Matematica fcul

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Estruturas alg´ ebricas - 1 o Semestre de 2011 Mauri Cunha do Nascimento [email protected] - http://wwwp.fc.unesp.br/mauri/ Curso de Licenciatura em Matem´atica Faculdade de Ciˆ encias - UNESP - Campus de Bauru

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fichas de trabalho de matemática

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Estruturas algebricas - 1o Semestre de 2011

Mauri Cunha do Nascimento

[email protected] - http://wwwp.fc.unesp.br/∼mauri/

Curso de Licenciatura em MatematicaFaculdade de Ciencias - UNESP - Campus de Bauru

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Sumario

1 Nocoes preliminares 31.1 Conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31.2 Operacoes com conjuntos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.3 Relacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41.4 Relacao de equivalencia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.5 Funcoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.6 Operacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61.7 Os Inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71.8 Operacoes aritmeticas em Zn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

2 Grupos 122.1 Definicao e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122.2 Propriedades de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132.3 Produto Cartesiano de grupos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142.4 Grupos de permutacoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142.5 Grupos de simetria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152.6 Grupos cıclicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 162.7 Subgrupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.8 Classes laterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 192.9 Subgrupos normais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222.10 Grupo quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 232.11 Homomorfismos de grupos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

3 Aneis 283.1 Definicao e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283.2 Os aneis Zn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 303.3 Produto Direto de Aneis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313.4 Propriedades de aneis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313.5 Subaneis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 333.6 Ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 353.7 Homomorfismos de aneis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373.8 Nucleo de um homomorfismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373.9 Anel Quociente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 393.10 O Teorema do Isomorfismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 403.11 O corpo de fracoes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 423.12 Anel de polinomios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 433.13 Ideais principais e maximo divisor comum . . . . . . . . . . . . 463.14 Polinomios irredutıveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 483.15 Fatoracao em polinomios irredutıveis . . . . . . . . . . . . . . . 493.16 Polinomios sobre os inteiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

Indice . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

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1 Nocoes preliminares

Faremos aqui uma rapida explanacao a respeito dos conceitos matematicos necessarios para odesenvolvimento dos conteudos que virao a seguir.

1.1 Conjuntos

Denotaremos os conjuntos por letras maiusculas e seus elementos por letras latinas minusculas.

As notacoes abaixo sao utilizadas para os conjuntos numericos:Z = {0,±1,±2 · · · } o conjunto dos numeros inteiros;N = {0, 1, 2, 3, . . . } o conjunto dos numeros naturais;Q = {a

b| a, b ∈ Z, b 6= 0} o conjunto dos numeros racionais;

R o conjunto dos numeros reais, que consiste dos numeros racionais e dos irracionais;C = {a + bi | a, b ∈ R, i2 = −1} o conjunto dos numeros complexos.

Se A e um conjunto de numeros, denotamos por A∗ ao conjunto A sem o zero. Por exemploN∗ = {1, 2, 3, . . . }.

Podemos tambem representar um conjunto colocando seus elementos entre chaves. Por exemplo,{a, b, c}, B = {0, 2, 4, ..., 2n, ...}, P = {x ∈ B | x > 5}.

Escrevemos a ∈ A para indicar que a pertence ao conjunto A e a /∈ A quando a nao pertence aoconjunto A.

Exemplo 1.1 Para o conjunto A = {−1, 0, 1} temos: −1 ∈ A, 2 /∈ A, 0 ∈ A, ....

O conjunto vazio e o unico conjunto que nao contem elementos. Denotamos o conjunto vaziopor { }, ou por ∅.

Um conjunto e unitario se possui apenas um elemento. Por exemplo, A = {a} e B = {x ∈Z | x2 = 0} sao conjuntos unitarios.

Conjunto universo: e o conjunto que contem todos os elementos que estao sendo considerados.Por exemplo, na Geometria Euclidiana Plana, o conjunto universo e o plano euclidiano.

Um conjunto A e subconjunto de um conjunto B quando todos os elementos de A pertencem aB. Neste caso dizemos tambem que A esta contido em B ou que B contem A.Notacao: A ⊆ B.

Para qualquer conjunto A, temos ∅ ⊆ A e A ⊆ A. Estes dois subconjuntos sao denominadosde subconjuntos triviais de A.

O conjunto A e um subconjunto proprio de B se A ⊆ B e A 6= B.Notacao: A ⊂ B.

Exemplo 1.2 Para A = {−1, 0, 1} e B = {−3,−2,−1, 0, 1, 2} temos A ⊂ B. Neste caso, tambem ecorreto escrever A ⊆ B.

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Dois conjuntos A e B sao iguais quando tem exatamente os mesmos elementos. A igualdade deconjuntos e denotada por A = B.

Exemplo 1.3 Dados os conjuntos A = {0, 1, 2} e B = {x ∈ N | x ≤ 2}, podemos verificar que A e B

possuem os mesmos elementos. Logo, indicamos isto por A = B.

1.2 Operacoes com conjuntos

Para os conjuntos vamos considerar as operacoes de uniao, interseccao e diferenca de conjuntos.

Para A e B conjuntos definimos:A uniao: e o conjunto A ∪B dos elementos que pertencem a A ou a B.A interseccao: e o conjunto A ∩B dos elementos que pertencem a ambos.A diferenca entre A e B e o conjunto A−B formado pelos elementos que pertencem a A, mas

nao pertencem a B.Dois conjuntos A e B sao disjuntos quando A ∩B = ∅.

Propriedades das operacoes com conjuntos. :Propriedades da uniao:

A ∪A = A [Idempotencia]A ∪B = B ∪A [Comutatividade](A ∪B) ∪ C = A ∪ (B ∪ C) [Associatividade]A ∪∅ = A [Elemento neutro]

Propriedades da interseccao:A ∩A = A [Idempotencia]A ∩B = B ∩A [Comutatividade](A ∩B) ∩ C = A ∩ (B ∩ C) [Associatividade]A ∩∅ = ∅ [Elemento absorvente]

Propriedades distributivas:A ∪ (B ∩ C) = (A ∪B) ∩ (A ∪ C)A ∩ (B ∪ C) = (A ∩B) ∪ (A ∩ C)

Propriedades de absorcao e diferenca:A ∩ (A ∪B) = A

A ∪ (A ∩B) = A

A−B = A ∩B′

Exercıcio 1.1 Verificar as propriedades das operacoes com conjuntos.

1.3 Relacoes

O produto cartesiano do conjunto A com o conjunto B e o conjunto de todos os pares ordenados (a, b)tais que a ∈ A e b ∈ B. Assim, A×B = {(a, b) | a ∈ A e b ∈ B}.

O produto cartesiano pode ser generalizado para uma famılia de conjuntos:A1 ×A2 × · · · ×An = {(a1, a2, . . . , an) | ai ∈ Ai}

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Uma relacao de A em B e um subconjunto de A×B.

Para uma relacao R, algumas vezes escrevemos xRy no lugar de (x, y) ∈ R. No caso da relacaode ordem ≤ no conjunto dos numeros reais R, temos que R = {(x, y) ∈ R×R | x e menor ou igual a y},contudo, usualmente denotamos esta relacao por “x ≤ y” e nao por “(x, y) ∈ R”.

Uma relacao em um conjunto A e um subconjunto R do produto cartesiano A × A. Dizemosque a relacao R e:

(i) reflexiva quando, para todo a ∈ A, aRa;(ii) simetrica quando, para todos a, b ∈ A, se aRb, entao bRa;(iii) transitiva quando, para todos a, b, c ∈ A, se aRb e bRc, entao aRc;(iv) anti-simetrica quando, para todos a, b ∈ A, se aRb e bRa, entao a = b.

Exemplo 1.4 A relacao R = {(a, b) ∈ R | a ≤ b} e usualmente denotada por a ≤ b, e e reflexiva,transitiva e anti-simetrica.

1.4 Relacao de equivalencia

Uma relacao de equivalencia sobre um conjunto A e uma relacao que e reflexiva, simetrica e transitiva.

Exemplo 1.5 A relacao de igualdade em qualquer conjunto e sempre uma relacao de equivalencia.

Exemplo 1.6 A semelhanca de triangulos e uma relacao de equivalencia.

Dada uma uma relacao de equivalencia R em um conjunto A e a ∈ A, o conjunto [a] = {x ∈A | xRa} e a classe de equivalencia de a.

Exemplo 1.7 Se A = {1, 2, 3} e R = {(1, 1), (2, 2), (3, 3), (1, 2), (2, 1)}, entao R e uma relacao deequivalencia e as suas classes de equivalencia sao dadas por: [1] = {1, 2}, [2] = {1, 2} e [3] = {3}.

Teorema 1.1 Seja R uma relacao de equivalencia em um conjunto A. Entao:(i) duas classes de equivalencia sao iguais ou disjuntas;(ii) o conjunto A e a uniao de todas as classes de equivalencia.

Demonstracao: Fica como exercıcio.

Quando R e uma relacao de equivalencia em um conjunto A, o conjunto quociente de A pelarelacao R e o conjunto das classes de equivalencia de R: A|R = {[a] | a ∈ A} = {B ∈ P(A) | B =[a], para algum a ∈ A}.

Exemplo 1.8 No exemplo anterior, A|R = {[1], [3]}.

1.5 Funcoes

Uma funcao f de A em B e uma relacao de A em B tal que para cada x ∈ A existe um unico y

satisfazendo (x, y) ∈ f . Neste caso dizemos que A e o domınio de f , B e o contradomınio de f e aimagem de f e o conjunto Im(f) = {b ∈ B | b = f(a) para algum a ∈ A}

Em geral, denotamos uma funcao f de A em B por f : A −→ B. Esta notacao indica que f euma funcao, A e o domınio da f e B o contradomınio.

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Exemplo 1.9 Para um conjunto A, iA : A → A e a funcao identidade em A que e definida poriA(x) = x, para todo x ∈ A.

Uma funcao f e sobrejetiva quando Im(f) = B. A funcao f e injetiva quando, para x, z ∈ A,se x 6= z, entao f(x) 6= f(z). Uma funcao e bijetiva quando e injetiva e sobrejetiva.

1.6 Operacoes

Uma operacao em um conjunto A e uma funcao f : A× A → A. Assim, uma operacao em A associaa cada par de elementos de A, um elemento de A.

Exemplos 1.10a) A adicao e uma operacao em R, pois a soma de numeros reais e um numero real.Do mesmo modo, a adicao e uma operacao em Z, Q, R e C.b) Tambem a multiplicacao e uma operacao em N, Z, Q, R e C.c) A subtracao nao e uma operacao N, pois 0 ∈ N e 1 ∈ N, mas 0 − 1 /∈ N. Mas a subtracao e umaoperacao nos conjuntos Z, Q, R e C.d) No conjunto das matrizes quadradas de ordem n, a adicao e o produto de matrizes sao operacoes.

Assim como na adicao e na multiplicacao, podemos denotar uma operacao generica por umsımbolo que indica a operacao. Por exemplo, se f : A × A → A e uma operacao, podemos denotaresta operacao pelo sımbolo “∗”, escrevendo a ∗ b em lugar de f(a, b).

Propriedades de operacoes. Seja “∗” uma operacao em um conjunto A.Propriedade associativa: a operacao e associativa se para quaisquer x, y, z ∈ A, tem-se que x∗(y∗z) =(x ∗ y) ∗ z.Propriedade comutativa: a operacao e comutativa quando para todos x, y ∈ A, tem-se que x∗y = y∗x.Elemento Neutro: o conjunto A possui elemento neutro e ∈ A para a operacao, quando para todox ∈ A tem-se que x ∗ e = x = e ∗ x.Elemento Invertıvel : um elemento x de A e invertıvel, segundo a operacao, quando existe x′ ∈ A talque x ∗ x′ = e = x′ ∗ x, onde e e o elemento neutro de A em relacao a operacao.Lei do Cancelamento: para a operacao vale a lei do cancelamento se para todos x, y, z ∈ A tem-seque: x ∗ y = x ∗ z ⇒ y = z e y ∗ x = z ∗ x ⇒ y = z.Propriedade Distributiva: sejam “∗” e “ # ” duas operacoes em A. A operacao “#” e distributiva emrelacao a “∗” quando, para todos x, y, z ∈ A, valem:

x#(y ∗ z) = (x#y) ∗ (x#z) e(y ∗ z)#x = (y#x) ∗ (z#x).

Exemplos 1.11a) As operacoes usuais de adicao e multiplicacao de numeros reais sao associativas e comutativas.b) A subtracao nao e associativa nem comutativa: (9 − 3) − 5 = 1 6= 7 = 9 − (5 − 3) e 4 − 2 = 2 6=−2 = 2− 4.c) A adicao e a multiplicacao de matrizes reais n × n sao associativas. A adicao e comutativa, mas

a multiplicacao nao. Por exemplo, no caso de matrizes 2 × 2,

(1 10 0

)(1 01 0

)=

(2 00 0

)e

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(1 01 0

)(1 10 0

)=

(1 11 1

).

Exercıcio 1.2 Verifique que:a) A composicao de funcoes de R em R e associativa.b) A potenciacao em N nao e associativa, nem comutativa.c) A divisao em R∗ nao e associativa, nem comutativa.

Exemplos 1.12 (a) Os numeros 0 e 1 sao respectivamente os elementos neutros para a adicao emultiplicacao em N, Z, Q, R e C.(b) A adicao de matrizes em Mm×n(R) tem como elemento neutro a matriz nula m× n.(c) A subtracao nao tem elemento neutro em Z: 2− a = 2 ⇒ a = 0; a− 2 = 2 ⇒ a = 4.

Exemplos 1.13 (a) Todo numero inteiro tem seu inverso aditivo em Z: n + (−n) = −n + n = 0.(b) O numero 2 nao e um elemento invertıvel para a multiplicacao em Z, pois nao existe n ∈ Z talque 2n = 1.

Exercıcios 1.3a) Mostrar que se uma operacao * admite elemento neutro, entao ele e unico.b) Indicar os elementos neutros para a adicao e para a multiplicacao de matrizes reais 2× 2.c) Seja * uma operacao associativa e com elemento neutro. Mostrar que se x tem inverso segundo *,entao ele e unico (e o denotamos aqui por x′).d) Seja * uma operacao com elemento neutro. Mostrar que:(i) se x e invertıvel, entao x′ tambem e invertıvel e (x′)′ = x;(ii) se * e associativa e x, y ∈ A sao invertıveis, entao (x ∗ y) e invertıvel e (x ∗ y)′ = y′ ∗ x′.e) Seja * uma operacao com elemento neutro num conjunto A. Mostrar que A tem pelo menos umelemento invertıvel.

Exemplos 1.14(a) Para a adicao em Z, vale a lei do cancelamento.(b) Para a multiplicacao em R, nao vale a lei do cancelamento, pois 0 · 3 = 0 · 4, contudo 3 6= 4.

Exercıcio 1.4 Seja * uma operacao associativa e com elemento neutro. Mostrar que se x e invertıvel,entao podemos cancelar x, isto e, mostrar que se a ∗ x = b ∗ x entao a = b.

Exemplos 1.15a) Em R, a multiplicacao e distributiva em relacao a adicao.b) Em Mn(R), a multiplicacao e distributiva em relacao a adicao.

1.7 Os Inteiros

Nao pretendemos aqui fazer um desenvolvimento da Teoria dos Numeros que seria desejavelem um curso de graduacao. Nosso objetivo e apresentar conceitos e resultados necessario para tratarde conteudos que virao mais adiante. Esses resultados e conceitos sao encontrados em textos deTeoria dos Numeros, como por exemplo em [Nascimento & Feitosa].

Vamos considerar o conjunto dos inteiros, com as operacoes de adicao e multiplicacao satisfa-zendo propriedades:

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Adicao. Para quaisquer a, b, c ∈ Z valem as propriedades:a) Associativa: a + (b + c) = (a + b) + c;b) Comutativa: a + b = b + a;c) Elemento neutro (zero): a + 0 = 0 + a = a;d) Inverso: −a ∈ Z e (−a + a = a + (−a) = 0;

Multiplicacao. Para quaisquer a, b, c ∈ Z valem as propriedades:a) Associativa: a(bc) = (ab)c;b) Comutativa: ab = ba;c) Elemento neutro (um): a · 1 = 1 · a = a;d) Distributiva: a(b + c) = ab + ac;e) Multiplicacao por zero: 0a = 0;f) Produto nulo: ab = 0 ⇒ a = 0 ou b = 0;g) Regra do sinal: (−a)b = a(−b) = −(ab) e (−a)(−b) = ab;h) Desigualdades:

a < b ⇔ a + c < b + c;a < b e c > 0 ⇒ ac < bc;a < b e c < 0 ⇒ ac > bc.

Estaremos denotando a multiplicacao de a por b por ab ou a · b.

Princıpio da boa ordenacao: Todo conjunto nao vazio de numeros naturais possui um me-nor elemento. Isto e, se S ⊆ N e S 6= ∅, entao existe s ∈ S tal que s ≤ n para todo n ∈ S.

Primeiro princıpio de inducao: Seja m ∈ N e seja P (n) uma proposicao para n ∈ N, sa-tisfazendo:a) P (m) e verdadeira;b) Se n ≥ m e P (n) e verdadeira entao P (n + 1) e verdadeira.Entao P (n) e verdadeira para todo n ∈ N com n ≥ m.

Segundo princıpio de inducao: Seja m ∈ N e seja P (n) uma proposicao para n ∈ (N),satisfazendo:a) P (m) e verdadeira;b) Para cada n ∈ N com n > m, se P (r) e verdadeira para todo r ∈ N onde m ≤ r < n entao P (n) everdadeira.Entao P (n) e verdadeira para todo n ∈ N com n ≥ m.

O principio da boa ordenacao e os princıpios de inducao sao equivalente, isto e, a partir deum deles podemos demonstrar os outros dois. A equivalencia e verificada da seguinte forma: (boaordenacao ⇒ 2o Princıpio de Inducao ⇒ 1o Princıpio de Inducao ⇒ boa ordenacao) e pode serencontrada, por exemplo em [Nascimento & Feitosa].

Propriedade arquimediana de Z: Se a e b sao inteiros e com a 6= 0, entao:a) ∃d ∈ Z tal que da > b;

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b) ∃e ∈ Z tal que ea < b.

Divisibilidade: Para a e b inteiros, dizemos que a divide b, ou que a e um divisor de b, se b

e um multiplo inteiro de a.Notacao: a | b ⇔ b = na para algum n ∈ Z.

Propriedades da divisibilidade. Para quaisquer a, b, c inteiros, valem:a) a | a, 1 | a e a | 0;b) a | b ⇒ a | bc;c) a | b ⇒ a | bn ∀n ∈ N, n ≥ 1;d) a | b e a | c ⇒ a | (b + c);e) a | b e a | (b + c) ⇒ a | c;f) a | b e a | c ⇒ a | (rb + sc), para quaisquer r e s inteiros;g) a | b e b > 0 ⇒ a ≤ b;h) ab = 1 ⇒ a = b = 1 ou a = b = −1;i) a | b e b | a ⇒ a = b ou a = −b.

Se a1, a2, . . . , an sao inteiros tais que a | ai, para todo i, entao, aplicando inducao e o ıtem (d)das propriedades acima, prova-se que p | (a1 + a2 + . . . + an).

O algoritmo da divisao: Dados n e d inteiros com d > 0 entao existem unicos inteiros q er tais que n = qd + r e 0 ≤ r < d.

O maximo divisor comum: Dados a e b inteiros nao ambos nulos, o maximo divisor co-mum de a e b e um inteiro positivo d satisfazendo:a) d | a e d | b;b) se c e um inteiro tal que c | a e c | b entao c | d.Notacao: d = mdc(a, b)

O conceito de maximo divisor comum pode ser estendido para um conjunto finito de inteiros,sendo nem todos nulos:

O inteiro positivo d e o maximo divisor comum de a1, a2, . . . , an se:a) d | ai para todo i;b) se c e um inteiro e c | ai para todo i entao c | d.Notacao: d = mdc(a1, a2, . . . , an)

Os inteiros a1, a2, . . . an sao relativamente primos ou primos entre sı quandomdc(a1, a2, . . . , an) = 1.

Propriedades do maximo divisor comum. Para a, b ∈ Z, temos:a) se d = mdc(a, b) entao d e o menor inteiro positivo da forma ra + sb, para r e s inteiros;b) se, para r, s ∈ Z, ra + sb = 1 entao mdc(a, b) = 1;c) se d = mdc(a1, a2, . . . , an) entao mdc(

a1

d,a2

d, . . . ,

an

d) = 1.

Numeros primos: Um inteiro p > 1 e primo se seus unicos divisores positivos sao p e 1.

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O Teorema Fundamenta da Aritmetica: Todo inteiro n > 1 se escreve de modo unicocomo produto de primos, no seguinte sentido:n = pr1

1 pr22 · · · prt

t onde p1 < p2 < · · · < pt sao primos, e t, r1, r2, . . . , rt sao inteiros positivos.

Propriedades de numeros primos. Se p e um numero primo, entao:a) se p divide um produto de inteiros, entao divide pelo menos um deles;b) se n e um inteiro positivo menor que p entao p - n;c) se p - n entao mdc(n, p) = 1;d) se a e b sao inteiros e p | ab mas p2 - ab entao p divide somente um dos dois numeros.

1.8 Operacoes aritmeticas em Zn

Sejam a, b, n ∈ Z e n > 1. A relacao “a e congruente a b modulo n”, denotada por a ≡ b(mod n) edefinida por:

a ≡ b(mod n) ⇔ n|a− b (⇔ a− b = q · n para algum q ∈ Z).

Exemplo 1.16 Temos 5 ≡ 2(mod 3), 7 ≡ −1(mod 4), −1 ≡ 13(mod 7) e 31 ≡ 31(mod 77).

