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    Navegaesv. 7, n. 1, p. 49-54, jan.-jun. 2014

    ENSAIOS

    A matria publicada neste peridico licenciada sob forma de umaLicena Creative Commons - Atribuio 4.0 Internacional.http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

    Francisco de Vasconcelos Coutinho:a (re)descoberta de um poeta madeirense

    Francisco de Vasconcelos Coutinho: The (re)discovery of a poet from Madeira

    CIDLIADINISFaculdade de Letras da Universidade do Porto Porto Portugal

    Resumo:Natural da cidade do Funchal, Vasconcelos considerado por muitos especialistascomo um dos poetas mais representativos do perodo barroco portugus, embora no tenhapublicado em vida nenhum dos muitos textos que lhe andavam atribudos. Escrevendo ora emportugus, ora em castelhano, as suas composies deixam antever a conscincia da efemeridadeda vida e o desengano, marcados pela indissocivel lembrana da morte, assumindo-se a palavrarebuscada, a metfora, a anttese como peas fundamentais depuzzlesconstrudos com pacientelabor.

    Palavras-chave:Poesia; Barroco; Morte

    Abstract:Vasconceloswas born in Funchaland he is considered by many specialists as one ofthe most representative poets of the baroque Portuguese period, although he had not publishedwhile alive none of the many texts that have been assigned to him. Writing in Portuguese or inCastilian his compositions make you realize the frailty of life and disappointment marked bythe memory of death taking upon the elaborateword, the metaphor, the antithesis as pieces ofa puzzle sketched by a patient labour.

    Keywords:Poetry; Baroque; Death

    Considerado por muitos especialistas como um dospoetas mais representativos do perodo barroco portugus,Francisco de Vasconcelos Coutinho nasceu (1665) efaleceu (1723) no Funchal Ilha da Madeira.123

    Segundo Cabral do Nascimento, que no ArquivoHistrico da Madeira (1931, p. 52-62) lhe traa umasumria biograa a que ns efectumos algunsacrescentos resultantes das pesquisas que temos vindoa desenvolver, no mbito do projecto de Doutoramento,no Arquivo da Universidade de Coimbra , o poeta foibaptizado na igreja de S. Pedro do Funchal a 17 de Maio

    de 16651

    . Era lho de Loureno de Matos Coutinho e1 Cf. Registo do Livro 5dos Baptizados de S. Pedro, Funchal, . 120.2 As armas usadas pelos deste apelido so: em campo vermelho, um pinheiro

    verde com razes de prata, sustido por dois lees de ouro brilhantes,armados e lampassados de azul, afrontados; timbre: meio leo de ouroarmado e lampassado de azul, tendo um ramo de pinheiro nas garras.

    Manuel de Sousa da Silva deixou, em louvor desta famlia, os seguintesversos (ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins (dir.) ARMORIALLUSITANO Genealogia e Herldica, Lisboa, Editorial Enciclopdia,1961, p. 351): O lugar de Matos tem / de Aregos no julgado / o solarassinalado / de Matos, e dele vem / todo o seu grmio honrado.

    3 Foi parceiro com seu irmo Bento de Matos Coutinho de uma vastarede de operaes comerciais que se estendia da Europa at ao Brasil, presidida pelo judeu Simo Lopes Maciel, estabelecido em Ruo(SALVADOR, Jos Gonalves Os Cristos-Novos e o Comrcio no

    de Mariana de Vasconcelos, fundadores no ano de 1670da Capela de Nossa Senhora da Quietao, no stio dosAlecrins, no Funchal.

    na gura de Lus Fernandes de Matos (bisavdo poeta)2, descendente dos reis de Oviedo e Leo, quepassou Madeira, cerca de 1580, que reside a origemmais remota desta famlia. Lus de Matos era lho docavaleiro Antnio Vaz de Matos, que acompanhou Afonsode Albuquerque ndia, e de Francisca de Brito Coutinho;foi comerciante e casou com Guiomar Antunes, com quemteve dois lhos: Loureno de Matos Coutinho3e Bento de

    Matos Coutinho (av do poeta), estudante de Cnones

    Atlntico Meridional, S. Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1978, p. 254).As relaes comerciais que mantinha conjuntamente com o seu irmo soaludidas na sua disposio testamentria, redigida em Fevereiro de 1654.Nela, declarava o cristo-novo que lhe tinham cado a dever muitasdividas no Brazil e pera se cobrarem mandamos eu e o dito lesenseadoBento de Matos Coutinho meo irmo procurasso a seo lho natural Luisde Matos Coutinho que asiste nas ditas partes do Brazil e que cobradasellas houvesse a metade pra si (ARM, Tombo do Juzo dos Resduos eCapelas, Cx. 7, Mao 9).

