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MARX E A LIBERDADE

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Título: Marx e a liberdadeAutor: Terry EagletonTradução: Cristina MenesesRevisão: Manuel RaposoCapa: António BarataComposição e paginação: DinossauroImpressão: EME Silva, Lda.Edições Dinossauro

Apartado 14831013-001 [email protected] da edição: Outubro de 2002Depósito legal Nº 185674/02ISBN 972 - 8165 - 33 - 1

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MARX E A LIBERDADE

TRADUÇÃOCRISTINA MENESES

EDIÇÕES DINOSSAUROLISBOA, 2002

TERRY EAGLETON

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Abreviaturas*AEP - Argent, État et proletariat, in Karl Marx, Oeuvres, t. III, Philo-sophie,

Paris, Gallimard, 1982, trad. por M. Rubel.BLB - Le 18 Brumaire de Louis Bonaparte, in Karl Marx, Oeuvres, t. IV,

Politique I, Paris, Gallimard, 1994, trad. por M. Sagnol.C - Le Capital, in Karl Marx, Oeuvres, t. I, Économie I, Paris, Gallimard,

1963, para o Livro primeiro, trad. por Joseph Roy, revista por M.Rubel; e Oeuvres, t. I, Économie II, Paris, Gallimard, 1968, para o Livroterceiro, trad. por M. Jacob, M. Rubel e S. Voute.

CEP - Critique de l’économie politique, in Karl Marx, Oeuvres, t. I, Économie I, op.cit , trad. por M. Rubel e L. Évrard.

CPG - Critique du programme du Parti ouvrier allemand (Programme de Gotha),in Karl Marx, Oeuvres, t. I, Économie I, op. cit , trad. por M. Rubel e L.Évrard.

DAE - De l’abolition de l’État à la constitution de la société humaine, in KarlMarx, Oeuvres, t. III, Philosophie, op. cit., trad. por M. Rubel.

EP - Économie et philosophie (Manuscrits parisiens) (1984), in Karl Marx,Oeuvres, t. II, Économie II, op. cit , trad. por J. Malaquais e C. Orsoni.

IA - L’Idéologie allemande (conception matérialiste et critique du Monde), inKarl Marx, Oeuvres, t. III, Philosophie, op. cit., trad. por M. Rubel.

MC - Le Manifeste communiste, in Karl Marx, Oeuvres, t. I, Économie I, op.cit, trad. por M. Rubel e L. Évrard.

PCEP - Principes d’une critique de l’économie politique, in Karl Marx, Oeuvres,t. II, Économie II, op. cit , trad. por J. Malaquais e M. Rubel.

SF - La Sainte Famille ou Critique de la critique critique. Contre Bruno Bauer etconsorts, in Karl Marx, Oeuvres, t. III, Philosophie, op. cit., trad. por M.Rubel.

* Na versão francesa de “Marx e a liberdade” que serviu de base àpresente tradução para português, as citações dos textos de Marxsão reportadas às obras publicadas em francês – e assim são man-tidas. Acrescentaram-se as referências que permitem encontraralguns desses mesmos textos em versão portuguesa: OE para asObras Escolhidas de Marx e Engels, três tomos, edições Avante! eedições Progresso, de Moscovo; e Ca para O Capital, Livroprimeiro, três tomos, edições Avante!. (N.T.)

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A Steve Regan

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1. FILOSOFIA

Se Hegel e Aristóteles eram seguramente filósofos, emque sentido esta designação pode aplicar-se a Marx? Por umlado, numerosos textos de Marx têm um enunciado eminen-temente filosófico; por outro, ele também troçou do espíritofilosófico declarando por exemplo na sua célebre décimaprimeira tese sobre Feuerbach: “Os filósofos não fizeram maisdo que interpretar o mundo de diversas maneiras; o que im-porta, é transformá-lo” (DAE, III, Ad Feuerbach, p. 1033; OE,I, p. 3). A objecção que vem imediatamente à ideia (comotransformar um mundo que não compreendêssemos?) nãoterá deixado de receber o aval de Marx – porque, longe depropor a substituição das ideias por acções irreflectidas, elesugeriu unicamente que se privilegie um tipo de prática filo-sófica que permita modificar aquilo que procuramos com-preender, caminhando as mudanças sociais e intelectuais ladoa lado: “A filosofia não pode tornar-se realidade sem a aboliçãodo proletariado, o proletariado não pode abolir-se sem que afilosofia se torne realidade” (AEP, Pour une critique de la philo-sophie du droit de Hegel, p. 397), assinalou ele igualmente. Eis oque podemos ler na sua segunda tese sobre Feuerbach:

“A questão de saber se o pensar humano podealcançar a verdade objectiva não é uma questão de teo-ria, mas uma questão prática. É na prática que o homemtem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e opoder, o carácter terreno do seu pensamento. A querela

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da realidade ou da irrealidade do pensar – que está iso-lado da prática – é um problema puramente escolástico”(DAE, III, Ad Feuerbach, p. 1030; OE, I, p. 1).

Esta actividade teórica especificamente orientada paraa acção apresenta várias particularidades distintivas: qualifi-cada por vezes de “conhecimento emancipador”, visa antesde mais dar acesso à compreensão de uma situação individualou colectiva que é indispensável para a transformação da ditasituação, traço que permite (entre outros) qualificar esteconhecimento como nova compreensão de si. Mas não pode-mos renovar o conhecimento que temos de nós próprios semnos transformarmos ao mesmo tempo: trata-se, neste caso,de um modo de cognição particular no qual o acto de conhecermodifica aquilo que é contemplado. Quando me esforço porcompreender aquilo que sou e as condições da minha exis-tência, não posso, com efeito, manter-me idêntico àquilo queera antes: a parte de mim mesmo que cumpre este acto decompreensão, bem como aquela que é compreendida, diferemsempre daquilo que eram antes de cumprir este acto, e o pro-cesso repete-se forçosamente se tentar compreender de se-guida toda esta série de operações – compreender-se a si mesmoquase equivale a tentar saltar por cima da própria sombra oua erguer-se no ar puxando os próprios cabelos!

Este conhecimento, dado que incita os seres humanosa introduzir mudanças práticas nas suas condições de vida,tende, por outro lado, a transformar-se numa espécie de forçasocial ou política que faz parte integrante da situação materialexaminada, mais do que constituir um simples “reflexo” quese contentasse em reproduzir esta situação ou em sobrepor--se a ela: mais próxima do acontecimento histórico do que daespeculação abstracta, esta forma de conhecimento não traçauma fronteira nítida entre o saber que... e o saber como...

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Por outro lado, já não há lugar à distinção entre as ques-tões de valor inerentes a qualquer tentativa de emancipaçãopessoal e os dados factuais indispensáveis à compreensão dedada situação, como se desta forma fosse atenuada a distinçãofilosófica tradicionalmente estabelecida entre factos e valores:mais do que destacar que certo tipo de conhecimento poderevelar-se útil, importa apontar que as próprias motivaçõesdo desejo de compreender estão à partida ligadas ao sentidodos valores!

Esta décima primeira tese sobre Feuerbach não é assimredutível a uma espécie de causa filistina que apelasse simples-mente ao desvio da especulação abstracta para orientar-se so-bretudo para o “mundo real”: apesar das ocasionais incli-nações anti-intelectualistas às quais poderia ter cedido nassuas obras de juventude, Marx não esqueceu que o mundoreal só pode ser apreendido através de conceitos abstractos ea sua diligência, neste caso, foi ainda mais notável por decorrerde motivos filosóficos – não foi apenas a consequência doseu activismo político. Nisto, poderíamos ligá-lo à ilustrelinhagem de todos aqueles “anti-filósofos” que acentuaram,em épocas diferentes, os defeitos fundamentais do empre-endimento filosófico: Kierkegaard, Nietzsche, Heidegger,Adorno, Benjamin e Wittgenstein fazem parte dela, ao mesmotítulo que pensadores contemporâneos como Jacques Derridaou Richard Porty. Para todos estes pensadores, a filosofia noseu conjunto, e não unicamente esta ou aquela das suas com-ponentes temáticas, tornou-se uma actividade profundamenteproblemática: procuraram, cada um a seu modo, seja trans-cender a integralidade do projecto filosófico por razões quepermanecem filosoficamente interessantes, seja reformulá-lo emtermos radicalmente inovadores, objectivo que necessitava deforjar um estilo de escrita teórica totalmente inédito de acordocom alguns deles. Na sua maioria, procuraram desembaraçar

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a filosofia das suas antigas pretensões metafísicas, insistindo,em vez disso, em algo de mais fundamental aos seus olhos:no ser, no poder, na diferença, nas formas de vida práticasou nas “condições históricas”, no caso de Marx. As suascríticas não devem ser confundidas com uma pura e simplesoposição à filosofia: estes anti-filósofos demarcam-se tantodeste tipo de oponentes como um “anti-romance” comoUlisses difere de um não-romance do tipo “lista telefónica”.

Porque é que Marx lançou um olhar tão céptico sobrea filosofia? Em primeiro lugar porque considerava que o pontode partida era mau – parecia-lhe que os filósofos não remon-tavam tão longe quanto necessário. A filosofia em voga noseu tempo (o idealismo alemão) partia de facto das ideias,tomando a consciência como único fundamento da realidade;ora, Marx tinha descoberto que não saberíamos conceber amínima ideia sem que previamente a este fenómeno se desen-volvessem diversas actividades. O que tem de produzir-seantes de começarmos a reflectir? Temos de estar ligados prati-camente ao mundo que tentamos pensar, e em consequênciaestar já integrados num vasto conjunto de relações, condiçõesmateriais e/ou instituições sociais:

“A produção das ideias, das representações, daconsciência, está, de imediato, directamente ligada àactividade e ao comércio materiais dos homens: ela é alinguagem da vida real. Nela, a maneira de imaginar ede pensar, o comércio intelectual dos homens aparecemainda como a emanação directa do seu comportamentomaterial. O mesmo acontece com a produção inte-lectual, tal como se manifesta na linguagem da política,das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc., de umpovo. São os homens que produzem as suas represen-tações, as suas ideias, etc., mas são os homens reais,

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actuantes, tal como são condicionados por um desen-volvimento determinado das suas forças produtivas edo comércio que lhes corresponde até nas suas formasmais amplas. A consciência não pode nunca ser outracoisa que o ser consciente, e o ser dos homens é o seuprocesso de vida real.” (IA, p. 1056; OE, I, p. 13).

É conveniente salientar a este propósito que, mesmose Marx procura, numa perspectiva epistemológica, manterum laço estreito entre a consciência e o mundo material, existetambém um sentido político no qual ele pretende distenderesta relação. Para ele, como veremos, é quando produzimoslivremente, de forma gratuita e independente de qualquernecessidade material imediata que mais afirmamos a nossahumanidade e menos nos parecemos com as outras criaturasanimais: para Marx, a liberdade equivale a uma espécie desuperabundância criadora que, precisamente porque excedeo que é materialmente essencial, escapa por definição a qual-quer medida material e acaba por só poder ser avaliada peloseu próprio padrão; mas, porque também nada poderá advirem qualquer sociedade sem que estejam satisfeitas certas con-dições materiais, considera ainda que tudo é materialmentecondicionado, incluindo mesmo esse “excesso” de consciênciaque ele tem por selo da natureza humana. É na linguagem,sublinha ele, que a consciência e a prática social convergemcom uma evidência máxima:

“A linguagem é tão velha quanto a consciência –ela é a consciência real, prática, tão presente para osoutros homens como para mim mesmo, e, tal como aconsciência, a linguagem nasce apenas da carência, danecessidade do comércio com outros homens” (IA, p.1061; OE, I, p. 22).

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Mas, se a linguagem emana de uma carência, enquantocondição necessária do trabalho colectivo, não permaneceligada a esta necessidade, tal como é testemunhado pelo fenó-meno conhecido por “literatura”.

É apenas a partir do momento em que a “consciência”se emancipa suficientemente do mundo para atingir estaespécie de reflexão sistemática designada “filosofia” que setorna indispensável recorrer a especialistas, a academias e auma série de instituições paralelas que são todas fundadassobre o trabalho de outros: tal é o primeiro aspecto destemodo de organização que Marx qualifica como “divisão entreo trabalho material e o trabalho intelectual”. Pretende ele dizerque a filosofia, no sentido mais lato do termo, só pode pros-perar em sociedades que tenham conseguido um excedenteeconómico suficientemente importante para que alguns pos-sam ser dispensados das exigências do trabalho produtivo:estas sociedades têm de elevar-se suficientemente acima dasnecessidades materiais imediatas para poderem tolerar queuma minoria dos seus membros possa aceder ao estatuto pri-vilegiado de políticos, de académicos, de produtores culturais,etc., a tempo inteiro; a consciência pode então começar a ali-mentar o fantasma da sua independência da realidade material,sob o único pretexto de que existe um sentido material noqual ela existe realmente:

“A divisão do trabalho só adquire o seu verda-deiro carácter a partir do momento em que intervém adivisão entre o trabalho material e o trabalho intelectual.(A isto corresponde o primeiro tipo de ideólogos, ossacerdotes.) Desde então, a consciência pode verdadeira-mente imaginar que é uma coisa diferente da consciên-cia da prática estabelecida e que representa realmentealguma coisa sem representar qualquer coisa real: a

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partir deste momento a consciência é capaz de eman-cipar-se do mundo e de passar à formação da teoria‘pura’, da teologia, da filosofia, da moral, etc.” (IA, p.1062; OE, I, p. 23).

