Matéria Valor Econômico dia 02.07.14 #ocupeestelita

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A8 | Valor | Quarta-feira, 2 de julho de 2014 Política Depois da Copa Rosângela Bittar F eliz e aliviado, já com forças para tripudiar como gosta e atribuir culpa aos pessimistas pelas previsões de incompetência brasileira para organizar evento de tal envergadura, o governo registra, neste momento, faltando ainda 10 dias para o fim da Copa do Mundo de 2014, a conclusão de que tudo deu certo. E deu mesmo, dentro e fora do campo, no que era de sua alçada e da alçada da Fifa, o que era função dos Estados e dos municípios, e no que dependia da proteção dos santos e divindades. Mesmo se o Brasil sair antes da hora final, e nesse caso os black blocs se encorajarem a desafiar a alma brasileira na última semana do Mundial, já terá dado tudo certo, estruturalmente certo. O governo reconhece que seria mais prejudicado se os problemas aparecessem mais fora que dentro do campo. A taça vai para o conjunto da obra. Para faturar na política esse sucesso todo, porém, e afinal foi para isso que brigou para trazer a Copa, o ex-presidente Lula, e a presidente Dilma, que estavam recolhidos e silenciosos quanto ao tema à espera da prova dos nove, começam por atribuir aos seus adversários políticos, à imprensa brasileira, e sua enorme e irresistível influência sobre o negativismo da imprensa estrangeira — os culpados de sempre na visão da legenda do poder — previsões da catástrofe que acabou não acontecendo. Argumento que só fica de pé como farsa de campanha eleitoral, pois nem a Fifa anteviu derrocada tão completa, embora ache que são os governos, e não os atletas, que devem jogar bola nos seus torneios. Mas aí é o DNA, nada há o que fazer. Se a imprensa não for culpada, não são fogos caramuru do PT. E o que foi mesmo que deu certo? No campo, o belo futebol apresentado nesta Copa do Mundo, a excelência técnica, o modelo ofensivo que permitiu tantos e tantos gols, uma das três maiores médias de todos os tempos, e para ‘nosotros’ e africanos, a volta da alegria e do gingado, marcas nacionais adormecidas por fases de brutalidade do esporte. Fora do campo, a estrutura aeroportuária, a locomoção nas cidades, os hotéis, a recepção ao turista, as condições dos estádios, a segurança pública. Tudo deu tão certo que é natural o desejo, agora, de que essas condições se perpetuem e continuem depois da Copa. Os desconfiados já fizeram a analogia: “Imagine depois da Copa”, em referência ao “Imagine na Copa”, quando se temia o pior. Agora, teme-se que o bem-bom se perca, que o voo não saia mais no horário, que a polícia não esteja vigilante à travessia para o estacionamento, que o hospital não receba qualquer um que passar mal na rua. Faltou luz em um estádio; o gramado saltou na chuteira; filas de quilômetro nos restaurantes e lanchonetes; falta d’água nos banheiros da estreia; os estádios elefantes brancos; a invasão do Maracanã... Ora, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, a maior autoridade do governo na coordenação do evento, líder do comitê organizador, com a autoridade de quem fez, em dezembro do ano passado, a este jornal, a previsão de que o Brasil faria uma grande Copa, não a Copa da Alemanha, não a da África do Sul, mas a Copa brasileira, ao nosso jeito, descreve, com a calma que lhe é peculiar: “Me disseram, no início do torneio: está tudo bem, relaxa. Não dá, tem que estar tudo bem todos os dias. A segurança pública, o trânsito, os hotéis, os serviços, os transportes, tudo tem que funcionar todos os dias”. Aqueles problemas relacionados acima, colhidos no noticiário, são por ele desconsiderados: “Os gramados são os melhores do mundo e saem mesmo, em qualquer lugar; a energia piscou, durante o dia, em um teste, apenas; banheiro sem água foi residual; filas em lanchonetes há em Wimbledon também e em qualquer jogo de campeonato nacional; a falha do Maracanã decorreu da opção por uma organização menos militarizada, menos truculenta”, e por aí vai, numa resposta objetiva para cada questão. Aldo concorda com o PT na avaliação de que a