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7/22/2019 Mauricio Godinho Delgado.pdf http://slidepdf.com/reader/full/mauricio-godinho-delgadopdf 1/16 CAPÍTULO XIV RESPONSABILIDADE POR VERBAS TRABALHISTAS I. INTRODUÇÃO O estudo da responsabilidade por verbas derivadas do contrato empre- gatício envolve algumas situações principais. Em primeiro plano, a responsabilidade do empregador e das entidades integrantes do grupo econômico. Em segundo plano, a responsabilidade do sócio da entidade societária empregadora. Em terceiro plano despontam algumas situações correlatas: a respon- sabilidade nos casos de terceirização, inclusive trabalho temporário; a res- ponsabilidade do subempreiteiro; e, ainda, o debate sobre a responsabilidade do dono da obra (ou tomador dos serviços). Por fim, há que ressaltar-se uma incipiente situação de responsabiliza- ção trabalhista: a que envolve a novel figura do consórcio de empregadores. II. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR E ENTES DO GRUPO ECONÔMICO  A responsabilidade pela quitação das verbas trabalhistas deriva, a prin- cípio, da posição assumida, pelo empregador, na relação jurídica empregatícia, compondo o polo passivo dessa relação. Essa a norma geral e recorrente do Direito do Trabalho, que não foge, assim, da conduta geral também prevale- cente no restante do Direito: o devedor principal (na hipótese justrabalhista, o empregador), integrante direto da relação jurídica entre as partes e beneficiá- rio principal e imediato de seus efeitos, é que responde pelas obrigações resultantes dessa relação.  Afora o empregador típico, permite o Direito do Trabalho que também assuma essa posição a entidade componente de grupo econômico  ainda que não se tenha valido diretamente dos serviços efetivos do obreiro, contra- tado por outra entidade do mesmo grupo (Súmula 129, TST). Nesse caso, os integrantes do grupo serão responsáveis solidariamente pelas verbas resul- tantes do respectivo contrato de trabalho, em função da qualidade de em- pregador que lhes foi reconhecida pela ordem jurídica.

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CAPÍTULO XIV

RESPONSABILIDADE POR VERBAS TRABALHISTAS

I. INTRODUÇÃO

O estudo da responsabilidade por verbas derivadas do contrato empre-gatício envolve algumas situações principais.

Em primeiro plano, a responsabilidade do empregador e das entidadesintegrantes do grupo econômico.

Em segundo plano, a responsabilidade do sócio da entidade societáriaempregadora.

Em terceiro plano despontam algumas situações correlatas: a respon-sabilidade nos casos de terceirização, inclusive trabalho temporário; a res-ponsabilidade do subempreiteiro; e, ainda, o debate sobre a responsabilidadedo dono da obra (ou tomador dos serviços).

Por fim, há que ressaltar-se uma incipiente situação de responsabiliza-ção trabalhista: a que envolve a novel figura do consórcio de empregadores.

II. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR E ENTES DO GRUPO ECONÔMICO

 A responsabilidade pela quitação das verbas trabalhistas deriva, a prin-cípio, da posição assumida, pelo empregador, na relação jurídica empregatícia,compondo o polo passivo dessa relação. Essa a norma geral e recorrente doDireito do Trabalho, que não foge, assim, da conduta geral também prevale-cente no restante do Direito: o devedor principal (na hipótese justrabalhista, oempregador), integrante direto da relação jurídica entre as partes e beneficiá-rio principal e imediato de seus efeitos, é que responde pelas obrigaçõesresultantes dessa relação.

 Afora o empregador típico, permite o Direito do Trabalho que tambémassuma essa posição a entidade componente de grupo econômico — aindaque não se tenha valido diretamente dos serviços efetivos do obreiro, contra-tado por outra entidade do mesmo grupo (Súmula 129, TST). Nesse caso, osintegrantes do grupo serão responsáveis solidariamente pelas verbas resul-tantes do respectivo contrato de trabalho, em função da qualidade de em-pregador que lhes foi reconhecida pela ordem jurídica.

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No caso de terceirização ilícita, em que se reconhece o vínculo empre-gatício com o efetivo tomador de serviços (conforme estipulado nas Súmulas256 e 331, TST), a responsabilidade que surge para o tomador não é distinta dasduas situações acima figuradas. É que, aqui, o tomador de serviços passa aassumir a posição de empregador, desfazendo-se judicialmente a relaçãosimulada com a empresa terceirizante. Desse modo, a terceirização ilícita,

 judicialmente desfeita, com fixação de vínculo empregatício do trabalha-dor com o real contratante e beneficiário dos serviços, diz respeito a maisuma hipótese de responsabilização decorrente do vínculo empregatícioreconhecido(1).

Existem situações fático-jurídicas, entretanto, tratadas de modo distintopelo Direito do Trabalho. São situações em que a ordem jurídica estabelecetão somente responsabilidade (solidária ou subsidiária) pelas verbas traba-lhistas derivadas de uma relação de emprego, sem conferir, contudo, ao responsabilizado a qualidade jurídica de empregador. Não se reconhece rela-ção de emprego (essa relação verificou-se com outra pessoa física ou jurídica);reconhece-se apenas responsabilidade pelo pagamento das verbas resul-

tantes.

