Medeiros, Pedro h. c. de - Resenha - Machiavelli, Niccolò - o Príncipe

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1 MACCHIAVELLI, Niccolò (1469-1527). O príncipe: comentários de Napoleão Bonaparte e Cristina da Suécia. São Paulo: Jardim dos Livros, 2007. Nicolau Maquiavel ao magnífico Lourenço de Médici Maquiavel diz que o volume surgiu depois de ter estudado as “ações dos grandes homens” (p. 27) da História. Para Maquiavel, “para bem conhecermos a índole dos povos é mister sermos príncipes, e para conhecermos bem a dos príncipes precisamos ser do povo” (p. 28). I. De quantas espécies são os principados e de que modo se adquirem Para Maquiavel todos os domínios que se manifestaram na História, ou foram repúblicas, ou foram principados. II. Os principados hereditários Para Maquiavel, os principados hereditários são muito mais fáceis de se manterem do que os novos, pois para os principados antigos basta manter a “ordem estabelecida por seus antepassados, e em seguida contemporizar com os acontecimentos” (p. 33). III. Os principados mistos Para Maquiavel, após reconquista de povos que se insurgiram, muito dificilmente perde-se novamente. Maquiavel aponta dois tipos de estados que se adquirem: os de mesma língua, e aqueles que não o são. No primeiro caso, é mais fácil para o príncipe se manter depois de conquistá-lo, basta eliminar a linhagem do príncipe que os dominava, principalmente se estavam acostumados à liberdade, e deve manter as antigas condições dos habitantes. O mesmo vale para povos que apesar de não terem a mesma língua, tinham costumes parecidos. Em suma, fazer desaparecer a estirpe do antigo príncipe e não alterar nem as leis nem os impostos do povo. As dificuldades surgem quando se adquire povos com língua, costumes e instituições diferentes das do reino do príncipe conquistador. Para mantê-los é “necessário ter fortuna propícia e grande indústria para conservá-los” (p. 40). Uma solução é o príncipe ir residir nesses domínios, pois assim, sabe-se das

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    MACCHIAVELLI, Niccol (1469-1527). O prncipe: comentrios de Napoleo

    Bonaparte e Cristina da Sucia. So Paulo: Jardim dos Livros, 2007.

    Nicolau Maquiavel ao magnfico Loureno de Mdici

    Maquiavel diz que o volume surgiu depois de ter estudado as aes dos

    grandes homens (p. 27) da Histria. Para Maquiavel, para bem conhecermos

    a ndole dos povos mister sermos prncipes, e para conhecermos bem a dos

    prncipes precisamos ser do povo (p. 28).

    I. De quantas espcies so os principados e de que modo se adquirem

    Para Maquiavel todos os domnios que se manifestaram na Histria, ou

    foram repblicas, ou foram principados.

    II. Os principados hereditrios

    Para Maquiavel, os principados hereditrios so muito mais fceis de se

    manterem do que os novos, pois para os principados antigos basta manter a

    ordem estabelecida por seus antepassados, e em seguida contemporizar com

    os acontecimentos (p. 33).

    III. Os principados mistos

    Para Maquiavel, aps reconquista de povos que se insurgiram, muito

    dificilmente perde-se novamente.

    Maquiavel aponta dois tipos de estados que se adquirem: os de mesma

    lngua, e aqueles que no o so. No primeiro caso, mais fcil para o prncipe

    se manter depois de conquist-lo, basta eliminar a linhagem do prncipe que os

    dominava, principalmente se estavam acostumados liberdade, e deve manter

    as antigas condies dos habitantes. O mesmo vale para povos que apesar de

    no terem a mesma lngua, tinham costumes parecidos. Em suma, fazer

    desaparecer a estirpe do antigo prncipe e no alterar nem as leis nem os

    impostos do povo.

    As dificuldades surgem quando se adquire povos com lngua, costumes

    e instituies diferentes das do reino do prncipe conquistador. Para mant-los

    necessrio ter fortuna propcia e grande indstria para conserv-los (p. 40).

