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Eduardo Guilherme de Moura Paegle A “MCDONALDIZAÇÃO” DA FÉ. O CULTO COMO ESPETÁCULO ENTRE OS EVANGÉLICOS BRASILEIROS Tese submetida ao Programa de Pós- Graduação Interdisciplinar em Ciência Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Doutor em Ciências Humanas Orientador: Prof. Dr. Selvino José Assmann Florianópolis 2013

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  • Eduardo Guilherme de Moura Paegle

    A MCDONALDIZAO DA F. O CULTO COMO ESPETCULO ENTRE OS EVANGLICOS

    BRASILEIROS

    Tese submetida ao Programa de Ps- Graduao Interdisciplinar em Cincia Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina para a obteno do Grau de Doutor em Cincias Humanas Orientador: Prof. Dr. Selvino Jos Assmann

    Florianpolis 2013

  • Ficha de identificao da obra elaborada pelo autor, atravs do Programa de Gerao Automtica da Biblioteca Universitria da UFSC.

    Paegle, Eduardo Guilherme de Moura A "mcdonaldizao" da f. O culto como espetculo entreos evanglicos brasileiros / Eduardo Guilherme de Moura Paegle ; orientador, Selvino Jos Assmann ; co-orientador,Joo Klug. - Florianpolis, SC, 2013. 266 p.

    Tese (doutorado) - Universidade Federal de SantaCatarina, Centro de Filosofia e Cincias Humanas. Programade Ps-Graduao Interdisciplinar em Cincias Humanas.

    Inclui referncias

    1. Interdisciplinar em Cincias Humanas. 2.evanglicos. 3. mcdonaldizao religiosa. 4.neopentecostais. 5. espetculo. I. Assmann, Selvino Jos.II. Klug, Joo. III. Universidade Federal de SantaCatarina. Programa de Ps-Graduao Interdisciplinar emCincias Humanas. IV. Ttulo.

  • Para Edmundo e Leila, meus pais

  • AGRADECIMENTOS

    Na minha trajetria acadmica de doutoramento, sou

    imensamente grato por muitas pessoas que me ajudaram durante esses ltimos quatro anos. Vejo mais como uma tarefa coletiva, que me faz por justia devo agradecer a todos que contriburam neste percurso. Peo perdo de antemo aqueles que fizeram parte deste processo e tiveram os seus nomes omitidos aqui.

    Agradeo primeiramente a Deus, sentido da minha existncia. Sou extremamente grato aos meus pais, Edmundo e Leila pelo apoio em todos os sentidos, compartilhando alegrias e tristezas durante o doutoramento. Aos meus irmos pela ordem cronolgica: Leilane, Edmundo, Vincius, Brenda e Eric pela convivncia agradvel. Ao meu cunhado Mrcio e a Regina tambm sou agradecido. Lembro dos meus sobrinhos Lucca e Vtor e do meu av Edmundo com os seus noventa anos de vida bem vividos.

    Na academia, sou grato ao professor Dr. Selvino Jos Assmann por ter aceitado o desafio de me orientar e confiar no meu trabalho. Ao professor Joo Klug pelo incentivo e por acompanhar a minha trajetria acadmica, desde os tempos de graduao de Histria, quando o sonho de fazer um doutorado parecia bastante distante. Aos professores do Programa Interdisciplinar em Cincias Humanas que me instigaram ao aprendizado e a pesquisa, bem como os colegas do programa. Aos funcionrios do PPGICH, agradeo pela disponibilidade, boa vontade e servios prestados durante os quatro anos que passei aqui.

    Sou grato ao professor Dr. Paulo Raposo por viabilizar a minha ida para Lisboa e por desfrutar da hospitalidade lusitana. A professora Dra. Helena Vilaa pela troca de idias e sugestes nos dias agradveis que passei na cidade do Porto. A Capes pelo financiamento da bolsa, tanto a regular quanto a bolsa-sanduche que permitiu eu passar cinco meses em Portugal. Aos professores que aceitaram o desafio de participar da banca do meu doutoramento.

    Aos meus amigos da Comunidade Batista da Praia dos Ingleses, em especial o pastor Osvaldo e os jovens dessa Igreja, onde tenho compartilhado a f desde 2007. Aos amigos da Aliana Bblica Universitria (ABU), com o seu lema inspirador F que pensa, razo que cr nos encontros agradveis na UFSC e na hospitalidade dos seus lares.

    Aos amigos Denlton e Joo Rmulo, amizades mantidas desde os meus tempos de graduao e que continuam durante todos esses anos com muitas pizzas e agradveis bate-papos. Ao Fabio por

  • compartilharmos durante muitos anos de conversas sobre pesquisa e f. Ao Daniel pelos encontros futebolsticos de sbado tarde. Ao pastor Clio pelas conversas agradveis que tive na sua casa. Ao Eduardo Meimberg pelas parcerias acadmicas em vrios eventos. Aos escritores e pesquisadores que me inspiraram.

    Agradeo a todos que de alguma forma colocaram o seu gro de areia para que eu chegasse at aqui. todos eles, muito obrigado!

  • Amo muito Jesus Cristo (Parfrase numa camiseta escrita pelos evanglicos do slogan do Mcdonalds na capa da Revista Carta Capital em 25 de julho de 2012, ano XVII, n.707)

  • RESUMO

    Essa tese tem o objetivo de investigar de que forma os neopentecostais brasileiros foram influenciados pelos aspectos da mcdonaldizao religiosa, includos nessa anlise: a eficincia, a previsibilidade, o controle e a calculabilidade. Os shows espetaculares, as grandes concentraes de f, a forte presena miditica, a expressiva representatividade poltica, a modernizao litrgica, o mercado consumidor evanglico, a cultura do self, a influncia da teologia da prosperidade e da batalha espiritual no neopentecostalismo so elementos analisados como exemplos da mcdonaldizao do campo religioso brasileiro. Os neopentecostais ao aplicarem mtodos empresariais nas suas Igrejas e serem vistos como modelos de sucesso aparecem como o grupo mais visvel da aplicao dos elementos mcdonaldizados estudados. Tal processo, contudo, sofrem resistncias do cenrio evanglico brasileiro quanto fora como explicitado nas anlises dos blogs, sites, charges de humor evanglico e do famoso personagem de televiso (Tim Tones) criado por Chico Anysio, alm das crticas a teologia da prosperidade.

    Palavras-chave: evanglicos, mcdonaldizao religiosa, neopentecostais, espetculo e teologia da prosperidade.

  • ABSTRACT

    This thesis aims to investigate how the Brazilian neopentecostals were influenced by the religious aspects of McDonaldization, included in this analysis: efficiency, predictability, control and calculability. The spectacular shows, large concentrations of faith, a strong media presence, the significant political representation, liturgical modernization, evangelical consumer market, the culture of self, and influence of theology of wealth and health gospel and the spiritual battle in Neopentecostalism elements are analyzed as examples of McDonaldization of Brazilian religious field. The Neopentecostals when applying business methods in their churches and be seen as successful models appear as the group most visible elements of the application of mcdonaldization model studied. This process, however, suffer resistance in Brazilians evangelical field and outside as explained in the analysis of blogs, websites ,evangelical cartoons of humor and the famous character of Chico Anysios TV show (Tim Tones), beyond criticism health and wealth theology. Keywords: Evangelicals, religious McDonaldization, neopentecostalism, spectacle and health and wealth gospel.

  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 - TIPOLOGIA DE PAUL FRESTON .............................. 30

    QUADRO 2 - TIPOLOGIA DE RICARDO MARIANO ..................... 30

    QUADRO 3 - TIPOLOGIA DE ANTNIO GOUVA MENDONA ............................................................................................................... 31

    QUADRO 4 - TIPOLOGIA DE ARI PEDRO ORO ............................. 32

    QUADRO 5 - TIPOLOGIA DE ISRAEL BELO DE AZEVEDO........ 33

    QUADRO 6 - TIPOLOGIA DE JOS BITTENCOURT FILHO......... 33

    QUADRO 7 - TIPOLOGIA DE MAGALI DO NASCIMENTO CUNHA................................................................................................. 34

    QUADRO 8 - TIPOLOGIA DE PAULO DONIZTI SIEPIERSKI.....35

    QUADRO 9 - TIPOLOGIADE GEDEON FREIRE DE ALENCAR....35

    QUADRO 10 - MOMENTO DA TEOLOGIA PROTESTANTE BRASILEIRA ....................................................................................... 56

    QUADRO 11 - TIPOS IDEAIS '' SEITA-IGREJA''..............................76

    QUADRO 12 - PROTESTANTISMO DE MISSO............................79

    QUADRO 13 - AS PRIMEIRAS RELIGIES DO BRASIL DE 1980 A 2010 EM PERCENTUAIS.....................................................................88

    QUADRO 14 - AS RELIGIES NO BRASIL EM 2010 .. ..................89

    QUADRO 15 - ESTILO DE CULTO..................................................128

    QUADRO 16 - A DINMICA SEMANAL DA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS ....................................................................... 183

    QUADRO 17 - COMPARAO ENTRE AS IGREJAS UNIVERSAL DO REINO DE DEUS E A IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS .................................................................................................. 235

    QUADRO 18 - O NEOPENTECOSTALISMO E AS RESISTNCIAS AO SEU MODELO ............................................................................ 239

  • SUMRIO

    INTRODUO....................................................................................13

    1.OS EVANGLICOS NO CAMPO RELIGIOSO

    BRASILEIRO.......................................................................................18 1.1 AS TIPOLOGIAS E AS TERMINOLOGIAS DO CAMPO EVANGLICO BRASILEIRO .............................................................18 1.2. A PRODUO BIBLIOGRFICA SOBRE OS EVANGLICOS BRASILEIROS......................................................................................54 1.3 O CAMPO RELIGIOSO BRASILEIRO.........................................70 2. A MCDONALDIZAO RELIGIOSA........................................ 93

    2.1 A MCDONALDIZAO DA F................................................... 93 2.1.1 A EFICINCIA.............................................................................94 2.1.2 A CALCULABILIDADE...........................................................102 2.1.3 A PREVISIBILIDADE ..............................................................106 2.1.4 O CONTROLE............................................................................108 2.2.A MCDONALDIZAO, A GLOBALIZAO E O TRANSNACIONALISMO RELIGIOSO............................................110 2.3 A MIDIATIZAO DA RELIGIO............................................121 2.4 A ESPETACULARIZAO DO SAGRADO..............................127 2.5AS RESISTNCIAS MCDONALDIZAO E AO ESPETCULO RELIGIOSO..............................................................140 2.5.1 TIM TONES................................................................................141 2.5.2 BLOGS E SITES EVANGLICOS DE HUMOR.......................148 2.5.2.1 BLOG DE JASIEL BOTELHO................................................148 2.5.2.2 BLOG DO GENIZAH..............................................................155 2.5.3 NA LITERATURA.....................................................................158 2.6 OS EVANGLICOS NO ESPAO PBLICO.............................164 2.6.1 A MARCHA PARA JESUS....................................................164 2.7 CARISMA......................................................................................169 3. UM ESTUDO DE CASO: A IGREJA MUNDIAL DO PODER

    DE DEUS.............................................................................................175 3.1 UMA BREVE HISTRIA DA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS.............................................................................................175 3.2 A MCDONALDIZAO NA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS............................................................................................183 3.2.1 A EFICINCIA...........................................................................183 3.2.2 A CALCULABILIDADE...........................................................191

  • 3.2.3 A PREVISIBILIDADE...............................................................195 3.2.4 O CONTROLE............................................................................197 3.3 UMA ANLISE DO CULTO NA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS...............................................................................199 3.4 A IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS EM PORTUGAL.........................................................................................219 3.5 A MDIA DA IGREJA MUNDIAL DO PODER DE DEUS........230 CONSIDERAES FINAIS.............................................................235

    BIBLIOGRAFIA................................................................................243

    ANEXOS.............................................................................................260

    ANEXO 1 MODELO DE OBSERVAO DO DIRIO DE CAMPO................................................................................................260 ANEXO 2 FOTOS DA PESQUISA..................................................261

  • INTRODUO

    O objetivo central desta investigao acadmica que funciona como eixo norteador da pesquisa proposta compreender de que forma ocorreu e ainda ocorre uma mcdonaldizao religiosa entre os neopentecostais brasileiros. Usamos a metfora de mcdonaldizao utilizado pelo socilogo estadunidense George Ritzer (2008) 1 que se refere famosa rede de fast food (eficincia, calculabilidade, previsibilidade e controle),2 conforme a obra The mcdonaldization of society.

