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O MEDO E SUAS VIAS DE CONSUMO MARTINS, Herbert Toledo 1 PALMA, Janaina da Silva 2 RESUMO: Os medos podem ser variados, porém todos nós indivíduos sociais, possuímos medo, sejam eles pequenininhos ou daqueles paralisantes. O fato é que ele, o medo, consegue influenciar o mundo social e dentre tantas outras afirmações que poderíamos fazer, argumentamos que ele consegue impelir os indivíduos a consumirem. Nesta perspectiva, o objetivo mais geral do artigo é discutir as possibilidades de vias de consumo em função do sentimento de medo e, mais especificamente, do consumo provocado pela violência, no que tange à realidade da sociedade moderna e ocidental. A análise está baseada em uma pesquisa de vitimização, onde foram aplicados 615 questionários por amostragem probabilística domiciliar definida com um erro amostral de 4% com um intervalo de confiança de 95%. Neste survey, o público-alvo foram os moradores da área urbana com 16 anos de idade ou mais. Os dados nos apresentam que movidos pelo medo os indivíduos deixam de circular por determinados lugares, mudam as suas formas de sociabilidade e de consumo e, aos poucos, vão se tornando consumidores da “indústria do medo”. Os mais abastados privatizam a segurança se fecham em condomínios, apart hotéis, edifícios, cercas elétricas, carros blindados; enquanto os mais pobres recuam do convívio social da rua e se fecham em suas casas; tudo isso como um recurso para evitar o risco ao qual o indivíduo se sente exposto. PALAVRA-CHAVE: Medo, Sociabilidade, Consumo, Violência. 1 Professor Doutor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Coordenador do Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social GPECS. 2 Estudante de graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)

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O MEDO E SUAS VIAS DE CONSUMO

MARTINS, Herbert Toledo1

PALMA, Janaina da Silva2

RESUMO:

Os medos podem ser variados, porém todos nós indivíduos sociais, possuímos

medo, sejam eles pequenininhos ou daqueles paralisantes. O fato é que ele, o medo,

consegue influenciar o mundo social e dentre tantas outras afirmações que poderíamos

fazer, argumentamos que ele consegue impelir os indivíduos a consumirem. Nesta

perspectiva, o objetivo mais geral do artigo é discutir as possibilidades de vias de

consumo em função do sentimento de medo e, mais especificamente, do consumo

provocado pela violência, no que tange à realidade da sociedade moderna e ocidental. A

análise está baseada em uma pesquisa de vitimização, onde foram aplicados 615

questionários por amostragem probabilística domiciliar definida com um erro amostral

de 4% com um intervalo de confiança de 95%. Neste survey, o público-alvo foram os

moradores da área urbana com 16 anos de idade ou mais. Os dados nos apresentam que

movidos pelo medo os indivíduos deixam de circular por determinados lugares, mudam

as suas formas de sociabilidade e de consumo e, aos poucos, vão se tornando

consumidores da “indústria do medo”. Os mais abastados privatizam a segurança se

fecham em condomínios, apart hotéis, edifícios, cercas elétricas, carros blindados;

enquanto os mais pobres recuam do convívio social da rua e se fecham em suas casas;

tudo isso como um recurso para evitar o risco ao qual o indivíduo se sente exposto.

PALAVRA-CHAVE: Medo, Sociabilidade, Consumo, Violência.

1 Professor Doutor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Coordenador do

Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social – GPECS. 2 Estudante de graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da

Bahia (UFRB)

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1. INTRODUÇÃO

"Eu tenho medo e medo está por fora O medo anda por dentro do teu coração

Eu tenho medo de que chegue a hora Em que eu precise entrar no avião

Eu tenho medo de abrir a porta Que dá pro sertão da minha solidão

Apertar o botão: cidade morta Placa torta indicando a contramão

Faca de ponta e meu punhal que corta E o fantasma escondido no porão

Medo, medo. medo, medo, medo, medo”

(Pequeno Mapa do tempo, Belchior)

No cotidiano da vida social os nossos medos podem ser variados, porém todos

nós indivíduos sociais, sentimos medo; o medo é um sentimento inerente à vida em

sociedade e pode em muitos casos ser objetivo ou subjetivo. Contudo, o fato em

destaque neste trabalho é que ele, o medo, está sempre presente e consegue influenciar o

mundo social, as nossas sociabilidades, enfim, ele influencia mesmo que indiretamente

na organização social e cotidiana das pessoas, inclusive nas suas formas de consumo.

