Marx_ Intro a Critica

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Para a Critica da Econontia Politica* Traduc;ao de Edgard Malagodi Colabora<;ao de Jose Arthur Giannotti • Escrito de fins de agosto a meados de setembro de 1857. Traduzido do original alemao Zur Kritik der politischen Oe· konomle, publicado em Manc-Engels Werke. Berlim, Dietz Verlag, 1972. v. XIII. (N. doT.)

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introdução de Crítica a Economia Política

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  • Para a Critica da Econontia Politica*

    Traduc;ao de Edgard Malagodi

    Colabora

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    Introdu~ao [a Crftica da Economia PolfticaP

    1- Produ~lio, Consumo, Distribui~lio, Troca (Circula~lio)

    1. Produ~iio

    a) 0 objeto deste estudo e, em primeiro Iugar, a produgiio material. Indivfduos produzindo em sociedade, portanto a produc;ao dos indivfduos de-

    terminada socialmente, e por certo o ponto de partida. 0 cac;ador e o pescador, in-dividuals e isolados, de que partem Smith e Ricardo, pertencem as pobres ficc;oes das robinsonadas do seculo XVIII. Estas nao expressam, de modo algum - como se afigura aos historiadores da Civilizac;ao - , uma simples reac;ao contra os exces-ses de requinte e urn retono mal compreendido a uma vida natural. Do mesmo modo, o contrat social de Rousseau, que relaciona e liga sujeitos independentes por natureza, por meio de urn contrato, tampouco repousa sobre tal naturalismo. Essa e a aparencia, aparencia puramente estetica, das pequenas e grandes robin-sonadas. Trata-se, ao contrario, de uma antecipac;ao da "sociedade" (bi.irgerlichen Gesellschaft), que se preparava desde o seculo XVI, e no seculo XVIII deu largufssi-mos passos em direc;ao a sua maturidade. Nessa sociedade da livre concorrencia, o indivfduo aparece desprendido dos lac;os naturals que, em epocas hist6ricas remo-tas, fizeram aeleu m acess6rio de urn congloinerado humano limitado e determina-do. Os profetas do seculo XVIII, sobre cujos ombros se ap6iam inteiramente Smith e Ricardo, imaginam esse indivfduo do seculo XVIII - produto, por urn !ado, da decomposic;ao das formas feudais de sociedade e, por outro, das novas forc;as de produc;ao que se desenvolvem a partir do seculo XVI - como urn ideal, que teria

    1 Com essa lntrodu~iio, Marx inicla seus apontamentos economicos dos anos de)857/58, que foram publicados em conjunto em 1939, em Moscou, sob o titulo de Grundrisse der Kritik der politischen Okonomie (Rohentwurf).

    Foi descoberta em 1902 entre os manuscritos dei.xados por Marx, e publicada pela primeira vez por Kautsky, na re-vista Die Neue Zeit em 1903. a essa lntrodu~llo que Marx faz alusao em seu prefacio de Para o Critico do Economfo Politico. 0 titulo "lntrodu~llo II Crftfco do Economio Polftica" nao e do seu proprio autor, mas refere-se ao nome com que foi publicada pela primeira vez e que se tornou tradicional. 0 texto nao foi preparado para a publica~o e Marx se refere a ele como urn es~ (veja o referldo prefc\cio). 0 carater inacabado e mais vislvel na parte final, onde Marx ali-nha os temas que pretendla desenvolver futuramente. As palavras entre colchetes se referem a inclu50es nilo constan-tes do manuscrito, acrescentadas para a compreensilo do texto. As palavras entre parenteses, ou sao do proprio Marx, ou sao tradues para o portugu~ de expres50es estrangeiras que aparecem no texto original. (N. doT.)

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  • 4 PARA A CRfT!CA DA ECONOM!A POLiTICA

    existid~ no pass~do .. Veem-no nao c~mo urn resultado hist6rico, mas como ponto de partida da H1st6na, porque o cons1deravam como urn indivfduo conforme a na-tu~e~ - ?en~o da representac;ao que tinham de natureza humana - , que nao se on~nou h1stoncamente, mas foi posto como tal pela natureza. Essa ilusao tern sido partilhada por todas as novas epocas, ate o presente. Steuart, que em muitos as-pectos se opoe ao seculo XVIII e que na sua condic;ao de aristocrata se situa mais sabre o terrene hist6rico, escapou dessa ingenuidade.

    Quanta mais se recua na Hist6ria, mais dependente aparece o indivfduo e portant

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    burguesas como leis naturals, imutaveis, da sociedade in abstrato. Essa e a finalida-de mais ou menos consciente de todo o procedimento. Na distribuio, ao contra-rio, os homens permitir-se-iam, de fato, toda classe de arbitrariedade. Abstraindo a brutal disjun!tao da produ!tao e da distribui!tao, e de sua rela!tao efetiva, e de todo evidente, a primeira vista, que por diversificada que possa ser a distribui!tao nos di-ferentes graus da sociedade, deve ser possfvel tanto nesta como na produ!taO bus-car determina~oes comuns, do mesmo modo que e possfvel confundir e extinguir todas as diferen~s hist6ricas em leis geralmente humanas. 0 escravo, o servo, o operario assalariado, por exemplo, recebem todos uma quantia de alimentos que lhes permite existirem como escravo, servo, operario assalariado. Enquanto vivam, o conquistador de tribute, o funcionario de impostos, o proprietario fundiario da renda, o frade de esmolas, e o levita dos dfzimos, todos recebem uma cota da pro-du!taO social, cota que e determinada por leis distintas da dos escravos etc. Os dois pontes principais, que todos os economistas colocam sob essa rubrica, sao: 1 - a propriedade; 2 - a proteo desta pela Justi~, pela polfcia etc. A isto deve-se res-ponder brevissimamente:

