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Mecânica de Fluidos – FCUL – DEGGE – Prof. Carlos Pires
Mecânica dos Fluidos 1 – Introdução
Mecânica: Ciência que trata o movimento da matéria (corpos, meios contínuos, pontos materiais) sob a
acção de forças internas ou externas (aplicadas). A mecânica subdivide‐se em:
Estática: Estudo das condições de repouso e equilíbrio de forças.
Dinâmica: Estudo da relação entre movimento (deslocamento, velocidade, aceleração) e forças (internas e
externas).
Meio Contínuo: Matéria distribuída de forma contínua em volumes finitos, isto é sem descontinuidades,
quer do tipo de matéria, quer da densidade à escala espacial de pelo menos alguns micrómetros (m=10‐6
m), ou seja o necessário para definir uma partícula de meio contínuo. São exemplos uma porção
homogénea de sólido, um líquido, um gás, um plasma (ex. chama). No interior do meio contínuo poderão
existir pontos, linhas ou superfícies onde haja descontinuidades (mudanças abruptas) de tipo de matéria
e/ou densidade.
1.1 Meios Contínuos
1) Sólidos
2) Fluidos: Líquidos e Gases. O movimento dos fluidos chama‐se escoamento.
3) Plasma (Matéria ionizada a elevadas temperaturas, ex. chama, matéria solar, vento solar)
Classificação da Mecânica de Fluidos
A estática e dinâmica dos fluidos são respectivamente a hidrostática e a hidrodinâmica. Conforme a
aplicação tem‐se a subdivisão:
Hidráulica: Estudo de escoamentos em condutas fechadas (e.g. canalizações) ou canais abertos (e.g. canais
de irrigação)
Aerodinâmica: Escoamento de fluidos em torno de objectos finitos (ex: aerofólio ou seja um perfil de asa,
foguete espacial, automóvel, ave, objectos estáticos: árvores, prédios, barragens etc.)
Hidrodinâmica de fluidos ambientais terrestres: Meteorologia (escoamento do ar na atmosfera);
Oceanografia (escoamento da água líquida nos oceanos, lagos, mares); Hidrologia (escoamento da água
líquida em cursos de água à superfície e subterrânea bem como o escoamento através de meios porosos,
i.e permeáveis tais como a argila).
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1.2 Noção de tensão em mecânica dos meios contínuos
Um conceito central em mecânica de meios contínuos é o de tensão (stress) F
A
ou seja força aplicada
Fno interior ou na fronteira do meio contínuo (em Newton no Sistema Internacional SI) por área de
aplicação A (em m2 no SI). A unidade SI de é o Pascal:
Pa=Nm‐2=kgm‐1 s‐2 (Pascal). A força de tensão é um vector aplicado na área plana A e decompõe‐se em
tensão normal (normal stress) n (perpendicular à área) e tensão tangencial, de corte ou de cisalhamento
(shear stress) t (tangencial à área A).
Tem‐se a decomposição em tensão normal e tangencial (ou de corte), respectivamente ;n tn t
F F
A A
e portanto: n t
. Se a força for aplicada para o interior do fluido chama‐se força de pressão. Se for
aplicada para o exterior, chama‐se de força de tensão. O módulo da tensão normal é a pressão e
representa‐se por p. Num meio contínuo, mesmo que consideremos uma superfície arbitrária no seu
interior, o meio exerce forças de pressão sobre a restante parte do meio ou seja existem tensões e
pressões internas. Tal é o caso de um sólido (tensões internas numa montanha, terra em deslizamento,
porção de água no oceano, atmosfera etc.). Pelo princípio da ação‐reação (3ª lei de Newton), a uma força
de pressão aplicada sobre uma parte do meio, o restante meio responde com uma força de pressão
oposta.
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1.3 Caracterização básica do deslocamento, deformação e taxa de deformação
Os meios contínuos deformam‐se sob a ação de tensões normais e de corte. Seja Ro vetor posição de uma
certa partícula de meio contínuo e ( )r R, o seu deslocamento, dado genericamente como uma função R
.
Define‐se deformação (strain) como uma propriedade sem dimensões físicas que traduz a variação do
deslocamento por unidade de extensão do meio. Se o meio executar uma translação ou rotação então a
deformação é nula tal como na mecânica dos sólidos.
