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Mathmare: um jogo de plataforma envolvendo desafios matemáticos do ensino médio
Charles Madeira1 Lucas Câmara
2 Isaac Beserra
2 Rogério Tavares
3
1Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Instituto Metrópole Digital, Brasil 2Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Informática e
Matemática Aplicada, Brasil 3Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Departamento de Artes, Brasil
Resumo
Os jogos digitais existentes atualmente voltados para a
área de matemática tratam na sua grande maioria
conceitos do Ensino Fundamental. Poucos são aqueles
que tratam conceitos matemáticos do Ensino Médio.
Além disso, muitos destes jogos são considerados
“chatos” pelos alunos. Este artigo apresenta Mathmare, um jogo de plataforma instigante e divertido,
envolvendo desafios matemáticos do Ensino Médio
com o objetivo de aumentar o interesse dos alunos
pelas aulas de matemática neste nível específico da
educação. Mathmare foi experimentado e avaliado em
diversas turmas de uma disciplina de nivelamento em
matemática oferecida para alunos ingressantes do nível
superior, obtendo resultados bastante positivos.
Palavras-chave: Jogos educacionais, desafios
matemáticos, Unity
Contato dos autores: 1 [email protected]
2 {lucas_tac18,hatake_isaac}@hotmail.com
1. Introdução
O ensino da matemática tem sido um desafio para os
professores de todos os níveis da educação no país pois
os alunos geralmente consideram a matéria chata e
sentem dificuldades em aprendê-la [Mattar 2010]. Uma
das causas principais que levam a este problema está
relacionada com o desinteresse dos alunos pelos
estudos, causado em parte pelo uso de métodos de ensino tradicionais e metodologias consideradas
ultrapassadas para uma era digital com experiências
muito mais lúdicas e interativas.
Em consequência deste desinteresse temos a
reprovação, a defasagem idade série e uma alta taxa de
evasão escolar como problemas crônicos do sistema
educacional brasileiro. Além disso, grande parte
daqueles alunos que conseguem resistir à evasão
escolar avançam para os anos seguintes sem aprender
os conceitos satisfatoriamente, o que faz com que tenham cada vez mais dificuldades em aprender novos
conceitos. Isto é confirmado por dois relatórios
bastante relevantes: 1) o relatório trienal do Programa
Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) que
revela que o Brasil continua muito abaixo da média mundial nos pilares educacionais da Leitura, Ciências e
Matemática [OCDE 2013]; e 2) o relatório De Olho
Nas Metas (MEC/Inep) que revela que cerca de 90%
dos estudantes brasileiros chegam ao final do ensino
médio sem aprender o suficiente em matemática
[Todos Pela Educação 2012].
Com o intuito de tentar ajudar a melhorar este
quadro preocupante, observando a grande
complexidade em tornar mais eficiente a qualidade da
educação básica na atual situação do país, diversos pesquisadores têm fomentado mudanças radicais
dentro das salas de aula para tentar solucionar o
problema de motivação e participação dos alunos, e
consequentemente das baixas taxas de aproveitamento
[Mattar 2010; Lucas 2014].
Neste contexto, os jogos digitais têm se mostrado
como uma proposta diferenciada que ajuda a estimular
os alunos a fim de levá-los a pensar, refletir, analisar e
solucionar problemas com o intuito de adquirir as
competências e habilidades necessárias. A principal
ideia é que os jogos digitais, como ferramentas educacionais, podem ajudar para o desenvolvimento de
conhecimento e habilidades cognitivas, como a
resolução de problemas, o raciocínio lógico, o
pensamento estratégico, a tomada de decisão, entre
outras, propiciando uma compreensão mais profunda
de certos princípios fundamentais de determinados
assuntos [Brom et al. 2011; Prensky 2012].
No que se refere à matemática, quase a totalidade
dos jogos digitais existentes atualmente são voltados ao
tratamento de conceitos básicos do Ensino Fundamental [Pietruchinski et al. 2011]. Pouquíssimos
são aqueles que envolvem conceitos do ensino médio.