Segundo Marx, a cultura tem uma única origem, quenão é outra senão o trabalho – o que para ele equivale grossomodo à exploração. As culturas próprias das sociedades declasses tendem a reprimir esta verdade incómoda – prefereminventar antepassados mais nobres que possam negar estabaixa parentela, deixando supor em vez disso que provêmsimplesmente de culturas anteriores ou saíram apenas daimaginação desenfreada deste ou daquele indivíduo particular;mas Marx recorda-nos que o nosso pensamento, à semelhançados nossos sentidos mais especificamente corporais, é sempreo produto da história com que somos confrontados...A história, isto é, o mundo real, escapa sempre de uma ou deoutra forma à consciência que procura englobá-la, e Marx,que como bom dialéctico insistiu no carácter dinâmico, abertoe interactivo de todas as coisas, detestava os sistemas inte-lectuais presunçosos que (tal como o idealismo hegeliano)alegavam a sua pretensa capacidade de meter a totalidade domundo no interior da vestimenta dos seus conceitos. Podemosportanto espantar-nos por a sua própria obra ter acabadopor dar origem a um edifício tão estéril quanto aqueles quedenunciava.

Para Marx trata-se antes de mais de constatar que opróprio pensamento é causado e condicionado por factoresmateriais. Por mais que delimitemos as causas disto ou daquilo,poderá o nosso pensamento virar-se suficientemente sobresi próprio, digamos, a ponto de conseguir apreender seja oque for da história que o produziu? Nós, os homens do finaldo século XX, temos certamente boas razões para suspeitar

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que esta apreensão só pode ser parcial: somos levados asuspeitar que existe sempre uma espécie de mancha cega, umaqualquer amnésia necessária ou uma inevitável opacidade emrelação a si próprio que condena o espírito a invariavelmentefalhar neste tipo de empreendimento. Enquanto filho doséculo das Luzes, Marx acreditava talvez mais do que nós nopoder esclarecedor da razão: mas, enquanto pensador histo-ricista (estas duas correntes gémeas, o racionalismo e o histori-cismo, estão frequentemente em tensão na sua obra), reco-nhecia também que, se todo o pensamento tem um carácterhistórico, então, inevitavelmente, isto mesmo acontecia como seu. Na medida em que não se reduz a um conjunto deideias brilhantes que qualquer um poderia ter concebido emqualquer momento, o marxismo não poderia ter nascido notempo de Carlos Magno ou de Chaucer: pelo contrário, con-siste num fenómeno temporal e geograficamente circunscrito,que admite tranquilamente que as suas principais categoriasintelectuais (o trabalho abstracto, a mercadoria, o indivíduolivre de movimentos, etc.) foram um legado do capitalismo edo liberalismo político. O discurso marxista só aparece defacto a partir do momento em que lhe foi possível e necessáriomanifestar-se enquanto “crítica imanente” do capitalismo, eé por isso, sem dúvida, que tanto desejou escapar à época deque foi o produto. O Manifesto Comunista, em particular, nãopoupa elogios ao papel revolucionário das classes médias e àimensa mobilização de potencialidades humanas que o capi-talismo induziu:

“A burguesia desempenhou na história um papeleminentemente revolucionário. Onde quer que chegoua dominar, destruiu todas as condições feudais, patriar-cais, idílicas. Rasgou implacavelmente os laços multico-lores da feudalidade que prendiam o homem ao seu

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superior natural, não deixando subsistir entre o homeme o homem outro laço que não fosse o do interesse nu,o inexorável ‘pagamento sonante’. Devoções sagradase piedosos fervores, entusiasmos cavalheirescos, pesa-das melancolias – afogou tudo isto nas águas geladasdo cálculo egoísta. Numa palavra, no lugar da explo-ração velada por ilusões religiosas e políticas, colocoua exploração aberta, desavergonhada, directa, em todaa sua secura. [...]

Às relações familiares, arrancou o véu de tocantesentimentalidade; reduziu-as a uma simples relação dedinheiro. [...]

A burguesia não pode existir sem revolucionarconstantemente os instrumentos da produção, portantoas relações de produção, portanto o conjunto das condi-ções sociais. [...] O que distingue a época burguesa detodas as precedentes é a perturbação incessante da pro-dução, o abalo constante de todas as instituições sociais,em suma, a permanência da instabilidade e do movi-mento. Todas as relações sociais enferrujadas, com oseu cortejo de ideias e de opiniões aceites e veneradas,dissolvem-se; as que as substituem envelhecem antesmesmo de se consolidarem. Tudo o que era sólido, bemestabelecido, volatiliza-se, tudo o que era sagrado é pro-fanado, e no fim os homens são forçados a olhar demodo desenganado o lugar que ocupam na vida e assuas relações mútuas” (MC, p. 163-165; OE, I, p. 109--110).

Se estas energias tão admiráveis quanto devastadoraslançaram as bases materiais do socialismo também destruí-ram o projecto revolucionário que as tinha inicialmenteguiado: pondo fim a todas as formas tradicionais de opres-

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são, o capitalismo também confrontou a humanidade com arealidade brutal de uma exploração que o socialismo emseguida se aplicará em analisar e em transformar.

Compreender que o pensamento está enraizado naspróprias condições materiais que ele procura entender resultaem comportar-se como filósofo materialista, por paradoxalque esta afirmação possa parecer à primeira vista. O pensa-mento materialista, assim definido, deve procurar integrar umarealidade (a do mundo material) que é não só exterior à activi-dade intelectual como mais fundamental que esta, num certosentido; é o que Marx pretende dizer quando sustenta que,ao longo da história humana e ao contrário do que pretende-ram os idealistas, a consciência foi determinada pela “exis-tência social”, e não o inverso:

“Consequentemente, a moral, a religião, a meta-física e toda a demais ideologia, tal como as formas deconsciência que lhes correspondem, já não conservama sua aparente independência. Por si, não têm nem his-tória nem desenvolvimento; são os homens, pelo con-trário, que, ao desenvolverem a sua produção e a suacomunicação materiais, tanto transformam essa suarealidade como transformam o seu pensamento e osprodutos do pensamento. Não é a consciência quedetermina a vida, é a vida que determina a consciência”(IA, p. 1056-1057; OE, I, p. 14).

A dialéctica hegeliana é aqui firmemente reposta empé: Marx reformula esta dialéctica em termos materialistasnegando que as ideias determinem a existência social. Paraele, o que dizemos ou pensamos é no fim de contas determi-nado pelo que fazemos, o que equivale a postular que osnossos jogos linguísticos repousam em práticas históricas.

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Mas atenção: por ser também evidente que os actos que cum-primos enquanto seres históricos estão intimamente ligadosao pensamento e à linguagem – nenhuma prática humanaescapa à significação, à intenção e à imaginação, tal como Marxaponta:

“O animal é imediatamente uno com a sua acti-vidade vital. Ele não se distingue dela. Ele é essa mesmaactividade. O homem faz da sua própria actividade vitalo objecto da sua vontade e da sua consciência. Ele temuma actividade vital consciente. Não é uma caracte-rística com a qual ele se confunda imediatamente” (EP,p. 63).

“Uma aranha desempenha operações que se asse-melham às do tecelão, e a abelha, com a estrutura dassuas células de cera, confunde a habilidade de muitosarquitectos. Mas o que distingue desde logo o pior dosarquitectos da abelha mais experiente é o facto de aqueleter construído a célula na sua cabeça antes de a ter cons-truído na colmeia” (C, Livro primeiro, terceira secção,capítulo VII, p. 728; Ca, I, p. 206).

Se a existência social gera o pensamento, ela também éapanhada nas malhas das nossas construções mentais. Ora,Marx sustenta que o primeiro destes elementos é mais funda-mental do que o segundo, tal como afirma que as “bases”materiais das sociedades geram “superestruturas” culturais,jurídicas, políticas e ideológicas:

“Na produção social da sua existência, os ho-mens estabelecem relações determinadas, necessárias,independentes da sua vontade; essas relações de pro-

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dução correspondem a um dado grau do desenvolvi-mento das suas forças produtivas materiais. O conjuntodessas relações forma a estrutura económica da socie-dade, a base real sobre a qual se ergue um edifício jurí-dico e político, a que correspondem formas determi-nadas da consciência social. O modo de produção davida material domina em geral o desenvolvimento davida social, política e intelectual. Não é a consciênciados homens que determina a sua existência; pelo con-trário, é a sua existência social que determina a sua cons-ciência” (CEP, Introdução, pp. 272-273; OE, I, pp. 530--531).

São estes os tão celebrados delineamentos da “teoriaeconómica da história” que devemos a Marx. É óbvio que asua afirmação do primado da existência social sobre a cons-ciência tem um estatuto ontológico, na medida em que serefere a uma concepção geral do ser humano, e talvez tambémo seja o caso da doutrina “base/superestrutura”, na medidaem que ela enuncia que todas as formas políticas e sociais eque todas as mudanças históricas importantes são determi-nadas em última instância por conflitos inerentes às forçasde produção materiais. Mas esta doutrina também pode serrecolocada numa perspectiva mais histórica: porque ela des-creve como é que a política, as leis, a ideologia, etc., funcionamhistoricamente nas sociedades de classes. Que diz Marx? Que,nestas sociedades, as relações sociais são tão injustas e contra-ditórias que as formas políticas, jurídicas, etc., que se apoiamsobre essa base só podem ter como função ratificar, favorecerou mascarar essa injustiça, e que é precisamente por isso queestas formas podem ser qualificadas como “secundárias” ou“superestruturais” em relação a esse embasamento: daí poderinferir-se que, se as relações sociais fossem justas, estas super-

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estruturas talvez já não fossem necessárias... Trata-se aqui,dito por outras palavras, não apenas da origem material dasideias mas também e precisamente da função política que lhesé atribuída pela sua inscrição social, ponto que nos remetepara o conceito marxista de ideologia:

“Em todas as épocas, as ideias da classe domi-nante são as ideias dominantes; ou noutras palavras, aclasse que é a potência material dominante da socie-dade é simultaneamente a potência espiritual dominante.A classe que dispõe dos meios de produção materialdispõe, em simultâneo, e por este facto, dos meios deprodução intelectual, de tal modo que em geral, elaexerce o seu poder sobre as ideias daqueles que estãodesprovidos destes meios. Os pensamentos dominantesnão passam da expressão em ideias das condições mate-riais dominantes, são estas condições concebidas comoideias, e portanto a expressão das relações sociais queprecisamente fazem de uma única classe a classe domi-nante, e portanto as ideias da sua supremacia” (IA, pp.1080-1081; OE, I, p. 38).

Logo que se torne “ideológica”, a filosofia tende a des-viar os homens e as mulheres dos conflitos históricos acentu-ando o primado do espiritual ou propondo-se resolver estesconflitos a um nível superior completamente imaginário – éaquilo que Marx condena nos hegelianos. Pelo contrário, asua concepção da história:

“tem por objecto a análise do processo efectivo de pro-dução partindo da produção material da vida quoti-diana; a concepção da forma de comércio ligada a estemodo de produção e gerada por ele, isto é, a sociedade

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civil em diferentes estádios enquanto fundamento detoda a história; a descrição desta sociedade na sua acçãoenquanto Estado, bem como explicar através dela oconjunto das diversas produções teóricas e formas daconsciência, tais como a religião, a filosofia, a moral,etc.; a observação da génese da sociedade civil em liga-ção com estas formas e criações, o que permite então,naturalmente, a exposição do fenómeno na sua totali-dade (e também a interacção entre estes diversosaspectos)” (IA, p. 1071; OE, I, p. 32).

Ao contrário da concepção idealista, a teoria materia-lista “mantém-se sempre no terreno real da história”:

“[Ela] não explica a prática através da ideia, masa formação das ideias através da prática material, con-duz logicamente à conclusão de que todas as formas etodos os produtos da consciência podem ser resolvidos,não pela crítica intelectual, remetendo-os à “Cons-ciência de si” ou transformando-os em “aparições”,“fantasmas”, “caprichos”, etc., mas apenas transfor-mando efectivamente as condições sociais de onde sãooriundas estas frivolidades idealistas [...]” (IA, pp. 1071;OE, I, p. 32-33).