Qualquer deslocamento infinitesimal r ao longo de um meio contínuo decompõe‐se em 3 partes:
translação rotação deformação x y zr r r r x e y e z e
1.1
que é expressa em termos das variações das componentes , ,x y z do deslocamento e dos versores
das 3 direções ( , , )x y ze e e
da base ortonormada. A parte de translação é constante (uniforme) ao longo do
meio contínuo ou seja:
0translaçãor r cte
1.2
A rotação é caracterizada por uma certo ângulo de rotação em radianos. Definimos vetor ângulo
como o vetor alinhado ao longo do eixo de rotação e apontando no sentido em que a rotação é direta
(anti‐horária). Sem perda de generalidade pode colocar‐se o eixo de rotação passando sobre a origem do
referencial ( 0r ). O termo relativo à rotação escreve‐se na forma:
rotaçãor R
1.3
onde se executou o produto externo entre o vetor ângulo e o vetor de posição.
A parte do vetor deslocamento relativa à deformação diz respeito à modificação da forma do meio
contínuo. Só existe deformação se ( ) 0deformaçãor R e este variar com o vetor posição.
Define‐se deformação (shear) como a derivada de deformaçãor
em relação ao vetor posição rou seja:
ˆ deformaçãorD
R
1.4
Trata‐se de uma entidade matemática, sem dimensões físicas e com as características de uma matriz 3x3
(mais precisamente um tensor de 2ª ordem), dado que nele figuram 9 derivadas parciais de 3
componentes do deslocamento em relação a cada uma das 3 variáveis espaciais x,y,z.
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A deformação (shear) pode ser de dois tipos: normal ou de corte (tangencial ou de cisalhamento)
conforme o vetor deslocamento de deformação seja colinear ou perpendicular ao vetor posição.
As deformações normais podem ser de distensão (aumentando as dimensões do meio, tal como na figura)
ou compressão (reduzindo as dimensões do meio). O quociente entre o vetor de deformação e o vetor
posição || || / || ||r R
ou seja entre a variação de comprimento e o comprimento inicial é a variação relativa
do comprimento (e.g. uma tela elástica que ao ser esticada duplica o seu tamanho). As deformações
normais mantêm os ângulos do meio contínuo (transformações isogónicas), assim retângulos permanecem
retângulos.
A deformação de corte altera os ângulos do meio contínuo. Os retângulos transformam‐se em
paralelogramos. Tem‐se neste caso o quociente || || / || || | |r R
que é igual ao ângulo de torção do
meio.
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A taxa a que é executada a deformação é muito importante nos meios contínuos e denomina‐se taxa de
deformação (strain rate ou shear rate) e é a derivada temporal da deformação ou seja:
ˆˆ
De
t
1.5
Trata‐se também de um tensor de 2ª ordem e tem unidades de s‐1=Hz (Hertz). A taxa de deformação pode
escrever‐se na forma:
ˆˆ deformação deformação deformaçãor r vDe
t t tR R R
1.6
onde se usou a permutação entre as derivadas temporal e no espaço. A velocidade deformaçãov
é
derivada temporal do deslocamento de deformação, de acordo com o conceito de velocidade. Desse modo
a taxa de deformação iguala a derivada espacial da velocidade de deformação. Se o campo vectorial da
velocidade for uniforme ou seja se não variar no espaço, então o meio contínuo está em translação com a
velocidade ve a velocidade de deformação é nula.
Uma deformação infinitesimal num ponto particular dum meio contínuo é uma sobreposição (soma) de
deformações infinitesimais normais e de corte. A intensidade e tipo de deformação podem variar de ponto
para ponto num meio contínuo.
Tal como acontece na deformação, a taxa de deformação também se decompõe em taxa de deformação
normal e de corte.
As deformações são produzidas por tensões e portanto por forças.
A relação entre as deformações e as tensões que as produzem caracteriza o tipo de meio contínuo (sólido,
líquido ou gás).
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1.4 Caracterização dos meios contínuos
Sólidos
As forças de coesão entre moléculas são bastante fortes mantendo uma estrutura intermolecular
organizada.
Existe uma relação monótona crescente entre tensão (stress) e deformação (strain) ou seja a deformação é
tanto maior quanto a tensão aplicada.