    A referida obra em si no se refere especificamente a religio ou a Igreja, embora haja breves menes sobre esses aspectos. A ideia central do livro de George Ritzer (2008) discutir de que forma os aspectos mcdonaldizados dominaram amplos setores da sociedade estadunidense e do resto do mundo, tentando mostrar que as repercusses culturais e comportamentais so maiores do que a rede de fast food McDonaldss permite supor. Tal rede de significados analisada na sociedade incluindo setores como alimentao, educao, tecnologia, sade, esporte e religio. McDonaldss, enquanto um cone global permite-nos, assim, compreender a utilizao do termo mcdonaldizao como uma metfora para descrever a sociedade contempornea, conforme mostraremos com a anlise de um grupo das Igrejas neopentecostais nascidas no Brasil.

    Partimos da hiptese de que so quatro caractersticas da mcdonaldizao do campo religioso brasileiro que podero guiar a anlise: a eficincia, a calculabilidade, a previsibilidade e o controle. No Brasil, apesar de haver inmeros estudos sobre o neopentecostalismo brasileiro,3 com exceo da obra de Luiz Alexandre Solano Rossi (2008), intitulada Jesus vai ao Mcdonalds: teologia e sociedade de consumo, desconhecemos outros trabalhos acadmicos em relao investigao proposta. O referido livro situa-se numa linha de ao de criticar a valorizao de uma f e de uma teologia que interpreta o

    1 A primeira obra de George Ritzer de 1995 com posteriores ampliaes e revises desde ento. 2Os elementos mcdonaldizados citados (eficincia, previsibilidade, controle e calculabilidade) so abordados mais teoricamente no captulo dois em termos mais gerais e na aplicao em relao ao estudo de caso da Igreja Mundial do Poder de Deus no captulo trs. 3 Para anlises sobre o neopentecostalismo brasileiro ver os seguintes autores: Leonildo Silveira Campos (1997), Ricardo Mariano (2005), Gedeon Alencar (2005), Magali Cunha (2007) e Ricardo Bitun (2007).

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  • consumo e o individualismo como a nica resposta possvel em detrimento de uma tica que valoriza a dimenso social do cristianismo e a solidariedade. O foco da crtica a teologia da prosperidade que considera a aquisio de posses como o nico paraso possvel.

    Fora do Brasil, o estudo que relaciona a Igreja com a mcdonaldizao e que consideramos a contribuio mais significativa foi a do telogo escocs anglicano John Drane (2000), no livro chamado de The mcdonaldization of the church: consumer culture and the churchs future numa crtica numa perspectiva mais europia. Percebemos que as duas obras (de John Drane e de Luiz Alexandre Solano Rossi) esto ligadas mais a uma abordagem teolgica do que ligadas s cincias humanas, como propomos na presente tarefa investigativa. Aqui pretendemos, enfatizar a leitura historiogrfica e etnogrfica, mesmo no abandonando o aspecto teolgico. Alm disso, os dois livros defendem o fato de associar a mcdonaldizao com uma teologia desumanizadora, embora em contextos diferentes. Tal teologia tem um carter prescritivo como uma receita de remdio para curar os males espirituais.

    No processo de mcdonaldizao da f dentro do campo religioso evanglico existem conexes entre a religio e o mercado. Peter Berger (1985), outro referencial terico, compreendeu ideia de uma desregulamentao do campo religioso na qual a perda da capacidade das autoridades de impor os seus valores para a sociedade como um todo resultou na ruptura do monoplio religioso e criou condies para uma venda de bens simblicos dentro de um mercado religioso. Essa caracterstica permitiu a existncia de um trnsito religioso, ou seja, da circulao dos bens simblicos oferecidos no mercado de acordo com as demandas.

    Num mundo globalizado, que implica numa maior circulao de bens, capitais, pessoas e servios em fluxos cada vez mais rpidos e que afeta tambm os aspectos religiosos, percebemos neste quesito, que as tradies outrora impostas passam a ter que competir com novos bens simblicos na busca de respostas espirituais. Podemos descrever esse processo como destradicionalizao (PIERUCCI, 2004). Buscamos compreender como a mcdonaldizao atua sobre esse processo de destradicionalizao. Os neopentecostais no se consideram como herdeiros da tradio reformada do sculo XVI e no se vinculam, portanto, ao referido movimento reformado como parte de sua origem. Dessa forma, a eficcia neopentecostal busca se sobrepr a legitimidade do discurso reformado mais antigo e mais tradicional, neste sentido.

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  • Nesta pesquisa nos propomos a ideia de campo religioso (BOURDIEU, 2005), entendido com o local das disputas entre os atores na relao demanda-oferta dos bens simblicos compostos por agentes religiosos mais ou menos tradicionais. O que est em jogo a eficcia simblica do discurso e de que forma ele absorvido, compreendido e assimilado pelos fiis.

    O captulo 1 busca descrever a heterogeneidade do cenrio evanglico brasileiro. Ateno importante dada aos neopentecostais. Analisaremos as crticas aos modelos neopentecostais, naquilo que chamamos das resistncias presentes na literatura, nos blogs e no humor ao processo de mcdonaldizao e espetculo religioso. A exacerbao da metfora da mcdonaldizao usada como ferramenta para a compreenso de anlise de uma tica pouco usual nos estudos referentes aos evanglicos brasileiros.

    Um maior foco na pesquisa foi sobre as duas Igrejas que analisaremos a Igreja Universal do Reino de Deus e a Igreja Mundial do Poder de Deus, ambas neopentecostais. Considerando que a Igreja Mundial do Poder de Deus uma irm de sangue, pois surgiu de uma ciso da Igreja Universal do Reino de Deus em 1998, as hipteses sero de abordar quais as caractersticas semelhantes e distintas entre as duas denominaes neopentecostais. E de que forma ocorrero as aplicaes dos processos de mcdonaldizao institucional. Elementos como a existncia de um menu bsico como uma dinmica semanal, a existncia de uma burocracia (normas e regulamentos) e a ofertas de bens simblicos tangveis e intangveis sero importantes ferramentas metodolgicas do ponto de vista da mcdonaldizao.

    Utilizaremos tambm a teoria da escolha racional como metodologia na anlise das demandas, recompensas, benefcios e especialistas religiosos com aplicao aos evanglicos, enquanto objeto de pesquisa (BAINBRIDGE; STARK, 2008).

    Outro autor importante ser Guy Dbord (1997) quando analisaremos a espetacularizao, quando aplicamos ao sagrado, embora o referido estudioso francs no o faa. Buscaremos a compreenso de qual o efeito da espetacularizao entre os evanglicos na sociedade contempornea e de que forma resignificam os elementos rituais (msica, carisma do lder e liturgia), contribuies financeiras, presena miditica e concentraes de f (principalmente na Marcha para Jesus).

    Para responder as hipteses levantadas valorizamos, alm da bibliografia existente acerca dos evanglicos brasileiros e dos tericos que anteriormente comentamos, fizemos uma pesquisa de campo.

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  • Realizamos aquilo que na antropologia se chama de observao participante que consistiu na presena nas atividades religiosas. Esse olhar sobre o fenmeno religioso in loco, permitiu descrevermos um dirio de campo com diversas anotaes sobre o fenmeno religioso. Conversas informais com membros e lderes eclesisticos; fotografia das atividades religiosas; gravaes de udio e vdeo; entrevista com uma fiel; coleta de dados nos questionrios; anlises de sites e vdeos na Internet e a coleta de objetos (panfletos e objetos sacralizados) durante os cultos possibilitaram a formao de um rico material que auxiliou na investigao. Uma das dificuldades foi o fato dos pastores evitarem entrevistas para a pesquisa, provavelmente com receio das informaes prestadas serem usadas contra a prpria denominao. Um caso interessante ocorreu na Igreja Mundial do Poder de Deus na qual um pastor recusou a entrevista porque o seu superior no havia autorizado.

    A pesquisa de campo etnogrfica ocorreu em Florianpolis e em Lisboa (Portugal). Na capital lusitana estivemos com bolsa-sanduche da CAPES durante o perodo de maio a setembro de 2012. Analisaremos a Igreja Mundial do Poder de Deus no campo religioso portugus dentro do processo expanso das Igrejas made in Brazil num contexto diferente da sua origem. O fato de termos elementos para a anlise ser til para compreendermos a mcdonaldizao alm das fronteiras brasileiras numa perspectiva comparada. No anexo um, temos um breve roteiro que elencou os pontos de pesquisa de campo observados

    Devido ao uso notadamente dos elementos de anlise oriundos da sociologia (estudo das tipologias evanglicas, dominao carismtica e mcdonaldizao), da histria (origem das denominaes e desenvolvimento), da teologia (confisso de f positiva), da antropologia (etnografia), da economia (marketing e consumo), da administrao (estruturao da hierarquia denominacional) e dos estudos de mdia (tele-evangelismo, Internet e rdio) consideramos que a investigao necessita de uma perspectiva interdisciplinar conforme presenciaremos na leitura desta tese.

    Entendemos que o fato da trajetria acadmica na rea de Histria (tanto na graduao4 quanto no mestrado5) ter como campo de

    4 O tcc defendido em 2003 no curso de Histria da UFSC se chamou A Histria da Igreja Presbiteriana do Estreito (1939-1960). 5 A dissertao de mestrado defendida em 2006 no curso de Histria da UFSC se chamou A posio poltica da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) nos anos de chumbo (1964-1985).

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  • estudo os evanglicos (especificamente, os presbiterianos) permitiu uma familiaridade maior com o tema desta pesquisa, embora se constitusse um desafio. Desafio, por buscar a compreenso alm da esfera disciplinar da Histria. Observamos familiaridade tambm pelo fato do pesquisador ser oriundo de uma famlia presbiteriana e atualmente congregar numa Igreja batista, alm de te sido funcionrio do Mcdonalds no comeo da sua carreira profissional. Entendemos por honestidade intelectual, admitirmos tais observaes na introduo dessa tese. A contribuio desta tese de ser um dos pioneiros na investigao dos neopentecostais sob a lente da mcdonaldizao, alm de ser o primeiro trabalho a retratar as resistncias ao referido processo de mcdonaldizao atravs dos blogs de humor evanglico e do personagem Tim Tones.

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  • 1.OS EVANGLICOS NO CAMPO RELIGIOSO

    1.1 AS TERMINOLOGIAS E AS TIPOLOGIAS DOS

    EVANGLICOS BRASILEIROS

    Este captulo tem como objetivo apresentar as terminologias referentes aos evanglicos e suas tipologias, com caractersticas de cunho histrico, teolgico, antropolgico e sociolgico. Atualmente cada vez mais incorreto considerar os evanglicos como um bloco monoltico e coeso, ainda mais no Brasil, por isso, julgamos necessria a familiarizao com os conceitos que consideramos chaves para uma melhor compreenso desta tese.

