Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

22
MEDIAÇÃO E DIREITOS HUMANOS Temas Atuais e Controvertidos

Transcript of Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Page 1: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Mediação e direitos HuManos Temas Atuais e Controvertidos

Page 2: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos
Page 3: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Antonio RodRigues de FReitAs JR. cooRdenAdoR

MARco AuRélio seRAu JunioR oRgAnizAdoR

Mediação e direitos HuManos

Temas Atuais e Controvertidos

Adolfo Braga Neto

André Luiz Naves Ferraz

Carolina Jezler Müller

Célia Regina Zapparolli

Cláudia Junqueira de Almeida Prado

Élio Braz Mendes

Fernanda Souza Hutzler

Gisele Alves Ferreira Ladessa

Ilaria Lorenza M. Sarti

Ítalo Baratella Júnior

Luiza Barros Rosas

Marco Aurélio Serau Junior

Maria Gabriela Araújo Diniz

Ricardo Cesar Duarte

Sergio Eduardo Vieira dos Santos Júnior

Simone Henrique

Thiago de Castro

Thaís Pinhata Souza

Page 4: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

EDITORA LTDA.© Todos os direitos reservados

Rua Jaguaribe, 571CEP 01224-001São Paulo, SP – BrasilFone (11) 2167-1101www.ltr.com.br

Novembro, 2014

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mediação e direitos humanos : temas atuais e controvertidos / Antonio Rodrigues de Freitas Jr., coordenador; Marco Aurélio Serau Jr., organi-zador. – São Paulo : LTr, 2014.

Vários autores.

1. Direitos humanos 2. Mediação I. Freitas Jr., Antonio Rodrigues. II. Serau Jr., Marco Aurélio.

14-11769 CDU-347.121.1

Índice para catálogo sistemático:

1. Direitos humanos : Direito civil 347.121.1

Versão impressa - LTr 5150.6 - ISBN 978-85-361-3175-7Versão digital - LTr 8525.4 - ISBN 978-85-361-3205-1

Page 5: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Sumário

NOTAS INTRODUTóRIAS – ANTONIO RODRIGUES DE FREITAS JR. ............................................................. 7

Seção I Teoria Geral do Conflito, Mediação e Alternativas à Solução Adjudicatória

ADOLFO BRAGA NETO ........................................................................................................................................ 19

Direitos Humanos, reconhecimento do sujeito de direitos e mediação de conflitos individuais e coletivos

ANDRÉ LUIZ NAVES SILVA FERRAZ ................................................................................................................... 29

Tragicidade alocativa: a essência qualificada do conflito intersubjetivo de justiça

FERNANDA SOUZA HUTZLER ............................................................................................................................ 36

A mediação e a conciliação na Justiça Federal

RICARDO CESAR DUARTE .................................................................................................................................. 47

Reflexões sobre o alcance e os limites da justiça judiciária: uma crítica à expansão da agenda do Poder Judiciário e sua proposta de institucionalização dos meios alternativos de resolução de conflitos

Seção II Aplicações da Mediação aos Direitos Sociais

LUIZA BARROS ROSAS ......................................................................................................................................... 57

Direito à moradia e mediação em conflitos coletivos

MARIA GABRIELA ARAúJO DINIZ ...................................................................................................................... 70

Experiências de mediação nos conflitos envolvendo o Direito Sanitário

SIMONE HENRIqUE ............................................................................................................................................. 80

Educação em Direitos Humanos, mediação e paz imperfeita: uma proposta para a saúde da mulher negra no Município de São Paulo

THIAGO DE CASTRO ........................................................................................................................................... 89

Negociação e decisões alocativas na dispensa coletiva

CÉLIA REGINA ZAPPAROLLI .............................................................................................................................. 103

Meio ambiente, habitação, desenvolvimento urbano e instrumentos não adjudicatórios de gestão de conflitos: a experiência de seu uso no programa Serra do Mar

Page 6: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Mediação e Direitos Humanos: Temas Atuais e ControvertidosAntonio Rodrigues de Freitas Jr. (Cood.) e Marco Aurélio Serau Jr. (Org.)6

Seção III Mediação: técnicas, limites e o papel do Mediador

ÉLIO BRAZ MENDES ............................................................................................................................................ 117

Resolução de n. 125 do Conselho Nacional de Justiça: modelos de mediação e conciliação

ILARIA LORENZA M. SARTI; CLáUDIA JUNqUEIRA DE ALMEIDA PRADO; GISELE ALVES FERREIRA LADESSA; ÍTALO BARATELLA JúNIOR E SERGIO EDUARDO VIEIRA DOS SANTOS JúNIOR ....................... 125

Mediação: luto, enlutar, refletir, reconstruir e pacificar

MARCO AURÉLIO SERAU JUNIOR ...................................................................................................................... 133

A barganha do intangível — Ensaio sobre a incidência de limitações típicas de direitos fundamentais nos processos de mediação de conflitos

Seção IV Mediação e Cultura da Paz

CAROLINA JEZLER MüLLER ............................................................................................................................... 143

As limitações da solução de conflitos no Direito Internacional

THAÍS PINHATA DE SOUZA ................................................................................................................................. 154

Mediação penal: novas práticas de justiça para um direito penal em transição

Page 7: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

notas introdutórias

Page 8: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos
Page 9: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

(1) Parte dos argumentos aqui contidos foi inicialmente apresentada num artigo escrito para o número temático sobre mediação e conciliação, da Revista da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, de 2014.

(2) Bacharel, Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito pela Universidade de São Paulo. Foi Secretário Nacional de Justiça (2002), tendo participado da idealização, da criação e da composição do primeiro Conselho Consultivo do Fórum Nacional de Mediação – FONAME (2007-2009). No presente, é Professor-Associado da Faculdade de Direito da USP – Largo de São Francisco, em cujo pro-grama de Graduação [desde 2008] e de Pós-Graduação [desde 2004] vem oferecendo disciplinas de Mediação em Direitos Humanos e Direito Do Trabalho; é advogado em São Paulo; Procurador Legislativo e Diretor-Executivo da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo.

Contribuição da CiênCia PolítiCa Para um ConCeito oPerativo de Conflito e uma PragmátiCa reSPonSável da mediação(1)

antonio rodrigueS de freitaS Jr.(2)

É com muita satisfação que apresentamos agora, ao exame crítico do leitor, mais esse produto de alguns anos de reflexão e de trabalho acadêmico coletivo, voltado ao tema geral da gestão não adjudicatória dos conflitos; em especial, da mediação de conflitos.

Nesta oportunidade, apresentamos uma coleção de quatorze ensaios, reunindo um total de vinte autores que guardam entre si, além de sensíveis e bem-vindas di-ferenças, a preocupação comum de situar a reflexão e o exame em torno da mediação, na agenda mais ampla da construção da cultura da paz e da busca por ferramentas inovadoras e heterodoxas o bastante para produzir novas possibilidades de construção de justiça.