    Ad 1 - T oda produo e apropriactao da natureza pelo indivfduo, no interior e por meio de uma determinada forma de sociedade. Nesse sentido, e tautologia dizer que a propriedade [apropria!tao] e uma condi!taO da produ!tao. Mas e ridfcu-lo saltar dar a uma forma determinada da propriedade, a propriedade privada, por exemplo (o que, alem disso, pressupoe uma forma antitetica, a niio-propriedade, como condictao). A hist6ria nos mostra, ao contrario, a propriedade comum (entre os hindus, os eslavos, os antigos celtas etc., por exemplo) como a' forma primitiva, forma que, todavia, desempenhou durante multo tempo importante papel sob a fi-gura de propriedade comunal. Nem se trata ainda de colocar a questao se a rique-za se desenvolve melhor sob esta ou sob outra forma de propriedade. Dizer, po-rem, que nao se pode falar de produ!taO, nem portanto de sociedade onde nao exista propriedade, e uma tautologia. Uma apropria!tao que nao se apropria de na-da e uma contradictio in subjecto (contradi!tao nos termos);

    Ad 2 - Salvaguarda dos bens adquiridos etc. Quando se reduzem estas trivia-lidades a seu conteudo efetivo, expressam mais do que seus pregadores sabem, is-to e, cada forma de produ~ao cria suas prprias rela~oes de direito, formas de go-vema etc. A grosseria e a incompreensao consistem em nao relacionar, senao for-tuitamente, uns aos outros, em nao enla!tar, senao como mera reflexao, elementos que se acham unidos organicamente. A noc;ao que flutua no espfrito dos economis-tas burgueses e que a polfcia e mais favoravel a produ~ao que 0 direito da for~a. por exemplo. Esquecem apenas que o direito da forcta e tambem urn direito, e que o di-reito do mais forte sobrevive ainda sob outra forma em seu "Estado de Direito".

    Quando as condi~oes socials, que correspondem a urn grau determinado da produ~ao, se encontram em vias de forma~ao ou quando ja estao em vias de desa-parecer, sobrevem naturalmente perturbac;oes na prodw;ao, embora em graus dis-tintos e com efeitos diferentes.

    Em resume: existem determina~oes comuns a todos os graus de produ~ao, apreendidas pelo pensamento como gerais; mas as chamadas condi~oes gerais de toda a produo nao sao outra coisa senao esses fatores abstratos, os quais nao ex- plicam nenhum grau hist6rico efetivo da produ~ao.

    2 . A rela~iio geral da produ~iio com a distribuif_;iiO, troca e consumo

    Antes de aprofundar a analise da produo, e necessaria considerar as diferen-tes rubricas que os economistas poem a seu )ado.

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    INTRODU~O 7

    A ideia que se apresenta por si mesma e esta: na produo, os membros da \ sociedade apropriam-se [produzem, moldam] dos produtos da natureza para as ne-cessidades humanas; a distribuic;ao determina a propon;ao dos produtos de que o indivfduo participa; a troca fomece-lhe os produtos particulares em que queira con-verter a quantia que lhe coube pela distribui!tao; finalmente no consume, os produ- J tos3 convertem-se em objetos de desfrute, de apropria~ao individual. A produc;ao cria os objetos que correspondem as necessidades (Bediirfnissen); a distribuio os reparte de acordo com as leis socials; a troca reparte de novo o que ja esta distribuf-do segundo a necessidade individual, e finalmente, no consume, o produto desapa-rece do movimento social, convertendo-se diretamente em objeto e servidor da ne-cessidade individual satisfazendo-a no desfrute. A produ~ao aparece assim como o ponte inicial; o consume, como ponte final; a distribui!taO e a troca aparecem co-mo o meio-termo, que e assim duplice, ja que a distribui!tao e determinada como memento determinado pela sociedade, e a troca como memento determinado pe-los indivfduos. Na produ!taO a pessoa se objetiva; no [consumo],4 a coisa se subjeti-va; na distribui!taO, a sociedade, sob a forma de determina!t6es gerais dominantes, encarrega-se da media!tao entre a produc;ao e o consume; na troca, essa mediac;ao realiza-se pelo indivfduo determinado fortuitamente.

    A distribuic;ao determina a proporc;ao [a quantia] de produtos que correspon-dem ao indivfduo; a troca determina os produtos nos quais o indivfduo reclama a parte que a distribuic;ao lhe atribui.

    Produc;ao, distribuic;ao, troca, consume, formam assim [segundo a doutrina dos economistas), urn silogismo correto: produ~ao e a generalidade; distribuio e troca, a particularidade; consume, a individualidade expressa pela conclusao. Ha, sem duvida, nele, urn encad~amento, mas e superficial. A produc;ao [segundo os economistas] e determinada por leis naturals gerais; a distribui!tao, pela contingen-cia social, podendo, pols, influir mais ou menos favoravelmente sobre a produ!tao; a troca acha-se situada entre ambas como movimento social formal; e o ato final do consume, concebido nao somente como o ponto final, mas tambem como a propria finalidade, se encontra propriamente fora da Economia, salvo quando re-troage sobre o ponte inicial, fazendo com que todo o processo recomece.

    Os adversaries dos economistas - estejam eles dentro ou fora desse domfnio e que reprovam a barbara separac;ao do que se encontra unido - situam-se no mesmo terrene que aqueles ou mais abaixo ainda. Nao ha nada mais banal que a censura, feita aos economistas, de que consideram a produ!taO de modo demasia-do exclusivista, como urn fim em si, [alegando] que a distribuic;ao tern a mesma im-portancia. Essa reprovao se baseia precisamente na representac;ao economica de que a distribuio e uma esfera independente, autonoma, que existe ao lado da produo. Tambem [se lhes censura] nao conceberem os [diferentes] mementos em sua unidade. Como se essa cisao nao tivesse passado da realidade aos livros, cafdo dos livros para a realidade, e como se aqui se tratasse de uma compensac;ao dialetica dos conceitos, e nao da resoluc;ao5 de relac;oes reais.

    a) [Produ~iio e Consume] A produo e tambem imediatamente consume. Consume duplo, subjetivo e

    3 No manuscrito, "produ~o" em Iugar de "consumo". (N. da Ed. Alema.) 4 No manuscrito, "pessoa" em Iugar de "consume" . (N. da Ed. Alema.) 5 Resolu~l!o: no texto que utillzamos para esta tradu~!lo (MarxEngels Werke. v. 13, p. 621), bem como na edi~!io de Kautsky, a palavra e Au/loesung (dissolu~ao). M. Husson (Parts, Editions Sociales, 1972, p. 155) leu Auf/assung (con cep;l!o). Mllntivemos a versl!o menclonada, ]a que Marx pretende mostrar aqui exatamente que o fato de os econo-mlstlls dissociarem a produ~ao dll distribui~ao nao provcia~o real dos mesmos. (N. doT.)