Além disso, grande parte destes jogos são
desenvolvidos com o intuito de que o jogador seja
focado nos conceitos a serem aprendidos, dando pouca
importância ao divertimento, um dos conceitos
essenciais em Game Design [Tavares 2009]. Este é um
dos fatores que torna muitos jogos para educação
chatos para os alunos pois na maioria das vezes eles se
baseiam apenas em uma sequência de puzzles a serem
resolvidos [Mattar 2010]. Além disso, quando existe
alguma narrativa envolvida, ela é extremamente simples. Portanto, este trabalho propõe Mathmare, um
jogo de plataforma instigante e divertido envolvendo
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desafios matemáticos do ensino médio com o objetivo
de tentar aumentar o interesse dos alunos pelas aulas de
matemática neste nível específico da educação.
O documento está organizado como descrito a
seguir: Na seção 2 serão apresentados os trabalhos
relacionados; Na seção 3, o jogo Mathmare será
introduzido; Na seção 4 serão apresentados
experimentos realizados com Mathmare em uma disciplina de nivelamento em matemática ofertada para
alunos ingressantes do ensino superior; Na seção 5 será
feita uma análise dos resultados obtidos com os
experimentos realizados; Finalmente, na seção 6, serão
apresentadas conclusões e possibilidades de trabalhos
futuros.
2. Trabalhos Relacionados
A matemática é uma das disciplinas nas quais os
alunos têm geralmente a maior dificuldade. Estudos
como os de Del Blanco et al. [2009] mostram que
jogos digitais envolvendo conceitos desta disciplina
ajudam a melhorar o progresso de aprendizagem,
tornando-os uma possível alternativa motivante para os
alunos na busca por propostas pedagógicas que sejam
capazes de complementar o processo de ensino e
aprendizagem.
Apesar disto, o tema ainda é pouco investigado e,
consequentemente, poucas são as iniciativas de jogos
desenvolvidos com este objetivo conforme demonstra a
revisão sistemática feita por Pietruchinski et al. [2011]
em artigos publicados nos anais do Simpósio Brasileiro
de Informática na Educação (SBIE) entre 2001 e 2010.
Além disso, mesmo após publicado este trabalho de
revisão sistemática, o número de publicações sobre o
assunto efetuadas nos últimos 4 anos ainda não foi
capaz de alterar este quadro.
No contexto específico da matemática,
encontramos alguns poucos trabalhos, a maior parte
focada no tratamento de conceitos básicos do Ensino
Fundamental. Pierini et al. [2012] propôs o jogo
Brinquedos Numéricos focado no ensino dos conjuntos
numéricos. Leitão et al. [2012] introduziu o jogo
Terras das Cores voltado ao exercício do raciocínio
lógico-matemático para crianças através de atividades
que também trabalham a coordenação motora. Cardoso
et. al. [2013] criou o jogo Tabuada Legal voltado ao
ensino da multiplicação com o objetivo de ajudar na consolidação do aprendizado da operação de
multiplicação de números naturais, com foco no
cálculo mental. Barbosa Neto e Fonseca [2013]
desenvolveu um jogo baseado na narrativa do livro “O
homem que calculava” para trabalhar o conceito de
frações. Santos et al. [2014] Propôs um jogo para
trabalhar o conceito da divisão. Silva et al. [2014]
desenvolveu um jogo para trabalhar operações
aritméticas. Cezarotto e Battaiola [2014] propôs o jogo
Number Catcher para ensinar conceitos básicos de
numeração e aritmética para crianças com discalculia.
Além destes trabalhos citados, somente
encontramos raros trabalhos, tais como o de Brito e
Motta [2014] e o de Gama e Sperotto [2014], que
apresentam uma proposta diferenciada referente ao
estudo da matemática no contexto do ensino médio. No
entanto, ao invés de propor algum novo jogo, o
objetivo destes trabalhos foi de apresentar estratégias
metodológicas do uso da recomendação de jogos já
existentes baseando-se em um método da análise e avaliação efetuado com turmas de alunos do ensino
médio.
3. Mathmare
Para desenvolver o projeto do jogo Mathmare, algumas
decisões importantes precisavam ser tomadas. Primeiramente, precisávamos decidir o estilo do jogo.
Para isso, foi feita uma enquete
(http://goo.gl/Cc0Ysr) com alunos ingressantes no ensino superior, recém-egressos do ensino médio.