De justiça que não se legitime apenas sob o manto da validação judicial, nem tampouco na correspondência com o repertório retrospectivo da positivação legal. No que mais importa: de justiça capaz de compor conflitos a partir do esforço responsável dos próprios atores que o protagoni-zam. Em outras palavras, de justiça cujo repertório moral seja validado pelo reconhecimento dos próprios sujeitos em conflito, que partilham, em especial, o propósito de não “terceirizar” as escolhas, as renúncias nem as conforma-ções éticas indispensáveis à pacificação de suas relações.

Como se vê, a proposição teórica fundamental em que se estrutura essa linha de reflexões e de estudo consiste na afirmação de novas possibilidades de justiça, para além daquelas habitualmente confiadas ao tratamento judiciá-rio, administrativo ou arbitral.

Uma perspectiva, quer analítica, quer pragmática, substancialmente distinta daquela que qualifica a media-ção como apenas uma forma adicional de dificultar o aces-so ao Judiciário, concebida como estratégia para a conten-ção do sensatamente temido crescimento da litigiosidade.

O olhar comum aos trabalhos aqui reunidos orienta-se não para o escopo de reduzir ou conter a sobrecarga do Judiciário, mas sim para o de contribuir para a identifica-ção e o aprimoramento de outros meios de produção de justiça capazes, por um lado, de dar conta de situações de conflito nas quais a solução adversarial do processo judi-ciário não se mostra adequada, e por outro, de reconhecer os sujeitos do conflito como atores capazes e responsáveis, eles próprios, pela definição dos parâmetros de entendi-mento e pacificação.

Entendimento e pacificação ressalte-se, não apesar do conflito, mas sim por meio da sua apropriada gestão.

Page 10: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Mediação e Direitos Humanos: Temas Atuais e ControvertidosAntonio Rodrigues de Freitas Jr..10

Essa perspectiva de “administrar” conflitos contribui, no limite, para a difusão de uma atitude de reconhecimento e de aceitação da alteridade, de respeito às diferenças, de aprendizado das possibilidades de comunicação e de diá-logo. Em síntese: uma perspectiva orientada pela promo-ção da solidariedade e da tolerância, em lugar da adversa-riedade e da exclusão.

_____________

Preciso noticiar algo sobre o ambiente em que esses ensaios foram produzidos.

Desde 2004, venho oferecendo disciplinas de mestrado e doutorado, no programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, voltadas para a temática da mediação e da promoção da cultura da paz.

Em 2008 tomei a iniciativa de propor o credencia-mento de uma disciplina, intitulada “Mediação em Con-flitos de Justiça, Cultura da Paz e promoção dos Direitos Humanos”, perante a área interdepartamental de Direitos Humanos.

Um dos módulos integrantes dessa última foi ofere-cido, uma vez mais, no primeiro semestre acadêmico de 2013. Pois bem: essa foi a turma (de alunos, alunos es-peciais, ouvintes e interessados...) em que se originou a produção do material aqui reunido. A maior parte dele foi elaborada inicialmente como dissertação de conclusão da disciplina; ainda que muitos tenham sofrido adaptações, correções de rumo e aperfeiçoamentos posteriores.

O auxílio na paciente organização e revisão inicial do material ficou por conta de meu orientando de doutora-do, Marco Aurélio Serau Junior, mas as imperfeições ainda restantes, pelas quais desde já me desculpo, são de minha exclusiva responsabilidade.

A decisão de promover a divulgação desse material foi tomada não apenas pela qualidade das contribuições, como também pelos diferentes ângulos de observação que são aqui desenvolvidos.

Por uma afortunada coincidência, a turma de 2013 acabou reunindo estudantes e estudiosos de formação acadêmica distinta – ainda que com previsível maioria de juristas – e com perfis humanos, profissionais e até regio-nais bastante variados. Essa particularidade fez com que pudéssemos apresentar um trabalho de espectro aberto, sob o ângulo temático e metodológico, ao mesmo tempo em que satisfatoriamente qualificado sob aquele da res-pectiva inserção prática (magistrados, mediadores experi-mentados, advogados em diversas áreas, ativistas de direi-tos humanos em ONGs etc.).

_____________

Sinto-me ainda no dever de explicitar algo mais no tocante aos parâmetros conceituais e terminológicos em torno dos quais esse trabalho está estruturado.

Nas oportunidades em que me dediquei a tratar de mediação e/ou de conciliação, procurei empenhar-me na

tarefa de formular um conceito, na medida do possível preciso, para a ideia de conflito (por exemplo, Freitas Jr., 2009, p. 183-200; 2009-A, p. 509-534 e 2013, p. 33-41).

A intenção jamais foi a de apontar para a construção de uma teoria dogmática do conflito, mas a de sublinhar que certas discriminações conceituais são não apenas úteis, como diria mesmo imprescindíveis, para uma prag-mática responsável da mediação.

Na perspectiva de uma explicitação conceitual, e não de mera postulação por uma preferência terminológica, tratarei aqui de realçar as diferenças entre conflito, dispu-ta, lide e violência.

Comecemos ao acaso com um exemplo: uma final de copa do mundo. Eis certamente o caso de uma exacerbada disputa, que requer boa arbitragem e que pode ocasionar muita violência, dentro e fora do campo. Ninguém pen-saria, entretanto, em produzir um resultado de final de campeonato por meio da conciliação ou da mediação.

A exemplificação aqui é propositalmente caricatural, mas suficiente para dar a exata medida da relevância prá-tica que o problema conceitual exibe.

Focalizemos outro exemplo, de ocorrência mais banal e mais do dia a dia do advogado; por envolver especifica-mente disputas judiciárias: qualquer profissional do direi-to de família sabe que o acordo numa lide originária de separação, sobretudo quando resultado de uma concilia-ção mal conduzida, conquanto possa dar fim ao processo, tende a significar uma intervenção desastrosa na relação entre aquelas pessoas. Esse é, por sinal, um exemplo cras-so de tratamento da disputa processual e não do conflito; capaz mesmo de introduzir, na separação, uma dimensão conflituosa até então inexistente.

Não invulgar também a hipótese de que apenas uma relação conflituosa, entre o mesmo casal, possa gerar, e não raro gere, inúmeras disputas processuais. Devido a di-ferenças na causa de pedir, é comum até a distribuição das ações em diferentes varas de justiça – sem falar na possível repercussão do mesmo conflito também na justiça crimi-nal. Ou seja, para um só conflito, uma carteira variada de demandas (divórcio, guarda de filhos, partilha de bens, alimentos, sem falar nas possíveis ações penais, cautelares e futuras revisionais, exoneratórias etc.)

Desses exemplos extrai-se a conclusão que se deseja destacar: não há correspondência necessária entre conflito e disputa processual, quer sob o ângulo temático, quer mesmo sob o subjetivo. No caso do processo penal, vale ressaltar, até mesmo as partes da ação penal (promotor e réu) não são as mesmas da relação em que o conflito ocorreu.

E não há correspondência necessária, entre conflito e disputa processual, pelo singelo motivo de que não há coincidência fenomênica entre eles. Conflito e processo são fenômenos de predicações distintas; ainda que se reco-

Page 11: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

11Notas Introdutórias Contribuição da Ciência Política para um Conceito Operativo de Conflito e uma Pragmática Responsável da Mediação

nheça que o processo judicial foi originariamente criado com a ambição de ser o continente do conflito.