A congruencia modulo n e uma relacao de equivalencia, pois:- para todo a ∈ Z, temos que a− a = 0 = 0 · n, isto e, a ≡ a(mod n) e, portanto, a relacao e reflexiva;- para todos a, b ∈ Z, se a ≡ b(mod n), entao a − b = c · n e, portanto, b − a = −(a − b) = −c · n.Logo, b ≡ a(mod n) e, portanto, a relacao e simetrica;- para todos a, b, c ∈ Z, se a ≡ b(mod n) e b ≡ c(mod n), entao a − b = d · n e b − c = e · n. Logo,a− c = a− b + b− c = d · n + e · n = (d + e) · n. Portanto, a ≡ c(mod n) e a relacao e transitiva.

Vamos determinar o conjunto quociente de Z pela congruencia modulo n:Pelo algoritmo da divisao, para cada m ∈ Z existem unicos quociente e resto q, r ∈ Z, com 0 ≤ r < n

tais que m = qn + r. Assim, m − r = qn, ou seja, m ≡ r(mod n). Desse modo, para cada m ∈ Z,existe um unico r ∈ {0, 1, . . . , n − 1} tal que m ≡ r(mod n). Tambem, se 0 ≤ r < s < n entao0 < s− r ≤ s < n, ou seja, r e s nao sao congruentes modulo n. Denotando a classe de equivalenciade a ∈ Z por a, temos que a ∈ {0, 1, · · · , n− 1}. Como r 6= s se 0 ≤ r 6= s < n entao o conjuntoquociente de Z pela congruencia e um conjunto com n elementos:

Zn = {0, 1, · · · , n− 1}.

Operacoes aritmeticas em Zn: para a, b ∈ Zn, definimos:

a + b = a + b e a · b = a · bPrecisamos verificar que as operacoes acima estao bem definidas, isto e, se a = b e c = d entao

a + c = b + d e a · c = b · d, ou seja, mostrar que a + b = c + d e a · c = b · d. Como duas classesx e y sao iguais se, e somente se, x ≡ y(mod n), entao basta mostrar que a + c ≡ b + d(mod n) ea · c ≡ b · d(mod n). Isto sera feito na proposicao a seguir.

Proposicao 1.2 Sejam a, b, c, d, n ∈ Z, com n > 1. Entao:(i) Se a ≡ b(mod n), entao a + c ≡ b + c(mod n);(ii) Se a ≡ b(mod n) e c ≡ d(mod n), entao a + c ≡ b + d(mod n);

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(iii) Se a ≡ b(mod n), entao a · c ≡ b · c(mod n);(iv) Se a ≡ b(mod n) e c ≡ d(mod n), entao a · c ≡ b · d(mod n);

Demonstracao: (i) Se a ≡ b(mod n), entao n|(a− b) = (a+ c− c− b) = [(a+ c)− (b+ c)]. Portanto,a + c ≡ b + c(mod n);

(ii) Se a ≡ b(mod n) e c ≡ d(mod n), por (i), temos que a + c ≡ b + c(mod n) e b + c ≡b + d(mod n). Pela transitividade da relacao ≡, a + c ≡ b + d(mod n).

Exercıcio 1.5 Completar a demonstracao da Proposicao 1.2.

Como a = r, onde r e o resto da divisao de a por n, podemos entao definir as operacoes deadicao e multiplicacao em Zn = {0, 1, · · · , n− 1} por:a + b = c e a · b = d, onde c e d sao, respectivamente os restos das divisoes de a + b e a · b por n.

Exemplo 1.17 Em Z15 temos 10 + 10 = 5; 3 + 7 = 10; 6 + 12 = 3; 5·5 = 10; 10·6 = 0.

Propriedades das operacoes em Zn. Sejam a, b, c ∈ Zn Entao:a) Fechamento. a + b ∈ Zn e a·b ∈ Zn

b) Comutativa. a + b = b + a e a·b = b·ac) Associativa. a + (b + c) = (a + b) + c e a·(b·c) = (a·b)·cd) Distributiva. a·(b + c) = a·b + a·c e (a + b)·c = a·c + b·ce) Neutro para a adicao. a + 0 = 0 + a = a

f) Neutro para a multiplicacao. 1·a = a·1 = a

g) Multiplicacao por zero. 0·a = a·0 = 0h) Inverso aditivo. a + n− a = n− a + a = 0, se 0 < a < n e 0 + 0 = 0Demonstracao: a) Segue das definicoes das operacoes.b) Tambem seguem das definicoes das operacoes, pois a + b = b + a e a·b = b·a.c) a + (b + c) = a + d = e e (a + b) + c = f + c = g onde d, e, f , e g sao respectivamente os restos dasdivisoes de b + c, a + d, a + b e f + c por n. Assim, existem numeros naturais q1, q2, q3 e q4 tais que:(1) b + c = q1n + d (2) a + d = q2n + e (3) a + b = q3n + f (4) f + c = q4n + g

De (1) e (2) temos a + (b + c) = a + (q1n + d) = q1n + (a + d) = q1n + (q2n + e). Logo, a + b + c =(q1 + q2)n + e, ou seja, e e o resto da divisao de a + b + c por n.De (3) e (4) temos (a + b) + c = (q3n + f) + c = q3n + (f + c) = q3n + (q4n + g). Logo, a + b + c =(q3 + q4)n + g, ou seja, g e o resto da divisao de a + b + c por n.Da unicidade do resto da divisao, temos que e = g. Assim, a + (b + c)= e = g = (a + b) + c. De modoanalogo, mostramos a · (b · c) = (a · b) · c.

Exercıcio 1.6 Prove as demais propriedades das operacoes em Zn.

Podemos fazer tabelas para a adicao e para a multiplicacao em Zn. Por exemplo, para Z4 temos:+ 0 1 2 3

0 0 1 2 3

1 1 2 3 0

2 2 3 0 1

3 3 0 1 2

· 0 1 2 3

0 0 0 0 0

1 0 1 2 3

2 0 2 0 2

3 0 3 2 1Olhando para a tabela da adicao vemos que os inversos aditivos de 1, 2 e 3 sao, respectiva-

mente, 3 , 2 e 1. Na tabela da multiplicacao vemos que os inversos multiplicativos de 1 e 3 sao,respectivamente, 1 e 3, e que 0 e 2 nao tem inversos multiplicativos.

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Page 12: Matematica fcul

2 Grupos

O conceito de grupo surgiu dos estudos de Evariste Galois com equacoes de polinomios, em1832. Embora Galois tenha utilizado a ideia de grupo em todo o seu trabalho com equacoes, ele naohavia dado explicitamente uma definicao. A definicao aparece na publicacao do trabalho de Galois,feita por Liouville em 1846. Um ano antes, Cauchy apresentou o conceito, chamando-o de “sistemaconjugado de substituicoes”. Durante algum tempo, esses dois termos “grupo” e “sistema conjugadode substituicoes” foram utilizados. Contudo, em 1863, quando Jordan escreveu um comentario arespeito do trabalho de Galois, no qual ele usou o termo “grupo”, este passou a ser o termo utilizado,embora o termo “sistema conjugado de substituicoes” tambem tenha sido utilizado por alguns ate,por volta de 1880. Tanto Galois como Cauchy definiam grupos somente em termos de propriedade defechamento, nao aparecendo a associatividade e os elementos neutro e inverso. Ambos trabalhavamcom permutacoes e, neste caso, essas propriedades surgiam automaticamente. Aos poucos, a partirde trabalhos de outros matematicos como Cayley, Kronecker, Burnside, e Heinrich Weber, a definicaode grupos, como a conhecemos, ficou estabelecida.

Do estudo de operacoes com numeros inteiros, podemos ressaltar algumas propriedades daadicao. Para quaisquer a, b, c em Z valem:G0) a + b ∈ Z; (Fechamento)G1) a + (b + c) = (a + b) + c; (Associativa)G2) 0 ∈ Z e a + 0 = 0 + a = a; (Elemento neutro da adicao)G3) −a ∈ Z e a + (−a) = −a + a = 0. (Elemento inverso da adicao)

Se em lugar de Z tomarmos Q , R, C , ou Mm×n(R) (o conjunto das matrizes reais m × n),as propriedades acima permanecem validas. Inumeros outros conjuntos e operacoes satisfazem estasquatro propriedades que sao importantes no estudo de algumas teorias matematicas, quımicas e fısicas.Isso, de certa forma, justifica um estudo generico de conjuntos com uma operacao satisfazendo estaspropriedades, muito embora a origem da Teoria dos Grupos esteja nos trabalhos de Galois, a respeitode resolubilidade de equacoes polinomiais em termos de permutacoes de suas raızes.

2.1 Definicao e exemplos

Definicao 2.1 Sejam G um conjunto nao vazio e “∗” uma operacao em G, isto e, existe uma funcaof : G × G → G onde f(a, b) = a ∗ b. Dizemos que (G, ∗) e um grupo se as seguintes condicoes saosatisfeitas:G1) Para quaisquer a, b, c ∈ G, a ∗ (b ∗ c) = (a ∗ b) ∗ c; (Propriedade associativa)G2) Existe e ∈ G tal que para todo a ∈ G, a ∗ e = e ∗ a = a; (Elemento neutro)G3) Para todo a ∈ G existe b ∈ G tal que a ∗ b = b ∗ a = e. (Elemento Inverso)

Observe que se a, b ∈ G entao a ∗ b ∈ G pois “∗ ” e uma operacao em G.

Exemplos 2.1 (Z,+), (Q,+), (R,+), (C, +), (Zn, +), (R∗, ·), (Q∗, ·), (C∗, ·), ({1,−1}, ·),({1,−1, i,−i}, ·), sao grupos, onde A∗ significa o conjunto A sem o zero, indicando tambem que eum grupo multiplicativo. Vamos denotar por Z, Q, R e C esses grupos aditivos e por Q∗, R∗, e C∗ osgrupos multiplicativos.

Exemplo 2.2 (N,+) nao e um grupo pois 2 ∈ N mas nao existe n ∈ N tal que 2 + n = 0.

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Page 13: Matematica fcul

Exemplo 2.3 (Z,−) nao e um grupo, pois nao satisfaz nenhuma das condicoes G1, G2 e G3.

Exemplo 2.4 (R, ·) nao e um grupo, pois 0 ∈ R , mas nao existe r ∈ R tal que 0r = 1. Logo, naosatisfaz a condicao G3. Da mesma forma, (Q, ·) e (C, ·) nao sao grupos.

Exemplo 2.5 ({−1, 0, 1}, +) nao e um grupo, apesar de estarem satisfeitas as condicoes G1, G2 eG3, pois “+” nao e uma operacao em {−1, 0, 1}: 1 ∈ {−1, 0, 1} mas 1 + 1 = 2 /∈ {−1, 0, 1}.

Exemplo 2.6 Para m e n inteiros positivos, o conjunto das matrizes reais m × n, Mm×n(R) e umgrupo com a operacao de adicao de matrizes.

Questao: (M2×2(R)∗, ·) o conjunto das matrizes reais nao nulas 2× 2 e um grupo com a operacao demultiplicacao de matrizes?

2.2 Propriedades de grupos

Na teoria de grupos, em geral, usa-se a notacao multiplicativa, isto e, usa-se a · b ou ab paradenotar a ∗ b e a−1 para denotar um inverso de a. Para o elemento neutro usa-se a letra “e”. Assim,para a definicao de grupos, a notacao fica:G0) para todos a, b em G, ab ∈ G;G1) para todos a, b, c ∈ G, a(bc) = (ab)c;G2) existe e em G tal que para todo a em G, ae = ea = a;G3) para todo a em G, existe a−1 em G tal que aa−1 = a−1a = e.

Observacao: Em vista da propriedade associativa (G1), podemos eliminar os parenteses:abc = a(bc) = (ab)c.

Propriedades: Se G e um grupo, entao:a) o elemento neutro de G e unico;b) para todos a, b, c ∈ G, se ac = bc ou ca = cb entao a = b;c) para cada a ∈ G, o inverso de a e unico e e denotado por a−1;d) para todos a, b ∈ G, se ab = e ou ba = e entao b = a−1;e) para todo a ∈ G, (a−1)−1 = a;f) para todos a, b ∈ G, (ab)−1 = b−1a−1.Demonstracao: a) Suponhamos e e e′ elementos neutros de G. Entao e = ee′ = e′. Logo existe umunico elemento neutro.b) Se ac = bc entao acc−1 = bcc−1, logo ae = be e portanto a = b. O caso ca = cb e analogo.c) Segue de (b).d) Se ab = e, seja a−1 o inverso de a. Como aa−1 = e = ab entao aa−1 = ab. Logo, por (b), a−1 = b.O caso ba = e e analogo.e) Como a−1(a−1)−1 = e = a−1a, entao, por (b), (a−1)−1 = a.f) Como (ab)(b−1a−1) = a(bb−1)a−1 = aea−1 = aa−1 = e, entao, por (d), b−1a−1 = (ab)−1.

Observe que, nos exemplos dados, todos os grupos satisfazem a propriedade comutativa, isto e,ab = ba para todos a e b. Um grupo satisfazendo a propriedade comutativa e chamado grupo abelianoou grupo comutativo. Veremos, a seguir, que existem grupos que nao sao abelianos.

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Page 14: Matematica fcul

Exemplo 2.7 Seja SL2(R), o conjunto das matrizes reais invertıveis 2 × 2. Das propriedades demultiplicacao de matrizes, vemos que SL2(R), com esta operacao, e um grupo. Mas SL2(R) nao e umgrupo abeliano, pois(

1 10 1

)(1 01 1

)=

(2 11 1

)e

(1 01 1

)(1 10 1

)=

(1 11 2

).

Generalizando, o conjunto das matrizes n×n invertıveis, n ≥ 2, com a operacao de multiplicacaode matrizes, e um grupo nao abeliano. Tome, por exemplo as matrizes A = (aij) e B = (bij) comaii = bii = 1; a12 = b21 = 1; e todos os outros elementos das matrizes A e B iguais a zero.

Exemplo 2.8 Se G e um grupo nao abeliano, podemos ter ac = cb com a 6= b e

(ab)−1 6= a−1b−1. Por exemplo, no grupo SL2(R) se A =

(1 10 1

), B =

(0 11 1

)e

C =

(0 −11 2

)entao AB = BC =

(1 21 1

). Tambem, (AB)−1 =

(−1 21 −1

)enquanto

que A−1B−1 =

(1 −10 1

)(−1 11 0

)=

(−2 11 0

).

2.3 Produto Cartesiano de grupos.

Se (G, ∗) e (H, ◦) sao grupos, entao (G ×H, ·) e um grupo onde a operacao “·” e definida por(g, h) · (g′, h′) = (g ∗ g′, h ◦ h′) onde g, g′ ∈ G e h, h′ ∈ H. E facil verificar que (G×H, ·) e um grupocom elemento neutro (eG, eH) onde eG e eH sao, respectivamente, os elementos neutros de G e H.Tambem (g, h)−1 = (g−1, h−1). Verifica-se facilmente que se G e H sao grupos abelianos entao G×H

tambem e um grupo abeliano.Procedendo de maneira analoga, podemos estender a construcao acima para o produto cartesiano

de um conjunto finito de grupos: G1 ×G2 × · · · ×Gn.

Exemplo 2.9 Temos que Z × SL2(R) e um grupo com a operacao (a,A)(b,B) = (a + b, AB) onde,na primeira coordenada temos adicao de inteiros e, na segunda, produto de matrizes.

Exemplo 2.10 Temos que Z2×Z2 e um grupo abeliano com 4 elementos: {(0, 0), (0, 1), (1, 0), (1, 1)}.

2.4 Grupos de permutacoes

Sejam S um conjunto nao vazio e P (S) = {f : S → S | f e bijetiva}. Temos que P (S) e um grupocom a operacao composicao de funcoes, pois a composta de funcoes bijetivas e uma funcao bijetiva, acomposicao de funcoes e associativa, a aplicacao identidade e bijetiva e toda funcao bijetiva e invertıvel.O conjunto P (S) com a operacao de composicao de funcoes, e chamado grupo das permutacoes de S.

Denotamos o grupo das permutacoes de {1, 2, ..., n} por Sn. Como a cada funcao bijetiva de Sn

corresponde a uma permutacao f(1)f(2) · · · f(n) de 1, 2, . . . , n e o numero total destas permutacoes en!, entao Sn tem n! elementos.

Para n ≥ 3, Sn e um grupo nao abeliano pois tomando f, g ∈ Sn com f(1) = 2, f(2) = 1,f(3) = 3, g(1) = 2, g(2) = 3 e g(3) = 1 temos (fog)(1) = 1 e (gof)(1) = 3, logo, fog 6= gof . Assim,S3 e um exemplo de grupo nao abeliano com 6 elementos.

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Page 15: Matematica fcul

Notacao: Se f ∈ Sn denotamos f por (1, f(1), f(f(1)), ...)(i, f(i), f(f(i)), ...)..., como nos exemplosabaixo.

Para f, g, h ∈ S4 tais que f(1) = 3, f(2) = 4, f(3) = 2, f(4) = 1, g(1) = 3, g(2) = 2, g(3) =1, g(4) = 4, h(1) = 3, h(2) = 4, h(3) = 1, h(4) = 2 denotamos f por (1, 3, 2, 4), g por (1, 3) e h por(1, 3)(2, 4). A justificativa de podermos usar essa notacao se encontra no livro “Topicos de Algebra”- veja a bibliografia.

Assim, os elementos de S3 sao:e (funcao identidade);a = (1, 2, 3);a2 = (1, 2, 3)(1, 2, 3) = (1, 3, 2);a3 = a2 · a = (1, 3, 2)(1, 2, 3) = e = (1, 2, 3)(1, 3, 2) = a · a2 ⇒ a−1 = a2;b = (1, 2);b2 = e ⇒ b−1 = b;ab = (1, 2, 3)(1, 2) = (1, 3);ba = (1, 2)(1, 2, 3) = (2, 3).

Assim, S3 = {e, (1, 2, 3), (1, 3, 2), (1, 2), (1, 3), (2, 3)} = {e, a, a2, b, ab, ba}.Encontre o inverso para cada elemento de S3.

2.5 Grupos de simetria

Vamos tomar um quadrado no plano de vertices A, B, C, e D e vamos denotar o quadradopor ABCD, quando o vertice superior esquerdo for A, e os vertices B, C, D forem, respectivamente,tomados no sentido horario, a partir de A.

Uma rotacao de 90o, no sentido horario, leva cada vertice do quadrado no vertice seguinte.Uma reflexao em torno da diagonal tomada do vertice esquerdo superior ao vertice direito

inferior, deixa estes vertices fixos e troca os outros dois.Denotando por σ a rotacao e por τ , a reflexao, temos:

σ(ABCD) = DABC

σ2(ABCD) = CDAB

σ3(ABCD) = BCDA

σ4(ABCD) = ABCD

τ(ABCD) = ADCB

τ2(ABCD) = ABCD

στ(ABCD) = σ(ADCB) = BADC

σ2τ(ABCD) = σ2(ADCB) = CBAD

σ3τ(ABCD) = σ3(ADCB) = DCBA

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Page 16: Matematica fcul

Denotando por e o nao movimento e(ABCD) = ABCD, temos queD = {e, σ, σ2, σ3, τ, στ, σ2τ, σ3τ} e um grupo. Podemos verificar isso, na tabela abaixo:

· e σ σ2 σ3 τ στ σ2τ σ3τ

e e σ σ2 σ3 τ στ σ2τ σ3τ

σ σ σ2 σ3 e στ σ2τ σ3τ τ

σ2 σ2 σ3 e σ σ2τ σ3τ τ στ

σ3 σ3 e σ σ2 σ3τ τ στ σ2τ

τ τ σ3τ σ2τ στ e σ3 σ2 σ

στ στ τ σ3τ σ2τ σ e σ3 σ2

σ2τ σ2τ στ τ σ3τ σ2 σ e σ3

σ3τ σ3τ σ2τ στ τ σ3 σ2 σ e

Assim, podemos tomar

D = {σjτ i | 0 ≤ i ≤ 1, 0 ≤ j ≤ 3, τ2 = σ4 = e, στ = τσ3, τ 6= e, σj 6= e para j = 1, 2, 3}O exemplo acima pode ser estendido, tomando-se um polıgono regular de n lados e um eixo de

reflexao passando por um vertice e pelo centro do polıgono. Tais grupos assim obtidos sao chamadosgrupos de simetria ou grupos diedrais e tais grupos podem ser descritos por

Dn = {σjτ i | 0 ≤ i ≤ 1, 0 ≤ j < n, τ2 = σn = e, στ = τσn−1, τ 6= e, σj 6= e para 1 ≤ j < n}.Note que, neste caso, quando o polıgono tem n lados, o grupo tem 2n elementos.Observe que cada elemento de Dn podem ser vistos como uma permutacao de n elementos, ou

seja, como um elemento do grupo de permutacoes Sn, quando denominamos os vertices do polıgonode n lados pelos numeros 1, 2, . . . , n. Assim, podemos considerar o grupo Dn contido no grupo Sn.

2.6 Grupos cıclicos

Sejam G um grupo, a ∈ G e n ∈ N denotamos a0 = e, an+1 = ana e a−n = (a−1)n. Assim,temos definido an para todo n ∈ Z. As regras usuais de expoentes podem ser verificadas, isto e, paraquaisquer inteiros m e n tem-se:1) aman = am+n; 2) (an)−1 = a−n; 3) (a−n)−1 = an; 4) (am)n = amn.

Na notacao aditiva, ab significa a + b, a−1 significa −a e an significa na = a + a + · · ·+ a. Logo,ma + na = (m + n)a, n(ma) = (mn)a e −(na) = (−n)a = n(−a).