O sólido perfeito ou absolutamente rígido sofre tensão sem que esta produza qualquer deformação.
A elasticidade consiste na proporcionalidade entre tensão e deformação. A plasticidade consiste na
deformação mantendo uma certa tensão característica. Normalmente um sólido real tem uma zona
elástica, outra plástica até sofrer rotura. Os sólidos elásticos recuperam a forma após retirada a tensão
aplicada, têm portanto memória e uma forma definida. O declive Stress/Strain é o equivalente à constante
k de uma mola (Força = k * deslocamento). Em mecânica de meios contínuos a tal chama‐se módulo de
elasticidade de Young.
O Fluido perfeito sofre deformação sem tensão aplicada e portanto tem um módulo de elasticidade nulo.
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Fluidos (líquidos e gases)
Nos fluidos as forças de coesão são mais fracas que nos sólidos, sendo maiores nos líquidos que nos gases.
A forma é indefinida. Nos líquidos as moléculas agitam‐se em torno umas das outras, o volume é quase
constante. Nos gases as forças de coesão são quase nulas e as moléculas sofrem praticamente colisões
elásticas. O gás expande‐se ao longo de todo o volume disponível.
As tensões aplicadas colocam o fluido em movimento (escoamento) e este permanece mesmo quando é
retirada a tensão.
Nos fluidos reais existe uma relação monótona crescente entre tensão de corte (shear stress) e taxa de
deformação (shear rate) ou seja a taxa de deformação é tanto maior quanto maior a tensão. A derivada da
tensão (shear stress) em relação à taxa de deformação (shear rate) é a viscosidade dinâmica . Quanto maior a viscosidade, maior é a tensão necessária para colocar e manter o fluido em movimento. Por
exemplo o óleo e a gasolina são mais viscosos que a água e o álcool etílico menos viscoso que esta. Os
gases também têm viscosidade mas várias ordens de grandeza inferior à dos líquidos. A viscosidade é uma
medida do atrito interno dos fluidos devido às forças de coesão e quanto maior, mais difícil o escoamento.
Nos fluidos perfeitos a viscosidade é nula.
Nos fluidos Newtonianos a tensão de corte e a taxa de deformação são diretamente proporcionais. A taxa
de proporcionalidade é a viscosidade dinâmica . Fluidos Newtonianos são os casos da água, álcool, dos óleos e dos gases.
Os fluidos não Newtonianos exibem comportamentos muito diferentes dos comportamentos dos fluidos
Newtonianos. Assim temos:
Os fluidos dilatantes ou reopéticos (rheopcty) são aqueles em que a viscosidade aumenta com a
deformação. Quanto maior a sua velocidade maior a sua oposição ao movimento e a viscosidade. São o
caso da massa de gesso, da mistura de água e farinha, da mistura de areia com água (areia movediça).
Dificilmente misturáveis.
Ver: http://www.youtube.com/watch?v=3zoTKXXNQIU&feature=fvw
(Non‐Newtonian Fluid on a Speaker Cone) ‐ (comportamento de um fluido dilatante (água com farinha) sob
acção de vibração).
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Os fluidos pseudoplásticos ou tixotrópicos são aqueles em que a viscosidade diminui com a deformação.
Quanto maior a sua velocidade, menor a oposição ao movimento e a viscosidade. São o caso de certos
coloides, tintas, géis, lama, graxa para sapatos etc. Fácilmente misturáveis.
Ver: http://www.youtube.com/watch?v=S8gP3yWsloc
(Rheopectic v. Thixotropic)
(comportamento de fluidos reopético e tixotrópico sob a acção de movimento rotativo de uma haste
misturadora ‐ stirring)
Os fluidos de Bingham não se deformam até uma certa tensão após a qual começam a deformar‐se como
se fossem fluidos Newtonianos. É o caso da pasta de dentes.
Caso Geral
Em geral para um meio contínuo tem‐se uma relação entre o tensor das tensões (generalização da tensão)
e os tensores deformação e taxa de deformação.
ˆˆ ˆ,f e D 1.7
Um fluido que exiba comportamento elástico (a baixa velocidade) e viscoso (a maior velocidade) é um
fluido viscoelástico. Trata‐se por exemplo da clara do ovo, sangue e certos polímeros. O escoamento
correspondente é o escoamento de Fano.
