-estar dos filhos, se relacionando de forma harmônica, de modo a promover

uma criação pacífica.

Nessa guarda é imprescindível a relação saudável pós-separação, pois isso se torna um

parâmetro para o consentimento judicial, sendo que se necessário, ela poderá ser alterada a

pedido das partes, sejam os pais, os filhos e até mesmo de ofício pelo juiz.

Para se verificar a existência dos pressupostos mínimos exigidos para o deferimento da

guarda compartilhada surge a Mediação.

Em tal procedimento, se faz uma espécie de triagem com o casal, garantindo uma

oportunidade de comunicação entre eles e conseqüentemente a chance de o juiz, ao verificar

que qualquer das partes não preenche o mínimo de condições de arcar com a divisão de

responsabilidades, poderá alertá-los e conduzi-los a outra decisão, sempre para que os filhos

envolvidos não sejam prejudicados.

Evidentemente em certos casos não será possível nem a guarda compartilhada nem a

realização da Mediação, como por exemplo, ao se verificar que um dos genitores tem

problemas psicológicos ou indisponibilidade de tempo ou disposição de compartilhar dos

filhos.

Na Mediação pode-se observar o fundamental papel do magistrado, que agirá como um

conciliador, analisando cada caso em particular e indicando a melhor conduta a ser assumida

pelos genitores, conduzindo sempre o procedimento com muito bom senso e requisitando a

ajuda de outros profissionais conforme a necessidade, como psicólogos, por exemplo.

A Mediação será sempre pautada na ética, no princípio da moral universal, o que obriga

os operadores do direito a indicá-la aos litigantes antes de se tomar uma decisão.

A guarda compartilhada permite que os pais participem diretamente e simultaneamente

da vida dos filhos, dividindo a responsabilidade e cumprindo cada um o seu papel.

62

Eles interagem deixando claro que a separação ocorreu entre o vínculo conjugal e não

entre vínculo materno/paternal.

Há quem diga que os filhos se sentem mais próximos dos pais do que quando o casal

vivia sob o mesmo teto, pois muitas vezes, as discussões e crises conjugais acabam por

distanciar as crianças da realidade e dos próprios pais.

Devemos considerar a guarda compartilhada como opção, diferente da obrigação de

cuidar da prole que muitas vezes é considerada imposição pelo judiciário. O casal bem

resolvido opta pelo instituto conscientemente.

Respeitando sempre os limites das crianças, o exercício conjunto da educação, atenção,

criação, vigilância, só tende a ser benéfico e difundido.

A convivência contínua com as figuras paterna e materna é imprescindível para um

desenvolvimento saudável dos filhos; é como se houvesse uma reorganização de uma família

que se desorganizou pela separação, chamando ambos os genitores à responsabilidade de

serem pais conjuntamente.

Dentre as discussões a respeito do tema, os que argumentam negativamente alegam que

a criança submetida ao sistema da guarda compartilhada poderia ficar confusa diante de

conviver com dois lares, dividindo o tempo entre os dois genitores; poderia haver uma

diminuição do contato com a mãe que é figura marcante na construção do caráter do filho e

ainda poderiam ocorrer decisões divergentes e isoladas de cada genitor a respeito do mesmo

assunto, o que acarretaria conflitos prejudiciais à criança envolvida.

Já para os que defendem o modelo em estudo, deve-se considerar que psicologicamente

a criança será beneficiada, havendo maior entrosamento e interação dos pais com um

conseqüente bom relacionamento entre os mesmos que ficarão voltados e alertas às

necessidades de seus filhos. Há com esse modelo, uma tendência de acabar com as “guerras”

nos tribunais para disputar os filhos como se fossem troféus, ou ainda acabará com aquele tipo

de genitor que se acha na obrigação pura e simplesmente de efetuar depósito bancário das

pensões alimentícias, como se sua responsabilidade se resumisse a essa atitude.

63

Toda a sistemática que envolve a guarda compartilhada deve demonstrar aos

interessados que não haverá perdedores e sim ganhadores, diferente da impressão que se tem

nos outros tipos de guarda e nas disputas judiciais.

Diante do exposto, podemos concluir que, embora a discussão vá permanecer, a guarda

compartilhada tem a finalidade de preservar a integridade física e psíquica da prole, visando

uma relação saudável de pais e filhos, num momento que quase sempre é considerado

traumático: a separação.