    Uma soluo o prncipe ir residir nesses domnios, pois assim, sabe-se das

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    desordens antes delas tomarem vulto, alm de ela no se tornar lugar da

    cobia de funcionrios governamentais, tambm, os sditos sabem que podem

    recorrer ao prncipe que lhes est prximo, e tm maior motivo para am-lo

    (p. 41), alm de qualquer pas estrangeiro respeit-lo mais.

    Outra soluo seria colonizar algumas regies que sejam como chaves

    do novo estado (p. 41). Se no for feito assim, gastaria mandando muito

    homens armados e infantaria. No lhe dar muitas despesas as colnias (p.

    41). So mais fiis, no custam muito mant-las, e aqueles que so

    prejudicados ficam reduzidos e dispersos (p. 42), sem condies de criarem

    embaraos.

    Note-se que os homens devem ser bem tratados ou ento aniquilados,

    pois se vingam das ofensas leves, mas no podem faz-lo das graves. Por

    conseguinte, a ofensa que se faz ao homem deve ser tal, que o impossibilite de

    se vingar. (p. 42).

    Manter exrcitos ao invs de colnias nos povos dominados, muito

    prejudicial, mais caro, e aumenta-se o nmero de prejudicados, dada a

    necessidade de alojarmos to grande cpia de homens darmas nas

    residncias de particulares (p. 43). O nmero de insatisfeitos que se tornam

    inimigos muito maior e mais perigoso, pois esto sendo atingidos dentro de

    sua prpria casa.

    O prncipe que domina um novo territrio de costumes, lngua e

    instituies diferentes das suas deve se tornar chefe e defensor dos vizinhos

    de menor tamanho e fora, por todo o seu afinco em enfraquecer os mais

    poderosos, e cuidar que, de modo nenhum, entre nela um estrangeiro to

    poderoso como ele (p. 43).

    Tomando como exemplo os romanos, Maquiavel diz que o prncipe deve

    no somente tomar em considerao os obstculos presentes, mas, tambm,

    prever os que podero surgir e se antecipar a eles. Pois, quando (e isto s

    concedido ao homem prudente) se consegue distinguir os males apenas

    comeam a surgir, fcil destru-los (...). Saibam que uma guerra no se evita,

    mas se for evitada s trar benefcio para o inimigo (p. 46). No se deve

    confiar no tempo.

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    Para Maquiavel, conquistar natural ao homem, e os que o fazem so

    louvados, mas quando no podem e querem conquistar, a esto errados.

    IV. Por que motivo o reino de Dario, que for ocupado por Alexandre, no

    se rebelou contra os sucessores do macednio, aps a sua morte.

    Maquiavel aponta dois tipos de principados, os que um nico prncipe

    soberano absoluto, sendo todos os outros apenas servidores seus; e o que

    alm do prncipe, h vrios bares cujos ttulos nobres derivam da sua

    ascendncia e no da graa do senhor, bares estes com estados e sditos

    prprios, que os reconhecem por amos e lhes dedicam natural afeio (p. 54).

    Para Maquiavel, o primeiro tipo muito difcil de ser conquistado e muito fcil

    de ser mantido; a dificuldade em se conquistar est no fato de que o prncipe

    conquistador no pode contar com a rebelio daqueles que esto sujeitos ao

    prncipe por motivos de gratido, mas se conquistar por suas prprias foras, a

    nica tarefa a ser empreendida eliminar a linhagem do monarca e a ningum

    contestar o novo domnio; como o dominador no podia contar com os

    servidores do antigo rei para conquista do novo territrio, agora tambm no

    precisaria tem-los.

    No segundo caso, o estrangeiro consegue a simpatia de alguns bares

    que estejam descontentes com o governante, so aqueles que desejam

    inovaes (p. 56). Eles abrem o caminho para o conquistador, mas depois lhe

    criam diversas dificuldades, e ento o conquistador perder o novo estado

    todas as vezes que se criar condies para isso.