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Page 17: Matematica fcul

Sejam G um grupo e a ∈ G. Denotamos 〈a〉 = {an | n ∈ Z}. Como a0 = e, aman = am+n,(aman)ap = am(anap) e (an)−1 = a−n entao 〈a〉 e um grupo abeliano, chamado grupo cıclico geradopor a.

Na notacao aditiva temos 〈a〉 = {na | n ∈ Z}.

Exemplo 2.11 Seja G = Z. Entao〈1〉 = {n · 1 | n ∈ Z} = {n | n ∈ Z} = Z.〈−1〉 = {n · (−1) | n ∈ Z} = {−n | n ∈ Z} = Z.〈t〉 = {n · t | n ∈ Z} e o conjunto dos inteiros multiplos de t.

Assim, Z e um grupo cıclico e podemos tomar 1 ou −1 como gerador.

Exemplo 2.12 Verifica-se facilmente que Zn e um grupo cıclico gerado por 1.

Exemplo 2.13 Verifica-se tambem facilmente que Z6 pode ser gerado por 1 e 5.

Exemplo 2.14 Temos que S3 nao e um grupo cıclico pois (1, 2)2 = (1, 3)2 = (2, 3)2 = e e (1, 2, 3)3 =(1, 3, 2)3 = e. Logo, nenhum elemento gera S3.

Exemplo 2.15 Temos que R∗ nao e um grupo cıclico. Para verificar isso, suponha que sim, isto e,que exista a ∈ R∗ tal que R∗ = 〈a〉. Considere 2 = an e 3 = am e, a partir disso, chegue em umabsurdo.

Exercıcios 2.11) Mostre que Z[

√2] = {a + b

√2 | a, b ∈ Z} e um grupo abeliano com a operacao de adicao.

2) Para a, b ∈ Z, definimos a⊕ b = a + b + 1.a) Verifique que (Z,⊕) e um grupo.b) Verifique se (Z,⊕) e abeliano.c) Verifique se (Z,⊕) e cıclico.

3) Verifique se (R∗,¯) e um grupo, onde a¯ b = a · b/2.4) Verifique se (R,⊕) e um grupo nos casos abaixo:

a) a⊕ b = a2 + b2

b) a⊕ b = a + b− 35) a) Descreva os elementos de S4.

b) Encontre elementos a e b de S4 tais que ab 6= ba.6) Verifique se G = {z ∈ C | |z| = 1} e um grupo abeliano com a operacao de multiplicacao de numeroscomplexos.7) Verifique se G = {x ∈ R | |x| ≥ 1} e um grupo abeliano com a operacao de multiplicacao denumeros reais.8) Encontre a, b ∈ S3 tais que (ab)2 6= a2b2.9) Verifique se o grupo Z2 × Z2 e um grupo cıclico.10) Verifique se o grupo Z2 × Z3 e um grupo cıclico.11) Quais elemento de Z5 geram Z5 ?12) Seja G um grupo abeliano. Mostre que se a, b ∈ G e m ∈ Z entao (ab)m = ambm.13) Verifique que todo grupo cıclico e abeliano.14) Mostre que se a1, a2, ..., an sao elementos de um grupo G entao (a1 ·a2 ·...·an)−1 = a−1

n ·...·a−12 ·a−1

1 .15) Seja G um grupo tal que a2 = e para todo a ∈ G. Mostre que G e abeliano.

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Page 18: Matematica fcul

2.7 Subgrupos

Definicao 2.2 Dizemos que um subconjunto H de um grupo (G, ∗) e um subgrupo de G, se (H, ∗) eum grupo, isto e, se H e um grupo com a operacao de G restrita a H.Notacao: H < G quando H e um subgrupo de G.

Exemplos 2.16a) Se G e um grupo entao G < G e {e} < G, sao os chamados subgrupos triviais de G.b) Z < Q < R < C.c) Q∗ < R∗ < C∗.d) R∗ nao e um subgrupo de R.e) ({−1, 1}, ·) < R∗.f) Z2 nao e um subgrupo de Z3.

Proposicao 2.1 Seja H um subconjunto de um grupo G. Entao H e um subgrupo de G se, e somentese, as seguintes condicoes sao satisfeitas:1) e ∈ H;2) ∀ a, b ∈ H, ab ∈ H (a + b ∈ H, no caso de grupos aditivos );3) ∀ a ∈ H, a−1 ∈ H ( −a ∈ H, no caso de grupos aditivos ).Demonstracao: E claro que se H < G entao as tres condicoes estao satisfeitas.Por outro lado, suponhamos as tres condicoes satisfeitas. A condicao (1) garante que H 6= ∅ e possuielemento neutro; a condicao (2) diz que a operacao de G restrita a H e uma operacao em H; acondicao (3) garante a existencia do inverso de cada elemento de H; como H ⊆ G, entao vale apropriedade associativa para os elementos de H. Assim, H e um grupo com a operacao definida paraG, logo, H < G.

Observe que se H < G entao o elemento neutro de H e o mesmo elemento neutro e de G.

Exemplo 2.17 Para G = S3 = {e, (1, 2), (1, 3), (2, 3), (1, 2, 3), (1, 3, 2)} e facil verificar que:{e, (1, 2)} < S3 e {e, (1, 2, 3), (1, 3, 2)} < S3.

Corolario 2.2 Seja H um subconjunto de um grupo G. Entao H e um subgrupo de G se, e somentese, as seguintes condicoes sao satisfeitas:1) H 6= ∅2) ∀ a, b ∈ H, ab−1 ∈ H (a− b ∈ H no caso de grupos aditivos)Demonstracao: Fica como exercıcio.

Exemplo 2.18 Seja 3Z = {3 · n | n ∈ Z} o conjunto dos multiplos de 3. Temos:1) 3Z 6= ∅ pois 0 = 3 · 0 ∈ 3Z;2) Se a, b ∈ 3Z, digamos, a = 3n e b = 3m, entao a− b = 3(n−m) ∈ 3Z.Assim, pelo corolario anterior, 3Z < Z.

Do mesmo modo, podemos mostrar que para qualquer m ∈ Z,mZ < Z.

Seja a ∈ G onde G e um grupo. Ja vimos que 〈a〉 = {an | n ∈ Z} e um grupo com a mesmaoperacao de G, ou seja, 〈a〉 < G. Dizemos que 〈a〉 e o subgrupo cıclico de G gerado por a. Se S e umsubconjunto nao vazio de G, definimos:〈S〉 = {(s1)r1(s2)r2 ...(sn)rn | ∀ i, si ∈ S e ri ∈ Z}

Verifique que 〈S〉 < G e que 〈S〉 = ∩{H | H < G e S ⊆ H}.

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Chamamos 〈S〉 de subgrupo de G gerado por S.

Exemplo 2.19 Para o grupo S3 temos 〈(1, 2)〉 = {e, (1, 2)};〈(1, 2, 3)〉 = {e, (1, 2, 3), (1, 3, 2)}.

Exemplo 2.20 S3 = 〈{(1, 2), (1, 2, 3)}〉, pois:(1, 2) ∈ 〈{(1, 2), (1, 2, 3)}〉(1, 2, 3) ∈ 〈{(1, 2), (1, 2, 3)}〉e = (1, 2)2 ∈ 〈{(1, 2), (1, 2, 3)}〉(1, 3, 2) = (1, 2, 3)2 ∈ 〈{(1, 2), (1, 2, 3)}〉(2, 3) = (1, 2)(1, 2, 3) ∈ 〈{(1, 2), (1, 2, 3)}〉(1, 3) = (1, 2)(1, 3, 2) = (1, 2)(1, 2, 3)2 ∈ 〈{(1, 2), (1, 2, 3)}〉

Exercıcios 2.21) Mostre que H = {2n | n ∈ Z} e um subgrupo de R∗.

2) Para G = M2×2 e H =

{(a 0b 0

)| a, b ∈ R

}, mostre que H < G.

3) Para G = Z× Z e H = {(2a, 3b) | a, b ∈ Z} mostre que H < G.4) Determine todos os subgrupos de Z2 × Z3.5) Quais dos seguintes subconjuntos sao subgrupos (cıclicos) de Z12?a) {0, 2, 4, 6, 8, 10} b) {0, 6} c) {0, 2, 3, 5, 8}d) {1, 3, 5, 7, 9, 11} e) {0, 4, 8} f) {0, 3, 6, 9}6) Determine os seguintes subgrupos de Z8.a) 〈2〉 b) 〈5〉 c) 〈4〉 d) 〈2, 3〉7) Para o grupo de permutacoes S4:a) Determine 〈(1, 2, 3)〉.b) Determine 〈(1, 2, 3, 4)〉.c) Seja H = {e, (1, 2)(3, 4), (1, 3)(2, 4), (1, 4)(2, 3)}. Verifique se H e um subgrupo de S4 e se H eabeliano.8) Mostre que todo subgrupo de um grupo abeliano tambem e um grupo abeliano.9) Mostre que todo subgrupo de um grupo cıclico e um grupo cıclico.

Nos exercıcios abaixo, vamos considerar G um grupo.10) Sejam a ∈ G e C(a) = {g ∈ G | ag = ga}. Mostre que C(a) < G.11) Seja Z(G) = {g ∈ G | ga = ag ∀ a ∈ G}. Mostre que Z(G) < G.12) Mostre que se H e K sao subgrupos de G, entao H ∩K tambem e um subgrupo de G.13) De um exemplo onde H < G e K < G mas H ∪K nao e um subgrupo de G.14) Se H < G e g ∈ G mostre que gHg−1 < G, onde gHg−1 = {ghg−1 | h ∈ H}.

2.8 Classes laterais

Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Para a, b ∈ G, definimos a ≡ b(mod H) (le-se a econgruente a b modulo H) se, e somente se, ab−1 ∈ H. Vamos verificar que esta e uma relacao deequivalencia:Propriedade reflexiva: ∀ a ∈ G, aa−1 = e ∈ H, logo, a ≡ a(mod H)Propriedade simetrica: Se a, b ∈ G e a ≡ b(mod H), isto e, ab−1 ∈ H, como H e um grupo, entaoba−1 = (ab−1)−1 ∈ H, logo, b ≡ a(mod H).

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Propriedade transitiva: Se a, b, c ∈ H com a ≡ b(mod H) e b ≡ c(mod H) entao ab−1 ∈ H e bc−1 ∈ H.Como H e um grupo, entao ac−1 = ab−1bc−1 ∈ H, ou seja, a ≡ c(mod H).

A classe de equivalencia de um elemento a de G, e dada pora = {b ∈ G | b ≡ a(mod H)} = {b ∈ G| ba−1 ∈ H}. Temos entao b ∈ a se, e somente se, existe h ∈ H

tal que ba−1 = h, ou seja, se, e somente se, b = ha para algum h ∈ H. Assim,

a = Ha = {ha | h ∈ H}.

Chamamos Ha de uma classe lateral a direita de H em G.

Denotamos o conjunto quociente de G pela relacao de equivalencia por

G/H = {Ha | a ∈ G}

que e o conjunto das classes laterais a direita de H em G.

Observe que:a) a ∈ Ha, pois e ∈ H;b) Ha = Hb ⇔ a ∈ Hb, pois duas classes de equivalencia ou coincidem ou sao disjuntas;c) Ha = Hb ⇔ ab−1 ∈ H (verifique).d) Ha = H ⇔ a ∈ H.

Notacao: Se X e um conjunto finito vamos denotar por |X| o numero de elementos de X.

Definicao 2.3 Se G e um grupo finito, chamamos |G| de ordem de G. Se G e um grupo qualquere se g ∈ G e tal que 〈g〉 e um grupo finito, chamamos de ordem de g ao numero | 〈g〉 |, o qual seradenotado simplesmente por |g|.

Lema 2.3 Sejam G um grupo finito e H < G. Se a ∈ G entao |Ha| = |H|.Demonstracao: Seja a funcao f : H → Ha definida por f(h) = ha. Temos que f e injetiva, pois sef(h) = f(k) entao ha = ka, logo, h = k. Temos tambem que f e sobrejetiva pois se ha ∈ Ha entaof(h) = ha. Assim, f e bijetiva, portanto, |H| = |Ha|.

Definicao 2.4 Se H < G e G/H e um conjunto finito, chamamos |G/H| de ındice de H em G.Notacao: (G : H) = |G/H| e o numero de classes laterais a direita de H em G.

Teorema 2.4 (de Lagrange) Se G e um grupo finito e H < G entao |G| = |H|(G : H).Demonstracao: Como G e finito entao G/H e finito, digamos, G/H = {Ha1,Ha2, ..., Han} comHai 6= Haj se i 6= j. Como Hai e Haj sao classes de equivalencias distintas, para i 6= j, entaoHai∩Haj = ∅ se i 6= j; como G = Ha1∪Ha2∪ · · ·∪Han entao, |G| = |Ha1|+ |Ha2|+ · · ·+ |Han| =n|H| = |H|n, pelo lema anterior. Assim, |G| = |H|(G : H).

Em vista do Teorema de Lagrange temos que se H e um subgrupo de G entao a ordem de H

divide a ordem de G. Assim, {0, 3, 6, 9} nao e subgrupo de Z10.

Exemplo 2.21 Seja H = {e, (1, 2)} < S3. Entao, pelo Teorema de Lagrange, (S3 : H) = |S3|/|H| =6/2 = 3. Logo, temos 3 classes laterais:

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Page 21: Matematica fcul

H = {e, (1, 2)} (= H(1, 2))H(2, 3) = {(2, 3), (1, 2, 3)} (= H(1, 2, 3))H(1, 3) = {(1, 3), (1, 3, 2)} (= H(1, 3, 2))e assim, G/H = {H, H(2, 3),H(1, 3)}

Se G e um grupo aditivo e se H e um subgrupo de G entao a ≡ b(mod H) ⇔ a − b ∈ H e asclasses laterais sao da forma H + a = {h + a | h ∈ H}.

Exemplo 2.22 Seja H = {0, 2, 4} < Z6. Entao (Z6 : H) = |Z6|/|H| = 6/3 = 2. Logo, temos 2classes laterais:H = {0, 2, 4} (= H + 2 = H + 4)H + 1 = {1, 3, 5} (= H + 3 = H + 5)

Exercıcios 2.3 1) Encontrar G/H paraa) G = S3 e H = {e, (1, 2, 3), (1, 3, 2)}b) G = Z10 e H = {0, 2, 4, 6, 8}c) G = Z10 e H = {0, 5}d) G = Z e H = 3Z2) Para H < G e a ∈ G definimos aH = {ah | h ∈ H} e aHa−1 = {aha−1 | h ∈ H}. Mostre que:a) aH = Ha ⇒ aHa−1 = H

b) aHa−1 = H ⇒ aH = Ha

c) aG = G

Corolario 2.5 Se G e um grupo finito e se a ∈ G entao |a| divide |G|.Demonstracao: Pelo Teorema de Lagrange, |G| = |a|(G : 〈a〉), logo, |a| divide |G|.

Corolario 2.6 Se G e um grupo de ordem prima entao G e cıclico e e gerado por qualquer a 6= e.Demonstracao: Seja p = |G|, onde p e um numero primo. Seja a ∈ G, a 6= e. Entao |G| =|a|(G : 〈a〉), isto e, |a| divide |G| = p. Como |a| > 1 e os unicos divisores de p sao 1 e p, entao|a| = p = |G|. Logo, 〈a〉 = G.

Exemplo 2.23 Em Z7, 〈a〉 = Z7, para todo a 6= 0.

Proposicao 2.7 Sejam G um grupo e a ∈ G tal que 〈a〉, e um grupo finito. Entao |a| e o menorinteiro positivo n tal que an = e.Demonstracao: E claro que se a = e entao n = 1 e 〈a〉 = {e}. Seja a 6= e. Como 〈a〉 = {an | n ∈ Z}e finito, entao existem inteiros i e j (podemos supor i < j) tais que ai = aj. Logo, aj−i = aja−i =aia−i = e e j − i > 0. Assim, {n ∈ N∗ | an = e} 6= ∅ e portanto contem um menor elementon. Vamos mostrar que 〈a〉 = {e, a, . . . , an−1}, que os elementos e, a, . . . , an−1 sao todos distintos econcluir que |a| = n. Sejam i, j ∈ Z tais que 0 < j ≤ i < n. Se ai = aj entao aia−j = aja−j, logo,ai−j = aj−j = a0 = e. Como 0 ≤ i−j < n e n e o menor inteiro positivo tal que an = e, entao i−j = 0,ou seja, i = j. Assim, {e, a, . . . , an−1} e um subconjunto de 〈a〉 que contem exatamente n elementos.Se b ∈ 〈a〉, digamos b = am para algum m ∈ Z, pelo algoritmo da divisao, existem q, r ∈ Z com0 ≤ r < n tais que m = qn+ r. Logo, b = am = aqn+r = (an)qar = eqar = ear = ar ∈ {e, a, . . . , an−1}.Assim, 〈a〉 = {e, a, ..., an−1} e portanto, |a| = n.

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Page 22: Matematica fcul

Corolario 2.8 Se G e um grupo finito e a ∈ G entao a|G| = e.Demonstracao: Sejam |a| = n e |G| = m. Pelo Teorema de Lagrange, m = nr onde r = (G : 〈a〉).Entao am = anr = (an)r = er = e. Assim, a|G| = e.

Exemplo 2.24 Como |S3| = 6, logo, ∀ a ∈ S3, a6 = e.

Exemplo 2.25 Como |Z8| = 8, logo, 8·a = 0, ∀ a ∈ Z8.

A funcao fi de Euler, denotada por φ, e definida no conjunto dos inteiros positivos por φ(1) = 1e, para m > 1, por φ(m) = n onde n e o numero de inteiros positivos menores que m e relativamenteprimos com m.

Exemplos 2.26 φ(2) = 1; φ(3) = 2; φ(4) = 2; φ(5) = 4; φ(6) = 2;...

Observe que se p e um numero primo entao φ(p) = p− 1.

Exercıcios 2.41) Em Z12, encontrar as ordens dos seguintes elementos:a) 2 b) 3 c) 4 d) 5 e) 62) Em S5, encontrar as ordens dos seguintes elementos:a) (1, 2, 4, 3) b) (1, 3, 2) c) (1, 2)(3, 4) d) (1, 3) e) (1, 3)(2, 4, 5)3) Seja n um inteiro positivo e seja G = {a ∈ Zn | 0 < a < n e a e relativamente primo com n}.Mostre que:a) G e um grupo com a operacao de multiplicacao modulo n.b) ∀ a ∈ G, aφ(n) ≡ 1(mod n).4) (Pequeno Teorema de Fermat)a) Se p e um numero primo e a e um inteiro tal que p nao divide a, entao ap−1 ≡ 1(mod p).b) Se p e um numero primo e a e um inteiro qualquer entao ap ≡ a(mod p).

2.9 Subgrupos normais

Sejam G um grupo e H um subgrupo de G. Ao definirmos a congruencia modulo H, partimosda relacao de equivalencia b ≡ a(mod H) se ba−1 ∈ H e definimos as classes laterais a direita Ha. Demaneira analoga, partindo da relacao de equivalencia b ∼= a(mod H) quando a−1b ∈ H chegaremos adefinicao de classe lateral a esquerda aH = {ah | h ∈ H}, com resultados analogos. E claro que se G

e um grupo abeliano entao aH = Ha. Se G nao for abeliano podemos ter aH 6= Ha.

Exemplo 2.27 Seja H = {e, (1, 2)} < S3. Temos H(2, 3) = {(2, 3), (1, 2, 3)} e (2, 3)H = {(2, 3),(1, 3, 2)}. Logo, H(2, 3) 6= (2, 3)H.

Exemplo 2.28 Seja H = {e, (1, 2, 3), (1, 3, 2)} < S3. Como |H| = 3 e |S3| = 6, temos entao 2 classeslaterais a direita:H = {e, (1, 2, 3), (1, 3, 2)} (= H(1, 2, 3) = H(1, 3, 2) )H(1, 2) = {(1, 2), (1, 3), (2, 3)} (= H(1, 3) = H(2, 3) )

De modo analogo, temos 2 classes a esquerda:H = {e, (1, 2, 3), (1, 3, 2)} (= (1, 2, 3)H = (1, 3, 2)H )(1, 2)H = {(1, 2), (1, 3), (2, 3)} (= (1, 3)H = (2, 3)H )

Neste caso, Ha = aH ∀ a ∈ S3, mesmo S3 nao sendo abeliano.

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Page 23: Matematica fcul

Definicao 2.5 Sejam G um grupo e N um subgrupo de G. Dizemos que N e um subgrupo normal deG se uma das seguintes condicoes equivalentes se verificar:a) ∀ a ∈ G, aN = Na

b) ∀ a ∈ G, aNa−1 = N onde aNa−1 = {ana−1 | n ∈ N}c) ∀ a ∈ G, aNa−1 ⊆ N

Notacao: N C G

Prova das equivalencias:(a ⇔ b) Temos aN = Na ⇔ aNa−1 = Naa−1 = Ne = N .(b ⇒ c) Claro.(c ⇒ b) Seja a ∈ G. Como a−1 ∈ G, entao, por hipotese, a−1Na = a−1N(a−1)−1 ⊆ N . Assim,aa−1N(a−1)−1a−1 ⊆ aNa−1, ou seja, N = eNe ⊆ aNa−1. Como, por hipotese, aNa−1 ⊆ N , temosigualdade.