imprensa criou a ideia da sublevação contra a Copa (ele, também, não admite que foi o movimento “não vai ter copa”, nem o “passe livre”, nem os blocs, nem a Fifa). “Isso faz parte do jogo, foi assim na Independência, na República, na abolição, em 30, em 64, na redemocratização. Quando a sociedade se divide, a imprensa também se divide”, concede. Mas não quer olhar para trás: “Os aeroportos têm funcionado, o sistema de tráfego tem funcionado, a hospedagem, a segurança”. Se há turistas dormindo na praia é por falta de dinheiro, não de vaga em hotel. O governo providenciou até caminhão-pipa para o banho dos que se hospedaram na rua. A realidade superou a expectativa do ministro do Esporte. “O Fabio Capello, um dos papas do ramo [italiano, hoje técnico da Rússia, um dos maiores do mundo, já dirigiu os times da Inglaterra e da Itália] disse que esta Copa foi a de maior nível técnico que já viu. E fora do campo, tudo o que precisava funcionar, funcionou”, resume. O ministro dá um exemplo do nível de detalhes dos cuidados na gestão do evento: “Ia chegar a seleção da Austrália? Está vindo de onde? Por onde? Vai fazer alfândega onde? Espírito Santo não tem aeroporto internacional, vai fazer em Curitiba. Os batedores, a postos, são treinados há 20 anos, não são voluntários. Os centros de comando e controle já verificaram toda a segurança? Os hotéis estão funcionando? O prefeito organizou a recepção? A imprensa está tendo acesso? A Anvisa está a postos? A seleção pegou o ônibus? Entrou no hotel?” Segundo Aldo, havia gente querendo guerra com o sistema hoteleiro até, depois de duas reuniões, se convencerem de que haveria superoferta e não falta de acomodações. Na Copa, todas as atividades que não são Copa são canceladas. “Sobram hotéis e vaga em avião”, informa. O Comitê Olímpico Internacional levou ao governo brasileiro sua expectativa para que a Olimpíada tenha pelo menos a metade do sucesso da Copa. Até nos Estados Unidos, país líder em medalhas distribuídas pelo COI, a Copa bateu, em público na TV, a partida final da NBA, o campeonato de basquete americano. Para o público voyeur, ainda teve o bônus do ar de país atraente ao turismo que se respirou nesses dias de levas de turistas pelas ruas, com suas cantorias, máquinas e garrafas em punho, shoppings e restaurantes lotados diante da TV. Em Brasília, então, onde não é comum ver-se vivalma, o apito final sobrecarregará psicólogos e psicanalistas. Mais ainda porque dará lugar à propaganda eleitoral dos candidatos às eleições de outubro. Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras E-mail [email protected] À exceção de velhos cacoetes, um viva às celebrações Oposição em Pernambuco desafia discurso de sustentabilidade de Campos Murillo Camarotto Do Recife Depois de governar Pernam- buco quase sem oposição du- rante sete anos e três meses, o presidenciável Eduardo Campos vê crescer em seu quintal um movimento que o desafia a legi- timar não apenas o discurso do desenvolvimento sustentável que ele — ao lado da ex-senado- ra Marina Silva (PSB) — diz re- presentar, mas também a unida- de de seu grupo político. A ocupação, na segunda-feira, do hall de entrada da Prefeitura do Recife é o capítulo mais recen- te das dores de cabeça que o gru- po Direitos Urbanos vem causan- do no ex-governador. Um acam- pamento permanente de mani- festantes em sua porta era tudo o que o PSB não queria em seu ano eleitoral mais importante. Aglutinado pelas redes sociais, o Direitos Urbanos se notabili- zou como a principal voz crítica ao governo de Pernambuco nos dois últimos anos da gestão Campos. Formado majoritaria- mente por advogados, professo- res e estudantes universitários, o grupo questiona a viabilidade urbanística e ambiental de em- preendimentos em curso na ca- pital pernambucana. O principal alvo é o projeto Novo Recife, que prevê a construção de 12 torres de 40 andares na região do Cais José Estelita, no centro da cidade. Orçado em R$ 800 milhões, o projeto Novo Recife pertence a três tradicionais grupos empre- sariais de Pernambuco: Queiroz Galvão, Moura Dubeux e GL Em- preendimentos. Todos