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    objetivo. [Primeiro]: o indivfduo, que ao produzir desenvolve suas faculdades, tam-bern as gasta, as consome, no ato da produ~ao, exatamente como a reprodu~ao natural e urn consumo de for~as vitais. Segundo: produzir e consumir os meios de

    produ~ao utilizados, e gastos, parte dos quais (como na combustao, por exemplo) dissolve-se de novo nos elementos universais. Tambem se consome a materia-pri-ma, a qual nao conserva sua figura e constitui~o naturais, esta ao contrario e con-sumida. 0 pr6prio ato de produ~ao e, pois, em todos os seus momentos, tambem ato de consumo. Mas isso os economistas reconhecem. A produ~ao, enquanto e imediatamente identica ao consumo, o consumo, enquanto coincide imediatamen-te com a produ~o. chamam de consumo produtiuo. Essa identidade de produ~ao e consumo nos leva a proposit;ao de Espinosa: determinatio est negatio.

    No entanto, essa determina~o do consumo produtivo s6 e estabelecidal ,:>ara separar o consumo, identico a produ~ao, do consumo propriamente dito, concebi-do, ao contrario, como antftese destrutora da produ~o. Consideremos, pois, o consumo propriamente dito.

    0 consumo e tambem imediatamente produc;ao, do mesmo modo que na na-tureza o consumo dos elementos e das substancias qufmicas e produ~ao da planta. E claro que, por exemplo, na alimentac;ao, uma forma de consumo, o homem pro-duz seu pr6prio corpo; mas isso e igualmente valido para qualquer outro tipo de consumo, que, de urn modo ou de outro, produza o homem. [Esta e) a produ~ao consumidora. Apenas - diz a Economia - essa produ~ao identica ao consumo e uma segunda [produ~ao) nascida do aniquilamento do produto da, primeira. Na pri-meira o produtor se coisifica, na segunda, e a coisa criada por ele que se personifi-ca. Assim, pois, essa produ~o consumidora - mesmo sendo uma unidade imedia-ta da produc;ao e do consumo - difere essencialmente da produ~ao propriamente dita. A unidade imediata em que coincide a produ~ao com o consumo e o consu-mo com a produ~ao deixa subsistir sua dualidade imediata.

    A produ~ao e, pois, imediatamente consumo; o consumo e, imediatamente, predw;ao. Cada qual e imediatamente seu contrario. Mas, ao mesmo tempo, ope-ra-se urn movimento mediador entre ambos. A produ~o e mediadora do consu-mo, cujos materiais cria e sem os quais nao teria objeto. Mas o consumo e tambem mediador da produc;ao ao criar para os produtos o sujeito, para o qual sao produ-tos. 0 produto recebe seu acabamento final no consumo. Uma estrada de ferro em que nao se viaja e que, por conseguinte, nao se gasta, nao se consome, nao e mais que uma estrada de ferro dynamei, e nao e efetiva. Sem produ~ao nao ha consumo, mas sem consumo tampouco ha preduc;ao. 0 consumo produz de uma dupla maneira a produ~ao:

    1 - porque o produto nao se torna produto efetivo senao no consumo; por exemplo, urn vestido converte-se efetivamente em vestido quando e usado; uma casa desabitada nao e, de fato, uma casa efetiva; por isso mesmo o produto, diver-samente do simples objeto natural, nao se confirma como produto, nao se toma produto, senao no consumo. Ao dissolver o produto, o consumo !he da seu reto-que final (finishing stroke), pois o produto nao e apenas a produ~ao enquanto ativi-dade coisificada, mas [tambem] enquanto objeto para o sujeito em atividade. E,

    2 - porque o consumo cria a necessidade de uma noua produ~ao, ou seja, 6 fundamento ideal, que move internamente a produ~o, e que e sua pressuposi~ao. 0 consumo cria o impulso da produc;ao; cria tambem o objeto que atua na produ-c;ao como determinante da finalidade. Se e clare que a produ~ao oferece o objeto do consumo em sua forma exterior, nao e menos clare que o consumo poe ideal-mente o objeto da produ~ao, como imagem interior, como necessidade, como im-pulso e como fim. 0 consumo cria os objetos da produ~o de uma forma ainda mais subjetiva. Sem necessidade nao ha produ~ao. Mas o consumo reproduz a ne-cessidade.

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    INTRODU

  • 10 PARA A CRiTICA OA ECONOMIA POLinCA

    qual o praduto se toma praduto, mas tambem o ato pelo qu~ o produto se tom~ produtor. Por outro !ado, a pradu~ao produz o consumo a? cnar ~ modo d~cermlnado do consume, e o estfmulo para o consumo, a pr6pna capac1dade de consu-mo sob a forma de necessidade. Esta ultima identidade mencionada no paragrafo 3 e muito discutida pela Economia a prop6sito da rela~ao da oferta e da procura, dos objetos e das necessidades, das necessidades criadas pela sociedade e das ne-cessidades naturals.

    Depois disso, nada mais simples para urn hegeliano que colocar c~mo identi-cos a produ~ao e o consumo. E e isso o que tern feito, nao somente os literatos so-cialistas,6 mas tambem os economistas prosaicos, como Say, por exemplo, da se-guinte forma: se se considerar urn povo e ate a humanidade in abstracto, sua pro-du

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    das.) A distribuigao dos produtos e 111anifestamente o resultado dessa distribuigao que e incluida no proprio processo de produc;ao, cuja articulat;ao deterrnina. Consi-derar a produc;ao sem ter em conta essa distribuic;ao, nela incluida, e manifesta- mente uma abstragao vazia, visto que a distribui~ao dos produtos e implicada por essa distribui~ao que constitui, na origem, urn fator da produ~ao. Ricardo, a quem interessava conceber a produc;ao modema na sua articula~aO social determinada, e que e o economista da produ~ao par excelencia, afirma mesmo assim que niio e a produiao, mas sim a distribui~aO que constitui o tema propriamente dito da Econo-mia modema. Aqui ressurge novamente o absurdo dos economistas que conside-ram a produgao como uma verdade etema, enquanto proscrevem a Historia ao do-minio da distribui~ao.

