Matéria Vencedora do prêmio Dom Helder Câmara da CNBB

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FILIPE CHICARINO Colaborou EDUARDO GOIS No Rio de Janeiro (RJ), dois indi- víduos possuem realidades diferentes. Um é fotógrafo e tem 40 anos. Morador da Zona Sul, ganha a vida com seu equipamento de fotografia avaliado em R$ 20 mil. O outro tem 13 anos, mora na periferia, é servente de pedreiro e recebe R$ 120 por semana. Entretan- to, eles têm algo em comum: o vício na droga mais perigosa e destruidora encontrada nos municípios brasileiros, o crack. A droga é uma mistura de cloridra- to de cocaína (cocaína em pó), bicar- bonato de sódio ou amônia e água destilada, que resulta em pequenas pedras, fumadas em cachimbos ou em latas de alumínio. O crack proporciona uma sensação de euforia que dura pouco mais de dois minutos. “Quem usa o crack está sob a ação de uma cocaína quase 80 vezes mais poderosa do que a cocaína comum, ou seja, que arrebenta com o organis- mo”, diz a psiquiatra Maria Thereza Aquino, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e que durante 25 anos dirigiu o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad). E foi o crack que fez o fotógrafo trocar seu equipamento de trabalho por 30 pedras da droga, todas con- sumidas no mesmo dia. E a mesma droga também obrigou o servente de pedreiro a gastar, por meses, cada centavo do seu suado trabalho com inúmeras pedras. A droga já tomou conta de boa parte das cidades brasileiras. O Ministério da Saúde estima que 600 mil pessoas estejam consumindo o crack no Brasil. Entretanto, pesquisado- res acreditam que o número real é mais do que o dobro estimado pelo Governo Federal, 1,3 milhão de brasileiros. A psiquiatra faz uma avaliação assusta- dora para os usuários que continuarem consumindo o crack. “Deste número, em cinco anos, a metade estará morta. A outra metade terá a saúde comprometida por causa do uso excessivo da droga.” Segundo especialistas, de todas as drogas, o crack é a mais cruel. Por ser inalada, atinge diretamente o pulmão e o cérebro em cerca de oito segun- dos. Como o efeito é rápido, o usuário quer consumir cada vez mais, para manter a sensação de prazer constante. Com a frequência, o usuário pode se tornar dependente em menos de cinco vezes de utilização. As últimas pesqui- sas sobre a droga mostram que, em ge- “O fundo do poço” Dados apontam que 1,3 milhão de brasileiros estão consumindo o crack, a droga mais devastadora encontrada nas ruas ral, 30% dos usuários de crack morrem nos primeiros cinco anos de uso. “O uso do crack compromete a vasculatura cerebral, aumentando consideravelmente os riscos de um acidente vascular cerebral”, explica o psicólogo especializado em depen- dência química, Marcelo Álvares, di- retor de saúde mental do município de Itapetininga-SP. Além do mal que faz à saúde, o crack contribui para que seus dependentes cometam pequenos e às vezes até gran- des delitos, para conseguir dinheiro para comprar a droga. Tudo começa no álcool A grande maioria dos dependentes químicos que consomem o crack não começou por ele. A porta de entrada das drogas consideradas “pesadas” ain- da são as drogas lícitas, como o álcool e o tabaco. A facilidade do comércio e a falta de fiscalização fazem com que cada vez mais cedo crianças e adolescentes aprendam a fumar e a beber demasia- damente. Posteriormente, alguns aca- bam migrando para as drogas proibi- das, como a maconha e a cocaína. Os mais ousados acabam indo para o temido crack, o que os usuários em recuperação julgam ser a droga que os leva para “o fundo do poço”. De acordo com informações do DE- NARC (Departamento de Investigações sobre Narcóticos) à Revista Época, o crack é mais rentável que a cocaína. Ainda segundo o DENARC, o grama de cocaína pode custar até R$ 15, de- pendendo da pureza. Com essa quanti- dade, o traficante faz diversas pedras de crack, que custam entre R$ 3 e R$ 5. “A pessoa chega a consumir de 20 a 30 pedras por dia. Sendo que, às vezes, esta mesma pessoa não consumiria nem R$ 20 de cocaína, e acaba consumindo R$ 300 de crack. Daí então, o crack tornou-se um mercado lucrativo para os traficantes”, analisou a psiquiatra. O aumento é preocupante O aumento da comercialização, e consequentemente do consumo do crack, são justificados por números. No período de um ano, a Polícia Fede- ral apreendeu 250% a mais da pasta de cocaína, de onde são feitas as pedras de crack. Em 2009 foram apreendidas 1,4 tonelada em comparação com os 412 quilos apreendidos em 2008. A apreensão de pedras aumentou 37% no ano passado. Já o confisco da co- caína caiu 7%. Até 2007, o NEPAD no Rio de Ja- neiro atendia cinco usuários de crack por semana. Hoje, 60% dos pacientes que procuram o órgão diariamente são usuários de crack, ou seja, de cada 10, seis fumam a pedra. “O perfil mais co- mum são crianças e adolescentes, mas também atendemos adultos”, conta a psiquiatra. De acordo com estimativas, 40% dos usuários de crack do Rio de Janei- ros são de classe média. E em São Pau- lo, o número de viciados em crack que ganha 20 salários mínimos sofreu um acréscimo de 155% nos últimos anos. O trabalho do poder público ainda é pequeno Em todo o Brasil, ainda faltam estru- tura e profissionais capacitados para dar conta dos milhões de dependentes quí- micos que estão “perdidos nas drogas”. No caso do crack, as chances de re- cuperação existem quando os usuários são internados em clínicas ou casas de recuperação, porém a maioria delas tem um custo, e que muitas vezes as fa- mílias até estão dispostas a arcar, mas não conseguem. “O poder público não faz nada pelo dependente químico. O passo mais importante que deve ser dado em rela- ção a isso que estamos vivenciando é a prevenção. Nunca se fez nada pela prevenção”, desabafa a psiquiatra. Pesando nisso, no mês passado, o Governo Federal lançou o Plano Inte- grado de Enfrentamento ao Crack. O objetivo é diagnosticar o consumo do crack e suas consequências; mobili- zação, tratamento e reinserção social; informação e orientação; formação de recursos humanos e desenvolvimento de metodologias e enfrentamento ao tráfico. “A repressão qualificada ao tráfico é importante, mas há necessidade de um forte trabalho social e de saúde pública. O crack é um grande desafio, pois é uma droga residual, com alto potencial de ví- cio e de desagregação social, em que o usuário também trafica pequenas quan- tidades. Por isso, é fundamental unir- mos esforços de todas as áreas”, disse o Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, durante o lançamento do Plano. Recuperação Em 2002, a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) acompanhou 131 usuários de crack tratados em São Paulo. Dos dependentes monitorados, 33% conseguiram se recuperar, 20% morreram, 17% continuaram fuman- do a droga, 10% foram presos e 20% simplesmente sumiram, possivelmente continuaram com o crack. As histórias de vida dos persona- gens citados acima foram contadas pelos profissionais do Nepad, insti- tuição que capacita professores, de- senvolve pesquisas e oferece atendi- mento psicanalítico e terapêutico aos usuários de drogas. “O paciente tem de querer parar. Isso é fundamental para a recuperação. De todos os pa- cientes de crack que atendi, perto de 200, de 2008 a 2010, só recuperei um. Foi o único que quis parar,” admitiu a psiquiatra. Junior Santos DEPENDÊNCIA QUIMICA 19 A 25 DE JUNHO DE 2010 PÁG. 8 SANTUÁRIO DE APARECIDA