Ver: http://www.youtube.com/watch?v=aY7xiGQ‐7iw (resistência à gravidade num fluido visco‐elástico)
(Fano flow)
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Ver:
http://journals.cambridge.org/fulltext_content/supplementary/S0022112009007198sup002/movies/C1.m
ov
(recuperação da forma num fluido viscoelástico)
Um fluido que exiba comportamento plástico (a baixa velocidade) e viscoso (a maior velocidade) é um
fluido viscoplástico. Trata‐se do exemplo da plasticina.
Ver:
http://journals.cambridge.org/fulltext_content/supplementary/S0022112009007198sup002/movies/K55.
mov
(não recuperação da forma num fluido viscoplástico)
1.5 Distinção entre Líquidos e Gases
Líquidos: As moléculas podem rodar, vibrar e translatar ao contrário dos sólidos em que a rotação e
vibração são muito menores. O volume é bem definido ou seja são incompressíveis (ou quase). A forma é
determinada pela forma do recipiente em que se encontram quando sujeitos a um campo gravítico ou
então pelas forças de capilaridade na ausência de gravidade. A superfície do líquido tem uma certa
elasticidade a que se chama capilaridade. Quanto maior a área da superfície do líquido, maior a energia
elástica associada à capilaridade. Desse modo, na ausência de gravidade há tendência para minimizar a
área da fronteira para um certo volume dado. A superfície fronteira do fluido é chamada de superfície livre
e é condicionada pela gravidade, capilaridade e forças aparentes (ex. força centrífuga num recipiente em
rotação).
Gases: As moléculas agitam‐se livremente entre choques consecutivos. A distância entre choques (livre
percurso médio) é muito maior que a dimensão das moléculas, contrariamente aos líquidos em que é da
mesma ordem de grandeza. São compressíveis, isto é podem expandir (aumento de volume) ou contrair
(diminuição do volume). Ocupam todo o espaço disponível num recipiente fechado. Se o recipiente for
aberto, escapam‐se para fora do recipiente expandindo‐se para fora. Na presença de um campo gravítico,
em geral as camadas mais profundas apresentam maior densidade ou seja maior massa por unidade de
volume. Tal é observável na atmosfera em que o ar junto à superfície é mais denso que na alta atmosfera.
A essa variação da densidade com a altitude dá‐se o nome de estratificação.
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Interacção de fluidos em movimento com superfícies sólidas
Quando se desliza um objecto à velocidade u sobre a superfície livre de um líquido, este objecto produz
sobre o fluido uma força de atrito Fa. Devido à viscosidade ou seja o atrito interno no líquido, o fluido mais
superficial ou seja mais junto à força aplicada, arrasta o fluido mais profundo. Produz‐se um escoamento
de Couette.
A força Fa é distribuída sobre uma área A de aplicação. A tensão de corte produzida sobre a superfície do fluido é o quociente entre Fa e A. A tensão está relacionada com o perfil (ao longo da direcção normal y à
superfície) das velocidades tangenciais ou seja com o perfil u(y)
aF u
A y
1.8
onde é a viscosidade dinâmica do fluido. Na superfície imóvel a força –Fa que a superfície aplica sobre o
fluido é no sentido de travar o movimento deste. Pelo princípio da acção reacção, o fluido aplica uma força
Fa oposta sobre a superfície imóvel. Para que a superfície permaneça imóvel, esta tem de internamente
ser contrariada.
A viscosidade dinâmica dos fluidos mede‐se em Pa s (Pascal segundo)=kgm‐1s1. Nos gases é da ordem
de 10‐6 Pas e cresce com a temperatura dado que as colisões intermolecaulares (mais frequentes a maiores
temperaturas) dificultam o movimento médio. Nos líquidos, é da ordem de 10‐3 a 10 e decresce com a
temperatura. Exemplos: (ar, T=20ºC) =17.4x10‐6Pas, (água, T=0ºC) =1,0x10‐3Pas, (azeite, T=20ºC)=81x10‐3 Pas. Um fluido com viscosidade nula ou desprezável diz‐se invíscido. Existem fluidos
muito viscosos como asfalto (=107 Pas) e do vidro à temperatura ambiente (=1040 Pas), o qual exibe comportamento de líquido viscoso à escala de tempo de dezenas a centenas de anos. Tal justifica o facto
de a espessura dos vitrais das catedrais mais antigas tenham uma espessura maior na base que no topo
devido à acção continuada da força gravítica.