    V. Como se devem governar as cidades ou principados que, antes de

    serem ocupados, se regiam por leis prprias.

    Trs opes so dadas para conservar tal territrio. ou destru-lo; ou ir

    nele morar; ou deix-lo viver com as suas leis, exigindo-lhe um tributo e

    estabelecendo nele um governo de poucas pessoas que o mantenham fiel ao

    conquistador (p. 59).

    Na verdade, no h maneira segura de possuir um estado seno

    arruinando-o. Quem se torna senhor de uma cidade habituada a viver livre, e

    no a destri, pode estar certo de que por ela ser destrudo. (p. 60). Pois

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    aqueles que esto acostumados a viver em liberdade e com suas antigas

    instituies, nunca as esquecem, e a lembrana delas sempre motivo de

    revolta. Ocorre o contrrio com povos j acostumados a viver sob um domnio

    de um prncipe.

    Em repblicas conquistadas, o melhor caminho arras-las ou ir nelas

    morar, pois estavam acostumadas com a liberdade.

    VI. Dos principados novos que se conquistaram com as prprias armas e

    valor [virt].

    Os novos prncipes devem procurar imitar os homens de grande vulto,

    mesmo que no os iguale. Como arqueiros precavidos, os quais, achando

    demasiado longe o ponto que querem atingir e conhecendo o alcance do seu

    arco, fazem pontaria para um lugar muito mais alto que o visado, no para a

    sua flecha ir a tamanha altura, mas para assim acertarem no verdadeiro alvo

    (p. 64).

    A dificuldade em manter um novo territrio, depende da virt do

    conquistador e da fortuna que se apresenta a ele.

    Maquiavel cita exemplos de conquistadores que se tornaram prncipes

    pela virt, como Moiss. Da fortuna, receberam apenas a oportunidade de

    demonstrarem a sua virt. Sem tal oportunidade o seu valor pessoal [virt] ter-

    se-ia apagado, e sem ele a oportunidade teria vindo inutilmente.

    Uma dificuldade apontada por Maquiavel para os novos prncipes a

    instituio de novas leis, porque o introdutor tem como inimigos todos aqueles

    a quem aproveitam as antigas e como frouxos defensores quantos viriam a

    lucrar com as novas (p. 66).

    VII. Dos principados novos que se conquistam com as armas e a fortuna

    de outrem.

    Maquiavel afirma que os que chegaram de cidados particulares a

    prncipes apenas pela fortuna, mantm-se com muita dificuldade. Refiro-me

    aos que obtiveram algum estado ou por dinheiro ou por graa de quem o

    concede. (p. 71).

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    Os estados rapidamente surgidos (...) no podem ter razes e as

    qualidades necessrias para a sua consolidao. Extingui-los- a primeira

    revolta (p. 72).

    Quem julga que nas grandes personagens os favores recentes

    desaparecem da memria as antigas injrias, engana-se (p. 85).

    VIII. Dos que chegaram ao principado por meio de crimes.

    Outra forma de se chegar ao poder sem contar com a fortuna ou a virt,

    est ascenso por crimes, ou no caso de repblica, o favor de outros

    concidados.

    Para Maquiavel, as crueldades bem empregadas, embora no diga que

    crueldade bem, seno mal, so s que algum pratica de uma s vez por

    necessidade de segurana, sem nelas depois insistir, mas antes

    transformando-as o mais [rpido] possvel em proveito para os sditos. Mal

    empregadas so as que, embora pouco numerosas no comeo, se multiplicam

    em vez de se extinguirem com o correr do tempo. (p. 94).

    Da se deduz que, ao deitar a mo a um estado, deve o conquistador

    refletir nas ofensas que precisa de fazer, e faz-las todas de uma vez (...).

    Quem por timidez ou maus conselhos procede de maneira diferente, parece

    estar sempre de espada em punho e nunca poder ter confiana nos seus

    sditos, j que estes, a seu turno, pela fora mesma das contnuas e sempre

    recentes injrias, igualmente nenhuma podero ter nele (...). As injrias devem,

    pois, fazer-se todas de uma s vez, para que, durando menos, ofendam menos

    e os benefcios aos poucos, para durarem mais. (p. 94-5).