A nossa doutrina e a jurisprudência têm tentado se adaptar às mudanças ocorridas nas

famílias atuais para conseguir a prestação jurisdicional mais adequada a cada caso, ampliando

para isso no seu Direito de Família, a matéria que regula a guarda dos filhos.

Vale ressaltar que qualquer decisão será estudada e pautada nas condições de

admissibilidade como a vontade de ambos os pais, a capacidade de se relacionarem

saudavelmente entre si e com seus filhos, fatores externos que permitam o exercício conjunto

da guarda sem criar transtornos, entre outros.

Trata-se, portanto, de uma evolução que chega aos poucos à prática como um exemplo

do reconhecimento da igualdade entre os genitores e de um novo modelo social que tem pai e

mãe separados, mas unidos num único objetivo: o de criar seus filhos da maneira mais digna e

humana o possível.

Daí a Lei nº 11.698/08 que altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de

janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada.

64

6 – A INSTABILIDADE FAMILIAR E A SEGURANÇA PÚBLICA

O moderno estado policial brasileiro estabelece que nossa constituição teve como

escopo, para os direitos e garantias fundamentais, dentre outros tratados internacionais, a

Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Os limites do Poder coercitivo do Estado impõem que mesmo convivendo com a

violência, a prisão é exceção e não regra (mediação).

A polícia surgiu na Grécia antiga e a “Polícia” daquela época tinha como atribuições a

manutenção do status quo reprimindo perigos internos relacionados com a desordem pública.

A “Polícia” também agia contra a insegurança pública reprimindo ações ameaçadoras da

integridade física e da propriedade.

A segurança pública é dever do estado e responsabilidade de toda a sociedade

Atualmente se cultua a idéia de polícia comunitária, sendo assim, o profissional de

segurança pública deve estar inserido na sociedade, daí a criação dos Conselhos

Comunitários, e a recomendação da participação de todos nesses Conselhos.

Os Direitos Humanos estão consagrados positivamente em nosso ordenamento jurídico,

entretanto observa-se uma inércia política dos Direitos Humanos ante as necessidades sociais,

pela falta de mecanismos políticos para sua concretização.

Como o Estado aderiu aos princípios dos Direitos Humanos, as Forças Públicas devem

rever o conceito repressivo, passando a atuar no átrio da sociedade de forma integrada para o

combate à sensação de insegurança pela descabida violência.

A ditadura militar influenciou a questão repressiva da Polícia, a tradição oriunda desse

regime criou a idéia de que a junção polícia - sociedade não deve existir, pelo fato de que, ser

militar é melhor que ser civil, por isso não depende dessa.

Entretanto se percebe que a Sociedade pode ajudar de forma considerável à prevenção

dos crimes.

A polícia comunitária objetiva quebrar esse paradigma vencendo a tradição.

Várias modalidades de crimes surgiram pela desagregação familiar, dentre tantos:

65

- Crime Organizado;

A única lei que regia o crime organizado no Brasil, até pouco tempo, era a de n.

9.034/95. Em abril de 2001 ingressou no nosso ordenamento jurídico um novo texto

legislativo (Lei 10.217/01), que modificou os artigos 1º e 2º do diploma legal acima citado,

além de contemplar dois novos institutos investigativos: interceptação ambiental e infiltração

policial. Pelo texto atual a lei incide nos ilícitos decorrentes de: (a) quadrilha ou bando; (b)

organização criminosa; (c) associação criminosa.

Quadrilha ou bando – Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando,

para o fim de cometer crimes. (Código Penal, art. 288 caput)

Associação Criminosa – Associação de mais de 3 (três) pessoas para prática dos

crimes relacionados a atividade de genocídio (com a intenção de destruir, no todo ou em

parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso), bem como, à prática de qualquer dos crimes

previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 da Lei 11.343/06 (Nove lei de tóxicos).

Organização Criminosa – O que se entende por organização criminosa (que está

enunciada na lei, mas não tipificada no nosso ordenamento jurídico)? Com a devida vênia,

engloba os conceitos de Quadrilha ou Bando e Associação Criminosa. Bem como, as sanções

a esses vinculados.

Características da Organização Criminosa: hierarquia estrutural, planejamento

empresarial, claro objetivo de lucros, uso de meios tecnológicos avançados, recrutamento de

pessoas, divisão funcional de atividades, conexão estrutural ou funcional com o poder público

e/ou com o poder político, oferta de prestações sociais, divisão territorial das atividades, alto

poder de intimidação, alta capacitação para a fraude, conexão local, regional, nacional ou

internacional com outras organizações etc.

