Mauro Iasi - É o Lobo, é o Lobo! - OK
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Transcript of Mauro Iasi - É o Lobo, é o Lobo! - OK
É o lobo, é o lobo!Publicado em 15/07/2015 | 3 Comentários
Por Mauro Luis Iasi.
Uma vez mais se apresenta o alerta sobre apossibilidade de interrupção do mandatopresidencial e a possibilidade de algum tipode golpe. Desta vez pelas declaraçõesgolpistas do PSDB, preocupado que o prazopara que a interrupção leve a uma novaeleição está para se esgotar. Como dasoutras vezes, intensificamse os ataques aogoverno, convocamse novas manifestaçõese os meios de comunicações atacam comnovas e requentadas denúncias.
Continuamos acreditando que a opçãoprincipal da direita, no sentido maispreciso dos interesses de classe ligados aogrande capital monopolista, caminha emoutro sentido, qual seja, de produzir umatransição sob um governo fraco e sob cerco,enquanto se gesta uma alternativa parasubstituílo nas eleições de 2018.Alertávamos, no entanto, em outraoportunidade, que um dos mecanismosdesta operação, a constante ameaça deimpedimento antecipado da presidente, poderia ganhar uma dinâmica própria e se viabilizar como alternativa e, desta maneira,não estaria por princípio descartada como possibilidade pelo bloco dominante.
O cenário atual comprova a persistência deste quadro. Intensificamse os ataques, enquanto a base de sustentação do governo noCongresso é corroída e os meios de comunicação hegemônicos, por meio de um eficiente manejo do antipetismo, trabalham paraconfigurar um clima de descontrole total nas hostes governistas. Ao mesmo tempo o governo reage intensificando suas concessõesao bloco dominante: implanta o ajuste e as políticas de austeridade, intensifica os ataques aos trabalhadores (como nas medidasprovisórias 664 e 665, no veto às superficiais mudanças na previdência, etc.), opera cortes na educação e na saúde, e impõearrocho sobre o funcionalismo público federal. Tudo isso sem deixar de abrir seus cofres em generosas contribuições ao agronegócioe financiar a manutenção de empregos com redução de salários e benefícios para as grandes empresas.
Há uma relação entre estes dois vetores da conjuntura que nem sempre fica tão visível. O desgaste inevitável que as concessões aogrande capital monopolista produzem gera uma igualmente inevitável depressão nos setores sociais que sustentaram a atualpresidente na expectativa de uma mudança de orientação. A esquerda petista, isolada e minoritária no interior do PT, está roucade tanta tentar alertar que o caminho escolhido contribui com a estratégia da direita de ir sangrando o governo e dilapidando suabase social para derrotálo eleitoralmente na próxima eleição nacional. Propõem um “cavalo de pau”, rompendo com a aliança como PMDB e retomando o caminho de um projeto democrático popular.
Neste ponto a situação ganha uma complexidade que está longe de ser simples de ser compreendida. A analogia do “cavalo de pau”serve como imagem da urgente necessidade de uma mudança radical de rumos, mas é absolutamente inapropriada para omomento. O ato de puxar o freio de mão e produzir uma mudança abrupta de direção, inclusive valendose da derrapagem lateraldo veículo, costuma funcionar, não sem riscos de capotagens, quando se trata de veículos leves. Mas no caso de um grande navio,há restrições de movimento por conta de suas dimensões e do tamanho de seu calado. Quando se aproxima do porto, por exemplo,uma embarcação como essa não pode nem sequer sair fora do rumo do canal, e mesmo com suas máquinas desligadas chega apercorrer milhas antes de parar. Por essas condições estruturais, ele está impossibilitado de dar o que se chamaria de um “cavalode pau”. O governo petista está mais para um grande navio do que para um carro esporte.
No entanto, cabe nos perguntar: por que motivo o governo opera num aparente paradoxo que contribui para a estratégia daquelesque querem derrotálo? Podemos falar o que quisermos deste governo (muito temos falado de como ele operou uma estratégica quedesarmou a classe trabalhadora conduzindoa ao pântano da conciliação de classes), mas não que ele é ingênuo ou que lhe faltahabilidade política. Aqui a analogia com o navio é ainda mais útil, pois não adianta olharmos para a superfície do mar ou para ashipnóticas luzes de bordo, pois a resposta está no canal em que navega.