Exemplos 2.291) Se G e um grupo abeliano entao todo subgrupo H de G e um subgrupo normal, pois aH = Ha paratodo a ∈ G.2) Se G e um grupo, verifica-se facilmente que {e}C G.3) Se G e um grupo, G C G, pois para qualquer a ∈ G, aG = G e Ga = G (verifique).4) Seja H = {e, (1, 2, 3), (1, 3, 2)} < S3. Ja vimos que para todo a ∈ S3, aH = Ha. Logo H C S3.5) Seja H = {e, (1, 2)} < S3. Temos H(2, 3) = {(2, 3), (1, 2, 3)} e (2, 3)H = {(2, 3), (1, 3, 2)}. Logo,H(2, 3) 6= (2, 3)H e portanto, H nao e um subgrupo normal de S3.

Observe que aN = Na nao significa que an = na para todo n ∈ N . Significa que para cadan ∈ N , existe m ∈ N tal que an = ma.

Exemplo 2.30 Seja H = {e, (1, 2, 3), (1, 3, 2)} < S3. Temos que H(1, 2) = (1, 2)H = {(1, 2), (1, 3),(2, 3)}, e (1, 2, 3)(1, 2) = (1, 3) = (1, 2)(1, 3, 2).

Exercıcios 2.5 Vamos considerar G um grupo, H e K subgrupos de G e HK = {hk | h ∈ H ek ∈ K}. Prove as seguintes afirmacoes:1) HK e um subgrupo de G se, e somente se, HK = KH.2) Se G e abeliano entao HK < G.3) Se H C G ou K C G entao HK < G.4) Se H C G e K C G entao HK C G.5) Se H C G e K C G entao H ∩K C G.6) Se K C G entao H ∩K C H.7) Se H C G, K C G e H ∩K = {e} entao hk = kh ∀ h ∈ H, ∀ k ∈ K.8) Z(G) C G onde Z(G) = {g ∈ G | ga = ag ∀ a ∈ G}.9) Se (G : H) = 2 entao H C G.

2.10 Grupo quociente

Sejam G um grupo e N um subgrupo normal de G. Vamos definir uma operacao emG/N = {Na | a ∈ G} de modo que G/N se torne um grupo.

Para Na, Nb ∈ G/N definimos (Na)(Nb) = N(ab) ou, simplificando a notacao, NaNb = Nab.

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Page 24: Matematica fcul

Se Na = Na′ e Nb = Nb′, entao NaNb = Nab = (Na)b = (Na′)b = (a′N)b = a′(Nb) =a′(Nb′) = (a′N)b′ = (Na′)b′ = Na′b′ = Na′Nb′. Assim, fica definida uma operacao em G/N .

Vamos mostrar que G/N com essa operacao e um grupo.- Propriedade associativa: (NaNb)Nc = NabNc = N(ab)c = Na(bc) = NaNbc = Na(NbNc).- Elemento neutro: Ne, pois NaNe = Nae = Na = Nea = NeNa.- Elemento inverso: NaNa−1 = Naa−1 = Ne = Na−1a = Na−1Na. Logo (Na)−1 = Na−1.

Assim G/N e um grupo com a operacao NaNb = Nab e e chamado grupo quociente de G por N .

Se G e um grupo aditivo, denotamos G/N = {N+a | a ∈ G}. Por exemplo, Z/5Z = {5Z+n | n ∈Z} = {5Z, 5Z + 1 , 5Z + 2, 5Z + 3, 5Z + 4} pois se n ∈ Z, existem q, r ∈ Z com 0 ≤ r < 5 tal quen = q5 + r, logo, n− r ∈ 5Z e portanto, n ≡ r(mod 5Z). Assim, 5Z+ n = 5Z+ r.

Exercıcios 2.61) Mostre que se G e um grupo abeliano e H < G entao G/H e um grupo abeliano.2) Mostre que se G e um grupo cıclico e H < G entao G/H e um grupo cıclico.3) Mostre que se G e um grupo finito e se N e um subgrupo normal de G, entao |G/N | = |G|/|N |.

2.11 Homomorfismos de grupos

Definicao 2.6 Sejam (G, ·) e (G′, ∗) grupos e f : G → G′ uma funcao. Dizemos que f e um homo-morfismo de grupos se f(a · b) = f(a) ∗ f(b), isto e, f e compatıvel com as estruturas dos grupos.

Exemplos 2.311) A funcao identidade Id : G → G onde Id(a) = a e um homomorfismo, pois Id(ab) = ab =Id(a)Id(b).2) A funcao constante f : G → G′ onde f(a) = e′ e e′ e o elemento neutro de G′ e um homomorfismo,pois f(ab) = e′ = e′e′ = f(a)f(b).3) A funcao f : Z → Z definida por f(a) = na onde n e um inteiro fixo, e um homomorfismo, poisf(a + b) = n(a + b) = na + nb = f(a) + f(b).4) A funcao f : Z → R∗ dada por f(n) = 2n e um homomorfismo, pois f(n + m) = 2n+m = 2n2m =f(n)f(m).5) Seja n um inteiro positivo. A funcao f : Z→ Zn definida por f(a) = r, onde r e o resto da divisaode a por n, e um homomorfismo, pois a + b = a + b.6) Se HCGentao a funcao f : G → G/H onde f(a) = Ha e um homomorfismo, pois f(ab) = H(ab) =HaHb = f(a)f(b).7) A funcao f : Z→ Z definida por f(a) = a + 2, nao e um homomorfismo, pois f(2) = 2 + 2 = 4 6=6 = 1 + 2 + 1 + 2 = f(1) + f(1).8) f : Z× Z→ Z dada por f(m,n) = m + n e um homomorfismo e grupos, pois f((m,n) + (a, b)) =f(m + a, n + b) = (m + a) + (n + b) = (m + n) + (a + b) = f(m,n) + f(a, b).

Exercıcio 2.7 Verifique que se f : (G, ·) → (G′, ∗), e um homomorfismo de grupos e n e um inteiropositivo entao para a1, a2, . . . , an ∈ G vale f(a1 · a2 · ... · an) = f(a1) ∗ f(a2) ∗ ... ∗ f(an).

Proposicao 2.9 Seja f : G → G′ um homomorfismo de grupos. Se e e e′ sao respectivamente oselementos neutros de G e G′ entao:

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Page 25: Matematica fcul

a) f(e) = e′;b) f(a−1) = (f(a))−1;c) {a ∈ G | f(a) = e′}C G’;d) Im(f) = {f(a) | a ∈ G} < G′;e) f(an) = (f(a))n.Demonstracao: a) Como f(e) = f(e · e) = f(e) ∗ f(e) entao (f(e))−1 ∗ f(e) = (f(e))−1 ∗ f(e) ∗ f(e),logo, e′ = e′ · f(e) = f(e).b) Como e′ = f(e) = f(a · a−1) = f(a) ∗ f(a−1) entao (f(a))−1 = (f(a))−1 ∗ e′ = (f(a))−1 ∗ f(a) ∗f(a−1) = e′ ∗ f(a−1) = f(a−1).c) Por (a), e ∈ N(f), logo, N(f) 6= ∅. Se a, b ∈ N(f) entao f(a) = f(b) = e′. Logo, f(a · b−1)=f(a) ∗ f(b−1)= e′ ∗ (f(b))−1 = (f(b))−1 = e′−1 = e′. Assim, a · b−1 ∈ N(f) e portanto N(f) < G.Para mostrar que N(f) C G, vamos verificar que a(N(f))a−1 ⊆ N(f), ∀ a ∈ G. Se b ∈ a(N(f))a−1,digamos, b = a · c · a−1 para algum c ∈ N(f), entao f(b) = f(a · c · a−1) = f(a) ∗ f(c) ∗ f(a−1) =f(a) ∗ e′ ∗ (f(a))−1 = f(a) ∗ (f(a))−1 = e′, logo, b ∈ N(f).d) Temos que Im(f) 6= ∅ pois e′ = f(e) ∈ Im(f). Se c, d ∈ Im(f), digamos, c = f(a) e d = f(b) ondea, b ∈ G, entao c ∗ d−1 = f(a) ∗ (f(b))−1 = f(a) ∗ f(b−1) = f(a · b−1) ∈ Im(f). Assim, Im(f) < G′.e) Basta fazer inducao sobre n.

O conjunto {a ∈ G | f(a) = e′} e chamado de nucleo de f e e denotado por N(f). Em vista daproposicao anterior, temos N(f) C G.

Proposicao 2.10 Seja f : G → G′ um homomorfismo de grupos. Entao f e uma funcao injetiva se,e somente se, N(f) = {e}.Demonstracao: Fica como exercıcio.

Definicao 2.7 Dizemos que um homomorfismo de grupos f : G → G′ e um isomorfismo se f forbijetiva. Neste caso dizemos que G e G′ sao isomorfos.Notacao: G ≡ G′ quando G e G′ sao isomorfos.

Proposicao 2.11 Se f : G → G′ e um isomorfismo entao:a) f−1 e um isomorfismo;b) Se G e abeliano entao G′ e abeliano;c) Se G e cıclico entao G′ e cıclico;d) Se a ∈ G e |a| estiver definida entao |f(a)| esta definida e |a| = |f(a)| (sugestao - Proposicao 2.7);e) Se H < G entao f(H) < G′;f) Se H C G entao f(H) C G′.Demonstracao: A prova destas propriedades ficam como exercıcio.

Observe que se dois grupos sao isomorfos entao, do ponto de vista da teoria dos grupos, elesnao diferem um do outro, pois existe uma bijecao entre eles que preserva as estruturas dos grupos,identificando suas propriedades.

Teorema 2.12 (dos homomorfismos) Seja f : G → G′ um homomorfismo sobrejetivo com nucleo N .Entao G/N ≡ G′.Demonstracao: Vamos definir um isomorfismo h entre G/N e G′ da seguinte maneira:

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Page 26: Matematica fcul

G −→ G′

↓ ↗G/N

sendo f : G → G′,f : G → G/N e

h : G/N → G′

onde f(a) = Na e h(Na) = f(a).

Temos Na = Nb ⇔ ab−1 ∈ N ⇔ f(ab−1) = e′ ⇔ f(a) ∗ (f(b))−1 = e′ ⇔ f(a) = f(b)⇔ h(Na) = h(Nb). Assim, a funcao h esta bem definida e tambem e injetiva.

Se b ∈ G′, como f e uma funcao sobrejetiva, existe a ∈ G tal que f(a) = b. Assim, h(Na) = b

e portanto, h e uma funcao sobrejetiva.Se Na, Nb ∈ G/N entao h(NaNb) = h(Nab) = f(ab) = f(a)f(b) = h(Na)h(Nb). Assim, h e

um homomorfismo, e bijetivo e portanto, um isomorfismo.

Corolario 2.13 Se f : G → G′ e um homomorfismo de grupos com nucleo N , entao G/N ≡ Im(f).

Corolario 2.14 Z/nZ ≡ Zn.

Lema 2.15 Se S e um conjunto finito com n elementos entao, P (S), o grupo das permutacoes em S,e isomorfo a Sn.Demonstracao: Sejam S = {x1, x2, ..., xn} e θ : S → {1, 2, ..., n}, definida por θ(xi) = i, umabijecao. Definimos F : P (S) → Sn por F (f) = θ ◦ f ◦ θ−1. Entao F (f ◦ g) = θ ◦ f ◦ g ◦ θ−1 =θ ◦ f ◦ θ−1 ◦ θ ◦ g ◦ θ−1 = F (f) ◦ F (g), logo, F e um homomorfismo de grupos.Se f, g ∈ P (S) com F (f) = F (g), entao θ ◦ f ◦ θ−1 = θ ◦ g ◦ θ−1 logo, f = θ−1 ◦ θ ◦ g ◦ θ−1θ = g eportanto, F e injetiva. Se σ ∈ Sn entao θ−1 ◦ σoθ ∈ P (S) e F (θ−1 ◦ σ ◦ θ) = θ ◦ θ−1 ◦ σ ◦ θ ◦ θ−1 = σ.Assim, F e sobrejetiva.

Lema 2.16 Se g ∈ G onde G e um grupo finito e Tg : G → G e uma funcao definida por Ta(g) = ag,entao Ta ∈ P (G).Demonstracao: Fica como exercıcio.

Teorema 2.17 (de Cayley) Seja G um grupo finito de ordem n. Entao G e isomorfo a um subgrupode Sn.Demonstracao: Definimos a funcao F : G → P (G) por F (g) = Tg. Assim,

F e um homomorfismo: Sejam a, b ∈ G. Entao F (ab) = Tab = Ta ◦ Tb = F (a) ◦ F (b) pois,∀ g ∈ G, (Ta ◦ Tb)(g) = Ta(Tb(g)) = Ta(bg) = abg = Tab(g).

F e injetiva: F (a) = F (b) ⇒ Ta = Tb ⇒ Ta(e) = Tb(e) ⇒ a = b. Como F e injetiva, entaopela Proposicao 2.10, N(f) = e. Assim, pelo corolario do Teorema dos homomorfismos, G ≡ G/{e} ≡G/N(f) ≡ F (G) < P (G), isto e, G e isomorfo a um subgrupo de P (G). Como P (G) e isomorfo a Sn,entao G e isomorfo a um subgrupo de Sn.

Exercıcios 2.81) Verifique se as seguintes funcoes sao homomorfismos.a) f : Z→ Z× Z dada por f(n) = (−n, n).b) f : Z× Z→ Z dada por f(m,n) = m·n.

c) f : M2×2(R) → R× R dada por f

((a b

c d

))= (a− d, b− c).

d) f : SL2(R) → R∗ dada por f

((a b

c d

))= ad − bc, onde SL2(R) e o grupo multiplicativo das

26

Page 27: Matematica fcul

matrizes reais 2× 2 inversıveis.

e) f : C∗ → SL2(R) dada por f(a + bi) =

(a −b

b a

).

f) f : C∗ → C∗ dada por f(a + bi) = a− bi.g) f : C∗ → C∗ dada por f(a + bi) = b + ai.h) f : C∗ → R∗ dada por f(z) = |z|.i) f : R→ R dada por f(x) = x2.j) f : R∗ → R∗ dada por f(x) = x2.k) f : Z→ C∗ dada por f(n) = in.2) Determine o nucleo de cada homomorfismo do exercıcio anterior.3) Sejam G um grupo e g ∈ G. Verifique que funcao f : G → G definida por f(a) = gag−1 e umisomorfismo.4) Seja G um grupo. Verifique se a funcao f : G → G, definida por f(a) = a−1, e um homomorfismo.Caso G seja abeliano, mostre que f e um isomorfismo.

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Page 28: Matematica fcul

3 Aneis

O estudo de Aneis se originou da necessidade de se estabelecer uma classificacao para inumerosexemplos de conjuntos numericos com operacoes aritmeticas. Apesar do conceito de corpo estarimplıcito nos trabalhos de Niels Henrik Abel (1802-1829) e Evariste Galois (1811-1832), foi RichardDedekind (1831-1916) o primeiro a formalizar o conceito de Corpo: um conjunto com duas operacoesque satisfazem propriedades elementares que valem para as operacoes com numeros reais, racionais ecomplexos. Carl Friedrich Gauss (1777-1855) estendeu o conceito de numero inteiro para o conjuntodos numeros da forma a + bi onde a e b sao numeros inteiros. Tal conjunto nao chega a ser um corpo,pois nem todo elemento nao nulo possui um inverso multiplicativo, embora satisfaca todas as outrasexigencias para ser um corpo.

Em 1830, George Peacock (1791-1858) procurou dar a Algebra uma estrutura logica comparavela de “Os elementos de Euclides”, com a publicacao do seu “Teatrise on Algebra”. Ao contrario dePeacock, para quem os sımbolos representam numeros ou grandezas, Augustus De Morgan (1806-1871) considerava os sımbolos como sendo abstratos, deixando sem significado nao so as letras comotambem os sımbolos de operacoes. Com isso, pretendia formar uma gramatica para as diversas algebrasconhecidas. Foi George Boole (1815-1864) quem finalmente concluiu o formalismo algebrico. A partirdaı, a caracterıstica fundamental da Matematica passou a ser a sua forma, nao seu conteudo, equalquer topico, consistindo de sımbolos e de regras precisas de operacoes sobre estes sımbolos e quehouvesse consistencia interna, isto e, nao levasse a contradicoes, passou a ser considerado como parteda Matematica.

3.1 Definicao e exemplos

Definicao 3.1 Seja A um conjunto nao vazio onde estao definidas duas operacoes, indicadas por “+”e “·” (isto e, existem funcoes f, g : A×A → A tais que ∀a, b ∈ A, f(a, b) = a · b e g(a, b) = a + b).Dizemos que (A,+, ·) e um anel se as propriedades abaixo sao validas:A1) a + (b + c) = (a + b) + c ∀ a, b, c ∈ A (associativa para “+”)A2) ∃ 0 ∈ A tal que a + 0 = 0 + a = a ∀ a ∈ A (zero de A)A3) ∀ a ∈ A ∃ b ∈ A tal que a + b = b + a = 0 (inverso aditivo)A4) a + b = b + a ∀ a, b ∈ A (comutativa para “+”)A5) a · (b · c) = (a · b) · c ∀ a, b, c ∈ A (associativa para “·”)A6) ∀ a, b, c ∈ A, (a + b) · c = a · c + b · c e c · (a + b) = c · a + c · b (distributiva)

Se existe 1 em A, 1 6= 0, tal que 1 · a = a · 1 = a para todo a ∈ A, dizemos que A e um anel comunidade. Dizemos tambem que 1 e a unidade do anel.

Se A e um anel e para quaisquer a, b ∈ A, vale a · b = b ·a, dizemos que A e um anel comutativo.Se A = {0}, dizemos que A e anel nulo .

Como “+” e “·” sao operacoes, entao:1) se a, b, c, d ∈ A e se a = b e c = d entao a + c = b + d e a · c = b · d;2) se a, b ∈ A entao a + b ∈ A e a.b ∈ A.

Assim, para verificar se (A,+, ·) e um anel, precisamos verificar tambem:A0) ∀ a, b ∈ A, a + b ∈ A e a · b ∈ A (fechamento)

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Notacao: Vamos assumir tambem as notacoes ab = a · b; a− b = a + (−b).

Vamos denotar simplesmente por A ao anel (A,+, ·), caso as operacoes forem as usuais para A.

Exemplo 3.1 Os conjuntos Z, Q, R e C sao aneis comutativos com unidade, com as operacoes usuaisde adicao e multiplicacao. Se n ∈ Z, n > 1 entao nZ, o conjunto dos inteiros multiplos de n, e umanel comutativo sem unidade.

Exemplo 3.2 O conjunto N dos numeros naturais nao e um anel com as operacoes de adicao emultiplicacao de numeros naturais, pois 2 ∈ N mas 2 nao tem inverso aditivo em N.

Exemplo 3.3 O conjunto A = {−1, 0, 1} com as operacoes de adicao e multiplicacao de numerosinteiros, apesar de satisfazer as propriedades A1, A2, A3, A4, A5, e A6, nao e um anel , pois aadicao nao e uma operacao em A: 1 ∈ A mas 1 + 1 /∈ A.

Exemplo 3.4 - Aneis de Matrizes: O conjunto M2(R), das matrizes reais 2×2, e um anel comunidade e nao comutativo, pois satisfaz todas as condicoes para ser um anel e(

1 01 1

)(1 11 0

)=

(1 12 1

)e

(1 11 0

)(1 01 1

)=

(2 11 0

)

Generalizando, o conjunto das matrizes reais n×n, Mn(R), n > 1, e um anel nao comutativoe com unidade.

Definicao 3.2 Seja A um anel e seja a ∈ A, a 6= 0.i) Dizemos que a e um divisor de zero se existe b em A, b 6= 0 tal que ab = 0 ou ba = 0.ii) Quando A e um anel com unidade, dizemos que a ∈ A e invertıvel se existir b ∈ A tal queab = ba = 1.Notacao: b = a−1.

Exemplo 3.5 Os elementos invertıveis de Z sao 1 e −1 e Z nao possui divisores de zero.

Exemplo 3.6 Sejam A =

(1 01 0

)e B =

(0 01 1

). Temos AB = O, onde O e a matriz nula.

Assim, A e B sao divisores de zero em M2(R). Temos tambem que BA 6= O, mostrando que numanel, ab = 0 nao implica em ba = 0. Veremos mais adiante, num exercıcio sobre homomorfismos, queab = 1 nao implica em ba = 1. Temos aqui tambem AB = AO sendo B 6= O, ou seja, nao vale a leido cancelamento para o produto.

Exemplo 3.7 A matriz A =

(1 01 1

)e invertıvel em M2(R) pois tomando B =

(1 0−1 1

), temos

que AB = BA = I.

Exemplo 3.8 Temos que 2 e invertıvel em R, mas nao e invertıvel em Z.

Definicao 3.3 Seja A um anel comutativo com unidade. Dizemos que:i) A e um domınio de integridade (ou um anel de integridade) se A nao tem divisores de zero.ii) A e um corpo se para todo a ∈ A, tal que a 6= 0, a e invertıvel.

Exemplo 3.9 Se K e um corpo entao K − {0} e o conjunto dos elementos invertıveis de K.

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Page 30: Matematica fcul

Exemplos 3.10 Os aneis Q, R e C sao corpos mas Z nao e um corpo. O anel Z e um domınio deintegridade. O Anel Mn(R) nao e um domınio de integridade para todo n ≥ 2.

Exemplo 3.11 - Anel dos quaternios. O anel dos quaternios teve origem na tentativa de Ha-milton (1805-1865) desenvolver uma algebra para trabalhar com vetores no espaco, de modo que ocomprimento do produto fosse igual ao produto dos comprimentos. Esta condicao era desejavel, poisse tratava de uma necessidade da Fısica da epoca, e isso so foi possıvel trabalhando com algebras dedimensao 4, isto e, com R4.