Dado que os problemas teóricos se ancoram sempreem contradições sociais, afirma Marx, apenas a política, e nãoa filosofia, permite resolvê-los: vemos assim como um certoestilo de raciocínio filosófico pode conduzir a um “descentra-mento” da própria filosofia. Como tantos outros anti-filóso-fos, Marx tentou deslocar o ponto de ancoragem tradicionaldo conjunto dos discursos teóricos apreendendo os enigmasfilosóficos simultaneamente como o sintoma de um texto his-

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tórico realmente subjacente e um modo de ocultação destemesmo texto; em vez de continuar a sonhar com a sua impos-sível auto-elaboração, estima ele, a filosofia faria melhor sese confrontasse com a sua dependência em relação a esta reali-dade que a transcende, dado que a abordagem materialista

“mostra que a história não termina dissolvendo-se na‘Consciência de si’ enquanto ‘Espírito do espírito’, masque cada um dos seus estádios oferece um resultadomaterial, uma soma de forças produtivas, uma relaçãohistoricamente criada com a natureza e entre os indiví-duos, que cada geração herda da sua antecessora, umamassa de forças produtivas, de capitais e de circunstân-cias que, por um lado, são modificadas, é certo, pelanova geração, mas que, por outro, lhe prescrevem assuas próprias condições de existência e lhe imprimemdeterminado desenvolvimento, uma característica espe-cífica. Ou seja, esta concepção da história mostra queas circunstâncias fazem os homens tal como os homensfazem as circunstâncias” (IA, pp. 1071-1072; OE, I, p. 33).

Desta forma, reconhece que a humanidade não é ape-nas o produto estritamente determinado por este ou aqueleconjunto de condições materiais – se o fosse, como esperariaele que os seres humanos pudessem um dia conseguir trans-formar estas condições? Com efeito, Marx, não pugna porum materialismo “mecanicista” semelhante, por exemplo, aode Thomas Hobbes, que reduzia a consciência a um simplesreflexo circunstancial, mas por um materialismo histórico: eleprojecta explicar a origem, as características e as funções dasideias através das condições históricas em que apareceram.

Pareceria, no entanto, ter-se esquecido que nem toda afilosofia é necessariamente idealista: não só o seu próprio

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pensamento não releva já da mesma etiqueta do pensamentodos grandes burgueses materialistas do século das Luzes fran-cês que lhe serviram de mestres, como ainda por cima pode-mos constatar que nem toda a ideologia é forçosamente “idea-lista”! O ponto de vista de Marx em relação a isto é dos maisoriginais: aos seus olhos, as filosofias idealistas são espéciesde ilusões que procurariam realizar na esfera do espírito oque ainda não pode ser cumprido na realidade histórica e,partindo desta definição, é certo que a resolução da totalidadedas contradições históricas próprias das sociedades existentesassinaria a pena de morte para qualquer especulação filosófica.Mas este reparo vale também para o pensamento de Marx: separtimos do princípio de que a filosofia marxista existe como único fim de favorecer o advento de uma sociedade comu-nista que está para vir, vemos mal como é que uma filosofiadeste género poderia ter lugar numa sociedade autenticamentecomunista – o facto é que, em conformidade com a sua pers-pectiva anti-utopista, Marx não se preocupa nada em descreveressa futura ordem do mundo... Como toda a teoria políticaextremista, o seu pensamento acaba por abolir-se a si próprio,e é talvez sobretudo neste sentido que tem um carácter histó-rico.

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2. ANTROPOLOGIA

O pensamento (pós-)moderno tende a ser “anti-funda-cionalista”, na medida em que tudo aquilo que tem tendênciapara aparecer-nos como um fundamento objectivo da nossaexistência para ele surge-lhe como uma ficção arbitrária; pelocontrário, Marx é um pensador mais clássico ou mais tradicio-nal para quem o fundo do nosso ser reside nesta forma parti-lhada de natureza material que ele qualifica como “ser gené-rico”. Tal como a expressão “natureza humana”, este conceitooscila ambiguamente entre a descrição e a prescrição, o factoe o valor, o exame sobre aquilo que somos e a medida daquiloque deveríamos ser: se naturalmente somos animais sociaisque dependemos uns dos outros para a nossa sobrevivênciamútua, este dado natural deve tornar-se tanto num valor polí-tico como numa realidade antropológica... é este o problema!Enquanto pensador historicista, Marx propõe-se salvar as ins-tituições humanas da falsa eternidade com que o pensamentometafísico as investiu: ele considera que aquilo que foi criadohistoricamente pode sempre ser mudado através de meioshistóricos; mas é igualmente, de uma forma um pouco para-doxal, uma espécie de essencialismo aristotélico que acreditana existência de uma natureza ou de uma essência humana edefine as sociedades justas como sociedades em que esta natu-reza pode apoderar-se de si própria. Como é que ele resolveesta aparente contradição teórica?

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Na esteira de Hegel, ele resolve-a ao considerar a mu-dança ou o desenvolvimento como a quintessência da reali-dade humana: ele afirma que, por natureza, o ser humanoprocura realizar as suas potencialidades. Mas em que consis-tem estas potencialidades, e em que contextos somos suscep-tíveis de as actualizar? Segundo ele, trata-se de questões pro-priamente históricas. Para o jovem Marx dos Manuscritos Econó-micos e Filosóficos de 1844, somos humanos apenas na medidaem que partilhamos um género específico de “ser genérico”com os nossos irmãos e irmãs em humanidade:

“A essência humana da natureza só existe primei-ramente para o homem social; pois é apenas assim quea natureza é para ele um laço com o homem, é assim queele vive para o outro e o outro para si, é assim que elaé o fundamento da sua própria existência humana e oelemento vital da humana realidade. É assim apenasque a sua vida natural é a sua vida humana, que a naturezase tornou para ele humana. A sociedade é a unidade essen-cial e perfeita do homem com a natureza, a verdadeiraressurreição da natureza, o naturalismo consumado dohomem e o humanismo consumado da natureza. [...]

Acima de tudo, devemos evitar fixar a própria“sociedade” como uma abstracção face ao indivíduo.O indivíduo é o ser social. A sua vida – mesmo se nãoaparece sob a forma directa de uma manifestação co-mum de existência, consumada simultaneamente comoutros – é uma manifestação e uma afirmação da vidasocial. A vida individual e a vida genérica do homemnão são diferentes [...]” (EP, p. 82).

Este “ser genérico” tende para um fim e um objectivo?Ou, dito de outra forma, Marx será um pensador teleológico?

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Em certo sentido, sim, noutro, não. Porque a finalidade donosso “ser genérico”, enuncia ele recorrendo a uma espéciede tautologia criadora, consiste precisamente em autorealizar--se – para Marx, como para tantos outros adeptos daquiloque poderíamos designar como “romantismo radical”, aexistência humana não pode, nem deveria, atribuir-se nenhumdesígnio que não seja o do seu desenvolvimento harmonioso:

“Quando os operários comunistas se reúnem, asua intenção visa em primeiro lugar a teoria, a propa-ganda, etc. Mas, ao mesmo tempo, desta maneira elesapropriam-se de uma nova necessidade, a necessidadede toda a sociedade, e aquilo que parecia não passar deum meio torna-se um fim. Deste movimento práticopodem observar-se os mais brilhantes resultados quan-do vemos reunirem-se operários socialistas franceses.Fumar, beber, comer, etc., deixam então de ser simplesocasiões para se reunirem, meios de união. A compa-nhia, a associação, a conversa que visa o conjunto dasociedade preenche-os; para eles a fraternidade humananão é uma frase, mas sim uma verdade, e das suas figu-ras endurecidas pelo trabalho irradia a nobreza da hu-manidade” (EP, pp. 98-99).

Esta noção romântica de uma natureza cujo auto-desen-volvimento constituiria um fim em si opunha-se a duas corren-tes de pensamento, ambas muito poderosas na época de Marx.A primeira estava marcada pelo ferro de um raciocínio meta-físico que impunha à humanidade a prestação de contas dosseus actos perante este ou aquele alto tribunal: o tribunal dodever, da moralidade, dos castigos religiosos, da Ideia Abso-luta, etc. Marx era profundamente hostil a esta orientaçãometafísica, por muito profundo que fosse o seu próprio mora-

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lismo: o processo de desenvolvimento das nossas faculdadese capacidades criativas constituía para ele, precisamente, o únicocritério admissível de moralidade, excluindo qualquer referên-cia a uma lei superior ou a qualquer augusta série de objectivosque pretendessem ultrapassar este processo – ele estimavaque esta dinâmica precisava tanto de ser justificada quantoum sorriso ou uma canção: tal dinâmica procedia simples-mente da nossa natureza comum, achava ele.

Mas esta ética entrava igualmente em conflito com essaforma de razão instrumental à luz da qual os indivíduos sóexistiriam para contribuir para alcançar este ou aquele nobreobjectivo: a construção do Estado político, por exemplo, ou(como a corrente então dominante do utilitarismo recomen-dava) a promoção da felicidade universal. Para Marx, estemodo de raciocínio que consiste em relacionar os meios comos fins era típico do género de racionalidade que prevalecianas sociedades de classes, na medida em que, em tais socie-dades, a energia da maioria é posta ao serviço do proveito dealguns poucos. Nas sociedades capitalistas, escreve ele,

“[o] trabalho, a actividade vital, a vida produtiva apa-recem de imediato ao homem como um simples meiode satisfazer uma necessidade – a necessidade de con-servar a sua existência física. A vida produtiva é a vidada espécie; é a vida criadora de vida. O modo de activi-dade vital encerra todo o carácter de uma espécie (spe-cies), o seu carácter genérico, ao passo que a actividadelivre, consciente, é o carácter genérico do homem. [Sobo capitalismo, a] própria vida surge como um simplesmeio de viver” (EP, p. 63).

Nas sociedades de classes o indivíduo é constrangidoa transformar o que comporta de menos funcional – a auto-

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-realização do seu ser genérico – num simples instrumentode sobrevivência material.

Bem entendido, Marx não recusa completamente estesmodos de raciocínio instrumentalistas: aceita que eles são acondição indispensável para qualquer actividade racional, e oseu projecto revolucionário necessitava, aliás, que relacionassefins com meios. Mas com isto não aspira menos ao surgimentode uma sociedade em que os seres humanos, homens ou mu-lheres, tivessem a possibilidade de aceder a um desenvolvi-mento que procurasse nunca menos do que a realização radicaldaquilo que transportassem já em si, e é nisto que o seu pensa-mento pode dar a impressão de roçar o paradoxo: é precisa-mente porque concede ao indivíduo um valor muito alto queMarx rejeita as ordens sociais que, celebrando na teoria ovalor do individualismo, na prática reduzem os seus membrosdos dois sexos a nada mais do que unidades de produçãoanónimas e trocáveis entre si.

Se nos pedissem para caracterizar a ética de Marx, otermo “estética” poderia, portanto, não ser a pior escolha.Porque se entende tradicionalmente por “estética” uma formade prática humana que não necessita de qualquer justificaçãoutilitária ainda que se relacione com objectivos, responda amotivações e seja regida por lógicas que lhe são próprias: éum exercício que não procede de nenhum outro impulso quenão seja o de cumprir algo que em si dá prazer. Ora, paraMarx, ser socialista consiste precisamente em esforçar-se porfazer de modo a que realizações desta ordem sejam pratica-mente acessíveis a um máximo de indivíduos – poderíamosdizer, a humanidade deverá surgir onde estava a arte... Eisporque é tão favorável à automação: só nas sociedades emque o trabalho esteja automatizado ao máximo, sublinha ele,é que os homens e as mulheres terão a possibilidade de desen-volver mais completamente as suas personalidades deixando

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de ser utilizados como meros instrumentos de produção. Talcomo a redução da duração da jornada de trabalho lhe aparececomo a condição sine qua non do desenvolvimento geral que osocialismo pode permitir:

“Neste domínio [o do trabalho], a liberdade sópode consistir nisto: os produtores associados – o ho-mem socializado – regulam de forma racional as suastrocas orgânicas com a natureza e submetem-nas ao seucontrolo comum em vez de serem dominados pelo podercego destas trocas; e concretizam-nas despendendo omenos possível de energia, nas condições mais dignas,as mais conformes à sua natureza humana. Mas o impérioda necessidade não deixa de subsistir. É para além deleque começa o desenvolvimento do poder humano que éo seu próprio fim, o verdadeiro reino da liberdade que,no entanto, só pode florescer assente nesse reino da ne-cessidade. A redução da jornada de trabalho é a condiçãofundamental para esta libertação” (C, Livro terceiro,Fragmentos, Em jeito de conclusão, pp. 1487-1488).

Podemos dizer também, para exprimir a mesma ideiade outra maneira, que Marx pretende libertar o “valor de uso”dos seres humanos da sua submissão ao “valor de troca”. Nasua óptica, um objecto é uma realidade sensível que devería-mos utilizar e de que deveríamos gozar considerando apenasas suas qualidades específicas: tal é o que ele entende por“valor de uso”. Contudo, nos regimes capitalistas, os objectosnão são mais do que mercadorias: existem apenas em funçãodo seu valor de troca, isto é, apenas enquanto bens compradose vendidos; por este facto, duas quaisquer mercadorias domesmo valor acabam inevitavelmente por ser reduzidas àrelação de igualdade abstracta que se estabelece entre elas –

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como a identidade prevalece sobre a diferença, as suas parti-cularidades naturais são danosamente ocultadas.

