MECANISMOS TERMOREGULADORES
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O Inverno e a Saúde Pública
1- Introdução
A época do Inverno apresenta características ambientais que influenciam directa e
indirectamente a saúde das populações, em geral, e, em particular, de alguns grupos
vulneráveis como os idosos, as crianças os doentes crónicos e os sem abrigo. Os efeitos
conhecidos devem-se a um conjunto de factores e situações de risco ambientais
modificados ou específicos como as temperaturas baixas, o aumento da humidade,
aumento da pluviosidade, neve e nevoeiros, e ainda maior queima de combustíveis
sólidos ou líquidos para fins de produção primária de calor para aquecimento
doméstico.
Os riscos mais comuns ligam-se às doenças agudas do aparelho respiratório (resfriados
e gripes) e às agudizações das doenças crónicas (asma e bronquites e outras dificuldades
ventilatórias) igualmente do aparelho respiratório mas também do foro musculo-
esquelético e mesmo mental. As lesões directas provocadas pelo frio associado a maior
humidade e ao vento, bem como as doenças ou sintomas resultantes da exposição a
poluentes químicos presentes nas habitações e locais de trabalho devidos às condições
impostas pelo Inverno, representam a face mais preocupante dos problemas de saúde
próprios desta época.
Todo este quadro genérico sofre um agravamento dramático quando conjugado com as
dificuldades próprias dos grupos de risco como os idosos, os sem abrigo, as crianças e
os doentes crónicos.
2- Baixa temperatura
As baixas temperaturas ambientais são responsáveis por perdas de calor do organismo
humano que em condições normais são compensadas quer pela produção interna de
calor quer pela sua retenção. O gradiente térmico entre a temperatura corporal e a
temperatura ambiente, associado à humidade e ao vento, são os factores de desafio que
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podem levar ao desequilíbrio térmico e às lesões provocadas pelo frio incluindo a
hipotermia.
O centro de regulação da temperatura situado no hipotálamo tem uma sensibilidade para
diferenças de temperatura inferiores a 0,5 graus Celsius e reage também aos estímulos
enviados pela pele, principal elemento de contacto e de troca de calor.
A temperatura interna normal do corpo humano é essencial para o metabolismo; já a
temperatura periférica não é tão importante. A defesa contra o frio faz-se em primeiro
lugar por vasoconstrição, diminuindo a circulação cutânea, seguida de calafrio ou
arrepio que produzem calor por reacções químicas necessárias à actividade muscular.
Este mecanismo é limitado visto que leva ao consumo da glucose muscular e à fadiga.
A actividade física e o vestuário são outras duas componentes para o equilibro térmico.
Os idosos, as crianças e as pessoas com doenças cardíacas, respiratórias e anemia são os
grupos populacionais mais susceptíveis aos efeitos adversos do frio.
O conforto térmico é o estado em que não é imposta qualquer sobrecarga significativa
aos mecanismos termoreguladores do corpo, permitindo assim condições óptimas de
todos os sistemas funcionais do organismo.
2.1 - Lesões provocadas pelo frio
Na sua generalidade, as lesões são devidas à baixa temperatura periférica associada à
vasoconstrição (redução da circulação de sangue) e localizam-se preferencialmente nas
mãos e nos pés e na pele exposta do nariz das orelhas e face.
Os principais factores que podem influenciar as lesões pelo frio são:
• baixas temperaturas
• vento e humidade
• exposição da pele ao frio
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• contacto com metais
• vasoconstrição
• desidratação
• déficit alimentar
• álcool, cafeína e nicotina
• algumas doenças, como a diabetes mellitus
A primeira resposta ao frio é a sensação dolorosa, seguindo-se a vasoconstrição, ficando
a área exposta pálida e fria com perda progressiva da sensibilidade.
Nos casos graves existe mesmo congelação das camadas superficiais podendo atingir as
mais profundas.