De acordo com a escolha da maioria, o gênero RPG
(Role-Playing Game) foi escolhido, tendo como
cenário um mundo medieval com a possibilidade de
presença de magias e monstros. Em segundo lugar, não
tínhamos como objetivo principal abordar os conceitos
matemáticos do ensino médio de forma isolada. Ao
invés disto, o jogo deveria tentar fazer com que o
jogador conseguisse entender melhor os assuntos vistos
em sala de aula pelo fato de trabalhar mais na lógica da
resolução do problema do que no cálculo em si. Tendo em mente estas decisões, as etapas de construção do
jogo foram efetuadas.
3.1 História
Mathmare é um jogo que gira em torno do personagem
Dave Laze, um garoto que sempre foi viciado em jogos
digitais. Porém, Dave nunca considerou a matemática
útil. Até que um dia, ele ganhou de um estranho um
novo jogo chamado MathMare, do qual nunca tinha
ouvido falar. Dave foi curiosamente jogar para conhecer o jogo e subitamente algo inesperado
aconteceu. Dave desmaiou e acordou em um lugar
estranho quando uma voz começou a dizer: “Você está
preso dentro de MathMare... a única maneira de sair
daí é conseguindo completar todo o jogo”. Nesse
momento aparece uma mensagem em seu celular, de
uma pessoa que afirma ser um ex-jogador de
MathMare, e que está ali para ajudá-lo a sair deste
pesadelo. Segundo a mensagem, o jogo foi feito para
ser impossível de se completar, pois o real objetivo era
fazer com que ninguém conseguisse se salvar. A única
forma de conseguir sair do jogo seria trapaceando. Para isso, Dave precisaria hackear o sistema do jogo com o
seu próprio celular. É a partir daí que ele começa a
perceber que nos jogos que tanto gostava existia muito
mais matemática do que ele imaginava. Um vídeo
demonstrativo contendo um teaser do jogo Mathmare
pode ser acessado através do seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=kKfqTnBSo
-U.
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3.2 Cenário e Mecânicas
Para facilitar a visualização de alguns conceitos
matemáticos (por exemplo, gráficos de funções), o
cenário de Mathmare é composto por uma plataforma
em 2D com movimentação lateral (ver Figura 1). O
personagem possui apenas a movimentação básica de
um jogo de plataforma (movimentação lateral e salto), de forma que ele não consegue destruir os inimigos de
maneira direta, já que na história ele é apenas um ser
humano comum, e não um personagem do jogo.
Assim, Dave precisará raciocinar logicamente para
poder enfrentar os monstros ou evitar os confrontos
com eles.
Figura 1: Captura de tela da plataforma 2D do cenário do
jogo Mathmare.
Portanto, para eliminar seus inimigos Dave tem que
utilizar elementos do próprio jogo como canhões ou até
mesmo os próprios monstros, hackeando a inteligência
dos personagens para fazer com que eles lutem a seu
favor. Dave também precisa modificar o
posicionamento dos blocos dos cenários através de puzzles para poder conseguir criar possíveis caminhos
para lugares visivelmente impossíveis de serem
alcançados. Por exemplo, para criar uma passagem que
permita chegar a um objetivo, ele precisa modificar o
cenário. Porém, como ele poderia mudar a
configuração do cenário sem entender o seu
funcionamento? A única forma é aplicando conceitos
matemáticos através de puzzles. Com essa perspectiva
de resolver puzzles como um meio para atingir um
determinado objetivo, o jogador que estará na pele do
personagem Dave verá a matemática como uma importante ferramenta.
Cada puzzle modifica o cenário de uma maneira
diferente, com sua respectiva lógica conforme o
conceito matemático abordado. Desta forma, o jogo
consegue criar uma dinâmica mais interessante que
permite cativar o jogador mais facilmente e mantê-lo
no jogo. Além disso, Mathmare possui vários
elementos de RPG tais como gasto de mana
(representado pela bateria do celular), HP (pontos de
vida) e alguns ataques especiais que podem ser usados
pelo jogador.
3.3 Desafios Matemáticos
O conhecimento matemático adquire um significado
diferente quando estudantes se deparam com situações
desafiadoras e divertidas e desenvolvem estratégias de
resolução de problemas. Por isto, desafios foram
desenvolvidos para Mathmare visando contribuir com
o fortalecimento das habilidades de raciocínio lógico e matemática do ensino médio através da resolução de
problemas.