    IX. Do principado civil.

    o principado feito por meio do apoio dos compatriotas. Para algum

    chegar a govern-lo no precisa de ter ou exclusivamente virtude [virt] ou

    exclusivamente fortuna, mas, antes, uma astcia afortunada. Ele pode chegar

    ao poder sendo ajudado pelo povo ou pelos aristocratas, uns porque no

    querem ser subjugados pelos grandes, outros porque querem dominar o povo.

    Quando uns e outros vem que suas vontades esto em risco comeam a

    elevar um dos seus pares para tomar o poder.

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    Quem chega condio de prncipe com o auxlio dos magnatas

    conserva-a com maiores dificuldades do que quem chega com o auxlio do

    povo (p. 98).

    Os aristocratas se sentem igual ao prncipe que elevaram e tm

    dificuldades em obedec-lo, ocorre o contrrio com aquele que ascendeu por

    meio do povo.

    No se podem satisfazer uns sem lesar os outros, portanto satisfaa o

    povo e lese os aristocratas, esses querem oprimir, aqueles no querem ser

    oprimidos. Um prncipe tambm no pode se sentir seguro com um povo hostil,

    pois so numerosos. Os grandes so poucos. O prncipe no pode se desfazer

    do povo, ao contrrio, pode se desfazer no momento que quiser dos grandes.

    Distinguindo os magnatas, Maquiavel afirma o seguinte: deles existem

    dois tipos, os que esto ligados ao prncipe, e os que no. Dos primeiros,

    existem os que no so vorazes, esses devem ser amados e honrados. Nos

    segundos existem os que assim procedem por covardia e desnimo, o prncipe

    deve servir-se deles, se so bons conselheiros principalmente; e existem os

    que se ligam ao prncipe por clculo e por ambio, pensando mais em si do

    que no prncipe, esses o prncipe deve encar-los como se fossem inimigos

    declarados.

    Tornar o povo amigo no difcil, pois eles s querem ser livres da

    opresso. Quem ascende pelos poderosos procure ganhar a simpatia do povo.

    Os homens, quando recebem o bem de quem julgavam receber o mal, mais

    agradecidos se mostram ao benfeitor (p. 101).

    Um prncipe avisado deve proceder de tal forma que os seus sditos

    tenham sempre necessidade do estado e dele. (p. 104).

    X. Como devem medir as foras de todos os principados.

    A questo levantada se em caso de agresso, um prncipe deve

    defender sozinho o seu estado ou se deve recorrer sempre ajuda alheia (p.

    105). No primeiro caso, deve faz-lo aquele que dispe de homens e dinheiro

    suficientes para organizar um exrcito. No segundo caso esto os que podem

    afrontar o inimigo, mas sendo forados, refugiam-se dentro dos muros.

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    Um prncipe com uma cidade fortificada e com boas relaes com seus

    sditos dificilmente ser atacado.

    XI. Dos principados eclesisticos.

    Sobre esses principados compete apenas ter virt para adquirir a posse,

    depois para mant-la no precisa nem disso e nem de fortuna. Devido s

    antigas instituies religiosas serem to slidas. Os chefes destes principados

    so os nicos que tm estados e no os defendem, que tm sditos e no os

    governam (...). Tais principados so, pois, os nicos seguros e felizes. (p.

    109).

    XII. Dos soldados mercenrios e das espcies de milcias.

    Um prncipe precisa de slidos alicerces, pois, se no, rura, e isto

    consiste, seja qual for o principado (novo, velho ou misto) em boas leis e nos

    bons exrcitos. Para Maquiavel, boas leis so intrnsecas a bons exrcitos.