Comum o viés de nós juristas, especialmente dos pro-cessualistas, de ver o conflito sob a lente do processo ju-dicial. Ora bem, ao situarmos o processo judicial como eixo de observação das manifestações conflituosas, somos enganosamente induzidos a desprezar as diferenças de predicação que guardam entre si processo e conflito.

Se alguma contribuição relevante à mediação e mesmo à conciliação (esta última entendida como uma ferramen-ta mais ampla que a composição judiciária) podem ofere-cer à teoria do conflito, é precisamente a de trazer o ponto de observação para fora do Judiciário, e levar intervenção para fora e para além dos limites do processo; atuando com eficácia exatamente onde e a partir de uma perspecti-va que o Judiciário não está aparelhado a fazê-lo.

Por esse motivo a afirmação teórica da distinção en-tre conflito e figuras afins é considerada absolutamente essencial na capacitação de mediadores e conciliadores.

_____________

A ênfase no apuro conceitual, entretanto, não é unâ-nime.

Preocupa, porém, que o descuido com o rigor concei-tual seja solenemente validado justamente pelas autorida-des que mais o deveriam repudiar.

Vejamos.

A política oficial de fomento à “mediação judicial”, no Brasil, optou por centralizar no plano da União um sem--número de regras, cartilhas, programas etc.

Tal política contempla também um manual em que se afirma, relativamente à distinção entre disputa e conflito:

“Para efeitos do presente manual, considerou--se que a prática deve prevalecer sobre a semântica. Discussões teóricas em que dogmas são criados so-bre ‘conflito e disputa’ (...) não são relevantes a ponto de se recomendar o dispêndio de muito tempo acerca dessas questões (sic)” (BRASIL, 2013, p. 42)

Não estou entre nutrir simpatia por materiais didá-ticos com brasão da República. Não porque “cartilhas” chapa-branca sejam de qualidade invariavelmente duvi-dosa, mas porque tendem a sugerir que suas premissas e asserções, teóricas ou avaliativas, constituem a expressão da verdade oficial.

É difícil pensar em algo que mais tenda a embotar a consciência crítica que o estabelecimento de verdades oficiais. Deve-se reconhecer, entretanto, que em muitos casos o que se enuncia em monografias chapa-branca é, sim, a versão da Nomenklatura e, por esse motivo, ao me-nos, não apenas comportam, como pedem um escrutínio crítico da academia. Da academia e de todos aqueles que,

cidadãos, atuem na capacitação e na formação de media-dores e conciliadores.

_____________

Não existe um, nem apenas um fenômeno que com-porte, com propriedade, ser denominado conflito; assim como também podem ser muitas as acepções com que se emprega o termo “disputa” e mesmo a ideia de processo. Como é corrente afirmar, até mesmo a figura do processo deixou de ser privativamente empregada para designar o processo judicial.

Os dilemas intrapsíquicos; as diferenças no plano ex-clusivo das ideias ou doutrinas; as competições e disputas esportivas, econômicas ou políticas; as manifestações vio-lentas; apenas para dar alguns exemplos mais conhecidos, podem ser apropriadamente denominados de conflito.

Como vimos, no campo do direito e das investigações judiciárias em geral, é muito comum empregar o termo “conflito” com referência à projeção judiciária a que são submetidas as controvérsias. Para essas, o tratamento ju-diciário constitui a regra na maioria das sociedades do Ocidente.

Não há por que sustentar que o termo “conflito” deva ser prisioneiro de qualquer dessas ou de outras apropria-ções. De igual modo, não há também motivo que valide a conceituação arbitrária ou dogmática do conflito exclu-sivamente por uma de suas diversas acepções ou campos de utilização.

Saberes como o da mediação, a exemplo de outros meios não adjudicatórios de gestão de conflitos, ainda não parecem exibir maturidade epistemológica que nos auto-rizem a qualificá-los como uma disciplina autônoma do conhecimento. Por esse motivo, toda a elaboração desse saber opera-se mediante o recurso a outras disciplinas ou áreas do conhecimento, como a psicologia, a sociologia, a ciência política e o direito.

O argumento deste texto consiste em assinalar que isso porém, não autoriza que em cada uma das regiões específicas do conhecimento a noção de conflito possa ser empregada de modo impreciso e mediante acepções não explicitamente delimitadas. Não por postulação dogmáti-ca, mas em homenagem a rudimentar clareza enunciativa: condição indispensável para um diálogo interdisciplinar reciprocamente proveitoso.

A explicitação semântica, especialmente de uma ideia nuclear para a respectiva área de competência ou habilida-de – como no caso do conflito para a mediação de conflito –, é indispensável para que os interlocutores, em todos os campos, saibam exatamente a que fenômeno designam cada vocábulo.

A generalidade ou a heterogeneidade com que a noção de conflito é empregada, antes que dispensar, muito ao contrário, impõe um redobrado esforço de rigorosa con-ceituação.

Page 12: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Mediação e Direitos Humanos: Temas Atuais e ControvertidosAntonio Rodrigues de Freitas Jr..12

1. UTILIDADE DO CONCEITO

quem quer que se proponha a formular uma defini-ção – vale dizer, explicitar os ingredientes que devem es-tar presentes na delimitação de um conceito, em qualquer região do conhecimento metodologicamente controlado – desempenha um esforço marcadamente teórico.

Isso não quer dizer, por outro lado, que a finalidade teórica de um conceito seja apenas ou necessariamente a de proporcionar combustível para o debate teórico e a construção doutrinária.

No caso da noção de conflito é possível, e até mesmo recomendável, postular um exercício de conceituação teó-rica com vistas a objetivos de aplicação prática. É precisa-mente esse o propósito que anima as proposições deste es-tudo: apresentar uma definição que possa delimitar, com precisão metodológica, o conceito teórico de conflito, vol-tado predominantemente a objetivos práticos no terreno do que se convencionou chamar teoria (ou ciência) social aplicada, em particular a teoria do conflito.

2. POLÍTICAS DE JUSTIÇA COMO DESTINO

Tais objetivos impõem-nos um roteiro de trabalho bem definido: precisamos antes de mais saber em que re-gião prática o conceito a ser elaborado deverá desempe-nhar sua utilidade analítica, avaliativa e preditiva.

Indo direto ao ponto: o conceito de conflito aqui sugerido tem o propósito de servir de ferramenta para análise, avaliação e predição, visando à intervenção paci-ficadora sobre os problemas intersubjetivos que exibem divergência no plano moral. Em síntese, para aqueles pro-blemas que demandam iniciativas políticas de justiça, e, como tais, invariavelmente, iniciativas de interesse públi-co – ainda que não restritas ao Judiciário e nem mesmo ao Estado.

qual a nota específica dessa espécie de conflito? Os atores nela envolvidos não convergem no que respeita à forma moralmente mais justa para sua solução.