O mesmo sucede com os seres humanos quando vivemneste género de sistemas sociais. Nas sociedades regidas pelalei do mercado, os indivíduos são confrontados uns com osoutros como entidades abstractas e trocáveis entre si; os ope-rários tornam-se mercadorias que vendem a sua força de tra-balho pela melhor oferta; e os capitalistas só pensam em tirarlucro daquilo que eles produzam. Ora, aquilo que vale no do-mínio económico vale também na esfera política: se os Esta-dos burgueses tratam os seus naturais como iguais abstractosquando se dirigem à cabina de voto, só lhes conferem estaigualdade abstracta para os fazerem esquecer as suas desigual-dades sociais específicas. Assim incumbe à democracia socia-lista colmatar este hiato entre a forma política e o conteúdosocial, para que o nosso modo de existência enquanto mem-bros de um Estado político e cidadãos participantes na vidada comunidade a que pertencemos corresponda à nossaexistência enquanto indivíduos reais:

“É apenas quando o homem individual, real, tiverrecuperado em si mesmo o cidadão abstracto e se tivertornado, ele mesmo, homem individual, um ser genéricona sua vida empírica, no seu trabalho individual, nassuas relações individuais; quando o homem tiver reco-nhecido e tiver organizado as suas forças próprias en-quanto forças sociais e portanto não separar de si a forçasocial sob o aspecto de força política; é então, apenasnesse momento, que a emancipação humana será con-sumada” (AEP, “A propos de la question juive”, p. 373).

Da mesma forma que pretende abolir a troca de merca-dorias na esfera económica para que a produção seja regida

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pelo uso e não pelo lucro, Marx procura semelhantemente“desmercantilizar” a pessoa humana para libertar a “riquezada sensibilidade subjectiva do homem” da lógica abstractautilitária prevalecente até então. Dado que, nos regimes capita-listas, os nossos próprios sentidos se tornam mercadorias,apenas a abolição da propriedade privada poderia conduzir auma emancipação autêntica do corpo humano, sinónimo deuma reapropriação verdadeira de todos os sentidos humanos:

“A abolição da propriedade privada é a emanci-pação de todos os sentidos e de todas as qualidadeshumanas; mas ela é esta emancipação precisamente por-que estes sentidos e estas qualidades se tornam huma-nos, tanto subjectiva como objectivamente. O olhotorna-se o olho humano, tal como o seu objecto setorna um objecto social, humano, vindo do homem econduzindo ao homem. Os sentidos tornaram-se,assim, “teorizadores” na sua acção imediata. Eles rela-cionam-se com o objecto por amor do objecto, mas oobjecto relaciona-se humanamente a si próprio e aohomem, e vice-versa. Por isso a necessidade e o prazerperdem a sua natureza egoísta, enquanto que a naturezaperde a sua simples utilidade para tornar-se utilidadehumana” (EP, p. 83).

A antropologia política de Marx enraíza-se, conse-quentemente, numa concepção muito larga do trabalho namedida em que estabelece que a fonte da vida social resideno corpo humano.

Quanto mais complexa se torna a vida social, tantomais o trabalho tende a especializar-se, repartindo-se formasde actividades diferentes entre produtores diferentes: é aquiloque Marx chama a “divisão do trabalho”. Necessário ao desen-

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volvimento e ao aperfeiçoamento das forças produtivas, esteprocesso induz igualmente uma espécie de “alienação” aosuscitar uma realização unilateral dos potenciais humanos quevem contra o ideal marxista do “indivíduo completo” desdo-brando generosamente os seus talentos pessoais; de modoque a “divisão do trabalho” fornece um exemplo perfeito destegénero de divórcio que as sociedades de classes instauramentre o individual e o universal pela própria razão dos funcio-namentos parcelares que induzem – o trabalho mecânico dooperário de uma fábrica fecha-o, por exemplo, dentro de umaactividade exclusiva que o impede de exprimir todas as poten-cialidades do seu “ser genérico”:

“Por fim, e a divisão do trabalho fornece-nos deimediato o primeiro exemplo; enquanto os homensestão inseridos numa sociedade primitiva, ou seja,enquanto subsiste a divisão entre o interesse particulare o interesse geral, e que a actividade não é divididavoluntariamente mas naturalmente, o próprio acto dohomem ergue-se à sua frente como um poder estranhoque o submete em vez de ser ele que o domina. Comefeito, desde o momento em que o trabalho começa aser repartido, cada um entra num círculo de actividadesdeterminado e exclusivo, que lhe é imposto e de quenão pode evadir-se; ele é caçador, pescador, pastor ou“crítico crítico”, e tem de continuar a sê-lo sob penade perder os meios que lhe permitem viver. Na socie-dade comunista é o contrário: ninguém está fechadonum círculo exclusivo de actividades e cada um podeformar-se num qualquer ramo à sua escolha; é a socie-dade que regula a produção geral e que me permiteassim fazer hoje determinada coisa, amanhã outra, caçarde manhã, pescar da parte da tarde, ocupar-me do reba-

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nho à noite e aplicar-me na crítica depois da ceia, deacordo com a minha vontade, sem nunca tornar-mecaçador, pescador, pastor ou crítico” (IA, p. 1065; OE,I, pp. 25-26).

Esta especulação conta-se seguramente entre as maisutopistas de todas aquelas a que Marx se dedicou.

A ética política de Marx levanta os mesmos problemasque qualquer outro tipo de ética. Este conceito de um sujeitohumano livre de moldar-se à sua vontade não constituiria sim-plesmente uma versão mais generosa do modelo burguês epatriarcal do homem visto como auto-produtor laborioso?O ser humano ideal pintado por Marx não equivaleria a umaespécie de proletário prometeico? Não estaremos a lidar comuma versão de esquerda do ideal pequeno-burguês da renta-bilização ilimitada ou faustiana de uma riqueza interior apre-endida como mera posse material? Do mesmo modo, estadoutrina poderia parecer marcada por um activismo dema-siado implacável que não reconhece suficiente importância aestas facetas do ser humano que Wordsworth qualificava de“sábia passividade” e Keats de “capacidade negativa”... Esta-remos mesmo destinados a utilizar todas as nossas faculdadese capacidades latentes? Que fazer com aquelas que parecemmórbidas ou destruidoras? Talvez Marx estime que as nossasfaculdades só se tornem destruidoras a partir do momentoem que são travadas, caso em que está certamente enganado.E como distinguir as nossas aptidões positivas das negativasse esta distinção assenta no único critério do processo histó-rico relativo que permite estabelecê-la? Alguns argumentaramque mais vale cultivar verdadeiramente um único talentocriativo do que aspirar a um desenvolvimento “completo” desi próprio, da mesma maneira que outros preferiram o auto--sacrifício à auto-afirmação.

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Algumas destas críticas caem por si. Antes de mais,Marx era um materialista agudo demais para poder acreditarna possibilidade de um desenvolvimento humano ilimitado –estava tão consciente dos limites da nossa condição como dariqueza das nossas potencialidades:

“O homem é imediatamente ser natural. Enquan-to ser natural vivo, está, por um lado, dotado de forçasnaturais, de energias vitais, é um ser natural activo [...].Por outro lado, enquanto ser físico, corporal, sensível,ele é também um ser passivo, dependente e limitado, talcomo o animal e a planta. Isto significa que os objectosdos seus impulsos existem fora de si e independente-mente de si; mas correspondem às suas necessidades esão essenciais, indispensáveis para o exercício e para odesenvolvimento das suas energias” (EP, p. 130).

Por outro lado, talvez tenha feito demasiado caso da“produção”, mas também nunca utilizou este vocábulo nasua acepção mais estreitamente economista – pelo contrário,esta concepção era para ele sintomática do género de empo-brecimento espiritual que o capitalismo tende tipicamente afavorecer. Na sua óptica, a “produção” é um conceito muitovasto que equivale mais ou menos à noção de “auto-actuali-zação de si”; no sentido em que ele entende o termo, saborearum pêssego ou escutar um quarteto de cordas são compor-tamentos que participam de igual modo na nossa autocons-trução como a edificação de barragens ou o fabrico de cabides:

“No entanto, quando despojamos a riqueza doslimites da sua forma burguesa, o que vemos? Na ver-dade, uma coisa: a riqueza é a universalidade das necessi-dades, capacidades, desfrutes, forças produtivas, etc.,

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dos indivíduos, universalidade produzida pela trocauniversal; é o domínio plenamente desenvolvido dohomem sobre as forças naturais, tanto sobre a que lheé própria como sobre aquela a que se chama natureza.É o florescimento dos seus dons criadores, que pressu-põe apenas o desenvolvimento de todas as faculdadeshumanas como tais, sem as medir segundo um padrãodado. O homem reproduz-se, desse modo, não segundoum determinado carácter, mas na sua totalidade; nãoprocura manter-se uma coisa fixa, mas participa nomovimento absoluto do devir” (PCEP, p. 327).

Para Marx, portanto, o nosso ser genérico é natural-mente produtivo, na medida em que é pela transformação domundo que as nossas faculdades nos são desvendadas:

“Ao produzir praticamente um mundo deobjectos, ao dar forma à natureza não orgânica, o ho-mem afirma-se como um ser genérico consciente, istoé, um ser que se liga à espécie como à sua própria natu-reza, ou a si próprio como ser genérico. É verdade queo animal também produz. [...] Mas produz apenas aquilode que tem necessidade imediata para si e para a suaprogenitura; produz de um modo parcial, enquanto ohomem produz de um modo universal: ele só produzsob o império da necessidade física imediata, enquantoo homem produz mesmo quando está liberto da neces-sidade física, e só produz verdadeiramente quando delase liberta” (EP, pp. 63-64).

Somos livres quando, tal como os artistas, produzimossem sermos agrilhoados por este ou aquele constrangimentofísico; e é via esta actividade natural, de acordo com Marx,

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que todo o indivíduo particular afirma a sua humanidadenaquilo que ela tem de mais essencial: quanto mais desenvolvoa minha personalidade individual ao dar forma ao mundo,mais compreendo que é através deste traço que me ligo maisprofundamente aos outros seres humanos, e mais, porconsequência, o meu ser individual e o meu ser genérico sãoum só, fazendo-me as minhas produções existir aos olhos deoutrem exactamente como elas pressupõem que outrem existepara mim. Ora, não obstante o estatuto de verdade ontológicadeste processo que decorre do próprio tipo de criaturas quesomos, não deixa de haver certas formas de vida social quese entalam entre estas duas dimensões do nosso “eu” queconstituem o individual e o comunitário: a “alienação”, talcomo Marx a definiu nas suas obras de juventude, conduz aeste mecanismo. Em certo sentido, a existência de uma falhadesta ordem é inevitável: dado que o ser humano é atreitopor essência a “materializar” a sua natureza em objectos deque se separa, a nossa liberdade enraíza-se inevitavelmentenestas “objectificações”. Mas, nas sociedades de classes, osobjectos produzidos pela maioria dos trabalhadores mascu-linos e femininos são, além disso, apossados pela minoria da-queles ou daquelas que possuem e controlam os meios deprodução, de modo que estes produtores já não conseguemreconhecer-se no mundo que criaram – deixando a sua auto-realização de constituir um fim em si, acabam por ser pura esimplesmente instrumentalizados por todos aqueles possui-dores que prosperam em seu detrimento:

“É o mesmo que dizer que o produto do trabalhovem opor-se ao trabalho como um ser estranho, comouma potência independente do produtor. O produto dotrabalho é o trabalho que se fixou, materializou numobjecto, é a transformação do trabalho em objecto [Verge-

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genständlichung], materialização do trabalho. A realizaçãodo trabalho é a sua materialização. Nas condições daeconomia política, esta realização do trabalho surgecomo a dissipação do operário, a materialização comoperda e servidão materiais, a apropriação como aliena-ção, como despojamento. [...]

Separando o homem, 1.º da sua natureza, 2.º doseu próprio “eu”, da sua própria função activa, da suaactividade vital, o trabalho alienado torna a espécie hu-mana estranha ao homem: impõe ao homem a vida naespécie como uma substituição da sua vida individual”(EP, pp. 58 e 63).

O operário, aponta Marx, só tem o sentimento depertencer a si próprio quando não trabalha, e sente-se exteriora si próprio quando trabalha; de forma que a alienação é umprocesso com aspectos múltiplos: não só separa o trabalhadorda natureza e/ou do seu próprio corpo despojando-o dessecorpo não orgânico constituído pelo objecto da sua produçãoe/ou o processo do seu trabalho, mas torna-o ainda estranhoa esta actividade comunitária que o pode, só por ela, transfor-mar num ser humano verdadeiro. “De uma forma geral, atese segundo a qual o homem é tornado estranho ao seu sergenérico significa que os homens são tornados estranhos unsaos outros e cada um é tornado estranho à essência humana”(EP, p. 65).