    Faleceu em 26 de Novembro de 1654 (ARM, RP, bitos da S, Livro 8,n74, . 1v). Residiu, durante algum tempo, no outro lado do Atlntico.Constitui prova a sua cdula testamentria, em que o cristo-novo deixouforra uma sua escrava, declarando que ele prprio a trouxera do Brasil(ARM, Tombo do Juzo dos Resduos e Capelas, Cx. 7, Mao 9).

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    com o primeiro registo de matrcula a 1 de Outubro de16074, bacharel em Cnones a 21 de Maio de 16135e comFormatura a 6 de Maro de 16146pela Universidade deCoimbra. Foi mercador, auditor e juiz dos castelhanos7.

    A 7 de Outubro de 16258, Bento de Matos Coutinhocasa com D. Filipa de Vasconcelos9. Deste casamento,nasceram Antnio Teixeira de Vasconcelos10, lho

    segundo, e Loureno de Matos Coutinho (homnimo deseu tio paterno), chamado o Cavaleiro, pai do poeta.

    Vtima de um delator annimo, Bento de MatosCoutinho denunciado Inquisio, no s pelo factode ter parentes detidos nos crceres do Santo Ofcio e deser um intermedirio privilegiado nos tratos e negoioscom judeus que estam fugidos em Flandes e com outrosque vivem em Frana e no Brazil e na cidade de Lisboa,como tambm por se insurgir publicamente contra asaces repressoras dos inquisidores, considerando-asinjustas, e que procedio com excessos contra a gente de

    nao, causando as suas palavras muito escandalo aosouvintes. Alm disso, ainda acusado de se congratularcom a morte do inquisidor Simo Barreto supostamenteenvenenado pelos judeus, durante uma jornada noReino , armando, sem pejo algum, que tambem osinquisidores procedio contra elles tiranicamente contradireito e justia11.

    O seu envolvimento dissimulado no trco frau-dulento de mercadorias parece ter sido alis umarealidade. Faria descarregar e embarcaria furtivamentetoda a sorte de fazendas, ao abrigo da escurido danoite, junto Fortaleza de So Loureno, e, para as

    suas actividades ilcitas, teria at edicado uma casanuma zona escusa da Praia Formosa. Era detentor doseu prprio navio, circunstncia que lhe proporcionava,decerto, ampla margem de aco. No Arquivo da FamliaOrnelas Vasconcelos, encontrmos um documento quetece consideraes pouco abonatrias sobre as actividadesfraudulentas atribudas a Bento de Matos Coutinho. Trata-se de uma cpia, de 1828, dum antigo manuscrito quese achava, nesse ano, em poder do escrivo da Cmarado Funchal. No caso em apreo, vale a pena transcrev-laparcialmente:

    Este Licenciado Bento de Mattos Coitinho ouCoitadinho teve inteligencia para se enthoronizar porAuditor e Juis Accessor do Prezidio dos LagartesCastelhanos e to arrogante e soberbo que largavapalavras muito descompostas contra os Governadorespara adquirir mais jurisdico Coroa de Castella echegou a tanto que intitolou os Capites do PrezidioCastelhano Governadores da gente de guerra pellaCoroa de Castella; tudo errado e imprprio por quantoa gente que assistia na Fortaleza dos Lagartes, eropagos pela Fazenda Real e Coroa de Portugal, emque consumio os Ofciaes maiores as duas partes

    do que se despendia, que ero mais de seis contos emcada hum anno, e de tudo rezultava grande prejuzoa Fazenda Rel e damnos ao Clero e Igrejas destaIlha; e tornando ao ditto Licenciado Bento de MattosCoutinho, elle se fs to poderozo e famoso com o titulode Auditor e Accessor dos Lagartes Castelhanos, quedezembarcava cada ves que vinho navios de Frana,Flandes e Inglaterra todas as fazendas de noite sombrado Prezidio junto das Fontes pela parte que vai dellas Cruz de Sam Francisco e pela mesma passagemembarcava quantas fazendas queria [] navios [] asditas partes e Indias de Castella e para o Brazil e tantos[]os direitos Fazenda Real, e tanto h notorio estemodo de furtar os direitos reaes que comprou humafazenda em que fez cazas terras na Praia Formozajunto ao mar que he huma enseada, legoa desta cidade,e parte escuza, aonde despois por vezes dezembarcavamuitas fazendas dos navios estrangeiros e as mandavavir por terra em cavalgaduras de noite para sua caza12.