    Existem trs tipos de exrcitos: os prprios, os mercenrios ou auxiliares

    e os mistos. As mercenrias e auxiliares so inteis e perigosas. Se algum

    toma por apoio as tropas mercenrias, nunca ter tranquilidade nem

    segurana, porque elas so desunidas, ambiciosas, sem disciplina, infiis,

    corajosas diante dos amigos, covardes diante dos inimigos e sem temor de

    Deus. (p.116). Pois, elas s esto com o amigo enquanto recebem um

    pagamento, mas no esto dispostas a dar a sua vida pelo prncipe.

    No caso de um principado, o prncipe deve exercer a funo de

    comandante do exrcito, no caso de uma repblica, um cidado deve exercer a

    funo de comandante e deve ser substitudo se no apresentar aptides

    militares.

    Um principado ou uma repblica deve ter exrcitos prprios.

    XIII. Das tropas auxiliares, mistas e prprias.

    So tropas que um prncipe pede para outro poderoso

    So excelentes tropas para os seus chefes, mas perigosas para quem

    as chama, se vitoriosas o prncipe fica a sua merc, se derrotadas, o prncipe

    tambm o .

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    Em suma, nas tropas mercenrias o mais perigoso a covardia, nas

    auxiliares o valor [virt]. (p. 127).

    A realidade que as armas alheias ou nos caem das mos ou pesam

    sobre os nossos ombros ou nos apertam. (p. 129).

    Exrcitos mistos, aqueles que em parte so prprios e em parte

    mercenrios so melhores do que somente mercenrios ou auxiliares, mas

    muito inferiores aos inteiramente prprios.

    Do exposto concluo que, sem possuir exrcitos prprios, nenhum

    principado est seguro e, ao contrrio, fica dependente de destino, por no ter

    quem o defenda na adversidade (...).

    As armas prprias so as formadas ou por sditos ou por servidores do

    prncipe. Todas as outras so mercenrias ou auxiliares. (p. 131).

    XIV. Dos deveres de um prncipe no tocante milcia.

    O prncipe deve se ocupar da arte da guerra que pode tanto conservar

    no poder prncipes de nascimento, como tambm elevar simples cidados em

    prncipes. Quem cuida mais dos prazeres da vida do que da arte da guerra

    perde seu poder.

    Um prncipe desarmado levado ao desprezo.

    Deve se ocupar das artes da guerra, principalmente em tempos de paz.

    E para isso, pode fazer-se de duas maneiras, ou pela ao, ou pelo estudo.

    Pelas aes treinando o exrcito por meio de caas, para conhecer a

    geografia do reino, pois assim, tem como planejar melhor a defesa do reino,

    conhecendo-o. Alm de ajudar no conhecimento de outras regies, o

    conhecimento dos lugares de uma regio facilita o conhecimento dos de outra

    (p. 135).

    No que tange ao estudo, o prncipe tem que conhecer a Histria,

    investigando os motivos das derrotas e vitrias dos grandes homens.

    XV. Das coisas pelas quais os homens, e, mormente os prncipes, so

    louvados ou censurados.

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    Na verdade, quem num mundo cheio de perversos pretende seguir em

    tudo os princpios da bondade, caminha para a prpria perdio. Da se conclui

    que o prncipe desejoso de manter-se no poder tem de aprender os meios de

    no ser bom e a fazer uso ou no deles, conforme as necessidades. (p. 140).

    O prncipe no deve recear de incorrer em infmia se para isso for

    necessria a salvao do Estado.

    XVI. Da prodigalidade e da parcimnia.

    Quem pretende ter a fama de liberal incorre no risco de entrar em runa,

    pois necessita aparentar suntuosidade, consome todas as rendas e

    sobrecarrega o povo de impostos. Assim, torna-se odioso aos olhos dos

    sditos e ficando pobre perde a estima de todos. E entrando em misria quiser

    voltar atrs, ter fama de miservel. Um prncipe deve dar pouca importncia

    fama de miservel. Aos poucos ser conhecido por sua parcimnia em no tirar

    nada do povo. Desta maneira parecer de fato liberal aos olhos de todos

    aqueles de quem nada tira, que so numerosssimos, enquanto apenas

    aqueles a quem no d, que so poucos, lhe atribuiro a qualidade de

    miservel. (p. 144).