Claro que, nestas últimas situações aventadas, o empregador sempre será o responsável original pelas verbas oriundas do contrato empregatício.Fixa o Direito do Trabalho, entretanto, concomitantemente, também a possi-bilidade de responsabilização de outras pessoas físicas ou jurídicas pelas  

verbas derivadas daquele contrato. Trata-se, desse modo, de situações em que a responsabilidade trabalhista recai sobre pessoas não empregadoras (embora, obviamente, em função de um nexo relacionai forte com o vínculoempregatício surgido entre as partes originais da relação de emprego).

São cinco  as mais conhecidas situações de responsabilização traba-lhista do não empregador. De um lado, a que envolve a responsabilidade dosócio da entidade societária empregadora, em face das verbas trabalhistasdevidas pela sociedade. De outro, a responsabilidade da empresa tomadora de trabalho temporário, em vista das verbas devidas ao obreiro pela empresa detrabalho temporário (Lei n. 6.019/74). Em um terceiro plano, a responsabi-lidade da empresa tomadora de outros serviços terceirizados,  em funçãodas verbas cabíveis ao trabalhador submetido à terceirização (Súmula 331,IV e V, TST). Registre-se, ainda, a responsabilidade do empreiteiro, em face

das verbas trabalhistas devidas pelo subempreiteiro a seus empregados (art.455, CLT). Fale-se, por fim, no debate sobre a responsabilidade do dono da obra, perante as verbas laborais devidas pelo empreiteiro a seus empregados.Como sexta situação de origem recente (década de 1990), há a responsabili-dade derivada dos chamados consórcios de empregadores.

(1) A terceirização  foi mais detidamente examinada no Capítulo XIII.

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III. RESPONSABILIDADE DO SÓCIO

 A legislação processual civil estabelece que ficam sujeitos à execução os bens do sócio, nos termos da lei  (art. 592, caput, e inciso II, CPC). Escla-rece o mesmo diploma que “os bens particulares dos sócios não respondempelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei  (art. 596, caput, CPC; grifos acrescidos). Está claro, portanto, que não obstante a pessoa

 jurídica se distinga de seus membros (art. 20, CCB/1916, por exemplo), ad-mite a ordem jurídica, em certos casos, a responsabilização do sócio pelasdívidas societárias.

O sócio dotado de responsabilidade ilimitada e solidária  pelas obriga-ções sociais obviamente sempre responderá por qualquer dívida da pessoa

 jurídica respectiva. É o que se passa com as sociedades em nome coletivo esociedades de fato, por exemplo.

No tocante às tradicionais sociedades por cotas de responsabilidadelimitada, a jurisprudência trabalhista firmemente já ampliou as hipóteses deresponsabilização do sócio-gerente (ou sócio controlador, quando não o ge-rente) por além daquelas previstas na clássica lei reguladora da figura jurídica(Decreto n. 3.708, de 1919). Fundada no art. 135 do Código Tributário Nacio-nal (que fixa a responsabilidade tributária dos administradores societários) ena circunstância de que o crédito trabalhista recebe da ordem jurídica prote-ção ainda mais acentuada que a deferida ao crédito tributário (art. 8a, CLT), e

com suporte ainda na teoria da desconsideração da personalidade jurídica(lift the corporate veil) — hoje já claramente incorporada pelo próprio DireitoComum, a teor do art. 28 da Lei n. 8.078, de 1990 (Código do Consumidor) emais recente art. 50 do CCB/2002— a jurisprudência trabalhista tem compreen-dido que o sócio-gerente responde pelas dívidas trabalhistas da sociedade, caso esta não tenha bens para garantira execução judicial.

Tal responsabilidade, de maneira geral, tem sido estendida, no plano justrabalhista, aos demais sócios, independentemente de terem (ou não) par-

ticipação na gestão societária.

O advento de nova regulação do Direito de Empresa pelo Código Civil,reestruturando a anterior sociedade por cotas de responsabilidade limitada(arts. 1.052 a 1.065, CCB/2002), não tem o condão de modificar o já sedi-

mentado posicionamento jurisprudencial trabalhista. O novo CCB até mes-mo explicita a incorporação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, há décadas já adotada, com leitura própria, no âmbito laborativo.

 Advirta-se, no presente debate, sobre a existência de correntehermenêutica, cada vez mais prestigiada na jurisprudência laboral, que enxergana própria matriz do Direito do Trabalho, em especial no  princípio da despersonalização do empregador, o  fundamento jurídico basilar para a

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desconsideração do manto da pessoa jurídica, em busca da responsabilizaçãosubsidiária de todos os sócios integrantes da entidade societária, em contextode frustração patrimonial pelo devedor principal na execução trabalhista. Emharmonia a esse princípio, o sentido funcional conferido à expressão empresa, pela CLT, ao se referir ao empregador (caput  do art. 2-, art. 10 e art. 448, porexemplo, todos da Consolidação), tudo demonstraria a intenção da ordem

 jurídica de sobrelevar o fato da organização empresarial, enquanto complexo de relações materiais, imateriais e de sujeitos jurídicos,  independentementedo envoltório formal a presidir sua atuação no campo da economia e dasociedade(Z).