y
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Medição experimental da viscosidade dinâmica de um fluido
Consideremos uma esfera sólida, homogénea de raio R e densidade s, imersa num fluido viscoso (líquido
ou gás), de densidade menor f < s e viscosidade dinâmica f. A esfera quando libertada a partir do
repouso cai sob a acção da gravidade atingindo uma velocidade assimptótica descendente vterminal. A
viscosidade dinâmica do fluido pode ser inferida a partir da medição dessa velocidade terminal pela
relação:
2 -2
terminal
2 onde g éa aceleraçãogravítica (g=9.8ms à sup. daTerra)9
s f
f gRv
Esta é a chamada lei de Stockes.
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1.6 Condições Fronteira
No escoamento de um fluido viscoso, em qualquer ponto em contacto com uma superfície (parede)
impermeável ao fluido, isto é que não deixe passar fluido através dela, tem‐se que a velocidade do fluido
iguala a velocidade da superfície supv v
. Em particular se a parede estiver em repouso sup 0v e portanto
o fluido está localmente em repouso. Os pontos ao longo da superfície são pontos de repouso ou
estagnação.
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Camada Limite
No escoamento de um fluido sobre uma superfície de contacto (CC), existe uma camada de espessura L, ao
longo da superfície CC onde são significativas as forças de atrito Fa que a superfície exerce sobre o fluido
travando este. Essa camada chama‐se camada limite (Boundary Layer). Essa força de atrito propaga‐se
para o interior do escoamento, devido à viscosidade, diminuindo de intensidade à medida que há
afastamento da superfície. Fora da camada limite as forças de atrito são praticamente nulas. Tal impõe um
perfil u(y) de velocidades transversais à superfície onde u=0 em y=0 (superfície), crescendo com y até
atingir um valor que não depende de y na camada externa (fora da camada limite).
Se o fluido for a atmosfera em escoamento e a superfície for a superfície sólida do terreno ou líquida do
mar, a camada limite diz‐se camada limite planetária sobre terra ou sobre mar respectivamente.
Poderemos em geral definir camadas limite nas proximidades de uma superfície de transição entre
sistemas (ex: transição líquido‐sólido, líquido‐gás, gás‐sólido, gás‐líquido, líquido‐líquido no caso de
líquidos não miscíveis (e‐g. água e azeite)).
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Camada Limite Curva
No escoamento de um fluido viscoso sobre uma superfície de contacto curva (CC) a velocidade é nula
sobre essa superfície (u=0). A parte inicial de CC em relação ao movimento do fluido chama‐se montante
(barlavento no caso do ar em movimento ou vento). A parte terminal de CC chama‐se juzante (sotavento
no caso do vento).
A curvatura de CC provoca a juzante do escoamento a existência de uma região onde o fluido exibe
velocidade contrária à da verificada a montante. Chama‐se a este fenómeno de separação do escoamento.
No seio ou interior do escoamento há uma superfície CS de pontos de estagnação onde a velocidade é nula
(u=0). Entre CS e CC o escoamento é invertido em relação à zona exterior a CS e ao verificado a montante.
As partículas de fluido na zona de separação rodam entre a zona exterior a CS e a zona interior a CS. As
partículas descrevem trajectórias fechadas chamadas rotores. O ponto onde CS intercepta CC ou seja o
ponto S é o ponto de separação. A direcção y, perpendicular à superfície de contacto pode ser horizontal
ou vertical.
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1.7 Referenciais do escoamento
1) Referencial associado aos (objectos e superfícies de contacto) com o
fluido Superfícies de contacto em repouso (fluido bombeado)
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Superfícies de contacto em repouso (fluido sujeito a uma força exterior, por exemplo a gravidade)
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2) Referencial associado ao fluido em repouso longe dos objectos
Objectos em movimento através do fluido (objecto com movimento próprio)
Objectos sólidos chocando contra o fluido em repouso com posterior imersão (ficar dentro do fluido)
Fluido chocando contra fluido
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1.8 Tipos de escoamento nos fluidos
Escoamento viscoso: escoamento em que as forças de atrito produzidas pelas superfícies de contacto e
forças de atrito internas (forças viscosas) são da mesma ordem que outras forças (ex. na camada limite).