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FILIPE CHICARINO Colaborou EDUARDO GOIS

No Rio de Janeiro (RJ), dois indi-víduos possuem realidades diferentes. Um é fotógrafo e tem 40 anos. Morador da Zona Sul, ganha a vida com seu equipamento de fotografia avaliado em R$ 20 mil. O outro tem 13 anos, mora na periferia, é servente de pedreiro e recebe R$ 120 por semana. Entretan-to, eles têm algo em comum: o vício na droga mais perigosa e destruidora encontrada nos municípios brasileiros, o crack.

A droga é uma mistura de cloridra-to de cocaína (cocaína em pó), bicar-bonato de sódio ou amônia e água destilada, que resulta em pequenas pedras, fumadas em cachimbos ou em latas de alumínio.

O crack proporciona uma sensação de euforia que dura pouco mais de dois minutos. “Quem usa o crack está sob a ação de uma cocaína quase 80 vezes mais poderosa do que a cocaína comum, ou seja, que arrebenta com o organis-mo”, diz a psiquiatra Maria Thereza Aquino, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e que durante 25 anos dirigiu o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad).

E foi o crack que fez o fotógrafo trocar seu equipamento de trabalho por 30 pedras da droga, todas con-sumidas no mesmo dia. E a mesma droga também obrigou o servente de pedreiro a gastar, por meses, cada centavo do seu suado trabalho com inúmeras pedras.