    A questao de saber qual e a rela~ao dessa distribuic;ao com a produgao que determina e evidentemente do dominic da propria produc;ao. Se se dissesse, en-tao, pelo menos - uma vez que a produ~ao depende de certa distribuit;ao dos ins-trumentos de produc;ao - que a distribuic;ao nesse sentido precede a produgao, e pressuposta par ela, deve-se replicar que, de fato, a produiao tern condi~5es e pressupostos que constituem os seus mementos. Pode parecer, a principia, que es-tas tern urha origem espontAnea. Pelo proprio processo de produ~ao convertem-se de fatores espontaneos em fatores historicos e se, em relac;ao a urn perfodo, apare-cem como pressuposit;ao natural a produc;ao, em relac;ao a outro constituem seu resultado historico. No interior da produc;ao sao constantemente transformados. 0 emprego da maquina, por exemplo, modifica a distribuigao dos instrumentos de produc;ao tanto como dos produtos, e ate a grande propriedade fundiaria modema e resultado tanto do modemo comercio como da industria moc.lema, como tam-bern da aplicac;ao desta a agricultura.

    T odas as questoes tratadas acima se reduzem, pois, em ultima instancia, a sa-ber de que maneira as condic;oes historicas gerais afetam a produc;ao e qual e a re-

    la~ao desta com o movimento historico em geral. A questao evidentemente perten-ce a discussao e a analise da propria produ~ao.

    Contudo, na forma trivial em que acabam de ser expostas, podem ser acomo-dadas facilmente. T odas as conquistas comportam tres possibilidades. 0 povo con-quistador submete o povo conquistado a seu proprio modo sfe produc;ao (os ingle-ses, par exemplo, na Irlanda, neste seculo, e em parte na India); ou entao deixa subsistir o antigo modo e contenta-se com urn tributo (os turcos e os romanos, por exemplo); ou entao estabelece-se uma aiaO reciproca que produz alga novo, uma sintese (isso ocorreu em parte nas conquistas germanicas). Em todos os casas, o modo de produc;ao, seja o do povo conquistador, seja o do povo conquistado, seja o que precede da fusao de ambos, e decisivo para a nova distribui~ao que se esta-belece. Embora esta surja como uma condic;ao previa para o novo periodo de pro-dw;ao, ela propria e urn produto da produc;ao, nao somente da produ~ao historica em geral, mas da produc;ao historica determinada.

    Os mongois, em suas devasta~5es na Russia, par exemplo, agiam de conformi-dade com a sua produt;ao, que nao exigia senao o pasta, para o qual as grandes extensoes dos paises despovoados constituem uma condic;ao capital. Os barbaros germAnicos, para os quais a agricultura praticada pelos servos era a produ~ao tradi-cional e que estavam acostumados a vida solitaria no campo, puderam com muito maior facilidade submeter as provincias romanas a essas condi~oes, quando a con-centragao da propriedade da terra, que nelas havia se operado, transformara ja por c9mpleto os antigos sistemas de agricultura.

    E uma noc;ao tradicional esta que imagina que se tern vivido em certos perio-dos unicamente de pilhagens. Mas, para poder saquear, e necessaria que exista a!-

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    INTRODUcAO 13 go que saquear, isto e, produt;ao. E o proprio genera de pilhagem e deterrninado pelo genera da produc;ao. Nao se pode saquear uma stock jobbing nation (nac;ao de especuladores da balsa) da mesma maneira que uma nac;ao de vaqueiros.

    Quando se rouba o escravo, rouba-se diretamente o instrumento da produ-c;ao. Mas tambem e preciso que a produt;ao do pais, para o qual tenha sido rouba-do, se e~contre articulada de maneira que perrnita o trabalho escravo, ou (como na Amenca do Sui etc.) e necessaria que se erie urn modo de produ~ao que corres-ponda ao escravo.

    As leis po~em perpetuar urn instrumento de produc;ao, a terra, par exemplo, em certas famihas. Essas leis adquirem uma importancia economica unicamente on-d_e a grande propriedade territorial se encontra em harmonia com a produgao so-Cial, como na lnglaterra. Na Franc;a, praticava-se a pequena agricultura a despeito da g~nde propriedade; par isso esta ultima foi destroc;ada pela Revolu~ao. Mas se as le1s perpetuam o parcelamento? Apesar dessas leis, a propriedade volta a con-centra~-se. A influencia das leis para fixar as relac;oes de distribuit;ao e, portanto, sua aiaO sabre a produc;ao, devem ser deterrninadas separadamente.

    c) Finalmente Troca e Circulaqiio

    A propria circulat;ao e somente urn momenta determinado da troca ou ainda e a troca considerada em sua totalidade. ' '

    . _Na medid_a em que a troca e momenta mediador entre a produiao e a distri-bu1c;ao deterrnmada par ela e o consumo, na medida em que, entretanto, este Ulti-mo aparece como momenta da produc;ao, a troca e tambem manifestamente inclui-da como urn momenta na produgao.

    Em primeir? !~gar, pare_ce clara que ~ troca de atividades e capacidades, que se efetua na propna produiao, pertence d1retamente a esta e a constitui essencial-mente. Em segu_ndo Iugar, isso e certo em rela~ao a troca de produtos, na medida em que e o me1o que serve para criar o produto acabado destinado ao consume i~ediato. Den~ro desses limit~s, a pr6pria troca e urn ato c'ompreendido na produ-c;ao. Em terce1ro Iugar, a ass1m chamada troca (exchange) entre negociantes ( dea-lers) _e, segu~d? sua organ~ac;ao, tao completamente determinada pela produ~ao q~e e ~m~ atiVJdade prod~tiva. A troca aparece como independente junto a produ-c;ao_ e m_d1ferente em relac;ao a ela, na Ultima etapa, quando o produto e trocado, de 1med1ato, para o consumo. Mas, primeiro, nao existe troca sem divisao de traba-lho, quer natural, quer como resultado hist6rico; segundo, a troca privada supoe a produc;ao privada; terceiro, a intensidade da troca, do mesmo modo que sua exten-sao e tipo, sao determinadas pelo desenvolvimento e articulac;ao da produgao; par exemplo: a troca entre a cidade e o campo, a troca no campo, na cidade etc. A tro-ca aparece, assim, em todos os seus momentos diretamente compreendida na pro-duc;ao ou por ela deterrninada.