Neste sentido, o presente artigo pretende analisar as possibilidades e as vias de consumo

que o sentimento de medo provoca nos indivíduos, sobretudo, aquelas oriundas do

medo da violência presente na realidade da sociedade moderna e ocidental.

Nesta perspectiva, observa-se nos dias atuais um aumento significativo do

mercado de produtos e serviços no campo da segurança com o objetivo de “proteger” as

pessoas. Dessa forma, temos não apenas uma questão relevante ao campo econômico

com a expressiva geração de lucro que esse mercado oferece, mas, sobretudo, a

percepção de que quanto mais cresce o consumo de “bens de segurança”, mais a questão

de responsabilidade política do Estado-nação, enquanto ente responsável pela segurança

pública é posta em questão. Neste sentido, argumentamos no decorrer do texto que é

dever do estado-nação garantir a segurança dos indivíduos; e que tais indivíduos por não

se sentirem seguros, nos últimos tempos têm buscado cada vez mais outras vias de

segurança no ambiente do comércio de produtos de segurança privada; e, dessa forma,

entendemos que o Estado não está cumprindo com uma das suas funções precípuas

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conforme disposto no Art. 144 da Constituição de 1988, que dispõe que “a segurança

pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a

preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

Ademais, concordando com Caldeira (2000), entendemos que umas das grandes

consequências que podem advir dessa reorganização proposta pela prática do consumo

de produtos e serviços de segurança privada é que ela demarca uma nova via de

segregação social; onde quem poder pagar para ter acesso a esses meios assume um

lugar de maior conforte frente à insegurança constatada na sociedade moderna,

enquanto aqueles que não possuem o mesmo poder de consumo se sentem mais

expostos, e tentam usar de outros meios para burlar esse sentimento, como veremos

mais detalhadamente ao decorrer do texto.

Nesta perspectiva, nosso objeto de pesquisa articula as ideias apresentadas por

aquilo que vem ser o campo da sociologia do consumo, com os conceitos que

configuram os estudos da antropologia das emoções, em particular o sentimento de

medo. Para tanto, o presente artigo está dividido da seguinte forma, no primeiro tópico,

intitulado “O medo e a modernidade” vamos apresentar a discussão do sentimento de

medo dentro daquilo que caracteriza a sua relevância antropológica; a partir desse

entendimento falaremos sobre “A indústria do medo e seu consumo”; seguido pela

analise dos dados referentes a pesquisa realizada na cidade de Feira de Santana – Ba, e

da conclusão.

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2. O MEDO E A MODERNIDADE

Para pensar o medo e principalmente, para trazer em consideração a relevância

de sua função social, vamos comentar o pensamento de Giddens, observando que o

sentimento de medo é fruto da constituição e da percepção do risco; tendo sempre em

vista que o próprio Giddens apresenta que esta percepção do risco é um produto da

sociedade ocidental moderna, e que é esse mesmo meio social que faz a manutenção

desse sentimento. Assim podemos afirmar que a sociedade moderna é, portanto, uma

sociedade de riscos. Vejamos:

As culturas tradicionais não tinham um conceito de risco porque não

precisavam disso. Risco não é mesmo que infortúnio ou perigo. Risco se

refere a infortúnios ativamente avaliados em relação à possibilidades futuras.

A palavra só passa a ser amplamente utilizada em sociedades orientais para o

futuro – que vêem o futuro precisamente como um território a ser

conquistado ou colonizado. O conceito de risco pressupõe uma sociedade que

tenta ativamente romper com seu passado – de fato, a característica

primordial da civilização industrial moderna (GIDDENS, 2000, p. 33).