    Cabe um esclarecimento inicial. Partimos do pressuposto metodolgico de que nem todos conhecem ou tm domnio preciso das terminologias e tipologias existentes ao nos referirmos aos evanglicos. O dinamismo dos evanglicos brasileiros, sobretudo, nas duas ltimas dcadas tem dificultado qualquer tipo de consenso, seja por parte dos estudiosos, seja por parte dos prprios pastores e telogos nas Igrejas, o que dificulta ainda mais a tarefa tipolgica que propomos inicialmente. interessante, neste sentido, perceber como comea a obra de Clara Mafra (2001, p.7)

    Bblia, crente, acatlico, seita, bode, protestante, histrico, povo avivado, pentecostal, neopentecostal, pentecostal autnomo, renovado, escolhido por Deus, evanglico progressista. Boa parte da literatura sobre os evanglicos no Brasil se detm sobre a questo que a lista anterior levanta: como classificar a diversidade dos seguidores de uma religiosidade cuja origem remonta Reforma quais so os agrupamentos, sua origem, suas tendncias, seus valores, sua legitimidade social, os segmentos que devem ser excludos, sua atuao poltica. Os desacordos so muitos, entre quem classifica, entre quem nomeado e entre uns e outros, num campo saturado de mal-entendido e desacordos.

    Inicialmente, poderamos nos questionar sobre o que

    entendemos quando usamos a expresso evanglicos? O termo evanglicos apresenta um significado ligado crena nos Evangelhos,

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  • ou seja, na Bblia, no sentido mais literal, daqueles que cr em nas boas-novas, representado pela morte e ressurreio de Jesus Cristo (ORO, 1996, p.19). Por sua vez, a expresso em ingls, gospel, bem divulgado no Brasil, pode-se referir tanto, como adjetivo, aos evanglicos, relativo ao grupo religioso que segue a Bblia, quanto, como substantivo, ao prprio Evangelho.

    Outra definio possvel do termo evanglicos est descrita a seguir:

    Evanglicos o termo genrico usado no Brasil para designar membros das Igrejas Protestantes. Em outros pases, em especial nos Estados Unidos e na Europa, o termo evangelicals refere-se a uma tendncia de diferentes grupos protestantes. No Brasil, o termo passou a ser utilizado a partir das prticas dos missionrios norte-americanos que haviam implantado o protestantismo no comeo da segunda metade do sculo XIX: eles eram evangelicals ou evanglicos, ou seja, adeptos do conservadorismo protestante, que desejavam afirmar a sua fidelidade ao Evangelho e no cincia ou razo humana. Essa corrente protestante foi a promotora do movimento das Alianas Evanglicas, iniciativa da associao de Igrejas protestantes, nascidas na Inglaterra no final do sculo XIX. Eram associaes caracterizadas pela teologia dos movimentos pietistas e fundamentalistas pela unio de todos os protestantes a fim de formar uma frente nica para disputar o espao com o catolicismo interpretado como o nico empecilho ao avano missionrio iniciado no final do sculo XVIII. A influncia desse movimento alcanou o Brasil expressivamente no incio do sculo XX, com o avano de projetos missionrios protestantes em todo o mundo, patrocinados pelas Alianas Evanglicas. Muitas denominaes brasileiras acrescentaram aos seus nomes a expresso evanglica como uma identificao da sua natureza. O termo crente usado desde o princpio do protestantismo brasileiro para identificar os adeptos dessa confisso, empregado de forma pejorativa ao longo do tempo, foi substitudo por evanglico para designar os

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  • adeptos e as igrejas no catlicas. O termo protestante raramente foi utilizado para designar os no catlicos no Brasil, sendo mais adotados por historiadores e estudiosos da teologia e da religio (AZEVEDO; GEIGER, 2002, p.153-154).

    Entre os evanglicos, citamos os movimentos pietistas, que

    surgiram no final do sculo XVII, atravs da obra Pia desideria, de Jacob Spener6 e August Hermann Francke7, dentro do luteranismo. O movimento pietista entendia que as formas de viver a f (a piedade pessoal) eram mais importantes do que o conjunto das verdades defendidas dogmticas. O centro do movimento pietista foi a universidade alem de Halle, de onde se difundiu (Id., p.292).

    A experincia pessoal com Deus atravs de um novo nascimento no Esprito Santo e a busca contnua da santificao contribuiu em grande medida para o surgimento do metodismo e do pentecostalismo (ARAJO, 2007, p.586-587). Em oposio ao pietismo, havia o fundamentalismo, termo surgido no sculo XIX, no Tenessee (E.U.A.), com o pastor batista Curtis Luiz, para defender o carter inerrante da Bblia, o nascimento virginal de Jesus, a ressurreio fsica de Cristo e a autenticidade dos milagres de Jesus. O termo fundamentalismo surgiu num jornal que Curtis Luiz publicou chamado Watchman Examiner, sendo posteriormente adotado pelos seus companheiros da f (AZEVEDO; GEIGER, 2002, p.163).

    A defesa da f no sculo XIX e incio do sculo XX, quando a Bblia estava sendo atacada pelo evolucionismo darwinista e pelo liberalismo teolgico,8 deu origem a uma obra editada por A.C. Dixon9

    6Telogo luterano alemo (1635-1705), considerado o pai do pietismo, pois defendia a necessidade de uma vida piedosa dos cristos, num momento em que o cristianismo, na sua viso, estava em decadncia em que se valorizava mais o dogmatismo do que vivncia da f. 7 Tambm telogo luterano. Filho de um juiz na cidade de Lbeck (1663-1727). Teve contato com Philip Spener na regio de Dresden. Pelo seu pietismo foi impedido de lecionar em Leipzig em 1690, cidade onde se formara. Organizou um seminrio, uma escola de ensino mdio para quatrocentos alunos, um orfanato para cento e quarenta crianas, um stio para plantao de verduras e criao de animais, uma editora, uma farmcia, um lar para vivas, um refeitrio que atendia duzentas e cinqenta estudantes carentes e uma obra missionria na ndia. Nos ltimos trinta e seis anos de vida atuou como pastor em Glaucha e professor na Universidade de Halle. 8A crtica do liberalismo teolgico foi fruto da busca de um Jesus histrico, e no de um Jesus dogmtico, atravs de pressupostos cientficos. Dessa forma, os

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  • e R.A. Torrey,10 numa coletnea de artigos teolgicos, intitulados The fundamentals, em portugus, Os fundamentos, entre 1910-1915 da populariza-se a expresso fundamentalista (ARAJO, 2007, p.615-616). O fundamentalismo chamou mais ateno nos EUA, em 1925, quando John T. Scopes11 foi condenado por ensinar a teoria da evoluo, numa escola pblica, na cidade de Dayton (Tenessee), naquilo que ficou conhecido como o Julgamento do macaco. Desde ento, o fundamentalismo tem sido considerado como anti-intelectualista e como ideologia que dificulta o progresso socioeconmico dos EUA (Ibid.). Os grupos fundamentalistas por serem considerados como nicos portadores da verdade apresentavam um forte carter apologtico, rejeitando doutrinas antibblicas.

    A influncia dos fundamentalistas entre os evanglicos foi e inegvel. Cabe-nos uma ressalva neste ponto. Procuramos usar o termo evanglicos no plural, dada a diversidade para qual as tipologias religiosas que abordaremos apontam. Neste sentido, os evanglicos incorporam tanto os grupos que chamamos de protestantismos quanto dos (neo) pentecostalismos (MENDONA; VELASQUES FILHO, 1990, p.11). Um dos pontos que uniu os

    defensores do liberalismo teolgico defendiam que a Bblia estava sujeita a uma crtica literria, como qualquer outro livro, excluindo-se a defesa da Bblia como livro inspirado por Deus, bem como desconsiderando os inmeros milagres descritos, pois no seriam provados luz da cincia, constituindo um dos inimigos da ortodoxia protestante. 9Anzi Clarence Dixon (1854-1925) nasceu em Shelby, na Carolina do Norte (E.U.A.). Aos 21 anos se formou em teologia na Carolina do Norte. Foi pastor batista em diversas igrejas, como o Brooklyn, Baltimore, Boston, Chicago e Londres. Foi tambm conferencista e escritor, considerado um dos principais defensores da ortodoxia protestante. 10Reuben Archer Torrey (1856-1928) nasceu em Hoboken, Nova Jersey (EUA.). Com formao teolgica em Yale (EUA) em 1875. Foi ordenado pastor congregacional, tendo pastoreado na cidade de Chicago e Los Angeles. Participou dos diversos avivamentos espirituais em diversos pases, como Gr-Bretanha, China, ndia, EUA, Japo, Austrlia e Canad, no incio do sculo XX. Tambm participou da vida acadmica, sendo o deo da Universidade Biola, em Los Angeles, onde atualmente existe um instituto com o seu nome. 11John T. Scopes (1902-1970) nasceu em Paducah, no Kentucky. Formou-se em Direito na Universidade de Kentucky, em 1924. Um ano depois, como professor, desafiou as leis do Kentucky, ao ensinar a teoria da evoluo numa escola pblica, em Dayton, no Tenessee, o que era considerado inconstitucional naquele estado. Em 21 de julho de 1925 foi considerado culpado e pagou uma multa de 100 dlares, na votao que ele perdeu por 3 x1. A lei que proibia o ensino da teoria da evoluo permaneceu at 1967 no Tenessee.

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  • evanglicos foi o seu aspecto anticatlico, como por no aceitar a virgindade de Maria, a adorao aos santos, a autoridade papal, a orao para os mortos, o purgatrio, entre outros dogmas catlicos. O catolicismo foi definido pela viso da unidade. Unidade esta que institucional e hierarquizada, enquanto os evanglicos foram definidos pela ideia de verdade, ignorando o problema da unidade eclesistica presente no catolicismo (ALVES, 1982, p.101).

    Assim como utilizamos a expresso evanglicos, no plural, tambm o fazemos para os protestantismos, porque ao contrrio da tradio catlica, os protestantismos do sculo XVI foram muito mais longe na variedade das tendncias e instituies que geraram, e desde cedo se revelaram incapazes de conservarem-se unidos. (MENDONA; VELASQUES FILHO, 1990, p.11). Na verdade, no temos um movimento reformado na Europa do sculo XVI, mas sim, quatro movimentos reformados (luterano, calvinista, anglicano e anabatista).

    A Reforma luterana foi a primeira, e teve a sua doutrina nas propostas de Lutero,12 contra os abusos econmicos e teolgicos das indulgncias (seja pelo abuso financeiro que a venda das indulgncias gerava, agravada pela construo da Baslica de So Pedro, seja na falsa segurana provocada pela compra das indulgncias, nas crenas que esse atestado, purgaria os pecados dos seus compradores); contra as relquias (objetos sagrados que eram comercializados); a Bblia como nica fonte de autoridade (e no mais a autoridade das bulas papais); a salvao pela f e no pelas obras; o sacerdcio universal, que valorizava a vocao do leigo, como pontos importantes de um novo movimento que daria origem a um segmento evanglico (DELUMEAU, 1989, p. 59-114; 273-290; LUTERO, 2004, p. 21-34).