Seja Q = R4 = {(a, b, c, d) | a, b, c, d ∈ R}. Podemos denotar elementos (a, b, c, d) ∈ Q pora + bi + cj + dk e definir as operacoes (a + bi + cj + dk) + (a′ + b′i + c′j + d′k) = (a + a′) + (b + b′)i +(c + c′)j + (d + d′)k e (a + bi + cj + dk)(a′ + b′i + c′j + d′k) = (aa′ − bb′ − cc′ − dd′) + (ab′ + a′b +cd′− c′d)i+(ac′+ a′c+ db′− d′b)j +(ad′+ a′d+ bc′− b′c)k. Embora esta formula para a multiplicacaopareca complicada, podemos fazer a multiplicacao formal, como nos numeros complexos, considerandoi2 = j2 = k2 = −1, ij = −ji = k, jk = −kj = i e ki = −ik = j. Verifica-se, com um pouco detrabalho, que Q e um anel. Alem disso, todo elemento nao nulo de Q e invertıvel: se x = a+bi+cj+dk

e x 6= 0 entao x−1 =a

e− b

ei− c

ej − d

ek onde e = a2 + b2 + c2 + d2. Apesar disso, Q nao e um corpo,

pois Q nao e comutativo: ij 6= ji.

3.2 Os aneis Zn

No conjunto Zn = {0, 1, 2, . . . , n− 1}, consideramos a 6= b se a 6= b e definimos as operacoes:para a, b ∈ Zn, a + b = r e a·b = s, onde, r e o resto da divisao de a + b por n e s e o resto da divisaode a·b por n.

Exemplo 3.12 Em Z15 temos 10 + 10 = 5; 3 + 7 = 10; 6 + 12 = 3; 5·5 = 10; 10·6 = 0.

Observe que se a ∈ Zn e a > 0, entao o inverso aditivo de a e dado por −a = n− a, pois0 < n− a < n e a + (n− a) = a + n− a = a− a + n = 0 + n = n, isto e, a + n− a = 0. Assim, porexemplo, em Z15, −7 = 8 e −1 = 14.

Ja vimos em 1.8 que a soma e a multiplicacao definidas para Zn sao operacoes em Zn e quevalem as propriedades a seguir.

Propriedades das operacoes em Zn. Sejam a, b, c ∈ Zn Entao:a) Fechamento. a + b ∈ Zn e a·b ∈ Zn

b) Comutativa. a + b = b + a e a·b = b·ac) Associativa. a + (b + c) = (a + b) + c e a·(b·c) = (a·b)·cd) Distributiva. a·(b + c) = a·b + a·c e (a + b)·c = a·c + b·ce) Zero. a + 0 = 0 + a = a

f) Unidade. 1·a = a·1 = a

g) Multiplicacao por zero. 0·a = a·0 = 0h) Inverso aditivo. a + n− a = n− a + a = 0, se 0 < a < n e 0 + 0 = 0

Assim, Zn e um anel comutativo com unidade.

Podemos fazer tabelas para a adicao e para a multiplicacao em Zn. Por exemplo, para Z6 temos:

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+ 0 1 2 3 4 5

0 0 1 2 3 4 5

1 1 2 3 4 5 0

2 2 3 4 5 0 1

3 3 4 5 0 1 2

4 4 5 0 1 2 3

5 5 0 1 2 3 4

· 0 1 2 3 4 5

0 0 0 0 0 0 0

1 0 1 2 3 4 5

2 0 2 4 0 2 4

3 0 3 0 3 0 3

4 0 4 2 0 4 2

5 0 5 4 3 2 1

Olhando para a tabela da adicao vemos que os inversos aditivos de 1, 2, 3, 4 e 5 sao,respectivamente, 5, 4 3 , 2 e 1. Na tabela da multiplicacao vemos que 2, 3 e 4 sao divisores de zeropois 2 ·3 = 4 ·3 = 0; 1 e 5 sao invertıveis pois 1·1 = 5·5 = 1.

Vamos denotar o maximo divisor comum entre a e b por mdc(a, b).

Proposicao 3.1 Seja n um inteiro positivo e seja a ∈ Zn, a 6= 0.a) se mdc(n, a) = 1 entao a e invertıvel;b) se mdc(n, a) 6= 1 entao a e um divisor de zero.Demonstracao: a) Como mdc(n, a) = 1 entao existem r, s ∈ Z tais que sa + rn = 1. Seja b o restoda divisao de s por n, isto e, s = qn + b, q, b ∈ Z e 0 ≤ b < n. Assim, (qn + b)a + rn = 1, portanto,ba = −(qa+ r)n+1, ou seja, o resto da divisao de ba por n e 1. Logo, b·a = 1, ou seja, a e invertıvel.b) Seja d = mdc(n, a) > 1. Entao d e divisor de n e de a, portanto existem b, c ∈ N∗ tais que n = db

e a = dc. Como 0 < b < bd = n entao b 6= 0. Temos ab = dcb = bdc = nc. Assim, a·b = 0, portanto,a e um divisor de zero.

Exercıcio 3.1 Encontrar os elementos invertıveis e os divisores de zero de Z14.

Corolario 3.2 Se p e um numero primo entao Zp e corpo.Demonstracao: Seja a ∈ Zp, a 6= 0, isto e, 0 < a < p. Como p e um numero primo entaomdc(a, p) = 1. Assim, pela proposicao anterior, a e invertıvel.

3.3 Produto Direto de Aneis

Sejam A e B aneis. Vamos usar as mesmas notacoes “+” e “·” para as operacoes de A e de B.Definimos as seguintes operacoes no produto cartesiano: para (a1, b1), (a2, b2) ∈ A×B ,

(a1, b1) + (a2, b2) = (a1 + a2, b2 + b2) e (a1, b1) · (a2, b2) = (a1 · a2, b2 · b2)

E facil verificar que:a) A×B com as operacoes definidas e um anel, chamado o produto direto dos aneis A e B.b) Se A e B sao aneis comutativos entao A×B tambem e um anel comutativo.c) Se A e B sao aneis com unidades entao A×B tambem e um anel com unidade.d) Se A e B sao aneis nao nulos entao A×B nao e um domınio de integridade. Quais sao os divisoresde zero de A×B?

3.4 Propriedades de aneis.

Para um anel A sao validas as propriedades:1) Unicidade do zero. Existe um unico elemento 0 em A satisfazendo (A2).

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Page 32: Matematica fcul

2) Unicidade do inverso aditivo. Para cada a ∈ A, existe um unico elemento b ∈ A satisfazendo (A3).3) Unicidade da unidade. Caso A possua unidade, ela e unica.4) Multiplicacao por zero. 0a = a0 = 0 ∀a ∈ A.5) −(−a) = a ∀a ∈ A.6) (−a)b = a(−b) = −(ab) ∀a, b ∈ A.7) (−a)(−b) = ab ∀a, b ∈ A.8) a(b1+b2+...+bn) = ab1+ab2+...+abn e (b1+b2+...+bn)a = b1a+b2a+...+bna, ∀a, b1, b2, · · · , bn ∈ A

Se A e anel com unidade entao:9) (−1)a = −a ∀a ∈ A.10) −(−1) = 1.11) (−1)(−1) = 1.Demonstracao: 1) Unicidade do zero: Seja Q ∈ A tal que Q + a = a + Q = a para todo a ∈ A.Entao 0 = 0 + Q = Q, isto e, existe somente um elemento neutro para a operacao “+”.A prova da unicidade do 1 e analoga a prova da unicidade do zero. A unicidade do inverso aditivo ficacomo exercıcio.4) 0a = (0 + 0)a = 0a + 0a, logo, 0a− 0a = 0a + 0a− 0a e portanto, 0 = 0a + 0 = 0a. Analogamente,a0 = 0.5) Como a + (−a) = 0, entao, −(−a) = a.6) Como ab + (−a)b = (a + (−a))b = 0b = 0, entao (−a)b = −(ab). De modo analogo, prova-se quea(−b) = −(ab)9) Por (6), (−1)a = −(1a) = −a.10) Temos (−1)(−1) = −(−1) = 1, por (5) e (9).As provas das propriedades 7 e 8 ficam como exercıcio.

Exercıcios 3.21) Mostre que num anel A, se a, b, c ∈ A sao tais que a + b = a + c entao b = c.2) Seja A um domınio de integridade e sejam a, b, c ∈ A tais que c 6= 0 e ac = bc. Mostre que a = b.Mostre que esta propriedade nem sempre vale, se A nao e um domınio de integridade.3) Encontre os divisores de zero e os elementos invertıveis de Z12.4) Mostre que se a e invertıvel em um anel A, entao a nao e um divisor de zero.5) Mostre que se A e um corpo entao A e um domınio de integridade.6) Mostre que Zn e um corpo se, e somente se, n e um numero primo. Pode ocorrer de n nao serprimo mas Zn ser um domınio de integridade? Justifique.7) Sejam a, b, c elementos de um anel A.a) Mostre que a(b− c) = ab− ac e (a− b)c = ac− bc.b) Mostre que (a + b)2 = a2 + ab + ba + b2.c) Mostre ou de um contra-exemplo para (a + b)2 = a2 + 2ab + b2.8) Seja A um anel tal que a2 = a para todo a ∈ A. Mostre quea) −x = x; (sugestao: inicie com x + x = (x + x)2)b) A e um anel comutativo. (sugestao: inicie com a + b = (a + b)2)c) Se A e um domınio de integridade entao A = {0, 1}. (sugestao: ∀a ∈ A, a2 = a)9) Sobre R definimos as operacoes: a⊕ b = a + b− 1 e a¯ b = a + b− ab. Verifique se R com essasduas operacoes e um corpo.10) Seja A = {a + bi | a, b ∈ Z3}, onde as operacoes em A seguem as regras para as operacoes denumeros complexos e considerando i2 = 2. Verifique se A e um corpo.

32

Page 33: Matematica fcul

11) Seja A = {a + b√

2 | a, b ∈ Q}. Verifique se A e um corpo.12) Seja A = {a√2 | a ∈ Z}. Verifique se A e um anel.13) Sejam A um anel, a ∈ A e n ∈ N. Definimos

(n + 1)a = na + a ( 0a = 0 ja foi demonstrado);a0 = 1 e an+1 = ana.

Verifique as seguintes propriedades para a, b ∈ A e m,n ∈ N:a) (m + n)a = ma + na; e) am+n = aman = anam;b) (mn)a = m(na) = n(ma); f) amn = (am)n = (an)m;c) m(ab) = (ma)b = a(mb); g) Se ab = ba entao anb = ban.d) (mn)(ab) = (ma)(nb) = (na)(mb); h) Se ab = ba entao (ab)n = anbn.

14) Aneis de funcoes. Seja A um anel e F(A) o conjunto das funcoes f : A → A. Definimos somae produto de funcoes por: f + g e fg onde (f + g)(t) = f(t) + g(t) e (fg)(t) = f(t)g(t).a) Mostre que F(A) com estas duas operacoes e um anel.b) Mostre que se A e um anel comutativo entao F(A) tambem e anel comutativo.c) Mostre que se A e um anel com unidade entao F(A) tambem e anel com unidade.d) Se A e um corpo entao F(A) tambem e um corpo?15) Em cada caso, verifique se Z×Z e um anel com as operacoes dadas:a) (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) e (a, b) · (c, d) = (ad, bc);b) (a, b) + (c, d) = (a + d, b + c) e (a, b) · (c, d) = (ac, bd);c) (a, b) + (c, d) = (a + c, b + d) e (a, b) · (c, d) = (ac− bd, ad + bc).16) Quais sao os elementos invertıveis e quais sao os divisores de zero do anel Z2×Z3.

3.5 Subaneis

Definicao 3.4 Sejam A um anel e B um subconjunto nao vazio de A. Dizemos que B e um subanelde A se B e um anel com as operacoes de A restritas a B.

Exemplos 3.13 Z e um subanel de Q; Q e um subanel de R; R e um subanel de C; para cada ninteiro, nZ e um subanel de Z.

Exemplo 3.14 Z2 nao e um subanel de Z3, pois as operacoes sao distintas: em Z2, 1 + 1 = 0 e emZ3, 1 + 1 = 2 6= 0.

Exemplo 3.15 O anel Z×{0} e um subanel de Z×Z, ambos aneis com unidades, possuindo unidadesdistintas, sendo Z×{0} um domınio de integridade e Z×Z um anel com divisores de zero.

Proposicao 3.3 Sejam A um anel e B um subconjunto de A. Entao B e um subanel de A se, esomente se, as seguintes condicoes sao validas:a) 0 ∈ B

b) ∀a, b ∈ B, a− b ∈ B;c) ∀a, b ∈ B, ab ∈ B.Demonstracao: Se B e um subanel de A, entao B e um anel. Logo, as tres condicoes estao satisfeitas.Por outro lado, se valem as tres condicoes, temos que:- Por (a), 0 ∈ B.- Se b ∈ B, como 0 ∈ B entao, por (b), −b = 0− b ∈ B, mostrando que o inverso aditivo de b esta emB.

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Page 34: Matematica fcul

- Se a, b ∈ B entao −b ∈ B logo, por (b) a + b = a − (−b) ∈ B, mostrando que “+” e uma operacaoem B.- A condicao (c) garante que a multiplicacao de A, restrita a B, e uma operacao em B.- Como as propriedades associativa para “+” e “·”, a comutativa para “+” e a distributiva valem emA e B ⊆ A, entao essas propriedades valem em B.

Observacoes. Seja A um anel e B um subanel de A. Entao:- Se A e um anel comutativo entao B tambem e comutativo.- Podemos ter que A seja um corpo, sem que B o seja. Por exemplo, Z e um subanel de Q.- Temos tambem que 2Z ⊂ Z, sendo Z um domınio de integridade sem que 2Z o seja, pois 2Z naopossui unidade.- Podemos trocar a condicao “ a) 0 ∈ B ” por “ a) B 6= ∅ ” na proposicao anterior, pois se a ∈ B

entao, por (b), 0 = a− a ∈ B.

Podemos usar a proposicao anterior para mostrar que alguns conjuntos sao aneis, desde queestejam contidos um um anel.

Exemplos 3.161) Z[i] = {a + ib | a, b ∈ Z} e um anel, pois e subanel de C (verifique).

2) A =

{(a 00 b

)| a, b ∈ R

}e anel, pois e subanel de M2(R) (verifique). Neste caso A e um anel

comutativo, apesar de M2(R) nao o ser.

Exercıcios 3.31) Seja A = {a + b

√3 | a, b ∈ Q}. Verifique se A e um corpo.

2) Seja A = {2a + bi | a, b ∈ Z}. Verifique se A e um anel.3) Seja p um numero primo e seja A =

{a

b| a, b ∈ Z e p nao divide b

}. Mostre que A e um anel mas

nao e um corpo.4) Verifique se {n2 | n ∈ Z} e um anel com as operacoes de adicao e multiplicacao de inteiros.5) Sejam B e C subaneis de um anel A. Mostre que B ∩ C e um subanel de A.6) Seja B um subanel de A.a) Mostre que se A nao possui divisores de zero entao B tambem nao os possui.b) Mostre que se B e um anel com unidade e A e um domınio de integridade entao B e tambem umdomınio de integridade e que 1B = 1A.7) Seja a um elemento de um anel A e seja B = {b ∈ A | ab = ba}. Mostre que B e um subanel de A.8) Quais dos seguintes subconjuntos sao subaneis de M2(R)?

a) A =

{(a 00 0

)| a ∈ R

}b) A =

{(0 a

0 0

)| a ∈ R

}

c) A =

{(a b

0 0

)| a, b ∈ R

}d) A =

{(a 0b 0

)| a, b ∈ R

}

e) A =

{(a b

0 c

)| a, b, c ∈ R

}f) A =

{(a b

c 0

)| a, b, c ∈ R

}.

9) Quais dos seguintes subconjuntos sao subaneis de Z6? Nos casos onde sao subaneis, quais deles saocorpos?a) {0, 3} b) {0, 2, 4} c) {0, 1, 3, 5}.

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Page 35: Matematica fcul

10) Mostre que se A′ e um subanel do anel A e B′ e um subanel do anel B, entao A′×B′ e um subaneldo anel A×B.11) Mostre que se A e um subanel de Q e 1 ∈ A, entao Z ⊆ A.12) Mostre que Q nao contem subcorpos, isto e, se K e um subcorpo de Q entao K = Q.

3.6 Ideais

Definicao 3.5 Sejam A um anel e I um subconjunto nao vazio de A.a) Dizemos que I e um ideal a esquerda de A se:i) ∀a, b ∈ I, a− b ∈ I

ii) ∀r ∈ I, ∀a ∈ A, ar ∈ I (AI ⊆ I)b) Dizemos que I e um ideal a direita de A se:i) ∀a, b ∈ I, a− b ∈ I

ii) ∀r ∈ I, ∀a ∈ A, ra ∈ I (IA ⊆ I)c) Dizemos que I e um ideal bilateral (ou simplesmente um ideal) de A se I for um ideal a esquerdae a direita de A.

Observacoes1) {0} e A sao ideais bilaterais de A.2) Se A e um anel comutativo entao todo ideal a esquerda ( ou a direita) e bilateral pois ar = ra

∀a ∈ A, ∀r ∈ I.3) Se I e um ideal (a esquerda ou a direita) e se 1 ∈ I, entao I = A, pois para todo a ∈ A, a = a1 = 1a.Logo, a ∈ I.

4) Se I e um ideal a esquerda (ou a direita) entao:a) 0 ∈ I pois como I 6= ∅, existe a ∈ I. Logo, 0 = a− a ∈ I.b) Se a ∈ I, como 0 ∈ I entao −a = 0− a ∈ I.c) Se a, b ∈ I, como −b ∈ I entao a + b = a− (−b) ∈ I.d) Se a, b ∈ I, como a, b ∈ A entao ab ∈ I e ba ∈ I.e) I e um subanel de A.

Exemplos 3.171) Qualquer que seja n ∈ Z, nZ e um ideal de Z.

2) Temos que Z e um subanel de Q, mas Z nao e um ideal de Q (verifique).

3) O conjunto I =

{(a 0b 0

)| a, b ∈ R

}e um ideal a esquerda de M2(R) (verificar), mas nao e

um ideal a direita:

(1 01 0

)(1 11 1

)=

(1 11 1

).

4) Se A e um anel e a ∈ A entao aA = {ar | r ∈ A} e um ideal a direita de A e Aa = {ra | r ∈ A} eum ideal a esquerda de A.

Definicao 3.6 Seja A um anel comutativo e seja I um ideal de A. Dizemos que I e um ideal principalde A se existe a ∈ A tal que I = aA.

Proposicao 3.4 Todo ideal de Z e principal.Demonstracao: Seja I um ideal de Z. Se I = {0} entao I = 0Z e um ideal principal. Se I 6= 0entao existe a ∈ I, a 6= 0. Como −a = −1.a ∈ I, entao o conjunto I+ = {a ∈ I | a > 0} 6= ∅. Pelo

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Page 36: Matematica fcul

princıpio da boa ordenacao, ∃ d ∈ I+, d menor elemento de I+. Vamos mostrar que I = dZ. Comod ∈ I e I e um ideal de Z entao dZ = {dn | n ∈ Z} ⊆ I. Por outro lado, seja c ∈ I. Pelo algoritmoda divisao, existem q, r ∈ Z tais que c = qd + r e 0 ≤ r < d, logo, r = c− qd ∈ I pois c ∈ I e qd ∈ I.Como r < d e d e o menor elemento de I+ entao r = 0, ou seja, c = qd = dq ∈ dZ. Assim, I ⊆ dZ eportanto, I = dZ.

Exercıcios 3.41) Verifique se os seguintes conjuntos sao ideais a direita ou a esquerda de M2(Z).

a) I =

{(a b

0 0

)| a, b ∈ Z

}b) I =

{(a 00 b

)| a, b ∈ Z

}

c) I =

{(0 a

0 b

)| a, b ∈ Z

}

2) Verifique se os seguintes conjuntos sao ideais de Z6.a) {0, 2, 4} b) {0, 3} c) {1, 3, 5}3) Determine todos os ideais de Z4.4) Seja F o anel das funcoes f : R → R. Verifique se o conjunto I = {f ∈ F | f(1) = 0} e um idealde F .5) Mostre que se K e um corpo e se I e um ideal de K entao I = {0} ou I = K.6) Mostre que, se A e um anel comutativo com unidade tal que os unicos ideais de A sao {0} e A,

entao A e um corpo.7) Sejam I e J ideais de um anel A. Mostre que:a) I ∩ J e um ideal de A.

b) I + J = {a + b | a ∈ I e b ∈ J} e um ideal de A.

c) IJ =

{n∑

i=1

aibi | n ∈ N, n > 0, ai ∈ I e bi ∈ J

}e um ideal de A.

d) IJ ⊆ I ∩ J .e) I ⊆ I + J e J ⊆ I + J .f) Se A e um anel comutativo com unidade e se I e J sao ideais principais entao IJ e um idealprincipal.8) Seja a um elemento de um anel A. Mostre que o conjunto O(a) = {x ∈ A | xa = 0} e um ideal aesquerda de A.9) Sejam a, b ∈ A onde A e um anel. Mostre que o conjunto I = {ra + sb | r, s ∈ A} e um ideal aesquerda de A.10) Mostre que se I e um ideal do anel A e J e um ideal do anel B, entao I×J e um ideal do anelA×B.

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Page 37: Matematica fcul

3.7 Homomorfismos de aneis

Sejam A e A′ aneis. Vamos denotar as operacoes nestes aneis pelos mesmos sımbolos “+” e “.”.