A droga já tomou conta de boa parte das cidades brasileiras.

O Ministério da Saúde estima que 600 mil pessoas estejam consumindo o crack no Brasil. Entretanto, pesquisado-res acreditam que o número real é mais do que o dobro estimado pelo Governo Federal, 1,3 milhão de brasileiros. A psiquiatra faz uma avaliação assusta-dora para os usuários que continuarem consumindo o crack.

“Deste número, em cinco anos, a metade estará morta. A outra metade terá a saúde comprometida por causa do uso excessivo da droga.”

Segundo especialistas, de todas as drogas, o crack é a mais cruel. Por ser inalada, atinge diretamente o pulmão e o cérebro em cerca de oito segun-dos.

Como o efeito é rápido, o usuário quer consumir cada vez mais, para manter a sensação de prazer constante. Com a frequência, o usuário pode se tornar dependente em menos de cinco vezes de utilização. As últimas pesqui-sas sobre a droga mostram que, em ge-

“O fundo do poço”Dados apontam que 1,3 milhão de brasileiros estão consumindo

o crack, a droga mais devastadora encontrada nas ruas

ral, 30% dos usuários de crack morrem nos primeiros cinco anos de uso.

“O uso do crack compromete a vasculatura cerebral, aumentando consideravelmente os riscos de um acidente vascular cerebral”, explica o psicólogo especializado em depen-dência química, Marcelo Álvares, di-retor de saúde mental do município de Itapetininga-SP.

Além do mal que faz à saúde, o crack contribui para que seus dependentes cometam pequenos e às vezes até gran-des delitos, para conseguir dinheiro para comprar a droga.

Tudo começa no álcool A grande maioria dos dependentes

químicos que consomem o crack não começou por ele. A porta de entrada das drogas consideradas “pesadas” ain-da são as drogas lícitas, como o álcool e o tabaco.

A facilidade do comércio e a falta de fiscalização fazem com que cada vez mais cedo crianças e adolescentes aprendam a fumar e a beber demasia-damente. Posteriormente, alguns aca-bam migrando para as drogas proibi-das, como a maconha e a cocaína.

Os mais ousados acabam indo para o temido crack, o que os usuários em recuperação julgam ser a droga que os leva para “o fundo do poço”.

De acordo com informações do DE-NARC (Departamento de Investigações sobre Narcóticos) à Revista Época, o crack é mais rentável que a cocaína.

Ainda segundo o DENARC, o grama de cocaína pode custar até R$ 15, de-pendendo da pureza. Com essa quanti-dade, o traficante faz diversas pedras de crack, que custam entre R$ 3 e R$ 5.

“A pessoa chega a consumir de 20 a 30 pedras por dia. Sendo que, às vezes, esta mesma pessoa não consumiria nem R$ 20 de cocaína, e acaba consumindo R$ 300 de crack. Daí então, o crack tornou-se um mercado lucrativo para os traficantes”, analisou a psiquiatra.

O aumento é preocupante O aumento da comercialização,

e consequentemente do consumo do crack, são justificados por números. No período de um ano, a Polícia Fede-ral apreendeu 250% a mais da pasta de cocaína, de onde são feitas as pedras de crack. Em 2009 foram apreendidas 1,4 tonelada em comparação com os 412 quilos apreendidos em 2008. A apreensão de pedras aumentou 37% no ano passado. Já o confisco da co-caína caiu 7%.

Até 2007, o NEPAD no Rio de Ja-neiro atendia cinco usuários de crack por semana. Hoje, 60% dos pacientes que procuram o órgão diariamente são usuários de crack, ou seja, de cada 10, seis fumam a pedra. “O perfil mais co-mum são crianças e adolescentes, mas também atendemos adultos”, conta a psiquiatra.

De acordo com estimativas, 40% dos usuários de crack do Rio de Janei-ros são de classe média. E em São Pau-

lo, o número de viciados em crack que ganha 20 salários mínimos sofreu um acréscimo de 155% nos últimos anos.

O trabalho do poder público ainda é pequeno Em todo o Brasil, ainda faltam estru-

tura e profissionais capacitados para dar conta dos milhões de dependentes quí-micos que estão “perdidos nas drogas”.

No caso do crack, as chances de re-cuperação existem quando os usuários são internados em clínicas ou casas de recuperação, porém a maioria delas tem um custo, e que muitas vezes as fa-mílias até estão dispostas a arcar, mas não conseguem.

“O poder público não faz nada pelo dependente químico. O passo mais importante que deve ser dado em rela-ção a isso que estamos vivenciando é a prevenção. Nunca se fez nada pela prevenção”, desabafa a psiquiatra.