    A Reforma calvinista foi o segundo movimento. Apresentou como carter distintivo em relao reforma luterana o conceito de predestinao, que defendia a ideia de que Deus escolhe o ser humano para a salvao ou para a danao eterna, de acordo com a Sua soberania, no cabendo ao homem discutir os critrios de Deus, sendo, portanto, diferente do conceito teolgico arminianista, na qual o homem que escolhe a salvao e tambm da concepo que o homem salvo pelas boas obras (DELUMEAU, 1989, p. 115-136).

    A Reforma anglicana, por sua vez, foi a nica das Reformas que defendeu a manuteno das relaes entre o Estado e a Igreja, ocorrida

    12 Para maiores detalhes sobre a biografia de Lutero ver a obra FEBVRE, Lucien. Martinho Lutero, um destino. Traduo de Dorothe de Bruchard. So Paulo: Trs Estrelas, 2012.

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  • na Inglaterra. Oriundo da separao do rei ingls Henrique VIII de Catarina de Arago, para que o rei se casasse novamente com Ana Bolena, devido ao fato de que o papa no aceitou a separao e excomungou o rei. Henrique VIII criou uma nova Igreja, o anglicanismo, que misturava uma formalidade ritualstica tipicamente catlica com uma doutrina calvinista, atravs do Ato de Supremacia de 1534 (DELUMEAU, 1989, p. 138-142). No fundo, o rompimento da Igreja inglesa com Roma tambm era fruto do descontentamento dos britnicos em relao s condutas morais do clero, a busca incessante pelos benefcios financeiros e o desregramento disciplinar (AZEVEDO; GEIGER, 2002, p.163).

    A Reforma anabatista provavelmente a menos comentada. Os anabatistas congregam diversos grupos que eram contrrios ao batismo infantil, e por isso defendiam que as pessoas deveriam ser rebatizadas, da o termo, anabatista, que significa rebatizadores; a separao entre a Igreja e o Estado, o pacifismo radical, a rejeio da propriedade privada; bem como a defesa de uma vida comunitria, sendo que as perseguies sofridas, como na Guerra dos Camponeses, em 1525, deram um carter de solidariedade e unidade (Id., p.32-33).

    Os movimentos reformados foram anteriores ao surgimento do termo protestante. Assim, no de se estranhar, que o referido termo, assim mesmo, no singular, surgiu apenas em 1529, na Dieta de Speyer,13 ocasio na qual os luteranos protestaram (da, a origem do nome) contra um decreto imperial que permitia que o imperador escolhesse a religio oficial do Estado (no latim, cujos regio eius religio) (Id., p.297). O fato de que, nos estados alemes, onde o rei era luterano, haveria liberdade de culto para os catlicos, e nos estados onde o rei era catlico no houvesse liberdade para as populaes luteranas, fez com que os luteranos protestassem contra essa situao. A terminologia, inicialmente, entendia protestantes como sinnimo de luteranos, mas com as posteriores reformas calvinistas, anglicanas e anabatistas, deixam de existir essa exclusividade luterana.

    Clara Mafra (2001, p.8) lembra-nos que nos Estados Unidos, por exemplo, o equivalente de nosso 'evanglico' Protestantism, e o nosso protestantismo recebe l a denominao de Main-Line Protestant

    13Interessante observarmos neste ponto, que damos como data da Reforma Protestante, o dia 31 de outubro de 1517, quando o monge Martinho Lutero afixou as 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittemberg, ou seja, doze anos antes do efetivo uso do termo protestante. Em algumas obras, o texto aparece aportuguesado e traduzido como Spira, para o nome alemo de Speyer.

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  • Church. Neste sentido, podemos dizer que os protestantismos de linha principal so os originrios das reformas do sculo XVI. Os protestantismos oriundos do sculo XVI possuem alguns pontos doutrinrios em comum, tais como a justificao pela f, o sacerdcio universal dos crentes e a autoridade da Bblia (DELUMEAU, 1989, p. 59-84).

    Para H. Richard Niebuhr (1992), as divises denominacionais evanglicas que ele enxergou no campo religioso dos EUA estavam muito mais ligadas s questes ticas, religiosas, polticas e histricas do que as divergncias teolgicas. O voluntarismo e a separao da relao Estado da Igreja exerceram uma forte influncia nesse ponto e tem essa mentalidade trazida pelos batistas, presbiterianos e metodistas que chegaram atravs de missionrios estadunidenses, trazendo os conflitos do seu pas de origem para o Brasil. A ciso, por exemplo, da Igreja Presbiteriana em duas em 1903, que dividiu a Igreja Presbiteriana do Brasil de um lado e o da Igreja Presbiteriana Independente, trouxe a questo de que tipo de modelo eclesistico deveria ser adotado. Enquanto a Igreja Presbiteriana do Brasil defendia a nfase na educao atravs das escolas (da surgiu a Universidade Mackenzie em So Paulo) com um evangelismo indireto, a ideia de uma Igreja-me nos EUA que controlasse financeiramente a Igreja brasileira e a aceitao de pastores maons; a Igreja Presbiteriana Independente defendia um evangelismo direto, a autonomia financeira da Igreja brasileira e a proibio de pastores maons. As divergncias entre o Norte e o Sul dos EUA na mentalidade tambm funcionaram como os germes da dissidncia presbiteriana.

    Outros grupos que compem o mosaico dos evanglicos so os pentecostais.14 Os pentecostalismos buscavam evidenciar os dons do Esprito Santo, tais como, o dom de lnguas,15 as curas, as profecias e os milagres.

    De maneira diferenciada, o pentecostalismo situa a centralidade do batismo no Esprito Santo16 para os que falam em lnguas,

    14Usamos o termo tambm entre aspas, porque mesmo entre os pentecostais no existe uma homogeneidade doutrinria. 15Existe um debate se os dons de lnguas seriam glossolalia (referente s lnguas espirituais) e se seria xenolalia (referentes s lnguas estrangeiras). Interessante perceber que o fenmeno dom de lnguas tambm est presente no catolicismo, sobretudo na Renovao Catlica Carismtica. 16O batismo no Esprito Santo apresenta dez caractersticas. A primeira caracterstica refere-se para todos que nasceram de novo e so habitados pelo Esprito Santo. A segunda caracterstica remete a Jesus Cristo quando ordena o

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  • distinguindo-se dos outros grupos evanglicos (ARAJO, 2007, p.119; ORO,1996, p.19). O termo pentecostalismo faz referncia descida do Esprito Santo, descrita em Atos, captulo 2, quando trata da Igreja crist primitiva:

    Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente veio do cu um som, como um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribudas entre eles, lnguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Esprito Santo e passaram a falar em outras lnguas, segundo o Esprito Santo lhes concedia que falassem. Ora, estavam habitando em Jerusalm judeus, homens piedosos, vindos de todas as naes debaixo do cu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multido, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua prpria lngua. Estavam, pois, atnitos e se admiravam, dizendo: Vede! No so, porventura, galileus todos esses que esto a esto falando? E como ouvimos falar, um em nossa prpria lngua materna? Somos partos, medos, elamitas e os naturais da Mesopotmia, Judia, Capadcia, Ponto e sia, da Frgia, da Panflia, do Egito e das regies da Lbia, nas imediaes de Cirene, e

    batismo no Esprito Santo para os discpulos cumprirem a sua misso. A terceira caracterstica entende o batismo no Esprito Santo, como sinal de regenerao. O quarto ponto compreende o batismo, como sinal da plenitude do Esprito. A quinta caracterstica lembra-nos do falar em lnguas como o sinal inicial do batismo no Esprito Santo. A sexta caracterstica, defende a ideia de que o batismo no Esprito Santo d fora e ousadia para a pregao e o testemunho no nome de Jesus Cristo. A stima caracterstica defende que, como fruto do genuno batismo do Esprito Santo, ocorre a apresentao de mensagens profticas e louvores, maior resistncia ao pecado, glorificao de Cristo, vises da parte do Esprito, manifestaes do dom do Esprito, maior desejo de orar e interceder, maior amor a Bblia, bem como a sua compreenso e uma maior convico que Deus o nosso Pai. O oitavo ponto defende os pr-requisitos para o batismo no Esprito Santo, que so: Aceitao da obra redentora de Cristo e santificao, o desejo deste batismo, resposta de orao a esse batismo e a convico que Deus batizar atravs do Esprito Santo. A penltima caracterstica defende a necessidade de santificao dos que foram batizados no Esprito Santo. A ltima caracterstica a ocorrncia de apenas uma vez do batismo no Esprito Santo.

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  • romanos que aqui residem, tanto judeus como proslitos, cretenses e rabes. Como ouvimos falar em nossas prprias lnguas as grandezas de Deus? Todos, atnitos e perplexos, interpelavam uns aos outros: Que isto quer dizer? Outros, porm, zombando, diziam: Esto embriagados! (BBLIA DE ESTUDO DE GENEBRA, 1999, AT. 2.1-13, p.1272-1273).

    O dia de Pentecostes a que refere o primeiro versculo do trecho

    citado representava o qinquagsimo dia depois da Pscoa, sendo uma das festas anuais de Israel Tambm era chamado de Festa das Semanas porque eram celebradas sete semanas depois da Pscoa e de Festa da Colheita, porque se ajuntavam os primeiros frutos da colheita. (Id., LV. 23.4-7;15-16, p.153; DT. 16.10, p.220; EX. 23.16, p.107).

    O pentecostalismo moderno institucionalizou-se no incio do sculo XX. Normalmente se atribui leitura do texto de Atos 2.4, que ao retratar a descida do Esprito Santo e no falar de lnguas no sermo do pastor William J. Seymour17 numa Igreja de nazarenos,18 na cidade de Los Angeles. Alm da converso, da santificao, havia tambm uma

    17 Willian Joseph Seymour (1870-1922) nasceu em dois de maio de 1870. em Centerville (Louisinia), sendo filho de escravos. Converteu-se na Igreja Metodista Episcopal de Indianpolis. Em 1905, no Texas, assistiu a aula de Charles Pahram na entrada da sala, j que pelas leis texanas permitiam apenas alunos brancos. Desobedecendo a um conselho de Charles Parham, Seymour aceitou o convite para cuidar de uma Igreja negra em Los Angeles, chegando l em 22 de fevereiro de 1906. Somente em abril daquele ano, recebeu o batismo do Esprito Santo e passou a pregar na rua Azusa, 312. Foi criticado por jornais locais e pelo prprio Parham, pelos seus gritos, berros e xtases. Em 1908, casou-se com Jennie Evans Moore. Entre 1907-1919, realizou inmeras conferncias pelo pas todo. Em 1915, escreveu uma obra intitulada The doctrines and disciplines of the azusa street apostolic faith mission of Los Angeles, Cal., onde defendia a valorizao do fruto do Esprito Santo mais do que o dom de lnguas, contra o racismo, condenao do sexo livre, bem como do adultrio e divrcio. Faleceu em 28 de setembro de 1922, vtima de um ataque cardaco. 18 A Igreja do Nazareno uma denominao crist protestante que surgiu do sculo XIX dos movimentos de santidade nos EUA e Europa. Criado em 1895 em Los Angeles (EUA) pelo presbtero metodista Phineas F. Breese e pelo mdico Joseph Widney. Posteriormente, esse grupo chamado de Oeste com o grupo do Leste chamado de Igreja Pentecostal do Nazareno entre 10-17 de outubro de 1917 na Primeira Assemblia ocorrida em Chicago. Nazarenos, portanto, o nome dado aos seus membros.