Escoamento não viscoso ou invíscido: escoamento em que as forças associadas à viscosidade são
desprezáveis (ex. camada externa, longe da camada limite)
Escoamento interno: confinado a uma canalização fechada sólida (ducto) com a forma rectilínea ou
curvilínea ou a uma cavidade. Em geral o escoamento interno é viscoso.
Escoamento externo: escoamento não interno. O escoamento pode não ter fronteira (ex. escoamento na
atmosfera livre, longe da superfície) ou então ter uma fronteira apenas em parte do espaço (ex:
escoamento em canal aberto, escoamento sobre superfície curva)
Escoamento incompressível: As variações de densidade (massa/volume) ao longo do domínio espacial
do escoamento são desprezáveis (em geral inferiores a 5%). Os líquidos são praticamente incompressíveis
tendo por isso uma densidade constante e uniforme característica. Por exemplo, a água é quase
incompressível. Aumentar 210 vezes a pressão sobre á água (pressão de 210 atmosferas) provoca um
aumento de apenas 1% na densidade da água.
Escoamento compressível: A densidade do fluido varia ao longo do movimento de uma partícula de fluido.
Os gases são compressíveis. Por exemplo a PTN (pressão e temperatura normal, p=1atm =1013.15x102
Pa~105Pa e T=15ºC), um aumento de 0.01 atm no ar ou seja de ~1000 Pa, faz aumentar a densidade de
1%).
Escoamento subsónico: Escoamento em que a velocidade v do fluido é inferior à velocidade cs de
propagação do som no fluido. Por exemplo, no ar a PTN, cs=346ms‐1, na água a PTN, cs=1450ms‐1. A
velocidade do som é tanto menor quanto mais compressível o fluido, desse modo o som propaga‐se mais
rapidamente nos sólidos, seguido dos líquidos e depois nos gases. O som consiste na propagação ao longo
do fluido de flutuações (perturbações) da densidade. Define‐se o número de Mach (Ma)
s
vMa
c
O escoamento é subsónico se Ma<1. O escoamento nos líquidos é incompressível se Ma<1 e quase
incompressível nos gases se Ma<0.3 ou seja, no ar para velocidades inferiores a 100ms‐1. O escoamento é
ultrasónico se 1<Ma<10 e hipersónico se Ma>>1.
Os escoamentos ultrasónicos e hipersónicos (ex: em torno dos aviões a jacto ou devido ao movimento de
projecteis em explosões: http://www.youtube.com/watch?v=lwNS7sGW77k), provocam ondas de choque
ou seja descontinuidades no campo da densidade. Estas ondas de choque propagam‐se e podem provocar
danos nos objectos em que colidam.
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Escoamento laminar: A velocidade v do fluido varia de forma suave no espaço e no tempo. Tal é o caso de
escoamento interno ao longo de um ducto (cano) rectilíneo de um fluido viscoso em regime de baixa
velocidade. O perfil de velocidades é o do escoamento de Poiseuille (figura):
Ver: http://www.youtube.com/watch?v=p08_KlTKP50 (escoamento laminar de um fluido viscoso e quase
recuperação, da forma inicial, quase reversibilidade)
Ver: http://www.youtube.com/watch?v=KqqtOb30jWs&NR=1 (escoamento laminar)
Escoamento turbulento: Escoamento com variações rápidas da velocidade e com grandes variações da
velocidade de ponto para ponto no espaço. Tal ocorre por exemplo em fluidos pouco viscosos (ex. gases)
ou com elevadas velocidades. Uma medida da intensidade da turbulência é dada pelo número de
Reynolds:
ReUL
U=velocidade (m/s), L=(escala espacial) distância típica entre pontos com variações significativas da velocidade (m)
=densidade (kg/m3)
=viscosidade dinâmica (kgm‐1s‐1) Ver: http://www.youtube.com/watch?v=NplrDarMDF8&feature=related (escoamento turbulento)
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Conforme a forma da superfície de contacto, a distância ao ponto de emissão do fluido (ex: distância à
ponta do cigarro emissor de fumo) e outros factores, existe um valor crítico do número de Reynolds Recr
acima do qual o escoamento é turbulento e abaixo do qual é laminar. Se Re>>Recr, o escoamento é muito
turbulento o que dificulta o controle e bombagem eficaz do fluido através de uma conduta (cano, ducto,
pipe). Numa conduta cilíndrica, Recr=5x104., sobre uma superfície plana Recr=5x10
5., longe das superfícies
fronteira Recr~1400.