Para prototipar os puzzles, precisávamos decidir
quais conceitos matemáticos do ensino médio seriam
empregados e de que forma. Logo, decidimos por
experimentar inicialmente conceitos básicos de
polinômios, matrizes, números binários e conjuntos. A
fim de aumentar ao máximo a possibilidade de
ganharmos a atenção dos jogadores, fizemos um estudo
detalhado das mecânicas de diversos jogos comerciais
de sucesso, tais como The Ball, The Legend of Zelda, Watch Dogs, Castlevania, Harmony of Elements, Devil
May Cry, Resident Evil, entre outros. Neste estudo, foi
percebido que os jogos de sucesso oferecem bastante
puzzles lógicos, apesar do jogador não precisar
resolvê-los todos incessantemente. Esses jogos sempre
apresentam um intervalo de tempo entre a execução
dos diversos puzzles existentes, e durante esse
intervalo os jogadores se divertem evoluindo no
próprio cenário do jogo. Outra característica desses
jogos é que o jogador não é forçado a resolver puzzles
somente por resolvê-los, mas pelo fato de necessitar atingir um objetivo maior como, por exemplo,
desbloquear uma passagem, alcançar um item
inalcançável, ou até mesmo adquirir uma nova
habilidade. Nesse caso, resolver um puzzle não é o
objetivo maior do jogador, mas um meio para permiti-
lo alcançar um determinado objetivo. Portanto,
decidimos seguir a mesma ideia destes jogos para a
criação das mecânicas de Mathmare, os puzzles sendo
sempre inseridos como meio para alcançar um objetivo
maior, com intervalos de tempo entre eles que
permitem ao jogador explorar o mundo do jogo para mantê-lo motivado.
Este processo ocorre da forma seguinte forma: em
algum momento durante o decorrer do jogo, o jogador
percebe que não consegue avançar até um determinado
local do cenário, seja por não conseguir alcançar um
nível mais alto ou mais baixo da plataforma ou por ter
algo bloqueando a sua passagem. Nesse ponto ele
deverá hackear o sistema do jogo para construir uma
passagem. Mas para isto, é preciso que ele o faça da
forma correta. Só assim ele será capaz de realizar o seu
objetivo através da construção de uma ponte, abertura de uma porta ou destruição de um adversário. Desta
forma o jogador utiliza a matemática como uma
ferramenta para resolver seu problema.
Para facilitar o processo de prototipagem dos
puzzles, foi criado um padrão de como abordá-los. Este
padrão funciona da seguinte forma: o usuário envia
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para o puzzle um vetor (uma lista de valores) através
da interface do jogo (na história seria o celular do
personagem) e o puzzle interpreta essa lista de valores
da forma como lhe foi programado (podem ser
coordenadas geográficas, coeficientes de polinômios,
índices de objetos, entre outros). Em seguida, o sistema
do jogo é modificado de acordo com a entrada e, caso
o jogador tenha resolvido o puzzle corretamente, ele
conseguirá alcançar seu objetivo. Assim, o jogador sempre encontrará um padrão que o permitirá perceber
que a mesma estrutura de dados (lista) poderá ser
interpretada de várias maneiras.
3.3.1 Ponte Polinomial
Muitos alunos apresentam dificuldades em entender
como funciona o gráfico de uma função polinomial, e
assim não sabem exatamente o que significa encontrar
as raízes e interpretar de maneira clara as suas
características. Por exemplo, se quiséssemos modificar
o gráfico de uma função no eixo Y, qual dos coeficientes da função deveria ser alterado? Além
disso, o valor deste coeficiente deveria ser aumentado
ou diminuído? São perguntas que precisam ser
respondidas para resolver este tipo de problema.
(a)
(b)
Figura 2: Ponte polinomial que pode ser configurada através de três coeficientes no celular. O coeficiente mais a direita
corresponde ao grau zero do polinômio, o do meio é o coeficiente de grau 1 e o mais a esquerda é o coeficiente de
grau 2: (a) ponte correspondendo a um gráfico de uma função de 1º grau; (b) ponte correspondendo a um gráfico de uma
função do 2º grau.