contribuí- ram financeiramente com o PSB nas eleições municipais de 2012, quando o partido tirou o PT da Prefeitura do Recife após três mandatos consecutivos. De acordo com as prestações de contas oficiais, a Queiroz Gal- vão doou R$ 300 mil para a cam- panha do atual prefeito, Geraldo Julio (PSB), e outros R$ 4 mi- lhões para o comando nacional do PSB. O partido também rece- beu R$ 500 mil da Moura Du- beux e outros R$ 500 mil do em- presário Gerson Lucena, dono da GL Empreendimentos. Com atuação nacional, a Queiroz Galvão também fez doações relevantes para outros partidos. a Moura Dubeux concentrou as contribuições no PSB, com exceção de uma doa- ção de R$ 50 mil para o diretório nacional do PSDB. Já Gerson Lu- cena doou R$ 150 mil para o di- retório nacional do PT. O terreno onde se pretende erguer o empreendimento per- tencia ao governo federal e foi comprado pelos empreiteiros em leilão realizado em 2008. Nas poucas vezes em que falou sobre o assunto, Campos se limi- tou a responsabilizar o governo petista, responsável pela venda da área. Evitou, entretanto, abordar o mérito do projeto, que é a razão de ser do #Ocupe- Estelita, movimento surgido dentro dos Direitos Urbanos a partir dos questionamentos ao caráter supostamente excluden- te da obra, contestada na Justiça e atualmente embargada pelo Instituto do Patrimônio Históri- co e Artístico Nacional (Iphan). Descaracterização do centro histórico e impacto sobre a mo- bilidade urbana estão entre os principais pontos contestados pelo #OcupeEstelita, que ao la- do do Ministério Público de Per- nambuco também questiona a legalidade do leilão de venda do terreno e a inclusão do projeto no Plano Diretor do município. Todo o processo de aprovação ocorreu durante a gestão do PT na prefeitura. O consórcio de empreiteiras garante que toda a documenta- ção está regularizada. Os investi- dores são representados judicial- mente pelo escritório Norões, Azevedo e Advogados Associados, que tem entre os sócios o procura- dor-geral do Estado de Pernam- buco, Thiago Norões Arraes de Alencar, primo de Campos. Ao Va- lor, ele informou que está licen- ciado do escritório desde que foi nomeado e disse não se sentir des- confortável com a situação. Ciente da polêmica em torno do projeto Novo Recife, o prefei- to, ao assumir, convenceu os in- vestidores a dobrar o valor das contrapartidas do empreendi- mento, que prevê a construção de um parque público e de outras obras mitigadoras. Mas os mani- festantes acusam Geraldo Julio de não ter aberto a discussão sobre as melhorias solicitadas. Pressionado após a ocupação do terreno, o prefeito assumiu a mediação das negociações entre manifestantes, Ministério Públi- co e empreiteiras. O diálogo, no entanto, acabou na madrugada do dia 17 (data do jogo entre Bra- sil e México na Copa do Mundo), quando o Batalhão de Choque da Polícia Militar usou bombas de gás e balas de borracha na reinte- gração de posse do terreno. Na esteira da Copa do Mundo, que trouxe consigo jornalistas estrangeiros ansiosos por mani- festações no Brasil, o #OcupeEs- telita ganhou repercussão na- cional e internacional, com menções em veículos como Al Jazeera, “Los Angeles Times” e “El País”. A ação violenta tam- bém reforçou os já existentes fo- cos de intransigência dos mani- festantes, tornando um acordo ainda mais distante. Entre os que correram da polí- cia no dia da desocupação estava Sérgio Xavier, que foi secretário de Meio Ambiente na gestão Campos e é a principal liderança do Rede Sustentabilidade em Per- nambuco. “Minha avaliação é de que houve um erro muito grande. Eu mesmo, como ex-secretário, tentei falar com um policial, mas tive que me afastar pra evitar o pior”, confidenciou ao Valor. No mesmo dia, Marina Silva condenou a ação policial por meio de sua conta em uma rede social. “A ação violenta da polí- cia é inaceitável, desnecessária e está em desacordo com todo o processo que vinha sendo cons- truído nas últimas semanas”, disse a candidata a vice-presi- dente, que mencionou que mui- tos militantes do Rede integram o #OcupeEstelita. A operação policial escanca- rou uma crise