Registre-se, por outro lado, que a responsabilidade do sócio distingue-sedaquela inerente às entidades que compõem o grupo econômico.

Em primeiro lugar, o sócio não responde solidariamente pelas dívidássociais trabalhistas, mas em caráter subsidiário, dependendo sua execuçãoda frustração do procedimento executório perfilado contra a sociedade. As-sim, sempre poderá o sócio demandado pela dívida da pessoa jurídica exigir  que sejam primeiro executados os bens da sociedade (art. 596, caput, CPC).Entretanto, cabe ao sócio que fizer uso desse benefício de subsidiariedadeexecutória o ônus de nomear bens da sociedade, sitos na mesma comar-ca, livres e desembargados, quantos bastem para pagar o débito (art. 596,§ 12, CPC).

 A segunda diferença da posição do sócio em face daquela inerente às

entidades integrantes de grupo econômico é que a execução pode se dirigir aopatrimônio do sócio — na hipótese acima aventada — sem que este tenha constado expressamente do título executivo judicial.  Inaplica-se, pois, à pre-sente situação a conduta especificada na antiga Súmula 205, do TST (citaçãode todos os componentes do grupo) e reiterada na Súmula 331, IV, do TST(citação da empresa terceirizante e da empresa tomadora de serviços). É que,no presente caso, é irrelevante discutir-se na lide a situação fático-jurídica dosócio —  em geral incontroversa —, tratando-se apenas de se definirem osefeitos jurídicos conferidos pela lei a essa situação em face das dívidas sociaistrabalhistas. Já no grüpo econômico (Súmula 205) e na terceirização (Sú-mula 331, IV), é da essência da lide discutir-se e definir-se a existência dasfiguras do grupo e da terceirização (lícita ou ilícita) —  o que implica a necessi-dade de franco contraditório (art. 5S, LV, CF/88).

(2) Na mais consistente direção deste debate está a jurista Aldacy Rachid Coutinho, queaponta a presença do risco de sacrifício do empregado, no quadro de uma execução frustrada,como elemento detonador da teoria da despersonalização no plano executório laborativo. InCOUTINHO, A.R. Aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica noProcesso de Execução Trabalhista, in NORRIS, R. (Coord.). Execução Trabalhista: Visão

 Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 205-249.

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É bem verdade, enfatize-se, que, cancelada a Súmula 205 (Res. n. 121/2003, TST), torna-se viável brandir, hoje, a tese do grupo econômico diretamen-te em execução, ao menos naqueles casos em que a prova do grupo sejasumária, óbvia, como, ilustrativamente, nos casos em que desponta do sim-ples cotejo dos respectivos estatutos societários.

 A jurisprudência trabalhista diferencia a posição do sócio administrador e/ou controlador de sociedade por cotas de responsabilidade limitada (segundo onovo CCB, sociedade limitada:  art. 1.052) daquele que ocupa posição seme-

lhante na sociedade anônima. A natureza algo dúbia da primeira modalidadesocietária (sociedade por cotas), que transita entre as tipologias sociedade de 

 pessoas versus sociedade de capital, permite que ela confira ampla liberdade (e,assim, responsabilidade) a seus gestores e controladores— o que nem semprese verifica nas sociedades estritamente de capital (como a S/A). Nesse con-texto fático-jurídico, mantém-se a tendência jurisprudencial de não estender amesma conduta responsabilizatória automática acima indicada para os gesto-res e controladores de sociedades anônimas: no caso das S/As é necessáriaevidência probatória de que houve gestão fraudulenta ou ilícita. Nessa mesmalinha é que expõe o autor Valentin Carrion uma importante diferenciação decondutas:

“... Na sociedade de responsabilidade limitada, presume-se a culpa dosócio-administrador, face à liberdade de ação que possui, a sua auto-nomia, à imediaticidade que há entre seus atos e seus efeitos e à fre-qüente comunhão de fato de seus haveres próprios e os da sociedade.O mesmo não acontece na sociedade anônima onde, por inexistir essascircunstâncias, a responsabilidade do administrador não se presume”(3).

IV. RESPONSABILIDADE PELO TRABALHO TEMPORÁRIO E OUTROS TIPOS DE TERCEIRIZAÇÃO

 A presente situação responsabilizatória encontra dois momentos jurídi-cos de relevo: em primeiro instante, o critério fixado no texto da Lei de TrabalhoTemporário (6.019, de 1974); em seguida, o critério de responsabilização apreen-dido da ordem jurídica pela Súmula 331, IV e V, do TST.

Como se sabe, a relação jurídica do trabalhador temporário, regida pelaLei n. 6.019/74, firma-se com a empresa de trabalho temporário: esta é queresponde por todas as verbas devidas àquele obreiro, seja ao longo da pres-tação de serviços, seja em qualquer pendência judicial a respeito do contrato

(3) CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho.  11. ed. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 1989. p. 657. A citação é parte de acórdão em que é juizrelator o mesmo jurista Valentin Carrion.