    A avareza um dos defeitos que o fazem reinar. (p. 145).

    Ou j somos prncipes ou estamos a caminho de o ser. No primeiro

    caso, tal liberalidade nociva; no segundo, todavia, convm-nos sermos

    tomados por liberais. (p. 146).

    O prncipe que lida com guerras e comanda exrcitos e que tem contato

    com despojos, deve ser liberal com o dinheiro alheio, pois, seno, os seus

    soldados o abandonaro. Daquilo que no nosso ou dos nossos sditos,

    bem podemos ser generosos doadores, como eram Ciro, Csar e Alexandre;

    porque gastar o alheio no diminui, antes aumenta a reputao. S gastar o

    prprio que prejudica. Nada se consome to depressa como a liberalidade.

    Cada vez que a praticamos, reduzimos a possibilidade de pratic-la depois,

    tornando-nos pobres e desprezveis ou, para escapar pobreza, rapaces e

    odiosos. Ora, as principais coisas de que um prncipe se deve resguardar so o

    desprezo e o dio. (p. 146).

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    XVII. Da crueldade e da clemncia, e sobre se melhor ser amado ou

    temido.

    Na minha opinio, conviria ser ambas as coisas. Dada, porm, a

    dificuldade de preencher algum esse duplo requisito, o mais vantajoso ser

    temido. (...).

    As amizades que se obtm com favores e no com magnanimidade e a

    nobreza de alma so indiscutivelmente merecidas, mas de nada valem nos

    tempos adversos. Os homens, alm disso, tm menos receio de ofender

    algum que se faa amar do que algum que se faa temer. (p. 151).

    O amor vinculo de dever e os homens o rompem, mas o temor o

    medo do castigo, e isso dificilmente abandona os homens.

    Mas ser temido, se no for acompanhado de amor, no pode ser

    acompanhado de dio. Basta para isso que se abstenha de atentar contra o

    patrimnio e s mulheres dos seus sditos. (p. 152).

    Se for tirar a vida de algum faa com causa justificada, mas no se

    apodere dos bens dos sditos, porque os homens mais facilmente esquecem

    a morte do pai do que a perda dos bens (p. 152).

    XVIII. De que maneira os prncipes devem cumprir as suas promessas.

    A duas formas de combater, pelas leis e/ou pela fora, o primeiro

    prprio dos homens, o segundo prprio dos animais. Para um prncipe

    importante saber se comportar como homem, mas, tambm, como animal.

    Como animal o prncipe deve saber se comportar como leo e como

    raposa, o primeiro saber por medo em lobos, o segundo sabe se livrar de

    armadilhas.

    Um prncipe sbio no pode, pois, nem deve manter-se fiel s suas

    promessas quando, extinta a causa que o levou a faz-las, o cumprimento

    delas lhe traz prejuzo. (p.158).

    Mas preciso saber mascarar bem esta ndole astuciosa, e ser grande

    dissimulador. Os homens so to simplrios e obedecem de tal forma s

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    necessidades presentes, que aquele que engana encontrar sempre quem se

    deixe enganar. (p. 159).

    mais importante o prncipe parecer ter boas qualidades do que

    realmente t-las, e se as tiver, melhor no us-las sem parcimnia, para que

    no se prejudique.

    O prncipe deve o quanto for possvel se manter no caminho do bem,

    mas saber ser mal quando for necessrio.

    E deve ter o cuidado de sempre falar com palavras que demonstrem as

    qualidades de: clemente, leal, humano, religioso e ntegro.

    Pois, cada qual v o que parecemos ser; poucos sentem o que

    realmente somos. (p. 161).

    Busque, pois, um prncipe triunfar das dificuldades e manter o estado,

    que os meios para isso nunca deixaro de ser julgados honrosos, e todos os

    aplaudiro. Na verdade o povo sempre se deixa seduzir pelas aparncias e

    pelos resultados. (p. 162).