no PSB de Pernam- buco. Responsável pelo envio do Batalhão de Choque, o sucessor de Campos, João Lyra (PSB), foi criticado publicamente pelo pre- feito, que tinha se comprometi- do a avisar os ativistas com ante- cedência em caso de reintegra- ção do terreno. Na nota em que criticou a ação policial, Geraldo Julio disse não ter sido informa- do previamente sobre a ação. No entanto, uma pessoa do cír- culo íntimo de Campos garantiu que o prefeito fora avisado da ação pelo procurador-geral. Ao Valor, Norões negou ter sido ele o mensa- geiro, mas disse ter a informação de que o prefeito soube previa- mente da ordem para desocupa- ção. Procurada, a assessoria de im- prensa de Geraldo Julio reiterou a posição de que o prefeito foi sur- preendido com a ação policial. Recentemente, o ex-presiden- te do PSB em Pernambuco Milton Coelho assumiu uma defesa en- fática do #OcupeEstelita, com críticas severas ao projeto Novo Recife e à especulação imobiliá- ria na cidade. A posição do diri- gente, que participa da coorde- nação da campanha presidencial de Campos, foi vista com descon- fiança pelo movimento e com ironias pelos investidores. Sob condição de anonimato, um representante das construto- ras acusou a mudança de postura do PSB. “O pessoal ficou com pa- vor de que esse tipo de movimen- to pudesse atingi-los em pleno ano de campanha presidencial. Todos conhecem o modelo de gestão do PSB em Pernambuco, que sempre teve boa relação com os grandes construtores locais. ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM — 12/3/2014 Campos: no carnaval, presidenciável foi alvo de protesto do Direitos Urbanos, cujos integrantes se fantasiaram de prédios contra a verticalização do Recife Grupo de advogados, professores e estudantes questiona viabilidade urbanística e ambiental de empreendimentos Manifestantes acusam o prefeito Geraldo Julio de não ter aberto a discussão sobre as melhorias solicitadas Agora querem se afastar da en- crenca”, disse a fonte. Já o professor universitário Leo- nardo Cisneiros, um dos principais porta-vozes do #OcupeEstelita, disse que os apoios são bem vin- dos, desde que acompanhados de ações e não apenas de palavras. “Nossa oposição é às ações siste- máticas e não ao PSB em si. Contra uma política de aversão à partici- pação popular, de muita dificulda- de de diálogo”, reclamou. Após muito barulho, o Direi- tos Urbanos conseguiu engave- tar um projeto, defendido por Campos, de construção de viadu- tos sobre uma das principais ave- nidas do Recife. O grupo também aponta falta de licenciamento ambiental na dragagem do rio Capibaribe e critica o passivo so- cial resultante do grande cresci- mento do porto de Suape, no sul do Estado. “Dizer que Eduardo Campos é sustentável é uma pia- da”, ironiza Cisneiros. Homem de confiança de Cam- pos, Milton Coelho critica as em- preiteiras donas do Novo Recife, que segundo ele “buscam di- nheiro nos bancos públicos para fazer projetos ‘tipo Miami’, que não representam nada de estru- turador para a cidade”. Ao Valor, ele esclareceu que não fala em nome do PSB, mas garantiu que muitas de suas posições são mui- to parecidas com o que Campos pensa sobre o assunto. O presidenciável evita o tema. Questionado após a ação da polí- cia de Pernambuco — que obteve o melhor desempenho do país em redução dos índices de vio- lência nos últimos anos —, Cam- pos foi sucinto. “A questão que está posta não é simplesmente a da reintegração, que o governo deve apurar os atos de violência, se eles ocorreram, no cumpri- mento de uma ordem judicial. Mas a questão central é a da bus- ca de construir uma cidade mais humana, uma cidade com plane- jamento e o olhar da cidadania”, disse em uma entrevista. A aliados, o presidenciável tem dito que não quer se envolver de- mais no imbróglio, pois entende que qualquer possibilidade de aproximação com o movimento é “causa perdida”. No último car- naval, integrantes do Direitos Ur- banos se fantasiaram de prédios e perseguiram Campos, blo- queando sua caminhada. O no- me do bloco resume a visão do grupo sobre a verticalização da cidade: “Empatando Sua Vista”.