    456789101112

    4 Cf. Livro de Matrculas 1600-1612, vol. III, . 8 do Arquivo daUniversidade de Coimbra (AUC) (videg. 1).

    5 Cf.Actos e Graus 1610-1613, vol. XXIII, . 35 do AUC.6 Cf.Actos e Graus 1613-1616, vol. XXIV, . 50v do AUC (videg. 2).7 Em Fevereiro de 1623, a gente da guerra do presdio que no

    recebia os respectivos salrios h j sete meses, devido alegada faltade rendimentos da Alfndega do Funchal achava-se, como inmerasvezes sucedeu, no mais mizeravel estado que ser podia por cauza dafome que padesia. O capito D. Antnio de Herdia deslocou-se nodia 9 desse ms Cmara do Funchal, a m de solicitar algum socorrocom toda a presteza posivel. Para o efeito, fez-se acompanhar dosseguintes membros do presdio: Lus Fernandes de Oliveira, contador,Simo Rodrigues Vila Real, escrivo, Pro de Barreda, sargento-mor, o licenciado Bento de Matos Coutinho, juiz dos castelhanos,o licenciado Lus Dias Guterres, mdico, o licenciado Manuel Dias,cirurgio, e o padre capelo Bento de Oucim (ARM, CF, Vereaes

    de 1623, n1323, ff. 16-18). Vide, igualmente, a Carta do Marqus deAlenquer conrmando o cargo de auditor do presdio ao licenciado Bento

    de Matos Coutinho, de 17 de Agosto de 1617 (ARM, CF, RG, T. 3,n1214, ff. 120v-121).

    8 Cf.Registo Paroquial da Madeira Registo de Casamento, Faial, livro722, . 59v.

    9 Joo Rodrigues de S, senhor de Matosinhos, que viveu no sculo XVI,dedicou as seguintes quintilhas aos Vasconcelos (ZUQUETE, AfonsoEduardo Martins (dir.) ARMORIAL LUSITANO, cit., p. 541-543):Asque mil temores fazem/ a quem h-de navegar/ vermelhas ondas domar/ os de Vasconcelos trazem/ sobre azul mui singular./ Vasconcelos deGasconha/ que nunca passou vergonha/ em esforo e valentia,/ no tempoque forecia/ nem agora h quem lhe ponha.

    Tambm Manuel de Sousa da Silva, capito-mor de Santa Cruz daRiba-Tmega, genealogista do sculo XVII, escreveu acerca da mesmalinhagem:Junto ao Cavado se v/ em Ferreiros assentado/ o solar nobree honrado/ dos Vasconcelos em p/ as paredes sem telhados.

    10Segundo alguns genealogistas, Antnio Teixeira de Vasconcelos tervivido na quinta do Vale de Amores, na freguesia da Calheta, na qual seencontrava erguida uma capela da invocao de S. Antnio.Em 1654, o seu tio paterno Loureno de Matos Coutinho instituiu, nasua cdula testamentria, um encargo perptuo destinado ao azeite daalampada da capella de Santo Antonio que esta na quinta de Val Damoresna Calheta. O antigo stio chamado Vale de Amores topnimo queremonta ao sculo XV , onde se levanta a vetusta ermida de SantoAntnio, acha-se hoje no Lombo do Salo (ARM, Tombo do Juzo dosResduos e Capelas, Cx. 7, Mao 9). Ficmos ainda a saber que a 26 deMaio de 1660 se casa com D. Paula de Ornelas, sendo despensados no2gro de consanguinidade (ARM, FOV, Cx. 40, n68, . 52).

    11Cf. ANTT,Inquisio de Lisboa, Cadernos do Promotor, n21, Livro,222, ff. 47-47v.