O caminho escolhido pelo PT como via de desenvolvimento de sua estratégia acabou por considerar virtuosa uma configuração quesegundo seu juízo constituía uma imprudência da burguesia e um cenário favorável aos desenvolvimento de “reformas”gradualistas que beneficiariam aos trabalhadores. Este equívoco se fundamenta na incompreensão de um dos elementos do Estadoburguês na sua configuração contemporânea.
A FORMA DEMOCRÁTICA DA REPÚBLICA BURGUESA
Talvez possa parecer, a um olhar superficial, que a forma democrática da república burguesa e a prevalência das eleições como ummeio de composição de seus governos, fosse um equívoco das classes dominantes (ou ainda, em outro registro, uma concessão quesó se explica pela pressão dos trabalhadores). Afinal, sendo as eleições um jogo numérico e a classe trabalhadora inegavelmentemais numerosa que as classes dominantes, a tendência seria a formação gradual maiorias que pouco a pouco poderiam irconstruindo a vontade geral como expressão dos interesses dos trabalhadores, reduzindo o poder político da burguesia àproporcionalidade de sua expressão quantitativa.
O que os atuais reformistas (a bem da verdade estes senhores acabaram ficando muito aquém do reformismo, a ponto de ter deficar a cargo da esquerda petista a defesa da retomada do rumo das reformas), de fato desconhecem é que a burguesia jáequacionou há muito tempo este problema. Podemos comprovar isso resgatando o pensamento de James Madison (17511836),que foi um dos destacados redatores de O Federalista (uma serie de ensaios, publicada 1788, defendendo a federação contra aforma confederada), no contexto da luta pela independência dos EUA e consolidação de sua forma política republicana.
O problema dos revolucionários norteamericanos, resumidamente, era determinar qual seria a forma de governo da jovem naçãoque poderia responder simultaneamente a duas exigências cruciais: manter a necessária unidade política, economia e militar dasexcolônias, e garantir a liberdade das partes aderissem à nação, evitando o risco da tirania.
Diante disso se enfrentam com o problema das facções, entendidas, nos termos de Madison, como grupos de cidadãos, maiorias ouminorias, que unidos por sentimentos e interesses comuns se opõem a outras facções, cidadãos ou mesmo interesses coletivos deuma comunidade. Parecia a Madison que as duas possibilidades apresentadas – atacar as causas das facções ou tentar controlarseus efeitos – se apresentavam impraticáveis. Isso porque as causas estariam ligadas à natureza humana, sendo portanto,incontornáveis. Quanto ao controle dos efeitos, a impraticabilidade derivaria do fato de que teria que ser operada pelos própriosseres humanos que colocariam suas vontades e paixões como critério de tal controle. A solução encontrada seria, segundoMadison, colocar tanto a natureza como seus efeitos a serviço de uma forma que possibilitasse a República. A chave para tal feitoseria expressa na formula: “ambição será incentivada para enfrentar a ambição” (O Federalista, n.51).
Antes de ver como isso se materializa em uma forma política, é importante fazer uma ressalva. Apesar de localizar na naturezahumana o comportamento de facção, o revolucionário norteamericano sabe que a base material da disputa dos diversos interessesque compõem uma sociedade não é a mera predisposição dos seres humanos como criaturas “ambiciosas, vingativas e rapaces”.Por isso poderá concluir, sem abandonar aquela premissa, que “a fonte mais comum e duradoura das facções tem sido adistribuição variada e desigual da propriedade”, de tal forma que “aqueles que possuem e os nãoproprietários invariavelmentecorporificam distintos interesses na sociedade”.
Todos são juízes de suas próprias causas. Uma vez que prevaleça o poder de uma facão ou conjunto de facções associadas, serianatural supor que esta maioria tente impor seus interesses sobre as demais, impondo os interesses dos manufatureiros sobre osdonos de terra, ou o inverso, “não havendo em nenhum dos casos consideração para com a justiça ou o interesse público”. Aconfiança de que “estadistas esclarecidos” poderiam funcionar em prol do equilíbrio e da prevalência do bem público é descartadapelo autor com requintes de pragmatismo: “nem sempre os estadistas esclarecidos estarão no leme”.
