Massafeira 30 anos diáriodo nordeste d6_16092010

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6| caderno3 DIÁRIO DO NORDESTE | FORTALEZA, CEARÁ - QUINTA-FEIRA, 16 DE SETEMBRO DE 2010 O álbum duplo da música cearense Lançado nacionalmente em 1980 pela CBS, o vinil duplo “Massafeira Livre” registrou um encontro de gerações da música cearense. Agora, finalmente ganha edição oficial em CD NELSON AUGUSTO Repórter G ravado em 1979, mas só disponibili- zado no mercado em 1980 - em ple- na crise do petró- leo, contexto que dificultava o lançamento de álbuns duplos -, o disco “Massafeira Livre” foi uma iniciativa ousada para a época. Isso porque, apesar de reunir artistas já então re- nomados, como Ednardo, Fag- ner, Belchior e Petrúcio Maia, a maioria dos intérpretes e ins- trumentistas reunidos ao lon- go das 24 faixas dos dois LPs era formada por nomes desco- nhecidos do grande público no Brasil. O conceito visual do disco foi criado pelo letris- ta e arquiteto Brandão. “A ar- te gráfica, que incluiu princi- palmente os dois cartazes do Massafeira Livre e a capa do disco, tiveram como inspira- ção o carneiro. Quando o Ed- nardo viu os esboços, ele ime- diatamente imaginou que a fonte da inspiração havia si- do a canção ‘Carneiro’, dele e do Augusto Pontes, mas não foi. A ideia do carneiro veio da associação que trago des- de a infância entre este ani- mal e a feira popular”, esclare- ce Brandão, em entrevista ao Caderno 3. “A inspiração gráfica for- mal, da cabeça do carneiro, veio de minha admiração pelo magnífico desenho a bico de pena da cabeça de um cavalo segurando uma rosa na boca, feito pelo Fausto Nilo para a capa do programa da peça de teatro ‘Bodas de Sangue’, que foi encenada no Teatro Univer- sitário e marcou época”. Música retirada Além de ilustrar o disco, o também letrista Brandão te- ve sua parceria com Petrúcio Maia, “Frio da serra”, nas vo- zes de Ednardo, Fagner e Mar- ta Lopes, incluída no lança- mento original do álbum em 1980. Mas, na nova edição em CD, a música foi suprimida. No encarte, consta o seguinte aviso: “Esta obra constante no disco original do Massafei- ra foi retirada deste CD por exigência exclusiva da herdei- ra do autor Petrúcio Maia”. Uma menção à viúva do pia- nista e compositor cearense, Bigha Maia. “Naturalmente, fiquei chateado. Mas não guardo rancor, porque atri- buo o fato a uma legislação atrasada de direitos autorais e à atitude de uma senhora. Não é possível fazer nada a respeito, no momento”. A cantora e compositora Mona Gadelha, cearense atualmente radicada em São Paulo, fez sua estreia no disco “Massafeira Livre” e recorda com carinho a viagem para o Rio de Janeiro, para a grava- ção. “Na época, não tinha di- mensão da importância que a participação no show, a via- gem ao Rio, o convívio com os amigos, a gravação do disco teriam na minha vida”, afir- ma. “Certamente, o lança- mento do álbum duplo me deu um norte. Era o meu pri- meiro registro fonográfico, num grande estúdio, numa gravadora multinacional, a primeira ida ao Rio, ao que se chamava de ‘sul maravilha’. Tudo diferente dos ensaios de garagem, dos shows de banda de rock que a gente fazia em Fortaleza”. A maioria dos cantores e compositores presentes no disco possui seus trabalhos mais aproximados da MPB. Apenas Lúcio Ricardo e Mona Gadelha seguiam a vertente do blues e do rock n´ roll. A cantora, que gravou seu blues “Cor de sonho” no álbum, des- taca a importância do contato com artistas de outras concep- ções. “O ponto de vista musi- cal foi muito relevante, por- que me permitiu uma convi- vência com outras ideias, cor- rentes alternadas de estilos, descobertas no dia a dia com todo mundo cantando e com- pondo junto. Aquelas referên- cias estão na música que faço hoje. Foi também uma incrível oportunidade de aprender com todos aqueles artistas ma- ravilhosos em pleno rito