- Crime de Tortura;

A lei 9.455/97 define os crimes de tortura.

A tortura é a imposição de dor física ou psicológica por crueldade, intimidação,

punição, para obtenção de uma confissão, informação ou simplesmente por prazer da pessoa

que tortura. Em nosso ordenamento jurídico a tortura é considerada um crime inafiançável e

insiscestível de graça ou indulto.

66

O crime de tortura consiste em crime material e caracteriza-se com a consumação de

sofrimento à pessoa torturada, tanto físico quanto psicológico. A princípio, a tortura dá a

noção de lesão corporal mas, esta não é a realidade.

No crime de tortura há a asseveração dos maus-tratos físicos ou mentais, é uma forma

prolongada de lesão à pessoa com a finalidade de obtenção de confissão, informação ou por

simples prazer.

Por assim dizer, na prática da tortura nem sempre há marcas físicas de agressões,

assim como à primeira vista é difícil constatar a tortura moral. Muitas vezes, o torturador

provoca agressões dolorosas fisicamente, sem deixar marcas no corpo da vítima, mas,

judicialmente, a tortura pode ser comprovada através de exame pericial psicológico, visto que

a tortura deixa marcas profundas na personalidade da vítima. Neste passo, é certo afirmar que

a tortura assumiu caráter permanente.

-Violência contra Minorias;

Somos sabemos que em nosso país existem uma enorme pluralidade cultural e uma

discriminação desordenada inconteste na violência contra os Homossexuais (Art 5º CF,

Princípio da igualdade), contra a Mulher (Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha), contra o

índio (Lei Nº 6.001/73 - Dispõe sobre o Estatuto do Índio - Emancipação).

- Tráfico de drogas: suas conseqüências;

O tráfico internacional de drogas cresceu espetacularmente durante os anos 80, até

atingir, atualmente, uma cifra anual superior a US$ 500 bilhões. Esta cifra supera os

proventos do comércio internacional de petróleo; o narcotráfico é o segundo item do comércio

mundial, só sendo superado pelo tráfico de armamento.

A conseqüência a nível internacional repousa na decomposição das relações de

produção imperantes: o mercado mundial, expressão mais elevada da produção capitalista,

está dominado, primeiro, por um comércio da destruição e, segundo, por um tráfico

declaradamente ilegal.

A explosão do consumo e a popularização da droga, especialmente nos países

capitalistas desenvolvidos, que é outro sintoma da decomposição.

67

Expressa a desmoralização de setores inteiros da sociedade, a autodestruição da pessoa

através da decomposição social e moral, a juventude condenada ao desemprego crônico e à

falta de esperanças, entre outros.

A influência do narcotráfico na economia mundial:

Em 28 de setembro de 1989, foi feita em Los Angeles a maior apreensão de cocaína já

realizada: 21,4 toneladas, cujo preço de venda ao público atingiria US$ 6 bilhões, uma cifra

superior ao PIB de 100 (cem) Estados soberanos;

A crise econômica mundial exerceu uma pressão formidável em favor da narco-

reciclagem das economias agrárias, o que redundou num aumento excepcional da oferta de

narcóticos nos países industriais e no mundo todo. Apenas nos últimos anos, o tráfico mundial

cresceu 400%.

- Pedofilia;

A Pedofilia é um transtorno parafílico, onde a pessoa apresenta fantasia e excitação

sexual intensa com crianças pré-púberes, efetivando na prática tais urgências, com

sentimentos de angústia e sofrimento.

O abusador tem no mínimo 16 anos de idade e é pelo menos 5 anos mais velho que a

vítima;

O abuso ocorre em todas as classes sociais, raças e níveis educacionais. A grande

maioria de abusadores é de homens.

Existem 4 faixas etárias de abusadores;

• Jovens até 18 anos de idade, que aprendem sexo com suas vítimas;

• Adultos de 35 a 45 anos de idade que molestam seus filhos ou os de seus amigos

ou vizinhos;

• Pessoas com mais de 55 anos de idade que sofreram alguma perda por morte,

separação ou doença do SNC;

• Aqueles que não importam a idade, ou seja, aqueles que sempre foram

abusadores por toda uma vida.