Ainda segundo Giddens (2000), “o seguro é a base a partir da qual as pessoas

estão dispostas a assumir riscos”. E são esses riscos com os seus aparatos necessários à

proteção dos indivíduos que tem impulsionado o mercado da segurança privada, na

medida em que se consume com a finalidade de burlar os riscos e assim evitar a

exposição ao sentimento de medo. Ainda segundo Giddens (2000):

O risco é a dinâmica mobilizadora de uma sociedade propensa à mudança,

que deseja determinar seu próprio futuro em vez de confiá-lo à religião, à

tradição ou aos caprichos da natureza. O capitalismo moderno difere de todas

as formas anteriores de sistema econômico em suas atitudes em relação ao

futuro. Os tipos de empreendimentos de mercado anteriores eram irregulares

ou parciais. As atividades dos mercadores e negociantes, por exemplo, nunca

tiveram um efeito muito profundo na estrutura básica das civilizações

tradicionais (GIDDENS, 200. p34).

Com isso, pensando então nesse risco, enquanto dispositivo do sentimento de

medo, ressaltamos que na sociedade moderna, existem dois tipos de risco, o risco

externo que diz respeito ao que é experimentado como vindo de fora, da rigidez das

tradições ou da natureza; e o risco fabricado, aquele que é criado pelo impacto do nosso

crescente conhecimento, sobretudo, das situações em cujo confronto tem pouca

experiência histórica, por exemplo, os riscos ambientais. No entanto, o risco fabricado

não se liga apenas à natureza. Penetra em outras esferas da vida também. Ele diz

respeito a tudo aquilo que é imprevisto, que pode ocorrer independentemente do cálculo

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do indivíduo. A maneira mais eficiente de enfrentar o crescimento do risco fabricado é

limitar a sua possibilidade mediante a adoção do chamado “princípio do

acautelamento”, ou seja, tomar medidas de precaução, de tentar evitar o risco. A Baierl

observa que:

A violência urbana tem ampliado o que denominamos medo social. Medo

este construído socialmente e que afeta a coletividade. Trata-se do medo

utilizado como instrumento de coerção por determinados grupos que

submetem pessoas aos interesses deles. O medo social vem alterando

profundamente o território e o tecido urbano e, consequentemente, a vida

cotidiana da população. Todos se sentem afetados, ameaçados e correndo

perigo. Ameaças reais, vindas de sujeitos reais, são contrapostas a ameaças

potenciais típicas do imaginário singular coletivo, produzindo pelos indicies

perversos do crescimento da violência nas cidades. Isso se agrava pela forma

como esses indicies são veiculados e tratados pela mídia, pela fala corriqueira

do crime e, principalmente, pela ineficiência e impunidade no papel da

policia e do Estado frente à questão social. Os sentimentos generalizados são

de insegurança, ameaça, raiva, ódio, medo e desespero. (BAIERL, 2004.

p20).

Nesta perspectiva, entre os riscos fabricados pela modernidade localizamos o

risco de ser vítima da violência e da criminalidade urbana. O risco de ser vítima provoca

insegurança e medo nas pessoas. Neste sentido, pode-se afirmar que o sentimento de

insegurança e medo são frutos da constituição da sociedade moderna. Se a sociedade

moderna é uma sociedade de riscos, ela também é uma sociedade de inseguranças e

medos provocados pelos seus próprios riscos, e os mesmos refletem na manutenção de

uma configuração do mercado de capital, como veremos a seguir, gerando um grande

fluxo econômico.

3. A INDÚSTRIA DO MEDO E SEU CONSUMO

É fato que na atualidade das sociedades modernas existe uma expansão de um

público consumidor que impõe a necessidade da ampliação do mercado de bens e

serviços de segurança privada não só no que diz respeito ao Brasil, mas também os

fenômenos se ratificam em projeções mundiais. Entendemos que,

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A violência e os atos violentos ocupam o espaço deixado pela fragmentação

de valores sociais mais pessoalizados, em uma sociedade de mudanças

profundas nas esferas comportamentais e caminhando para um

individualismo selvagem como modo de vida, já que as devidas regras sociais

do novo momento da sociabilidade brasileira não se encontram de todo caras,

nem sequer esboçadas. Os valores que criam a identidade do individuo, dessa

forma, pulverizados e questionados no seu potencial de pertença, parecem

que criam a identidade do individuo, dessa forma, pulverizados e

questionados no seu potencial de pertença, parecem colocar-se no social de

forma frágil e transitória, ampliando a solidão dos sujeitos e amplificando o

imaginário social do outro como concorrente, como inimigo ou estranho,

contribuindo para os contornos sociais de onde se visibilizam as interações

entre indivíduos para esse novo caráter da violência expressa de diferentes

maneiras pela mídia e que parece conformar o imaginário dos cidadãos, o que

parece gerar nos jovens e adultos, usados pela cultura do medo como um

sustentáculo e ampliação da indústria que a mantém (KOURY, 2014. p101).