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  • terceira bno, que o batismo no Esprito Santo (CSAR; SHAULL, 1999, p.20). Tal interpretao fez com que William J. Seymour fosse expulso da Igreja dos nazarenos pela ento pastora Neely Terry,19 permitiu que ocorressem reunies em casas particulares na cidade. No dia seis de abril de 1906, uma criana de oito anos comeou a falar em lnguas com mais um grupo de pessoas. Dias depois, Seymour e outros defensores do dom de lnguas alugaram um antigo templo que era da Igreja Metodista Episcopal Africana e iniciaram o movimento com o nome de F Apostlica (em ingls, The Apostolical Faith), na rua Azusa, nmero 312, que atraa inmeros grupos evanglicos curiosos pelo fenmeno religioso e que se tornou tambm um centro de formao missionria para outros pases (Ibid.).

    Isael Arajo (2007, p.231-247) descreveu com riqueza de detalhes uma cronologia do pentecostalismo mundial, mostrando desde o sculo I at o sculo XX, as diversas manifestaes do Esprito Santo ao longo da histria, incluindo, claro, o dom de lnguas. Isael Arajo (2007, p.541-543; 239) comenta que, nos EUA, Charles Fox Parham,20 ligado ao movimento de santidade do meio-oeste estadunidense, orou em Topeka, no Kansas, para receber no idioma necessrio para partir em

    19Pastora afro-americana que convidou William Seymour para pregar em Los Angeles, aps assistir uma pregao dele em Houston, no Texas. 20Charles Fox Pahram (1873-1929) nasceu em Muscatine (Iowa). Ele foi o pioneiro do movimento pentecostal, pois definiu as doutrinas bsicas do pentecostalismo clssico: estilo evanglico de converso, santificao, cura divina, pr-milenismo, retorno escatolgico atravs do dom de lnguas. Durante a sua infncia sofreu vrios problemas de sade, como atrofia, febre reumtica, o que fez crescer a sua crena na cura divina. Estudou trs anos no Southwest Kansas College. Entre 1891-1895, assumiu o pastorado de uma Igreja metodista, influenciado pelo movimento de santidade. Posteriormente, com a experincia de cura divina na faculdade, criou um ministrio independente. Em 1898, junto com a esposa Sarah Thislethwaite, fundou a Casa de Cura Betel. Fez vrias viagens pelos EUA, presenciando a manifestao do dom de lnguas, no vero de 1900. Defendia o dom de lnguas como sinal do batismo do Esprito Santo e a necessidade de um grande avivamento para a volta de Cristo. Retornou a Topeka (Kansas) onde fundou uma escola teolgica, quando uma das alunas, Agnes Ozman, experimentou a esperada bno. O comeo foi tmido. Porm, na juno do dom de lnguas com as curas divinas, conseguira com o Movimento de F Apostlica, cerca de 8.000 a 10.000 seguidores, em 1906. As disputas com a Zion City (Illinois) e a acusao de sodomia o levaram ao ostracismo nas duas ltimas dcadas de sua vida. Cf. CAMPOS (2005, p.113) as suspeitas de homossexualidade, as inclinaes racistas e as suas relaes com a Ku Klux Klan e o fato de considerar os anglo-saxes como descendentes das dez tribos perdidas de Israel, bem como a invisibilidade do contexto scio-cultural soam usuais na historigrafia protestante.

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  • conjunto com outros missionrios a fim de se deslocarem para outros campos missionrios, em 1900.

    Numa das viagens para Shiloh, no estado de Maine, Charles Pahram manifestou pela primeira vez o dom de lnguas. A partir dessa experincia, passou a se convencer que a glossolalia representava a evidncia decisiva do batismo no Esprito Santo, que continha a chave para a evangelizao mundial, criando ele, o Movimento de F Apostlica (Apostolic Faith Movement) e fundou o jornal A f apostlica (The apostolic faith). Posteriormente, o contato de William Seymour com Charles Parham, na Escola Bblica de Parham, no Houston, Texas, fez com que o primeiro, aceitasse a mensagem pentecostal, em 1905. Um ano depois, Seymour popularizou o movimento na rua Azusa, em Los Angeles (Id., p. 239). Los Angeles, por ser uma cidade que recebia inmeros imigrantes, certamente, se tornou um lugar propcio para a propagao do dom de lnguas, de um fenmeno, que j se inicia transnacionalizado ou, em outras palavras, globalizado.

    Existem relatos de que no incio do sculo XX, outras regies do mundo tambm presenciaram o dom de lnguas, como com o pregador batista sueco Lewis Pethrus,21 em 1905; em Wonsan, na Coria do Sul, em agosto de 1903, no avivamento chamado Movimento do Esprito Santo, liderado pelo missionrio canadense R.A. Hardie;22

    21Lewi Petrus Pethrus (1884-1974) nasceu em Vstra Tunhem, na Sucia. Foi batizado aos 15 anos numa Igreja batista. Em 1900 se mudou para Oslo, na Noruega, para trabalhar como operrio. Dois anos depois j era co-pastor da Igreja batista na capital norueguesa. Em 1902 teve a primeira experincia de orar em lnguas. Em 1904 iniciou os seus estudos num seminrio batista em Estocolmo, onde se formou. Foi ordenado em 1906 com pastor batista em Lidkping. Interessou-se pelos avivamentos ocorridos na Noruega em 1907. De 1910 at 1913 pastoreou a stima Igreja batista de Estocolmo. Em 1913, casou-se com Lydia Danielsson. Pela sua liturgia pentecostal ele foi expulso da Conveno Batista sueca naquele mesmo ano. Defensor do movimento pentecostal independente, ele tornou-se o seu principal lder. Ele fundou a Igreja da Misso Filadlfia (1911), a Editora Filadlfia (1912), a Escola Bblica Filadlfia (1915), o peridico semanal Evangelii Hrold (1916), uma escola secundria (1942), um banco (1952), uma rdio (1955) e um partido poltico, a Coalizo Democrtica Crist (1964). Em 1916, enviou para o Brasil, o primeiro casal de missionrios, Samuel e Lyna Nystrn. Sustentou tambm o missionrio pioneiro da Assemblia de Deus no Brasil, Gunnar Vingren, tendo participado da primeira conveno da Assemblia de Deus, em 1930, na cidade de natal. Faleceu em quatro de setembro de 1974, em Estocolmo. 22Missionrio metodista canadense, responsvel pelo incio do movimento pentecostal na Coria do Sul.

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  • no Pas de Gales, entre 1904-1905, atravs do ministrio de Evan Roberts;23 na Inglaterra, em 1906, com o pastor Alexander Boddy24 e na Noruega, com o pregador britnico Thomas B. Barrat,25 frutos do ministrio de Azusa; h ainda relatos na ndia, em 1905, Sua e Finlndia, em 1906, no Egito e na China, em 1907 (ARAJO, 2007, p.116-117; 134-135; 239-240; 655-657).

    Considerando a sucinta discusso que tivemos em relao aos conceitos historicamente construdos sobre os evanglicos, os protestantismos e os pentecostalismos, agora podemos esboar uma tipologia religiosa. Claro, que entendemos neste ponto, que as classificaes ou tipologias religiosas baseadas em critrios histricos, sociolgicos e at mesmo antropolgicos, apresentam sempre um carter reducionista, pois privilegiam determinados critrios em detrimento de outros (MENDONA; VELASQUES FILHO, 1990, p.18). Na tentativa de atenuar essa falha, buscamos analisar diferentes tipos de classificaes, atravs de vrios autores brasileiros. Existe um grupo de

    23Evan Roberts (1878-1950) nasceu em Loughour. Na infncia trabalhou numa mina de carvo. Destacou-se como um pregador que conseguira atingir a classe trabalhadora galesa com a sua pregao. Estima-se que cerca de 100.000 pessoas tenham se convertido ao cristianismo no ministrio dele. Foi a figura principal no reavivamento gals de 1904-1905. Pregador formal, que contrariava os pregadores pentecostais mais incisivos, os discursos dele influenciaram a diminuio do consumo de bebidas alcolicas entre os trabalhadores. Ao se aposentar foi para a Inglaterra, passou o fim da vida em Cardiff (Gales), dedicando-se a poesia. Jamais se casou. 24Alexander Alfred Boddy (1854-1930) foi um influente lder pentecostal na Gr-Bretanha. Filho de um reitor anglicano. Estudou teologia em Durham. Pastoreou Igrejas em Elswick, Sunderland (1884-1922) e Pittington (1922-1930). Seus relatos de viagem para o Canad, o norte da frica, Palestina e Rssia, fizeram com que se tornasse membro da Sociedade Geogrfica Real (Inglaterra) e Sociedade Geogrfica Imperial (Rssia). Pesquisou o avivamento em Gales e teve contato com o movimento pentecostal em Oslo. Adotou o pentecostalismo e foi o anfitrio das Convenes Anuais de Pentecostes, em Sunderland. 25Thomas Ball Barrat (1862-1940) nasceu em Albast, Cornwall, na Inglaterra. Aos cinco anos emigrou para a Noruega, acompanhando o seu pai, que era minerador.Em 1889, atuou como dicono e dois anos depois, como presbtero da Igreja Episcopal Metodista. Fundou a Misso Cidade de Oslo (1902) e o jornal Byposten (1904). Pastoreou diversas Igrejas, sendo que em 1906, teve contato com o movimento pentecostal nos Estados Unidos, se tornando um grande entusiasta do pentecostalismo em toda a Europa e no terceiro mundo. Em 1909, deixou a Igreja Episcopal Metodista e fundou a Unio Missionria Pentecostal e a Conferncia Pentecostal Internacional. Escreveu mais de 300 livros. Fundou e pastoreou a Igreja Filadlfia, em Oslo, at 21 de janeiro de 1940.

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  • autores que faz as classificaes dos grupos evanglicos, incluindo protestantes e pentecostais, e outro grupo de autores, que por se interessarem pelo estudo dos pentecostais, fazem as classificaes apenas deste grupo. Observe os quadros a seguir:

    QUADRO 1 TIPOLOGIA DE PAUL FRESTON

    Ano de publicao

    Classificao

    1994 a) Primeira onda dcada de 1910 Congregao Crist do Brasil (1910) e Assembleia de Deus (1911);

    b) Segunda onda dcadas de 1950 e 1960 Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus Amor (1962);

    c) Terceira onda neopentecostalismo - dcadas de 1970 e 1980 Igreja Universal do Reino de Deus (1977) e Igreja Internacional da Graa de Deus (IIGD - 1980).

    Fonte: FRESTON, Paul. Breve histria do pentecostalismo brasileiro. In: ANTONIAZZI, Alberto. Nem anjos, nem demnios: interpretaes sociolgicas do pentecostalismo. Petrpolis: Vozes, 1994, p.70-71.

    QUADRO 2 TIPOLOGIA DE RICARDO MARIANO

    Ano de publicao

    Classificao

    1999 Pentecostais 1.Pentecostalismo clssico (Assemblia de Deus e Congregao Crist do Brasil); 2.Deuteropentecostalismo (Quadrangular, Brasil para Cristo, Deus Amor, Casa da Bno); 3.Neopentecostalismo (Igreja da Nova Vida, Universal do Reino de Deus, Internacional da Graa, Cristo Vive, Sara Nossa Terra, Comunidade da Graa, Renascer em Cristo e Igreja Nacional do Nosso Senhor Jesus Cristo); 4.Histricos renovados

    Fonte: MARIANO, Ricardo. Neopentecostais sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. 2 ed. So Paulo: Loyola, 2005, p. 23-49.