É essa espécie de disputa que interessa para a juris-dição e é também – embora não só – dessa espécie que se ocupam os chamados meios não adjudicatórios (“mais adequados”, “alternativos”, “extrajudiciais” etc.) de solu-ção de conflitos.

Disputas meramente comerciais, esportivas, certames públicos tais como concursos e licitações, etc., são exem-plos de disputas – não raro acirradas – que entretanto não constituem problema de justiça; exceto se porventura os interessados puserem em questão a justeza das próprias regras concorrenciais, esportivas ou editalícias. Observe--se que nesse caso a controvérsia moral não incide direta-mente sobre a disputa, mas sobre as regras que a antece-dem e a devem presidir.

O ponto a reter é o seguinte: para as políticas públicas de justiça, que ambicionam oferecer meios pacíficos de administração de conflitos, realmente importam aqueles que se expressam por função da divergência em torno de valores morais.

É bem verdade que a compreensão de outras manifes-tações conflituosas, que não caracterizam conflitos inter-subjetivos de justiça, como por exemplo, a dos conflitos intrapsíquicos, pode e com frequência chega a exibir con-siderável utilidade, quer para os meios não adjudicatórios, quer para a arbitragem e a própria jurisdição. Mas não é menos certo que tais fenômenos humanos, do interesse principal da psicologia ou de outras áreas do conhecimen-to, conquanto tangencialmente auxiliares, não dão conta da agenda específica da divergência moral. Menos ainda da divergência moral intersubjetiva cujos atores transcen-dam os contornos pessoais do indivíduo: tenho presente conflitos cujos sujeitos sejam empresas, sindicatos, gru-pos de trabalhadores não sindicalizados, articulação de acionistas, coletivos de ativismo político, ambiental e de costumes etc.

3. CONCEITO DE CONFLITO INTERSUBJETIVO DE JUSTIÇA

Aproximemo-nos um tanto mais dos predicados dessa espécie de conflito que comporta mediação ou conciliação.

Chamemos a essa espécie, à falta de melhor expressão: conflito intersubjetivo de justiça.

Nos conflitos intersubjetivos de justiça, assim como nas disputas, estão presentes: 1) dois ou mais sujeitos, 2) duas ou mais possibilidades de decisão alocativa – ou seja: um problema alocativo; 3) dois ou mais comportamen-tos orientados em sentido contraposto. Em quarto lugar, diversamente do que ocorre nas disputas, nos conflitos intersubjetivos de justiça contrastam-se necessariamente duas ou mais apropriações morais sobre a mais justa hi-pótese de decisão alocativa.

Desse modo, se todo conflito de justiça tende a se ex-pressar sob a forma de disputa, nem toda disputa tem sub-jacente um descompasso entre os sujeitos, no tocante ao tema da justa decisão alocativa.

Eis uma compreensão indispensável na formação de mediadores e conciliadores.

Como é próprio das relações interempresariais, a com-petição ou a disputa de mercado estará presente, sendo que eventual equilíbrio entre concorrentes, se e quando possível, será aquele alcançado por uma equação de po-der, fortuna ou habilidade. Em outros termos, a disputa, nesse caso, revela apenas contraposição de interesse, sem que essa contraposição seja orientada por valores de jus-tiça distintos. É por isso que se afirma que decisões de mercado são medidas de poder, não de justiça.

Page 13: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

13Notas Introdutórias Contribuição da Ciência Política para um Conceito Operativo de Conflito e uma Pragmática Responsável da Mediação

Um “conflito” concorrencial de mercado, entre duas ou mais empresas, pode ser objeto de um civilizado, leal e não violento exercício de negociação, facilitada por ter-ceiro ou não. Jamais de mediação ou de conciliação. Note--se que essa “briga” ou “conflito” entre eles é saudável ao mercado e interessa à sociedade na direção do interesse do consumidor. A negociação incide na concorrência, não contra ela. Exatamente por isso o direito econômico coí-be certas “mediações” ou “conciliações” entre correntes, atribuindo-lhes caráter ilícito e uma qualificação nada li-sonjeira: cartel!

_____________

Nas disputas em geral, e nos conflitos de justiça em especial, os sujeitos encontram-se diante do que se con-vencionou chamar de problema alocativo.

O que vem a ser um problema alocativo?

Problema alocativo é o que emerge do ônus de decidir a quem e o quanto destinar: um bem, material ou ima-terial, que se supõe escasso, ou um encargo, material ou imaterial, que se reputa inevitável (FREITAS JR., 1994).

Aproximemo-nos um pouco mais da ideia de proble-ma alocativo.

Como dito, duas são as circunstâncias em que emerge o que chamamos aqui de problema alocativo: 1) na hi-pótese de suposta escassez de bens de qualquer natureza (materiais ou imateriais), ou 2) na de suposta inevitabi-lidade da imposição de um encargo (ônus, perda, exclu-são), também aqui de qualquer natureza.

A escassez de bens pode ocorrer numa circunstância de escassez material de bens necessários a todos os in-tegrantes de um dado grupo ou comunidade, como, por exemplo, uma situação de desabastecimento alimentar decorrente de um evento natural e incontornável de gra-ves proporções; do que resulta uma situação inevitável de fome a ser suportada por seus membros. Nesse caso, de escassez material ou objetiva, o problema alocativo reside na dificuldade (e daí o problema) de se estabelecerem cri-térios universalmente concertados entre os seus destina-tários, uma vez que em situações ordinárias ninguém pre-ferirá a fome ao alimento. Nesse cenário, a escolha que a situação objetiva impõe implica eleger não somente aque-les a quem os alimentos serão destinados, mas sobretudo aqueles a quem não serão destinados. No limite, escolhas revestidas por esse grau de tragicidade poderão implicar decisões entre a vida e a morte.

Ainda nas circunstâncias de escassez material, para a construção de parâmetros destinados à solução dos con-flitos, é relevante ter presente a medida que a escassez foi deliberada ou conscientemente produzida, ou mesmo de-liberadamente não evitada (CALABRESI e BOBITT, 1978, p. 17-28). Daí a importância de distinguir os dilemas que

incidem sobre deliberações de primeira ordem (que dizem respeito ao quanto e ao quê produzir, dentro de um qua-dro previsível de limitações naturais) daqueles presentes nas decisões de segunda ordem (referentes ao quanto e a quem será destinado o que foi produzido).

Mais frequentes parecem ser os problemas alocativos decorrentes da escassez presumida de bens, vale dizer, os casos em que escassez é construída pela percepção subjetiva dos atores, antes que por um dado material da realidade.

Essa distinção, conquanto possivelmente útil sob o ân-gulo teórico e avaliativo, na maioria das situações de con-flito acaba por exibir, em geral, importância secundária.

Isso porque os sujeitos tendem a se comportar con-forme cálculos, cenários, prospecções e receios balizados pela “escassez” aferida segundo suas respectivas percep-ções; pouco importando, nesse particular, a acuidade das medidas. Desse modo, retornando ao exemplo do desa-bastecimento de alimentos: nada está a indicar que as difi-culdades alocativas do problema seriam substancialmente diversas se a escassez fosse apenas fruto de uma percepção equivocada dos sujeitos, e não um dado de realidade. A intensidade e a tragicidade do conflito seriam iguais ou muito semelhantes.