Enquanto suportam esta espécie de “perda de reali-dade”, os produtores reforçam paradoxalmente através doseu trabalho, o sistema que os espolia:

“Posto isto, é evidente que quanto mais o operá-rio se despende no seu trabalho, mais poderoso se tornao mundo estranho, o mundo dos objectos que ele cria

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diante de si, e mais ele se empobrece a si mesmo, maiso seu mundo interior se torna pobre, menos possuialgo de si. É exactamente como na religião. Quantomais o homem atribui a Deus, menos conserva em sipróprio. O operário põe a sua vida no objecto e assimela já não lhe pertence, ela é do objecto. Quanto maioré esta actividade, mais o operário fica sem objecto. Elenão é o produto do seu trabalho. Quanto mais impor-tante é o seu produto, menos ele é ele próprio. A desapro-priação [Entäusserung] do operário em proveito do seuproduto significa não só que o seu trabalho se tornaum objecto, uma existência exterior, mas também queo seu trabalho existe fora dele, independentemente dele,estranho a ele, e se torna um poder autónomo face aele. A vida que ele entregou ao objecto opõe-se-lhe,hostil e estranha” (EP, pp. 58-59).

Os bens produzidos pelo trabalhador escapam ao seucontrolo e adquirem um poder autónomo, acabando assimpor exercer esse poder quase mágico que Marx qualificarámais tarde de “fetichismo da mercadoria” – sendo que paraele uma “mercadoria” é um objecto capaz de ser trocado poroutro objecto cuja produção tenha necessitado de uma quan-tidade de trabalho equivalente. Como o explica em O Capital:

“Tomemos ainda duas mercadorias, sejam trigoe ferro. Seja qual for a sua relação de troca, ela podesempre ser representada por uma equação na qual umadada quantidade de trigo é igualada a uma qualquerquantidade de ferro, por exemplo: 1 quarter de trigo =a quilogramas de ferro. Que significa esta equação? Queem dois objectos diferentes, 1 quarter de trigo e a quilo-gramas de ferro, existe algo de comum. Os dois

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objectos são portanto iguais a um terceiro que em simesmo não é um nem outro. Cada um deles, enquantovalor de troca, tem de ser redutível ao terceiro, indepen-dentemente do outro. [...]

Este algo de comum não pode ser uma proprie-dade natural qualquer, geométrica, física, química, etc.,das mercadorias. As suas qualidades naturais só entramem consideração na medida em que lhes dêem uma utili-dade que delas faça valor de uso. Mas, por outro lado,é evidente que nos abstraímos do valor de uso das mer-cadorias quando as trocamos e que qualquer relaçãode troca é precisamente caracterizada por essa abstrac-ção. [...] Como valores de uso, as mercadorias são, antesde mais, de qualidade diferente; como valores de trocaapenas podem ser de diferente quantidade.

Quando posto de lado o valor de uso das merca-dorias, apenas lhes resta uma qualidade, a de serem pro-dutos do trabalho” (C, Livro primeiro, primeira secção,capítulo primeiro, I, pp. 564-565; Ca, I, pp. 47-48).

Para Marx, as mercadorias são então entidades subtisque vivem uma espécie de dupla vida exactamente na medidaem que esse “não-sei-quê” que faz delas mercadorias é curio-samente independente das suas propriedades materiais. Emprimeiro lugar existem com o único fim de serem trocadas; e,apesar das aparências, de seguida um dado objecto é exacta-mente igual a qualquer outro objecto que necessite do em-prego de uma mesma quantidade de força de trabalho. Asmercadorias são, enquanto tais, fenómenos totalmenteabstractos que se relacionam com outras mercadorias semque essa relação entre coisas tenha a ver com a vida concretados seus produtores:

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“O misterioso da forma mercadoria reside por-tanto simplesmente no facto de ela reflectir para oshomens os caracteres sociais do seu próprio trabalhoenquanto propriedades materiais dos próprios produtosdo trabalho, como propriedades naturais, sociais, dessascoisas, e por isso também a relação social dos produ-tores com o trabalho colectivo como uma relação socialde objectos que existe fora deles. Eis como esses produ-tos se convertem em mercadorias, isto é, em coisas evi-dentes ou não evidentes, ou coisas sociais. [...] Mas aforma valor e a relação de valor dos produtos do traba-lho nada têm a ver com a sua natureza física. É apenasuma determinada relação social dos homens entre sique aqui reveste para eles a forma fantástica de umarelação das coisas entre elas. Para encontrar uma ana-logia com este fenómeno é preciso entrar na regiãonublada do mundo religioso. Aqui, os produtos docérebro humano têm o aspecto de seres independentes,dotados de corpos particulares, em comunicação comos homens e entre si. O mesmo se passa com os produ-tos da mão do homem no mundo mercantil. É o quese pode chamar o fetichismo apegado aos produtos dotrabalho, logo que eles se apresentam como mercado-rias, fetichismo inseparável desse modo de produção”(C, Livro primeiro, primeira secção, capítulo primeiro,IV, p. 1639, n. 1 da p. 606 e p. 606; Ca, I, p. 88).

Em resumo, o capitalismo é um mundo em que o sujeitoe o objecto estão invertidos – um regime económico no qualos produtores estão submetidos a e são determinados pelassuas próprias produções, revestindo os produtos do trabalhohumano uma forma opaca e imperiosa que prevalece sobre avida humana: o sujeito humano cria um objecto que se torna

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um pseudo-sujeito, capaz de rebaixar o seu próprio criadorpara o nível de coisa manipulada. Quando o capital empregao trabalho em vez do inverso, os mortos acabam mesmo porvampirizar os vivos por intermédio desse trabalho “morto”ou “acumulado” que o capital constitui:

“Quanto menos comes, bebes, compras livros;quanto menos vais a espectáculos, ao baile, ao cabaré;quanto menos pensas, amas, estudas; quanto menoscantas, pintas, fazes versos, etc., mais poupas, maisaumentas o teu tesouro que nem os mitos nem a poeirahão-de comer, e mais aumenta o teu capital. Quantomenos tu fores e te exteriorizares, mais possuirás, maiorserá a tua vida alienada, mais acumulas o teu próprioser alienado. [...] Tudo o que não possas fazer, o teudinheiro pode-o” (EP, p. 94).

Este processo de reificação sob o efeito do qual oanimado e o inanimado são invertidos e os mortos tiranizamos vivos é designadamente atestado pelo poder sem limitesdo dinheiro, verdadeira “mercadoria universal”, segundoMarx:

“Tal a força do dinheiro, tal a minha força. Asminhas qualidade e a força do meu ser são as qualidadesdo dinheiro; elas não são minhas, seu possuidor. O queeu sou, o que eu posso não é portanto de modo algumdeterminado pela minha individualidade. Sou feio, masposso comprar a mais bela mulher; então não sou feio,porque o efeito da fealdade, a sua força repulsiva é anu-lada pelo dinheiro. Como indivíduo sou estropiado, maso dinheiro dá-me vinte e quatro pés; portanto não souestropiado; sou um homem mau, desonesto, sem escrú-

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pulos, estúpido: mas o dinheiro é venerado, e eu, que opossuo, também” (EP, pp. 115-116).

O dinheiro, acrescenta Marx, “é a prostituta universal,o alcoviteiro universal dos homens e dos povos” (EP, p. 116),uma espécie de linguagem confusa que confunde e invertetodas as qualidades humanas, permitindo que tudo se trans-forme como por magia, noutra coisa qualquer.

Segundo Marx, é através do comunismo que os homense as mulheres se apropriarão do seu mundo, reencontrarão ouso pleno de todos os seus sentidos corporais, se entregarãoplenamente a todas as actividades vitais e serão devolvidosao seu ser comum: para ele, apenas este género de sistemapolítico poderia permitir-nos retomar a posse do nosso seralienado ao restituir-nos esses poderes que as sociedades declasses colocam como estranhos a nós próprios. Se os meiosde produção fossem possuídos em comum e democratica-mente controlados, acha ele, o mundo que criaríamos juntostornar-se-ia a nossa propriedade comum, e a auto-produçãode cada um acabaria então por fazer parte integrante da auto--realização de todos.

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3. HISTÓRIA

Se Marx é um filósofo, sobre o que filosofou? Segura-mente sobre nada tão grandioso como a “humana existên-cia”, mas também não sobre algo tão estreito como a econo-mia política. O seu pensamento não pretende constituir umaespécie de teorização cosmogónica que, tal como a religião,se destinaria a explicar todos os traços da vida humana.É certo que o seu colaborador Friedrich Engels elaborou umateoria extremamente ambiciosa, baptizada como “materia-lismo dialéctico”, que procurava tecer laços entre todos osdomínios do saber, desde a física e a biologia até à história eà sociologia, mas os escritos de Marx concorrem para umaempresa mais restrita e, no fim de contas, mais modesta quea de Engels: ele tentou unicamente identificar, e aplicou-se adesmantelar, todas essas contradições sociais maiores que nosimpedem de levar uma vida verdadeiramente humana, fundadasobre a utilização plena e inteira das nossas faculdades físicase espirituais. É forçoso constatar, por exemplo, que ele faloupouco sobre o que se irá passar depois dessas contradiçõesterem sido resolvidas, já que este processo equivale, a seuver, ao início da história humana propriamente dita, escapandoessa história futura por definição à nossa linguagem actual –segundo ele, tudo aquilo que sucedeu até à data reduz-se auma simples “pré-história” que não oferece à observação mais

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do que uma sucessão de diversos géneros de sociedades declasses; e, dado que a obra pessoal de Marx pertence a estaidade inevitavelmente dependente de certos modos de pensare modelos de vida, ela não pode, em conformidade com aspróprias regras da lógica historicista que convida a respeitar,saltar a pés juntos por cima do seu tempo para imaginar esteou aquele mundo utópico. Decididamente hostil aos utopis-mos, Marx nunca se atribuiu como tarefa a de antecipar futu-ros ideais: interessado apenas na análise e no levantamentodas contradições reais do presente, ele não aspira de modoalgum a favorecer o surgimento de um “Estado ideal”, expres-são que para ele associava termos intrinsecamente contra-ditórios.

Contudo, Marx não é apenas um teórico político dopresente; porque a descrição das contradições que, na suaperspectiva, obstaculizam o arranque de uma história “real”mais propícia à expressão da riqueza, do prazer e da diversi-dade individuais está integrada num quadro com uma muitovasta envergadura. Por este facto, defini-lo essencialmentecomo um economista político ou um sociólogo é tão falsocomo sustentar que ele compôs antes de mais uma obra filosó-fica – mesmo se, como vimos, se tratou de facto de um filó-sofo; ele propõe-nos, antes, uma teoria da história ou, commais precisão ainda, uma teoria da dinâmica das mudançashistóricas maiores. E foi esta filosofia que passou para aposteridade sob o nome de “materialismo histórico”.

Como caracteriza Marx as mudanças históricas? Con-trariamente ao que por vezes foi alegado, a noção de classesocial não é central para a sua argumentação: não só Marxnão foi o primeiro a descobrir a existência de classes, comonão se trata do seu conceito mais essencial. Já seria mais exactodeduzir que a ideia de luta das classes, isto é, a doutrinasegundo a qual as diversas classes sociais se opõem inevita-

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velmente entre si em resultado da divergência dos seus inte-resses materiais, está na origem de toda a sua obra: “A históriade qualquer sociedade até aos nossos dias é a história de lutasde classes” (MC, p. 161; OE, I, p. 106), pode ler-se no Manifestodo Partido Comunista. Mas mesmo esta generalização não cor-responde ainda ao núcleo mais profundo do seu pensamento,porque é sempre possível interrogar-se porque terão as classessociais forçosamente de viver neste estado de guerra perma-nente: para Marx só a história da produção material permiteresponder a tal questão.

A este respeito, o seu conceito chave reside na noçãode “modo de produção”, termo pelo qual entende a combi-nação historicamente específica de certas forças produtivas ede certas relações sociais de produção, sendo estas “forças”elas próprias definidas como os diversos meios de produçãoutilizáveis por uma dada sociedade, em simultâneo com a forçade trabalho humana. Um tear ou um computador, por exem-plo, são forças produtivas capazes de produzir valor; mas estasforças materiais são sempre inventadas, desenvolvidas e em-pregues no contexto de relações sociais de produção particu-lares, vocábulo que, em Marx, remete sobretudo para as rela-ções estabelecidas entre aqueles que possuem e controlam osmeios de produção e todos os não-possuidores que colocarama sua força de trabalho à disposição dos primeiros. Segundouma primeira leitura de Marx, as contradições mútuas quesurgem entre as forças e as relações de produção são o prin-cipal motor da história:

“Num certo grau do seu desenvolvimento, as for-ças produtivas materiais da sociedade entram em colisãocom as relações de produção existentes, ou com as rela-ções de propriedade no seio das quais se tinham movidoaté então, e que não são mais do que a sua expressão

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jurídica. Ontem ainda formas de desenvolvimento dasforças produtivas, estas condições transformam-se empesados entraves. Começa então uma era de revoluçãosocial” (CEP, Prefácio, p. 273; OE, I, p. 531).