Portanto, o primeiro puzzle de Mathmare é a Ponte
Polinomial, que consiste em configurar os coeficientes
de um polinômio para gerar o gráfico de uma função
polinomial (ver Figura 2). Isto ocorre porque o jogador
chegará em pontos do cenário onde a plataforma à
frente não possibilitará a sua passagem, seja por estar
muito alta, muito longe ou com obstáculos. Porém
parte da plataforma que se encontra em formato de
ponte é capaz de ser modificada conforme o gráfico de uma função polinomial. Portanto, a única forma que o
jogador tem para possibilitar a sua passagem é
modificar os coeficientes do polinômio no celular para
que o gráfico da função seja refletido na plataforma.
Mesmo que o jogador modifique inicialmente os
coeficientes apenas de maneira aleatória, com o passar
do tempo ele perceberá alguns padrões, conforme
descritos a seguir: o coeficiente mais a direita
corresponde ao grau zero do polinômio e permite subir
e descer a ponte; o coeficiente do meio corresponde ao
grau 1 do polinômio e permite inclinar a ponte; e o
coeficiente mais a esquerda corresponde ao grau 2 do polinômio e permite curvar a ponte.
Este desafio ajuda os alunos a praticarem de
maneira mais divertida esse conceito matemático, não
focando apenas no cálculo, mas na compreensão de
como funciona as características de uma função e
como esse conhecimento pode ser usado para atingir
um determinado objetivo no jogo.
3.3.2 Plantas Binárias As Plantas Binárias são um puzzle tem como objetivo
ajudar os alunos a praticar os conceitos de conversão
de base (de decimal para binário), e ao mesmo tempo
mostrar que o número binário resultante não é apenas
um outro número que representa o mesmo valor, mas
que ele pode ser interpretado de uma maneira diferente.
Durante as fases de Mathmare, o jogador se
deparará em locais onde a passagem vai estar
bloqueada por plantas. Essas plantas podem estar
levantadas (valor 1), ou abaixadas (valor 0) (ver Figura 3a). Acima das plantas terão símbolos que seguem o
mesmo padrão (pequenas barras). Esses símbolos
servem como dica para informar como as plantas
devem estar para que a passagem seja desbloqueada. O
jogador deve informar ao sistema um número decimal,
que será convertido para binário, alterando assim a
configuração das plantas no cenário. Por exemplo, se
tiverem 4 plantas bloqueando a passagem, e o jogador
enviar o número 11, o número binário resultante será
1011, portanto a segunda planta (da esquerda para
direita) ficará abaixada, enquanto que as 3 restantes
ficarão levantadas (ver Figura 3b). Caso as plantas fiquem da mesma forma indicada pela dica, elas se
recolherão abrindo a passagem para permitir que
jogador siga em frente.
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(a)
(b)
Figura 3: Plantas binárias que podem ser configuradas através de dois coeficientes no celular. Os coeficientes
consistem no valor em decimal que o jogador deve informar em concordância com o valor em binário indicado no
cenário: (a) puzzle composto por cinco plantas binárias com configuração 10101; (b) puzzle composto por quatro plantas
binárias com configuração 1011.
3.3.3 Matriz de Blocos Matriz sempre foi um conceito matemático do qual os
alunos costumam mostrar dificuldades, talvez pelo fato
que esse conceito é mostrado de maneira abstrata na
sala de aula. Dentre os vários tópicos relacionados com
matriz, um dos mais importantes é o do seu
escalonamento, já que é um método utilizado para
resolver problemas de sistemas de equações. O
objetivo do puzzle Matriz de Blocos é fazer o aluno
exercitar o algoritmo do escalonamento de maneira
lúdica, já que seu objetivo não é somente resolver uma
questão em uma lista de exercícios. Ao contrário disto, ele deve atingir um objetivo no jogo utilizando esse
conceito matemático, como é o caso da Figura 4a onde
o jogador precisa chegar até a plataforma de cima, mas
os blocos não permitem sua passagem.
Certas vezes o jogador chegará em um local do
cenário no qual ele precisa alcançar uma outra
plataforma, mas a passagem estará bloqueada por
vários blocos alinhados em formato de matriz.