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temporário. A Lei n. 6.019, contudo, estabeleceu que a empresa cliente (outomadora dos serviços) poderá ser responsabilizada por parcelas derivadasde contrato temporário, ao lado da empresa fornecedora da mão de obra.Dispõe a lei que, no caso de falência da empresa de trabalho temporário, aempresa tomadora dos serviços despontará como solidariamente responsá-vel pelo recolhimento de contribuições previdenciárias, no tocante ao tempoem que o trabalhador esteve à sua disposição, assim como, em referênciaao mesmo período, pela remuneração e indenização prevista na Lei de Tra-balho Temporário (Lei n. 6.019/74, arts. 16 e 12).

 À luz dos termos da Lei n. 6.019/74, tratar-se-ia de responsabilidadesolidária, verificável somente em caso de falência da empresa de trabalhotemporário (rectius:  insolvência), abrangendo apenas as parcelas especifi-cadas na mesma legislação.

O avanço jurisprudencial ocorrido nas décadas que se sucederam àLei n. 6.019/74 conduziu, porém, à elaboração da Súmula 331 do TST. Estasúmula de jurisprudência uniforme englobou em seu texto quer a situaçãosociojurídica aventada pela Lei n. 6.019 (Súmula 331, I, TST), quer outrassituações de contratação de trabalhadores sem formação de vínculo em-pregatício com o ente tomador de serviços (Súmula 331, II e III, TST). En-

globou todas as situações de terceirização, portanto.

 A teor da mencionada súmula, há responsabilidade subsidiária  da

entidade tomadora de serviços em face de quaisquer verbas contratuaisconcernentes ao obreiro colocado à sua disposição, caso verificado inadim-

 plemento  das respectivas obrigações (Súmula 331, IV, TST). Como sepercebe, a súmula em exame não exige falência (ou insolvência), mas sim-ples inadimplemento por parte da empresa terceirizante. E não discrimi-na ou limita verbas, referindo-se ao gênero obrigações trabalhistas  (naverdade, obrigações contratuais  da terceirização). Em contrapartida aresponsabilidade que vislumbra não é solidária, mas apenas subsidiária.(4)

Qual a extensão do referido critério responsabilizatório? Seguramentepode-se afirmar que abrange todas as situações de terceirização, inclusive arelativa ao trabalho temporário (Lei n. 6.019/74). É que a súmula em análise,em seus diversos tópicos, trata da terceirização em geral —  inclusive do

trabalho temporário —, incorporando, por esforço hermenêutico construído já

(4) Nos casos de entidades estatais, decidiu o STF, em novembro de 2010, ao julgar a ADC16, que o simples inadimplemento não implica automática responsabilização, por serconstitucional o art. 71 da Lei de Licitações. Em consequência, torna-se necessária apresença da culpa in vigilando  da entidade estatal tomadora de serviços terceirizados, emface do descumprimento de sua obrigação de fiscalizar o exato cumprimento das obriga-ções trabalhistas pelas empresas prestadoras de serviços contratadas na terceirização.

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uma vez que a relação material respectiva formou-se somente entre osubempreiteiro e o empregado demandante. Deve o autor requerer, portanto,ao mesmo tempo, a citação do devedor originário (subempreiteiro) e do em-preiteiro principal, para não configurar cerceamento à defesa (art. 5a, LV,Constituição da República). Essa conduta processual já está classicamentesedimentada na jurisprudência trabalhista (a respeito ver conduta processualexposta na Súmula n. 331, IV, TST).

Configurando-se o subempreiteiro como revel na lide trazida a juízo,seguem-se os efeitos e procedimentos processuais próprios aplicáveis, inclu-sive no tocante à pena de confissão ficta (art. 844, CLT). Nesse caso, ao

empreiteiro principal, devedor subsidiário, restam os derivativos legais de suaresponsabilização trabalhista resultante do risco do empreendimento (arts. 2-, caput, e 455, caput, CLT). Mas é evidente que pode o responsável subsidiárioproduzir as provas a seu alcance, já que não se encontra, pessoalmente,vencido, em princípio, na matéria fática (arts. 48, 320 e 350, CPC): afinal, oslitisconsortes distintos serão considerados, em suas relações com a parte adversa, litigantes distintos,  sendo que os atos e as omissões de um não 

 prejudicarão nem beneficiarão os outros (art. 48, CPC).

Ressalte-se que não se faculta ao subempreiteiro exigir a citação, peloempregado, do devedor subsidiário (empreiteiro principal). A garantia criadapelo art. 455 da CLT (e Súmula 331, IV) vigora em benefício do credor trabalhistae não das entidades que se valeram da prestação de serviços.