    XIX. Como se deve evitar o desprezo e o dio.

    O prncipe deve evitar agir de qualquer forma que o torne desprezvel e

    odioso.

    No desprezo incorre quando os seus governados o julgam inconstante,

    leviano, covarde, indeciso. (p. 164).

    As aes do prncipe devem se revelar grandes, corajosas, austeras e

    vigorosas.

    Com o que se refere aos assuntos particulares dos sditos, as suas

    decises devem se parecer irrevogveis. O povo tem que entender que o

    prncipe no pode ser enganado ou iludido. Isto far com que o prncipe tenha

    autoridade, assim poucos pensaro em conspirar contra o prncipe ou venha

    atac-lo.

    Dois perigos o prncipe deve ter cuidado, um o interno, dos sditos, o

    outro dos potentados externos.

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    Dos externos se defender tendo boas armas e bons aliados que no o

    abandonaram se tiver o primeiro, e internamente estar tudo tranquilo, a menos

    que haja conspiraes internas.

    Desse perigo estar, todavia, livre o prncipe que houver sabido, como

    acima disse, evitar o dio e o desdm do povo e lhe tiver captado a amizade.

    (p. 165).

    De tudo isso concluo que um prncipe pouco importncia deve dar s

    conspiraes quando tem a estima do povo, mas que no pode deixar de

    recear tudo de todos, quando este lhe inimigo e o odeia. (p. 168).

    Os prncipes devem atribuir a outros a imposio de castigos, e tomar a

    seu cargo a distribuio de benefcios. (p. 169).

    O prncipe deve ser mal quando o povo corrupto.

    XX. Sobre a utilidade ou no das fortalezas e de outros meios

    freqentemente usados pelos prncipes.

    Prncipes novos devem armar o povo, como no se pode armar a todos,

    deve favorecer aqueles que forem armados. A diversidade de tratamento gera

    a gratido dos primeiros, sem concomitantemente no indispor com os outros,

    que atribuiro essa diversidade ao fato de terem maiores mritos os que mais

    obrigaes tm e maiores perigos correm. (p. 184).

    Se desarmar o povo, demonstrar que no confia neles, e assim

    receber o dio do povo.

    Quando o prncipe conquista um novo territrio, deve desarmar o povo,

    com exceo daqueles que o ajudaram na conquista, e com o passar do

    tempo, at esses deve lev-los a inrcia. Fazendo com que somente aos seus

    prprios soldados fiquem armados.

    As discrdias no trazem a meu ver utilidade a ningum (p. 186).

    Os prncipes, sobretudo os que so novos no estado, encontraram

    homens mais fiis e teis entre os que no incio do seu governo eram julgados

    suspeitos, do que entre os que, em igual poca, lhe inspiravam confiana. (p.

    187). Mas varia conforme os casos. Os que devem ser trazidos para o lado do

  • 13

    prncipe devem ser aqueles que dependem de apoio para continuar na

    oposio.

    Se os cidados que auxiliaram o prncipe a conquistar o novo territrio,

    fizeram isso s por estarem descontentes com a situao anterior, deve o

    prncipe ter cuidado com eles, pois nunca estaro satisfeitos. muito mais fcil

    conquistar a amizade daqueles que estavam contentes com o governo anterior.

    A criao de fortalezas til quando o prncipe receia mais os seus

    sditos do que os forasteiros, e prejudicial no caso contrrio (...). Mas a melhor

    fortaleza consiste em evitar o dio dos sditos. Contra esse as fortalezas de

    nada valero, porque a um povo revoltoso nunca faltam pessoas estrangeiras

    que o auxiliem. (p. 190).

    XXI. Como deve portar-se um prncipe para ser estimado.

    Nada faz estimar tanto um prncipe quanto as grandes campanhas e as

    aes raras e esplndidas. (p. 193).