O quadro de realidade em que se situam e se movem os sujeitos é aquele que percebem como sendo verdadeiro.

Sob o ângulo lógico, a alocação positiva de um bem escasso é o equivalente matemático da alocação negati-va de um encargo. Assim, por exemplo, o problema alo-cativo consistente na identificação de critérios de justiça mediante os quais se seleciona um receptor de órgão ou um calouro no ensino universitário é logicamente equiva-lente àquele presente na alocação de carga tributária, de dispensa no emprego, de overbooking no embarque a uma aeronave.

De modo simétrico, por um ângulo reverso, a cada destinação positiva de um bem escasso corresponderá uma privação, assim como a cada encargo imposto corres-ponderá um efeito exoneratório.

_____________

Por fim, um problema alocativo hipotético somente exibirá grandeza de conflito se, e na medida em que, os sujeitos nele envolvidos reproduzam comportamento de antagonismo.

Fora desse cenário, estaremos tão somente diante de uma situação de contradição abstrata e não propriamente de relação de conflito.

Importa notar que a maior ou menor consciência e intencionalidade, por parte dos sujeitos, acerca da contra-posição vetorial de seus comportamentos, não é essencial para a caracterização do conflito (embora seja de grande importância como fator a ser considerado na intervenção mediadora).

Page 14: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Mediação e Direitos Humanos: Temas Atuais e ControvertidosAntonio Rodrigues de Freitas Jr..14

Para a materialidade do conflito é imprescindível a ação vetorialmente contraposta dos sujeitos. Não a cons-ciência nem a intencionalidade da contraposição.

Também a situação reversa sustenta o conceito. Ain-da que um sujeito aja, consciente e intencionalmente, vi-sando a colidir com sua contraparte, a ação somente pro-porcionará materialidade ao conflito se for correspondida nessa qualidade.

Eis um caso em que bem se ajusta o célebre provérbio “it takes too for tango” ou, como diriam nossos pais: “quan-do um não quer dois não brigam”.

Essa informação é relevante destacar na formação de mediadores e conciliadores. Na prática, a mediação é rele-vante em caso de conflito (envolvendo contraposição de conduta, atual ou iminente). Já a mera divergência abstra-ta, que não traduza comportamentos, não tem relevância para os objetivos práticos do nosso conceito: balizar uma política pública de justiça, judiciária ou não.

_____________

Já nos detivemos acima na importância do fator mo-ral para a caracterização das disputas como conflitos de justiça.

A essa altura cabe apenas acrescentar mais algumas afirmações relevantes.

quando se afirma a não coincidência, entre os sujei-tos, acerca da solução mais justa para um problema aloca-tivo, procura-se realçar que por trás da pretensão e da ação residem aspectos morais que estão a merecer tratamento.

E por aspectos morais designam-se não apenas aqueles que sejam reconhecidos e validados pelo sistema jurídico, como também aqueles que porventura o transgridam.

Moralidade, nesse sentido, não é sinônimo de juridi-cidade nem de legalidade.

Essa distinção é particularmente relevante para a me-diação porque o resultado produzido pela mediação não passa pelo balizamento nem pelo aconselhamento de ter-ceiros. Nem, tampouco, pela tentativa de produzir uma decisão que melhor se acomode ao repertório de justiça validado pelo sistema jurídico.

É bem verdade que de mediações não poderão resultar decisões ilícitas; ainda que conformes com o repertório da moralidade de seus protagonistas. O controle da legalida-de – melhor seja talvez afirmar o controle sobre eventuais ilegalidades – será realizado após o término do processo, como condição necessária à validação da conduta dos su-jeitos. Não, porém, como pauta de valores a serem perse-guidos durante o curso do processo da mediação. Nisso reside, com certeza, uma das mais relevantes notas dife-renciais entre a mediação e a jurisdição.

4. UMA POLÍTICA SOBRE BASES CONCEITUAIS IMPRECISAS

Feitas as considerações anteriormente, já nos encon-tramos em condições de retornar ao problema da indigên-cia teórica do discurso oficial.

O já citado manual de mediação, produzido sob os auspícios do Ministério da Justiça, o que reputa “não re-levante” distinguir disputa de conflito, reproduz, talvez não por acaso, a maioria das imperfeições correntes na definição de conflito.

Entre suas imperfeições ou imprecisões, destacam-se as de 1) omitir o ingrediente comportamental na defini-ção de conflito, 2) reduzir atores ou sujeitos do conflito à dimensão pessoal, e 3) restringir os motivadores do con-flito a interesses ou objetivos individuais (desprezando a relevante dimensão coletiva dos conflitos, especialmente para uma sociedade de massas com relações intersubjeti-vas sensivelmente coletivizadas).

Abrindo o capítulo que reserva à “teoria do conflito”, figura a seguinte proposição:

“O conflito pode ser definido como um processo ou estado em que duas ou mais pessoas divergem em razão de metas, interesses ou objetivos individuais percebidos como mutuamente incompatíveis” (BRA-SIL, 2013, p. 39).

Ao gosto muito “prático” do manual: se fôssemos li-mitados a essa definição, só para dar um exemplo, não teríamos como capacitar conciliadores nem mediadores na Justiça do Trabalho, para atuar em dissídios coletivos de greve.

5. EM CONCLUSÃO

Sustenta-se aqui a absoluta relevância da precisão e da explicitação conceitual para a noção de conflito, como precondição para a adequada regência de competências e habilidades, na formação de mediadores, conciliadores e dos promotores de outros meios não adjudicatórios de administração de conflitos.

Desse modo, proporcionar material humano capaz de promover uma transformação cultural relevante sobre a mentalidade adversarial, com que tradicionalmente fomos formados para tratar o conflito.

A cultura da arena cedendo lugar à da alteridade. Do culto ao espetáculo da discórdia, sermos capazes de nos voltar para a construção de espaços institucionais orien-tados para o estímulo do diálogo e da tolerância com o dissenso e com a diversidade.

Desconfia-se de que para isso seja perigoso o baliza-mento vertical dos conteúdos formativos, mediante a pro-

Page 15: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

15Notas Introdutórias Contribuição da Ciência Política para um Conceito Operativo de Conflito e uma Pragmática Responsável da Mediação

dução de material didático sob o patrocínio e com a chan-cela de autoridade federal. Também aqui cabe lembrar que existem, felizmente, muitas “mediações” e inúmeras pos-sibilidades de conciliação. Tendo optado pela produção direta e unificada desse material, o mínimo que se espera do Governo é que se ocupe de oferecer material capaz de resistir a um singelo exame de suficiência.

Diversamente do discurso oficial, propõe-se aqui con-ceituar conflito como situação que envolva 1) dois ou mais sujeitos em que estejam presentes, simultaneamen-te; 2) no plano objetivo, um problema alocativo incidente sobre bens tidos por escassos ou encargos tidos por inevi-táveis, sejam tais bens e encargos de natureza material ou imaterial; 3) no plano comportamental, a contraposição no vetor de conduta; 4) no plano moral, sejam tais sujeitos portadores de percepções não convergentes, sobre como tratar o problema alocativo, sob o ângulo moral.