VI. RESPONSABILIDADE DO DONO DA OBRA (OU TOMADOR DE SERVIÇOS)® 

 A leitura literal do texto do art. 455, CLT, não parece permitir a responsa-bilização do dono da obra ou tomador dos serviços pelas verbas trabalhistasreferentes a empregados vinculados a empresas contratadas sob regime deempreitada ou prestação de serviços. Essa seria a regra celetista: apenas oempreiteiro principal responderia pela verbas empregatícias (se houver subem-preitada)— porém não o dono da obra.  ,

 A doutrina e jurisprudência, contudo, têm construído interpretação distintacom respeito à temática, transbordando as fronteiras literais do texto norma-tivo acima. Nessa linha, já explorava Carrion:

Esboça-se a tendência no sentido de atribuir as responsabilidades traba-lhistas ao dono da obra que contrata o trabalho diretamente e

(6) A presente parte final deste capítulo inspira-se —  mantida a mesma tese básica — emanálise já exposta por este autor no artigo “Responsabilidade Trabalhista do Tomador daObra ou Serviço” , divulgado na Revista LTr.  São Paulo: LTr, ano 55, n. 10, out.-1991, p.1181-1185. Obviamente o texto foi adaptado à evolução jurisprudencial e doutrinária maispróxima.

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responsabilizá-lo subsidiariamente, no caso de insolvência do empreitei-ro: a tendência é estimulada pela longa permanência dos trabalhadoresna construção, pela frequência com que a atividade tem caráter lucrativo(venda ou locação) e mesmo comercial não declarada (o que só a longoprazo será apurado) e pela responsabilidade solidária das obrigações pre-videnciárias atribuídas ao dono da obra’,(7).

 A hipótese envolvente ao dono da obra (ou tomador dos serviços) não é,contudo, unívoca. Em consequência, cabe se observarem algumas dife-renciações relevantes.

1. Situações de Não Responsabilização

 A primeira diferenciação relevante diz respeito ao âmbito de abrangênciada regra celetista relativa à não responsabilização do dono da obra. Sua abran-gência é ampla, porém não absoluta.

 A regra original de não responsabilização parece manter-se preservadaquando se tratar de empreitada ou prestação de serviços pactuadas peranteterceiros por pessoa física, como essencial valor de uso  (reforma de resi-dência, por exemplo). Pode-se englobar também neste grupo a situação pelaqual até mesmo uma pessoa jurídica, de modo comprovadamente eventual  e esporádico, venha pactuar a específica obra ou prestação aventadas.

Nessas situações figuradas, o dono da obra (ou tomador dos serviços),

contratando efetivo valor de uso, não responderia pelas verbas empregatíci-as devidas pela empresa encarregada de realizar a prestação de serviços ouempreitada.

Ou seja, o critério da não responsabilização do texto do art. 455 da CLT  ficaria preservado apenas com respeito àquelas situações em que o toma-dor de serviços tenha se valido esporadicamente ou por curto período da 

 prestação de serviços pactuada perante o empreiteiro e subempreiteiro e,  preferivelmente, como instrumento de produção de mero valor de uso.

Por essa razão, parece censurável diretriz jurisprudencial surgida, pro-pugnando pela irresponsabilização geral do dono da obra, exceto empresasde incorporação e construção civil, desde que o título jurídico vinculatório sejaum contrato de empreitada(8). A par de entrar em inegável confronto com a

consistente linha de responsabilização perfilada pela Súmula 331 do TST(principalmente, em se tratando de empreitadas de labor, rotineiras no coti-diano de diversos ramos empresariais), a nova orientação desgarra-se de

(7) CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho,  11. ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1989. p. 20 (observações em destaque presentes no original).(8) Trata-se do texto original da Orientação Jurisprudencial 191, SDI-I/TST, publicado emnovembro de 2000.

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todos os avanços experimentados pelo Direito nas últimas décadas, sempreem direção à responsabilização daquele que exerce incontrastável poder.

Felizmente, a OJ 191 sofreu nova redação em maio de 2011, o que lheatenuou os problemas ora apontados (Res. TST 175/2011). Pelo novo texto,a exclusão responsabilizatória atinge somente o dono de obra de construção civil  que tenha firmado efetivo contrato de empreitada, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.  Não se aplica mais aexcludente a todo e qualquer contrato de empreitada (fato que alargavademasiadamente a exceção do texto original da OJ 191), porém somentea empreitadas de construção civil. Mesmo em se tratando de empreitada deconstrução civil, não incide a excludente da OJ 191 caso seja dono da obraempresa construtora ou incorporadora.*9*

2. Situações de Responsabilização

 A segunda situação figurada é claramente distinta da primeira. Trata-sede contratos de empreitada ou prestação de serviços entre duas empresas,em que a dona da obra (ou tomadora de serviços) necessariamente tenha de realizar tais empreendimentos, mesmo que estes assumam caráter in- fraestrutural e de mero apoio à sua dinâmica normal de funcionamento.  Emtais situações parece clara a responsabilização subsidiária da dona da obra(ou tomadora dos serviços) pelas verbas laborais contratadas pela empresaexecutora da obra ou serviços. Ou seja, a regra da não responsabilização,

inerente ao texto literal do art. 455 da CLT, não abrangeria estas últimas situa-ções ocorrentes no mercado de prestação de serviços.