    Um prncipe deve mostrar-se sempre partidrio de algum reino, e nunca

    neutro. Quem vence no quer amigos duvidosos que no o auxiliem nas horas

    ms, e quem perde no d guarida ao que no quis de armas na mo participar

    de seus riscos (p. 196).

    Quem no amigo sempre aconselha a neutralidade.

    Se aquele ao qual se uniu triunfar, ainda que seja poderoso e o prncipe

    fique sua merc, ter sempre obrigaes para com ele por vnculos de afeto

    (...). Mas, se ao contrrio, o aliado do prncipe cair vencido, no deixar este de

    lhe dar abrigo e, em podendo, a ajuda. Assim, fica o prncipe ligado a uma

    potncia que pode ressurgir. (p. 197).

    Mas nunca deve se aliar a algum mais poderoso do que seu reino, para

    no se ficar entregue ao capricho do seu aliado (p. 198).

    Um prncipe nunca deve crer em resultados seguros. A prudncia

    consiste em saber examinar bem a natureza dos inconvenientes, e aceitar

    como bom o menos mau. (p. 199).

  • 14

    O prncipe tambm deve honrar os homens em seus ofcios. Deve

    premiar queles que com seus ofcios multiplicam a renda do reino.

    Outras obrigaes de um prncipe so a de distrair o povo com festas

    durante certas pocas do ano, a de ter na devida conta os grmios ou as

    corporaes em que se divide a cidade, comparecendo no raro s suas

    reunies, e a de dar exemplos de bondade e generosidade, embora mantendo

    sempre, por ser ela imprescindvel, a majestade do seu cargo. (p. 200).

    XXII. Os secretrios do prncipe.

    Existem, com efeito, trs espcies de crebros: o primeiro tem idias

    prprias; o segundo no as tem, mas sabe compreender as de outrem; e o

    terceiro no tem prprias nem sabe compreender as alheias. (p. 202).

    O mau ministro aquele que pensa s e si mesmo e no no estado ou

    no prncipe.

    O prncipe deve honrar o ministro, para fortalecer o sentimento de

    lealdade deste servidor.

    XXIII. Como evitar os aduladores.

    O melhor abrigo contra a lisonja consiste em levar os homens a

    compreenderem que no nos ofendem quando nos dizem a verdade. (p. 205).

    O prncipe deve escolher em seu reino homens sbios e somente a eles

    dar ouvidos. Deve perguntar sempre pela verdade e somente permitir que eles

    falem quando forem interrogados. Depois de ouvir-lhes deve tomar uma

    deciso prpria a seu modo de ver. Fora desses ningum mais deve ser

    ouvido. E no deve mudar de deciso quando ela for tomada.

    Um prncipe deve sempre pedir conselhos, mas s quando ele achar

    conveniente.

    Os bons conselhos, venham de quem vierem, nascem forosamente da

    sabedoria do prncipe, e no que a sabedoria do prncipe nasa dos bons

    conselhos. (p. 208-9).

    XXIV. Por que motivo os prncipes da Itlia perderam os seus estados.

  • 15

    Somente do resultados bons, seguros, duradouros as defesas que

    dependem de ns e do nosso valor [virt] (p. 214).

    XXV. A influncia da fortuna sobre as coisas humanas e o modo como

    devemos contrast-la quando ela nos adversa.

    Considerando o livre-arbtrio, Maquiavel diz que embora a fortuna seja

    responsvel por metade das nossas aes, ela deixa a outra metade por nossa

    conta.

    Ela demonstra todo o seu poderio quando no encontra nimo [virt]

    preparado para resistir-lhes e, portanto, volta a sua fria para os pontos onde

    no foram feitos diques para cont-la. (p. 216).

    Para Maquiavel, os homens devem adaptar as suas aes de acordo

    com as circunstncias e variaes do tempo, para no ser tragado pela fortuna.

    Concluo, por conseguinte, que os homens prosperam quando a sua

    imutvel maneira de proceder e as variaes da fortuna se harmonizam e caem

    quando as coisas divergem. (p. 220).