Portanto, o jogador precisará usar seu celular para
hackear os blocos que exibem números representando
valores relacionados com a matriz. Para modificar os valores dos blocos, o jogador precisará informar uma
lista com 3 números: o primeiro é o fator
multiplicativo, o segundo o identificador da linha de
origem, e o terceiro o identificador da linha de destino.
O algoritmo consiste em multiplicar o fator por cada
um dos valores da linha de origem e somar cada um
dos resultados desta multiplicação com os valores das
respectivas colunas na linha de destino. Caso algum
bloco fique com valor zero, ele será destruído
permitindo ao jogador passar por ali (exemplo de
escalonamento na Figura 4b).
(a)
(b)
Figura 4: Matriz de blocos que pode ser escalonada através de três coeficientes no celular. Da esquerda para a direita, os
coeficientes consistem respectivamente ao fator
multiplicativo, ao identificador da linha de origem, e ao identificador da linha de destino na matriz: (a) configuração
da matriz inicial, com blocos bloqueando a passagem do personagem; (b) configuração da matriz escalonada, sem
blocos bloqueando a passagem do personagem.
Dependendo da situação no jogo, o jogador poderá
abrir caminho eliminando apenas uma linha da matriz
ou até mesmo montando uma escada (que seria o
escalonamento total). Para realizar essa tarefa de
maneira eficaz, o jogador terá que utilizar o algoritmo
do escalonamento.
3.3.4 Conjuntos Giratórios
O puzzle dos conjuntos giratórios mostra uma forma
gráfica de representar conjuntos e suas interseções (ver
Figura 5a), através de círculos com elementos dentro
deles. Porém o objetivo desse puzzle não é somente
exercitar o conceito de conjuntos, mas também o
raciocínio lógico do jogador para resolver problemas,
utilizando uma abordagem parecida com a de um cubo
mágico simplificado.
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O jogador chegará em um local do cenário em que
possui uma torre bloqueando o caminho, e perto dela
círculos com números dentro deles. Ao enviar a
informação para o jogo rotacionar algum círculo
(utilizando a identificação do conjunto), ele rotaciona
também todos os elementos dentro dele. Esses
rotacionamentos podem fazer com que elementos que
estavam em um conjunto sejam transferidos para
outros conjuntos. Os conjuntos sempre rotacionam 90 graus no sentido horário.
(a)
(b)
Figura 5: Conjuntos giratórios que podem ser rotacionados, um a um, no sentido horário, através de seleção da letra
correspondente no celular: (a) configuração inicial na qual os círculos não contém no seu interior os elementos indicados
no celular; (b) configuração final, após rotacionamentos, na qual cada círculo contém internamente exatamente os
elementos indicados no celular.
O objetivo é fazer com que todos os elementos nos
círculos respeitem uma configuração dada aos
conjuntos. Quando os elementos estão todos
posicionados corretamente de acordo com a configuração desejada, a torre que bloqueia a passagem
do personagem é destruída, permitindo-o seguir em
frente. O nível de dificuldade desse desafio se baseia
apenas na quantidade de elementos que precisam
organizados. O nível mais difícil possível, é com 12
elementos, pois assim todas as posições dos círculos
ficam preenchidas.
Apesar desse puzzle não abordar de forma direta os
conceitos relacionados a conjuntos, o jogador ainda
pode fazer uso deles para ajudar a resolver o desafio. Por exemplo, uma tática poderia ser a de começar
montando as posições das interseções entre os
conjuntos, já que são os únicos elementos que precisam
de uma ordem específica. Os outros elementos tem
posições mais livres, já que o conjunto {1,2,3} é
equivalente ao conjunto {3,1,2}.
4. Experimentos Realizados
Mathmare foi desenvolvido usando usando o motor
Unity (https://unity3d.com/pt), tendo como objetivo inicial duas versões: web e desktop. Para
verificar se ele estava atendendo aos objetivos
propostos, era necessário experimentá-lo com os
alunos. Para isso, foi elaborada uma fase de jogo
contendo todos os puzzles desenvolvidos. Para cada
um dos puzzles foram definidos 3 níveis que
aumentam progressivamente em dificuldade. O tempo
de duração estabelecido para o jogo foi de 45 minutos
para permitir aplicá-lo durante um horário de aula.