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Matéria do jornal Valor Econômico do dia 02.07.14 sobre o #OcupeEstelita e a crítica ao governo Eduardo Campos

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Jornal Valor --- Página 8 da edição "02/07/2014 1a CAD A" ---- Impressa por pbarros às 01/07/2014@20:32:38

A8 | Valor | Quarta-feira, 2 de julho de 2014Enxerto

JornalValor Econômico -CADA-BRASIL - 2/7/2014 (20:32) - Página 8-Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW

Política

DepoisdaCopaRosângelaBittar

Feliz ealiviado, já comforçaspara tripudiarcomogostaeatribuirculpaaospessimistaspelasprevisõesde

incompetênciabrasileiraparaorganizareventode talenvergadura,ogovernoregistra,nestemomento, faltandoainda10diasparao fimdaCopadoMundode2014, a conclusãodeque tudodeucerto. Edeumesmo,dentroe foradocampo,noqueeradesuaalçadaedaalçadadaFifa, oqueera funçãodosEstadosedosmunicípios, enoquedependiadaproteçãodos santosedivindades.MesmoseoBrasil sair antesdahorafinal, enessecasoosblackblocsseencorajaremadesafiaraalmabrasileiranaúltimasemanadoMundial, já terádadotudocerto, estruturalmentecerto.Ogovernoreconhecequeseriamaisprejudicadoseosproblemasaparecessemmaisforaquedentrodocampo.Ataçavaiparaoconjuntodaobra.

Para faturar na política essesucesso todo, porém, e afinal foipara isso que brigou para trazera Copa, o ex-presidente Lula, e apresidente Dilma, que estavamrecolhidos e silenciosos quantoao tema à espera da prova dosnove, começam por atribuir aosseus adversários políticos, àimprensa brasileira, e suaenorme e irresistível influênciasobre o negativismo daimprensa estrangeira — osculpados de sempre na visão dalegenda do poder — previsõesda catástrofe que acabou nãoacontecendo. Argumento quesó fica de pé como farsa decampanha eleitoral, pois nem aFifa anteviu derrocada tãocompleta, embora ache que sãoos governos, e não os atletas,que devem jogar bola nos seustorneios.

Masaí éoDNA,nadaháoquefazer. Sea imprensanão forculpada,nãosão fogoscaramurudoPT.

Eoque foimesmoquedeucerto?Nocampo,obelo futebolapresentadonestaCopadoMundo,aexcelência técnica,omodeloofensivoquepermitiutantose tantosgols,umadastrêsmaioresmédiasde todosostempos, epara ‘nosotros’ eafricanos, a voltadaalegriaedogingado,marcasnacionaisadormecidaspor fasesdebrutalidadedoesporte.

Foradocampo,aestruturaaeroportuária,a locomoçãonascidades,oshotéis,arecepçãoaoturista,ascondiçõesdosestádios,asegurançapública.Tudodeutãocertoqueénaturalodesejo,agora,dequeessascondiçõesseperpetuemecontinuemdepoisdaCopa.Osdesconfiados jáfizeramaanalogia: “ImaginedepoisdaCopa”,emreferênciaao“ImaginenaCopa”,quandosetemiaopior.Agora, teme-sequeobem-bomseperca,queovoonãosaiamaisnohorário,queapolícianãoestejavigilanteàtravessiaparaoestacionamento,queohospitalnãorecebaqualquerumquepassarmalnarua.

Faltou luzemumestádio;ogramadosaltounachuteira;filasdequilômetronosrestaurantese lanchonetes; faltad’águanosbanheirosdaestreia;osestádioselefantesbrancos; ainvasãodoMaracanã...Ora,oministrodoEsporte,AldoRebelo, amaiorautoridadedogovernonacoordenaçãodoevento, líderdocomitêorganizador, comaautoridadedequemfez, emdezembrodoanopassado, aeste jornal, aprevisãodequeoBrasil faria

umagrandeCopa,nãoaCopadaAlemanha,nãoadaÁfricadoSul,masaCopabrasileira, aonosso jeito,descreve, comacalmaque lheépeculiar:

“Medisseram,no iníciodotorneio: está tudobem, relaxa.Nãodá, temqueestar tudobemtodososdias.A segurançapública,o trânsito,oshotéis, osserviços,os transportes, tudotemque funcionar todososdias”.Aquelesproblemasrelacionadosacima, colhidosnonoticiário, sãoporeledesconsiderados: “Osgramadossãoosmelhoresdomundoesaemmesmo,emqualquerlugar; aenergiapiscou,duranteodia, emumteste, apenas;banheiro semágua foi residual;filas emlanchonetesháemWimbledontambémeemqualquer jogodecampeonatonacional; a falhadoMaracanãdecorreudaopçãoporumaorganizaçãomenosmilitarizada,menos truculenta”,eporaí vai,numarespostaobjetivaparacadaquestão.

AldoconcordacomoPTnaavaliaçãodequea imprensacrioua ideiadasublevaçãocontraaCopa(ele, também,nãoadmiteque foiomovimento“nãovai ter copa”,nemo“passelivre”,nemosblocs,nemaFifa).