    12 O copista adverte de que os pontinhos marco os lugares que no pudeler (ARM, FOV, cx. 40, n67).

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    No Brasil, vivia, alis, um correspondente privilegiado o seu lho bastardo Lus de Matos Coutinho, importantemercador que se xara no Rio de Janeiro, onde adquiriraum engenho de acar, transferindo-se depois para acapitania do Esprito Santo, acabando por ser detido peloSanto Ofcio, anos mais tarde, em Vitria13.

    Em Novembro de 1651 falecia Bento de Matos

    Coutinho. Entre as diversas funes que exerceu,teria ocupado at ao m da vida o cargo de auditormilitar. Realmente, em Dezembro de 1651, o diligentecolaborador de Diogo Fernandes Branco, AntnioGonalves Pades que permanecera na Madeira dirigindoas operaes comerciais informava o mercador, numacarta enviada para Lisboa, de que o novo Capito-General,Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha, por falesimentodo Matos, logo nomeara Antnio Ferreira Pinheiro, quedesempenhava as funes de ouvidor na Capitania doFunchal, auditor da guerra14.

    Sabemos ainda que residiu com a mulher e o irmoLoureno de Matos nuns amplos aposentos situadosdefronte do Colegio, em cuja igreja haviam, em conjunto,mandado construir a capela de S. Francisco Xavier, ondeforam, todos trs, sepultados15. Conjuntamente como irmo, era tambm proprietrio de outra quinta, aque chamo a Cruz, localizada na freguesia de SantoAntnio, por sima da igreja, constituda por uma vastafazenda, casa de sobrado alto e baixo e lagar16. Foimordomo destacado na confraria de Nossa Senhora doAmparo, erecta na S do Funchal17.

    Dos diversos descendentes de Bento de Matos

    Coutinho, merece especial destaque o j mencionado

    13 Cf. ARM, FOV, cx. 40, n67, ff. 146 e 219.Tambm num manuscrito intituladoNobilirio de Segredos Genealgicos(Ms. 479 da Biblioteca Pblica Municipal do Porto), o anotador HenriqueHenriques de Noronha, ao referir-se ao Licenciado Bento de Matos,escreveu que no h muitos anos saiu sambenitado aqui em Lisboa umparente seu, que havia estado em sua casa, vindo do Brasil. Tratava-sede Lus de Matos Coutinho penitenciado em Lisboa, no auto-de-f de 10de Maio de 1682.

    Segundo Jos Gonalves Salvador (in Os Cristos-Novos e o Comrciono Atlntico Meridional, cit., p. 219), Mateus da Gama, cunhado de Lusde Matos Coutinho, que se achava na Capitania do Esprito Santo, era seucorrespondente na Madeira. Acrescenta que era seu ex-scio em viagemque fez a Angola por convenincias de ambos.

    14 Videcarta datada de 12 de Dezembro de 1651 (VIEIRA, Alberto OPblico e o Privado na Histria da Madeira, vol. I, Funchal, Centro deEstudos de Histria do Atlntico, 1996, p. 233).

    15 Atravs da derradeira disposio do seu irmo Loureno que faleceu semdescendncia em 1654 , possvel vericar que o testador mandou-seenterrar na nossa capella de Sam Francisco Chaviel cita no Colegio daCompanhia de Jesus desta cidade que eu e o meo irmo o licenciado Bentode Matos Coutinho e minha cunhada D. Filipa de Vasconcelos sua molherzemos (ARM, Tombo do Juzo dos Resduos e Capelas, Cx. 7, Mao 9).

    16 Ibidem.17 Nesta irmandade, atravs dos auspcios dos Matos, encontramos vrios

    cristos-novos, como sejam o licenciado Antnio Lopes da Fonseca, apar de outras guras proeminentes, tais como Manuel Dias de Andrade,Provedor da Fazenda, D. Toms Velasquez Sarmiento, governador dopresdio, e o almoxarife Diogo Lopes de Andrade (ARM, Confrarias,n71, Termos de entradas de irmos da confraria de Nossa Senhora doAmparo, 1633-1651, ff. 26v, 28, 30v, 31 e 33).