Uma vez o jogo desenvolvido, definimos uma
bateria de experimentos para ser realizada no contexto
de quatro turmas de uma disciplina de nivelamento em
matemática com alunos recém-ingressos no ensino
superior, duas delas oriundas do turno da manhã e duas
do turno da noite. Ao total, 97 alunos foram colocados
para jogar o jogo livremente, cada um em um
computador desktop com Windows 7. A versão de
Mathmare que foi utilizada nos experimentos pode ser
encontrada em https://db.tt/KDTDSp7M.
Segundo Godoi & Padovani (2011), jogos
educativos podem ser avaliados através de diversas
formas: checklists, diretrizes, escalas de avaliação, formulários, modelo conceitual, questionários, sistemas
ou de forma híbrida. Dentre estas possibilidades de
instrumentos avaliativos, para os experimentos com
Mathmare escolhemos o questionário a fim de verificar
o impacto do jogo em aspectos tais como usabilidade,
eficácia das ferramentas de auxílio e aprendizagem
alcançada, enfatizando tanto a avaliação orientada ao
produto quanto a avaliação orientada ao usuário. Para
isso seguimos os critérios definidos por Medeiros e
Schimiguel (2012): qualidade do conteúdo,
alinhamento do objetivo da aprendizagem, motivação, imersão, objetivos claros, feedback e adaptação,
apresentação, interação social e reusabilidade.
Após jogar os 45 minutos da fase, ou completá-la
antes mesmo do tempo máximo permitido, cada
jogador foi convidado a responder um questionário
(http://goo.gl/BqRmto) contendo diversos critérios para avaliar o jogo através de perguntas
assertivas com as seguintes possibilidades de escolha:
Discordo Totalmente (DT), Discordo (D), Indiferente
(I), Concordo (C) e Concordo Totalmente (CT). Além
disso, como o principal foco deste trabalho consiste na
experimentação de desafios matemáticos, inserimos
questões para verificar se os objetivos foram
cumpridos. Os desafios tentam focar muito mais no algoritmo de resolução do problema que no cálculo,
abstraindo assim o conceito. No entanto, o objetivo não
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era abstrair demais a ponto do aluno não conseguir
fazer a ligação entre o desafio que ele estava
resolvendo e o conceito matemático.
5. Avaliação dos Resultados Obtidos
Para a análise dos resultados foi utilizado o método de
frequência relativa em todas as questões objetivas do
questionário aplicado aos participantes. As
porcentagens de respostas para cada opção das
questões são apresentadas na Tabela 1.
Os resultados obtidos pela aplicação do
questionário apontam que 71% dos participantes achou
o jogo criativo. Em relação às mecânicas do jogo, 74%
sentiu a jogabilidade agradável, 68% gostou da interface gráfica, 73% respondeu de forma positiva
sobre a usabilidade, 83% achou o jogo divertido, 75%
gostou da forma como o jogo guia o jogador
(percurso), 36% concordou ter dificuldade com os
adversários automatizados e 94% concordou que os
desafios evoluem gradativamente em dificuldade.
Dentre os entrevistados, 76% concordaram que os
desafios ajudam a fixar os conhecimentos matemáticos
explorados nos desafios, 45% tiveram dificuldade em
entender as mecânicas dos puzzles, 85% concordaram que o jogo consegue testar as habilidades do jogador,
74% ficaram motivados com os desafios, 92%
concordaram que jogos explorando conceitos
matemáticos deveriam ser utilizados em sala de aula,
83% não acharam o jogo chato, 75% jogariam
Mathmare novamente da mesma forma como ele era
no dia do experimento, 80% dispuseram-se a jogar
novas fases com níveis de dificuldades diferentes, caso
fossem inseridos no jogo, 86% no caso de novos
desafios serem inseridos e 84% jogariam outros jogos
envolvendo conceitos matemáticos.
Por fim, quatro questões objetivas, que não estão
presentes na Tabela 1, foram postas para os alunos
identificarem os conceitos matemáticos abordados no
jogo. Para cada desafio foi apresentada a sua imagem
correspondente, solicitando ao aluno para marcar a
opção correspondente. 85% dos participantes
acertaram o puzzle da matriz, 87% o dos números
binários, 97% o dos conjuntos e 94% o dos polinômios.