É sob o efeito deste mecanismo que um modo de pro-dução cede o seu lugar a outro, sendo que o mais antigo foifundado sobre a propriedade “tribal”:

“Ela corresponde a um nível pouco desenvolvidoda produção em que um povo se alimenta da caça ouda pesca, da criação de gado, ou, no limite, da agricul-tura. Este último caso supõe numerosas terras incultas.Ainda muito rudimentar neste estádio, a divisão do tra-balho limita-se a um alargamento da divisão naturaldas tarefas próprias da família. A organização socialresume-se então a uma extensão da família: chefes datribo patriarcal e, abaixo deles, os membros da tribo, edepois os escravos” (IA, p. 1086; OE, I, p.10).

Depois do que, e pouco a pouco, apareceu o modo deprodução “antigo”, que

“resulta sobretudo da reunião, por contrato ou por con-quista, de várias tribos numa cidade em que subsiste aescravatura. Em simultâneo com a propriedade co-munal, começa a desenvolver-se a propriedade privadamobiliária e mais tarde imobiliária, mas enquanto formaanormal e subordinada à propriedade comunal. É sóno interior da sua comunidade que os cidadãos detêmpoder sobre os seus trabalhadores escravos: ei-los jáligados à forma comunal de propriedade. É a proprie-dade privada comunitária dos cidadãos activos que os

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obriga, face aos escravos, a manterem-se sob esta formade associação natural. Eis porque toda a organizaçãosocial fundada sobre ela, e com ela o poder do povo,entram em declínio na mesma medida em que sedesenvolve sobretudo a propriedade privada imobi-liária” (IA, p. 1086; OE, I, p.10).

Tal foi a origem do terceiro modo de produção, dito“feudal”:

“Esta [a propriedade feudal] assenta, tal como apropriedade tribal e a propriedade comunal, numacomunidade, com a excepção de já não serem escravos,como na Antiguidade, mas os pequenos camponesesservos que constituem a classe directamente produtora.Em simultâneo com a plena constituição da feudalidade,aparece a oposição às cidades. A organização hierár-quica da propriedade fundiária e os seus séquitos arma-dos asseguravam à nobreza o poder sobre os servos.Esta organização feudal, tal como a antiga propriedadecomunal, era uma associação contra a classe produtorasubjugada; apenas a forma de associação e as relaçõescom os produtores directos as diferenciavam, porqueas condições de produção eram diferentes” (IA, pp.1087-1088; OE, I, p.11).

Enquanto os domínios fundiários feudais se difundiampelos campos, corporações mercantis fundadas sobre a produ-ção em pequena escala e numa divisão do trabalho rudimentarconstituíam-se nas cidades. Mas, por força das restrições ine-rentes a este sistema corporativo, as relações sociais de tipofeudal tinham travado o desenvolvimento das classes médiasurbanas que apareceram em paralelo, camadas sociais que se

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tinham separado bruscamente destes entraves desenca-deandouma revolução política acompanhada por uma formidávellibertação de forças produtivas. Contudo, mais tarde, depoisdo surgimento do capitalismo industrial, a burguesia mostrou--se incapaz de continuar a desenvolver essas forças sem gerardesigualdades extremas, crises económicas, penúrias artificiaise verdadeiras destruições de capitais; assim foram lançadasas bases da próxima substituição desta classe burguesa pelaclasse operária, que deverá tomar o controlo dos meios deprodução para os pôr ao serviço dos interesses de todos:

“A partir do momento em que este processo detransformação decompôs suficientemente e de alto abaixo a velha sociedade, que os produtores são trans-formados em proletários e as suas condições de traba-lho em capital, quando por fim o regime capitalista seaguenta apenas pela força económica das coisas, entãoa socialização ulterior do trabalho, bem como a meta-morfose progressiva do solo e dos outros meios deprodução em instrumentos socialmente explorados, co-muns, numa palavra, a eliminação ulterior dos proprie-tários privados vai revestir-se de uma nova forma. Oque deve agora ser expropriado já não é o trabalhadorindependente, mas o capitalista, o chefe de um exércitoou de uma brigada de assalariados.”

“Esta expropriação cumpre-se pelo jogo das leisimanentes da produção capitalista, que conduzem à concen-tração dos capitais. Por cada capitalista vivo, vários capita-listas mortos” (C, Livro primeiro, oitava secção, Con-clusão [cap. XXXII], Tendência histórica da acumulaçãocapitalista, pp. 1238-1239 e p. 1708, n. 1 da p. 1239;Ca, III, p. 861).

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Por outras palavras, o capitalismo abre o caminho dasua própria negação ao socializar o trabalho e ao centralizaro capital:

“Correlativamente a esta centralização, à expro-priação da maioria dos capitalistas por uma minoriadeles, desenvolvem-se numa escala sempre crescente aaplicação da ciência à técnica, a exploração da terra commétodo e em conjunto, a transformação das ferramen-tas em poderosos instrumentos de uso comum, portan-to a economização dos meios de produção, o entrelaça-mento de todos os povos na rede do mercado universal,e com isso o carácter internacional imprimido ao regimecapitalista” (ibid. p. 1239; Ca, III, p. 861).

Por consequência, é o capitalismo que, ao provocar aemergência do seu antagonista histórico – a classe operária –,dá paradoxalmente origem aos seus próprios coveiros:

“À medida que diminui o número de potentadosdo capital que usurpam e monopolizam todas as vanta-gens deste período de evolução social, cresce a miséria,a opressão, a escravatura, a degradação, a exploração,mas também a resistência da classe operária que en-grossa sem parar e cada vez mais disciplinada, unida eorganizada pelo próprio mecanismo da produção capi-talista. O monopólio do capital torna-se um entravepara o modo de produção que cresceu e prosperou comele e sob os seus auspícios. A socialização do trabalhoe a centralização das suas forças materiais chegam a talponto que já não podem ser contidas no seu invólucrocapitalista. Este invólucro quebra-se em estilhaços. Ahora da propriedade capitalista soou. Os expropria-

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dores são por seu turno expropriados” (ibid; ibid, pp.861-862).

Assim descrito, o processo global da revolução prole-tária parece marcado por um automatismo altamente invero-símil. Segundo esta versão do pensamento de Marx, o ascensoe a queda das classes dirigentes dependeria da sua capacidadeem desenvolver as forças produtivas, transformando-se cadamodo de produção (comunismo primitivo, escravatura, feuda-lismo ou capitalismo) noutro pelo próprio jogo da sua lógicaimanente. Estamos perante uma espécie de variante histori-cizada da antropologia de Marx: o desenvolvimento humanoé positivado, sendo negativo tudo o que se oponha a esteprocesso. Mas, em simultâneo, este modelo não se conciliafacilmente com aqueles outros trechos da obra de Marx onde,ao invés, é sugerido que, porque as classes dirigentes desen-volvem sempre as forças produtivas com o fim de melhorservir os seus próprios interesses e de incrementar a explora-ção das classes inferiores, estas forças são finalmente menosimportantes do que as relações de produção: de acordo comeste segundo modelo, a revolução política resultante procededirectamente da luta de classes – não decorre de esta ou aquelatendência trans-histórica de libertar as forças produtivas dequalquer entrave social; e são, portanto, os conflitos de classesque são tidos aqui como os verdadeiros motores da história,ainda que eles se ancorem na produção material.

Marx, bem entendido, prestou uma atenção particular(mais não fosse no seu monumento do Capital) ao modo deprodução em vigor na sua época. No modo de produção capi-talista, os operários, que só possuem a sua aptidão para traba-lhar (ou “força de trabalho”), são constrangidos a vender estaaptidão aos possuidores de capitais, que os empregam a fimde tirar lucro do seu trabalho: os seres humanos tornam-se

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deste modo mercadorias trocáveis no mercado da mão-de--obra. Em contrapartida do aluguer da força de trabalho dooperário, o capitalista fornece-lhe essa mercadoria chamada“salário” – sendo o montante do salário igual ao valor detudo o que seja necessário à “reconstituição” da força de tra-balho, isto é, ao custo dos bens indispensáveis à sobrevivênciado operário e à repetição do seu trabalho. Mas, pelo própriofacto de ela não constituir nunca um objecto imutável e depen-der unicamente do domínio das energias e potencialidadeshumanas, a força de trabalho é uma espécie de mercadoriaeminentemente flexível e indeterminada que, sob a forma dosbens produzidos e vendidos que traz ao capitalista, gera umvalor maior do que o dos bens que o operário pode comprarcom o salário que lhe é entregue: este processo, que, paraMarx, equivale a retirar uma “mais-valia” da classe operária, éinerente à exploração que as relações sociais capitalistas ten-dem inexoravelmente a induzir; e, porque a troca salário/tra-balho parece equitativa, torna-se mais evidente que esta explo-ração está necessariamente mascarada pelos funcionamentosrotineiros do sistema capitalista.

Contudo, o sistema capitalista está centrado tambémsobre a concorrência: para não perecer, cada industria é forçadaa aumentar o seu capital. Segundo Marx, daí resulta uma baixatendencial da taxa de lucro que está, ela própria, na origem dasrecessões periódicas que sempre caracterizaram este modo deprodução: porque é do interesse dos patrões apropriarem-sede uma parte cada vez maior do produto do trabalho dos ope-rários sob a forma de lucro, e porque os operários têm, pelocontrário, interesse em não serem despojados do fruto do seulabor, as contradições deste sistema só podem agravar-sesimultaneamente à intensificação da luta de classes. Para Marx,somente a revolução socialista permitirá sair deste impasse:expropriando os capitalistas e instaurando um controlo colec-

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tivo dos meios de produção, a classe operária resolverá definiti-vamente estas contradições entre os benefícios individuais e ointeresse geral.

O marxismo não é um moralismo que condena os capi-talistas pela sua infâmia e idealiza os trabalhadores: pelo con-trário, reclama-se como teoria “científica” da mudança histó-rica, segundo a qual nenhuma classe dirigente pode ser unifor-memente tida por boa ou má. Num primeiro nível de leitura,uma classe pode ser qualificada como “progressista” enquantose mantiver capaz de desenvolver as forças produtivas – oque pode deixar supor que a escravatura foi, a seu tempo, ummodo de produção progressista... Esta concepção, decerto,vai contra o nosso sentido de justiça, por muito original quetenha sido a posição de Marx sobre o assunto: por um lado,na oportunidade teria criticado o conceito de justiça burguesaconsiderando-o como uma simples construção ideológica des-tinada a mascarar a exploração; por outro, e paradoxalmente,foi movido por um formidável desejo de justiça social quetransparece em toda a sua obra.

É possível que a burguesia nos nossos dias faça obstá-culo à liberdade, à justiça e ao bem-estar universal; mas nãodeixou de constituir, no seu apogeu, uma força revolucionáriaque, depois de ter vencido os seus adversários feudais, legoua própria ideia de justiça e de liberdade aos seus sucessoressocialistas conduzindo as forças produtivas a um nível dedesenvolvimento não só sem precedentes mas verdadeira-mente indispensável para a realização do projecto socialista.Sem as riquezas materiais e espirituais que o capitalismo soubecriar, o socialismo seria impossível: um socialismo que neces-sitasse de construir as forças de produção a partir do zero,sem que uma classe capitalista tivesse já cumprido a tarefaem seu lugar, teria inevitavelmente tendência a desembocarnaquela forma de poder estatal totalitário de que o stalinismo

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nos forneceu um tão terrível exemplo; da mesma maneiraque um socialismo que não se apoiasse sobre a base muitorica das liberdades burguesas e das instituições cívicas que asclasses médias construíram estaria condenado a reforçar essastendências autocráticas. É evidente que a burguesia obedeceua motivos pouco dignos – a procura do lucro individual; masteve contudo o mérito colectivo de desenvolver as forças pro-dutivas mundiais com uma eficácia sem paralelo: tendo emconta o nosso nível actual de recursos e a reorganização queo modo de produção socialista não deixaria de induzir, tudoleva a crer que, caso o quiséssemos, teríamos muito verosimil-mente os meios para viver num mundo emancipado para sem-pre dos tormentos da pobreza!

As classes médias revolucionárias não só no plano ma-terial tiveram êxito: ao permitir aos indivíduos o acesso a umnível de desenvolvimento pessoal de uma complexidadeinaudita, elas suscitaram de igual modo um enriquecimentohumano que competirá ao socialismo fazer frutificar. É assimque o marxismo não se contenta em meditar sobre ideais so-ciais inéditos: trata-se antes de mais de nos interrogarmosporque é que os belos ideais que nos guiam se revelaram atéaqui estruturalmente incapazes de serem realizados por quemquer que fosse. E, em consequência, importa criar as condi-ções materiais desta realização, sem esquecer que a universali-dade da burguesia – o facto de se tratar da primeira classesocial verdadeiramente universal – constitui condição favorável:ao romper com todos os particularismos provinciais ou nacio-nais, a burguesia favorece o próprio tipo de comunicaçãoglobal sobre a qual uma comunidade socialista autenticamenteinternacionalista poderia seguramente escorar-se.