de passagem da adolescência pa- ra a vida adulta”, reconhece. “Me considero privilegiada por ter participado, por ter si- do convidada por Augusto Pontes e Ednardo. Às vezes a gente já está dentro do so- nho e não percebe”. Outro que gravou sua voz pela primeira vez em um dis- co foi o cantor, compositor e músico Calé Alencar, que sua parceria com Zé Maia, “Vento rei”. “Saímos daqui no ônibus da Itapemirim, re- pleto de músicos, foi uma festa. Durante três dias acor- dava, dormia e vivia músi- ca. Além do convívio com os colegas, existia a expectati- va de conhecer o estúdio da CBS, onde gravavam gran- des nomes da MPB, ter o primeiro registro em disco, mostrar pra família e pros amigos, conhecer o Rio de Janeiro”, entusiasma-se. “Ficamos um bom tempo em Santa Teresa, um conví- vio super legal com a turma toda, várias gerações se en- contrando, fazendo músi- ca. Todo mundo participan- do e dando força pro outro. Na minha gravação tem um monte de gente no coro: Téti, Graco, Rogério, Ana... Foi tudo massa mesmo!”. o REEDIÇÃO Comoforamasprimeirasreu- niões e como surgiu o nome Massa Feira Livre ? As reuniões, que varavam as madrugadas, aconteceram primeiramente num aparta- mento em que eu morava aqui em Fortaleza. Em pou- co tempo ficou uma coisa gigantesca, com muita gen- te participando. Daí, por con- ta dos incômodos que causa- vam para minha mulher e minha filha pequena, eu dis- se uma vez para o Brandão: “Isso está virando uma feira livre!”. Ele respondeu: “Essa ideia de feira livre é massa!”. “Então vamos chamar de Massa Feira Livre”. Daí co- meçaram efetivamente ou- tras reuniões no Estoril e co- meçou a acontecer de uma maneira mais organizada, ou então desorganizada, dentro do possível que a gen- te pudesse suportá-la com a praticidade de se levar para frente a ideia coletiva do evento. Quandovocêsdecidiramrea- lizar o evento, realmente já planejaram que seriam qua- tro dias ? De início pensamos só um ou dois dias. Foi aí que sur- giu o Augusto Pontes e dis- se: “A única coisa que vocês podem fazer para evitar que outros que não participem fiquem constrangidos, pois também possuem um traba- lho muito bom, é abraçar o máximo possível de artis- tas”. Daí resolvemos am- pliar para quatro dias. Qual é a repercussão, tanto para o público, quanto para os artistas que participaram do Massafeira Livre ? A grande maioria que partici- pou assistindo ou mostrando sua artes em várias vertentes acha que foi um grande even- to, não só aqui para o Ceará, mas foi uma forma de mos- trar para o Brasil todo que, no final da década de 70 e início dos anos 80, já tínhamos con- dições de nos desvincular des- ses grandes festivais que acon- teciam no eixo Rio e São Pau- lo. Os artistas que eram de fora foi que vieram para Forta- leza, quando o normal seria o contrário. Nesse aspecto, acho que o Massafeira foi um movimento catalizador de uma mudança, que nos deu uma condição de quebrar es- se estigma de que, para se fazer um movimento artísti- co, teria de ir para o Sudeste. Quais os artistas que vieram deoutrosestadoseparticipa- ram do lançamento do ál- bum duplo Massafeira Livre em 1980 ? Veio o Walter Franco, que é de São Paulo, o Zé Ramalho, da Paraíba, a Amelinha, que já estava morando fora do Ceará. Além deles veio o pes- soal de Sobral e do Cariri. E pela primeira vez o grande público de Fortaleza teve aces- so a uma apresentação do Pa- tativa do Assaré 2010 AURA EDIÇÕES MUSICAIS 24 FAIXAS Massafeira Livre Vários artistas I B A GRAVAÇÃO DO LP duplo nos estúdios da CBS, no Rio de Janeiro: artistas como Mona Gadelha, Zé Maia, Eugênio Stone, Augusto Pontes, Régis e Rogério, Gerardo Gondim, Luiz Miguel Caldas, Stélio Valle, Téti e Rodger Rogério FOTO: ACERVO / GENTIL BARREIRA “O Massafeira foi um movimento catalizador de uma mudança” Ednardo ENTREVISTA CD DUPLO VEJA AMANHÃ C MASSAFEIRA - O LIVRO