“Isso fazpartedo jogo, foiassimna Independência,naRepública,naabolição, em30,em64,na redemocratização.Quandoasociedadesedivide, aimprensa tambémsedivide”,concede.

Masnãoquerolharpara trás:“Osaeroportos têmfuncionado,o sistemade tráfego temfuncionado, ahospedagem,asegurança”. Sehá turistasdormindonapraiaépor faltadedinheiro,nãodevagaemhotel.Ogovernoprovidenciouatécaminhão-pipaparaobanhodosquesehospedaramnarua.

A realidade superou aexpectativa do ministro doEsporte. “O Fabio Capello, umdos papas do ramo [italiano,hoje técnico da Rússia, um dosmaiores do mundo, já dirigiu ostimes da Inglaterra e da Itália]disse que esta Copa foi a demaior nível técnico que já viu. Efora do campo, tudo o queprecisava funcionar,funcionou”, resume.

Oministrodáumexemplodoníveldedetalhesdoscuidadosnagestãodoevento: “Ia chegaraseleçãodaAustrália?Estávindodeonde?Poronde?Vai fazeralfândegaonde?EspíritoSantonão temaeroportointernacional, vai fazeremCuritiba.Osbatedores, apostos,são treinadoshá20anos,nãosãovoluntários.Oscentrosdecomandoecontrole jáverificaramtodaasegurança?Oshotéis estão funcionando?Oprefeitoorganizouarecepção?A imprensaestá tendoacesso?AAnvisaestáapostos?Aseleçãopegouoônibus?Entrounohotel?”

SegundoAldo,haviagentequerendoguerracomosistemahoteleiroaté,depoisdeduasreuniões, se convenceremdequehaveria superofertaenãofaltadeacomodações.NaCopa,todasasatividadesquenãosãoCopasãocanceladas. “Sobramhotéis evagaemavião”, informa.

OComitêOlímpicoInternacional levouaogovernobrasileirosuaexpectativaparaqueaOlimpíadatenhapelomenosametadedosucessodaCopa.AténosEstadosUnidos,país líderemmedalhasdistribuídaspeloCOI,aCopabateu,empúbliconaTV,apartidafinaldaNBA,ocampeonatodebasqueteamericano.

Paraopúblicovoyeur,aindateveobônusdoardepaísatraenteaoturismoqueserespirounessesdiasdelevasdeturistaspelasruas,comsuascantorias,máquinasegarrafasempunho,shoppingserestauranteslotadosdiantedaTV.EmBrasília,então,ondenãoécomumver-sevivalma,oapitofinalsobrecarregarápsicólogosepsicanalistas.Maisaindaporquedarálugaràpropagandaeleitoraldoscandidatosàseleiçõesdeoutubro.

RosângelaBittar é chefe daRedação,emBrasília. Escreve às quartas-feirasE-mail [email protected]

Àexceçãodevelhoscacoetes, umvivaàscelebrações

OposiçãoemPernambucodesafiadiscursodesustentabilidadedeCamposMurillo CamarottoDoRecife

Depois de governar Pernam-buco quase sem oposição du-rante sete anos e três meses, opresidenciável Eduardo Camposvê crescer em seu quintal ummovimento que o desafia a legi-timar não apenas o discurso dodesenvolvimento sustentávelque ele — ao lado da ex-senado-ra Marina Silva (PSB) — diz re-presentar, mas também a unida-de de seu grupo político.

A ocupação, na segunda-feira,do hall de entrada da Prefeiturado Recife é o capítulo mais recen-te das dores de cabeça que o gru-po Direitos Urbanos vem causan-do no ex-governador. Um acam-pamento permanente de mani-festantes em sua porta era tudo oque o PSB não queria em seu anoeleitoral mais importante.

Aglutinado pelas redes sociais,o Direitos Urbanos se notabili-zou como a principal voz críticaao governo de Pernambuco nosdois últimos anos da gestãoCampos. Formado majoritaria-mente por advogados, professo-res e estudantes universitários, ogrupo questiona a viabilidadeurbanística e ambiental de em-preendimentos em curso na ca-pital pernambucana. O principalalvo é o projeto Novo Recife, queprevê a construção de 12 torresde 40 andares na região do CaisJosé Estelita, no centro da cidade.