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- Tráfico de Seres Humanos;

O tráfico de pessoas é um fenômeno complexo e multidimensional. Atualmente, esse

crime se confunde com outras práticas criminosas e de violações aos direitos humanos e não

serve mais apenas à exploração de mão-de-obra escrava. Alimenta também redes

internacionais de exploração sexual comercial, muitas vezes ligadas a roteiros de turismo

sexual, e quadrilhas transnacionais especializadas em retirada de órgãos.

A definição aceita internacionalmente para tráfico de pessoas encontra-se no Protocolo

Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo

à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças

(2000), instrumento já ratificado pelo governo brasileiro. Segundo o referido Protocolo, a

expressão tráfico de pessoas significa:

“o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.”

- Trabalho escravo;

A Convenção nº 29 da OIT de 1930, define sob o caráter de lei internacional o

trabalho forçado como "todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de

sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente."

A mesma Convenção nº 29 proíbe o trabalho forçado em geral incluindo, mas não se

limitando, à escravidão.

A escravidão é uma forma de trabalho forçado. Constitui-se no absoluto controle de

uma pessoa sobre a outra, ou de um grupo de pessoas sobre outro grupo social.

Trabalho escravo se configura pelo trabalho degradante aliado ao cerceamento da

liberdade.

Este segundo fator nem sempre é visível, uma vez que não mais se utilizam correntes

para prender o homem à terra, mas sim ameaças físicas, terror psicológico ou mesmo as

grandes distâncias que separam a propriedade da cidade mais próxima.

69

CONCLUSÃO

A família, nos últimos anos, vivenciou inúmeras transformações.

O conceito tradicional de família restrito ao conjunto de pai, mãe e filhos já não mais se

sustenta diante das mudanças ocorridas no seio familiar e na sociedade como um todo. Vários

novos enlaces familiares foram sendo estabelecidos exigindo o reconhecimento e respeito

sociais.

O princípio da dignidade da pessoa humana exposto constitucionalmente e em

documento internacional garantidor da efetividade dos direitos humanos serviram de

paradigma para a defesa dessas novas relações.

Mães ou pais solteiros, uniões estáveis, produções independentes, uniões entre casais do

mesmo sexo, pessoas casadas, mas que não dividem o mesmo lar, indivíduos vivenciando o

segundo matrimônio com filhos de uniões anteriores, enfim inúmeras são as novas situações

existentes que também podem configurar uma família.

De acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -

IBGE em dezembro de 2003, 47% dos domicílios organizam-se de maneira em que pelo

menos um dos pais está ausente.

Nos últimos dez anos o número de famílias – das mais variadas espécies – teve um

crescimento maior do que a população como um todo, embora o número de divórcios tenha

triplicado e a quantidade de casamentos civis tenha diminuído em 12%. Ainda, pelas

pesquisas realizadas pelo IBGE, informa-se que houve um crescimento no número de famílias

multirraciais e na quantidade de mulheres responsáveis pelo domicílio.

Todas essas transformações geraram novos e complexos conflitos entre os casais, pais e

filhos, madrastas, padrastos, enteados, enfim, entre os membros dessas novas famílias que

hoje se apresentam.

São conflitos que exigem muito cuidado visto que envolvem relações de sentimentos,

laços sangüíneos e afetivos que apesar do momento de conflito perduram, continuam.

70

São relações que, por envolverem sentimentos de amor, ódio, raiva ou afeto, por

envolverem filhos e todas as responsabilidades morais advindas da existência de filhos,

continuam, perduram no tempo – relações continuadas.

Dessa maneira, diante das novas e complexas relações familiares das quais derivam

controvérsias inéditas e que requerem, dadas as suas peculiaridades, meios de solução

adequados que permitam a sua manutenção após os conflitos, passaram-se a questionar quais

seriam as melhores técnicas de administração de problemas dessa natureza.

O conflito pode ser entendido como luta, briga transtorno e dor, levando o ser humano a

repudiar esse momento. Pode também ser compreendido como algo natural, próprio da

natureza humana e necessário para o aprimoramento das relações individuais e coletivas.

Nesse caso, o conflito passa a ser algo de um teor positivo, momentâneo, de construção.

O meio adequado para a solução de conflitos familiares deve passar, inicialmente, pela

compreensão positiva dos problemas visto que, nesses casos, é necessária a manutenção dos

vínculos.

Registra-se que não só nas questões familiares, mas em qualquer situação, os conflitos

devem ser compreendidos como temporários e naturais já que o ser humano necessita do

contraditório, da contraposição para haver progresso.