 A responsabilização do dono da obra ou tomador dos serviços, em taiscasos, derivaria de três aspectos normativos apreendidos na ordem justra-balhista: em primeiro lugar, a importância (e efeitos) da noção de riscoempresarial, no Direito do Trabalho; em segundo lugar, a assimilação justra-balhista do conceito civilista de abuso do direito; finalmente, em terceirolugar, as repercussões do critério de hierarquia normativa imperante nouniverso do Direito, em especial no Direito do Trabalho.

No que tange ao primeiro desses aspectos, sabe-se que o risco em-presarial, sob a ótica do Direito do Trabalho, confere pano de fundo a toda aquestão da responsabilidade nesse ramo jurídico especializado, produzin-

do efeitos próprios ou circundantes ao contrato laboral firmado. O risco do

(9) Eis o novo texto da OJ 191 da SDI-I do TST: “CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DAOBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE (nova redação) — Res. 175/2011,DEJT divu lgado em 27,30 e 31.5.2011. Diante da inexistência de previsão legal específica,o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro nãoenseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídaspelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora ”.

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empreendimento transparece como noção revestida de notável estatutodistintivo em todo o universo trabalhista (art. 2a, caput,  CLT), conferindoconsistência à ideia de responsabilidade efetiva, imperante nesse ramo do Di-reito. Responsabilidade efetiva pelo risco empresarial — eis a mola mestrado instituto da responsabilidade no Direito do Trabalho.

Em coerência à matriz essencial concernente a esse tema no Direito doTrabalho (responsabilidade pelo risco), apreende-se que a responsabilidade por  ato de terceiro, no ramo justrabalhista, também terá a mesma dimensão. Nessalinha, em face da responsabilidade inerente ao risco, há de despontar a respon-sabilidade do dono da obra ou tomador de serviços pelos atos trabalhistas come-

tidos pelo empregador no período em que colocou força de trabalho em prol daempresa dona da obra (excluindo-se, obviamente, a primeira hipótese fático-jurídicaexaminada no item VI. 1, retro).

O segundo desses aspectos considerados para a responsabilização dodono da obra ou tomador dos serviços concerne à noção de abuso do direito. De fato, a circunstância de uma empresa (que tem o risco de seu negócio

 juridicamente fixado) contratar obra ou serviço de outra (em função da qualessa última forma vínculos laborais), não se responsabilizando, em qualquernível, pelos vínculos trabalhistas pactuados pela empresa contratada, consti-tui nítido abuso do direito.

 A figura jurídica do abuso do direito — que hoje já não padece da antigapolêmica que a cercou em seu nascimento —  apresenta-se em situações

em que o direito subjetivo é exercido pelo titular sem harmonia à finalidadesocial para a qual foi conferido. Sabendo-se que os direitos são asseguradosa seus titulares para serem exercidos de forma harmônica ao interesse globalou coletivo, transforma-se em abusivo o exercício de um direito que propicie,em razão de sua dinâmica, afronta a um universo mais substantivo de direi-tos de outros sujeitos individuais e sociais.

No Brasil, a própria lei comum acata essa moderna noção atenuadorado exercício de direitos: Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum  (art. 52, Lei de Introduçãoao Código Civil). Erige, assim, a norma civilista um eficaz instrumentalconcreto à viabilização do exercício regular de um direito reconhecido (art. 160, I, in fine,  CCB/1916, e art. 188, I, in fine, CCB/2002). A CLT tem

dispositivo semelhante a esses dois do Direito Civil (trata-se do art. 8S, CLT). Ao artigo 8Sceletista, pode-se agregar ainda o comando normativo assegu-rador de uma interpretação notadamente teleológica da lei trabalhista, con-substanciado no art. 9ada CLT.

Portanto, mesmo sob o império do antigo Código Civil o abuso do direi-to já era censurado no sistema jurídico do país, em inúmeras hipóteses ex-pressivas: art. 554, CCB/1916, vedando o mau uso da propriedade vizinha-,

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art. 20, antiga Lei de Falências (Decreto-Lei n. 7.661/45), criando indenizaçãopara os casos de abuso do requerente da falência denegada; art. 17 do CPC,tipificando inequívoco abuso no exercício do direito constitucional de litigar. Aprópria Constituição aponta a relevância jurídica da ideia de abuso, ao conde-nar o abuso... de poder (art. 59, XXXIV, “a”, in fine). Finalmente, o novo CódigoCivil explicitamente incorporou o tipo jurídico (art. 187).

Hoje, na verdade, a vedação ao abuso do direito trata-se de efetivo princí- pio jurídico gerai, como exaustivamente demonstrado no Capítulo VI deste Cur-so e em nossa obra Princípios de Direito individual e Coletivo do Trabalho.

É inegável o despontar do abuso do direito em contextos de frustraçãode créditos trabalhistas por empresas contratadas por outras, na dinâmica empresarial regular destas. O abuso do direito surgiria da circunstância de oscontratos laborais terem se firmado (ou se mantido) em virtude do interesseempresarial do tomador da obra ou serviço — portanto, do exercício do direitodeste— , convolando-se em abuso pela frustração absoluta do pagamento (senão acatada a responsabilização subsidiária do tomador originário pelas ver-bas do período de utilização do trabalho).