6. Conclusões e Trabalhos Futuros
A utilização de jogos educativos em ambientes
escolares ainda é pouco explorada como forma de
fixação e auxílio do aprendizado no Brasil. Essa
constatação é ainda mais grave quando nos referimos a
jogos focados em áreas críticas como é o caso da
matemática. Enfim, dentre aqueles que aceitam
enfrentar o mundo da matemática, quase não existem jogos tratando conceitos do ensino médio.
Tabela 1: Resultados obtidos pela aplicação do questionário submetido aos alunos. Os valores se referem à porcentagem
das respostas para cada opção.
Pergunta CT C I D DT
O enredo do jogo é criativo? 15 56 19 5 5
O jogo tem uma boa jogabilidade? Ou seja, é agradável de ser jogado?
9 65 16 7 3
A interface gráfica é intuitiva? 16 52 18 11 3
A interface de comandos de controle é intuitiva?
24 49 11 12 4
O jogo é divertido? 24 59 11 3 3
Os tutoriais rápidos no início ajudam no percurso do jogador, ou seja, ajudam a compreender mais facilmente as mecânicas do jogo?
19 56 11 10 4
Você teve dificuldade em passar pelos monstros e plataformas?
5 31 22 30 12
Os desafios evoluem gradativamente em dificuldade?
33 61 4 1 1
O jogo ajuda a fixar conhecimentos relacionados aos conceitos matemáticos explorados nos desafios?
17 59 16 7 1
Você teve dificuldades em entender como funcionava a mecânica dos desafios?
11 34 19 30 6
O jogo consegue testar as habilidades matemáticas do jogador?
31 54 9 5 1
Os desafios existentes motivam o uso do jogo?
23 51 16 8 2
Você acha que jogos
explorando conceitos matemáticos de forma lúdica deveriam ser utilizados em sala de aula?
56 36 6 0 2
O fato de ter inserido desafios
matemáticos no jogo Mathmare fez com que ele se tornasse chato?
2 3 12 49 34
Você jogaria novamente o jogo da forma como ele está atualmente?
16 59 15 6 4
Você jogaria novamente o jogo se novas fases fossem inseridas usando os mesmos desafios matemáticos com outros níveis de dificuldade?
29 51 15 2 3
Você jogaria novamente o jogo se novos desafios matemáticos explorando outros conceitos fossem inseridos?
31 55 7 3 4
Você jogaria outros jogos envolvendo desafios matemáticos que fossem desenvolvidos da mesma forma
que Mathmare?
24 60 11 2 3
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XIV SBGames – Teresina – PI – Brazil, November 11th - 13th, 2015 1048
A principal contribuição deste trabalho é entrar no
mundo da matemática do ensino médio e demonstrar
que é possível desenvolver jogos digitais divertidos
que fazem uso de conceitos matemáticos neste nível.
Isso não quer dizer que a tarefa de criação de desafios
matemáticos divertidos e estimulantes seja uma tarefa
fácil. Para podermos desenvolver desafios para
Mathmare, tivemos que estudar bastante as mecânicas
dos jogos comerciais a fim de criar novas possibilidades que permitissem inserir conteúdo do
ensino médio de forma divertida no jogo. Mas os
resultados obtidos são bastante promissores pois
conseguimos demonstrar que os alunos se interessam
muito mais pela disciplina a partir do momento que
atividades lúdicas são inseridas no seu dia-a-dia. Com
esta abordagem construtivista, os alunos trabalham os
conceitos aprendidos em sala de aula sob uma
perspectiva diferente, uma vez que eles saem do
habitualmente apresentados pelos professores em sala
de aula. Isto desperta um maior interesse e,
consequentemente, um melhor aproveitamento.
Para dar continuidade a este trabalho, visamos
desenvolver novos desafios matemáticos para serem
integrados na plataforma de Mathmare a fim de
realizarmos novos experimentos. Além disso, já temos
em mente o desenvolvimento de novos jogos com a
mesma dinâmica envolvendo outras disciplinas nas
quais os alunos também sentem atualmente bastante
dificuldade em sala de aula.
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