Neste sentido, a indústria do medo é aqui entendida como a responsável pela

produção de produtos e serviços de segurança privada, assim como daqueles setores da

economia que vendem serviços vinculados à segurança, e que seguem a lógica

mercadológica cujo objetivo precípuo é o lucro.

Tendo ciência disso, seguimos articulando a produção da “indústria do medo”

com as disposições daquilo que nos é apresentado como sendo uma cultura do consumo,

que em linhas gerais podemos definir a partir de três concepções ou dimensões, a saber:

A primeira concepção de que a cultura de consumo tem como premissa a

expansão da produção capitalista de mercadorias, que deu origem a uma

vasta acumulação de cultura material na forma de bens e locais de compra e

consumo. Isso resultou na proeminência cada vez maior do lazer e das

atividades de consumo nas sociedades ocidentais contemporâneas,

fenômenos que embora sejam bem-vindos por alguns, na medida em que

teriam resultado em maior igualitarismo e liberdade individual, são

considerados por outros como alimentadores da capacidade de manipulação

ideológica e controle “sedutor” da população, prevenindo qualquer

alternativa “melhor” de organização das relações sociais. Em segundo lugar,

há concepção mais estritamente sociológica de que a relação entre a

satisfação proporcionada pelos bens e seu acesso socialmente da exibição e

da conservação das diferenças em condições de inflação. Nesse caso,

focaliza-se o fato de que as pessoas usam as mercadorias de forma a criar

vínculos ou estabelecer distinções sociais. Em terceiro lugar, há a questão

dos prazeres emocionais do consumo, os sonhos e desejos celebrados no

imaginário cultural consumista e em locais específicos de consumo que

produzem diversos tipos de excitação física e prazeres estéticos

(FEATHERSTONE, 1995, p. 31 Grifos nossos).

Com isso, partindo daquilo que acima foi definido enquanto uma cultura do

consumo; articulamos aqui essa cultura com o consumo de bens e serviços ofertados no

campo da segurança pública que tem a pretensão de promover segurança aos indivíduos

e, que por sua vez, também deve cumprir as mesmas dimensões ou concepções acima

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destacadas, isto é: a expansão da produção capitalista de mercadorias; o uso das

mercadorias de forma a criar vínculos ou estabelecer distinções sociais; os prazeres

emocionais do consumo.

Dessa forma, portanto, o que temos estabelecido aqui é que as mercadorias e os

serviços de segurança privada estão sendo consumidos com a intencionalidade de trazer

uma segurança para o seu consumidor final, pois estes se sentem expostos a algum

risco, seja este risco algo interno ou externo, como já foi aqui apresentado. Nesse

contexto de modernidade e pensando agora na função do individuo dentro desse

contexto, buscando transfigurar a imagem do consumidor passivo, Retondar (2008)

apresenta o vem a ser a discursão de uma hipertrofia do individualismo, onde o

consumo é peça fundamental dessa configuração.

Poderíamos assim afirmar que o ato de consumo se caracteriza como uma

forma contemporânea de “ação social” que se desdobra – tal qual nos termos

desenvolvidos pelo próprio Weber –, em um tipo específico de relação social,

definida a partir de um conjunto de significados que a envolvem e que se

encontram partilhados por um grupo definido de consumidores

(RETONDAR, 2008. p9).

Com isso o que se apresenta é que essa subjetividade de um individuo

consumidor vai sendo definida no interior desse processo de consumo, não sendo assim

uma subjetividade puramente “psicológica”, mas, sendo assim produzida e reproduzida

no interior de processos sociais. Com tudo, Retondar (2007), afirma:

Dentro desta perspectiva, o desenvolvimento e a expansão da sociedade de

consumo para um nível global recoloca (e amplia), nesta dimensão, este valor

caro à modernidade, ou seja o individuo enquanto efetivo sujeito do processo

social, se transformando, neste caso, em uma espécie de “mega-agente

civilizatório” da própria modernidade (RETONDAR, 2007, p86).