Definicao 3.7 Sejam A e A′ aneis. Um homomorfismo de A em A′ e uma funcao f : A → A′ talque ∀a, b ∈ A, tem-se:i) f(a + b) = f(a) + f(b)ii) f(ab) = f(a)f(b)

Exemplos 3.181) Seja A um anel. Entao sao homomorfismos de aneis:

a) a aplicacao identidade i : A → A, i(a) = a ∀ a ∈ A;b) a aplicacao nula n : A → A′, n(a) = 0′ ∀ a ∈ A, onde 0′ e o zero de A′.

2) A funcao f : Z → Zn , f(a) = a onde a e o resto da divisao de a por n, e um homomorfismo deaneis.

3) A funcao f : C→ M2(R), f(a + ib) =

(a −b

b a

)∀ a + ib ∈ C, e um homomorfismo de aneis.

4) A funcaof : Z→ Z, f(a) = 2a, ∀ a ∈ Z nao e um homomorfismo de aneis.

Exercıcio 3.5 Verificar os exemplos acima.

3.8 Nucleo de um homomorfismo

Definicao 3.8 Seja f : A → A′ um homomorfismo de aneis. Chamamos de nucleo de f ao conjuntoN(f) = {a ∈ A | f(a) = 0′} onde 0′ e o zero de A′.

Exemplo 3.19 Para f : Z→ Zn, f(a) = a, N(f) = {rn | r ∈ Z} = nZ.

Exemplo 3.20 Para f : C→ M2(R), f(a + ib) =

(a −b

b a

), N(f) = {0} e a imagem de f e dada

por Im(f) = {f(a + ib) | a, b ∈ R} =

{(a −b

b a

)| a, b ∈ R

}.

Proposicao 3.5 Seja f : A → A′, um homomorfismo de aneis. Entao:a) 0 ∈ N(f), isto e, f(0) = 0′

b) f(−a) = −f(a) ∀a ∈ A

c) f(a− b) = f(a)− f(b) ∀a, b ∈ A

d) N(f) e um ideal de f

e) se A e anel com unidade entao f e o homomorfismo nulo se, e somente se, f(1) = 0′

f) f e homomorfismo injetivo se, e somente se, N(f) = {0}g) Im(f) e um subanel de A′, onde Im(f) = {f(a) | a ∈ A}Demonstracao: a) f(0) = f(0 + 0) = f(0) + f(0), logo, f(0) − f(0) = f(0) + f(0) − f(0) e assim,0′ = f(0).b) f(a) + f(−a) = f(a + (−a)) = f(a− a) = f(0) = 0′, logo, −f(a) = f(−a).c) f(a− b) = f(a + (−b)) = f(a) + f(−b) = f(a) + (−f(b)) = f(a)− f(b).d) Se a, b ∈ N(f) entao f(a) = f(b) = 0. Logo, f(a − b) = f(a) − f(b) = 0′ − 0′ = 0′. Assim,a− b ∈ N(f). Se a ∈ N(f) e r ∈ A entao f(ra) = f(r)f(a) = f(r)0′ = 0′ e f(ar) = f(a)f(r) =0′f(a) = 0′. Logo, ar ∈ N(f) e ra ∈ N(f). Assim, N(f) e um ideal de A.

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Page 38: Matematica fcul

e) Fica como exercıcio.f) Se f e injetiva e se a 6= 0, entao f(a) 6= 0′, pois f(0) = 0′. Logo, N(f) = {0}. Por outro lado, seN(0) = {0}, sejam a, b ∈ A com f(a) = f(b). Entao f(a− b) = f(a)− f(b) = f(b)− f(b) = 0′, logo,a− b ∈ N(f) = {0} e portanto a− b = 0, isto e, a = b. Assim, a e injetivo.g) Por (a), 0′ ∈ Im(f). Se x, y ∈ Im(f), digamos, x = f(a) e y = f(b) onde a, b ∈ A, entao:x − y = f(a) − f(b) = f(a − b) ∈ Im(f) e xy = f(a)f(b) = f(ab) ∈ Im(f). Assim, Im(f) e umsubanel de A′.

Definicao 3.9 Dizemos que f : A → A′ e um isomorfismo se f for um homomorfismo injetivo esobrejetivo. Dizemos que dois aneis A e A′ sao isomorfos, se existir um isomorfismo f : A → A′.Notacao: A ∼= A′.

Se os aneis A e A′ sao isomorfos, podemos identificar A com A′ pois, um isomorfismo, alemde ser uma bijecao, identifica as operacoes dos dois aneis e, deste modo, identifica tambem todas aspropriedades destes aneis. Por exemplo, se f : A → A′ e um isomorfismo, entao :- a e um divisor de zero de A se, e somente se f(a) e um divisor de zero de A′.- idem para a elemento invertıvel de A.

- ab = ba se, e somente se, f(a)f(b) = f(b)f(a)- A e um corpo se, e somente se, A′ e um corpo.

Exercıcios 3.61) Verifique se as funcoes a seguir sao homomorfismos de aneis:a) f : Z→ Z, f(n) = n + 1b) f : Z3 → Z6, f(n) = 2n

c) f : Z6 → Z3, f(n) = n

d) f : C→ R, f(a + bi) = a2 + b2

e) f : R→ M2(R), f(a) =

(a 00 a

)

f) f : Z[√

2] → Z[√

3], f(a + b√

2) = a + b√

3g) f : Z[

√2] → Z[

√2], f(a + b

√2) = a− b

√2

h) f : Z×Z −→ Z, f(a, b) = a + b;i) f : Z×Z −→ Z, f(a, b) = b;j) f : Z×Z −→ Z×Z, f(a, b) = (b,−a);k) f : C −→ R×R, f(a + bi) = (a, b);l) f : R −→ (R,⊕,¯), f(x) = 1− x, onde x⊕ y = x + y − 1 e x¯ y = x + y − xy;2) No exercıcio anterior, determine o nucleo e a imagem de cada homomorfismo.3) Sejam A e A′ aneis com unidade, e seja f : A → A′ um homomorfismo nao nulo de aneis. Mostreque:a) Se 1′ ∈ Im(f) entao f(1) = 1’;b) Se a e um elemento invertıvel de A e 1′ ∈ Im(f), entao f(a−1) = [f(a)]−1;c) Se A′ e um domınio de integridade, entaof(1) = 1′.4) Sejam f : A → A′ e g : A′ → A′′ homomorfismos. Mostre que a aplicacao composta gof tambem eum homomorfismo.5) Seja f : A → A′ um isomorfismo. Mostre que f−1 tambem e um isomorfismo.6) Sejam f : A → B um homomorfismo de aneis e J um ideal a esquerda (respectivamente a direita)de B. Mostre que o conjunto I = {a ∈ A | f(a) ∈ J} e um ideal a esquerda (respectivamente a direita)

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Page 39: Matematica fcul

de A.7) Sejam f : A −→ B um homomorfismo sobrejetivo de aneis e I e um ideal de A. Mostre que f(I) eum ideal de B.8) a) Seja A um anel e seja F(A) o conjunto de todas as funcoes de A em A. Mostre que F(A), comas operacoes dadas abaixo, e um anel com unidade.

f + g definida por (f + g)(a) = f(a) + g(a) ef ◦ g e a composicao de funcoes.

b) Verifique se o conjunto H(A) de todos os homomorfismos de A em A, com as operacoes acima,e um anel.9) Seja A o conjunto das sequencias de numeros reais, A = {(a1, a2, ..., an, ...) | ai ∈ R}. Em A

definimos as operacoes:(a1, a2, ..., an, ...) + (b1, b2, ..., bn, ...) = (a1 + b1, a2 + b2, ..., an + bn, ...) e(a1, a2, ..., an, ...) · (b1, b2, ..., bn, ...) = (a1 · b1, a2 · b2, ..., an · bn, ...)a) Verifique que A com as operacoes definidas acima e um anel comutativo com unidade.b) Verifique que as funcoes f, g : A → A, definidas porf(a1, a2, a3, ..., an, ...) = (a2, a3, ..., an, ...) eg(a1, a2, a3, ..., an, ...) = (0, a1, a2, ..., an, ...)sao homomorfismos.c) Para os homomorfismos f e g dados no item (b), verifique que f ◦ g = IdA, a funcao identidade,mas g◦f nao e a funcao identidade. Assim, no anel H(A) (veja exercıcio anterior) existem elementosa e b tais que ab=1, mas ba 6= 1.

3.9 Anel Quociente

Definicao 3.10 Sejam A um anel e I um ideal de A. Dizemos que dois elementos a, b ∈ A saocongruentes modulo I se a− b ∈ I.Notacao: a ≡ b (mod I) ( a e congruente a b modulo I).

Observe que o conceito “congruencia modulo I” e uma generalizacao da “congruencia modulon” para inteiros: dizer que a− b e multiplo de n e equivalente a dizer que a− b pertence ao ideal nZ.

Propriedades. Se a, b, c, d ∈ A entao1) a ≡ a (mod I) (reflexiva);2) Se a ≡ b (mod I) entao b ≡ a (mod I) (simetrica);3) Se a ≡ b (mod I) e b ≡ c (mod I) entao a ≡ c (mod I) (transitiva);4) Se a ≡ b (mod I) entao a + c ≡ b + c (mod I) e ac ≡ bc (mod I);5) Se a ≡ b (mod I) e c ≡ d (mod I) entao a + c ≡ b + d (mod I) e ac ≡ bd (mod I).Demonstracao: As provas de 1, 2, 3 e 4 sao imediatas. Faremos a prova da propriedade 5: sea ≡ b (mod I) e c ≡ d (mod I), por (4), ac ≡ bc (mod I), bc ≡ bd (mod I), a + c ≡ b + c (mod I) eb + c ≡ b + d (mod I). Logo, por (3), ac ≡ bd (mod I) e a + c ≡ b + d (mod I).

As propriedades 1, 2 e 3 garantem que a relacao “congruencia modulo I” e uma relacao deequivalencia. A classe de equivalencia de a ∈ A e o conjunto {b ∈ A | b − a ∈ I}. Assim, x ∈ {b ∈A | b− a ∈ I} ⇔ x− a = c ∈ I ⇔ x = a + c, c ∈ I ⇔ x ∈ a + I = {a + c | c ∈ I}.

Podemos entao denotar a classe de equivalencia de a por a + I e o conjunto quociente de A poresta relacao de equivalencia por A/I = {a + I | a ∈ A}.

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Page 40: Matematica fcul

Vamos definir uma estrutura de anel em A/I a partir das operacoes de A.

Para a + I, b + I ∈ A/I, definimos:(a + I) + (b + I) = (a + b) + I e(a + I)(b + I) = ab + I

Estas operacoes estao bem definidas pois, se a+I = a′+I e b+I = b′+I, isto e, se a ≡ a′ (mod I)e se b ≡ b′ (mod I) entao, pela Propriedade 5, ab ≡ a′b′ (mod I) e a + b ≡ a′ + b′ (mod I) logo,ab + I = a′b′ + I e (a + b) + I = (a′ + b′) + I, ou seja (a + I)(b + I) = (a′ + I)(b′ + I) e(a + I) + (b + I) = (a′ + I) + (b′ + I).

O zero de A/I e a classe 0 + I = I. Observe que a + I = I se, e somente se, a ∈ I.

Se A e anel com unidade 1, o elemento unidade de A/I e a classe 1 + I.Como exercıcio, verifique as demais condicoes para que A/I seja um anel.

Definicao 3.11 Chamamos o anel A/I = {a + I | a ∈ A} de anel quociente de A modulo I.

3.10 O Teorema do Isomorfismo

Proposicao 3.6 A funcao f : A → A/I definida por f(a) = a + I e um homomorfismo sobrejetivocom N(f) = I.Demonstracao: Fica como exercıcio.

Proposicao 3.7 (Teorema do isomorfismo) Seja f : A → B um homomorfismo sobrejetivo. Entaof : A/N(f) → B, definida por f(a + N(f)) = f(a) e um isomorfismo.Demonstracao: Temos que f esta bem definida pois se a+N(f) = b+N(f) entao a−b ∈ N(f). Logo,0 = f(a− b) = f(a)− f(b), isto e, f(a) = f(b), e portanto, f(a+N(f)) = f(a) = f(b) = f(b+N(f)).Temos tambem f e um homomorfismo de aneis pois:

f(a + N(f) + b + N(f)) = f(a + b + N(f)) = f(a + b) = f(a) + f(b) = f(a + N(f)) + f(b + N(f));f((a + N(f))(b + N(f))) = f(ab + N(f)) = f(ab) = f(a)f(b) = f(a + N(f))f(b + N(f)).

Fica como exercıcio verificar que f e bijetiva.

Corolario 3.8 Z/nZ ∼= Zn.Demonstracao: Basta aplicar a proposicao anterior para o homomorfismo f : Z→ Zn onde f(a) = a.

Corolario 3.9 Se f : A → B e um homomorfismo de aneis entao A/N(f) ∼= Im(f).Demonstracao: Como f : A → Im(f) e um homomorfismo sobrejetivo, pela proposicao anteriortemos o resultado.

Corolario 3.10 A/{0} ∼= A.Demonstracao: Basta tomar a aplicacao identidade Id : A → A.

Definicao 3.12 Sejam A um anel e P um ideal de A, P 6= A. Dizemos que P e um ideal primo deA se ab ∈ P , com a, b ∈ A, implicar em a ∈ P ou b ∈ P .

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Page 41: Matematica fcul

Exemplos 3.21 1) Sejam A = Z e P = pZ onde p e um numero primo. Temos que P e um idealprimo, pois, pZ 6= Z (1 /∈ pZ) e se a, b ∈ Z com ab ∈ pZ, digamos, ab = pn, para algum n ∈ Z, temosque p e um divisor de ab, e como p e um numero primo, entao p e um divisor de a ou de b. Logo,a ∈ pZ ou b ∈ pZ.2) A = Z e I = 6Z. Neste caso I nao e um ideal primo pois 2, 3 ∈ Z, 2 /∈ 6Z e 3 /∈ 6Z, mas2.3 = 6 = 6.1 ∈ 6Z.3) Em geral, se n nao e um numero primo, digamos, n > 0 e n = r.s onde r, s ∈ Z com r > 1 e s > 1entao r, s /∈ nZ, pois 0 < r, s < n, mas r.s = n ∈ nZ. Logo, nZ nao e um ideal primo.4) {0} e um ideal primo de Z.

Definicao 3.13 Sejam A um anel e M um ideal de A. Dizemos que M e um ideal maximal de A seM 6= A e nao existe ideal I de A com M ⊂ I ⊂ A.

Exemplos 3.22 1) Se p e um numero primo, entao pZ e um ideal maximal de Z, pois, se I e umideal de Z com pZ ⊆ I ⊆ Z (precisamos mostrar que I = pZ ou I = Z), se I = pZ, nada temos amostrar; se I 6= pZ, seja x ∈ I, x /∈ pZ, ou seja x e um inteiro que nao e multiplo de p, entao, omaximo divisor comum entre p e x e 1. Logo, existem r, s ∈ Z tais que 1 = rp+sx ∈ I pois p ∈ pZ ⊆ I

e x ∈ I. Assim, I = Z e portanto, pZ e um ideal maximal de Z.2) {0} nao e um ideal maximal de Z pois {0} ⊂ 2Z ⊂ Z.3) 15Z nao e um ideal maximal de Z pois 15Z ⊂ 3Z ⊂ Z.4) Se K e um corpo entao {0} e um ideal maximal de K, pois os unicos ideais de K sao {0} e K.

Proposicao 3.11 Sejam A um anel comutativo e P um ideal de A. Entao:a) A/P e um anel comutativo;b) A/P e um domınio de integridade se, e somente se, P e um ideal primo;c) A/P e um corpo se, e somente se, P e um ideal maximal.Demonstracao: a) Fica como exercıcio.b) Suponhamos A/P domınio de integridade. Sejam a, b ∈ A tal que ab ∈ P . Entao ab + P = P , logo,(a + P )(b + P ) = P . Como A/P e um domınio de integridade entao a + P = P ou b + P = P , ouseja, a ∈ P ou b ∈ P . Assim, P e um ideal primo.Por outro lado, seja P um ideal primo. Sejam a+P, b+P ∈ A/P tais que (a+P )(b+P ) = P . Entaoab + P = P , ou seja, ab ∈ P . Como P e um ideal primo entao a ∈ P ou b ∈ P , ou seja, a + P = P

ou b + P = P . Assim, A/P e um domınio de integridade.c) Suponhamos A/P corpo. Seja I um ideal de A tal que P ⊂ I ⊆ A. Entao existe a ∈ I − P , logo,a + P 6= P . Como A/P e um corpo, existe b + P ∈ A/P tal que (a + P )(b + P ) = 1 + P , ou seja,ab + P = 1 + P , logo, ab − 1 ∈ P ⊂ I, portanto, ab − 1 = c ∈ I. Como a ∈ I, entao ab ∈ I, logo,1 = ab− c ∈ I e portanto, I = A. Assim, P e um ideal maximal de A.Por outro lado, seja P um ideal maximal. Se a + P ∈ A/P com a + P 6= P , entao a /∈ P , logo,P ⊂ P + aA ⊆ A. Como P e maximal, entao aA + P = A e como 1 ∈ A = P + aA, existemb ∈ P e r ∈ A tais que b + ar = 1. Logo, ar − 1 = b ∈ P , ou seja, ar + P = 1 + P e portanto,(a + P )(r + P ) = ar + P = 1 + P . Assim, todo elemento nao nulo de A/P e invertıvel e portanto,A/P e um corpo.

Corolario 3.12 Todo ideal maximal e primo.Demonstracao: Se P e um ideal maximal de um anel A, entao A/P e um corpo, logo A/P e umdomınio de integridade e portanto, P e um ideal primo.

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Corolario 3.13 Todo ideal primo nao nulo de Z e maximal.Demonstracao: Se P e um ideal primo nao nulo de Z, entao P = pZ onde p e um numero primo.Portanto, pZ e um ideal maximal.

Corolario 3.14 Seja A um anel comutativo. Entao:a) A e um domınio de integridade se, e somente se, {0} e um ideal primo.b) A e um corpo se, e somente se, {0} e um ideal maximal.Demonstracao: Pelo Corolario 3.10, A ≡ A/{0}, logo, basta aplicar a proposicao anterior.

Exemplo 3.23 Tomando A = Z×Z temos que (1, 0)(0, 1) = (0, 0), logo {(0, 0)} nao e um ideal primode A e portanto A nao e um domınio de integridade. Seja a funcao f : Z×Z → Z definida porf(a, b) = b. Verifique que f e um homomorfismo sobrejetivo. Temos que N(f) = {(a, 0) | a ∈ Z}.Assim, pelo Teorema do homomorfismo, (Z×Z)/N(f) ≡ Z. Como Z e um domınio de integridade,mas nao e um corpo, temos que N(f) e um ideal primo, mas nao e um ideal maximal.

Exercıcios 3.71) Sejam A um anel comutativo, A′ um domınio de integridade e f : A → A′ um homomorfismo deaneis. Mostre que N(f) = A ou N(f) e um ideal primo de A.2) Sejam P = {0, 2, 4, 6} e Q = {0, 4} ideais de Z8. Verifique se P e Q sao ideais primos.3) Mostre, atraves de um exemplo, que pode acontecer de A ser um domınio de integridade, sem queA/I seja um domınio de integridade.4) Sejam F(R) = {f : R→ R | f e funcao } o anel das funcoes definido em na lista de exercıcios 3.2,a ∈ R e P = {f ∈ F(A) | f(a) = 0}. Mostre que P e um ideal maximal. Sugestao: Tome a funcaoG : F(A) → R definida por G(f) = f(a) e aplique as proposicoes 3.7 e 3.11.

3.11 O corpo de fracoes

O corpo dos numeros racionais e obtido a partir do anel dos inteiros atraves de uma relacao deequivalencia em Z×Z∗. A tecnica utilizada pode ser aplicada na aqui, de forma que dado um domıniode integridade, possamos construir um corpo (que e o menor possıvel) que contenha este anel.

Seja A um domınio de integridade e seja A∗ = A − {0}. Vamos definir uma relacao em A×A∗

por (a, b) ≡ (c, d) se, e somente se, ad = bc. Esta e uma relacao de equivalencia em A×A∗ pois paraquaisquer (a, b), (c, d), (e, f) ∈ A×A∗ valem as propriedades:a) reflexiva: Como ab = ba entao (a, b) ≡ (a, b).b) simetrica: Se (a, b) ≡ (c, d) entao ad = bc, logo, cb = da e portanto, (c, d) ≡ (a, b).c) transitiva: Se (a, b) ≡ (c, d) e (c, d) ≡ (e, f) entao ad = bc e cf = de. Fazendo o produto naprimeira igualdade por f e na segunda por b temos adf = bcf e bcf = bde, logo, adf = bde e entao,afd = bed. Como d 6= 0 e A e um domınio de integridade, podemos cancelar d. Assim, af = be, ouseja, (a, b) ≡ (e, f).

Se (a, b) ∈ A×A∗, vamos denotar sua classe de equivalencia por (a, b) = {(c, d) ∈ A×A∗ | (c, d) ≡(a, b)}. Vamos tambem denotar o conjunto quociente por Q(A), isto e,Q(A) = {(a, b) | (a, b) ∈ A×A∗} = {(a, b) | a, b ∈ A e b 6= 0}A partir das operacoes do anel de A, vamos induzir operacoes em Q(A) e mostrar que Q(A), comestas operacoes, e um corpo.

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Para (a, b), (c, d) ∈ Q(A) definimos: (a, b) + (c, d) = (ad + bc, bd) e (a, b) · (c, d) = (ac, bd)Temos que (a, b) + (c, d) e (a, b) · (c, d) estao em Q(A), pois ad + bc, ac, bd ∈ A e bd 6= 0.Precisamos verificar que estas operacoes estao bem definidas.