Para a solução de conflitos familiares faz-se necessária a possibilidade de diálogo e de

escuta - tempo para escutar e tempo para falar. Imprescindível o respeito mútuo, o que muitas

vezes, teoricamente, seria impraticável, tendo em vista, em alguns casos, a existência de

mágoas profundas e amores mal resolvidos, traições, etc.

Torna-se importante o estímulo à solidariedade, à compreensão, à paciência de cada

uma das partes no sentido de um ganho mútuo, de uma vitória conjunta, com a clara

percepção dos interesses em comum e não somente das diferenças.

A Mediação Familiar no intuito de soerguer os valores principais do instituto, família,

ou, ao menos amenizar as conseqüências de separações judiciais, surge como uma alternativa

eficaz para este intento.

71

A legalização da mediação familiar (PL 4.948/05) e o dispositivo da Guarda

Compartilhada (Lei nº 11.698/08) são frutos desta nova ótica estatal em trazer para si a

responsabilidade para asseverar uma relação familiar salutar, garantindo às gerações futuras

uma educação estável, longe das mazelas sociais, como drogas e violência urbana, por

exemplo.

O principal objetivo da Segurança Pública é o alcance da Paz Social e sua

imperatividade.

A paz social é opção claramente expressa na constituição e está relacionado com o

clima de Tranqüilidade Pública envolvendo empenho para redução dos conflitos.

O Papel da Segurança Pública na obtenção da Paz Social é pró-ativo, para o

envolvimento de todos os órgãos de segurança pública para consecução do objetivo estatal,

através de meios para mediação de conflitos e de uma política pública de defesa social.

A inovação dos Núcleos de Mediação Comunitária são meios efetivos na persecução da

tão sonhada paz.

Encontra-se anexo, os projetos de lei que alteram o Novo Código Civil e da

Constituição Federal em matéria de Direito da Família, os quais estão em tramitação

sugeridos pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, entidade que congrega magistrados,

advogados, promotores de justiça, psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais

que atuam no âmbito das relações de família e na resolução de seus conflitos.

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ANEXO A – PROJETOS DE LEI PROPOSTOS PELO IBDFAM

IBDFAM (INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA)

1) PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2005

(Do Sr. Antonio Carlos Biscaia e outros)

Altera o § 4º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre entidade familiar.

As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O § 4º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art.226................................................................................................. ................................................................................................................ § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, ou união afetiva de convivência estável e com objetivo de constituição de família.” (NR) ..............................................................................................................

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. 2) PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº , DE 2005

(Do Sr. Antonio Carlos Biscaia e outros)

Altera o § 6º do art. 226 da Constituição Federal, que dispõe sobre o divórcio.

As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional: Art. 1º O § 6º do art. 226 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 226..................................................................................................... § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei.” (NR)

Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

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3) PROJETO DE LEI Nº 4.948, DE 2005

(Do Sr. Antonio Carlos Biscaia)

Altera dispositivo do Código Civil para inserir a mediação familiar como recomendação na regulação dos efeitos da separação e divórcio.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. Esta lei insere no Código Civil a recomendação de incentivo à mediação familiar na regulação dos efeitos da separação e divórcio.

Art. 2º. O art. 1.571 da Lei 10.406 – Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

“ Art. 1.571.....................................................

.........................................................................

§ 3.º Na separação e no divórcio deverá o juiz incentivar a prática de mediação familiar”. (NR).

Art. 3º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

4) PROJETO DE LEI Nº 4.944, DE 2005.

(Do Sr. Antonio Carlos Biscaia)

Altera dispositivos do Código Civil, dispondo sobre igualdade de direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros de união estável.

O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º. Esta Lei modifica disposições do Código Civil sobre igualdade de direitos sucessórios entre cônjuges e companheiros de união estável.