Dialogando com aquilo que tange à segurança pública, a insegurança é deste

modo o que faz alavancar o consumo de alguns bens, mas para seguir as regras do

consumo das necessidades do mercado capitalista, essa indústria está sempre inovando e

promovendo no seu consumidor a necessidade de aumentar o leque de bens

consumidos. No entanto, para entender melhor o contexto em que isso se confecciona,

observamos que:

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Para assegurar a paz, tão precária no período feudal, e atender as demandas

coletivas de segurança, o estado moderno, foi criado para exercer o que se

chamou “monopólio da violência legitima”. Isso quer dizer que, através do

seu maior poder de fogo, o Estado passou a arbitrar os conflitos e a exigir o

cumprimento de suas decisões judiciais. A ordem e a vingança privada

deixaram de vigorar. Quando apenas algumas instituições estatais, como a

policia e as forças armadas, podem fazer uso da violência legalmente para

proteger o cidadão, o Estado adquire a capacidade de impor uma decisão

judicial. Atrás desse poder está a ameaça do uso da força para fazê-la

cumprir. (ZALUAR, 1996. p43.)

Entendemos assim que o fenômeno do crescimento desse mercado consumidor e

consequentemente dessa oferta de produtos e serviços que reforçam o setor da

segurança privada vem justamente nessa mão de contestar o monopólio legitimo da

violência e da força física pelo Estado, sendo que como é apresentado acima por Zaluar,

esse monopólio é um dos demarcadores do estado moderno, que em suas

(re)organizações, passa a individualizar o acesso a essa segurança, pois está mais seguro

aquele que pode pagar mais por ela. Lembrando daquilo que nos alerta o Sapori:

A legitimidade de um governo nos tempos atuais depende, em boa medida,

de sua capacidade de manter ordem no seio de populações residentes em

territórios juridicamente submetidos à sua autoridade. Proliferação de

insegurança no cotidiano das relações sociais e, consequentemente, do

sentimento de insegurança e medo entre os indivíduos afeta diretamente o

grau de confiabilidade das autoridades governamentais, constituindo-se,

inclusive, em aspecto decisivo de disputas eleitorais (SAPORI, 2007, p17).

É neste contexto de um enfraquecimento daquilo que se dispõe a ser uma função

do Estado, é que essa indústria vem explorando novos medos e novas expectativas de

seguridade, criando assim uma funcionalidade mercadológica para a sua oferta.

Observamos esse fato diante daquilo que é indicado pela Caldeira:

A privatização da segurança desafia o monopólio do uso legítimo da força

pelo Estado, que tem sido considerado uma característica definidora do

Estado-nação moderno (...). Nas últimas décadas, a segurança tornou-se um

serviço que pode ser comparado e vendido no mercado, alimentando uma

indústria altamente lucrativa. Em meados dos anos 90, o número de

vigilantes empregados em segurança privada ultrapassou o de policiais em

quase três vezes nos Estados Unidos e em cerca de duas vezes mais na Grã-

Bretanha e no Canadá (...). Cidadãos desses e de muitos outros países

dependem cada vez mais da segurança privada, não só para a proteção em

face do crime mas também para identificação, triagem, controle e isolamento

de pessoas indesejadas, exatamente aquelas que se encaixam nos estereótipos

criados pela fala do crime (CALDEIRA, 2000. p10).

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Com tudo isso, e voltando aqui a dialogar com Baierl, entendemos que “Tomar

o medo social como objeto implica desvendar o conteúdo valorativo e cultural que vai

sendo tecido a partir das relações ambíguas entre o âmbito privado e o publico (Baierl,

2004. p24)”. E quando estamos pensamos nas disposições de consumo que esse medo

social pode vim a disparar, entendemos que as inovações que estão preparadas, dentro

da indústria que visa diminuir o medo das pessoas, com a promoção de bens que tragam

segurança para os indivíduos, têm como desafio inovar e manter o seu consumidor

sempre munido de novas ferramentas para suprir as suas necessidades. Sendo assim

concordamos que nesse tempo de “modernidade líquida” como é apresentada por

Bauman (2001), uma característica que fica evidente é a privatização das tarefas e

deveres do Estado.