Para reaquecer, evitar o esfregar das partes atingidas. Nos casos ligeiros deve-se soprar
ar quente ou colocar a parte do corpo junto doutra zona quente. Nos casos mais graves
deve-se emergir em água quente, à temperatura do banho. Não se deve aquecer a seco.
No caso particular dos pés, deve ser assegurado que se mantêm secos, em meias quentes
e permeáveis, com calçado isolante e impermeável, mas que facilite o arejamento
interno. No caso de reaquecimento os pés devem ser mantidos em repouso, sem andar.
2.2- Hipotermia
A hipotermia é por definição um abaixamento da temperatura central, de tal modo que é
posta em causa a função muscular e cerebral normal. Acontece nas seguintes situações:
• ambientes muito frios
• uso inapropriado de vestuário ou equipamento
• elevada humidade
• fadiga ou exaustão
• desidratação
• fraca ingestão calórica
• inconsciência da hipotermia
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• abuso do álcool
• funções termo-reguladoras diminuídas
O primeiro sinal de hipotermia é o arrepio espontâneo, não controlado voluntariamente,
o aumento da função cardíaca e respiratória e a vasoconstrição periférica.
Não sendo reposto o equilíbrio, os arrepios agravam-se, perde-se a coordenação motora
fina das mãos, o discurso torna-se arrastado, adopta-se a atitude de não te rales e, por
vezes, comportamentos irracionais como tirar a roupa.
A morte por hipotermia ocorre por falência cardio- respiratória.
O principio básico de prevenção da hipotermia grave é conservar o calor do corpo e
substituir os líquidos com ingestão de água. O arrepio de frio ou calafrio tem a
capacidade de reaquecer o próprio até ao ritmo de 2 graus Celsius por hora.
Devem usar-se duas a três camadas de vestuário seco, aumentar a actividade física e
ingerir líquidos quentes e açucarados. A subida da temperatura ambiente deve ser
cautelosa, dado que o uso de outras fontes directas de calor pode provocar vasodilatação
súbita numa situação de redução de volume de sangue em circulação e provocar a
falência cardíaca.
Devem ser evitados o álcool (vasodilatador), o café (diurético) e o tabaco
(vasoconstrictor).
A hipotermia, especialmente nos idosos, associa-se frequentemente com as seguintes
condicionantes:
• baixas temperaturas do ar, nas salas e quartos de dormir;
• pobreza e isolamento social;
• deterioração geral da globalidade das funções orgânicas.
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Um número significativo de idosos morre de hipotermia durante os períodos frios,
ainda que nem sempre o diagnóstico específico seja possível.
A ingestão de álcool pode agravar o risco de hipotermia provocado pelo frio. Tal
situação deve-se a que:
• interfere na capacidade termo-reguladora do corpo humano;
• perturba o ajuizamento com vista à protecção adequada contra o frio (ex.
necessidade de usar vestuário adicional);
• provoca vasodilatação periférica, o que aumenta a perda de calor pela pele;
• reduz a capacidade de sentir o frio, visto que deprime o sistema nervoso
central.
2.3- Fenómeno e doença de Raynaud
Trata-se de um conjunto de sintomas e sinais resultantes de episódios de constrição das
pequenas artérias das extremidades, o que provoca palidez, seguida de cianose (pele
roxa) podendo levar a hiperémia reaccional (vermelhidão) e inchaço. Acontece mais
frequentemente nos dedos das mãos do que nos pés e pode ser provocado ou agravado
pelo frio ainda que não seja a única causa. A maior incidência é nas mulheres jovens.
Recomenda-se a protecção contra o frio, usando luvas e meias adequadas e evitando
tocar em objectos frios ou água fria.
3 – Chuva, gelo, neve e nevoeiros
A água, nas suas diversas apresentações, quando em contacto com o corpo humano,
constitui um factor de agravamento dos efeitos do frio na medida em que favorece a
perda de calor e dificulta o auto aquecimento. Associado ao vento aumenta ainda mais o
perigo do frio devido ao fenómeno de arrefecimento por evaporação da água.
O frio húmido produz efeitos adversos no sistema respiratório podendo agravar
dificuldades já existentes.