Sejam (a, b), (c, d), (a′, b′), (c′, d′) ∈ Q(A) tais que (a, b) = (a′, b′) e (c, d) = (c′, d′), isto e, ab′ = ba′ ecd′ = dc′. Precisamos mostrar que (a, b) + (c, d) = (a′, b′) + (c′, d′) e (a, b) · (c, d) = (a′, b′) · (c′, d′).(a, b) + (c, d) = (a′, b′) + (c′, d′) ⇔ (ad + bc, bd) = (a′d′ + b′c′, b′d′) ⇔ (ad + bc)b′d′ = (a′d′ + b′c′)bd ⇔adb′d′+bcb′d′ = a′d′bd+b′c′bd ⇔ ab′dd′+cd′bb′ = ba′dd′+dc′bb′ que e valida pois ab′ = ba′ e cd′ = dc′.(a, b) · (c, d) = (a′, b′) · (c′, d′) ⇔ (ac, bd)(a′c′, b′d′) ⇔ acb′d′ = a′c′bd ⇔ ab′cd′ = ba′dc′ que e valida poisab′ = ba′ e cd′ = dc′.Assim, as operacoes estao bem definidas. Resta provar entao que Q(A) e um corpo com as operacoesdefinidas acima, mas isto e um trabalho de rotina e fica como exercıcio.

Definicao 3.14 O corpo Q(A) e chamado corpo de fracoes de A.

Seja f : A → Q(A) definida por f(a) = (a, 1). E facil verificar que f e um homomorfismoinjetivo e que Im(f) = {(a, 1) | a ∈ A}. Assim, A ∼= A/{0} ∼= Im(f), logo A ∼= {(a, 1) | a ∈ A} epodemos considerar A como um subanel de Q(A) identificando A com Im(f) em Q(A).

Se A e um domınio de integridade e K e um corpo que contem A, definimos f : Q(A) → K porf((a, b)) = ab−1. Verifique que f e um homomorfismo injetivo. Assim, Q(A) ≡ Im(f), isto e, Q(A) eisomorfo a um subcorpo de K que contem A. Neste sentido, Q(A) e o menor corpo que contem A.

3.12 Anel de polinomios

Estudaremos aqui os aneis de polinomios em uma variavel x. Se K e um corpo, veremos queexiste muita coisa em comum entre o anel de polinomios sobre K e o anel dos inteiros, como porexemplo, o algoritmo da divisao, o maximo divisor comum e a nocao de elementos irredutıveis (osnumeros primos, no caso dos inteiros).

Para nao nos tornarmos repetitivos vamos considerar daqui para a frente que A e um domıniode integridade e K e sempre um corpo. Assim, todo resultado que vale para A, vale tambem para K,ja que todo corpo e domınio de integridade.

Seja A[x] o conjunto dos polinomios sobre A, isto e, de todas as expressoes da forma f(x) =anxn +an−1x

n−1 + · · ·+a1x+a0 onde n ∈ N e, para cada i, ai ∈ A. Dizemos que an, an−1, · · · , a1, a0

sao os coeficientes de f e para cada i > 0, ai e o coeficiente de xi e a0 e o termo independente.Vamos considerar que podemos omitir tambem os termos 0xm da expressao do polinomio. Por

exemplo, x3 − 2 = x3 + 0x2 + 0x− 2 = 0x5 + 0x4 + x3 + 0x2 + 0x− 2.Se f, g ∈ A[x], dizemos que f = g se, e somente se, f e g tem os mesmos coeficientes, isto e, se

f(x) = anxn + an−1xn−1 + · · ·+ a1x + a0 e g(x) = bmxm + bm−1x

m−1 + · · ·+ b1x + b0 entao n = m eai = bi para todo i.

Vamos definir uma estrutura de anel em A[x]. Para f(x) = anxn + an−1xn−1 + · · ·+ a1x + a0 e

g(x) = bmxm + bm−1xm−1 + · · ·+ b1x + b0 em A[x], definimos:

a) Adicao: Se n > m escrevemos g(x) = 0xn + · · · + 0xm+1bm−1xm−1 + bmxm + · · · + b1x + b0, isto

e, bi = 0 para i > m. Do mesmo modo, se m > n, escrevemos f(x) = 0xm + · · · + 0xn+1 + anxn +

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an−1xn−1 + · · · + a1x + a0 , isto e, consideramos ai = 0 para i > n. Assim, podemos supor n = m e

definir f(x) + g(x) = (an + bn)xn + · · ·+ (a1 + b1)x + (a0 + b0).b) Produto: f(x)g(x) = cm+nxm+n + · · ·+ ckx

k + · · ·+ c1x+ c0 onde, para cada k com 0 ≤ k ≤ m+n,ck =

∑i+j=k

aibj . Assim, c0 = a0b0, c1 = a0b1 + a1b0, c2 = a2b0 + a1b1 + a0b2, · · · , cn+m = anbm.

Exemplo 3.24 . Sejam f(x) = x2 + 1 e g(x) = x3 + 2x − 1 polinomios sobre Q[x]. Temos a0 =1, a1 = 0, a2 = 1, a3 = 0, b0 = −1, b1 = 2, b2 = 0 e b3 = 1. Entao,f(x) + g(x) = x3 + x2 + 2x ef(x)g(x) = x5 + 3x3 − x2 + 2x− 1 poisc5 = a2b3 = 1·1 = 1c4 = a2b2 + a1b3 = 1·0 + 0·1 = 0c3 = a2b1 + a1b2 + a0b3 = 1·2 + 0·0 + 1·1 = 3c2 = a2b0 + a1b1 + a0b2 = 1·(−1) + 0·2 + 1·0 = −1c1 = a1b0 + a0b1 = 0·1 + 1·2 = 2c0 = a0b0 = 1·(−1) = −1

Exercıcio 3.8 Verifique que A[x], com as operacoes definidas acima, e um anel comutativo.

Definicao 3.15 Chamamos A[x] de anel dos polinomios sobre A.

Definicao 3.16 Se f(x) = anxn + · · · + a1x + a0 ∈ A[x] com an 6= 0, dizemos que f tem grau n .Caso f(x) = 0, dizemos f tem grau −∞.Notacao: ∂f para o grau de f .

Exemplo 3.25 Para f(x) = 3x5 − 2x2, ∂f = 5; para g(x) = 2, ∂g = 0; para h(x) = 0, ∂h = −∞.

Definimos, para cada n ∈ N:−∞+ n = n +−∞ = −∞;−∞+−∞ = −∞;−∞ < n ∀n ∈ N;0n = 0, para n > 0;f(x)0 = 1 se f(x) 6= 0.

Assim, x0 = (x2 + x− 1)0 = 1 e 00 nao esta definido.

Proposicao 3.15 Sejam f, g ∈ A[x]. Entao:a) ∂(fg) = ∂f + ∂g

b) ∂(f + g) ≤ max{∂f, ∂g} (= o maior numero entre ∂f e ∂g )c) Se ∂f 6= ∂g entao ∂(f + g) = max{∂f, ∂g}Demonstracao: Sejam f(x) = anxn + · · ·+ a1x + a0 e g(x) = bmxm + · · ·+ b1x + b0.Se f=0 ou g=0 entao fg=0 e ∂(fg) = ∂0 = −∞ = ∂f + ∂g pois ∂f = −∞ ou ∂g = −∞.Se f 6= 0 e g 6= 0 vamos considerar an 6= 0 e bm 6= 0, isto e, ∂f = n e ∂g = m. Entao fg = cn+mxn+m

+ (termos de grau menores que n + m). Como cn+m = anbm 6= 0 entao ∂(fg) = n + m = ∂f + ∂g.As provas de b) e c) ficam como exercıcio.

Exemplo 3.26 Sejam f(x) = 2x3 − 3x + 1 e g(x) = −2x3 + x2 − 5. Entao (f + g)(x) = x2 − 3x− 4e neste caso ∂(f + g) < max{∂f, ∂g}.

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Corolario 3.16 A[x] e um domınio de integridade.Demonstracao: . Sejam f, g ∈ A[x] com f 6= 0 e g 6= 0. Entao ∂(fg) = ∂f + ∂g ≥ 0 + 0 = 0 > −∞.Logo, fg 6= 0. Assim, A[x] e um domınio de integridade.

Veremos a seguir que, assim como no anel dos inteiros, podemos ter um algoritmo da divisaotambem em K[x], isto e, se f, g ∈ K[x] com g 6= 0, podemos dividir f por g obtendo um quociente q

e um resto r.

Proposicao 3.17 (Algoritmo da divisao): Sejam f, g ∈ K[x] com g 6= 0. Entao existem unicosq, r ∈ K[x] com ∂r < ∂g e tais que f = qg + r.Demonstracao: Existencia: Se ∂f < ∂g, tomamos q = 0 e r = f .Se ∂f ≥ ∂g, vamos proceder por inducao sobre ∂f ∈ N.Se ∂f = 0 entao ∂g = 0, logo, f, g ∈ K − 0 e f = fg−1g + 0, isto e, q = fg−1 e r = 0.Hipotese de inducao: A proposicao vale sempre que ∂f < n e n > 0.Tomando f(x) = anxn + · · · a1x + a0 e g(x) = bmxm + · · · b1x + b0 com an 6= 0 e bm 6= 0, sejah(x) = f(x) − an(bm)−1g(x)xn−m = anxn + · · · a1x + a0 − an(bm)−1(bmxm + · · · b1x + b0)xn−m =anxn+· · · a1x+a0−(anxn+termos com graus menores que n). Temos entao h(x) = an−1x

n−1+(termosde grau < n) ∈ K[x] e ∂h < n.Pela hipotese de inducao, existem q, r ∈ K[x] com ∂r < ∂g tais que h = qg + r. Mas h = f −xn−man(bm)−1g, logo, f = h+xn−man(bm)−1g = qg+r+xn−man(bm)−1g = (q+xn−man(bm)−1)g+r,ficando provada a existencia.Unicidade. Se f = q1g + r1 = q2g + r2 com ∂r1, ∂r2 < ∂g, entao r1 − r2 = (q2 − q1)g. Logo,∂(r1 − r2) = ∂((q1 − q2)g) = ∂(q1 − q2) + ∂g. Mas ∂(r1 − r2) ≤ max{∂r1, ∂r2} < ∂g. Logo,∂(q1 − q2) = −∞, isto e, q1 = q2. Como q1g + r1 = q2g + r2 entao r1 = r2, ficando provada aunicidade.

Proposicao 3.18 Sejam f, g ∈ A[x] com g 6= 0. Suponhamos g(x) = xm + · · · + b1x + b0, isto e, ocoeficiente do termo de maior grau de g sendo 1. Entao existem unicos q, r ∈ A[x] com ∂r < ∂g e taisque f = qg + r.Demonstracao: A prova desta proposicao e mesma da proposicao anterior, considerando bm = 1.

Exemplo 3.27 Sejam f(x) = x4 + x2 + 1 e g(x) = x2 − x polinomios sobre Z. Entao f(x) =x4 +0x3 +x2 +0x+1 = (x2 +x+2)(x2−x)+ 2x+1. Assim, para q(x) = x2 +x+2 e r(x) = 2x+1,temos f = qg + r onde q, r ∈ Z[x] e ∂r < ∂g.

Exercıcios 3.91) Escreva f = qg + r com ∂r < ∂g, para f, g, q, r ∈ Z[x], em cada caso.a) f(x) = x4 − 1 e g(x) = x2 + 1b) f(x) = x3 + x2 + x + 1 e g(x) = x2 − 2c) f(x) = x2 − 1 e g(x) = x3 + 1d) f(x) = x5 − 1 e g(x) = x− 1e) f(x) = xn − 1, n ∈ N∗ e g(x) = x− 1f) f(x) = xn + 1 n ∈ N∗, n ımpar e g(x) = x + 12) Determine a soma e o produto dos polinomios f(x) = x3 + 3x2 + 2x + 1, g(x) = x4 + 3x + 4 sobreZ5.3) Desenvolver a potencia (x + 1)3 em Z2.

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Definicao 3.17 Sejam f(x) ∈ A[x] e a ∈ A. Dizemos que a e uma raiz de f(x) se f(a) = 0.

Exemplo 3.28 Para f(x) = x2 + 1 ∈ C[x], i e −i sao raızes de f .

Exemplo 3.29 Para f(x) = x2 + 1 ∈ R[x], f nao tem raızes em R.

Exemplo 3.30 Se f(x) = ax + b ∈ K[x], com a 6= 0 entao −ba−1 e uma raiz de f .

Proposicao 3.19 Sejam f ∈ A[x] e a ∈ A. Entao a e raiz de f se, e somente se, existe um polinomioh ∈ A[x] tal que f = (x− a)h.Demonstracao: Fica como exercıcio. Sugestao: aplique o algoritmo da divisao para g(x) = x− a.

Proposicao 3.20 Seja f ∈ A[x] com ∂f = n ≥ 0. Entao f tem no maximo n raızes distintas.Demonstracao: Por inducao sobre n = ∂f . Se n = 0 entao f(x) = a ∈ A, a 6= 0, logo f nao temraızes.Hipotese de inducao: n ≥ 0 e a proposicao e valida para todo polinomio com grau n. Seja ∂f = n+1.Se f nao tem raızes, nada temos a provar. Se f tem pelo menos uma raiz, digamos, a ∈ A e raiz de f ,pela proposicao anterior, existe g ∈ A[x] tal que f = (x−a)g. Entao n+1 = ∂f = ∂(x−a)+∂g = 1+∂g,logo, ∂g = n. Assim, pela hipotese de inducao, g tem no maximo n raızes. Observe que se b ∈ A

entao f(b) = (a− b)g(b), logo, b e raiz de f se, e somente se, b = a ou b e raiz de g. Assim, f tem nomaximo uma raiz a mais que g. Logo, f tem no maximo n+1 raızes, ficando provada a proposicao.

Exemplo 3.31 O polinomio f(x) = (x−1)2x3 tem exatamente duas raızes: 0 e 1, pois f(0) = f(1) =0 e se a ∈ C, a 6= 0 e a 6= 1 entao a− 1 6= 0 e f(a) = (a− 1)2a3 6= 0.

Seja f ∈ A[x] e seja a ∈ A, a raiz de f . Entao f = (x − a)g para algum g ∈ A[x]. Se a forraiz de g entao g = (x − a)h para algum h ∈ A[x], logo, f = (x − a)2h. Continuando este processo,chegamos em f = (x− a)mk onde k ∈ A[x] e a nao e raiz de k.

Definicao 3.18 No paragrafo acima, dizemos que m e a multiplicidade de a em f .

Exemplo 3.32 f(x) = x3 − x2 − x + 1 = (x − 1)2(x + 1). A multiplicidade de 1 em f e 2; amultiplicidade de −1 em f e 1; a multiplicidade de 3 em f e zero.

Exercıcios 3.101) Seja a uma raiz de f ∈ A[x]. Mostre que a multiplicidade de a em f e maior que 1 se, e somentese, a e raiz de f ′ onde f ′ e a derivada de f em relacao a x.2) Verifique se f(x) = x4 + x ∈ R[x], tem raızes com multiplicidade m > 1.3) Verifique se f(x) = x4+x ∈ Z3[x], tem raızes com multiplicidade m > 1. Encontre a multiplicidade.4) Mostre que f(x) = xn − 1 ∈ C[x], nao tem raızes com multiplicidade m > 1.5) Qual a multiplicidade de 1 em f(x) = x4 − 2x3 + 2x2 − 2x + 1 ∈ Q[x].

3.13 Ideais principais e maximo divisor comum

Como no caso dos numeros inteiros, vamos verificar que todo ideal em K[x] e principal. Apartir daı, vamos mostrar a existencia de maximo divisor comum entre dois polinomios.

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Proposicao 3.21 Todo ideal de K[x] e principal.Demonstracao: Seja I um ideal de K[x]. Se I = (0) entao I = 0K[x] e um ideal principal. SeI 6= 0, existe f ∈ I, f 6= 0. Como {∂f | f ∈ I, f 6= 0} ⊆ N e {∂f | f ∈ I, f 6= 0} 6= ∅ entao{∂f | f ∈ I, f 6= 0} possui um menor elemento, digamos ∂g, ou seja, g e um elemento nao nulo deI, de menor grau. Para cada f ∈ I, aplicando o algoritmo da divisao para f e g, temos que existemq, r ∈ K[x] com ∂r < ∂g tais que f = qg + r. Logo r = f − qg ∈ I pois f, g ∈ I. Como ∂g e o menorpossıvel entre os polinomios nao nulos de I e ∂r < ∂g, entao r = 0, ou seja f = qg = gq ∈ gK[x].Assim, I ⊆ gK[x]. Mas como g ∈ I entao gK[x] ⊆ I e portanto I = gK[x].

Exemplo 3.33 Seja I = {f ∈ Q[x] | f(0) = 0}. Vamos verificar que I e um ideal de Q[x]. Pelaproposicao anterior, sabemos que todo ideal de Q[x] e principal. Assim, vamos procurar um polinomiop(x) ∈ Q[x] tal que I = p(x)Q[x].

Se f ∈ I entao f(0) = 0, isto e, 0 e raiz de f . Logo, f = (x− 0)g = xg para algum g ∈ Q[x] eportanto, f ∈ xQ[x]. Assim, I ⊆ xQ[x]. Por outro lado, se f ∈ xQ[x], entao f(x) = xg(x), portantof(0) = 0g(0) = 0. Logo, xQ[x] ⊆ I. Assim, I = xQ[x].

Exercıcios 3.111) Determine quais dos seguintes conjuntos sao ideais de R[x]. Nos casos de ideais, determine f ∈ R[x]tal que I = fR.a) I = {f ∈ R[x] | f(1) = f(−1) = 0}b) I = {f ∈ R[x] | f(0) = 1}c) I = {f ∈ R[x] | f(1) 6= 0}d) I = {f ∈ R[x] | f(1) = f(2)}2) Mostre que o ideal I = 2Z[x] + xZ[x] e um ideal nao principal de Z[x].

Definicao 3.19 Sejam f, g ∈ A[x]. Dizemos que f divide g (ou que f e um divisor de g) se existeh ∈ A[x] tal que g = fh, isto e, se g ∈ fA[x].Notacao: f |g.

Se f e g sao polinomios nao nulos de A[x] e se f |g e g|f , existem h1, h2 ∈ A[x] tais que g = h1f ef = h2g. Entao, f = h2h1f e assim, ∂f = ∂h1 +∂h2 +f , ou seja ∂h1 +∂h2 = 0. Logo, ∂h1 = ∂h2 = 0,ou seja, h1, h2 ∈ A. Assim, f = ag onde a ∈ A.

Proposicao 3.22 (existencia do maximo divisor comum): Sejam f, g ∈ K[x], f 6= 0 e g 6= 0. Entaoexiste h ∈ K[x] tal que:a) h|f e h|gb) Se h′ ∈ K[x] e h′|f e h′|g entao h′|hc) Existem h1, h2 ∈ K[x] tais que h = h1f + h2g

Neste caso dizemos que h e um maximo divisor comum de f e g.Demonstracao: a) Seja o ideal I = fK[x] + gK[x]. Pela Proposicao 3.21, existe h ∈ K[x] tal queI = hK[x]. Temos f = f.1 + g.0 ∈ I = hK[x]. Logo, existe f1 ∈ K[x] tal que f = hf1, isto e, h|f . Demodo analogo, h|g.b) e c) Se h′|f e h′|g existem f1, g1 ∈ K[x] tais que f = h′f1 e g = h′g1. Como h = h.1 ∈hK[x] = fK[x] + gK[x], existem h1, h2 ∈ K[x] tais que h = fh1 + gh2 (mostrando c). Logo, h =h′f1h1 + h′g1h2 = h′(f1h1 + g1h2), isto e, h′|h (mostrando b).

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Definicao 3.20 Dizemos que um polinomio f ∈ A[x] e unitario se o coeficiente de maior grau de f

e 1, isto e, se ∂f = n e f = xn + an−1xn−1 + · · ·+ a0.

Exemplo 3.34 Os polinomios x2 + 2x− 5, 1, x7 − 3 sao polinomios unitarios.

Se h ∈ K[x] e um maximo divisor comum de f, g ∈ K[x] e se o coeficiente de maior grau de h ea ∈ K, a 6= 0, entao a−1h e um maximo divisor comum de f e g e a−1f e unitario.

Se h e um maximo divisor comum de f e g e se h e unitario, entao h e unico com esta propriedade,isto e, se h e h′ sao maximos divisores comuns de f e g e se h e h′ sao unitarios entao h = h′. (Verifique)

Exercıcio 3.12 Verifique que o mesmo algoritmo para calcular o maximo divisor comum de numerosinteiros, pode ser usado para polinomios sobre um corpo K.

Exemplo 3.35 Para os polinomios f(x) = x5 + 2x4 + 2x2 − 5 e g(x) = x4 + x− 2 vamos determinarum maximo divisor comum.Aplicamos sucessivamente o algoritmo da divisao ate chegar em resto zero:x5 + 2x4 + 2x2 − 5 = (x + 2)(x4 + x− 2) + x2 − 1x4 + x− 2 = (x2 + 1)(x2 − 1) + (x− 1)x2 − 1 = (x + 1)(x− 1)Assim, um maximo divisor comum de f e g e o polinomio x − 1, que e o ultimo resto diferente dezero.

Exercıcios 3.131) Sejam f, g, h ∈ A[x]. Mostre que se h|f e h|g entao:a) h|(f + g)b) h|kf ∀ k ∈ A[x]c) h|(k1f + k2g) ∀ k1, k2 ∈ A[x]2) Determine um maximo divisor comum dos polinomios x4 + 3x2 − 10x− 20 e x3 − 2x− 4

3.14 Polinomios irredutıveis

Veremos agora que os polinomios irredutıveis em K[x] possuem propriedades analogas as dosnumeros primos, no anel dos inteiros.