Escoamento laminar: Peixe pequeno nadando em água (Re=1), Bacteria deslocando‐se em meio de cultura (Re=10‐5), Sangue nos vasos capilares cerebrais (Re=100), sangue na aorta (Re=1000) Escoamento turbulento: pessoa a nadar (Re=4x106), grande navio em deslocamento (5x109), escoamento atmosférico numa tempestade (Re~1010), circulação numa bacia oceânica (Re~1011).
Escoamento forçado: O fluido é obrigado a escoar junto a uma superfície ou a um objecto com movimento
próprio ou forçado pelo fluido
O objecto força o fluido: (Ex. ventoinha, aspirador, hélice de motor de barco ou avião, bomba hidráulica,
bombeamento do sangue pelo coração, movimentos peristálticos to tubo digestivo para bombear os
alimentos, mesmo ‘de pés para o ar’, contrariamente à gravidade)
O fluido força o objecto: (Ex. pás de moinho eólico, turbina de barragem, soprar do vento sobre a
vegetação)
Escoamento natural: escoamento no meio ambiente (sem intervenção humana) ocorrente na natureza
(atmosfera, cursos de água, escoamento em rochas porosas, escoamento em oceanos, lagos etc.).
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Escoamento permanente ou estacionário: A velocidade v em qualquer ponto do domínio espacial do
escoamento é independente do tempo ou seja a derivada temporal de vé nula ou seja: 0
v
t
. O
repouso: 0v é um caso particular de escoamento estacionário no qual se aplica a hidroestática. No
escoamento estacionário, as trajectórias das partículas são linhas imóveis como se fossem “carris” fixos por
onde circulam as partículas. Neste caso o escoamento fica totalmente caracterizado por uma “fotografia”
(snapshot) dessas trajectórias.
Escoamento transiente: a velocidade varia no tempo. Tal é o caso particular de v ser uma função
periódica do tempo. O escoamento transiente pode decompor‐se em escoamento médio e escoamento
perturbado ou seja:
/2
/2
( ) ( ) '( )
1( ) ( )d Média móvel de ( ) com período τ.
( ) : Escoamento médio '( ) : Escoamento perturbado
t
t
v t v t v t
v t v u u v t
v t v t
O gráfico da média móvel é mais suave que o do sinal instantâneo. A média móvel permite remover
flutuações de escala temporal mais curta que o período da média. Conforme a escala temporal T de
interesse (ex. representação da caudal de um rio à escala diária T), assim deveremos escolher
apropriadamente. Deve obedecer‐se a: T . Tem‐se por construção que a tendência do
escoamento médio e muito inferior à do escoamento perturbado os seja: 'v v
t t
. Se a amplitude
for suficientemente grande pode considera‐se o escoamento médio como estacionário ou seja: ~ 0v
t
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Escoamento unidimensional (1D) : a velocidade v depende apenas de uma coordenada espacial e é
constante ao longo das outras duas. As coordenadas podem ser curvilíneas (cilíndricas, esféricas) ou
cartesianas.
Escoamento bidimensional (2D): a velocidade v depende de duas coordenadas espaciais e é constante ao
longo da restante.
Ex. Conduta cilíndrica de raio R na embocadura na qual entra fluido com velocidade uniforme U ao longo
da sua secção circular. A juzante, tipicamente a uma distância L=20R da entrada, instala‐se um escoamento
desenvolvido (isto é assimptótico) que é unidimensional, dependendo apenas da coordenada radial r com
origem no centro da conduta. No percurso até esse regime de escoamento, o escoamento intermédio é
bidimensional dependendo da coordenada z longitudinal à conduta e da coordenada radial r. O
escoamento é invariante em relação à coordenada polar ou seja há simetria cilíndrica no escoamento.