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  • QUADRO 3 TIPOLOGIA DE ANTNIO GOUVA MENDONA

    Ano de publicao

    Classificao

    1990 1. Anglicanos 1.1 Anglicanos propriamente ditos (ingleses e seus descendentes) 1.2 Episcopais (de origem norte-americana; brasileira; japoneses e seus descendentes); 1.3 Metodistas (de origem do Sul dos EUA; brasileiros); 2. Luterano 2.1 Luteranos ligados Alemanha (Igreja Evanglica de Confisso Luterana do Brasil; alemes e seus descendentes26) 3. Reformado 3.1 Presbiterianos (misses norte-americanas; brasileiros) 3.2 Congregacionais (misses inglesas, norte-americanas e outras; brasileiros) 3.3 Reformados europeus Igrejas de colnias (holandeses, hngaros, franceses, etc.) 4. Paralelos a Reforma; 4.1 Batistas (misses do Sul dos EUA; brasileiros) 4.2 Menonitas27 (Misses norte-americanas, alemes, etc... principalmente descendentes de alemes) 5. Pentecostais; 5.1 Propriamente ditos ou clssicos 5.1.1 Assemblia de Deus 5.1.2 Congregao Crist do Brasil 5.1.3 Igreja do Evangelho Quadrangular (ou Cruzada Nacional de Evangelizao) 5.1.4 Igreja Evanglica O Brasil para Cristo 5.2 Cura divina 5.2.1 Deus amor 5.2.2 Numerosas outras Outras classificaes dos protestantismos

    26 Podemos incluir a Igreja Evanglica Luterana do Brasil (IELB) como de descendentes de alemes. Tambm conhecida como Snodo Missouri, pelo fato dos descendentes de alemes primeiramente se instalarem nesta cidade nos EUA, antes de virem para o Brasil. 27 Expresso oriunda do reformador anabatista holands Menno Simon (1496-1561).

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  • a) Protestantismo de imigrao (luteranos) b) Protestantismo de origem missionria (congregacional, presbiterianos, metodistas, batistas e episcopais).

    Fonte: MENDONA, Antnio G. Evoluo histrica e configurao atual do protestantismo no Brasil. In: MENDONA, Antnio Gouva; VELASQUES Filho, Prcoro. Introduo ao protestantismo no Brasil. So Paulo: Loyola, 1990, p.17-18; 37-47.

    QUADRO 4 TIPOLOGIA DE ARI PEDRO ORO

    Ano de publicao

    Classificao

    1996 1. Evanglicos histricos ou protestantes histricos (luteranas, calvinistas, batistas, presbiterianas, anglicanas e metodistas). Principais representantes: Igreja Evanglica de Confisso Luterana do Brasil, Igreja Evanglica Luterana do Brasil, Igreja Episcopal Brasileira, Igreja Metodista, Igreja Presbiteriana do Brasil, Igreja Adventista do Stimo Dia, Igreja Batista (Conveno Batista Brasileira) e Igreja Evanglica Congregacional; 2. Pentecostais ou crentes ou ainda pentecostais tradicionais (Assemblia de Deus, Quadrangular, Congregao Crist do Brasil, Deus Amor, Igrejas Batistas da Conveno Batista Nacional e da Conveno Batista Independente); 3. Neopentecostais Casa da Bno (1964), Pentecostal Deus Amor (1962), Igreja Universal do Reino de Deus (1977), IIGD (1980) e Renascer em Cristo (1986). Tipologia pentecostal a) pentecostalismo dos desfavorecidos; b) pentecostalismo exclusivista; c) pentecostalismo emocional; d) pentecostalismo ideolgico; e) pentecostalismo de lderes fortes; f) pentecostalismo liberal; g) pentecostalismo de cura divina; h) pentecostalismo eletrnico; i) pentecostalismo empresarial

    Fonte: ORO, Ari Pedro. Avano pentecostal e reao catlica. Petrpolis: Vozes, 1996, p.19-20; 47-88.

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  • QUADRO 5 TIPOLOGIA DE ISRAEL BELO DE AZEVEDO

    Ano de publicao

    Classificao

    1996 a) Primeira entrada sculos XVI e XVII (protestantismo de piratas28 huguenotes da Frana Antrtica 1555; calvinistas da Igreja Evanglica Holandesa 1630-1645); b) Segunda entrada Sculo XIX protestantismo de estrangeiros (misses diplomticas, tcnicos, marinheiros e colportores); c) Terceira entrada Sculo XIX protestantismo de imigrao (ingleses anglicanos em 1810; suos luteranos no Rio de Janeiro, em 1824; alemes luteranos, em 1863, principalmente no Sul; norte-americanos em So Paulo em 1870 e letos em Santa Catarina (1892)); Outra classificao: a)Protestantismo de misso (congregacionais, presbiterianos, batistas, metodistas e episcopais) b)Pentecostais (Congregao Crist do Brasil e Assemblia de Deus)

    Fonte: AZEVEDO, Israel Belo de. A celebrao do indivduo: a formao do pensamento batista brasileiro. Piracicaba: UNIMEP; So Paulo: Exodus, 1996. p.150-153.

    QUADRO 6 TIPOLOGIA DE JOS BITTENCOURT FILHO

    Ano de publicao

    Classificao

    2003 1. Protestantismo histrico ou de misso (congregacional, presbiteriana, batista, metodista, episcopal, evanglica luterana de origem norte-americana); 2. Comunidade religiosa de imigrao (confisso luterana alem; Igrejas reformadas holandesa, armnia, sua e hngara); 3. Pentecostalismo clssico (Assemblia de Deus, Congregao Crist do Brasil, Quadrangular);

    28 Essa terminologia oriunda da idia que para os colonizadores portugueses, tanto os franceses quanto os holandeses eram piratas que iriam saquear as suas riquezas. No imaginrio lusitano no havia distino entre ser portugus e ser catlico.

    33

  • 4. Pentecostalismo autnomo (Igreja Universal do Reino de Deus, Brasil para Cristo, Deus Amor, Casa da Bno, Nova Vida, Cristo Vive, Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra); 5. Neodenominacionalismo (batista renovada, metodista wesleyana, presbiteriana independente renovada, congregacional independente e Atletas de Cristo); 6.Seitas29 (Testemunhas de Jeov, Adventistas do Stimo Dia, Mrmons e Cincia Crist).

    Fonte: BITTENCOURT FILHO, Jos. Matriz religiosa brasileira: religiosidade e mudana social. Petrpolis: Vozes; Rio de Janeiro: Koinonia, 2003, p.121-124.

    QUADRO 7 TIPOLOGIA DE MAGALI DO NASCIMENTO CUNHA

    Ano de publicao

    Classificao

    2007 a)Protestantismo Histrico de migrao (luteranos, anglicanos e reformados); b)Protestantismo Histrico de misso (presbiterianas, metodista, batista e episcopal); c)Pentecostalismo histrico (Assemblia de Deus, Congregao Crist do Brasil e Quadrangular); d)Protestantismo de Renovao ou carismtico (Metodista wesleyana, presbiteriana renovada, batista da renovao); e)Pentecostalismo independente (neopentecostalismo) (Deus amor, Brasil para Cristo, Casa da Bno e Universal do Reino de Deus); f)Pentecostalismo Independente de Renovao (Renascer em Cristo, Comunidades Evanglicas da Graa, Sara Nossa Terra e Bola de Neve)

    Fonte: CUNHA, Magali do Nascimento. A exploso gospel: um olhar das cincias humanas sobre o cenrio evanglico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X e Instituto Mysterium, 2007, p.14-15.

    29 Para entendermos o conceito de seita, visualize o tem 1.3, quando trata da diferena entre seita e Igreja.

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  • QUADRO 8 TIPOLOGIA DE PAULO DONIZTI SIEPIERSKI

    Ano de publicao

    Classificao

    2003 Pentecostais 1.Pentecostalismo clssico; 2. Ps-pentecostalismo

    Fonte: SIEPIERSKI, Paulo D. Contribuies para uma tipologia do pentecostalismo brasileiro. In: GUERRIERO, Silas (organizador). O estudo das religies: desafios contemporneos. So Paulo: Paulinas, 2003, p.71-88.

    QUADRO 9 TIPOLOGIA DE GEDEON FREIRE ALENCAR

    Ano de publicao

    Classificao

    2005 1. Protestantismo de emigrao; 2. Protestantismo de misso; 3. Protestantismo pentecostal; 4. Protestantismo contemporneo

    Fonte: ALENCAR, Gedeon F. Protestantismo tupiniquim: hipteses da (no) contribuio evanglica cultura brasileira. So Paulo: Arte Editorial, 2005, p.37-51.

    Cabe-nos tecer alguns comentrios sobre os quadros apresentados a partir dos estudiosos sobre os evanglicos no Brasil. O primeiro comentrio que devemos fazer a importncia de considerarmos as datas das anlises, pois temos um universo de dezessete anos de diferena entre a tipologia mais antiga, de 1990 de Antnio Gouva Mendona at a mais recente, de Magali Cunha, em 2007. Torna-se necessrio ressaltar que as transformaes dinmicas que a religiosidade brasileira tem sofrido nas duas ltimas dcadas e tendo os evanglicos, sobretudo os neopentecostais, como os atores importantes desse cenrio, de forma que no desconsideremos sem sentido as dataes das classificaes; neste sentido, compreendemos as tipologias abordadas como uma espcie de fotografia de poca, pela qual, cada um enxergava com as lentes que usou e com o esprito de poca. Assim, uma ausncia de consenso entre as tipologias religiosas decorre tanto da prpria complexificao dos evanglicos brasileiros, cujo nmero de denominaes tem aumentado cada vez mais ao longo

    35

  • dos anos, alm da multiplicao dos estudos sobre o fenmeno religioso brasileiro.

    Outro ponto que devemos ressaltar que as classificaes de Paul Freston (quadro 1), Ricardo Mariano (quadro 2) e Paulo D. Siepierski (quadro 8) procuram abordar nas suas anlises apenas os pentecostais, sem se preocuparem com os outros segmentos evanglicos.

    As abordagens trabalham com o critrio de incluso/excluso, o pertencimento a um determinado grupo acaba excluindo-o do outro. Assim, j temos um primeiro problema vista: poderamos incluir Testemunhas de Jeov, Mrmons e Adventistas como evanglicos? Nesse grupo, apenas os adventistas foram includos no censo do IBGE de 2001 para efeito estatstico como evanglicos, enquanto Testemunhas de Jeov e Mrmons no foram includos. Sobre essa questo, assim se posicionou Jos Bittencourt Filho (2003, p.123):

    Finalmente, preciso no esquecer a relao daquelas que so consideradas seitas na perspectiva do protestantismo tradicional. Elas guardam em si um trao histrico comum: todos nasceram nos Estados Unidos, ao longo do sculo XIX, como resultado de revelaes msticas de lderes iluminados. Tm experimentado um crescimento numrico em ritmo mais lento, porm constante, que os dos pentecostais: Testemunhas de Jeov, Adventistas do Stimo Dia (Sabatistas), Santos dos ltimos Dias (Mrmons) e Cincia Crist, esta ltima com pouca expresso no Brasil.

    Considerando o princpio bsico e at etimolgico segundo o

    qual evanglicos so aqueles que crem na Bblia, considerando que os Adventistas colocam os escritos de Ellen White30 com o mesmo peso de revelao do que as Escrituras; os Mrmons possuem a sua prpria

    30Ellen Gould White (1827-1915) nasceu em Groham, no Maine (EUA). considerada a fundadora da Igreja Adventista do Stimo Dia. Ela se converteu aos 12 anos, numa Igreja metodista no Maine. A partir dos 17 anos, passou a ter vises sobre o futuro da Igreja, sobre a volta de Cristo e a guarda do sbado. Ela divulgava as suas idias atravs dos livros, entre os quais, podemos incluir: O grande conflito, O desejado de todas as naes, alm do Caminho a Cristo. Deixou inmeras obras religiosas, alm de uma rede de escolas e hospitais. Tambm defendeu o vegetarianismo e a temperana. Casou-se em 1846 com Tiago White.