Orçado em R$ 800 milhões, oprojeto Novo Recife pertence atrês tradicionais grupos empre-sariais de Pernambuco: QueirozGalvão, Moura Dubeux e GL Em-preendimentos. Todoscontribuí-ram financeiramente com o PSBnas eleições municipais de 2012,quando o partido tirou o PT daPrefeitura do Recife após trêsmandatos consecutivos.

De acordo com as prestaçõesde contas oficiais, a Queiroz Gal-vão doou R$ 300 mil para a cam-panha do atual prefeito, GeraldoJulio (PSB), e outros R$ 4 mi-lhões para o comando nacionaldo PSB. O partido também rece-beu R$ 500 mil da Moura Du-beux e outros R$ 500 mil do em-presário Gerson Lucena, donoda GL Empreendimentos.

Com atuação nacional, aQueiroz Galvão também fezdoações relevantes para outrospartidos. Já a Moura Dubeuxconcentrou as contribuições noPSB, com exceção de uma doa-ção de R$ 50 mil para o diretórionacional do PSDB. Já Gerson Lu-cena doou R$ 150 mil para o di-retório nacional do PT.

O terreno onde se pretendeerguer o empreendimento per-tencia ao governo federal e foicomprado pelos empreiteirosem leilão realizado em 2008.Nas poucas vezes em que falou

sobre o assunto, Campos se limi-tou a responsabilizar o governopetista, responsável pela vendada área. Evitou, entretanto,abordar o mérito do projeto,que é a razão de ser do #Ocupe-Estelita, movimento surgidodentro dos Direitos Urbanos apartir dos questionamentos aocaráter supostamente excluden-te da obra, contestada na Justiçae atualmente embargada peloInstituto do Patrimônio Históri-co e Artístico Nacional (Iphan).

Descaracterização do centrohistórico e impacto sobre a mo-bilidade urbana estão entre osprincipais pontos contestadospelo #OcupeEstelita, que ao la-do do Ministério Público de Per-nambuco também questiona alegalidade do leilão de venda doterreno e a inclusão do projetono Plano Diretor do município.Todo o processo de aprovaçãoocorreu durante a gestão do PTna prefeitura.

O consórcio de empreiteirasgarante que toda a documenta-ção está regularizada. Os investi-dores são representados judicial-mente pelo escritório Norões,AzevedoeAdvogadosAssociados,quetementreossóciosoprocura-dor-geral do Estado de Pernam-buco, Thiago Norões Arraes deAlencar,primodeCampos.AoVa-lor, ele informou que está licen-ciado do escritório desde que foinomeadoedissenãosesentirdes-confortável comasituação.

Ciente da polêmica em tornodo projeto Novo Recife, o prefei-to, ao assumir, convenceu os in-vestidores a dobrar o valor dascontrapartidas do empreendi-mento, que prevê a construção deum parque público e de outrasobras mitigadoras. Mas os mani-festantesacusamGeraldo Juliodenão ter aberto a discussão sobreas melhorias solicitadas.

Pressionado após a ocupaçãodo terreno, o prefeito assumiu amediação das negociações entremanifestantes, Ministério Públi-co e empreiteiras. O diálogo, noentanto, acabou na madrugadadodia17 (datado jogoentreBra-sil e México na Copa do Mundo),quandoo Batalhão de Choque daPolícia Militar usou bombas degás e balas de borracha na reinte-gração de posse do terreno.

Na esteira da Copa do Mundo,que trouxe consigo jornalistasestrangeiros ansiosos por mani-festações no Brasil, o #OcupeEs-telita ganhou repercussão na-cional e internacional, com

menções em veículos como AlJazeera, “Los Angeles Times” e“El País”. A ação violenta tam-bém reforçou os já existentes fo-cos de intransigência dos mani-festantes, tornando um acordoainda mais distante.

Entre os que correram da polí-cia no dia da desocupação estavaSérgio Xavier, que foi secretáriode Meio Ambiente na gestãoCampos e é a principal liderançadoRedeSustentabilidadeemPer-nambuco. “Minha avaliação é dequehouveumerromuitogrande.Eu mesmo, como ex-secretário,tentei falar com um policial, mastive que me afastar pra evitar opior”, confidenciou ao Valor.

No mesmo dia, Marina Silvacondenou a ação policial pormeio de sua conta em uma redesocial. “A ação violenta da polí-cia é inaceitável, desnecessária eestá em desacordo com todo oprocesso que vinha sendo cons-truído nas últimas semanas”,disse a candidata a vice-presi-dente, que mencionou que mui-tos militantes do Rede integramo #OcupeEstelita.