Art. 2º Os arts. 544, 1.829, 1.830, 1.831, 1.832, 1.837, 1.838, 1.839, 1.845 e 2003 da

Lei 10.406- Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes importa adiantamento do que lhes cabe por herança.” (NR) ................................................................................................ “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ou com o companheiro sobrevivente; III – ao cônjuge sobrevivente ou ao companheiro sobrevivente;

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IV – aos colaterais. Parágrafo único. A concorrência referida nos incisos I e II dar-se-á, exclusivamente, quanto aos bens adquiridos onerosamente, durante a vigência do casamento ou da união estável, e sobre os quais não incida direito à meação, excluídos os sub-rogados.” (NR) “Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados de fato.” (NR) “Art. 1.831. Ao cônjuge ou ao companheiro sobreviventes, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que, na abertura da sucessão, esteja sob domínio exclusivo do falecido ou deste e do sobrevivente. Parágrafo único. O direito real de habitação não será assegurado se o imóvel integrar a legítima dos descendentes menores ou incapazes.” (NR) “Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes, caberá ao cônjuge ou ao companheiro sobrevivente parte igual àquela que couber a cada um dos herdeiros que sucederem por cabeça.” (NR) .................................................................................................... “Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge ou ao companheiro tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.” (NR) “Art. 1.838. Na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge ou companheiro sobrevivente.” (NR) “Art. 1.839. Se não houver cônjuge ou companheiro sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1830, serão chamados a suceder os colaterais até terceiro grau.” (NR) ..................................................................................................... “Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes e os ascendentes.” (NR) .................................................................................................... “Art. 2003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuíam os bens doados. Parágrafo único. Se, computados os valores das doações feitas em adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos descendentes, os bens assim doados serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade.” (NR)

Art. 3º. Revoga-se o art. 1.790 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 4º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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5) PROJETO DE LEI Nº 4.945, DE 2005.

(Do Sr. Antonio Carlos Biscaia)

Altera e revoga dispositivos do Código Civil, que dispõem sobre a culpa e seus efeitos na separação dos cônjuges e dá outras providências correlatas.

O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º. Esta Lei altera disposições do Código Civil que tratam sobre a culpa e seus efeitos na separação dos cônjuges. Art. 2º Os arts. 1.564, 1.571, 1.572, 1.578 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por má-fé de um dos cônjuges, este incorrerá: I – na perda das vantagens havidas do outro cônjuge; II – na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no pacto antenupcial. (NR)” ........................................................................................ “Art. 1.571............................................................... ................................................................................. § 2º. Na separação e no divórcio o juiz deverá incentivar a prática da mediação familiar. (NR)” ........................................................................................ “Art. 1.572. Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, quando cessar a comunhão de vida.” (NR) ......................................................................................... “Art. 1.574. Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada. Parágrafo único. .........................................................” (NR) “Art. 1.578. O cônjuge que tiver adotado o sobrenome do outro poderá mantê-lo, após a separação judicial ou o divórcio.“ (NR)

Art. 3º. Revogam-se os §§ 1º, 2º e 3º do art. 1.572, os arts. 1.573, 1.575, e o inciso II do art. 1.641 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

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6) PROJETO DE LEI Nº 4.946, DE 2005. (Do Sr. Antonio Carlos Biscaia)

Altera e revoga dispositivos do Código Civil, relativos à filiação.

O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º. Esta Lei modifica disposições do Código Civil que tratam da filiação. Art. 2º O art. 1.601 da Lei 10.406- Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.601. Cabe exclusivamente ao marido o direito de impugnar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher. § 1º Impugnada a filiação, os descendentes ou ascendentes do impugnante têm direito de prosseguir na ação. § 2º Não se desconstituirá a paternidade caso fique caracterizada a posse do estado de filiação, ou a hipótese do inciso V do art. 1.597.”(NR)

Art. 3º Revogam-se os arts. 1.600, 1.602 e 1.611 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

7) PROJETO DE LEI Nº 4.947, DE 2005. (Do Sr. Antonio Carlos Biscaia)

Altera e revoga dispositivos do Código Civil, que dispõem sobre os alimentos.

O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º. Esta Lei modifica disposições do Código Civil que tratam de alimentos. Art. 2º. Os arts. 1.694, 1.702, 1.709 da Lei 10.406 – Código Civil, de 10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade. §1º..........................................................................................” (NR) “Art. 1.702. Na separação, no divórcio, ou na dissolução da união estável, sendo um dos cônjuges ou um dos companheiros desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no art. 1.694. (NR)” “Art. 1.707. O credor pode renunciar o direito a alimentos, salvo quando a obrigação decorrer de relação de parentesco. Parágrafo único. O crédito a alimentos é insuscetível de cessão, compensação ou penhora. (NR)” “Art. 1.709. A nova união do devedor não extingue a obrigação alimentar anteriormente estabelecida”.

Art. 3º Revogam-se o §2º do art. 1.694, e os arts. 1.704 e 1705 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

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