    36

  • bblia intitulada, o Livro dos Mrmons;31 a Cincia Crist, que se baseia nos escritos de Mary Baker Eddy,32 bem como os Testemunhas de Jeov,33 com uma literatura prpria, fica difcil enquadrar esses movimentos como evanglicos (NICHOLS; MATHER, 2000, p. 86-90; 415; 449-465; AZEVEDO; GEIGER, 2002, p. 21-22;99-100;265-266;349-350). significativo que nenhum dos quatro grupos religiosos citados esto includos nos verbetes no Dicionrio do Movimento Pentecostal, de Isael de Arajo (2007).

    Sobre os protestantismos, existe uma concepo hegemnica de relacionarem os grupos com os movimentos reformados. Antnio Gouva Mendona (1990, p.17-19) colocou cinco grandes ramos da Reforma Protestante. O terceiro ramo, que o referido autor chama de reformado, poderia ser entendido melhor como calvinista, j que as origens histricas tanto dos presbiterianos, com o pioneirismo do missionrio estadunidense Ashbel Green Simonton34 e dos 31O livro dos mrmons foi escrito por Joseph Smith. Segundo a crena mrmon, Joseph Smith teria tido duas vises espirituais. A primeira em 1820, quando um anjo afirmou que todas as crenas no cristianismo estavam incorretas. Em 1823, Joseph Smith teve a segunda viso sobre um livro que era preservado com placas de ouro sobre a histria do continente americano e que foi revelado por um anjo. Quatro anos depois, as placas de ouro foram traduzidas e surgiu o livro dos mrmons. 32Mary Baker Eddy (1821-1910) foi a fundadora da Cincia Crist. Ela cresceu numa Igreja em Bow, New Hampshire (E.U.A.). Vtima frequente de doenas durante toda a vida, o que levou o interesse pela medicina com o mdico Phineas Parkhurst Quimb, que o curou de uma inflamao de espinha em 1862. O referido mdico influenciou o pensamento de Mary Baker Eddy, na crena que as doenas so resultados de crenas mal formadas, que os sentidos so enganosos e que o pecado simplesmente no existe. Tais crenas foram abordadas em obras, tais como Cincia e sade com a chave das Escrituras (1875), Revista da Cincia Crist (1833), A cura crist e outros escritos (1866), A sentinela e a cincia crist (1898) e O monitor da cincia crist (1908). 33Os testemunhas de Jeov foi fundado por Charles Taze Russell (1852-1916) nos E.U.A. Charles Taze Russel havia frequentado uma Igreja presbiteriana na infncia e teve uma passagem pela Igreja adventista na juventude. Apontou a volta de Cristo entre 1873-1874, na sua passagem pelo adventismo. Em 1881 criou as testemunhas de Jeov junto com a sua esposa Maria F. Ackley. A defesa da volta de Cristo era um dos pontos doutrinrios fortes, conforme a obra O plano divino das eras. Atualmente as testemunhas de Jeov tm chamado ateno pela negao da transfuso de sangue e pela divulgao da revista Despertai. 34Ashbel Green Simonton (1833-1867) nasceu em West Hannover, Pensilvnia (E.U.A.). Oriundo de uma famlia presbiteriana, ele estudou teologia em Princeton. Chegou ao Rio de Janeiro, em 12 de agosto de 1859 e fundou a Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), criada trs anos aps a sua chegada (atual Catedral presbiteriana do Rio de Janeiro), criou o primeiro jornal protestante no Brasil, em 1864, intitulado

    37

  • congregacionais com Robert Kalley,35 ambos no sculo XIX, trazem as concepes teolgicas de Joo Calvino do sculo XVI, inclusive a doutrina da predestinao (MATOS, 2004, p.23-31).

    O quarto grupo tambm apresenta problemas. Quando Antnio Gouva Mendona (quadro 3) apontou os grupos paralelos a Reforma, se desconsiderarmos que numa corrente interpretativa tanto os batistas quanto os menonitas so oriundos dos anabatistas, um dos grupos reformados tambm. Anabatistas, significava os rebatizadores, pois na crena desse grupo religioso que defendia que as crianas no poderiam ser batizadas, por no terem conscincia do significado desse ato, sendo assim, necessitariam ser rebatizadas na idade adulta, pois muitos haviam sido batizados na infncia, dentro do catolicismo (AZEVEDO; GEIGER, 2002, p.32-33). Israel Belo de Azevedo (1996, p.189-224) enxergou que os batistas apresentavam uma autocompreenso que apresentava trs origens distintas dos batistas: 1) a JJJ (Jesus, Joo e Jordo), que enxergava nos tempos bblicos os batistas; 2) a dos anabatistas do sculo XVI, dos movimentos peregrinos reformados; 3) a dos separatistas ingleses do sculo XVII, quando pela primeira vez apareceu a expresso com a placa de Igreja batista. As duas ltimas apresentam um maior embasamento histrico.

    O ponto mais polmico da classificao de Antnio Gouva Mendona (quadro 3) quando apontou as origens do pentecostalismo no protestantismo, incluindo neste pertencimento o fato de que os pentecostais tm as referncias ligadas s matrizes protestantes, se comparados aos catlicos, alm da auto-identificao como crentes. Nesse ponto, o referido autor no enxergou consenso entre os estudiosos da religio:

    Imprensa Evanglica e criou um seminrio teolgico. Morreu jovem, vtima de febre amarela. 35Robert Kalley (1809-1888) nasceu em Glasgow (Esccia). Foi mdico e pastor, chegou a estudar com Charles Darwin. De famlia abastada, costumava fazer viagens aonde pregava o evangelho e atendia os doentes. Devido sua sade precria muda-se para Funchal, na Ilha da Madeira (Portugal) em 1838, onde distribui Bblias e funda escolas com atendimento gratuito e funda a Igreja presbiteriana de Funchal. Duramente perseguido em Portugal, tem uma rpida passagem pelos E.UA., onde se casou com Sarah Kalley. Muda-se para Petrpolis- RJ, na casa do embaixador americano, tornando-se inclusive amigo pessoal de D. Pedro II. Fundou a Igreja Congregacional (atualmente, a Igreja Evanglica Fluminense, situada em Niteri-RJ), pois no enxergava restries denominacionais ao seu ministrio. Em 1876 retornou para o seu pas natal: a Esccia.

    38

  • No entanto, nem os protestantes histricos esto dispostos a admiti-los como membros da famlia nem os pentecostais se identificam com os protestantes. Os estudiosos e os especialistas tambm divergem entre si: alguns consideram os pentecostais como expresso popular do protestantismo e os incluem entre os protestantes; outros vem no pentecostalismo uma nova Reforma e, como tal, uma nova forma de igreja e vivncia do cristianismo, inteiramente fora das chamadas Igrejas protestantes histricas (MENDONA, 1990, p.19).

    Considerando os nove autores citados, apenas Antnio Gouva

    Mendona (quadro 3) e Gedeon Alencar (quadro 9) relacionam o protestantismo ao pentecostalismo. O primeiro, apesar das ressalvas da citao anterior, incluiu o pentecostalismo com um dos ramos do protestantismo, enquanto Gedeon Alencar usou a expresso protestantismo pentecostal, enquadrando a Assemblia de Deus e a Congregao Crist do Brasil nesta tipologia religiosa. Mas, o que as duas denominaes citadas tm em comum? Ambas so oriundas dos imigrantes europeus marginais no incio do sculo XX. A Assemblia de Deus, fundada em 1911 em Belm - PA, por dois missionrios suecos, Daniel Berg36 e Gunnar Vingren;37 enquanto, a Congregao Crist do

    36Daniel Berg (1884-1963) nasceu em Vrgon (Sucia). Foi educado numa Igreja batista, sendo batizado nas guas aos quinze anos. Trs anos depois saiu da Sucia, fugindo da crise financeira que assolava os escandinavos para tentar a sorte nos EUA, onde permaneceu por sete anos e trabalhou como fundidor. Voltou ao seu pas natal e entrou em contato com Lewi Pethrus, onde se batizou no Esprito Santo, na Igreja Batista de Lidkping. Nova viagem para os EUA. Em 1909, onde entrou em contato com Gunnar Vingren. Passou a testemunhar junto com o seu amigo sueco. Aps uma chamada missionria, deslocou-se para Belm - PA, onde fundou a Igreja Assemblia de Deus, passou a pregar na Ilha de Maraj, Bragana, trabalhando como fundidor na estrada de Ferro Belm-Bragana. Fundou tambm a Assembleia de Deus em Vitria ES (1922) e Santos-SP (1924). Trabalhou na obra missionria tambm na cidade do Porto (Portugal) entre 1932-1936, retornou a Sucia (1937-1949), Santo Andr (1949-1962) e Sucia novamente at a sua morte em 1963. 37Adolph Gunnar Vingren (1879-1933) nasceu em stergtland (Sucia). Foi criado numa Igreja batista, sendo que aos 18 anos foi batizado nas guas na Igreja Batista de Wraka. Em 1903, mudou-se para os E.U.A. Se formou em teologia em Chicago em 1909, assumiu uma Igreja batista em Michigan, como pastor, sendo que a

    39

  • Brasil, surgiu em 1910, no bairro do Brs, em So Paulo, sob a liderana do pregador italiano Luigi Francescon38 (ARAJO, 2007, p.122-123; 321; 898-903). Os assembleianos alcanaram com a sua mensagem religiosa, os ex-escravos, nordestinos, desempregados e seringueiros; enquanto, a Congregao Crist do Brasil, atingiu uma populao etnicamente italiana e seus descendentes (ALENCAR, 2005, p.46).

    Outro ponto de contato entre os protestantes e os pentecostais est no seu prprio hibridismo, analisado com diferentes terminologias por Jos Bittencourt Filho (quadro 6), Ricardo Mariano (quadro 2) e Magali Cunha (quadro 7). Foram chamados, respectivamente, de neodenominacionalismo, histricos renovados, protestantismo de renovao ou carismtico. Jos Bittencourt (2003, p.123) e Magali Cunha (2007, p.15) concordam que historicamente esse movimento surgiu das cises nos grupos protestantes que, influenciados pelo pentecostalismo, permitem o surgimento de novas denominaes que so hbridas muitas vezes at nos nomes, tais como: presbiteriana renovada, batista da renovao. Magali Cunha (2007, p.15) localizou os cismas na dcada de 1960. Jos Bittencourt (2003, p.123) aponta estas novas denominaes existentes como um elemento que dificulta ainda mais a distino entre protestantes de um lado e pentecostais do outro, alm de incluir at um movimento como os Atletas de Cristo nessa classificao e o chamou de semi-institucionalizada. Uma classificao possvel para os Atletas de Cristo seriam de organizaes pra -

    doutrina da pregao do batismo no Esprito Santo dividiu a Igreja e ele teve que deixar o pastorado. Em 1910, assumiu o pastorado numa Igreja batista sueca, em Indiana. Foi para Belm PA congregou um tempo na Igreja batista desta cidade, porm com uma doutrina pentecostal, ele e mais 13 membros foram expulsos e fundaram na capital paraense a Igreja Assemblia de Deus. Em 1917, casou-se com Frida Strandberg e teve seis filhos. Entre 1924-1932, pastoreou a Assemblia de Deus de So Cristvo. Fundou os jornais A boa semente (1919) em Belm-PA, o Som Alegre(1929) no Rio de Janeiro e O mensageiro da paz (1930), fuso dos dois primeiros. Comps dois hinos da Harpa Crist. Morreu em 1933, em Estocolmo, vtima de um cncer no estmago. 38Luigi Francescon (1866-1964) nasceu em Cavasso, Nova Udine (Itlia). Imigrou em 1890 para os E.U.A., onde se converteu do catolicismo para o presbiterianismo. Em 1907, em contato com William H. Durham recebeu o batismo no Esprito Santo e passou a falar em lnguas. Fundou a Igreja pentecostal talo-americana Assemblia Crist, passou a fundar tambm novas igrejas pentecostais para italianos, nas cidades de Philadelphia, Los Angeles e St. Louis. Iniciou o movimento pentecostal na Argentina, em 1909, com a fundao da Igreja crist pentecostal da Argentina e um ano depois, fundou a Congregao Crist do Brasil, no bairro do Brs, em So Paulo.