O terceiro aspecto a ser considerado para a mencionada responsabili-zação trabalhista é estreitamente vinculado aos anteriores. Trata-se da preva-lência, no Direito do país, do valor-trabalho e, consequentemente, dos direitos

 juslaborativos.

De fato, tanto a responsabilidade por ato de terceiro quanto a noção de

abuso do direito mais se ajustam à presente análise responsabilizatória emvirtude da inquestionável prevalência conferida, pelo sistema jurídico do país,ao valor-trabalho e aos direitos laborais. Há, como se sabe, nítida assimetriaentre os direitos derivados de um universo normativo, prevalecendo os decaráter social e público sobre os de caráter privatístico (o instituto da desapro-priação resulta dessa hierarquia), e os de caráter social e até mesmo alimentar — e nestes todos estão os trabalhistas — sobre os meramente patrimoniais.

 A prevalência do valor-trabalho e dos direitos laborais está insculpida nalei processual civil comum (art. 649, IV, CPC) e na legislação especializada(art. 449, CLT). Principalmente, está firmada na própria Constituição da Repú-blica (art. 1s, III e IV; art. 3S, I, in fine, e III, ab initio, e IV, ab initio; art. 4a, II; art. 6S,art. 7S, caput, in fine; art. 7-, VI, VII, X; art. 100, ab initio; art. 170, III). Além

desses seus princípios gerais enfatizadores do valor e primado do trabalho, apar da função social da propriedade, a Constituição, em diversos outros mo-mentos, também insiste ou na irredutibilidade do salário ou na garantia de salário ou na proteção do salário (art. 7S, VI, VII e X, respectivamente), evidenciando tratar-sede bem jurídico especialmente protegido e assimilado pela ordem jurídica do país.

Cabe, assim, a garantia subsidiária dos direitos trabalhistas pelo toma-

dor da obra ou serviço não apenas em virtude da responsabilidade mínima

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por ato de terceiro, como também pela vedação jurídica ao abuso do direito,harmonizados esses dois princípios à prevalência hierárquica do valor-trabalhoe direitos laborais na ordem jurídica do país.

Se o Direito— enquanto fenômeno sociocultural— aspira à efetividade;e se os direitos trabalhistas prevalecem sobre os patrimoniais civis e comer-ciais, não pode o ramo juslaboral negar efetividade aos direitos que regula-menta, em vista de cenários e teias engenhosos produzidos no mercadoeconômico e laborativo. Nesse plano, a responsabilidade subsidiária surgecomo a adequada medida e mecanismo para viabilização da efetividade dosdireitos laborais provocados peia dinâmica interempresariai. Ao contratar obra ou serviço, básicos à sua dinâmica negocial, a empresa deflagra e leva à reprodução relações laborais no âmbito da outra empresa contratada, tendo, em decorrência, responsabilidade subsidiária em face dos direitos trabalhis-

tas dali advindos.

O caráter subsidiário da responsabilidade inerente a relações jurídicassimilares a essa relação justrabalhista já era reconhecido em outros ramos

 jurídicos. No Direito Previdenciário, por exemplo, firmou-se jurisprudênciaconsistente em perceber a responsabilidade subsidiária do proprietário oucondômino em vista da inadimplência do construtor. Na Súmula 126 do anti-go TFR já se estabelecia:

“Na cobrança de crédito previdenciário, proveniente da execução de contrato de construção de obra, o proprietário, dono da obra, condômino de unidade imobili-

ária, somente será acionado quando não for possível lograr do construtor, através de execução contra ele intentada, a respectiva liquidação.”

No Direito do Trabalho, a doutrina e a jurisprudência maturaram-se emdireção ao encontro dessa responsabilidade subsidiária do tomador que seutiliza da prestação de serviços ou consecução de obra como parte de sua dinâmica empresarial. Hoje, a Súmula 331, IV e V, do TST, sob a epígrafe daterceirização, veio incorporar esse entendimento, reconhecendo a responsa-bilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços pelas verbas trabalhis-tas devidas pela empresa concretizadora da obra ou serviço, ainda quandose tratando de terceirização lícita, independentemente da fórmula jurídica ce-lebrada entre as empresas.

Como aponta, sensatamente, a referida súmula, essa responsabilidade

subsidiária tem de ser discutida, entretanto, em processo de conhecimento,através da participação da empresa dona da obra ou tomadora dos serviçosno polo passivo da lide instaurada(10).

(10) Em linha inversa ao avanço jurídico anterior, a redação original da Orientação Juris-prudencial 191 da SDI-i/TST, de 2000, fez do contrato de empreitada um antídoto amplo eincontrolável à responsabilização trabalhista no mercado econômico do país. Felizmente,

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VII. RESPONSABILIDADE NOS CONSÓRCIOS DE EMPREGADORES

O consórcio de empregadores, examinado no item V do Capítulo XII desteCurso, é, como visto, figura jurídica recente no Direito brasileiro. Foi elabora-do em meados da década de 1990, a partir de iniciativa da própria sociedadecivil, originalmente no campo, com o envolvimento de trabalhadores e empre-gadores rurais, além de diversos agentes do Estado, como o Ministério Públi-co do Trabalho, Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego e dopróprio INSS(11).