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A transpiração por exercício físico ou por vestuário muito pesado e ou apertado é um
factor que aumenta o perigo das baixas temperaturas.
As infiltrações e as humidades apresentam outro grave perigo para a saúde, resultante
da proliferação de fungos e bolores e outras bactérias no interior das habitações. A
produção de micotoxinas e de outros componentes microbianos são factores de risco de
alergias, irritações e mesmo infecções, particularmente nos indivíduos
imunocomprometidos. Deve ter-se em atenção que esta exposição doméstica pode ser
agravada se combinada com outros contaminantes, como o tabaco e outros produtos.
A retenção de água em contacto com produtos orgânicos, como o lixo, detritos
alimentares e folhas, favorece a proliferação de mosquitos e de outros vectores
causadores de picadas, alergias e, por vezes, transmissores de doenças.
O controlo da humidade no interior tem de ser feito, em primeiro lugar, pelo arranjo ou
eliminação das roturas e das infiltrações e, em segundo lugar, pela desumidificação
através de aparelhos apropriados. A remoção dos fungos e bolores deve ser feita com
água e lixívia.
O inverno e as suas condições ambientais representam um perigo para a circulação
rodoviária Estes factores climatéricos estão referidos, na generalidade da literatura,
como agentes causais de uma sinistralidade acrescida.
4 -Ventilação
Quando sobrevem o frio, é através da redução da ventilação que se consegue limitar a
perda de energia, afim de obter um ambiente térmico mais favorável.
Por outro lado, a necessidade de poupança de energia nos estabelecimentos comerciais e
de escritórios e industriais e mesmo nas novas habitações (janelas e portas estanques)
faz-se, muitas vezes, através da redução da renovação do ar, o que conduz
inevitavelmente a uma deterioração da qualidade do ar interior.
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Os objectivos de uma adequada ventilação são:
• evacuar o ar viciado por diversos poluentes e poeiras e remover os cheiros;
• trazer ar novo que dilua os contaminantes;
• lutar contra a humidade (a qual favorece o desenvolvimento de
microorganismos: bolores, fungos, leveduras e ácaros – origem de alergias e
de afecções respiratórias) e as condensações.
Contudo, é preciso conciliar dois objectivos: a ventilação e o isolamento térmico e
sonoro necessário ao conforto, de acordo com as necessidades fisiológicas próprias do
corpo humano, tendo em conta o seu nível de actividade.
O ar condicionado proporciona um microclima confortável, desde que sejam
adequadamente regulados os diversos parâmetros: velocidade de renovação do ar, taxa
de humidade e temperatura, tendo em conta a realidade da ocupação do espaço e as
diversas fontes de poluição pessoais ou artificiais.
Mas há que ter em atenção que estes equipamentos exigem manutenção regular afim de
evitar a proliferação de fungos e bactérias e a sua disseminação no ar interior (ex.
Aspergillus e Legionella).
Os meios de aquecimento que impliquem combustão necessitam de um tipo de
ventilação mais rigoroso que garanta a eliminação dos poluentes potencialmente
perigosos.
5 – As constipações, a gripe e as agudizações dos problemas respiratórios
As mudanças súbitas de temperatura, a inalação de ar frio e a convivência mais
prolongada em ambientes fechados são condições favoráveis à irritação e inflamação
das mucosas das vias aéreas superiores e à transmissão de vírus causadores de
constipações, da gripe e de outras afecções respiratórias.
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A agudização de alergias, incluindo a asma, e de outras doenças respiratórias crónicas é
muito mais frequente no inverno. O frio contribui igualmente para agudizar as doenças
de evolução prolongada, particularmente as musculo-esqueléticas (artrites) e a saúde
mental.
A gripe como infecção respiratória provocada pelo vírus influenza, com forte
sintomatologia de febre dores musculares e tosse, ainda que de evolução geralmente
benigna e autolimitada, assume muita importância nos grupos mais susceptíveis como
são os idosos, as crianças e os doentes respiratórios e os doentes crónicos em geral, pelo
que a Direcção Geral da Saúde recomenda a sua vacinação.