Escoamento tridimensional (3D): a velocidade depende das 3 componentes espaciais. Em muitos casos, os
escoamentos turbulentos são tridimensionais.
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1.9 Sistemas coerentes de unidades de grandezas físicas, múltiplos,
submúltiplos e coerência dimensional
Sistema de unidades SI (Sistema Internacional) e Sistema Inglês (English System)
Grandeza fundamental
Símbolo Unidade (SI)
Nome Outras Sistema Inglês
Comprimento L m metro ft (pé=foot)=0.3048m=12 in (polegadas)
Massa M kg quilograma lbm(libramassa=pound)=0.4536kg
Tempo T s segundo 1h=3600s (hora)
s (segundo)
Temperatura K kelvin ºC=K‐273.15 (ºCelsius)
R(rankine)=1.8K ºF=1.8ºC+32
Quantidade de matéria
N mol mole Mole
Corrente Eléctrica I A ampere Ampere
Quantidade de luz
B cd candela Candela
Múltiplos e Submúltiplos (ver
http://www.forp.usp.br/restauradora/pg/metrologia/metrologia_eletric/mult_submult.html )
Múltiplos Prefixo Nome Submúltiplos Prefixo Nome
1012 T tera 10‐1 d deci
109 G giga 10‐2 c centi
106 M mega 10‐3 m mili
103 K quilo 10‐6 micro
102 h hecto 10‐9 n nano
101 da deca 10‐12 p pico
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Grandezas derivadas
Grandeza derivada
Unidade (SI)
Nome Outras Sistema Inglês
força N=kgms‐2 newton dyn=10‐5N lbf (libraforça=pound)=4.448N
Energia, trabalho, calor
J=Kgm2s‐2 joule erg=10‐7J Btu (British thermal units)=1.055kJ
Potência W= Kgm2s‐3 watt hp (Cavalovapor=horse power)=746W
Pressão Pa=Kgm‐1s‐2 pascal bar=105Pa atm (atmosfera)=1.01325x105Pa
psi=6.89kPa
O sistema internacional (SI) é um sistema coerente de unidades e tem como grandezas fundamentais e
respetivas unidades:
massa M (kg)
comprimento L (m)
tempo T (s)
temperatura (K)
O sistema inglês (English System) é um sistema coerente de unidades e tem como grandezas fundamentais
e respetivas unidades:
força F (lbf=pound=libra‐força=4.448 N)
comprimento L (ft=foot=pé=0.3048m)
tempo T (s)
temperatura (R=Rankine=1.8K).
massa: 1 slug de massa=1lbf*s2/ft=4.448 N*s2/(0.3048 m)=14.59 kg.
aceleração gravítica: g=9.8 m/s2= 9.8/0.3048 (ft/s2)=32.15 ft/s2.
Têm‐se adicionalmente unidades não coerentes mas usadas correntemente:
Para a massa tem‐se:
1lbm (libra‐massa)=0.0311 slug=0.45359237 kg = 16 onças (oz=ounce) =7000 grãos (gr=grain)
Para o comprimento tem‐se:
1 légoa=3 milhas terrestres (mi)
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1 milha terrestre =5280 ft=1609.344 m
1 milha marítima (nmi) =1852m
1 ft=foot=pé=0.3048m=12in=12 inches=12 polegadas=3 yards = 3 jardas
Dimensões físicas
Qualquer grandeza física A tem dimensões associadas a uma certa unidade de medida. As dimensões de A
representam‐se por [A] e consistem num produto de potências de grandezas fundamentais: L, M, T, , N, I, B.
Se uma grandeza A é adimensional (sem dimensões) então [A]=1.
Por exemplo a pressão p
21 2
2 2
Força
Área
Massa Acelaração M LTp ML T
L L
Homogeneidade física: Os membros de uma equação têm de ter as mesmas dimensões físicas.
C A B C A B
C AB C A B
Qualquer relação física se exprime em termos de uma função linear ou não linear de grandezas
adimensionais 1, 2, etc. onde essas grandezas podem ser compostas de grandezas dimensionais.
Ex: 1=x/x0: quociente entre deslocamentos; 2=vt/x: quociente entre (produto de tempo por velocidade)
e deslocamento. A relação 1= exp(2) é uma relação dimensionalmente correcta assim como qualquer
relação do tipo f(1, 2)=0.