Estas são as proposições teóricas estruturantes da li-nha de pesquisa e de reflexão acadêmica em que se pro-duziram as contribuições que se sucedem no decorrer deste livro, cada uma seguindo convicções próprias, mas debatendo com referência em explicitações conceituais e terminológicas bem definidas.

Tal exercício, como acreditamos, permite organizar os pontos de concordância, bem como identificar aqueles sobre os quais a divergência, porventura existente, seja capaz de resultar fecunda.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Justiça. Conselho Nacional de Justiça.

Manual de Mediação. André Gomma Azevedo (Org.) Brasí-

lia: Ministério da Justiça, 2013.

CALABRESI, Gido. BOBBITT, Philip. Tragic Choices: the con-

flicts society confronts in the allocation of tragically scarce

resources. New York – London: W.W.Norton & Company,

1978.

FREITAS JR., Antonio Rodrigues de. Legal Norms, Local Norms

and Bargaining Procedures in Layoff: the case of Brazil. In:

ELSTER, Jon; ENGESLTAD, Fredrik (Org.) et alii. Layoffs

and local Justice. Oslo: Institutt for samfunnsforskning.

______ Conflitos de Justiça e limites da Mediação para a difusão

da Cultura da Paz. In: SALLES, Carlos Alberto de. (Coord.).

VV.AA. As Grandes Transformações do Processo Civil Brasilei-

ro. Homenagem ao Professor Kazuo Watanabe. São Paulo:

quartier Latin, 2009-A.

______ Mediação em Relações de Trabalho no Brasil. SOUZA,

Luciane Moessa de. e outros. Mediação de Conflitos, novo

paradigma de acesso à justiça. CASELLA, Paulo Borba;

SOUZA, Luciane Moessa (Orgs.). Belo Horizonte: Fórum,

2009.

______ Conflitos Intersubjetivos e apropriações sobre o justo.

In: SILVA, Luciana Aboim M.G. (Org.) e outros. Mediação

de Conflitos. São Paulo: Atlas, 2013.

Page 16: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos
Page 17: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

seção iTeoria Geral do Conflito, Mediação e

Alternativas à Solução Adjudicatória

Page 18: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos
Page 19: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

direitoS HumanoS, reConHeCimento do SuJeito de direitoS e mediação de

ConflitoS individuaiS e ColetivoS

adolfo braga neto(1)

1. Liberdade dos antigos e dos Modernos, decLaração dos direitos do HoMeM, direitos HuManos FundaMentais, autonoMia, audeterMinação e dignidade HuMana

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, da Revolução Francesa, impulsionou inúmeros con-ceitos da contemporaneidade, dentre eles, destaca-se o da liberdade no art. 4º, que diz a “liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exer-cício dos direitos naturais de cada homem não tem por li-mites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei” (FRANÇA, 1789).

Defende Tercio Sampaio Ferraz Junior(2), “a liberdade é, sem dúvida, um dos termos mais controvertidos e mais decisivos na experiência jurídica”. E, como o mesmo

autor complementa, “para alguns, ela precede o direito e explica a sua possibilidade. Para outros ela resulta do direito e só tem sentido a partir dele”. Já Benjamin Cons-tant em seu texto Da liberdade dos antigos comparada a dos modernos(3) identifica diferenças marcantes entre am-bas, chamando-as de formas distintas de liberdades. Ele o fez por duas razões. Primeiro pelo fato de criticar alguns autores, em especial Rousseau e seus sucessores, por le-varem a França, durante séculos, a ver-se atormentada por experiências inúteis sendo forçada a usufruir o que não desejava e negar os que ela tanto desejava. E o se-gundo motivo foi apontar elementos em que a liberdade da antiguidade jamais contou com os mesmos elementos existentes na liberdade dos cidadãos das nações livres da época moderna.

Todos os apontamentos apresentados pelos autores acima citados, acerca da dicotomia entre a liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos, trazem elementos

(1) Advogado, Mediador e Árbitro em São Paulo. Autor de diversas obras sobre mediação.

(2) FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 95.

(3) CONSTANT, Benjamin. Da liberdade dos antigos comparada à liberdade dos modernos (1819). Disponível em: <http://www.fafich.ufmg.br/luarnaut/Constant_liberdade.pdf>. Acesso em: 22 maio 2012.

Page 20: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Mediação e Direitos Humanos: Temas Atuais e ControvertidosAdolfo Braga Neto20

comuns a respeito da essência do ser humano e ao mes-mo tempo demonstram que ambos refletem a realidade vivenciada por ele em momentos distintos. Num primeiro aspecto ressalta-se a realidade do indivíduo submetido à vontade do Estado, o que definia sua condição ou não de liberdade. E o segundo conclama um valor no sentido de que a privação da liberdade só seria possível se acometesse algum ato de seu livre-arbítrio contra a sociedade ou as pessoas que integram.

Conforme apontado por Benjamin Constant, a liber-dade consolidada com a Modernidade é a liberdade pro-priamente individual. Diante disso, no que concerne à intrínseca relação entre a liberdade e o direito, importa observar que a noção de liberdade moderna é essencial para a construção das noções de direito subjetivo e su-jeito de direitos. Cabe enfatizar também que a liberdade individual, tal como é pensada hoje, que pode ser opos-ta, inclusive, contra o Estado, não existia na Antiguida-de. Como já apontado, a liberdade era atributo da cidade ou do Estado, como ente livre do qual poderia o cidadão participar. A liberdade no mundo antigo era um pertenci-mento ao coletivo, e era exclusivamente por meio desse pertencimento que a prerrogativa da liberdade poderia ser atribuída ao homem. É a partir da concepção moderna e individual de liberdade que passa a ser possível e necessá-ria a ideia de direitos subjetivos. Nesse sentido, como bem identifica Ricoeur(4), “a capacidade de um agente humano para se designar pessoalmente como autor de seus atos tem um significado considerável para a atribuição ulte-rior de direitos e deveres”. Cabe ressaltar que não seria prudente afirmar que a ideia de direito subjetivo surgiu apenas a partir da modernidade. Contudo, foi a partir daí, por circunstâncias já mencionadas, que eles passaram a ser garantidos.

Com isso, a realização de que o ser humano é indi-víduo livre, na acepção moderna, naturalmente detentor de direitos subjetivos, é também a emersão da ideia de homem como sujeito de direitos. A conexão entre a liber-dade como autonomia e o conceito de sujeito de direitos fica mais clara com a afirmação(5) a seguir: “O conceito fundamental do direito é a liberdade... o conceito abstrato de liberdade é: possibilidade de se determinar para algo... O homem é sujeito do direito, posto que aquela possi-bilidade de se determinar a ele se atribui, já que ele tem uma vontade” (PUCHTA apud FERRAZ JUNIOR, 2009,

p. 154). Por isso, ao falar de liberdade nos tempos atuais associa-se à autonomia individual, e por sua vez, à auto-nomia da vontade e autodeterminação.