    . 0 resultado a _qu~ chegamos nao e que a produ~ao, a distribuic;ao, o intercam-bJO, o consumo, sao 1denticos, mas que todos eles sao elementos de uma totalida-de, diferen~as dentro de uma unidade. A produc;ao se expande tanto a si mesma na deterrninac;ao antitetica da produt;ao, como se alastra aos demais mementos. 0 processo comec;a sempre de novo a partir dela. Que a troca e o consumo nao pas-sam ser o elemento predominante, compreende-se par si mesmo. 0 mesmo acon-tece com a distribuigao como distribuic;ao dos produtos. Porem, como distribui~ao dos agentes de produc;ao, constitui um momenta da produ~ao. Uma (forma] deter-minada da produc;ao determina, pais, [formas] deterrninadas do consumo da distri-buic;ao, da troca, assim como relaqoes determinadas desses diferentes fat~res entre

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    si. A produ~ao, sem duvida, em sua forma unilateral, e tambem determinada por outros mementos; por exemplo, quando o mercado, isto e, a esfera da troca, se es-tende, a produ~o ganha em extensao e divide-se mais profundamente.

    Se a distribui~ad sofre uma modifica~o, modifica-se tambem a produ~o; com a concentra~ao do capital, ocorre uma distribui~o diferente da popula~o na cidade e no campo etc. Enfim, as necessidades do consume determinam a produ-

    ~o. Uma reciprocidade de a~ao ocorre entre os diferentes mementos. Este e o ca-so para qualquer todo organico.

    3. 0 metodo da Economia Politico

    Quando estudamos urn dado pafs do ponto de vista da Economia Polftica, co-me~amos por sua popula~ao, sua divisao em classes, sua reparti~ao entre cidades e campo, na orla maritima; os diferentes ramos da produc;ao, a exporta~o e a im-

    porta~o, a produ~o e o consume anuais, os pre~os das mercadorias etc. Parece que o correto e comec;ar pelo real e pelo concreto, que sao a pressuposi~o previa e efetiva; assim, em Economia, por exemplo, comec;ar-se-ia pela popula~ao, que e a base e o sujeito do ato social de produ~ao como urn todo. No entanto, gra~as a uma observac;ao mais atenta, tomamos conhecimento de que isso e falso. A popu-lac;ao e uma abstra~o. se desprezarmos, por exemplo, as classes que a compoem. Por seu !ado, essas classes sao uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os ele-mentos em que repousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital etc. Estes supoem a troca, a divisao do trabalho, os pre~os etc. 0 capital, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o pre~o etc., nao e nada. Assim, se comet;.asserrios pela populac;ao, teriamos firma representa~o ca6tica do todo, e atraves de uma determinac;ao mais precisaj atraves de uma analise, chega-rfamos a conceitos cada vez mais simples; do concreto idealizado passarfamos a abstrac;oes cada vez mais tenues ate atingirmos determina~oes as mais simples. Chegados a esse ponto, terfamos que voltar a fazer a viagem de modo inverse, ate dar de novo com a popula~ao, mas desta vez nao com uma representa~ao ca6tica de urn todo, porem com uma rica totalidade de determinac;oes e rela~oes diversas. 0 primeiro constitui o caminho que foi historicamente seguido pela nascente eco-nornia. Os economistas do seculo XVII, por exemplo, comec;am sempre pelo todo vivo: a popula~o, a na~ao, o Estado, varios Estados etc.; mas terminam sempre por descobrir, por meio da analise, certo numero de rela~oes gerais abstratas que sao determinantes, tais como a divisao do trabalho, o dinheiro, o valor etc. Esses elementos isolados, uma vez mais ou menos fixados e abstrafdos, dao origem aos sistemas econ6micos, que se elevam do simples, tal como trabalho, divisao do tra-balho, necessidade, valor de troca, ate o Estado, a troca entre as na~oes e o merca-do mundial. 0 ultimo metodo e manifestamente o metodo cientificamente exato. t 0 concreto e concreto porque e a sfntese de muitas determina~oes, isto e, unidade do diverse. Por isso o concreto ~rece no pensamento como o processo da sfnte-se, como resultado, nao como pcmto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e, portanto, o ponto de partida tam bern da intui~o e da representa~ol No primeiro metodo, a representa~ao plena volatiliza-se em determina~oes abstratas, no segundo, as determina~oes abstratas conduzem a reprodu~ao do concreto por meio do pensamento. Por isso e que Hegel caiu na ilusao de conceber o real como resultado do pensamento que se sintetiza em si, se aprofunda em si, e se move por si mesmo; enquanto que o metodo que consiste em elevar-se do abstrato ao con-creto nao e senao a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do con-creto, para reproduzi-lo como concreto pensado. Mas este nao e de modo ne-nhum o processo da genese do proprio concreto. A mais simples categoria econo-

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    ~ODUCAO 15 mica, st.~poohamo~, por exemplo, o valor de troca, pressupoe a popula~ao, uma

    17opula~ao pro~uzmdo em determinadas condi~oes e tambem certos tipos de {ami-bas, de comumdades ou Estados. 0 valor de troca nunca poderia ex.istir de outro modo senao como rela~ao unilateral, abstrata de urn todo vivo e concreto ja dado.