Pesando nisso, no mês passado, o Governo Federal lançou o Plano Inte-grado de Enfrentamento ao Crack. O objetivo é diagnosticar o consumo do crack e suas consequências; mobili-zação, tratamento e reinserção social; informação e orientação; formação de recursos humanos e desenvolvimento de metodologias e enfrentamento ao tráfico.

“A repressão qualificada ao tráfico é importante, mas há necessidade de um forte trabalho social e de saúde pública. O crack é um grande desafio, pois é uma droga residual, com alto potencial de ví-cio e de desagregação social, em que o usuário também trafica pequenas quan-tidades. Por isso, é fundamental unir-mos esforços de todas as áreas”, disse o Ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, durante o lançamento do Plano.

Recuperação Em 2002, a Unifesp (Universidade

Federal de São Paulo) acompanhou 131 usuários de crack tratados em São Paulo. Dos dependentes monitorados, 33% conseguiram se recuperar, 20% morreram, 17% continuaram fuman-do a droga, 10% foram presos e 20% simplesmente sumiram, possivelmente continuaram com o crack.

As histórias de vida dos persona-gens citados acima foram contadas pelos profissionais do Nepad, insti-tuição que capacita professores, de-senvolve pesquisas e oferece atendi-mento psicanalítico e terapêutico aos usuários de drogas. “O paciente tem de querer parar. Isso é fundamental para a recuperação. De todos os pa-cientes de crack que atendi, perto de 200, de 2008 a 2010, só recuperei um. Foi o único que quis parar,” admitiu a psiquiatra.

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DEPENDÊNCIA QUIMICA

19 A 25 DE JUNHO DE 2010 PÁG. 8 SANTUÁRIOD E A P A R E C I D A

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DENIELE SIMÕESEDUARDO GOIS

Colaborou FILIPE CHICARINO

Imagine alguém que já trabalhou em ótimas empresas, ganhou bons sa-lários, matriculou os filhos nos melho-res colégios, foi muito amado e sempre considerado pela família como alguém exemplar. Aparentemente, uma pessoa com tais características deve levar uma vida muito boa e feliz. Infelizmente isso é um engano, pois de feliz não havia nada na vida do engenheiro An-tônio Fernando Toscano, 47 anos, e de sua esposa “Sandra”.

Tudo de mais precioso que envolvia o círculo familiar do casal veio abaixo, como uma avalanche que leva embora tudo que está à frente. Toda a destrui-ção foi causada nos últimos três anos, por uma droga já muito conhecida, o crack. Outros entorpecentes como co-caína e maconha já faziam parte da vida dos dois há mais de 30 anos, inclusive foi nas drogas que eles se conheceram, porém ninguém do círculo de convívio, nem sequer os filhos, desconfiava da si-tuação. “Nesses 30 anos eu não dei dor de cabeça para ninguém, tinha meu tra-balho, minha família, levava as crian-ças na escola, nunca fui preso”.

À beira da destruição da própria vida, marido e mulher não tiveram ou-tra saída: pediram aos filhos para que fossem internados. “Quem me deu so-corro foram a minha filha e o meu filho, que me viram emagrecendo, e a minha geladeira que só tinha água. Então eles desconfiavam que havia algo errado.”

O casal, que residia em Itajubá (MG), foi internado na Fazenda Espe-rança, em Guaratinguetá (SP). Desde fevereiro deste ano, lá eles buscam uma transformação de vida e esperam o apoio da família para tocar em frente e superar todas as dificuldades do vício.

Resgatando a esperançaApós verem o “fundo do poço”, dependentes químicos

se apoiam na espiritualidade para largar o crack

Diferente de Antônio e Sandra, a ex-secretária e jogadora de vôlei Maria Ce-cília Santos, de 40 anos, mais conhecida como Ciça, não terá ninguém a quem pedir socorro no dia em que cumprir seu período de internação e voltar para casa. Está há seis meses na Fazenda Es-perança, não tem nenhum parente, é órfã de pai e mãe, e diz que nos momentos de angústia busca na espiritualidade o refú-gio para superar as dificuldades.

De acordo com o coordenador de uma das unidades da Fazenda Esperan-ça em Guaratinguetá, Antônio Eleoté-rio Neto, o essencial para a recuperação dos internos é o “tripé” espiritualidade, convivência e trabalho. Metodologia utilizada há 28 anos e que hoje é pro-pagada em 70 unidades, instaladas em oito países, além do Brasil.