Alain Supiot(6) destaca mais uma questão relevante da relação entre a liberdade dos modernos e a condição humana de sujeito de direitos. Isso porque o contexto da liberdade moderna é também o ambiente de florescimento do iluminismo e do racionalismo, ou seja, do homem livre e dotado de razão e, por isso, submetido às leis percebidas racionalmente, que lhe possibilitava a detenção de direitos e deveres. Em suas palavras: “O sujeito de direito é um sujeito soberano, ou seja, um ser que nasce “livre e dota-do de razão”, que pode, portanto, governar a si mesmo e submeter a si o mundo dos objetos. Ele é a causa de efeitos pelos quais deve responder, e não o efeito de uma causa situada fora dele. Mas ele só atinge essa liberdade na medi-da em que permanece um sujeito no sentido etimológico e primeiro da palavra, ou seja, um ser submetido ao respeito das leis (sub-jectum: lançado embaixo), trate-se das leis da Cidade ou das leis da ciência”.

Em suma, o estabelecimento da ideia de liberdade dos modernos foi o que possibilitou a constatação do homem como sujeito de direito e, com isso, o surgimento dos di-reitos subjetivos. A noção do homem como sujeito de di-reitos, contextualizada na liberdade negativa dos moder-nos, permitiu a assunção de direitos e deveres, norteando as relações jurídicas, quer sejam públicas, quer sejam pri-vadas, no Ocidente por um longo período de tempo. Nes-se contexto, pode-se dizer que, vivenciando tal liberdade, parte da população mundial conheceu e exerceu direitos fundamentais, em conformidade com o prescrito na De-claração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

Com o fim da II Guerra Mundial, em resposta ime-diata à situação de terror que havia se instalado, viu-se a concretização de diversas medidas para a proteção dos direitos humanos como direitos inalienáveis, tendo aten-ção especial à questão da cidadania e da nacionalidade, traduzida no artigo XV da referida Declaração: “1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do di-reito de mudar de nacionalidade.” (ONU, 1948).

Desta forma, cabe afirmar que o homem atual quer vivenciar concretamente os direitos humanos historica-mente construídos e quer existir em um contexto em que efetivamente está presente a liberdade de viver. Ou seja, na atualidade, o homem quer viver num mundo em que

(4) RICOEUR, Paul. O justo: a justiça como regra moral e como instituição. v. 1. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.

(5) FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito: reflexões sobre o poder, a liberdade, a justiça e o direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

(6) SUPIOT, Alain. Homo juridicus: ensaio sobre a função antropológica do Direito. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. p. 25.

Page 21: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

21Seção I - Teoria Geral do Conflito, Mediação e Alternativas à Solução Adjudicatória Direitos Humanos, Reconhecimento do Sujeito de Direitos e Mediação de Conflitos Individuais e Coletivos

a liberdade abraça a paz. Por isso, a utilização cada vez maior de métodos de solução de conflitos que privile-giam o diálogo.

Jean-Paul Sartre, na era contemporânea, enfatiza que a liberdade é a condição ontológica do ser humano. Pre-ceitua que “o homem é antes de tudo livre. O homem é livre mesmo de uma essência particular, como não o são os objetos do mundo, as coisas. Livre a um ponto tal que pode ser considerado a brecha por onde o nada encontra seu espaço na ontologia. O homem é nada antes de defi-nir-se como algo, e é absolutamente livre para definir-se, engajar-se, encerrar-se, esgotar a si mesmo.”(7). Para Sar-tre, a liberdade é basicamente o poder de optar (1997, p. 594). É uma opção concretizada pelo homem que reflete necessariamente os seus projetos no mundo. O princípio primeiro da existência concreta dos indivíduos tem que se situar numa opção profunda pela qual eles se escolhem absolutamente. A liberdade é a escolha livre e com cons-ciência do bem que o indivíduo faz de si próprio e do mundo. Para tal escolha tem que se saber das várias op-ções e significados que o cercam.

Nota-se, portanto, que, nos momentos atuais da con-temporaneidade, a liberdade como direito fundamental promove o que Rousseau equiparava à autonomia, defi-nindo-a como a capacidade do ser humano de ser o criador de suas próprias leis, de se autorregular, não estando sub-misso a ninguém mais do que a si mesmo (ROUSSEAU, 1762). Autonomia esta, como salienta Supiot, que o “ho-mem tem acesso a uma liberdade vertiginosa: a de recons-truir o mundo à sua imagem, de arrancar-se do peso das coisas conferindo-lhes um sentido” (2007, p. 31). E para ele ter seu lugar no mundo, ele deve passar pelo aprendi-zado dos limites que lhe restringem a subjetividade. Tais limites são aqueles que acabam por interferir nos limites de outros homens. E, como tal, geram conflitos, conflitos estes interpessoais, cuja administração tem levado a mais conflitos e impasses entre as pessoas. Tal fato leva a um dos grandes paradigmas da modernidade: a necessidade de o Estado intervir para dirimir o conflito.

A respeito deste paradigma da modernidade, cabe en-fatizar que, quando o conflito é judicializado, as pessoas envolvidas passam a ser partes e, como tal, sujeitos de di-reito a serem julgados pelo Estado. Com isso, perdem o reconhecimento do outro, submetem seus direitos subje-tivos ao Estado e terceirizam o conflito de tal maneira que a elas é impedida a possibilidade de interferir no processo

judicial. Desta forma, perdem a liberdade de geri-lo, já que transferiram a responsabilidade para o Estado e seus re-presentantes legais.

Por isso, conflito é tema que merece ser incluído no presente artigo, pelo fato de hoje coexistirem métodos pacíficos de resolvê-lo, nos quais a liberdade de escolha é um dos principais sustentáculos para seu emprego. Na realidade, conflito faz parte de qualquer tipo de relação interpessoal e, como tal, vem sendo objeto de estudos de diversas áreas desde a psicologia, a sociologia e o direito, dentre outras. Muitos são os conceitos relativos ao confli-to, todos apresentam enfoques distintos originários de de-terminados saberes e valores. Para efeitos mais simplistas, pode-se defini-lo como um conjunto de propósitos, méto-dos ou condutas divergentes, que acabam por apresentar um choque de posições antagônicas das quais um deseja impor sua vontade ao outro (SAMPAIO; BRAGA NETO, 2007, p. 29). Ou, como pontua Freitas(8), que são confli-tos intersubjetivos de justiça, que como propõe são “as situações em que estejam presentes, simultaneamente, 1. no plano objetivo, um problema alocativo incidente sobre bens tidos por escassos ou encargos tidos por inevitáveis, sejam tais bens e encargos de natureza material ou imate-rial; 2. no plano comportamental: consciente ou incons-ciente, intencional ou não, a contraposição no vetor de conduta entre dois ou mais sujeitos e; 3. no plano moral: percepções não convergentes, sobre como tratar o proble-ma alocativo, sob o ângulo dos valores de justiça”. Neles o elemento da imposição é uma das maiores dificuldades para o homem na resolução de seus conflitos, pelo fato de envolver o cerceamento da liberdade da vontade de uma pessoa em detrimento da de outra. Na verdade, o confli-to faz parte das inter-relações pessoais, mas a imposição de vontade não. Por isso a necessidade atual de outros métodos que promovam a administração dos conflitos de maneira mais pacífica.