    Loureno de Matos Coutinho, pai do nosso poeta18.Sabemos que estudou, igualmente, na Universidade deCoimbra, havendo registo de matrcula em Institutacom certido passada no 1 de Maio de 165219, ecomprovativos da frequncia do curso de Cnones, sendoo ltimo registo de 17 de Dezembro de 165320. Casou comD. Mariana de Vasconcelos na igreja de S. Pedro, a 13 de

    Julho de 166021. Deste casamento nasceram trs lhos22,de entre os quais Francisco de Vasconcelos Coutinho23, opoeta deFeudo do Parnaso.

    Seguindo a tradio familiar, Vasconcelos matri-culou-se, aos vinte e um anos, na Universidade de Coimbra(10/12/1686) com certido de latim24e, no ano seguinte, a1 de Outubro, inscreveu-se em direito civil e cannico25.Forma-se bacharel em 169626, com 31 anos. Pode aindaser encontrado, no Livro das Informaes Gerais daUniversidade, de 1686-87 a 1712-13, no ano lectivo de95-96, o nome de Francisco de Vasconcelos Coutinho da

    Ilha da Madeira, com a seguinte anotao margem: estu-dante suciente27. Durante a poca em que esteve emCoimbra, casou com D. Francisca Antnia Jacinta deSousa, de quem no teve gerao. Em 1697 nomeado ou-vidor da Capitania do Funchal (Nascimento, 1931, p. 60).

    Salientados os principais aspectos referentes biograa de Vasconcelos, no poderamos deixar de teceralgumas consideraes sobre a sua produo potica.

    Da sua obra destaca-se, em 1718, um elogio dramticopara ser representado pelas freiras de Santa Clara, nadespedida do governador Joo de Saldanha da Gama.Inclui tambm a Fnix Renascida (tt. II, III, V) alguns

    sonetos e a Fbula de Polifemo e Galateia, autntica

    18 Foi herdeiro de Joo Afonso de Magalhes, como atesta o valioso fundoarquivstico incorporado no Arquivo Regional da Madeira, intituladoRoldos Judeus e seus descendentes(ARM, FOV, Cx. 40, n68, . 52).

    19 Cf.Livro de Matrculas 1646-1652, vol. X, . 49v.20 Cf.Livro de Matrculas 1653-1657, vol. II (Cnones), . 20.21 VideARM,Registos de Casamento, Parquia de S. Pedro, ano de 1660,

    livro 94, folha 37.22 Referimo-nos a Bartolomeu de Vasconcelos Coutinho, primognito;

    Filipa de Vasconcelos (sem gerao) e o poeta Francisco de Vasconcelos.De Bartolomeu, sabemos pelo Registo Paroquial da Madeira Registode Baptismo, S. Martinho, livro 240, . 169, que foi baptizado a 2de Dezembro de 1656. Casou com D. Incia de Noronha da Cmara(Registo Paroquial da Madeira Registo de Casamento, S, livro 55,folha 94) a 28 de Junho de 1689, de quem teve Loureno Manuel daCmara e Vasconcelos, editor das obras pstumas (Feudo do ParnasoeHecatombe Mtrico) de seu tio.

    23 A propsito da linhagem Coutinho, Joo Rodrigues de S escreveuos seguintes versos (ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins (dir) ARMORIAL LUSITANO, cit., p. 184):As cinco estrelas sanguinhas/ emcampo douro pintado/ do sangue antigo, & honrado/ so nobres armascoutinhas,/ feitas dum cu estrelado// E sabe-se desta gente/ que ganhouantigamente/ segundo a memoria alcana/ a casa por sua lana/ queagora tem no presente.Tambm o Bispo de Malaca, D. Joo RibeiroGaio lhes dedicou a seguinte quintilha:Dos coutos foram senhores/ quetomaram alarve gente/ os Coutinhos que ao presente/ em Portugal somaiores,/ e godos antigamente.

    24 Cf.Livro de Matrculas, Vol. XXII, cad. 1, . 188 (videg. 3).25Livro de Matrculas 1686-1688, vol. XXII, . 67v.26Actos e Graus1695-1698 (22/05/1696), vol. ILIX, . 35v.27InArquivo da Universidade de Coimbra.

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    pardia da obra homnima de Gngora. O volume II doPostilho de Apolo contm igualmente um poema emtercetos, com o ttulo vaidade do mundo.