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  • eclesisticas (MENDONA, 1990, p. 55-58). Ricardo Mariano (2005, p.48-49), por sua vez, considerava que as os carismticos haviam sido pouco estudados.

    interessante considerarmos o termo carismtico, pois ele ultrapassa a fronteira dos grupos evanglicos e alcanou inclusive os catlicos, na chamada Renovao Carismtica Catlica, movimento que influenciado pelo charis, vocbulo grego, que significa dons ou graa, termo descrito em I Corntios 12-14 para descrever um conjunto amplos de experincias sobrenaturais (ARAJO, 2007, p.155). O referido movimento surgiu influenciado pelos avivamentos evanglicos nos Estados Unidos, nas dcadas de 1950 e 1960. A Renovao Carismtica foi em Pittsburgh, nos Estados Unidos, em 1967, quando um grupo de leigos da Universidade de Duquesne fez um retiro espiritual, ocasio em que se manifestou o falar em lnguas e as profecias, conforme descrito em Atos dos Apstolos (SOUZA, 2005, p.20). Isael de Arajo (2007, p.155) distingue os carismticos dos pentecostais, enquanto os primeiros destes rejeitam a preeminncia da glossolalia, o legalismo e a permanncia dos fiis nas prprias denominaes de origem, como no catolicismo romano.

    De acordo com os quadros mostrados, os grupos chamados de protestantes apresentam distintas classificaes. Enquanto Antnio Gouva Mendona (quadro 3) enfatizou tanto os aspectos teolgico-histricos da sua classificao, outros estudiosos, como Ari Pedro Oro (quadro 4), Israel Belo de Azevedo (quadro 5), Jos Bittencourt Filho (quadro 6), Gedeon Alencar (quadro 9) e Magali Cunha (quadro 7), enfatizaram mais os aspectos histricos, considerando o perodo de insero no Brasil.

    Oro (1996), Bittencourt Filho (2003) e Cunha (2007) chegam inclusive por utilizar o termo histrico para suas classificaes, notadamente para fazerem oposio aos pentecostais, como se esse ltimo grupo no tivesse histria. Normalmente, o termo histrico refere-se aqui aos grupos reformados, exceo feita, na anlise de Magali Cunha (2007, p.14-15), que classifica os assembleianos, a Congregao Crist no Brasil e a Igreja Evanglica Quadrangular como pentecostalismo histrico, referindo-se aos grupos mais antigos dentro dos pentecostais brasileiros. Neste sentido, o termo histrico procura dar uma legitimidade atravs da antiguidade do movimento, numa lgica de quanto mais tempo de existncia possussem, mais legtimas seriam as referidas Igrejas. Oro (1996) classifica todos os grupos oriundos da Reforma, como evanglicos histricos ou protestantes histricos. Isto bastante significativo, considerando que o seu campo

    41

  • de anlise de pesquisa o Rio de Grande do Sul, estado que recebeu um expressivo contingente de imigrantes luteranos, embora, se ressalve que o foco do seu estudo eram os pentecostais.

    Jos Bittencourt Filho (quadro 6) dividiu os protestantes em dois grupos: protestantismo de misso e comunidades de imigrao. Magali Cunha (quadro 7), por sua vez, dividiu os protestantismos em trs: protestantismo histrico de misso, protestantismo histrico de migrao e protestantismo de renovao ou carismtico. Como j foi comentado,enquanto os outros dois se assemelham bastante com a classificao de Jos Bittencourt Filho (2003), pois, pela configurao tipolgica, o protestantismo histrico de misso de Magali Cunha (2007) envolve os mesmos grupos do protestantismo de misso de Jos Bittencourt Filho (2003), enquanto o protestantismo histrico de migrao o equivalente s comunidades de migrao. As expresses protestantismo de misso e de imigrao tambm so usadas por Israel Belo de Azevedo (quadro 5) e Gedeon Alencar (quadro 9).

    Cabe-nos agora fazer a distino entre o protestantismo de misso e de imigrao. Ambos surgem no Brasil no sculo XIX. Enquanto o protestantismo de misso pode ser definido como o protestantismo trazido do exterior, geralmente dos Estados Unidos que enviaram missionrios para o Brasil, desenvolvendo estratgias para alcanar mais fiis, alm da pregao da Bblia. Nisto h consenso entre Israel Belo de Azevedo (quadro 5), Magali Cunha (quadro 7), Gedeon Alencar (quadro 9) e Jos Bittencourt Filho (quadro 6). J o protestantismo de imigrao refere-se a um protestantismo que teve a comunidade inteiramente transplantada do exterior para o Brasil.

    Antes deles j havia passado no Brasil alguns outros grupos evanglicos. No perodo colonial, Israel Belo de Azevedo (quadro 5) chama de protestantismo de piratas, as duas efmeras experincias no perodo colonial, com os franceses huguenotes no Rio de Janeiro, no sculo XVI e os holandeses calvinistas no Nordeste brasileiro no sculo XVII. Como no restaram Igrejas desse perodo, os outros autores dos quadros sequer mencionam nas suas tipologias. O protestantismo de estrangeiros representou os grupos que podiam receber a religio na sua lngua nativa, notadamente marinheiros e diplomatas, embora os colportores (vendedores de Bblias) preparassem a chegada dos missionrios pioneiros.

    Os grupos religiosos que foram transplantados para o Brasil so denominados de vrias maneiras: protestantismo de imigrao, protestantismo de emigrao, protestantismo histrico de migrao, protestantismo de colnia e comunidade religiosa de imigrao

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  • (MENDONA, 1990, p. 27-30; ALENCAR, 2005, p. 37-42; CUNHA, 2007, p.14; RIBEIRO, 1973, p.79; BITTENCOURT FILHO, 2003, p.122). Na tipologia religiosa de Antnio Gouva Mendona (quadro 3), citam-se apenas os luteranos como classificados nesse grupo, enquanto as tipologias de Israel Belo de Azevedo (quadro 5), Gedeon Alencar (quadro 9), Jos Bittencourt Filho (quadro 6) e Magali Cunha (quadro 7) reconhecem uma maior diversidade de Igrejas com caractersticas tnicas propriamente marcadas. Aqui, surge uma dificuldade a mais para a classificao, pois se os batistas so normalmente includos no protestantismo de misso, como classificar os batistas letos em Santa Catarina ou batistas norte-americanos no interior paulista? Israel Belo de Azevedo (quadro 5) distingue os batistas de imigrao dos batistas de misso, enquanto Gedeon Alencar (2005, p.38) lembra-nos da existncia inclusive de um grande diversidade tnica (Igreja evanglica rabe, evanglica armnia, evanglica escandinava e at mesmo de um pentecostalismo tnico, como, no caso, da Assemblia de Deus nipo-brasileira). Existem, portanto, batistas ligados imigrao (como no caso dos letos e norte-americanos), presbiterianos de imigrao, como, por exemplo, os presbiterianos coreanos, sendo que normalmente se enquadram tanto presbiterianos quanto batistas como a Igreja do protestantismo de misso, j que o seu maior contingente de fiis tem essas caractersticas.

    Considerando os protestantismos de diferentes matrizes como complexo em termos de classificao religiosa, essa complexidade se acentua muito mais com a classificao referente aos pentecostais, dado o seu dinamismo recente. Em cinco e mesmo at dez anos para classificaes, nas comparaes dos diferentes autores que nos propomos a analisar faz bastante diferena e muito provavelmente daqui a dez anos, o pentecostalismo apresentar novas e divergentes classificaes para os socilogos, antroplogos, historiadores e cientistas da religio.

    Ari Pedro Oro (quadro 4), ao analisar os diferentes pentecostalismos, colocou diferentes caractersticas que permitem um olhar plural que perpassa diferentes grupos pentecostais. Havia assim: um pentecostalismo dos desfavorecidos, um pentecostalismo exclusivista, um pentecostalismo emocional, um pentecostalismo ideolgico, um pentecostalismo de lderes fortes, um pentecostalismo liberal, um pentecostalismo de cura divina, um pentecostalismo eletrnico e um pentecostalismo liberal. Busca-se, assim, neste tipo de classificao, compreender aspectos comuns nessas tipologias citadas mais do que enquadr-las.

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  • O pentecostalismo dos desfavorecidos refere-se ideia de que os fiis pentecostais apresentam um nvel socioeconmico menor do que a mdia brasileira, bem como o nvel de escolaridade (ORO, 1996, p.49). Francisco Cartaxo Rolim (1980, p.167-168) tambm investiga essa relao entre os pentecostais e a questo da pobreza, pois (...) as camadas desprivilegiadas encontraram no pentecostalismo um livre espao para a religiosidade espontnea. Isto faz muito sentido, quando entendemos o prprio surgimento do pentecostalismo no movimento da Rua Azua,39 em Los Angeles das classes baixas, mas hoje percebemos uma maior diversificao do perfil socioeconmico, inclusive com Igrejas pentecostais de classe mdia - alta, como as Igrejas Renascer em Cristo e a Bola de Neve.

    A segunda tipologia, o do pentecostalismo exclusivista, Ari Oro (1996) refere como caracterstica central o fato de rechaar qualquer tipo de ecumenismo com outras Igrejas evanglicas, com o catolicismo e as matrizes afro-brasileiras (MACEDO, 1997). Assim, esta se recusava e recusa-se a participar de qualquer organizao religiosa que ultrapasse a fronteira denominacional (ORO, 1996, p.50).

    Podemos apresentar do ponto de vista sociolgico mais caractersticas dentro dos tipos ideais de caractersticas mais prximas de seita do que de Igreja, dado o nvel do seu exclusivismo e a crena que o seu grupo o nico portador da verdade. Costumeiramente, as Igrejas que, no jargo evanglico, costumam se afastar do mundo, como sinnimo de se afastar fisicamente do pecado, conduzem a uma postura de exclusividade nas suas crenas e no seu jeito de ser, como por exemplo, na Congregao Crist do Brasil, que se recusa tacitamente a participar de qualquer relao intereclesistica.

    Outra tipologia apresentada a do pentecostalismo emocional. O discurso inflamado do pastor, o jogo de luz no palco/plpito, a amplificao dos sons, o exerccio do dom de lnguas, as curas, as msicas, a catarse coletiva, os glrias a Deus e amns caracterizam uma expresso religiosa centrada na experincia emotiva dos fiis (Id., p.51-52).

    O pentecostalismo ideolgico a quarta caracterstica elencada por Ari Pedro Oro (1996). No se trata aqui da relao entre a poltica e os pentecostais, mas sim, da capacidade dos pastores e das lide