4. Analise de dados

Entendendo que a privatização da segurança está dentre os fatores que

contribuem para a construção do imaginário do medo e para a materialização da

violência, destacando assim a falta de confiança no serviço público de segurança. A

análise aqui realizada é fruto da pesquisa de vitimização realizada na cidade de Feira de

Santana – Ba, pelo Grupo de Pesquisa em Conflitos e Segurança Social –

GPECS/UFRB, que possui fomento da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da

Bahia – FAPESB. Durante a parte quantitativa dessa pesquisa foram aplicados 615

questionários definidos por amostragem probabilística domiciliar seguindo os dados

fornecidos pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, definida com um

erro amostral de 4% com um intervalo de confiança de 95%.

Segundo Caldeira (2000), a privatização da segurança é um novo tipo de

discriminação e, de segregação. O medo nas cidades e as mudanças que ele vem

ajudando a gerar nos espaços urbanos representam um ataque à noção de que o espaço

público é aberto à circulação de todos os cidadãos a despeito de suas diferenças sociais.

Observe o gráfico:

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Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012.

A segurança privada vem cada vez mais assumindo o lugar e as funcionalidades

dos aparatos públicos de seguridade, no gráfico acima 31% dos entrevistados na cidade

de Feira de Santana – Ba, responderam SIM, quando questionados se nos últimos doze

meses tomaram alguma medida de segurança para a sua residência, um dado que em

linhas gerais é aprofundado quando a pergunta se aprofunda, e pedimos que os mesmos

entrevistados listem em ordem quais foram essas medidas de segurança tomada.

Observe o que acontece,

31%

69%

Gráfico 1: Gostaria de saber se, nos últimos 12 meses tomou medidas de segurança para sua residência:

SIM

Não

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38%

2% 16%

6%

4%

5%

2%

8%

10%

9%

Gráfico 2:Primeira medida de segurança

Grades nas janelas ou portas

Não tomou medidas de segurança

Troca de fechaduras, tranacas extras nasportas e janelas, além das fechadurasprincipaisInterfone

Cães de guarda

Alarme

Câmeras de vídeo

Vigia nas rua

Aumentou a altura do muro ou grade

Cerca elétrica sobre o muro

Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012.

O que vemos aqui é que a cidade passa a ser uma “cidade de grades”, ora aquele

que é indicado por 38% como a primeira medida de segurança tomada em suas

moradias é justamente a instalação de “grades nas portas e janelas”, tendo em vista que

essa é uma medida que não afeta apenas diretamente aquele que tomou a medida para

da sua residência, mas no entanto muda efetivamente toda a configuração da paisagem

da cidade, afetando assim um contexto de maior proporção, provocando naquelas que

passam por essas ruas a leitura de que existe uma veemente insegurança local, que vem

a ser burlada por estas mesmas grades associadas a outros meios, como veremos.

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Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012.

Aquela que ficou eleita como a segunda medida de segurança mais utilizada

entre nossos entrevistados é justamente com 27% das indicações, o “Aumentou a altura

do muro ou grade” o que comunga com aquilo que é apresentado enquanto mudança de

cenário urbano, identificada na questão anterior e principalmente com aquilo que nos é

apresentado pela Caldeira (2000). Pensar que as cidades estão se tornando cidades de

muros e de grades, é também repensar é eficácia do estado no cumprimento do seu

papel de ofertar segurança para esses sujeitos, onde os mesmos tentam se assegurar por

através de outras vias, estas se diferenciam dentre as classes econômicas, mesmo assim

não deixam de existir em função do poder aquisitivo, sejam de menor custo, como

apenas a implantação das grades e o crescimento dos muros ou mais complexas que

demandam um maior despendimento econômico. Vejamos:

9% 2%

20%

2%

2%

2% 2% 23%

27%

11%

Gráfico 3: Segunda medida de segurança

Grades nas janelas ou portas

Não tomou medidas de segurança

Troca de fechaduras, tranacas extrasnas portas e janelas, além dasfechaduras principais

Interfone

Cães de guarda

Alarme

Câmeras de vídeo

Vigia nas rua

Aumentou a altura do muro ou grade

Cerca elétrica sobre o muro

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Fonte: Coleta direta dos dados – GPECS/UFRB, 2012.