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6 | caderno3 DIÁRIODONORDESTE | FORTALEZA,CEARÁ-QUINTA-FEIRA, 16DESETEMBRODE2010

O álbum duplo damúsica cearenseLançado

nacionalmente em1980pela CBS, o vinilduplo “MassafeiraLivre” registrou umencontro de geraçõesdamúsica cearense.Agora, finalmenteganha edição oficialemCD

NELSONAUGUSTO

Repórter

Gravado em 1979,massó disponibili-zado no mercadoem 1980 - em ple-na crise do petró-

leo, contexto que dificultava olançamento de álbuns duplos-, o disco “Massafeira Livre”foi uma iniciativa ousada paraa época. Isso porque, apesarde reunir artistas já então re-nomados,comoEdnardo,Fag-ner, Belchior e Petrúcio Maia,amaioriadosintérpreteseins-trumentistas reunidos ao lon-go das 24 faixas dos dois LPseraformadapor nomes desco-nhecidos do grande públicono Brasil. O conceito visualdo disco foi criado pelo letris-ta e arquiteto Brandão. “A ar-te gráfica, que incluiu princi-palmente os dois cartazes doMassafeira Livre e a capa do

disco, tiveram como inspira-ção o carneiro. Quando o Ed-nardo viu os esboços, ele ime-diatamente imaginou que afonte da inspiração havia si-do a canção ‘Carneiro’, dele edo Augusto Pontes, mas nãofoi. A ideia do carneiro veioda associação que trago des-de a infância entre este ani-male a feira popular”,esclare-ce Brandão, em entrevista aoCaderno 3.

“A inspiração gráfica for-mal, da cabeça do carneiro,veio de minha admiração pelomagnífico desenho a bico depena da cabeça de um cavalosegurando uma rosa na boca,feito pelo Fausto Nilo para acapa do programa da peça deteatro ‘Bodas de Sangue’, quefoiencenadanoTeatroUniver-sitário e marcou época”.

Músicaretirada

Além de ilustrar o disco, otambém letrista Brandão te-ve sua parceria com PetrúcioMaia, “Frio da serra”, nas vo-zes de Ednardo, Fagner e Mar-ta Lopes, incluída no lança-mento original do álbum em1980. Mas, na nova edição emCD, a música foi suprimida.No encarte, consta o seguinteaviso: “Esta obra constanteno disco original do Massafei-ra foi retirada deste CD porexigência exclusiva da herdei-

ra do autor Petrúcio Maia”.Uma menção à viúva do pia-nista e compositor cearense,Bigha Maia. “Naturalmente,fiquei chateado. Mas nãoguardo rancor, porque atri-buo o fato a uma legislaçãoatrasada de direitos autoraise à atitude de uma senhora.Não é possível fazer nada arespeito, no momento”.

A cantora e compositoraMona Gadelha, cearenseatualmente radicada em SãoPaulo, fez sua estreia no disco“Massafeira Livre” e recordacom carinho a viagem para oRio de Janeiro, para a grava-ção. “Na época, não tinha di-mensão da importância que aparticipação no show, a via-gem ao Rio, o convívio com osamigos, a gravação do discoteriam na minha vida”, afir-ma. “Certamente, o lança-mento do álbum duplo medeu um norte. Era o meu pri-meiro registro fonográfico,num grande estúdio, numagravadora multinacional, aprimeira ida ao Rio, ao que sechamava de ‘sul maravilha’.Tudo diferente dos ensaiosde garagem, dos shows debanda de rock que a gentefazia em Fortaleza”.

A maioria dos cantores ecompositores presentes nodisco possui seus trabalhosmais aproximados da MPB.

Apenas Lúcio Ricardo e MonaGadelha seguiam a vertentedo blues e do rock n´ roll. Acantora, que gravou seu blues“Corde sonho”no álbum, des-taca a importância do contatocomartistasde outrasconcep-ções. “O ponto de vista musi-cal foi muito relevante, por-que me permitiu uma convi-vência com outras ideias, cor-rentes alternadas de estilos,descobertas no dia a dia comtodo mundo cantando e com-pondo junto. Aquelas referên-cias estão na música que façohoje.Foitambémuma incríveloportunidade de aprendercomtodosaquelesartistasma-ravilhosos em pleno rito depassagem da adolescência pa-ra a vida adulta”, reconhece.“Me considero privilegiadapor ter participado, por ter si-do convidada por Augusto

PonteseEdnardo. Às vezes agente já está dentro do so-nho e não percebe”.