    ~o~o categoria, ao contrario, o valor de troca leva consigo urn modo de ser antedJluv~ano. Para a consciencia - e a consciencia filos6fica e determinada de tal modo que, para ela, o pensamento que concebe e o homem efetivo e o mundo conceb~do e como tal o unico efetivo. Para a consciencia, pois, o m~vimento das categon~s aparece como o ato de produ~ao efetivo - que recebe infelizmente ape-nas urn Impulse do exterior -, cujo resultado e o mundo, e isso e certo (aqui te-mos de novo uma tautologia) na medida em que a totalidade concreta, como totali-dade de pensamentos, como urn concreto de pensamentos, e de fato urn produto do pensar, do co~ceber; _na~ ~ de modo nenhum o produto do conceito que pen-sa separado e ac1ma da mtu1~ao e da representa~ao, e que se engendra a si mes-mo, mas da elabora~o da intuic;ao e da representa~o em conceitos. 0 todo, tal como aparece no cerebro, como urn todo de pensamentos, e urn produto do cere-bro p~nsante que se apropria do mundo do unico modo que Jhe e possfvel, modo ~~e difere do modo artfstico, religiose e pratico-mental de se apropriar dele. 0 su-Jeito real permanece subsistindo, agora como antes em sua autonomia fora do ce-rebro, isto ~ na medida ~m que o cerebro nao s~ comporta senao especulativa-

    men~e! teoncame~te. Por ISSO tambem, no metodo te6rico [da economia politica], o_ SUJeito - a sociedade- deve figurar sempre na representa~o como pressuposi-c;ao. .

    No entanto, essas categorias simples nao possuem tambem uma ex.istencia in-dependente hist6rica ou na~ral anterior as categorias mais concretas?

  • 16 PARA A CRITICA OA ECONOM!A POLITICA exemplo. Tambem nas comunidades eslavas, o dinheiro e a troca, que o condicio-na, desempenham urn papel insignificante ou nulo, J!laS aparecem em suas frontei-ras, nas suas rela~oes com as outras comunidades. E, pais, urn erro situar o inter-cambia no interior das comunidades como elemento que as constitui originaria-mente. A principia surge antes nas rela~oes redprocas entre as distintas comunida-des, que nas rela~oes entre os membros de uma mesma e unica comunidade.

    Alem disso, embora o dinheiro tenha, multo cedo e par toda parte, desempe-nhado urn papel, nao assume papel de elemento dorninante na Antiguidade, se-nao de modo unilateral e em determinadas na~oes - as na~oes comerciais. E mes-mo na Antiguidade mais culta, entre os gregos e os romanos, nao atinge seu com-pleto desenvolvimento, que se pressupoe existir na modema sociedade burguesa, a nao ser no perfodo de sua dissoluc;ao. Essa categoria, que e no entanto bern sim-ples, s6 aparece portanto historicamente com todo o seu vigor nos Estados mais desenvolvidos da sociedade. E o dinheiro nao entrava de modo nenhum em todas as rela~oes economicas; a5sim, no Imperio Romano, na epoca de seu perfeito de-senvolvimento, permaneceram como fundamentals o impasto e as entregas em produtos. 0 sistema do dinheiro, propriamente dito, encontrava-se completamente desenvolvido apenas no exercito, e jamais atingiu a totalidade do trabalho. De mo-do que, embora a categoria mais simples possa ter existido historicamente antes da mais concreta, pode precisamente pertencer em seu plena desenvolvimento, inten-sivo e extensivo, a formas complexas de sociedade, enquanto que a categoria mais concreta ja se achava plenamente desenvolvida em uma forma de sociedade me-nos avan~ada.

    0 trabalho parece ser uma categoria multo simples. E tambem a representa-c;ao do trabalho nesse sentido geral - como trabalho em geral - e multo antiga. Entretanto, concebido economicamente nessa simplicidade, o "trabalho" e uma ca-tegoria tao modema como o sao as rela~oes que engendram essa abstra~o. Par exemplo, o sistema monetario situa a riqueza de forma ainda mais objetiva, como coisa exterior a si, no dinheiro. Desse ponto de vista, houve urn grande progresso quando o sistema manufatureiro ou comercial colocou a fonte da riqueza nao nes-se objeto, mas na atividade subjetiva - no trabalho comercial e manufatureiro. Contudo concebia apenas essa ati~ade, limitadamente, como produto de dinhei-ro. Face a esse sistema, o sistema dos fisiocratas admite uma forma determinada de trabalho - a agricultura - como criadora de riqueza, e admite o pr6prio obje-to nao sob a forma dissimulada do dinheiro, mas como produto em geral, como re-sultado geral do trabalho. Esse produto, em virtude do carater limitado da ativida-de, continua a ser ainda urn produto determinado pela natureza, produto da agri-cultura, o produto da terra par excellence (par excelencia).

    Urn enorme progresso se deve a Adam Smith, que rejeitou toda determinac;ao particular da atividade criadora de riqueza, considerando apenas o trabalho puro e simples, isto e, nem o trabalho industrial, nem o trabalho comercial, nem o traba-lho agricola, mas todas essas formas de trabalho. Com a generalidade abstrata da atividade criadora de riqueza, igualmente se manifesta entao a generalidade do ob-jeto determinador da riqueza, o produto em absoluto, ou ainda, o trabalho em ge-ral, mas enquanto trabalho passado, trabalho objetivado. A dificuldade e importan-cia dessa transic;ao provam o fato de que o pr6prio Adam Smith torna a cair de quando em quando no sistema fisiocratico. Poderia parecer agora que, desse mo-do, se teria encontrado unicamente a relac;ao abstrata mais simples e mais antiga em que entram os homens em qualquer forma de sociedade - enquanto sao pro-dutores. Isso e certo em urn sentido. Mas nao em outro.

    A indiferen~ em rela~o ao genera de trabalho deterrninado pressupoe uma totalidade multo desenvolvida de generos de trabalho efetivos, nenhum dos quais domina os demais. Tampouco se produzem as abstrar;oes mais gerais senao onde

    .!