    No tendo publicado em vida nenhum dos muitostextos que lhe andam atribudos, sabe-se, no entanto, quepostumamente foram publicados Feudo do Parnaso(Coutinho, 1729) composio constituda por 324

    tercetos hendecasslabos, que trata da exaltao do reiD. Joo V, quer atravs da sua linhagem, quer atravsdos acontecimentos mais notveis do seu reinado at data do poema, no esquecendo a relao do Rei comas Musas, numa clara aluso ao patrocnio das Artes porparte de D. Joo V , e Hecatombe Mtrico (Coutinho,1729) consagrado s aras da Cruz Sacratssima e pureza imaculada da sempre Virgem Maria, como se lno frontispcio. Trata-se de uma obra constituda por 100sonetos, que narra a histria da redeno do homem desdeo pecado de Ado at paixo redentora de Cristo. Aqui

    domina a ideia de morte e da efemeridade dos valoresterrenos, servida pela riqueza conceptual tpica do perodoBarroco. Ambas as obras foram posteriormente reeditadase acrescentadas por Loureno Manuel da Cmara eVasconcelos, sobrinho do autor, em 1773.

    Filho de uma poca de profundas metamorfoses,Francisco de Vasconcelos o exemplo da criatividadeportuguesa do perodo barroco.

    Escrevendo ora em portugus, ora em castelhano, assuas composies deixam no s antever pelos ttulos epelas legendas a marca do cultismo (Pedindole tabaco;A hum loureyro que nasceo nas ruinas de huma Torre),

    como tambm factos histricos presenciados na Madeira(Residncia/ do Governador, / e Capito General/da Ilhada Madeira/ Joo de Saldanha da Gama, / representadapelas freiras de Santa Clara/ na sua despedida) e areminiscncia de um tempo vivido em Coimbra, em quefala com o Mondego estando saudoso:

    Soneto

    Falando com o Mondego estando saudoso

    Como , Mondego, igual ao nascimentoO meu choro ao que a ti te desempenha;Pois se o teu pranto nasce duma penha,

    De um penhasco se causa o meu lamento.Tu do mal, que padeo, ests isento,Porque abrandas chorado a tosca brenha,Mas Filis mais que serra me desdenha,Quando as tuas correntes acrescento.

    Se pois a serra dura tanto zelaO teu chorar, que o spero desterra,E o meu pranto endurece a Fillis bela;

    Por teres mais alivio, ou menos guerraChora tu, pois na serra tens estrela,Eu no, que sem estrela amo uma serra.

    (SILVA, 1718, p. 228)

    Temas caros ao barroco, como a fragilidade davida humana, comparecem igualmente na obra do poetamadeirense. Lembremos o poema Esse baixel nas praiasderrotado, talvez o mais conhecido por gurar emdiversas antologias:

    Soneto

    Fragilidade da vida humanaEsse baixel nas praias derrotadoFoi nas ondas Narciso presumido;Esse farol nos cus escurecidoFoi do monte libr, gala do prado.

    Esse ncar em cinzas desatadoFoi vistoso pavo de Abril orido;Esse estio em vesvios encendidoFoi Zro suave em doce agrado.

    Se a nau, o sol, a rosa, a primaveraEstrago, eclipse, cinza, ardor cruelSentem nos auges de um alento vago,

    Olha, cego imortal, e consideraQue s rosa, primavera, sol, baixel,Para ser cinza, eclipse, incndio, estrago.

    (SILVA, 1718, p. 246)

    Trata-se de um dos exemplos mais perfeitos dareinveno barroca, quer pelo seu virtuosismo verbal,pela sua construo simblica, uma vez que a nau, o sol,a rosa, a Primavera correspondem aos quatro elementosa gua, o fogo, a terra, o ar; quer pelo esprito da Contra-Reforma aqui bem patente.

    Votado a um imerecido esquecimento, no ser mais

    do que legtimo resgat-lo das entranhas da memria?Quem poder car indiferente ao poema Esse jasmimque arminhos desacata, inspirado pela efemeridadeintemporal dos valores terrenos?

    Soneto

    Esse jasmim que arminhos desacata,Essa aurora que ncares aviva,Essa fonte que aljfares deriva,Essa rosa que prpuras desata,

    Troca em cinza voraz lustrosa prata,Brota em pranto cruel prpura viva,

    Profana em turvo pez prata nativa,Muda em luto infeliz tersa escarlata.

    Jasmim na alvura foi, na luz aurora,Fonte na graa, rosa no atributo,Essa herica deidade que em luz repousa.