Outro que gravou sua vozpela primeira vez em um dis-co foi o cantor, compositore músico Calé Alencar, quesua parceria com Zé Maia,“Vento rei”. “Saímos daquino ônibus da Itapemirim, re-pleto de músicos, foi umafesta. Durante três dias acor-dava, dormia e vivia músi-ca. Além do convívio com oscolegas, existia a expectati-va de conhecer o estúdio daCBS, onde gravavam gran-des nomes da MPB, ter oprimeiro registro em disco,mostrar pra família e prosamigos, conhecer o Rio deJaneiro”, entusiasma-se.“Ficamos um bom tempoem Santa Teresa, um conví-vio super legal com a turmatoda, várias gerações se en-contrando, fazendo músi-ca. Todo mundo participan-do e dando força pro outro.Na minha gravação tem ummonte de gente no coro:Téti, Graco, Rogério, Ana...Foi tudo massa mesmo!”. o

REEDIÇÃO

Comoforamasprimeirasreu-niões e como surgiu o nomeMassaFeiraLivre?As reuniões, que varavam asmadrugadas, aconteceramprimeiramente num aparta-mento em que eu moravaaqui em Fortaleza. Em pou-co tempo ficou uma coisagigantesca, com muita gen-te participando. Daí, por con-ta dos incômodos que causa-vam para minha mulher eminha filha pequena, eu dis-se uma vez para o Brandão:“Isso está virando uma feiralivre!”. Ele respondeu: “Essaideia de feira livre é massa!”.“Então vamos chamar deMassa Feira Livre”. Daí co-meçaram efetivamente ou-tras reuniões no Estoril e co-meçou a acontecer de umamaneira mais organizada,ou então desorganizada,dentro do possível que a gen-te pudesse suportá-la com apraticidade de se levar parafrente a ideia coletiva doevento.

Quandovocêsdecidiramrea-lizar o evento, realmente jáplanejaram que seriam qua-trodias?De início pensamos só umou dois dias. Foi aí que sur-giu o Augusto Pontes e dis-se: “A única coisa que vocêspodem fazer para evitar queoutros que não participemfiquem constrangidos, poistambém possuem um traba-lho muito bom, é abraçar omáximo possível de artis-tas”. Daí resolvemos am-pliar para quatro dias.

Qual é a repercussão, tantopara o público, quanto paraos artistas que participaramdoMassafeiraLivre?A grande maioria que partici-pou assistindo ou mostrandosua artes em várias vertentesacha que foi um grande even-to, não só aqui para o Ceará,mas foi uma forma de mos-trar para o Brasil todo que, nofinal da década de 70 e iníciodos anos 80, já tínhamos con-diçõesdenosdesvinculardes-sesgrandesfestivaisqueacon-teciam no eixo Rio e São Pau-lo. Os artistas que eram deforafoiquevieramparaForta-leza, quando o normal seria ocontrário. Nesse aspecto,acho que o Massafeira foi ummovimento catalizador deuma mudança, que nos deuuma condição de quebrar es-se estigma de que, para sefazer um movimento artísti-co, teria de ir para o Sudeste.

Quaisos artistasquevieramdeoutrosestadoseparticipa-ram do lançamento do ál-bum duplo Massafeira Livreem1980?Veio o Walter Franco, que éde São Paulo, o Zé Ramalho,da Paraíba, a Amelinha, quejá estava morando fora doCeará. Além deles veio o pes-soal de Sobral e do Cariri. Epela primeira vez o grandepúblicodeFortalezateveaces-so a uma apresentação do Pa-tativa do Assaré

2010AURAEDIÇÕESMUSICAIS24FAIXAS

MassafeiraLivreVários artistas

IBAGRAVAÇÃODOLPduplonosestúdiosdaCBS,noRiodeJaneiro:artistascomoMonaGadelha,ZéMaia,EugênioStone,AugustoPontes,RégiseRogério,GerardoGondim,LuizMiguelCaldas,StélioValle,TétieRodgerRogérioFOTO:ACERVO /GENTIL BARREIRA

“OMassafeirafoiummovimentocatalizadordeumamudança”

Ednardo

ENTREVISTA

CDDUPLO

VEJAAMANHÃ

C MASSAFEIRA-OLIVRO