Uma teoria verdadeiramente dialéctica da história dasclasses sociais deve portanto destacar que o aspecto emancipa-dor e o aspecto opressivo fazem parte de uma única e mesma

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lógica, tal como Marx o apontou nesta passagem que nãopoderia ser mais eloquente:

“Nos nossos dias, todas as coisas parecem contero seu contrário. A máquina possui o maravilhoso poderde abreviar o trabalho e de o tornar mais produtivo;mas vemo-la a esfaimar e a extenuar os trabalhadores.Pelo efeito de qualquer estranho malefício do destino,as novas fontes de riqueza transformam-se em fontesde infortúnio. As vitórias da técnica parecem ser obtidasa troco da decadência moral. À medida que a huma-nidade se torna senhora da natureza, o homem parecetornar-se escravo dos seus semelhantes ou da sua pró-pria infâmia. Parece que mesmo a pura luz da ciêncianecessita, para resplandecer, das trevas da ignorância eque qualquer das nossas invenções e dos nossos pro-gressos não tem senão um objectivo: dotar as forçasmateriais de vida e de inteligência e reduzir a vida hu-mana a uma força material. Este contraste da indústriae da ciência modernas por um lado, da miséria e dadissolução modernas por outro; este antagonismo entreas forças produtivas e as relações sociais na nossa época,é um facto de uma evidência esmagadora que ninguémousará negar” (People’s paper, 14 de Abril 1856, in KarlMarx, Oeuvres, t. II, Économie II, Paris, Gallimard, 1968,pp. CXXVI-CXXVII).

A ironia, a inversão, o quiasma, a contradição estão nocoração do pensamento de Marx. Ao acumular as maioresriquezas que a história jamais conheceu, a classe capitalistaprocedeu a esta acumulação num contexto de relações sociaisque precipitaram a maioria das classes inferiores na fome, namiséria e na opressão; e deu origem também a uma ordem

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social que, em razão da sua submissão aos antagonismos domercado, leva os indivíduos a oporem-se uns aos outros –uma sociedade onde a agressão, a dominação, a rivalidade, aguerra e a exploração imperialista prevalecem sobre a coope-ração e a solidariedade. A história do capitalismo é assim ahistória de um individualismo abusivo que enclausura cadaser humano por detrás da muralha dos seus cálculos solipsistasfazendo dos outros simples instrumentos de interesses parti-culares; mas Marx não condena por isso o individualismo nempretende afogar as individualidades num colectivismo anó-nimo: ele aspira, pelo contrário, a que as relações entre oshomens e as mulheres sejam restabelecidas no único nível dopleno desenvolvimento das suas potencialidades individuais– tal como o registou no Manifesto do Partido Comunista, a antigasociedade burguesa deve dar lugar a “uma associação em queo livre desenvolvimento de cada um seja a condição do livredesenvolvimento de todos” (MC, p. 183; OE, I, p. 125), esomente a abolição da propriedade privada permitirá atingireste objectivo.

Esta teoria tão audaciosa como criativa é, bem enten-dido, problemática sob vários pontos de vista. Antes de mais,aquilo que Marx entende exactamente por “classe social” nãoé muito claro: a sua obra foi interrompida no preciso momen-to em que se aprontava para analisar este conceito em porme-nor, pode ler-se nas palavras de alguns comentadores um pou-co graciosos ou trocistas. É certo que para ele a categoria“classe” é essencialmente económica: ao estimar, grosso modo,que os indivíduos que se posicionam de uma mesma formarelativamente a um modo de produção pertencem a uma mes-ma classe, ele deduz que os pequenos produtores indepen-dentes como os camponeses e os artesãos, por exemplo, po-dem ser catalogados como “pequeno-burgueses”, sendo “pro-letários” aqueles que têm de vender a sua força de trabalho a

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outros. Assim sendo, a estrela de cinema milionária e o var-redor pertencem os dois à classe operária? Ou teremos deadmitir que factores políticos, culturais e ideológicos entramem linha de conta? Existem ou não relações entre as classessociais e aqueles outros agrupamentos humanos (os gruposnacionais, étnicos, sexuais, etc.) a que Marx atribui muito me-nos importância? E uma classe deve ter consciência da suaidentidade para ser qualificada enquanto tal? Marx debruçou--se sobre esta última questão a propósito do campesinato fran-cês, no 18 de Brumário de Louis Bonaparte:

“Os pequenos camponeses constituem umamassa enorme, cujos membros vivem todos na mesmasituação, mas sem terem contactos múltiplos uns comos outros. O seu modo de produção isola-os uns dosoutros, ao invés de estabelecer entre eles um comérciomútuo. [...] Na medida em que milhões de famíliasvivem em condições económicas de existência que sepa-ram o seu modo de vida, os seus interesses e a sua ins-trução dos das outras classes, e os voltam contra estas,eles constituem uma classe. Na medida em que só existeuma relação local entre os pequenos camponeses, quea identidade dos seus interesses não constitui umacomunidade, nem um laço nacional, nem nenhumaorganização política, eles não constituem uma classe”(BLB, pp. 532-533; OE, I, pp. 502-503).

A sua teoria da mudança histórica também levanta pro-blemas: se Marx afirma claramente que se trata antes de maisde desenvolver sempre e por todo o lado as forças produtivas, épassível de uma crítica ecológica; e podemos além disso per-guntar se esta dialéctica histórica, para ele, procede ou nãode uma necessidade incontornável. Porque, se no Manifesto do

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Partido Comunista ele precisa que o declínio da burguesia e otriunfo do proletariado “são igualmente inevitáveis” (MC, p.173; OE, I, p. 117) e se em O Capital escreve que as leis naturaisda produção capitalista “se manifestam e se realizam comuma necessidade férrea” (C, Livro primeiro, Prefácio à primei-ra edição, p. 549; Ca, I, p. 6), por outro lado ele troça da cren-ça determinista segundo a qual uma entidade designada His-tória alcançaria os seus próprios fins manipulando os sereshumanos:

“A História não faz nada, ela não possui ‘riquezasimensas’, ela não se entrega a nenhum ‘combate’! É antesde mais o homem, o homem real e vivo que faz tudoisto, que possui e combate; não é com certeza a ‘Histó-ria’ que se serve do homem como de um meio paraobrar e atingir – como se se tratasse de uma personagemà parte – os seus próprios fins; pelo contrário, ela nãoé nada senão a actividade do homem perseguindo osseus fins” (SF, p. 526).

Da mesma maneira, nega que os diversos modos deprodução históricos se sucedam uns aos outros segundo umdeterminismo rígido, e não parece também considerar que asforças produtivas conheçam sempre uma expansão inevitável.Como quer que seja, se a derrota do capitalismo é inelutável,porque é que a classe operária não se contentaria em esperartranquilamente que este acontecimento surgisse em vez de secansar a criar as condições políticas dessa derrota? Poderíamosargumentar, como Marx parece ter deixado entender porvezes, que, na própria medida em que a classe operária teminevitavelmente tendência a tomar cada vez mais consciênciada sua condição e em querer mudá-la, é inevitável que os seusactos “livres” sejam avaliados pela bitola de considerações

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deterministas de maior envergadura: alguns pensadores cris-tãos tentaram resolver a contradição aparente entre o livrearbítrio e a divina providência recorrendo a um raciocíniosimilar. Mas, na prática, isto é, quando ele analisa situaçõespolíticas particulares, Marx parece sobretudo inclinado a pen-sar que o desencadear da revolução política depende das rela-ções mais ou menos conflituais que se estabelecem entre for-ças sociais antagonistas, e que o desenlace dessa luta não estánunca garantido historicamente: existem, bem entendido, leisda História, anota, mas essas leis resultam unicamente dasacções concertadas dos seres humanos, e não de decretos alti-vos de um Destino sobre o qual a humanidade não tivessequalquer mão. Estas linhas muito célebres são extraídas do18 de Brumário de Louis Bonaparte:

“Os homens fazem a sua própria história, masnão a fazem a seu bel-prazer, em circunstâncias livre-mente escolhidas; estas, pelo contrário, apresentam-se--lhes já feitas, dadas, como herança do passado. A tradi-ção de todas as gerações mortas pesa como um pesa-delo no cérebro dos vivos.

[...]A revolução social do século XIX não pode pro-

curar a sua poesia no tempo passado, mas somente nofuturo. Ela não pode começar antes de se ter despojadode qualquer superstição em relação ao passado. As revo-luções anteriores tiveram necessidade de reminiscênciasemprestadas à história universal para fecharem os olhossobre o seu próprio objecto. A revolução do séculoXIX deve deixar os mortos enterrarem os seus mortos,para atingir o seu próprio conteúdo” (BLB, pp. 438 e440; OE, I, p. 419).

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4. POLÍTICA

Se Marx é mesmo uma espécie de filósofo, ele tambémse demarca da maioria dos construtores de sistemas filosóficosna medida em que considera que as suas reflexões, por maisabstrusas que sejam, têm um alcance essencialmente prático– porque, aos seus olhos, as ideias estão não só ao serviço deforças políticas reais, como têm um peso político enquantotais. É este o teor da célebre tese marxista sobre a unidade dateoria e da prática – mesmo se não devemos esquecer que ateoria de Marx aspira além do mais a induzir uma ordem socialem que o pensamento não desempenhe mais do que um papelmeramente instrumental nem vise unicamente atingir este ouaquele objectivo prático, mas, ao invés, possa ser apreciadocomo um exercício que por si dê prazer.

A doutrina política de Marx é fundamentalmente revo-lucionária – na sua óptica, o termo “revolução” refere-semenos à rapidez, ao repentino ou à violência de um processode mudança social (apesar da concepção violenta da cons-trução do socialismo à qual parece aderir: ele não exclui oemprego da força insurreccional) do que à exclusão de umaclasse possuidora e à substituição desta classe por outra, pro-cesso que evidentemente não pode ser cumprido de um diapara o outro. Uma particularidade do socialismo merece serassinalada: não apenas a tomada do poder pela classe operáriaé descrita como indispensável à instauração do modo de pro-

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dução socialista, como dela se espera que crie as condiçõespara a abolição final de todas as classes. Uma vez que a colec-tivização e o controlo social dos meios de produção tenhamsido estabelecidos, escreve Marx, as próprias classes acabarãopor desaparecer:

“Todas as classes que anteriormente conquista-ram o poder procuraram consolidar a posição adquiridasubmetendo toda a sociedade às condições da sua prá-tica. Os proletários só podem tornar-se senhores dasforças produtivas da sociedade abolindo o seu própriomodo de apropriação; e, consequentemente, o modode apropriação tal como existiu até aos nossos dias.Os proletários não detêm nada de seu, não têm nada asalvaguardar; cabe-lhes destruir todas as garantias pri-vadas, todos os seguros outrora contratados” (MC, p.172; OE, I, p.116).

Formulações que fazem eco de uma outra passagem,tirada das suas obras de juventude:

“Mas então onde encontrar a possibilidadepositiva da emancipação [...]?

Resposta: na formação de uma classe encarregadade cadeias radicais, de uma classe da sociedade civil quenão é uma classe da sociedade civil, de uma ordem queé a dissolução de todas as ordens, de uma esfera quepossui um carácter universal por força dos seus sofri-mentos universais, e que não reivindica qualquer direitoparticular, porque a submetem não a uma falta particular,mas à falta absoluta, que já não pode reportar-se a umtítulo histórico, mas apenas a um título humano [...]. Estadissolução da sociedade, é, enquanto Stand particular,

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o proletariado” (AEP, “Pour une critique de la phi-losophie du droit de Hegel”, p. 396).