O que observamos no gráfico que remete a terceira medida de segurança

observamos que com 27% à medida que aparece com a mais tomada é a instalação de

“Câmera de vídeo”, seguido com 27% do uso de “Cerca elétrica nos muros” e seguindo

os dois com 18% “Vigia na rua” e novamente “Aumentou a altura do muro ou grade”.

Entendendo assim o aumento da oferta de equipamentos eletrônicos de segurança e

monitoramento alavancando muito a sua utilização como apoio aos efetivos de

segurança e, em alguns casos, até substituído a presença do vigilante. Neste gráfico fica

bastante referente um maior investimento em custos reais com a segurança privada, as

utilizações desses equipamentos e serviços de segurança veem movimentando uma fatia

significativa da nossa economia.

Ainda mais se levarmos em consideração aquilo que é apresentado pelo IV

ESSEG (2014) – Estudo do Setor da Segurança Privada, realizado pela FENAVIST –

Federação Nacional das Empresas de Segurança e de Valores, onde “O estudo

demonstra que houve um crescimento significativo do setor da segurança privada no

Brasil na última década em 68%, em número de empresas para 2013. Estima-se que

essas empresas movimentaram no Brasil cerca de R$ 43 bilhões/ano, empregando

formalmente cerca de 706,5 mil trabalhadores” (IV ESSEG, 2014. p6.). O mesmo

relatório apresenta que:

Em 2013 o crescimento do faturamento da ordem de R$ 7 a 8 bilhões

(+20,8% sobre 2012), foi totalmente absorvido, em todas as Regiões do

Brasil, pelo crescimento da Massa Salarial (R$ 3,8 bilhões), dos Impostos

9%

28%

18%

18%

27%

Gráfico 4: Terceira medida de segurança

Interfone

Câmeras de vídeo

Vigia nas rua

Aumentou a altura do muro ou grade

Cerca elétrica sobre o muro

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Federais e Municipais (R$ 900 milhões), dos Impostos e Contribuições

Trabalhistas (R$ 1,57 bilhões), dos Benefícios e Indenizações Trabalhistas

(R$ 1,2 bilhão) e Despesas Operacionais (R$ 600 milhões). Como resultado

final, podemos afirmar que o mercado de segurança não apontou crescimento

real em 2013, (em R$), o que é confirmado pela quase estabilidade no

número total de vigilantes ativos, em comparação com 2012. (IV ESSEG,

2014. p18.).

5. CONCLUSÃO

Partindo de tudo que foi apresentado no texto, entendemos que movidos pelo

medo os indivíduos mudam as suas formas de sociabilidade e de consumo e, aos

poucos, vão se tornando consumidores do que poderíamos chamar de uma “indústria do

medo”, fazendo assim uma alusão ao mercado de segurança privada. Os mais abastados

privatizam a segurança se fecham em condomínios, apart hotéis, edifícios, cercas

elétricas, carros blindados; enquanto os mais pobres recuam do convívio social da rua e

se fecham em suas casas; tudo isso como um recurso para evitar o risco ao qual o

indivíduo se sente exposto.

O surgimento e a emancipação do comercio no campo da segurança privada,

alimentado pelo sentimento de medo é um fenômeno complexo o que faz desse trabalho

é o inicio de um longo estudo que irá ser aprofundado. Indico a importância do tema,

pensando que a realidade dos seus medos é o reflexo das suas expectativas futuras. Os

individuos se sentem vulneráveis, vivem a iminência do risco que permeia a sociedade

moderna, como nos mostra o Giddens. E com isso a cada dia estão se (re)organizando,

promovendo um isolamento, um certo distanciamento preventivo, afim de estar sempre

se antecipando há possíveis violências, e com a ajuda desses dispositivos oferecido pela

segurança privada, estão cada vez mais promovendo uma nova forma de segregação

social, a partir do distanciamento do outro, enxergando neste um potencial violento.

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