    INTRODUC}.O 17

    existe o desenvolvimento concreto mais rico, onde urn aparece como comum a muitos, comum a todos. Entao ja nao pode ser pensado somente sob uma forma particular. Par outro lado, essa abstra~ao do trabalho em geral nao e apenas o re-sultado intelectual de uma totalidade concreta de trabalhos. A indiferen~a em rela-

    ~o ao trabalho determinado corresponde a uma forma de sociedade na qual os in-divfduos podem passar com facilidade de urn trabalho a outro e na qual o genera deterrninado de trabalho e fortuito, e, portanto, e-lhes indiferente. Nesse caso o tra-balho se converteu nao s6 como categoria, mas na efetividade em urn meio de pro-duzir riqueza em geral, deixando, como determina~o, de se confundir com o indi-vfduo em sua particularidade. Esse estado de coisas se encontra mais desenvolvido na forma de existencia mais modema da sociedade burguesa - nos Estados Uni-dos. Af, pols, a abstra~ao da categoria "trabalho", "trabalho em geral" , trabalho sa~s J?hrase (se~ rodeios), ponto de partida da Economia modema, toma-se pela

    pnm~1ra vez prati~amente verdadeira. Assim, a abstra~ao mais simples, que a Eco-no~ma modema sttua em primeiro Iugar e que exprime uma rela~ao multo antiga e vahda para todas as formas de sociedade, s6 aparece no entanto nessa abstra~ao praticamente verdadeira como categoria da sociedade mais moderna. Poder-se-ia dizer que essa indiferen~a em rela~ao a uma forma determinada de trabalho, que se apresenta nos Estados Unidos como produto hist6rico, se manifesta na Russia par exemplo, como uma disposi~ao natural. Mas, par urn !ado, que d!feren~ dana~ da entre barbaros que tern uma tendencia natural para se deixar empregar em to-dos os trabalhos, e os civilizados que se empregam a si pr6prios. E, par outro !ado, a essa indiferen~a para urn trabalho determinado corresponde, na pratica, entre os russos, a sua sujei~ao tradicional a urn trabalho bern determinado, do qual s6 in-fluencias exteriores podem arranca-los.

    Esse exemplo mostra de maneira multo clara como ate as categorias mais abs-tratas - precisamente par causa de sua natureza abstrata - , apesar de su~ valida-de para todas as epocas, sao, contudo, na determinidade dessa abstra~ao, igual-mente produto de condi~oes hist6ricas, e nao possuem plena validez senao para es-sas condi~oes e dentro dos limites destas.

    A sociedade burguesa e a organiza~o hist6rica mais desenvolvida mais dife-renciada da produ~o. As categorias que exprimem suas rela~oes, a c~mpreensao de ~ua pr6pria articula~o, permitem penetrar na articula~ao e nas rela~oes de pro-

    du~o de todas as formas de sociedade desaparecidas, sabre cujas rufnas e elemen-tos se acha edificada, e cujos vestfgios, nao ultrapassados ainda, leva de arrastao desenvolvendo tudo que fora antes apenas indicado que toma assim toda a sua sig-

    nifica~o etc. A anatomia do homem e a chave da anatomia do macaco. 0 que nas especies animals inferiores indica uma forma superior nao pode, ao contrario, ser compreendido senao quando se conhece a forma superior. A Economia bur-guesa fornece a chave da Economia da Antiguidade etc. Porem, nao conforme o metoda dos economistas que fazem desaparecer todas as diferen~as hist6ricas e veem a forma burguesa em todas as formas de sociedade. Pode-se compreender o tributo, o dfzimo, quando se compreende a renda da terra. Mas nao se deve identi-fica-los.

    Como, alem disso, a pr6pria sociedade burguesa e apenas uma forma opositi-va do desenvolvimento, certas rela~oes pertencentes a formas anteriores nela s6 poderao ser novamente encontradas quando completamente atrofiadas ou mes-mo disfar~adas; par exemplo, a propriedade comunal. Se e certo, portan'to, que as categorias da Economia burguesa passu em [ o carater de] verda de para todas as demais formas de sociedade, nao se deve tamar isso senao cum grana sa/is. 7 Po-

    7 Cum grono sa/is (com urn gr!o de sal). Tradu~o da edic;ao de Manc-Enge/s Werke: "em sentido bern determinado". (N.doT.)

  • 18 PARA A CRITICA DA ECONOMIA POLiTICA

    dem ser desenvolvidas, atrofiadas, caricaturadas, mas sempre essencialmente distin-tas. 0 chamado desenvolvimento historico repousa em geral sobre o fato de a ulti-ma forma considerar as formas passadas como etapas que levam a seu proprio grau de desenvolvimento, e dado que ela raramente e capaz de fazer a sua propria crftica, e isso em condi~oes bern determinadas - concebe-os sempre sob urn as-pecto unilateral. A religiao crista so pode ajudar a compreender objetivamente as mitologias anteriores depois de ter feito, ate certo grau, por assim dizer dynamei, a sua propria crftica. Igualmente, a Economia burguesa so conseguiu compreender as sociedades feudal, antiga, oriental, quando come~ou a autocrftica da sociedade burg1,1esa. Na medida em que a Economia burguesa, criando uma nova mitologia, nao se identificou pura e simplesmente com o passado, a crftica que fez as socieda-des anteriores, em particular, a sociedade feudal, contra a qual tinha ainda que lu-tar diretamente, assemelhou-se a crftica do paganismo feita pelo cristianismo, ou a do catolicismo feita pela religiao protestante.

    Do mesmo modo que em toda ci~ncia historica e social em geral e preciso ter sempre em conta, a proposito do curso das categorias economicas, que o sujeito, nesse caso, a sociedade burguesa mbdema, esta dado tanto na realidade efetiva como no cerebro; que as categorias exprimem portanto formas de modos de ser,

    determina~oes de exist~ncia, freqi.ientemente aspectos isolados dessa sociedade de-terminada, desse sujeito, e que, por conseguinte, essa sociedade de maneira ne-nhuma se inicia, inclusive do ponto de vista cientifico, somente a partir do momen-to em que se trata deJa como tal. Isso deve ser fixado porque da imediatamente uma dire~ao decisiva as se~oes que precisam ser estabelecidas. Nada parece mais natural, por exemplo, do que come~ar pela renda da terra, pela propriedade fun-diana, dado que esta ligada a terra, fonte de toda a produ~ao e de todo modo de ser, e por ela ligada a primeira forma de produo de qualquer sociedade que atin-giu urn certo grau de estabilidade - a agricultura. Ora, nada seria mais errado. Em todas as formas de sociedade se encontra uma produ~ao determinada, superior ~ todas as demais, e cuja situao aponta sua posi~ao e influencia sobre as outras. E uma luz universal de que se embebem todas as cores, e que as modifica em sua particularidade. E um eter especial, que deterrnina o peso especffico de todas as coisas emprestando relevo a seu modo de ser.