Notem que, como fica evidente, o objetivo destes senhores é evitar a tirania da maioria. A solução de uma “democracia pura”, comoa denominavam, é recusada. Ela é definida como necessariamente própria de pequenas sociedades formadas por indivíduosvirtuosos (definidos como aqueles que colocam o bem comum sobre o interesse particular) e cuja base é a frugalidade, nos termosde Montesquieu. Em outras palavras, essa forma política só funcionaria num contexto de pouca riqueza e uma vida simples eestaria descartada para grandes nações poderosas econômica e militarmente. Neste ponto, a afirmação de que as facções seformam pela distribuição desigual da propriedade ganha uma dimensão decisiva.
A forma da “democracia pura” em uma sociedade moderna seria palco de “distúrbios e controvérsias” e levaria necessariamente aum quadro de insegurança e incapacidade de garantir o direito de propriedade, tendo conseguentemente, segundo o juízo deMadison, uma vida curta e um fim violento. A solução, portanto, é a uma república em que se aplica o “esquema da representação”.
Entre as várias vantagens apresentadas por Madison para defender a república contra a democracia pura, estaria em primeirolugar o fato de que por meio da representação os “pontos de vista da população são filtrados” pelo crivo de alguns cidadãos que irãorepresentálos. Como o povo escolheria os “melhores” nesse processo de seleção, os seria justo dizer que os eleitos saberão discerniros verdadeiros interesses do país, graças ao seu “patriotismo e amor pela justiça”, dificilmente sacrificando estes interesses por“considerações temporárias ou parciais”, nas palavras de James Madison que chegou a ser o quarto presidente dos EUA.
Evidentemente soa estranho esse grau de fé nas virtudes morais expressa na pena do fundador do Partido Republicano, umsujeito, como vimos, dotado justamente de uma posição marcada pelo pragmatismo. Sem dúvida, Madison tem plena consciênciade que indivíduos de “temperamento faccioso e propósitos maldosos” podem por vários meios, inclusive a intriga e a corrupção,conseguir os votos necessários e “depois trair os interesses do povo”. No entanto, para ele, a solução estaria na própria dimensão darepública moderna, no sentido quantitativo propriamente dito.
O argumento de Madison é de que a fragmentação de uma grande população em diversas facções e partidos, pulveriza arepresentação. Assim, com cada um buscando apenas seu próprio interesse, fica difícil formar maiorias, obrigase que osgovernantes (ainda que sendo expressão de uma maioria eleitoral) negociem com um conjunto pulverizado de interesses paralograr estabilidade em seu governo. Diz Madison ao falar da república que defende:
“alargado este campo (o do número de cidadão de um Estado) teremos uma variedade maior de partidos e interesses,tornando menos provável a constituição de uma maioria no conjunto que, alegando uma motivação comum, usurpe osdireitos de outros cidadãos”.
Desta maneira, conclui Madison, teríamos uma estrutura adequada, um “remédio republicano para as doenças mais incidentessobre um governo republicano”.
Reparem: a vacina contra a possível “doença” de uma maioria chegar ao poder em algum ponto do Estado burguês está dada desde1788. Não é demais relembrar que tal estrutura adequada se completa com um redesenho da solução clássica da divisão depoderes, muito além da simples divisão funcional na qual quem governa não redige as leis, e quem as redige não governa, damesma forma que aquele que julga não redige a lei, nem governa.
O MENINO E O LOBO
Agora, depois da experiência norteamericana, aplicase uma dinâmica de pesos e contrapesos. Isto é, a cada poder de uma esferase apresenta um poder para que a outra o controle, como no dispositivo de veto do executivo a uma lei elaborada pelo legislativo e apossibilidade de derrubada do veto pelo segundo, assim como, se houver dúvidas os tribunais são acionados e se tudo der erradohá forças armadas para “garantir” a constituição em defesa da propriedade (notem como estamos hoje muito longe da necessidadedeste último expediente).
No contexto atual estas chamadas estruturas adequadas não estão menos, mas muito mais eficientes e sofisticadas. Emformações sociais como a nossa, na qual a contradição entre proprietários e nãoproprietários é explosiva, o risco de uma tirania damaioria é enfrentado com rigor e profissionalismo.