A prevenção das agudizações da asma e de outras afecções respiratórias implica que os
cuidados com a garantia de ambientes de conforto limpos e saudáveis devem ser uma
constante todo o ano, reforçada no inverno.
6-Meios de aquecimento
Os meios de aquecimento usuais, nomeadamente lareiras, recuperadores de calor,
salamandras e aquecedores eléctricos de filamento, podem provocar acidentes
indesejáveis por acção directa, através do contacto com as partes aquecidas dos meios
de queima, provocando acidentes com queimadura. Os riscos graves de incêndio e
explosão devem merecer uma especial atenção. De notar que são cada vez mais
referidos acidentes com acendalhas líquidas.
Outra consequência directa do uso deste tipo de meios de aquecimento é a libertação de
produtos químicos resultantes da combustão, como são: o monóxido de carbono e o
dióxido de azoto, poluentes com graves implicações para a saúde, podendo inclusive
provocar a morte. A captação e eliminação para o exterior destes tóxicos deve ser
garantida em todas as situações.
A perigosidade deste tipo de equipamentos inclui deficiências de instalação e de
funcionamento, sempre que não são asseguradas as normas do fabricante ou é descurada
a sua manutenção, ou quando é feito um uso indevido do mesmo.
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Atendendo às exigências de segurança e ao elevado perigo para a saúde dos seus
utilizadores é imperioso que seu funcionamento seja mantido sobre vigilância
permanente de adultos e, durante a noite, devidamente desligados ou apagados.
7 – Recomendações gerais
• Mantenha abertas as entradas e saídas de ar, particularmente nas cozinhas e
nas casas de banho;
• Desobstrua e limpe as condutas ou chaminés dos meios de queima antes de
iniciar a época do seu funcionamento;
• Ventile os espaços de maior e mais prolongada presença humana ou de
animais de estimação;
• Use vestuário adequado à protecção contra o frio e a chuva,
preferencialmente através do uso de várias camadas de roupa mais ligeira em
vez de um abrigo muito pesado;
• Mantenha o vestuário, sempre que possível, seco e quando molhado ou
transpirado troque-o;
• Em situações de frio intenso (actividades profissionais ou outras em
ambiente exterior) abstenha-se de ingerir bebidas alcoólicas e pratique uma
alimentação saudável, caloricamente adaptada (eventualmente reforçada com
hidratos de carbono);
• Na rua, use calçado isolante que limite a perda de calor e evite molhar os pés
e consequentemente o seu arrefecimento;
• Conduza tendo em atenção o estado de piso molhado e o grau de visibilidade
diminuído, devido a nevoeiros e neblinas;
• Colabore nas medidas ambientais de controlo da proliferação de mosquitos
(evite águas estagnadas com a presença de detritos orgânicos);
• Respeite as normas e instruções na instalação dos equipamentos de queima
para aquecimento (lareiras, recuperadores de calor, salamandras e outros);
• Garanta uma boa manutenção dos referidos equipamentos e use-os
correctamente;
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• Dê especial atenção à eliminação dos produtos de combustão, em especial o
monóxido de carbono;
• Garanta a vigilância do processo de queima, que nunca deve ser deixado
sozinho;
• Desligue ou apague os aparelhos de combustão sempre que se ausente de
forma prolongada;
• Aplique medidas de protecção (barreiras), para evitar queimaduras por
contacto, de crianças e animais domésticos;
• Tenha de forma acessível um extintor caso tenha lareira, recuperador de
calor ou salamandra;
• Não coloque próximo dos aquecimentos materiais ou mobílias que possam
pegar fogo;
• Nunca use braseiras ou grelhadores a carvão dentro de casa;
• Caso se encontre dentro dos grupos de risco (mais de 65 anos, residente em
lar ou outras instituições, portador de doença crónica) deve vacinar-se contra
a gripe.
Lisboa 20 de Outubro de 2003
Carlos Silva Santos
António Tavares