Na era da globalização, as mudanças na ordem so-cial, política, econômica e cultural têm demonstrado ser cada vez mais radicais, profundas e impactantes(9). As ideo-logias, imaginários, ilusórios, preconceitos e paradigmas sociais existentes são substituídos por outros de uma ma-neira tão rápida que as pessoas muitas vezes se surpreen-dem com o dinamismo. Esta situação acaba por promover mudanças permanentes na forma de sociabilidade entre os indivíduos pertencentes à população de uma cidade, re-gião, comunidade ou sociedade. Resulta em um convívio diversificado oferecido pelas múltiplas inter-relações entre

(7) Sartre, Jean Paul. O ser e o nada. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. p. 593.

(8) FREITAS JÚNIOR, Antonio Rodrigues de. Conflitos Intersubjetivos e Apropiações sobre o Justo. Editora....

(9) BRAGA NETO, Adolfo. Mediação de Conflitos: conceito e técnicas. In: Negociação, Mediação e Arbitragem – Curso básico para programas de graduação em Direito. SALLES, Carlos Alberto de; LORENCINI, Marco Antonio Garcia Lopes; ALVES DA SILVA, Paulo Eduardo. (Coord.). São Paulo. Editora Gen, 2013.

Page 22: Mediação E Direitos Humanos: Temas Atuais E Controvertidos

Mediação e Direitos Humanos: Temas Atuais e ControvertidosAdolfo Braga Neto22

os indivíduos e acaba por se constituir em uma fonte ines-gotável de conflitos que exigem respostas imediatas para que a convivência seja baseada no respeito, reconhecimen-to mútuo de diferenças e harmonia, bem como reconheci-mento do sujeito de direitos. E a mediação de conflitos é uma das repostas talvez das mais adequadas para auxiliar as pessoas a resolverem seus próprios conflitos.

2. Mediação de conFLitos

Diversos autores afirmam que as origens da Mediação de Conflitos remontam a tempos antigos. Confúcio, em sua época, em 700 A.C., já pregava que a melhor forma de resolução de questões conflituosas entre as pessoas era pela utilização da mediação. É sabido que o confucionis-mo sustentava que a ordem social ideal se fundamentava na observância de regras morais entre os homens e que os conflitos deveriam ser resolvidos fora dos Tribunais, por um processo em que o compromisso é a palavra-chave. Ao mesmo tempo defendia que a harmonia entre as pessoas só seria alcançada quando houvesse respeito às individua-lidades, que é um dos principais sustentáculos da media-ção de conflitos.

Convém ressaltar que a partir da década de setenta no século passado, experiências empíricas passaram a ser observadas e estudadas pela Escola de Direito da Universi-dade de Harvard, no âmbito de seu Projeto de Negociação. Foi dado início, com isso, ao processo histórico de tornar a mediação de conflitos uma teoria, com a estruturação de mecanismos e técnicas de comunicação para sua ins-titucionalização como método de resolução de conflitos voltado para os tempos atuais. O objetivo à época foi o de atender à realidade pós-moderna, oferecendo uma rou-pagem teórica calcada na prática dos dias atuais. Nasceu, assim, o primeiro modelo de mediação, um dos mais co-nhecidos no mundo.

O primeiro modelo de mediação de conflitos, citado no parágrafo anterior, se baseia na negociação coopera-tiva, que busca a descoberta dos interesses, necessidades e valores, ou seja, nas motivações que levam as pessoas a adotarem posições fechadas e antagônicas, que dificul-tam a resolução de seus conflitos(10). Este primeiro mode-lo foi seguido por outros não menos conhecidos como o Circular Narrativo, cujo enfoque na comunicação é um elemento fundamental para produzir mudanças e com isso o alcance de soluções para o conflito. E outro muito conhecido também, chamado transformativo, que repou-sa na premissa de que o conflito não se resolve, e sim se

transforma a partir da transformação da interação exis-tente entre as pessoas a partir da existência do conflito. Outros modelos tão importantes quanto os mencionados anteriormente foram e estão sendo criados, demonstrando como o método tem evoluído e demanda constante estudo e pesquisa.

Na esteira da criação do primeiro modelo deque se tem notícia de mediação de conflitos, a partir da teorização da experiência empírica bem sucedida nas negociações, iniciou-se o movimento mundial pela implementação da mediação em diversos contextos e em vários países in-distintamente nos cinco continentes. Desnecessário seria afirmar que tal movimento não é somente vocacionado no auxílio às pessoas envolvidas em conflitos a possuí-rem uma alternativa ao modelo tradicional de resolução, mas sobretudo uma opção pela escolha do método mais adequado para tanto. Não deixa também, evidentemen-te, de constituir-se em fruto de uma tendência liberal em escala mundial, marca observável nos anos setenta, com a retirada cada vez maior do Estado nos assuntos afetos aos interesses dos particulares. Ao mesmo tempo resul-tou também do reconhecimento da plenitude do cidadão como objeto de deveres e direitos, que por si só poderá melhor administrar, transformar ou resolver seus próprios conflitos. Em outras palavras, no bojo da evolução do re-conhecimento da dignidade humana, como valor essen-cial do Direito e em especial dos Direitos Humanos, aflora um instrumento voltado para ser humano em que a sua essência é o ponto central a partir de sua autonomia e autodeterminação.

Não se pode deixar tão pouco de mencionar que o instituto decorre da constatação de que fórmulas até então tradicionais e formais de resolução de conflitos não mais satisfazem o cidadão, que cada vez mais se envolve em conflitos de distintas naturezas e formas, diante da com-plexidade das inúmeras interações existentes nos tempos pós-modernos, e necessita de soluções ágeis, eficientes e mais adequadas para seus conflitos. Além disso, a media-ção de conflitos se enquadra, ainda, no momento atual identificado por Mauro Capelletti(11) como a terceira onda do direito sob os auspícios do acesso material à justiça. Além disso cabe lembrar, vem ao encontro das 3 (três) tensões apontadas por Boaventura Souza Santos(12) em tempos pós-modernos: a) regulação e emancipação social; b) Estado e sociedade civil e, Estado, nação e globalização.

É bom lembrar que a mediação de conflitos se apoia numa postura ética inatacável do profissional coordena-dor do processo, o mediador, para com os envolvidos em

(10) ZAPPAROLLI, Celia Regina; KRÄHENBUHL, Monica Coelho. Prevenção, Gestão de Crises nos Sistemas e suas Ténicas. São Paulo: LTr, 2012.

(11) CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça Sergio Antonio Fabris Editor – Porto Alegre 1998.

(12) SOUZA SANTOS, Boaventura de. Uma Concepção Multicultural de Direitos Humanos. Lisboa: Editora Lua Nova, 1998.