“O crack é uma desgraça que veio para acabar com a vida de muitas pes-soas”, cita Neto, que também foi usu-ário de maconha na adolescência. Se-gundo ele um levantamento aponta que 99% dos internos chegaram ao local por causa do crack. Para ele, as outras drogas como maconha e cocaína são uma ponte para chegar ao crack. “Ge-ralmente o dependente começa pelas drogas mais leves, com o tempo ele busca outras sensações”.

Dentro desse contexto, a Fazenda Esperança faz um trabalho focado na espiritualidade, buscando através da oração, formação, companheirismo e atividades diárias uma metodologia te-rapêutica e não clínica.

“Cabe a nós darmos as ferramentas de acordo com a nossa proposta. Claro que o indivíduo chega aqui destruído por todos os males que a droga ofe-rece, física e psicologicamente. Para isso trabalhamos a espiritualidade, ajudando-os nas suas dificuldades. En-tão temos todos os dias celebrações da santa missa, depois orientações sobre

a convivência, pois não aceitamos dis-cussão, agressão entre eles, e a questão do trabalho que faz parte do processo”. Ainda de acordo com Neto, os traba-lhos desenvolvidos estão baseados no encontro pessoal com Deus.

A fórmula de sucesso na recupera-ção dos internos proporcionou à Fazem Esperança o reconhecimento como Associação Internacional de Fiéis pelo Pontifício Conselho para os Leigos, ór-gão ligado à Santa Sé.

Espiritualidade e tratamentoO Centro Brasileiro de Informações

sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) da Universidade Federal Paulista (Unifesp) re-vela que 13% dos jovens que se recuperam e não reincidem no vício se converteram a uma religião. O mesmo Cebrid aponta que 81% dos jovens que não usam drogas pra-ticam uma religião e são protegidos pela presença de Deus na vida deles.

O Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ), Dom Antônio Augusto Dias Duarte, enfatiza as ações promovidas pela Igreja para reprimir o uso e dar estrutura aos dependentes, fo-cadas na abertura de novos horizontes e ideais bem mais atraentes do que o prazer a a satisfação temporária ofere-cidos pelo crack.

A Pastoral da Sobriedade é uma des-sas ações e está instalada nas dioceses e paróquias, inclusive encaminhando os dependentes à rede da Fazenda Es-perança e outros centros de tratamento que trabalham a espiritualidade.

O coordenador do organismo na Dio-cese de João Pessoa (PB), Cícero Souza da Silva, explica que o trabalho consiste em ações de prevenção e recuperação aos dependentes. “É um trabalho de evange-lização e com as famílias também.”

De acordo com Cícero, a família tem um papel muito importante para

que não haja recaídas. “Não adianta você recuperar o dependente se a fa-mília também não recuperou nada, se continuam aqueles procedimentos de o irmão beber, a mãe fumar.”

Quando o tratamento é feito cor-retamente e o dependente volta a fre-quentar as reuniões da Pastoral, o ín-dice de recuperação atinge a média de 50% a 60%. Para Cícero, os números são bastante satisfatórios e atingem os objetivos propostos. “É um trabalho muito bom porque salva vidas. Deus mostra sempre o caminho para a gente fazer isso com com gosto, com o cora-ção e por amor.”

O amor também é o ingrediente que dá sustentação às 100 mil pessoas apoiadas pelo movimento Amor Exi-gente - 60% das quais familiares de dependentes do crack.

Presente em 24 Estados brasileiros, o organismo trabalha a auto e a mútua-ajuda, não só com familiares de depen-dentes, mas vítimas de compulsão por sexo, jogo e até mesmo aqueles que querem compartilhar um novo projeto de vida. Segundo a coordenadora na-cional da Federação de Amor Exigen-te, Mara Silvia Carvalho de Menezes, o foco é a prevenção em três níveis: pri-mário (antes da chegada da dependên-cia), secundário (direcionada a poten-ciais dependentes) e terciário (quando a dependência já se instalou). Ao todo, o programa conta com 10 mil voluntá-rios em todo o País.

A exemplo do que pensa o paraiba-no Cícero, Mara pondera que a famí-lia é essencial para barrar o crack. “É um instrumento muito importante para manter a sobriedade de um jovem. Aí é que entra a força do nosso movimento, porque é um programa de custo zero, onde as pessoas vão viver um proje-to para que a família organizada se apoie.”

À beira da destruição da própria vida, Antônio pediu socorro aos

filhos e hoje é atendido pela Fazenda Esperança

Vítima do crack, Ciça está em tratamento há seis meses em Guaratinguetá

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