Além de um eventual executivo que expresse uma certa maioria eleitoral ligeiramente comprometida com interesses populares serobrigado a compor sua governabilidade com os partidos que compõem o poder legislativo, o filtro eleitoral garante que ali serepresente o conjunto das facções das classes proprietárias, obstaculizando ao máximo a possibilidade da maioria real nasociedade se apresentar como maioria na chamada “representação”.
Uma das formas conhecidas, e não por acaso veementemente garantida na atual farsa da reforma política, é o financiamentoprivado de campanha em sua forma explícita. O poder econômico na sociedade capitalista sempre determina a disputa eleitoral,mesmo numa situação na qual se proíba o financiamento direto de empresários, seja por formas ilícitas e caminhos alternativos(que não deixam de agir mesmo na legalidade do financiamento privado) seja por seu poder indireto no controle de várias esferasda vida, da comunicação de massa, da cultura, do assedio que se funda no poder brutal que patrões têm sobre os trabalhadores noslocais de trabalho, etc.
Uma vez entrando neste canal e aceitando suas regras, que por um tempo favoreceram os governos petistas e sua continuidade,tornase muito difícil sair, pelo menos sem rupturas consideráveis. Ocorre que é exatamente a dimensão da ruptura que foiabandonada no desenho da estratégia. Querer introduzila agora é uma artificialidade infantil, ingênua e, por uma motivo maisbanal, impossível.
Nos termos atuais, para a burguesia inviabilizar o governo petista, basta o deslocamento do PMDB para um bloco de oposição.
Não tendo outra alternativa no horizonte imediato que não manter o rumo, a comandante tenta se manter firme no timãoexercendo a arte de fazer de conta que não é com ela, enquanto caminha decididamente para a catástrofe. Para se manter cede aosinteresses do capital e mergulha ainda mais na tentativa insana de manter a base aliada que se desfaz sob seus pés. Esta táticapermite sobreviver no campo imediato, mas tudo indica que fortalece as condições da futura derrota eleitoral. Este é o paradoxo.
Não podendo mobilizar suas bases sociais que correm o risco de serem capturadas pela direita, pela ação em defesa de direitos,conquistas ou condições de vida (uma vez que o presente ajuste e a linha de governo praticada nos últimos doze anos caminharamno sentido contrário), resta a esperança de que, mais uma vez, a chantagem da necessidade do apoio a este governo contra a“direita” ou o “conservadorismo”.
Sabemos que a direita se move em várias frentes, é evidente a retomada de um conservadorismo sem máscaras e preocupante.Compreendemos que papel estes fatores ocupam na estratégia do desgaste visando uma futura derrota eleitoral do petismo, ou napossibilidade de antecipar este desfecho por uma interrupção do mandato da presidente. Mas a direita e a forma de manifestaçãodo conservadorismo tem um papel, também, na estratégia governista. É o de desviar a atenção da brutalidade do ajuste e do real eevidente caráter do compromisso do governo com as condições necessárias à retomada da acumulação de capitais, criando umacortina de fumaça que desvia a atenção para uma abstrata contraposição entre conservadorismo e progressismo.
Além de desviar a atenção do ataque operado contra os trabalhadores, a educação, a saúde púbica e tantas outras áreas,procurando desarmar a resistência que se ensaia nas greves e nas lutas sociais, há também a clara intenção de desvincularse dogoverno que naufraga para, justificado pelo combate ao conservadorismo, manter a mesma estratégia e a continuidade do ciclopetista.
Não há solução para esta estratégia nos rumos escolhidos, ao mesmo tempo não há como buscar outros caminhos mantendose noessencial esta estratégia que ao nosso ver se esgotou.
No melhor cenário imaginado pela comandante agarrada ao timão é que o reajuste dê certo, a economia capitalista volte a crescer,o governo logre manter a aliança com o PMDB e tenha condições de disputar as eleições para renovar o mito. Vejam que o melhorcenário renova o caminho que os colocou no impasse em que se encontram.
É bom que lembremonos que, pelo menos na versão original da história, quando o lobo veio mesmo… ninguém acreditou nomenino.