    Consideremos, por exemplo, os povos pastores (os simples povos ca~dores ou pescadores nao chegaram ao ponto em que come~ o verdadeiro desenvolvi-mento). Neles existe certa forma esporadica de lavoura. A propriedade de terra en-contra-se determinada por ela. Essa propriedade e comum e conserva rnais ou me-nos essa forma, conforme aqueleS))ovos se aferrem mais ou menos a suas tradi-

    ~oes; por exemplo, a propriedade comunal dos eslavos. Onde predomina a agricul-tura, praticada por povos estabelecidos - e isso ja constituiu um grande progresso -, como na sociedade antiga e feudal, mesmo a industria, com sua organiza~ao e formas da propriedade que the correspondem, tem em maior ou menor medida urn carater especifico de propriedade rural. A [sociedade] ou bem esta marcada in-teiramente por esse carater, como entre os antigos romanos, ou a organiza~ao da cidade imita, como na Idade Media, a organizac;ao do campo. 0 proprio capital -enquanto nao seja simples capital-dinheiro - possui na Idade Media, como instru-mento tradicional, por exemplo, esse carater de propriedade fundiaria.

    Na sociedade burguesa acontece o contrario. A agricultura transforma-se mais e mais em simples ramos da industria e e dominada completamente pelo capital. A mesma coisa ocorre com a renda da terra. Em todas as formas em que domina a propriedade fundiaria, a rela~ao com a natureza e ainda preponderante. Naquelas em que domina o capital, o que prevalece e o elemento produzido social e histori-camente. Nao se compreende a renda da terra sem o capital, entretanto compreen-

    INTRODU

  • 20 PARA A CRiTICA DA ECONOMIA POLiTICA

    economicas, tais como o trabalho assalariado, a maquina etc., se desenvolveram mais cedo com a guerra e com os exercitos, do que no seio da sociedade burgue-sa. Igualmente a rela~ao entre a for~ produtiva e as rela~oes de comercio particu-larmente manifesta no exercito;

    2 - re/aqoo entre a historiografia idealista tal como tem sido escrita ate agora e a hist6ria real. Nomeadamente as que se intitulam hist6rias da civilizaqoo - a an-tiga historia da religiao e dos Estados. (Oportunamente, podemos referir tambem aos diferentes generos de historiografia ate o presente. A chamada [historiografia] objetiva. A subjetiva (moral etc.). A Filosofica.);

    3 - [fenomenos] secundarios e terciarios. De uma forma geral, rela~oes de produ~ao derivadas, transferidas, nao originais. Aqui entram em jogo rela~oes inter-nacionais;

    4 - crfticas a prop6sito do materialismo dessa concepqoo. Relaqoo com o ma-terialismo naturalista;

    5 - dialetica dos conceitos: forqa produtiva (meios de produqoo) e relaqoes de produqoo, dialetica cujos limites estao por determinar e nao suprime as diferen-

    ~as reais; 6 - relaqoo desigual do desenvolvimento da produqoo material, face a produ-

    qoo artfstica, por exemplo. De maneira geral, nao tomar o conceito de progresso na forma abstrata habitual. Arte modema etc. Essa despropor~ao esta Ionge de ser importante e tao diffcil de aprender como a que se produz no interior das rela~oes sociais praticas. Por exemplo, a cultura. Rela~ao dos Estados Unidos com a Euro-pa. 0 ponto propriamente diffcil nesse caso e discutir o seguinte: de que modo as relac;oes de produc;ao, como relac;oes jurfdicas, seguem urn desenvolvimento desi-gual. Assim, por exemplo, a relac;ao entre o direito privado romano (que nao e bern o caso do direito criminal e do direito publico) e a produo modema;

    7 - essa concepqoo aparece como um desenvolvimento necessaria. Mas, jus-tificac;ao do acaso. De que modo. (A liberdade, e tam bern outras coisas.) (Influen-cia dos meios de comunicar;ao. A historia universal nao existiu sempre; a historia considerada como historia universal e urn resultado. );

    8 - natura/mente o ponto de partida das determinidades naturais; subjetiva e objetivamente. Tribos, ra~as etc.

    ( ... ) Em relac;ao a arte, sabe-se que certas epocas do florescimento 'artfstico nao es-

    tao de modo algum em conformidade com o desenvolvimento geral da sociedade, nem, por conseguinte, com o da base material que e, de certo modo, a ossatura da sua organizao. Por exemplo, os gregos comparados com os modemos ou ain-da Shakespeare. Em rela~ao a certas formas de arte, a epopeia, por exemplo, ate mesmo se admite que nao poderiam ter sido produzidas na forma classica em que fizeram epoca, quando a produc;ao artfstica se manifesta como tal; que, portanto, no domfnio da propria arte, certas de suas figuras importantes so sao possfveis num estagio inferior do desenvolvimento artfstico. Se esse e o caso em relac;ao aos diferentes generos artfsticos no interior do domfnio da propria arte, e ja menos sur-preendente que seja igualmertte o caso em rela9ao a todo o domfnio artfstico no desenvolvimento geral da sociedade. A dificuldade reside apenas na maneira geral de apreender essas contradic;oes. Uma vez especificadas, so por isso estao explica-das.

    T omemos, por exemplo, a rela~ao com o nosso tempo, primeiro, da arte gre-ga, depois, da arte de Shakespeare. Sabe-se que a mitologia grega nao foi somen-te arsenal da arte grega, mas tam bern a terra [em que se desenvolveu]. A intuio da natureza e as relac;oes sociais que a imagina~ao grega inspira e constitui por isso mesmo o fundamento da [mitologia] grega, serao compatfveis com as selfactors

    r

    INTRODU