A operação policial escanca-rou uma crise no PSB de Pernam-buco. Responsável pelo envio doBatalhão de Choque, o sucessorde Campos, João Lyra (PSB), foicriticado publicamente pelo pre-feito, que tinha se comprometi-do a avisar os ativistas com ante-cedência em caso de reintegra-ção do terreno. Na nota em quecriticou a ação policial, GeraldoJulio disse não ter sido informa-do previamente sobre a ação.

No entanto, uma pessoa do cír-culo íntimo de Campos garantiuque o prefeito fora avisado da açãopelo procurador-geral. Ao Valor,Norõesnegoutersidoeleomensa-geiro, mas disse ter a informaçãode que o prefeito soube previa-mente da ordem para desocupa-ção. Procurada, a assessoria de im-prensa de Geraldo Julio reiterou aposição de que o prefeito foi sur-preendidocomaaçãopolicial.

Recentemente, o ex-presiden-tedoPSBemPernambucoMiltonCoelho assumiu uma defesa en-fática do #OcupeEstelita, comcríticas severas ao projeto NovoRecife e à especulação imobiliá-ria na cidade. A posição do diri-gente, que participa da coorde-nação da campanha presidencialde Campos, foi vista com descon-fiança pelo movimento e comironias pelos investidores.

Sob condição de anonimato,um representante das construto-ras acusou a mudança de posturado PSB. “O pessoal ficou com pa-vor de que esse tipo de movimen-to pudesse atingi-los em plenoano de campanha presidencial.Todos conhecem o modelo degestão do PSB em Pernambuco,que sempre teve boa relação comos grandes construtores locais.

ALEXANDREGONDIM/JCIMAGEM—12/3/2014

Campos: no carnaval, presidenciável foi alvodeprotestodoDireitosUrbanos, cujos integrantes se fantasiaramdeprédios contra averticalizaçãodoRecife

Grupodeadvogados,professoreseestudantesquestionaviabilidadeurbanísticaeambientaldeempreendimentos

ManifestantesacusamoprefeitoGeraldoJuliodenãoterabertoadiscussãosobreasmelhoriassolicitadas

Agora querem se afastar da en-crenca”, disse a fonte.

Já o professor universitário Leo-nardoCisneiros,umdosprincipaisporta-vozes do #OcupeEstelita,disse que os apoios são bem vin-dos, desde que acompanhados deações e não apenas de palavras.“Nossa oposição é às ações siste-máticas e não ao PSB em si. Contrauma política de aversão à partici-paçãopopular,demuitadificulda-dedediálogo”, reclamou.

Após muito barulho, o Direi-tos Urbanos conseguiu engave-tar um projeto, defendido porCampos, de construção de viadu-tos sobre uma das principais ave-nidasdoRecife.Ogrupotambémaponta falta de licenciamentoambiental na dragagem do rioCapibaribe e critica o passivo so-cial resultante do grande cresci-mento do porto de Suape, no suldo Estado. “Dizer que EduardoCampos é sustentável é uma pia-da”, ironiza Cisneiros.

Homem de confiança de Cam-pos, Milton Coelho critica as em-preiteiras donas do Novo Recife,que segundo ele “buscam di-nheiro nos bancos públicos parafazer projetos ‘tipo Miami’, quenão representam nada de estru-turador para a cidade”. Ao Valor,ele esclareceu que não fala emnome do PSB, mas garantiu quemuitas de suas posições são mui-to parecidas com o que Campospensa sobre o assunto.

O presidenciável evita o tema.Questionado após a ação da polí-cia de Pernambuco — que obteveo melhor desempenho do paísem redução dos índices de vio-lência nos últimos anos —, Cam-pos foi sucinto. “A questão queestá posta não é simplesmente ada reintegração, que o governodeve apurar os atos de violência,se eles ocorreram, no cumpri-mento de uma ordem judicial.Mas a questão central é a da bus-ca de construir uma cidade maishumana, uma cidade com plane-jamento e o olhar da cidadania”,disse em uma entrevista.

Aaliados,opresidenciável temdito que não quer se envolver de-mais no imbróglio, pois entendeque qualquer possibilidade deaproximação com o movimentoé “causa perdida”. No último car-naval, integrantes do Direitos Ur-banos se fantasiaram de prédiose perseguiram Campos, blo-queando sua caminhada. O no-me do bloco resume a visão dogrupo sobre a verticalização dacidade: “Empatando Sua Vista”.