    Porm fora melhor que assim no fora,Pois a ser cinza, pranto, barro e luto,Nasceu jasmim, aurora, fonte, rosa.

    (SILVA, 1718, p. 232)

    Veja-se a forma como organiza a construo dasquadras (cada verso da 1 quadra entra em relao

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    directa com o verso correspondente da 2 quadra); abimembrao de todos os versos das quadras que seprolonga ainda pelos tercetos; a juno no ltimo versode elementos anteriormente disseminados ao longo dopoema, mantendo sempre a mesma ordenao. Aqui arealidade da morte, traduzida pela aco da metfora eda comparao hiperblica, adquire novos contornos,

    tambm eles desenhados metaforicamente a nooefmera da beleza, talhada pelo destino da morte.

    Francisco de Vasconcelos , ento, a encarnao deuma sensibilidade riqussima sem perder ou desgurar ostraos caractersticos do Barroco.

    Reabilit-lo , pois, estabelecer uma ponte entre osrequintes do virtuosismo verbal e a multiplicidade deimpresses internas e externas de um mundo todo elecomposto de reentrncias.

    Fig. 1.Primeiro registo de matrcula deBento de Matos (1/10/1607)(Fl. 8 do, vol. III, do Livro de Matrculas 1600-1612doArquivo da Univ. de Coimbra)

    Fig. 2.Formatura de Bento de Matosa 6 de Maro de 1614(Fl. 50v, vol. XXIVdo Livro deActos e Graus 1613-1616doArquivo da Univ. de Coimbra)

    Fig. 3. Matrcula de Franciscode Vasconcelos aos 21 anos

    (10/12/1686)(Fl. 188, vol. XXII, cad. 1do

    Livro de Matrculas1686-1688) doArquivo da Univ. de Coimbra)

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    Referncias

    A Fontes manuscritas

    I. ARQUIVO REGIONAL DA MADEIRA

    1. Livro 5dos Baptizados de S. Pedro.

    2. Registos de Casamentos Parquia de S. Pedro, livro 94.

    II. ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA 1. Actos e Graus 1610-1613, vol. XXII.

    2. Actos e Graus 1613-1616,vol. XXIV.

    3. Livro das Informaes Gerais da Universidade, 1686-87 a1712-13.

    4. Livro de Matrculas 1600-1612, vol. III.

    5. Livro de Matrculas 1646-1652, vol. X.

    6. Livro de Matrculas 1653-1657, vol. II.

    7. Livro de Matrculas 1686-1688, vol. XXII.

    B Textos poticos

    MORAIS, Jos ngelo de (1761). Eccos, que o Clarim daFama d: Postilho de Apollo. Montado no Pegazo, girando oUniverso, para divulgar ao Orbe literario as peregrinas fores

    da Poezia Portugueza, com que vistosamente se esmalto osjardins das Muzas do Parnazo.

    Academia Universal. Em a qual se recolhem os crystaesmais puros, que os famigerados Engenhos Lusitanos beberonas fontes de Hipocrene, Helicona e Aganipe. Ecco I. Dedicadoao nosso Fidelissimo Monarcha D. Joseph I. Lisboa: Ofcinade Francisco Borges de Souza.

    SILVA, Matias Pereira da (1716-1728).A Fenis Renascida, ouObras poeticas dos melhores engenhos portuguezes. Dedicadasao Excellentissimo Senhor D. Francisco de Portugal, Marquez

    de Valena, Conde de Vimioso, etc Lisboa Occidental:Ofcina de Joseph Lopes Ferreyra Impressor da SerenissimaRainha Nossa Senhora, V tomos.

    C Textos publicados postumamente

    COUTINHO, Francisco de Vasconcelos (1729). Feudo doParnaso. Lisboa: Pedro Ferreira.

    COUTINHO, Francisco de Vasconcelos (1729). HecatombeMtrico. Lisboa: Pedro Ferreira.

    D Estudos sobre o autor

    NASCIMENTO, Joo Cabral do (1931). Um poeta madeirense

    na Fnis Renascida. Francisco de Vasconcelos Coutinho. In:Arquivo Histrico da Madeira, Funchal, vol. I, fasc. 2, pp. 52-62

    Recebido: 09 de novembro de 2013Aprovado: 12 de dezembro de 2013

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