O proletariado constituirá a última classe da históriaporque o acesso ao poder da classe operária tomará a formade uma “ditadura do proletariado” que será o prelúdio daedificação de uma sociedade onde todos e todas se posicio-narão da mesma forma em relação aos meios de produção,enquanto proprietários colectivos das forças produtivas: por“operário” já não se entenderá os membros de uma classeparticular, mas a totalidade dos homens e das mulheres queconcorrerem para a produção e a perpetuação de um certotipo de vida social. Dita “socialismo”, a primeira fase da revo-lução anticapitalista não será acompanhada de uma igualdadetotal: com efeito, para Marx, o conceito de “igualdade dedireitos” não é mais do que uma espécie de reflexo idealizado,directamente herdado da época burguesa, de uma troca demercadorias fundada sobre um princípio de igualdade abstrac-to. Não podemos daí deduzir que esta noção não tenha parasi qualquer valor: ele contenta-se em constatar que o princípiodo “direito igual” oculta inevitavelmente as particularidadesmasculinas e femininas não reconhecendo a diferença intrín-seca dos talentos individuais – que, tal como muitos outrosestigmas da ordem burguesa, este princípio mistifica o serhumano ao privilegiar um legalismo que dissimula o conteúdoreal das desigualdades sociais. E o facto é que Marx se interessamais pela diferença do que pela igualdade; o socialismo, anota,não suprime as desigualdades:

“Contudo, tal indivíduo é física ou intelectual-mente superior a outro, e portanto fornece num mes-mo tempo mais trabalho ou pode trabalhar durante maistempo. O trabalho, para servir de medida, deve ser cal-

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culado de acordo com a duração ou a intensidade, senão deixaria de ser o padrão de medida. Este direitoigual é um direito desigual para um trabalho desigual.Não reconhece qualquer distinção de classe, dado quequalquer homem é somente um trabalhador como qual-quer outro, mas reconhece tacitamente como um privi-légio natural o talento desigual dos trabalhadores, e,assim, a desigualdade da sua capacidade produtiva.É portanto, no seu teor, um direito de desigualdade como qual-quer direito. Pela sua natureza, o direito só pode consistirno emprego de uma medida igual para todos; mas osindivíduos desiguais (e seriam indistintos se não fossemdesiguais) só podem ser medidos com uma medida igualquando são considerados sob um mesmo ponto devista, quando sejam olhados sob um aspecto único edeterminado; por exemplo, no nosso caso, unicamenteenquanto trabalhadores, abstraindo tudo o resto. Poroutro lado: este operário é casado, aquele outro não;este tem mais filhos que aquele outro, etc. Para rendi-mento igual, e portanto para participação igual no fun-do social de consumo, um recebe efectivamente maisdo que o outro, um será mais rico do que o outro, etc.Para evitar todos estes inconvenientes, o direito nãodeveria ser igual, mas desigual” (CPG, pp. 1419-1420;OE, III, pp. 16-17).

Por consequência, o socialismo não preconiza nenhumnivelamento por baixo: fundamentalmente respeitador dasdiferenças individuais, irá permitir pela primeira vez que estasdiferenças se possam manifestar plenamente. É assim, deacordo com Marx, que a contradição aparente entre o indivi-dual e o universal poderá ser resolvida: porque, longe de carac-terizar um modo de ser supra-individual, para ele, a univer-

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salidade coincide simplesmente com o imperativo da partici-pação de qualquer indivíduo no processo do livre desenvolvi-mento das suas faculdades pessoais. Ainda que, enquanto osprodutores dos dois sexos tiverem necessidade de ser remune-rados em função do seu trabalho, subsistam inevitavelmentedesigualdades.

Num segundo tempo, contudo, o nível de desenvolvi-mento das forças produtivas atingido na fase superior do “co-munismo” assegurará recursos tão abundantes que as questõesda igualdade ou da desigualdade deixarão de se pôr – bastarácolher neste fundo comum de recursos para que as necessi-dades de cada um possam ser satisfeitas:

“Numa fase superior da sociedade comunista,quando tiverem desaparecido a servil subordinação dosindivíduos à divisão do trabalho e, em consequência, aoposição entre o trabalho intelectual e o trabalho cor-poral; quando o trabalho se tiver tornado não apenas omeio de vida, mas também a primeira necessidade davida; quando, com o florescer universal dos indivíduos,as forças produtivas tiverem crescido, e todas as fontesde riqueza cooperativa brotarem com abundância – sóentão poderemos evadir-nos de vez do estreito hori-zonte do direito burguês, e a sociedade poderá escrevernos seus estandartes: “De cada um segundo as suascapacidades, para cada um segundo as suas necessi-dades!”“ (CPG, p. 1420; OE, III, p. 17).

Nesta sociedade comunista, estaremos desembaraçadosdessas tão importunas classes sociais e disporemos ainda desuficientes lazeres e de energia para cultivar a nossa inteligên-cia e os nossos talentos à nossa vontade, não estando o exercí-cio deste direito submetido a qualquer outra condição que

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não seja o respeito pela imposição de que todos possam fazero mesmo. Em que se distingue este objectivo político dosobjectivos do liberalismo? Sobretudo nisto: a expressão donosso ser individual equivale para Marx à realização do nossoser genérico; por este mesmo facto, o processo desta explo-ração e/ou transformação das nossas capacidades individuaissó poderá cumprir-se no quadro de relações recíprocas, me-diante uma colaboração mútua e não num esplêndido isola-mento – segundo Marx, o “outro” dá-me o meio de me auto--realizar em vez de constituir (no melhor dos casos) umsimples co-participante deste projecto, ou ser mesmo um obs-táculo activo à minha própria auto-realização. E esta sociedadecomunista trará ainda outros frutos: ao transformar sufici-entemente as forças produtivas herdadas do capitalismo paraque as tarefas degradantes sejam reduzidas ao mínimo e aolibertar assim os homens e as mulheres da tirania dos maisvis labores, permitirá que cada um se dedique ao controlodemocrático da vida social, enquanto “indivíduo integral”finalmente senhor do seu destino. Sob o comunismo, os sereshumanos recuperarão portanto essas partes de si próprios deque tinham sido desapossados e reconhecer-se-ão como cria-dores e possuidores de um mundo purgado da sua falsa imuta-bilidade.

A revolução socialista deve, contudo, ser mediatizadapor um agente que Marx descobriu na figura do proletário.Porquê o proletariado? Não porque seja espiritualmente supe-rior às outras classes, nem mesmo porque seja o mais oprimidode todos os grupos sociais: neste caso, os vagabundos, ospárias, os indigentes (todos aqueles que Marx qualifica desde-nhosamente como membros do “lumpenproletariat”) dariambem melhor conta do recado! Poderíamos dizer que é o capita-lismo, mais do que o socialismo, que propulsiona a classeoperária para o papel de agente privilegiado da mudança revo-

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lucionária: não só esta classe é aquela que mais irá ganharcom a abolição do capitalismo, como além disso é suficiente-mente educada, organizada e geograficamente concentradapara levar a cabo eficazmente a tarefa que lhe está cometida.E convém sublinhar a este propósito que esta revolução espe-cífica (o derrube do capitalismo) que a classe operária devecumprir não tem nada de exclusivo: não se opõe necessaria-mente às transformações paralelas que outros grupos radicais(as feministas, os nacionalistas, os membros de minorias étni-cas, etc.) possam efectuar concomitantemente, aliando-se depreferência àqueles que são mais cruelmente explorados pelocapitalismo.

Em que consistirá a sociedade futura? Ela não tomarácertamente a forma de uma ordem social encimada por umEstado, instância política que Marx arruma na categoria das“superestruturas” reguladoras das sociedades capitalistas: paraele, os Estados são mais subprodutos da luta de classes do queestruturas que permitam transcender os conflitos ou resolvê--los idealmente, isto é, afinal simples instrumentos ao serviçodas classes dirigentes que aspiram apenas a dominar as classesinferiores; e os Estados burgueses, nomeadamente, apareceramem função da oposição alienante que foi estabelecida entre oindividual e o universal:

“É precisamente devido a esta oposição entreinteresse particular e interesse comum que este toma,enquanto Estado, uma configuração autónoma, des-ligada dos interesses reais, individuais e colectivos, aomesmo tempo que se apresenta como comunidade ilu-sória, mas sempre sobre a base real dos laços existentesem cada conglomerado de famílias e de tribos, tais comoa consanguinidade, a linguagem, a divisão do trabalhonuma maior escala e outros interesses; em particular,

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como iremos expor mais tarde, sobre a base das classessociais já saídas da divisão do trabalho, as quais se cons-tituem separadamente em qualquer agregado humanodeste género, e das quais uma domina todas as outras.Segue-se que todas as lutas no seio do Estado, a lutaentre a democracia, a aristocracia e a monarquia, a lutapelo sufrágio, etc., não passam de formas ilusórias –sendo o geral sempre a forma ilusória do comunitário– nas quais as lutas entre as diferentes classes são tra-vadas [...]” (IA, p. 1064; OE, I, p. 24).

Marx, é certo, não adere sempre a uma visão do Estadotão francamente instrumentalista quando analisa os conflitosde classes ao pormenor; mas não deixa de estar convencidode que a verdade do Estado, por assim dizer, é sempre exteriora ele, e considera ainda que as estruturas estatais são intrinse-camente alienantes, nomeadamente pelo facto de a parte decompetências individuais que cada cidadão delega no Estadopesar sempre fortemente nas modalidades quotidianas destaforma específica de existência económico-social que se afirmana “sociedade civil”, para retomar a expressão de Marx. Umademocracia autenticamente socialista, pelo contrário, deveriarestituir-nos estas facetas universais e individuais de nós mes-mos permitindo-nos participar nos processos mais gerais davida política enquanto sujeitos concretos e singulares – nosnossos locais de trabalho ou nas localidades onde residimos,mais do que através da cidadania puramente abstracta que asdemocracias liberais representativas nos outorgam. Destemodo, Marx está muito próximo do anarquismo: parece pre-conizar a criação de uma sociedade cooperativa composta de“livres associações” de trabalhadores que estenderiam a demo-cracia à esfera económica, transformando-a assim numa reali-dade concreta na esfera política. Foi finalmente à busca deste

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objectivo – muito menos sinistro ou inquietante, no fim decontas, do que alguns pretenderam – que ele se dedicou, nãoapenas escrevendo, mas também, e talvez mais ainda, agindo.

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ÍNDICE

1. Filosofia 92. Antropologia 253. História 454. Política 61

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— LIVROS PUBLICADOS —

EUROPA SEM MÁSCARAHenri Houben - Georg Polikeit - Arno Neuber - Raf Jespers

Jo Cottenier - Herwig Lerouge - Nadine Rosa-Rosso

200 pág. - 8,40 •

PAIS DE ABRIL, FILHOS DE NOVEMBRO

MEMÓRIA DO 25 DE ABRIL

Tiago Matos Silva

180 pág. - 10,50 •

NOVAS TECNOLOGIAS, TRABALHO EEDUCAÇÃO

DESORGANIZANDO O CONCENSO

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72 pág. - 6,30 •

RESISTÊNCIAPedro Goulart

144 pág. - 9,45 •

O GULAG AMERICANOSusie Day - Angela Davis - Eve Goldberg - Linda Evans

Monthly Review

104 pág. - 6,30 •

MARX NO SEU TEMPOSelecção de cartas, actas de reuniões, relatórios policiais,

entrevistas, etc.176 pág. - 11,55 •

LIVRO NEGRO DO RACISMO EM PORTUGALElsa Sertório

196 pág. - 10,50 •

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MUNDO EM DECLÍNIOClaude Bitot

68 pág. - 6,30 •

OS DESAFIOS DA MUNDIALIZAÇÃOSamir Amin

304 pág.- 15,75 •

A HEGEMONIA DO CAPITAL FINANCEIRO

E A SUA CRÍTICATom Thomas

184 pág. - 9,45 •

RUANDA - UM GENOCÍDIO NA CONSCIÊNCIAMichel Sitbon

184 pág. - 5,50 •

A PARTILHA DA JUGOSLÁVIANoam Chomsky - Eduardo Galeano - James Petras - K. S.Karol Roy Medvedev - André Gunder Frank - Samir Amin -

Mumia Abu-Jamal128 pág. - 4,20 •

ABRIL TRAÍDOFrancisco Martins Rodrigues

120 pág. - 8,40 •

O EUROCENTRISMO

CRÍTICA DE UMA IDEOLOGIA

Samir Amin256 pág. - 14,70 •

AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINAEduardo Galeano256 pág. - 14,70 •

O IMPÉRIO A PRETO E BRANCOAna Barradas

(álbum fotográfico)80 pág. - 9,45 •

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OS MEUS ANOS COM O CHE

DA GUATEMALA AO MÉXICO

Hilda Gadea200 pág. - 10,50 •

CORAÇÃO FORTELicínio Azevedo

176 pág. - 9,45 •

HISTÓRIA DA COMUNA DE 1871Prosper-Olivier Lissagaray

358 pág. - 14,70 •

BRECHTPoesia - Textos - Teatro

128 pág. - 8,40 •

ZUM-ZUMGlória de Sant’Ana

(poesia)40 pág. - 8 •

CRISE AFRICANA

ALTERNATIVAS

Bernard Founou-Tchuigoua8o pág. - 6,50 •

VIDA DE PRETOPedro Cavalheiro - Diniz Conefrey - Paulo Samões - AnaCortesão - Alice Geirinhas - Maria João Worm - Zé Paulo

A. Félix/L. Lucas(banda desenhada)

48 pág. - 10 •

KIANDA - O RIO DA SEDEÁlvaro Fernandes152 pág. - 8,50 •

BÁRBAROS SÃO OS OUTROS

MANIFESTO SOBRE O RACISMO OCIDENTAL

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Zia Sardar - Ashis Nandy - Merryl Win Davies88 pág. - 6,25 •

O VAGABUNDO E OUTRAS HISTÓRIASJack London

126 pág. 8,40 •

A ECOLOGIA DO ABSURDOTom Thomas

116 pág. - 7,75 •

O FUTURO ERA AGORA

O MOVIMENTO POPULAR DO 25 DE ABRIL

(testemunhos)230 pág. - 12 •