Definicao 3.21 Dizemos que um polinomio f ∈ A[x], f /∈ A e irredutıvel sobre A, se para todafatoracao de f na forma f = gh com f, g ∈ A[x] implica que g ∈ A ou h ∈ A, isto e, se f nao sefatora como produto de polinomios de graus menores que o grau de f . Caso contrario, dizemos que f

e redutıvel sobre A.

Exemplo 3.36 Se f ∈ K[x] e ∂f = 1 entao f e irredutıvel sobre K.

Exemplo 3.37 f(x) = x2 − 2 e irredutıvel sobre Q (verifique) mas e redutıvel sobre R poisf(x) = (x +

√2)(x−√2).

Lema 3.23 Sejam f, g ∈ K[x]. Entao:a) Se fK[x] ⊆ gK[x] entao ∂f ≥ ∂g

b) Se fK[x] ⊆ gK[x] e ∂f = ∂g entao fK[x] = gK[x]c) Se fK[x] = gK[x] entao ∂f = ∂g

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d) fK[x] = K[x] se, e somente se, f ∈ K e f 6= 0Demonstracao: Fica como exercıcio.

Observe que os ıtens (a) e (c) tambem valem se tomarmos um domınio de integridade A emlugar deK. Encontre exemplos em Z[x] onde nao valem os ıtens (b) e (d).

Proposicao 3.24 Seja p ∈ K[x] com ∂p ≥ 1. Sao equivalentes:a) p e um polinomio irredutıvel;b) pK[x] e um ideal maximal.Demonstracao: Seja p um polinomio irredutıvel e seja I um ideal de K[x], tal que pK[x] ⊆ I ⊆ K[x].Pela Proposicao 3.21, existe h ∈ K[x] tal que I = hK[x]. Como p ∈ pK[x] ⊆ I = hK[x] entao existeg ∈ K[x] tal que p = hg. Como p e irredutıvel entao h ∈ K ou g ∈ K. Se h ∈ K, pelo lema anterior,I = hK[x] = K[x]. Se g ∈ K, como g 6= 0 entao ∂p = ∂h + ∂g = ∂h + 0 = ∂h. Logo, pelo lemaanterior, pK[x] = hK[x] = I. Assim, pK[x] e um ideal maximal.

Por outro lado, se pK[x] e um ideal maximal e se p = fg, entao p ∈ fK[x]. Logo, pK[x] ⊆fK[x]. Como pK[x] e um ideal maximal entao pK[x] = fK[x] ou fK[x] = K[x]. Se pK[x] = fK[x],entao, pelo lema anterior, ∂p = ∂f , logo, ∂g = 0. Se fK[x] = K[x], tambem, pelo lema anterior,∂f = 0. Assim, f ∈ K ou g ∈ K e portanto, p e um polinomio irredutıvel.

Corolario 3.25 Seja p um polinomio irredutıvel de K[x] e sejam f, g ∈ K[x]. Se p|fg entao p|f oup|g.Demonstracao: Suponhamos entao p|fg, isto e, fg ∈ pK[x]. Como, pela proposicao anterior, pK[x]e um ideal maximal, entao pK[x] e um ideal primo, logo f ∈ pK[x] ou g ∈ pK[x], isto e, p|f ou p|g.

Exercıcio 3.14 Seja p ∈ K[x] irredutıvel e sejam f1, f2, . . . , fn ∈ K[x]. Mostre que se p|(f1f2 . . . fn)entao p|fi para algum i ∈ {1, 2, ..., n}.

3.15 Fatoracao em polinomios irredutıveis

Dado um numero inteiro n > 1, podemos escrever n como um produto de numeros primos. Nocaso de polinomios, vamos mostrar que se f ∈ K[x] e ∂f ≥ 1 (isto e, se f 6= 0 e f nao e invertıvel emK[x]), entao f pode ser escrito como um produto de polinomios irredutıveis. O caso onde K = C emais simples, por C ser algebricamente fechado.

Definicao 3.22 Dizemos que um corpo K e algebricamente fechado se todo polinomio com grau po-sitivo e com coeficientes em K possui uma raiz em K.

Exemplo 3.38 C e algebricamente fechado. Este resultado e conhecido como “Teorema Fundamentalda Algebra” e sua demonstracao pode ser encontrada em textos de funcoes de uma variavel complexa.

Exemplo 3.39 R nao e algebricamente fechado. O polinomio f(x) = x2 + 1 ∈ R[x] nao tem raızesem R, pois para qualquer r ∈ R, f(r) = r2 + 1 ≥ 1.

Proposicao 3.26 Se K e um corpo algebricamente fechado e se f ∈ K[x] com ∂f ≥ 1, entao f sefatora em um produto de polinomios de grau 1, isto e existem c, a1, a2, ..., an ∈ K tais que f(x) =c(x− a1)(x− a2) . . . (x− an).Demonstracao: Por inducao sobre n = ∂f .

49

Page 50: Matematica fcul

Em vista da proposicao anterior, temos que em um corpo algebricamente fechado, os unicospolinomios irredutıveis sao os de grau 1.

Proposicao 3.27 Seja f ∈ K[x] com ∂f ≥ 1. Entao f pode ser escrito na forma f = p1p2 . . . pn

onde, para cada i, pi e um polinomio irredutıvel. Alem disso, tal expressao e unica, a menos da ordemdos pi’s e a menos de fatores constantes nao nulos.Demonstracao: Existencia da fatoracao. Por inducao sobre m = ∂f .

Se ∂f = 1 entao f = ax + b e irredutıvel.Suponhamos que a proposicao vale para todo g ∈ K[x] com 1 ≤ ∂g < m. Seja ∂f = m. Se

f e irredutıvel, nada ha a provar. Se f = gh com g, h ∈ K[x] e ∂g, ∂h > 1, como ∂f = ∂g + ∂h

entao ∂g < m e ∂h < m. Logo, pela hipotese de inducao, podemos escrever g e h como produto depolinomios irredutıveis, portanto, f pode ser escrito como produto de polinomios irredutıveis, ficandoprovada a existencia da fatoracao.

Unicidade: Se f = p1p2 . . . pr = q1q2 . . . qs onde cada pi e cada qj e um polinomio irredutıvel,temos que p1|q1q2 . . . qs, logo, p1|qj para algum j. Apos um rearranjo dos q′js podemos supor p1|q1,isto e, q1 = p1h para algum h ∈ K[x]. Como q1 e irredutıvel entao h = c1 ∈ K. Assim, q1 = c1p1

com c1 ∈ K. Entao f = p1p2 . . . pr = q1q2 . . . qs = c1p1q2 . . . qr, logo, p2 . . . pr = c1q2 . . . qs. Repetindoa argumentacao de maneira indutiva, concluımos que, apos possıveis reordenacoes dos q′js, para cadai, qi = cipi onde ci ∈ K, ficando provada a unicidade.

Se os polinomios irredutıveis da proposicao anterior forem unitarios entao eles sao univocamentedeterminados, pois na prova temos que qi = cipi, logo ci = 1.

Exemplo 3.40 4x2 − 1 = (2x + 1)(2x− 1) = 4(x +12)(x− 1

2).

Exercıcios 3.151) Seja f ∈ K[x] com 2 ≤ ∂f ≤ 3. Mostre que f e redutıvel sobre K se, e somente se, f tem raiz emK.2) Para um polinomio f ∈ C[x], f(x) = anxn + · · · a1x + a0, definimos o conjugado de f porf(x) = anx + · · · a1x + a0. Mostre que se f, g ∈ C[x] e a ∈ C entao:a) f + g = f + g b) f.g = f.g c) a.f = a.f

3) Seja f ∈ R[x] e a ∈ C raiz de f . Mostre que a tambem e raiz de f .4) Seja f ∈ R[x] com ∂f ≥ 3. Mostre que f e redutıvel sobre R.5) Seja f ∈ R[x]. Mostre que se ∂f for um numero ımpar entao f tem uma raiz em R.6) Sejam a ∈ K e I = {f ∈ K[x] | f(a) = 0}. Mostre que I e um ideal maximal de K[x]. Sugestao:use a Proposicao 3.24.7) Mostre que o anel quociente R[x]/(x2 + 1)R[x] ∼= C. Sugestao: use o homomorfismo F : R[x] → Cdefinido por F (f(x)) = f(i) e aplique o Teorema do Isomorfismo.8) Sejam f, g ∈ K[x] cujas fatoracoes em polinomios irredutıveis unitarios sao dadas porf = u.pi1

1 pi22 · · · pir

r e g = v.pj11 pj2

2 · · · pjrr onde u, v ∈ K, os pk’s sao irredutıveis e distintos dois

a dois e i1, i2, . . . , ir, j1, j2, . . . , jr ∈ Z. Seja h um maximo divisor comum de f e g. Mostre queh = t.pk1

1 pk22 · · · pkr

r onde, t ∈ K e, para cada n, kn = mınimo{in, jn}.9) Calcule um maximo divisor comum entre os polinomios:a) x(x− 1)4(x− 2)2 e x5(x− 1)(x− 2)2

b) (x + 1)3(x− 3)5(x− 4) e (x + 1)2(x + 3)3(x− 7)10) Decompor os seguintes polinomios sobre Z3 como produto de polinomios irredutıveis:

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a) x2 + 2 b) x2 + x + 1 c) x4 + 2 d) x3 + 1 e) x2 + 111) Decompor o polinomio x3 − x2 + x− 1a) em R b) em C

3.16 Polinomios sobre os inteiros

Definicao 3.23 Dizemos que f ∈ Z[x] e um polinomio primitivo se f 6= 0 e f tem os coeficientesrelativamente primos.

Exemplo 3.41 f(x) = x2 + 2x + 4 e g(x) = 2x3 + 6x2 − 9x + 3 sao polinomios primitivos.

Proposicao 3.28 Seja f ∈ Q[x], f 6= 0. Entao existe r ∈ Q tal que rf e um polinomio primitivo.

Demonstracao: Seja f(x) =an

bnxn + · · · + a1

b1x +

a0

b0∈ Q[x] onde, para cada i, ai, bi ∈ Z e bi 6= 0.

Seja b = b0b1 . . . bn. Entao bf = cnxn + · · · c1x + c0 onde, para cada i, ci =aib

bi∈ Z. Seja d o maximo

divisor comum de c0, c1, · · · , cn. Entaoc0

d,c1

d, . . . ,

cn

dsao inteiros relativamente primos, portanto,

b

df =

cn

dxn + · · ·+ c1

dx +

c0

de um polinomio primitivo.

Exemplo 3.42 Paraf(x) =43x2 +

145

x + 2,152

f(x) = 10x2 + 21x + 15.

Proposicao 3.29 Sejam f, g ∈ Z[x] polinomios primitivos. Entao fg e um polinomio primitivo.Demonstracao: Sejam f(x) = anxn + · · · + a1x + a0 e g(x) = bmxm + · · · + b1x + b0 polinomiosprimitivos. Seja p um numero primo. Como f e primitivo, p nao divide algum ai. Seja j tal que p - aj

mas p | ai para todo i < j. Analogamente, seja k tal que p - bk mas p | bi para todo i < k. Em fg, ocoeficiente de xj+k e cj+k = ajbk + (aj+1bk−1 + aj+2bk−2 + · · · ) + (aj−1bk+1 + aj−2bk+2 + · · · ). Comop | ai e p | bl ∀ i < j e ∀ l < k entao, p | (aj+1bk−1 +aj+2bk−2 + · · · ) e p | (aj−1bk+1 +aj−2bk+2 + · · · ).Como p - aj e p - bk entao p - ajbk. Logo, p - cj+k. Assim, nao existe numero primo p tal que p dividetodos os coeficientes de fg. Portanto, fg e um polinomio primitivo.

Proposicao 3.30 (Lema de Gauss) Seja f ∈ Z[x] um polinomio primitivo. Entao f e redutıvel sobreZ se, e somente se, f e redutıvel sobre Q.Demonstracao: (⇒) Claro.(⇐) Como f e redutıvel sobre Q entao f = gh onde g, h ∈ Q[x] com ∂g ≥ 1 e ∂h ≥ 1. PelaProposicao 3.28, existem r, s ∈ Q tais que rg, sh sao polinomios primitivos. Entao, pela proposicaoanterior, rsf = rgsh e um polinomio primitivo. Como rs ∈ Q e rs > 0, existem a, b ∈ N, b 6= 0 taisque rs =

a

b. Entao

a

bf = rgsh, logo, af = b(rgsh). Como f e primitivo, o maximo divisor comum

entre os coeficientes de af e a. Da mesma forma, o maximo divisor comum entre os coeficientes deb(rgsh) e b. Assim, a = b e portanto, f = (rg)(sh), rg, sh ∈ Z[x], ∂(rg) = ∂g ≥ 1 e ∂(sh) = ∂h ≥ 1.Logo, f e redutıvel sobre Z.

Corolario 3.31 Sejam f ∈ Q[x] e r ∈ Q, r 6= 0. Entao f e redutıvel sobre Q se, e somente se, rf eredutıvel sobre Q.Demonstracao: (⇒) Se f e redutıvel sobre Q entao f = gh com g, h ∈ Q[x], ∂g ≥ 1 e ∂h ≥ 1. Logo,para r ∈ Q, r 6= 0, rf = (rg)h com rg, h ∈ Q[x], ∂(rg) ≥ 1 e ∂h ≥ 1. Ou seja, rf e redutıvel sobre Q.(⇐) Segue de (⇒), pois f = 1

r (rf).

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Page 52: Matematica fcul

Corolario 3.32 Sejam f ∈ Z[x] e n ∈ Z, n 6= 0. Entao f e redutıvel sobre Z se, e somente se, nf eredutıvel sobre Z.Demonstracao: (⇒) Se f = gh entao nf = (ng)h. Logo, se f e redutıvel entao nf e redutıvel.(⇐) Tomando d o maximo divisor comum dos coeficientes de f , temos que o polinomio 1

df e primitivo.Assim, se nf e redutıvel sobre Z entao nf e redutıvel sobre Q. Logo, 1

df = 1nd(nf) e redutıvel sobre

Q, portanto, 1df e redutıvel sobre Z. Como f = d1

df , por (⇒), f e redutıvel sobre Z.

Corolario 3.33 Sejam f ∈ Z[x]. Entao f e redutıvel sobre Z se, e somente se, f e redutıvel sobre Q.Demonstracao: Tomando d o maximo divisor comum dos coeficientes de f , temos que o polinomio1df e primitivo. Assim, f e redutıvel sobre Z se, e somente se, 1

df e redutıvel sobre Z se, e somentese, 1

df e redutıvel sobre Q se, e somente se, f = d1df e redutıvel sobre Q.

Proposicao 3.34 (Criterio de Eisenstein):Seja f(x) = anxn + · · ·+ a1x + a0 ∈ Z[x]. Suponhamos que exista um numero primo p tal que:

a) p | ai para todo i < n

b) p - an

c) p2 - a0

Entao f e irredutıvel sobre Z (e portanto, irredutıvel sobre Q ).Demonstracao: Seja f(x) = anx + · · · a1x + a0 satisfazendo as hipoteses da proposicao. Se f = gh

onde g, h ∈ Z[x], precisamos mostrar que g ∈ Z ou h ∈ Z. Vamos escrever g(x) = bmxm + · · · b1x + b0

e h(x) = crxr + · · · c1x+ c0. Como p - an = bmcr entao p - bm e p - cr. Como p | a0 = b0c0, mas p2 - a0

entao p divide somente um dentre b0, c0. Podemos supor p | b0 e p - c0, o outro caso e analogo. Comop - bm e p | b0, tomamos i tal que p - bi mas p | bj para todo j < i. Temos ai = bic0 + bi−1c1 + · · · ecomo p - bic0 e p | (bi−1c1 + · · · ) entao p - ai, logo, i = n e portanto bi = bn, ou seja, ∂g ≥ n. Comon = ∂f = ∂g + ∂h ≥ n + ∂h, temos que ∂h = 0, ou seja, h ∈ Z. Assim, f e irredutıvel sobre Z.

Exemplo 3.43 Os polinomios 2x4 − 6 e x3 + 6x2 + 4x − 10 sao irredutıveis sobre Q, considerandoos primos p = 3 e p = 2, respectivamente. O Criterio de Eisenstein nao se aplica aos polinomiosx4 − 4, 6x4 − 12x + 2 e 2x3 + 9x2 + 3x + 1.

Exemplo 3.44 Se p e um numero primo e n e um inteiro positivo, entao os polinomios xn + p exn − p sao irredutıveis sobre Q.

Exemplo 3.45 O Criterio de Eisenstein nao se aplica ao polinomio f(x) = 10x3 + 12x2 + 8x + 4,mas se aplica ao polinomio g(x) = 5x3 + 6x2 + 4x + 2, considerenado o primo p = 2. Assim, g(x) eirredutıvel, portanto, f(x) = 2g(x) e tambem irredutıvel.

Exercıcios 3.161) Verifique que os seguintes polinomios sao irredutıveis sobre Q:a) x3 + 2x2 + 6x + 6 b) x5 − 29 c) x4 − 30 d) x9 + 3x4 + 3 e) 6x5 + 4x3 − 20 f) 6x7 − 9x + 182) Seja f(x) = anxn + · · · a1x + a0 com coeficientes inteiros primos entre si e com a0 6= 0. Se b e c

sao inteiros primos entre si com c 6= 0 e tal que f(b

c) = 0, entao c | an e b | a0. (Isto nos permite

determinar todas as raızes racionais de f)3) Seja f(x) = xn + · · · a1x + a0 com coeficientes inteiros. Se f admite uma raiz racional, entao estaraiz e inteira e divide a0.4) Determine as raızes racionais dos seguintes polinomios:

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Page 53: Matematica fcul

a) x5−1 b) x6−1 c) x4+1 d) x3+1 e) 6x3−3x2+4x−2 f) 3x2−27 g) x4−2x3+2x2−2x−45) Seja f(x) ∈ A[x] um polinomio de grau maior ou igual a 2. Mostre que se f tem raiz em A entaof e redutıvel sobre A.6) Mostre que os seguintes polinomios sao redutıveis sobre Q.a) x2 + 4x + 4 b) x5 + x2 − x− 1 c) 2x4 − x3 + 4x2 − 1 d) x4 + x3 − 7x2 + 97) Seja f(x) ∈ Z[x] um polinomio de grau 2 ou 3. Mostre que f e redutıvel sobre Z se, e somente se,f tem raiz em Q.8) Determine quais dos seguintes polinomios sao irredutıveis sobre os racionais.a) x3 − x + 1 b) x3 + x2 − 3x− 2 c) x4 + x3 + 2x2 + 3x + 1 d) x5 + 1 e) x3 − 9 f) x3 − x + 1g) x3 + 2x + 10 h) x5 i) x4 − 2x j) x4 + 2 k) x4 − x + 1 l) x4 − x2 − 2 m) x5 − x2 − x

Bibliografia

DOMINGUES, H. H.; IEZZI, G. Algebra Moderna. Sao Paulo: Atual Editora, 1982.GONCALVES, A. Introducao a Algebra. Projeto Euclides. Rio de Janeiro: IMPA, 2007.HERSTEIN, I. N. Topicos em Algebra. Sao Paulo: Editora Polıgono, 1970.MILIES, C. P. Breve Introducao a Historia da Teoria dos Aneis. XI Escola de Algebra, Sao

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Livros Tecnicos e Cientıficos, 1974.NASCIMENTO, M. C.; FEITOSA, H. A. Elementos da Teoria dos Numeros. Programa de

Apoio a Producao de Material Didatico. Sao Paulo: Cultura Academica: Universidade EstadualPaulista, Pro-Reitoria de Graduacao, 2009.

Page 54: Matematica fcul

Indice

Anel, 28com unidade, 28comutativo, 28de polinomios, 44nulo, 28quociente, 40

Boa ordenacao, 8

Classe de equivalencia, 5Classes laterais, 19Congruencia modulo n, 10Conjunto

diferenca, 4interseccao, 4quociente, 5uniao, 4unitario, 3vazio, 3

Conjuntos disjuntos, 4Corpo, 29

algebricamente fechado, 49de fracoes, 43

Criterio de Eisenstein, 52

Divisor de zero, 29Domınio de integridade, 29

Elemento invertıvel, 29

Funcao, 5bijetiva, 6injetiva, 6sobrejetiva, 6

Funcao fi de Euler, 22

Grupo, 12abeliano, 13cıclico, 16de permutacoes, 14de simetria, 15ordem de um, 20quociente, 24

Gruposisomorfos, 25produto cartesiano de, 14

Homomorfismode aneis, 37de grupos, 24

Ideal, 35maximal, 41primo, 40principal, 35

Inducao , 8Isomorfismo

de aneis, 38de grupos, 25

Maximo divisor comum, 9Multiplicidade de uma raiz, 46

Nucleode um homomorfismo de aneis, 37de um homomorfismo de grupos, 25

Numero primo, 9

Operacao, 6propriedades de, 6

Ordem de um elemento, 20

Polinomiocoeficientes de um, 43grau de um, 44irredutıvel, 48primitivo, 51raiz de um, 46redutıvel, 48sobre A, 43unitario, 48

Produto cartesiano, 4Produto direto de aneis, 31

Relacao, 5anti-simetrica, 5de equivalencia, 5reflexiva, 5simetrica, 5transitiva, 5

Subanel, 33Subconjunto, 3

proprio, 3Subgrupo, 18

Indice de um, 20gerado, 18normal, 23

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