 A ideia despontou em função da procura por um caminho jurídico queatendesse a certas peculiaridades da contratação de trabalho no campo, emespecial à pactuação sazonal, sem negligenciar-se a presença do universo

 justrabalhista em tais pactuações. Em síntese, uma fórmula jurídica apta aatender, a um só tempo, à diversidade de interesses empresariais no setoragropecuário, no tocante à força de trabalho, sem comprometimento dopatamar civilizatório compatível aos respectivos trabalhadores, dado pelasregras e princípios do Direito do Trabalho.

O Procurador do Trabalho, Otávio Brito Lopes, sintetizou esse proces-so: o “consórcio de empregadores rurais surgiu, antes mesmo de qualqueriniciativa legislativa, como uma opção dos atores sociais para combater aassustadora proliferação de cooperativas de trabalho fraudulentas, e comoforma de fixar o trabalhador rural no campo, estimular o trabalho formal, redu-zir a rotatividade excessiva de mão de obra, reduzir a litigiosidade no meiorural, garantir o acesso dos trabalhadores aos direitos trabalhistas básicos(férias, 13s salário, FGTS, repouso semanal remunerado, Carteira de Traba-lho e Previdência Social) e à previdência social"<12).

Como já se viu, no ano de 2001 o novo instituto ganhou reconhecimentopor meio da Lei n. 10.256, de 9 de julho de 2001, que promoveu alterações naLei n. 8.212, de 1991, e outras do Direito de Seguridade Social. À luz do diplo-

em 2011, o TST conferiu nova redação à OJ 191 da SDI-I, atenuando os problemas oraindicados. Pelo novo texto, a exclusão responsabilizatória atinge somente o dono de obrade construção civil   que tenha firmado efetivo contrato de empreitada, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.  Não se aplica mais a excludente atodo e qualquer contrato de empreitada, porém somente a empreitadas de construção civil; mesmo nesse segmento, excluem-se da exceção responsabilizatória empreitadas feitaspor empresa  construtora ou incorporadora.(11) Conforme LOPES, Otávio Brito. Consórcio de Empregadores Rurais — uma nova mo-dalidade de contratação pode ser uma alternativa viável no combate à informalidade dasrelações trabalhista no campo. Brasília: Consulex, Revista Jurídica Consulex, ano V, n.111, 31.8.2001, p. 11-12.(12) LOPES, Otávio Brito, ob. cit., p. 12.

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ma em exame, tal consórcio foi equiparado ao empregador rural pessoa físi-ca, para fins previdenciários. Segundo a nova lei, a figura é formada “pelaunião de produtores rurais pessoas físicas, que outorgar a um deles poderespara contratar, gerir e demitir trabalhadores para prestação de serviços, ex-clusivamente, aos seus integrantes, mediante documento registrado em car-tório de títulos e documentos”  (art. 25-A, Lei n. 8.212/91, conforme redaçãoda Lei n.10.256, de 9.7.2001).

No tema da responsabilidade, a legislação previdenciária é clara: os in-tegrantes do consórcio serão solidariamente responsáveis “em relação àsobrigações previdenciárias” (§ 39 do art. 25-A, Lei n. 8.212/91, conforme Lei n.10.256/01).

Entretanto, é possível inferir-se da natureza da figura jurídica aprópria responsabilidade trabalhista: esta será de caráter solidário,  mastambém de dimensão dualista, uma vez que certamente envolve não só obrigações como também direitos empresariais.  Isso confere aos traba-lhadores o status de efetivos empregados, com contratos de duração inde-terminada preferivelmente, a par da garantia solidária de solvabilidade de seuscréditos laborais. Em contraponto a tal vantagem, abre-se aos fazendeirosconsorciados a prerrogativa de se valerem da mesma força de trabalho,em períodos diferenciados, por constituírem, em seu conjunto, um mes-mo empregador.

Sob a ótica do Direito do Trabalho, o consórcio de empregadores gera,por sua própria natureza, solidariedade dual  com respeito a seus empregado-res integrantes: não apenas a responsabilidade solidária passiva pelas obriga-ções trabalhistas relativas a seus empregados, mas, também, sem dúvida,solidariedade ativa com respeito às prerrogativas empresariais perante taisobreiros. Trata-se de situação conhecida pelo epíteto de empregador único (solidariedade dual, ativa e passiva). O consórcio é o empregador único deseus diversos empregados, sendo que seus produtores rurais integrantes podemse valer dessa força de trabalho, respeitados os parâmetros justrabalhistas,sem que se configure contrato específico e apartado com qualquer deles:todos eles são as diversas dimensões desse mesmo empregador único.

É o que bem aponta Otávio Brito Lopes: “a solidariedade é consequên-

cia natural da própria indivisibilidade do vínculo empregatício, que é apenasum, já que não existem tantos contratos de trabalho quantos são os mem-bros do consórcio, mas uma única relação de emprego com todos, que porisso mesmo são solidariamente responsáveis tanto para fins trabalhistasquanto previdenciários”(13).

(13) LOPES, O. B., ob. cit, p. 11.

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